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Universidade do Estado da Bahia – UNEB


Departamento de Educação – Campus II / Alagoinhas
Programa de Pós-Graduação em História

Muller Sampaio dos Santos Silva

Entre o Estado e a Filantropia: assistência à lepra na


cidade de Salvador-Ba (1921-1936)

Alagoinhas, março de 2022


1

Muller Sampaio dos Santos Silva

Entre o Estado e a Filantropia: assistência à lepra na


cidade de Salvador-Ba (1921-1936)

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado da Bahia –
Campus II como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
História.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo dos


Santos Batista

Banca examinadora:

Prof. Dr. Ricardo dos Santos Batista (Orientador) – UNEB

Prof. Dr. Luiz Otávio Ferreira – FIOCRUZ

Prof.ª Dr.ª Maria Elisa Lemos Nunes da Silva – UNEB

Alagoinhas, março de 2022


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3
4

Agradecimentos

Inicio meus agradecimentos citando a pessoa mais importante em minha vida, minha
mãe, dona Flourizane Sampaio. A flor mais linda do mundo. Mesmo sem conseguir sequer
completar o ensino fundamental, ela sempre entendeu a importância da educação, me
incentivou e fez de tudo para que eu pudesse dar continuidade aos estudos.
Também agradeço a João Pena, não só pelo auxílio nas dúvidas em relação à escrita,
mas pelo companheirismo e por compartilhar a vida comigo nesses últimos anos. Agradeço a
Leo Santigo por sua amizade, carinho e incentivo; espero poder retribuir tudo o que recebo. A
Gabriela Correia, sempre tão afetuosa, foi capaz de tornar os últimos dois anos muito mais
leves. A Rebeca Santos que sempre está ali, disposta a me ouvir e a compartilhar os melhores
e piores momentos. A pequena Yandra é um presentinho na nossa vida. A Dálete Oliveira, por
todo carinho e atenção.
Agradeço a minha rede de afetos, em especial a: Angela Carvalho, Arivan Vieira,
Barbara Anunciação, Juliana Mutti, Taila, João Maia, Yuri, Brenda Porto, Calionaia,
Chantele, Elane Cruz, Fabiana, Jamilly, Gabriela, Yasmin, Hanna, Keu Silva, Thelma
Santiago, e estendo a todas as pessoas que torcem e vibram por mim. Agradeço por tudo!
Agradecimentos a todos os professores do programa de Pós-Graduação em História
da Universidade do Estado da Bahia. Aos meus colegas de turma, Marconey e, em especial,
Patrick Sepúlveda, que tem se tornado um grande amigo. Obrigado pelas trocas e discussões.
Agradecimento à banca avaliadora, que na qualificação deu contribuições importantes para a
minha pesquisa: o professor Luiz Otávio Ferreira e professora Maria Elisa Lemos Nunes da
Silva.
Agradecimento especial ao professor, orientador e amigo, Ricardo Batista. Não tenho
palavras para agradecer o quanto fez e faz diferença na minha vida acadêmica e pessoal. Sou
grato por nossos caminhos terem se cruzado e por estarmos completando mais um ciclo na
relação entre orientando e orientador. Obrigado por ser um grande incentivador, seu
compromisso e ética inspira, tenho você como principal referência.
Por último, agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(FAPESB) que financiou quase todo o período em que desenvolvi esta pesquisa com sua
política de bolsas.
5

Resumo

O objetivo desta dissertação é compreender a atuação do poder público e da filantropia na


assistência aos leprosos internados no Hospital/Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, em
Salvador-Ba. O recorte cronológico se inicia em 1921, quando a Bahia aderiu ao acordo com
a União para realizar políticas sanitárias nacionais propostas pelo Departamento Nacional de
Saúde Pública (DNSP), por meio da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças
Venéreas (IPLDV). O ano final é 1936, quando foram suspensas as obras no edifício do
Leprosário, localizado na Quinta dos Lázaros. As obras foram suspensas pela necessidade de
se criar um Leprosário Colônia e um Preventório para os filhos sãos dos doentes de lepra,
expandindo a assistência para além dos enfermos. Utiliza-se, como metodologia de análise, a
compreensão do documento como monumento, proposta por Jacques Le Goff. As diferentes
fontes são analisadas como construções sociais que carregam a intenção dos seus criadores: os
relatórios institucionais; as teses médicas de doutoramento; as leis estaduais e federais, os
decretos sanitários; as matérias de jornais; e as diferentes produções médicas compõem o
conjunto de documentos utilizados. Foi possível identificar as transformações da assistência
aos leprosos baianos e a alteração dos serviços desenvolvidos no Leprosário com a atuação
conjunta do poder público e da filantropia, representada pela Sociedade Bahiana de Combate
à Lepra (SBCL). Diante das modificações, o Leprosário D. Rodrigo José de Menezes foi
reorganizado e assumiu um caráter médico-filantrópico a partir de 1931.

Palavras-chave: Lepra; Assistência à Saúde; Salvador-Ba.


6

Abstract

The objective of this dissertation is to understand the role of government and philanthropy in
assisting lepers hospitalized at the Hospital/Leprosarium D. Rodrigo José de Menezes, in
Salvador-Ba. The chronological cut begins in 1921, when Bahia joined the agreement with
the Union to carry out national health policies proposed by the National Department of Public
Health (DNSP), through the Inspectorate for the Prophylaxis of Leprosy and Venereal
Diseases (IPLDV). The final year is 1936, when work on the Leprosário building, located in
Quinta dos Lázaros, was suspended. The works were suspended due to the need to create a
Leprosarium Colony and a Preventive Center for the healthy children of leprosy patients,
expanding assistance beyond the sick. As an analysis methodology, the understanding of the
document as a monument, proposed by Jacques Le Goff, is used. The different sources are
analyzed as social constructions that carry the intention of their creators: institutional reports;
medical doctoral theses; state and federal laws, sanitary decrees; newspaper articles; and the
different medical productions make up the set of documents used. It was possible to identify
the transformations in the assistance to lepers from Bahia and the change in the services
developed in the Leprosarium with the joint action of the public power and philanthropy,
represented by the Bahia Society for Combating Leprosy (SBCL). In view of the changes, the
D. Rodrigo José de Menezes Leprosarium was reorganized and assumed a medical-
philanthropic character from 1931 onwards.

Keywords: Leprosy, Health Care, Salvador-Ba.


7

Lista de ilustrações

Figura 1 – Caso misto (lepromatoso da classificação sul-americana) de evolução,


deformações muito acentuadas da face, mãos e pés ...................................................... 40
Figura 2 – Leprosos com manifestações da lepra na face ............................................. 42
Figura 3 – Garra cubital no lado direito e mão simiesca à esquerda ............................ 46
Figura 4 – Ruinas de parte do Hospital dos Lázaros .................................................... 83
Figura 5 – Denúncia sobre a situação do Hospital dos Lázaros em 1924 .................... 84
Figura 6 – Enfermaria de homens. ................................................................................ 90
Figura 7 – Enfermaria de mulheres ............................................................................... 90
Figura 8 – Refeitório dos homens ................................................................................. 91
Figura 9 – Sala de refeição para mulheres .................................................................... 91
Figura 10 – Carmem Mesquita ..................................................................................... 98
Figura 11 – Reforma da entrada do Hospital ................................................................ 108
Figura 12 – Portão primitivo, construção do novo portão e alargamento da rua,
1931-1934 ...................................................................................................................... 109
Figura 13 – Obras e melhoramentos: aterro, alargamento, construção de muro e etc. . 109
Figura 14 – Latrinas construídas em 1914 .................................................................... 116
Figura 15 – Latrinas e banheiros das mulheres ............................................................. 117
Figura 16 – Leoncio tomando banho, em 1931 ............................................................ 118
Figura 17 – Banho de doentes leprosos, em 1931 ........................................................ 118
Figura 18 – Leprosa tomando banho, em 1931 ............................................................ 119
Figura 19 – Latrina turca, 1932 .................................................................................... 121
Figura 20 – Instalações sanitárias e banheiros terminados pela Sociedade Bahiana de
Combate à Lepra (1934-1935) ....................................................................................... 122
Figura 21 – Coreto e pavilhão de diversões. Sociedade Bahiana de Assistência aos
Lázaros, 1934-1935 ........................................................................................................ 123
Figura 22 – Barbearia, 1933. Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros ............. 124
Figura 23 – Oficina de Sapataria, 1933-1934 ............................................................... 125
Figura 24 – Oficina de Carpinteiro, Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros,
1933................................................................................................................................. 126
Figura 25 – Colheita de vegetais, feita por doentes isolados no Leprosário ................ 126
Figura 26 – Doentes alimentando galinhas no galinheiro do Leprosário ..................... 127
Figura 27 – Albino Leitão e estudantes de medicina no pátio do Leprosário .............. 129
Figura 28 – Registro de um dos momentos da Campanha de Solidariedade na Bahia . 137
Figura 29 – Organizações anti-leprosas, Brasil, 1936 .................................................. 139
8

Lista de tabelas, gráficos e quadros

Quadro 1 – Estatística dos leprosos existentes em domicílio em Salvador, 1926 ........ 51


Quadro 2 – Progresso do censo dos leprosos no Brasil ................................................ 67
Quadro 3 – Despesas efetuadas no período de 1921 a 1925 ......................................... 78
Quadro 4 – Subvenções do ano de 1938, verba 45% .................................................... 111
Quadro 5 – Subvenções do ano de 1938, verba 1% ...................................................... 112
9

Lista de abreviaturas e siglas

DGSP – Diretoria Geral de Saúde Pública.


DNS – Departamento Nacional de Saúde.
DNSP– Departamento Nacional de Saúde Pública.
FMB – Faculdade de Medicina da Bahia.
FOPAS – Federação das Obras de Proteção e Assistência Social.
FSALDCL – Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra.
ILMV – Inspetoria da Lepra e das Moléstias Venéreas.
IPLDV – Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas.
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
PNCL – Plano Nacional de Combate à Lepra.
SBCL – Sociedade Bahiana de Combate à Lepra.
SNL – Serviço Nacional de Lepra
SPSLVD – Serviço de Prophylaxia da Syphilis, Lepra e Doenças Venereas.
SSAP – Secretaria de Saúde e Assistência Pública.
SuSAP – Subsecretaria de Saúde e Assistência Pública.
10

Sumário

Introdução ....................................................................................................................... 11

Capítulo 1 - A “máscara da ferocidade”: concepções médicas e sociais sobre a lepra e


o isolamento de leprosos na cidade de Salvador ............................................................. 29

O “perigo” de contagiosidade, médicos e o isolamento de leprosos em Salvador ......... 43

Capítulo 2 - “Casa ou leprosário?”: O Hospital dos Lázaros na Reforma Sanitária da


Bahia (1921-1930) .......................................................................................................... 58

Muito “optimista”: a suposta raridade da lepra na Bahia ............................................... 61

“Casa” ou leprosário? A assistência no hospital dos lázaros (1921-1930) ..................... 77

Capítulo 3 - A Sociedade Bahiana de Combate à Lepra: quando o público e o privado


se encontram (1931-1936) .............................................................................................. 96

“[...] Uma andorinha só não faz verão”: medicina e filantropia no Leprosário D.


Rodrigo José de Menezes ................................................................................................ 113

O preventório como uma “[...] arma de prophylaxia”: ampliação das ações


assistenciais e a desarticulação dos serviços no Leprosário D. Rodrigo José De
Menezes, na Quinta dos Lázaros .................................................................................... 133

Conclusão ........................................................................................................................ 141

Arquivos e fontes ............................................................................................................ 144

Bibliografia consultada .................................................................................................. 148


11

Introdução

Em 4 de junho de 1941, o Diretor de Recrutamento encaminhou um rádio ao


Secretário Geral do Ministério da Guerra, em que o Chefe da 17ª Circunscrição de
Recrutamento consultava quais os procedimentos para a quitação do serviço militar de uma
pessoa acometida pela lepra. O enfermo trabalhava como servente do Leprosário D. Rodrigo
José de Menezes, admitido “posteriormente no Decreto nº 24.710, de julho de 1934, e cujos
vencimentos estão suspensos por falta de documento probatório da referida quitação”.1
Essa consulta integrou um processo que se arrastou por meses até a resolução, pois se
tratava de um caso não previsto pela legislação em vigor. Após o comandante Renato Onofre
Pinto Aleixo2, da 6ª Região Militar, em Salvador, ter questionado o Chefe da 17ª
Circunscrição de Recrutamento sobre como proceder em relação à quitação com o serviço
militar de um leproso3, foi iniciada uma troca de mensagens entre diversas instâncias
administrativas, chegando à de maior destaque na hierarquia da organização militar: o
Ministério da Guerra. O ator principal desse processo foi um leproso, Paulino Antônio dos
Santos, internado no Hospital D. Rodrigo José de Menezes desde 1930, que por apresentar

1
BAHIA, Secretaria de Educação e Saúde: Diretoria do Gabinete do Secretário. Processo nº 5406, 14 out. 1941.
Oficio nº 642. Procedência, 6ª Região Militar. Assunto: Retornando processo referente a uma consulta sobre
quitação com o serviço militar de um leproso, 1941. Segundo Celso Castro (Verbete, s/d.), ao longo das décadas
de 1930 e 1940 a universalização da exigência do documento de serviço militar e a adoção de dispositivos legais
mais eficazes, tornou a questão do serviço militar mais forte. Com a aprovação do Decreto nº 23.125, de 21 de
agosto de 1933, foi estabelecido a obrigatoriedade do exercício de cargo público apenas com a apresentação de
quitação do serviço militar. Por se tratar de um caso que descumpria a lei, esse processo de consulta sobre os
procedimentos que deveriam ser tomados foi ganhando complexidade.
2
Renato Onofre Pinto Aleixo nasceu em 12 de junho de 1890, no Rio de Janeiro, filho de José Dias Pinto Aleixo
e de Esaltina Maria de Paiva Aleixo. Em 1929, cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Revolucionário
de 1930, realizou a campanha de São Paulo, na qualidade de comandante de agrupamento, com o 2º Regimento
de Artilharia Montada. Em 1940, deixou o comando de uma unidade do Exército no Rio Grande do Sul para
assumir o comando da 6ª Região Militar, sediada na Bahia, função em que permaneceu até 1943. Em 24 de
novembro de 1942, assumiu a interventoria federal na Bahia, substituindo Landulfo Alves. Promovido a general-
de-brigada em dezembro desse mesmo ano, ficou no governo da Bahia até 28 de outubro de 1945. Pinto Aleixo
faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1963. ALEIXO, Pinto. Verbete. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/renato-onofre-pinto-aleixo. Acesso em: 2 jun.
2001.
3
Com a lei 9.010 de 19/03/95, que dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase, ficou estabelecido
que o “termo ‘Lepra’ e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos
oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros”. Porém, por se
constituir em uma pesquisa no campo da História, localizado em um contexto anterior a lei, serão utilizados
nesse trabalho os termos como eram informados no período. Ver: BRASIL. Lei n.º 9.010, de 20 de março de
1995. Dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9010.htm. Acesso em: 11 jan. 2021.
12

boas condições físicas e de saúde foi nomeado servente da instituição em dezembro de 1936.4
Contudo, a falta do documento pessoal gerou uma situação inusitada.
Como explicou o médico João Afonso de Souza Ferreira, Diretor de Saúde do
Exército, caso fosse comprovado que Paulino não cumpriu o dever com o serviço militar, seu
exercício no cargo era ilegal. O decreto nº 24.710, de 13 de julho de 1934, relacionado à Lei
do Serviço Militar, estabelecia aos chefes de serviço ou da repartição pública a obrigação de
exigir a prova de quitação com o serviço militar antes da posse dos nomeados a algum cargo
público.5
O processo que se iniciou com uma dúvida em relação à condição de leproso frente
ao serviço militar se tornou mais complexo a partir do diagnóstico sobre o descumprimento de
uma lei federal. Os acontecimentos fizeram emergir uma questão importante: como um
portador de lepra que vivia em isolamento social poderia realizar a quitação com o serviço
militar? Segundo a sugestão dada pelo próprio Secretário Geral do Ministério da Guerra,
Valentim Benício da Silva, ao Senhor General Ministro da Guerra:

II – Tratando-se de caso não previsto pela legislação em vigor, submeto-o à


consideração de Vossa Excelência, opinando pela isenção definitiva do serviço
militar de indivíduos em tais condições de saúde, mediante certificado concedido
pela Circunscrição de Recrutamento competente, à vista de atestado expedido pela
autoridade civil sanitária e após ser verificada a sua idoneidade.6

As informações presentes nessa fonte apresentam questões importantes sobre a


compreensão da doença como uma construção social que ultrapassa as características
biológicas, bem como sua capacidade de desorganizar e de reorganizar os acontecimentos
históricos. A historiografia brasileira recente demonstra que, nessa perspectiva, é possível
analisar aspectos a exemplo das políticas de controle das enfermidades, relações entre Estado
e filantropia na administração de instituições hospitalares e implicações sociais do
adoecimento, abordagens analíticas que muitas vezes se complementam.7
A par da dimensão histórica das doenças, esta dissertação tem como objetivo analisar
as ações assistenciais relacionadas à lepra em Salvador, realizadas pelo Estado e pela
filantropia no Hospital/Leprosário D. Rodrigo José de Menezes. A instituição é tratada como
Hospital entre 1921 e 1930, e como Leprosário entre 1931 e 1936, por dois motivos. O

4
BAHIA, 1941.
5
BAHIA, 1941.
6
BAHIA, 1941.
7
Cf. TEIXEIRA, Luiz Antonio; PIMENTA; Tânia Salgado; HOCHMAN, Gilberto (Orgs.). História da Saúde
no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018.
13

primeiro diz respeito à forma como as fontes se referem a ela em cada um desses momentos.
O segundo aspecto, atenta para a função muito mais próxima de um asilo de mendicância ao
longo do primeiro período, e de um local terapêutico no pós-1930, com as intervenções da
Sociedade Bahiana de Combate à Lepra (SBCL), destacadamente com a figura do médico
Octávio Torres.
O recorte cronológico se inicia em 1921, ano em que o Governo da Bahia aderiu às
primeiras políticas públicas de saúde nacionais direcionadas àquela enfermidade, inauguradas
com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) – e da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV) –, responsável por superintender e
orientar o serviço de controle destas doenças em todo o território brasileiro. O ano de 1936 é o
marco final, quando se recomendou que a diretoria da SBCL fosse composta exclusivamente
por mulheres e decidiu-se pela reformulação dos seus estatutos, alinhando-os aos interesses da
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra (FSALDCL), e
modificando o caráter das ações assistenciais desenvolvidas até então. Foi dado maior atenção
aos parentes e filhos de internos e reduziram-se os investimentos no antigo prédio do
Leprosário, na expectativa de construir um Preventório e um Leprosário Colônia na Fazenda
Águas Claras.
As ações realizadas no Hospital/Leprosário D. Rodrigo José de Menezes integraram
um movimento de reorganização sanitária que se pretendeu nacional, centralizado e uniforme.
No entanto, ainda que outros estados também tenham desenvolvido ações voltadas ao
combate à lepra na primeira metade do século XX, é preciso compreender as singularidades
que caracterizam cada experiência. Para isto, a importância em analisar as especificidades e os
interesses do tecido político e social no desenvolvimento da assistência à lepra na cidade de
Salvador, na Bahia.
A lepra, atualmente conhecida como hanseníase, é uma doença infecciosa crônica e
curável, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, transmitida através de gotículas de
saliva eliminadas na fala, tosse ou espirro de pessoas não tratadas e em fases mais adiantadas
da doença. Caracteriza-se por alteração, diminuição ou perda da sensibilidade térmica,
dolorosa, tátil e força muscular, principalmente em mãos, braços, pés, pernas e olhos,
podendo gerar incapacidades permanentes.8 O antigo termo carrega uma concepção

8
BRASIL. Ministério da Saúde. Hanseníase. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-
a-a-z-1/h/hanseniase. Acesso em: 4 de jun. de 2021.
14

estigmatizante, fruto da própria história da doença, que esteve envolta em tabus e crenças de
natureza simbólica entre os mais diferentes povos.9
Considerada, até meados de 1940, uma doença incurável e de lenta evolução,
incapacitante e irreversível, a lepra afetava a relação do doente com o trabalho, além do
próprio convívio social. A baixa eficiência dos tratamentos disponíveis e o pouco
conhecimento sobre seus mecanismos de transmissão, entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do século XX, constituíram o isolamento como principal meio profilático.
A segregação acontecia em instituições do tipo leprosário com a função principal de proteger
a sociedade considerada “sã” dos riscos de contágio.
Com o movimento sanitarista da segunda década do século XX, responsável por
identificar doenças como tuberculose, sífilis, leishmaniose e lepra, espalhadas pelo país,10
foram promovidos debates e promulgado o decreto n.º 3.987, de 2 de janeiro de 1920, que
reorganizou os serviços de saúde pública no Brasil e criou o DNSP. Este órgão substituiu a
Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), responsável pelos serviços sanitários desde 1897, e
a legislação abrangeu a profilaxia geral e específica das doenças transmissíveis, além de
determinar como uma das suas atribuições o “serviço de prophylaxia11 contra a lepra e contra
as doenças venereas em todo o paiz”.12
Segundo Luiz Antônio de Castro Santos e Lina Faria, depois de 1920, o Brasil
assistiu a uma progressiva interiorização dos serviços sanitários, que teve por lastro uma
efetiva participação do Estado na formulação de ideologias e de políticas de salvação nacional
por meio da educação e da saúde pública.13 A Bahia atribuiu maior responsabilidade aos entes
públicos pelo tratamento de doentes no pós-1920. A partir do acordo firmado com a União,
em 1921, os serviços de controle da lepra e das doenças venéreas obtiveram financiamento do
Governo Federal. O estabelecimento de ações específicas para a lepra foi fruto do

9
Ver: CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995;
MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara
Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-
Unifesp, 2012; CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934). Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2013; SILVA, Leicy Francisca da. “Eternos órfãos da saúde”: medicina, política e
construção da lepra em Goiás. Goiânia: Editora UFG, 2016.
10
THIELEN, Eduardo Vilela. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto
Oswaldo Cruz: 1911-1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Ed. Fiocruz, 1992, p. 7.
11
Embora as atuais regras de estilo e formatação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
orientem a escrita das citações e termos de acordo com a atual ortografia brasileira, optou-se, nesta dissertação, a
manter a grafia das palavras conforme o registro original. Isto se justifica como uma escolha metodológica que
visa reproduzir de forma fidedigna a escrita da fonte consultada.
12
BRASIL. Decreto n. 3.987, 20 de janeiro de 1920. Reorganiza os serviços de saúde pública. Rio de
Janeiro, 1920.
13
SANTOS, Luiz Antônio de Castro; FARIA, Lina. A reforma sanitária no Brasil: ecos da Primeira
República. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
15

reconhecimento da doença como problema de saúde no estado, intensificado com influência


da filantropia, principalmente a partir de 1931.
Antes da aproximação dos historiadores com o campo da saúde e das doenças, os
médicos foram os principais escritores da história das instituições e de personalidades da
saúde. Eram análises generalizantes, que construíam grandes biografias e noções de uma
permanente e inevitável vitória da medicina e da razão sobre a doença e o “obscurantismo”.14
Entretanto, com a incorporação do campo de pesquisa na agenda da história social, essas
abordagens passaram a ser questionadas.
A aproximação da história com outras ciências humanas, particularmente com as
ciências sociais, possibilitou o surgimento de novos métodos e modelos que, ao serem
empregados, contribuíram para a renovação das fontes e objetos históricos. A influência da
história social também suscitou aos historiadores novas abordagens, novas fontes e novas
implicações metodológicas. Nesse sentido, receberam investida decisiva os estudos sobre: “o
desenvolvimento da cidade moderna, os pobres, a criminalidade, as instituições de controle
social, a família, as mulheres, as crianças, a morte, a sexualidade, a doença, a alimentação,
etc.”.15
Com a contribuição da terceira geração da Escola dos Annales, que deu visibilidade a
diferentes temáticas de estudo,16 as pesquisas dedicadas às doenças e à saúde ganharam
espaço entre os historiadores. A preocupação em definir a doença não apenas como um
acontecimento biológico, mas também como um fenômeno social, é uma marca dessas
produções. O trabalho de Jacques Le Goff propõe que as doenças sejam analisadas numa
perspectiva social e afirma que elas não pertencem apenas à história superficial dos
progressos científicos, mas também à história dos saberes e das práticas ligadas às estruturas
sociais, às instituições, às representações, às mentalidades, pois as doenças podem exercer
papel decisivo sobre a dinâmica dos próprios acontecimentos. 17 Já Jacques Revel e Jean-
Pierre Peter afirmam que a enfermidade é um elemento de desorganização e de reorganização

14
HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego. Cuidar, controlar, curar em perspectiva histórica: uma introdução. In:
HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego (Org.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre a saúde e
doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. p. 12; HOCHMAN, Gilberto.
Prefácio. In: BATISTA, Ricardo dos Santos; SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SILVA, Maria Elisa Lemos
Nunes da. Quando a História encontra a saúde. São Paulo: Hucitec, 2020.
15
BATALHA, Claudio H. de M. A história social em questão. História: questões & debates, Curitiba, n. 9 v.
17, p. 229-241, dez. 1988, p. 233.
16
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução da Historiografia Francesa. São Paulo:
UNESP, 1997.
17
LE GOFF, Jacques. Introdução. In: LE GOFF, Jacques (Org.). As doenças têm história. Tradução Laurinda
Bom. Lisboa: Terramar, 1991. p. 7-8.
16

social, pois “[...] a esse respeito ela torna frequentemente mais visíveis as articulações
essenciais do grupo, as linhas de força e as tensões que o transpassam”.18
Os estudos sobre história da assistência, que dão ênfase à análise sobre o pobre e a
pobreza em diferentes contextos sociais19, também se multiplicaram em análises cada vez
mais complexas sobre instituições e o cuidado com portadores de diferentes enfermidades.20
Inspirado nesses estudos, utiliza-se nesta dissertação o conceito de assistência proposto por
Robert Castel, em As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Ao analisar
sobre a questão social na Idade Média, o autor afirma que o principal objetivo da assistência é
suprir, de maneira organizada, as carências daqueles que são incapazes de prover suas
necessidades por meios próprios.21 Para ele, “assistir” abrange um conjunto diversificado de
práticas que se inserem, entretanto, numa estrutura comum determinada pela existência de
certas categorias de populações carentes e pela necessidade de atendê-las.22 A leitura e análise
do corpus documental que integra essa dissertação, sejam referentes às ações realizadas pelo
Estado ou aquelas desenvolvidas por grupos filantrópicos a exemplo da SBCL, são
compreendidas a partir desta perspectiva.
Entre as diferentes formas pelas quais a assistência pode ser prestada, destaca-se a
caridade e a filantropia, como as encontradas pelas elites baianas para lidar com a pobreza e,
consequentemente, com o problema da lepra. Ao estudar a articulação entre Carlos Chagas e
Guilherme Guinle no Rio de Janeiro, entre 1920 e 1940, Gisele Sanglard apresenta a
percepção de Catherine Duprat, para quem, enquanto a filantropia seria uma virtude social
relacionada ao papel desempenhado pelos filósofos das luzes no final do Antigo Regime
francês, a caridade seria entendida como uma virtude cristã, com o objetivo de minimizar a
miséria alheia. Os filósofos das luzes buscaram esvaziar a perspectiva ‘caritativa’ da
filantropia reforçando a concepção de ‘utilidade social’, processo que não foi completamente
exitoso. Uma diferença entre caridade e filantropia é que a primeira, por ser uma obra

18
REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O corpo: O homem doente e sua história. In: LE GOFF, Jacques;
NORA, Pierre (Orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976. p. 144.
19
Embora essa produção seja vasta, destaca-se o trabalho pioneiro de Maria Luíza Marcílio, sobre o abandono de
crianças. Ver: MARCÍLIO, Maria Luiz. História social da criança abandonada. 3. ed. São Paulo: Hucitec,
2019. Na Bahia, Ver: FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do Século XIX. São
Paulo, HUCITEC; Salvador, EDUFBA, 1996.
20
Para mais informações, ver: SANGLARD et al. (Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência
no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV editora, 2015; SILVA, Maria Elisa Nunes da; BATISTA, Ricardo
dos Santos. História e saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia. Salvador: Eduneb, 2018;
BATISTA, Ricardo dos Santos; SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da.
Quando a História encontra a saúde. São Paulo: Hucitec, 2020.
21
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 2010. p.
59-60.
22
CASTEL, 2010, p. 47.
17

piedosa, pressupõe abdicação de toda a vaidade de seu autor e propugna o anonimato,


enquanto a segunda é marcada por um gesto de utilidade.23 São termos distintos, mas
relacionados.
Definir a caridade e a filantropia é importante porque ajuda a entender as motivações
das ações das elites econômicas e letradas soteropolitanas em relação aos leprosos, ao mesmo
tempo em que apresenta a natureza das forças que atuaram ao lado do Estado, especialmente
no pós-1931. No contexto geral, entender a atuação das elites também se torna importante, à
medida que se reconhece a sua influência na conscientização sobre a necessidade de proteção
social por meio da autoridade pública. Como afirma Gilberto Hochman, o surgimento das
políticas sociais dependeu da forma como as elites buscaram enfrentar os dilemas e impasses
gerados pelos efeitos externos das adversidades, ou como ele defende, da “interdependência
social”. Para o autor, a política nacional de saúde pública no Brasil foi fruto do encontro da
consciência das elites com seus interesses.24
A historiografia sobre a assistência tem buscado mostrar que são muito mais
evidentes as continuidades entre caridade, filantropia e estado de direito do que um corte
abrupto, que inauguraria uma racionalidade científica e eficaz, supostamente ausente nas
instituições filantrópicas.25 Ao longo do período estudado, a responsabilidade do
Hospital/Leprosário alternou entre o Estado e a filantropia, ou mesmo partiu de uma ação
colaborativa entre eles, o que garantiu sua manutenção até a transferência para a Colônia
Águas Claras, em 1949.26
A partir da década de 1920, a ideia de assistência médico-social que reunia os setores
público e privado, com o objetivo de melhorar o atendimento hospitalar no país, ganhou
força. Gisele Sanglard e Luiz Otávio Ferreira consideram a filantropia como complementar à
ação do Estado, principalmente no período de vigência do modelo liberal, em que os órgãos
de saúde pública atuavam apenas nos casos de calamidade pública.27 Ainda segundo Sanglard

23
SANGLARD, Gisele. Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de
Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. 32-33.
24
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. 3 Ed. São
Paulo: Hucitec, 2013, p. 16-17.
25
FRANCO, Renato. Prefácio. In: SANGLARD, Gisele (Org.). Amamentação e políticas para a infância no
Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016. p. 13.
26
Para mais informações sobre as transformações pelas quais passou a assistência à saúde na cidade de Salvador,
Cf. SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SANGLARD, Gisele. Saúde pública e assistência na Bahia da Primeira
República (1889-1929). In: SOUZA, Christiane Maria Cruz de; BARRETO, Maria Renilda Nery (Orgs.).
História da saúde na Bahia: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz; Barueri: Manole, 2011.
27
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Caridade e Filantropia: elites, estado e assistência à saúde no
Brasil. In: TEIXEIRA, Luiz Antonio; PIMENTA; Tânia Salgado; HOCHMAN, Gilberto (Orgs). História da
Saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018, p. 152.
18

e Ferreira, naquele momento não era mais uma instituição privada exercendo uma função
pública, existia uma delimitação da atuação de cada uma das esferas envolvidas: as ações
pontuais cabiam à filantropia, enquanto o Estado se responsabilizava pelas ações mais gerais.
Em relação aos estudos sobre a lepra destacam-se trabalhos que, sob diferentes
perspectivas, analisam a relevância da enfermidade na história, assim como as ações
empreendidas para o seu combate. Ainda que, em alguns casos, as abordagens se inter-
relacionem, a bibliografia sobre o tema da lepra utilizada nesta dissertação pode ser dividida
em duas perspectivas: as que analisam a enfermidade por meio dos discursos e a relação com
o estigma; e as que se voltaram para as ações do estado e da filantropia.
A maioria dos trabalhos específicos sobre a lepra aborda a temática do estigma.
Seguindo a perspectiva de uma história cultural das doenças, Italo A. Tronca, em seu livro As
máscaras do medo: lepra e aids, compreende a doença como uma invenção da linguagem
sobre um fenômeno biológico. Conforme a sua análise, que tem como objeto as
representações sobre a lepra a partir do século XIX e da aids no XX, o papel do imaginário
social é instituído como, talvez, o principal fundador da história. Ele também considera que a
mescla entre os discursos científicos e a literatura ficcional, na medida em que produz efeitos,
cria uma outra doença, diversa das narrativas que a descrevem.28
Apoiando-se na perspectiva alegórica, Tronca busca demonstrar que as narrativas
sobre as doenças, quase sempre, possuem um significado estrutural que cria o real ou
transfiguram-no incessantemente. Essas criações, por sua vez, são uma forma de controlar
acontecimentos que nos apavoram e sobre os quais não temos nenhum controle. Ele
acrescenta que no ponto de vista social, não se trata apenas de controlar as manifestações de
uma doença, mas também de exercer um domínio, por parte do saber médico, sobre o próprio
doente.29
Compreendendo o estigma como explicação para as representações da lepra e suas
implicações sociais sobre o comportamento do doente frente a si mesmo e ao seu meio social,
Lenita B. Lorena Claro, em seu livro Hanseníase: representações sobre a doença, objetivou
transcender a dimensão biomédica da doença. Ao observar a dimensão social e cultural, a
autora tem como estratégia o aperfeiçoamento dos atuais serviços que fazem o atendimento
dos pacientes de hanseníase, sendo na antropologia médica a base teórica e metodológica
utilizada para emergir a voz dos doentes, que sofriam/sofrem o impacto da concepção

28
TRONCA, Ítalo. As máscaras do medo: lepraids. Campinas: Editora Unicamp, 2000.
29
TRONCA, 2000, p. 16-18.
19

estigmatizante do termo lepra, fruto da própria história da doença que esteve envolta em tabus
e crenças de natureza simbólica entre os mais diferentes povos.30
Os estudos que se voltam para as questões da lepra a partir da perspectiva
sociocultural contribuem para o entendimento sobre a doença como algo que ultrapassa as
manifestações biológicas provocadas pelo bacilo de Hansen no corpo do doente. A lepra é
associada a uma série de concepções que evocam as noções de sujeira, poluição, desfiguração
e isolamento. Desse modo, ao compreendê-la como uma construção social, é possível
considerar que os médicos, enquanto sujeitos sociais, também estão propensos à reprodução
de concepções estigmatizantes. Como se tentou justificar a partir da análise das produções
médicas sobre a lepra nas primeiras décadas do século XX, nesta dissertação.
Considerando-a como uma doença milenar, no capítulo intitulado Imaginário sobre
a lepra e a perpetuação dos medos, publicado no livro As doenças e os medos sociais, Yara
Nogueira Monteiro aborda a questão do estigma da lepra associando-o às antigas concepções
sobre o processo saúde/doença, antes justificados pelo sobrenatural. Ela observa que as
concepções bíblicas e as posturas medievais contribuíram para a elaboração do constructo
sobre a doença que, com o passar do tempo, foi se enraizando no imaginário judaico-cristão e,
assim, fazendo com que a perpetuação dos medos, fixados no imaginário coletivo, resistisse
às descobertas da ciência.31
Voltado para o período em que se edificou uma rede institucional para o combate à
lepra no Brasil, Luciano Marcos Curi também aborda a questão do estigma e analisa, em
“Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976), que a
lepra não era vista apenas como uma doença, mas como uma categoria que associava noções
de perigo, indivíduos indesejáveis e exclusão social. Para o autor, as memórias e os mitos
nortearam ações e reações individuais e sociais, o que também tem ligação com o conjunto de
práticas discursivas e não-discursivas que fundamentaram o isolamento dos leprosos no
país.32
Ainda que o objetivo desta dissertação não tenha sido construir uma análise sobre a
influência das concepções estigmatizantes no modo como os médicos, ou as políticas de saúde

30
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
1995.
31
MONTEIRO, Yara Nogueira. Hanseníase: história e poder no estado de São Paulo. In: Hansen Int., v. 12, n.
1, p. 1-7, 1987; MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In:
MONTEIRO, Yara Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São
Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2012.
32
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935/1976).
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002.
20

voltadas à lepra atuaram na Bahia, pensar a questão do estigma e a sua permanência a partir
de autores que se voltam para a memória e os mitos, serviu para compreender, até certo ponto,
as permanências e as incorporações de antigas concepções no discurso de leigos e médicos
baianos no contexto da década de 1920. Sendo assim, em um dos capítulos deste estudo
buscou-se identificar as concepções sobre a enfermidade e, a partir disto, compreender o
modo como as justificativas favoráveis ao isolamento incorporaram alguns desses elementos,
pois os esforços para o combate à lepra se voltaram para os próprios leprosos.
Seguindo a proposta sanitária nacional, a adoção do isolamento dos leprosos como
prática profilática, defendida pela medicina e garantida pela política sanitária, passou a ser
desenvolvida de forma mais organizada na Bahia, segundo as concepções médicas e
científicas do período, a partir do acordo feito com a União, em 1921. Esse contexto tem
relevância na investigação aqui proposta, pois interessa a aproximação com os trabalhos que
partem das ações assistenciais desenvolvidas pelo estado e pela filantropia.
Entre os estudos que abordam o tema da lepra pela perspectiva das ações do estado,
destaca-se o artigo Contrapontos da história da hanseníase no Brasil: cenários de estigma
e confinamento, em que Luiz Antônio de Castro Santos, Lina Faria e Ricardo Fernandes de
Menezes discutem a luta contra a lepra no Brasil, focalizando as múltiplas formas da história
institucional e da “cultura de reclusão” dos hansenianos. Eles atribuem destaque para as
realidades de São Paulo e Maranhão, desde os primeiros tempos da República até as primeiras
décadas da Era Vargas. Além disso, criticam a visão de um cenário único de disciplina e
vigilância e sugerem a existência de cenários variantes, marcados por conflitos, negociações e
diferentes propostas de prevenção e combate à lepra.33
O desenvolvimento da análise proposta pelos autores provocam questionamentos e
indagações a respeito das experiências em outras regiões do Brasil. O modelo sanitário foi
proposto em nível nacional, mas cada região possuía características distintas e a autonomia
em estabelecer ou não o acordo que implicaria na instituição dos serviços. Conforme
observado por Castro Santos, Faria e Menezes houve esforço para pôr em prática os serviços
de saúde em São Paulo e no Maranhão, mas o primeiro possuía recursos humanos,
institucionais e financeiros, enquanto no caso maranhense as deficiências nos recursos
perduraram toda a primeira metade do século XX.34

33
SANTOS, Luiz Antônio de Castro; FARIA, Lina; MENEZES, Ricardo Fernandes de. Contrapontos da história
da hanseníase no Brasil: cenários de estigma e confinamento. Revista Brasileira de Estudos de População v.
25, n. 1, p.167-190, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v25n1/v25n1a10.pdf. Acesso em: 29
mar. 2021.
34
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008.
21

Diante do quadro econômico, cultural e político é possível sugerir que os insucessos


e limitações dos programas governamentais, no tocante à efetiva assistência aos leprosos no
Brasil, não foi uma realidade exclusiva do Maranhão. Na Bahia também foram identificadas
singularidades diante do que era proposto no nível nacional. Desse modo, salve as
especificidades teóricas e metodológicas, a leitura de textos como a tese de Zilda Maria
Menezes Lima, “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920-1942);35
o artigo de José Augusto Leandro, A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à
Colônia do Bonfim;36 a dissertação de Adriana Brito Barata Cabral, De lazareto a
leprosário: políticas de combate à lepra em Manaus (1921-1942);37 e o livro de Leicy
Francisca da Silva, “Eternos órfãos da Saúde”: medicina, política e construção da lepra
em Goiás, entre outros, possibilitaram compreensões mais amplas sobre as articulações,
disputas e conflitos enfrentados por cada região no desenvolvimento das ações de combate à
lepra.
Outro trabalho importante é o de Dilma Cabral, que propõe reflexões sobre a lepra,
seu conceito e as políticas para o seu controle no Brasil, em seu livro Lepra, medicina e
políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Ao analisar o modelo interpretativo da lepra no
meio médico brasileiro, a autora também discute como a produção de dados e o
reconhecimento da lepra enquanto uma ameaça contribuiu para torná-la uma questão sanitária
nacional, alvo de ações profiláticas. Entretanto, em alguns momentos a autora incorre em
afirmações generalizantes, como em relação a análise do conjunto de intervenções
implementadas para o controle da lepra, por meio do aparato burocrático baseado em leis,
regulamentos e medidas terapêuticas, em que ela sugere alguns acontecimentos, vinculados a
uma determinada realidade, como uma regra para todo o Brasil.38
Entre as análises que abordam as políticas estatais de combate à lepra no nível
nacional, partindo do debate e ações em torno do isolamento compulsório está a dissertação
de Vívian da Silva Cunha, O isolamento compulsório em questão: políticas de combate à
lepra no Brasil (1920-1941). Dividida em dois períodos de análise, a autora afirma que, no

35
LIMA, Zilda Maria Menezes. “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920/1942). Tese
(Doutorado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
36
LEANDRO, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, p.433-447.
37
CABRAL, Adriana Brito Barata. De Lazareto à Leprosário: políticas de combate à lepra em Manaus (1921-
1942). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Amazonas. Manaus, 2010.
38
CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2013.
22

primeiro, entre 1920 e 1930, a prática isolacionista implementada pelo regulamento sanitário
sofreu diferentes obstáculos, como a escassez de verbas, as incertezas biomédicas e o próprio
contexto político. Diferente do anterior, o segundo período, compreendido entre 1930 e 1941,
é considerado como o momento em que o isolamento compulsório ganhou força, isto por estar
assegurado pela proposta do governo federal em colaborar com o plano de construção de
leprosários, criado em 1935.39
Concomitante às mudanças nas ações públicas voltadas à lepra a partir da década de
1930, novos atores surgiram e a responsabilidade da assistência aos leprosos passou a ser
dividida com entidades filantrópicas organizadas por mulheres pertencentes às elites, nos
diferentes estados do país. A administração e participação dessas mulheres em entidades
beneméritas baseavam-se no discurso maternalista, que por sua vez era entendido como uma
forma de patriotismo e possibilitou que algumas delas tivessem participação social e política,
situação incomum antes da primeira metade do século XX.40
No que tange às entidades femininas criadas com o objetivo de atender as questões
ligadas aos leprosos, as Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra se
responsabilizaram por toda a ação em relação às famílias e filhos dos doentes. Campanhas de
arrecadação de verbas eram realizadas e se tentou empreender a construção de preventórios
em diferentes estados – instituições onde os filhos sãos dos doentes recebiam alimentação,
educação e saúde.
Sobre esse contexto, a dissertação de Saul Vicente dos Santos, intitulada, Entidades
filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra: ministério Gustavo Capanema
(1934-1945), apresenta reflexões com ênfase nas políticas e medidas contra a lepra entre 1934
e 1945. Ele também aborda como, a partir das Sociedades de Assistência aos Lázaros e
Defesa Contra Lepra, a filantropia se constituiu um marco nas relações entre entidades
assistenciais e os poderes públicos, na construção de uma rede assistencial de combate à lepra
e preocupada com a construção de preventórios.41
Em relação aos trabalhos existentes sobre o Hospital/Leprosário analisado nesta
dissertação, destaca-se a dissertação de Márcia Elizabeth Pinheiro dos Santos como o
primeiro e um dos poucos textos que abordam o tema. Intitulada Hospital São Christovão

39
CUNHA, Vívian da Silva. O isolamento compulsório em questão: políticas de combate à lepra no Brasil
(1920-1940). Dissertação (Mestrado) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2005.
40
MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945). Cadernos
Pagu, Campinas, n. 16, pp. 199-234, 2001.
41
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:
ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História
das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2006.
23

dos Lázaros: entre os muros da exclusão,42 a dissertação aborda a questão da exclusão


urbana dos acometidos pela lepra e evidencia o papel social da instituição. Partindo dos
aspectos arquitetônicos e urbanísticos, seu recorte cronológico compreende desde o momento
da criação do Hospital, em 1787, e vai até o encerramento das suas atividades, na Quinta dos
Lázaros, em 1949.
Em 2019, Márcia Elizabeth Pinheiro, em parceria com Eliana de Paula, escreveram
um capítulo de livro intitulado Bahia: o espaço institucional de controle da lepra.43 Nele, as
autoras apresentam um amplo panorama sobre a trajetória da instituição e de enfretamento a
hanseníase na Bahia. Por fim, outros estudos que servem como referência são a monografia de
especialização em História da Bahia, defendida em 2021, intitulada O Hospital dos Lázaros,
as práticas e as representações da lepra na Bahia (1850-1881),44 e o capítulo de livro
“Isolamento negro?”: O leprosário Dom Rodrigo José de Menezes e as políticas de
controle da lepra na Bahia.45
Em relação ao contexto baiano, destaca-se o livro A gripe espanhola na Bahia, de
Christiane Maria Cruz de Souza, que apresenta informações importantes sobre as condições
de vida e de saúde em Salvador ao longo da epidemia de influenza, três anos antes do marco
cronológico inicial deste estudo. Para a discussão sobre a Reforma Sanitária na Bahia,
Ricardo Batista46 e Maria Elisa Lemos Nunes da Silva47 analisam as ações realizadas com o
acordo firmado entre a Bahia e a União, especialmente para o controle da sífilis e doenças
venéreas e, também, da tuberculose.
A metodologia utilizada para a análise das fontes nesta dissertação é orientada pelos
pressupostos de Jacques Le Goff, para quem todo documento é um monumento.48 Nessa

42
SANTOS, Márcia Elizabeth Pinheiro dos. Hospital São Cristóvão dos Lázaros: Entre os Muros da Exclusão.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA, Salvador, 2005.
43
PINHEIRO, Márcia Elizabeth; SANTOS, Eliana de Paula. Bahia: o espaço institucional de controle da lepra.
In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo:
LEER-USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019.
44
SAMPAIO, Muller. O Hospital dos Lázaros, as práticas e as representações da lepra na Bahia (1850-
1881). Monografia (especialização) – Especialização em História da Bahia, Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2021.
45
SILVA, Muller Sampaio dos Santos; BATISTA, Ricardo dos Santos. “Isolamento negro?”: O leprosário Dom
Rodrigo José de Menezes e as políticas de controle da lepra na Bahia. In: SANTANA, Jacimara Souza. Saúde
das populações negras na América e África. Salvador: Eduneb, 2021.
46
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e reforma da saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: Eduneb, 2017.
47
SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da. O Dispensário Ramiro de Azevedo e a constituição de políticas de
enfrentamento da tuberculose na Bahia na década de 1920. In: SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da; BATISTA,
Ricardo dos Santos (Orgs.). História e Saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia. – Salvador:
Eduneb, 2018; BATISTA, Ricardo dos Santos; Silva Maria Elisa Lemos Nunes da. A atuação de Antônio Luis
Cavalcanti e Albuquerque de Barros Barreto na Reforma Sanitária da Bahia (1924-1930). Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 40, n. 84, p. 313-337, mai.-ago., 2020.
48
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução
Bernardo Leitão (et al.). Editora da Unicamp, Campinas, 1990.
24

perspectiva, as fontes são observadas como fruto de um contexto específico, que visa à
transmissão de crenças, valores e visões de mundo das pessoas que as produziram.
Entre as principais fontes utilizadas, destacam-se as falas de Governadores, leis e
decretos sanitários estaduais e federais, e relatórios institucionais, como os produzidos pelas
Subsecretaria e Secretaria de Saúde e Assistência Pública (SuSAP e SSAP), coletados no
Setor de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Por se tratarem de
documentos institucionais, ligados à organização, orientação e desenvolvimento dos serviços
sanitários, essas produções podem ser encaradas como o resultado das relações de poder da
sociedade política que o fabricou.
No caso dos relatórios, documento utilizado para informar sobre os serviços
realizados e prestar conta dos gastos e investimentos, foi possível identificar certo interesse
em divulgar uma propaganda política dos indivíduos envolvidos nas ações. Isto, por sua vez,
exigiu um olhar cuidadoso no momento de análise das informações. É provável que o
processo de produção desses documentos tenha sido orientado pelo interesse em perpetuar
testemunho. Segundo Le Goff, cabe ao historiador reconhecer e desmontar essas
intencionalidades.49 Na afirmação do médico Octávio Torres, em relatório sobre as atividades
da Inspectoria da Lepra e das Moléstias Venéreas (ILMV), no ano de 1934, ele considerou
que: “Si de nada valessem os relatórios, pelo menos, elles representam os documentos nos
quaes os posteros poderão consultar a fim de escreverem com veracidade a história de factos
passados”.50
O interesse em produzir registros que se perpetuariam ao longo do tempo, não
desqualifica as produções de Octávio Torres em relação à importância do testemunho presente
em seus documentos. Evidenciar os interesses explícitos, e até mesmo os implícitos, é parte
do rigor metodológico de um trabalho no campo da história, pois é necessário consciência
sobre a não neutralidade das fontes. Nesse sentido, critica-se e analisa-se as condições de
produção, observa-se as informações em comparação, isolamento e confronto com diferentes
fontes.
A utilização de diferentes tipos de fontes possibilitou múltiplas versões sobre
determinados acontecimentos. Desse modo, foram identificadas contradições entre as matérias

49
LE GOFF, 1990, p. 472-473.
50
TORRES, Octávio. Relatório da Inspcetoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934.
Apresentado pelo dr. Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D.
Rodrigo José de Menezes. Bahia, 1936c, p. 4.
25

de jornais que circulavam na cidade de Salvador como o Diário de Notícias e A Tarde,51 e as


informações apresentadas nos relatórios e documentos institucionais, produzidos pelos
servidores públicos responsáveis pelos serviços sanitários. Entretanto, ao questionar as
motivações das reportagens foi possível identificar outras tensões, pois em alguns casos elas
serviam como instrumento político. O elogio ou a crítica se dava a partir do alinhamento entre
a direção do jornal e o grupo político no poder.
Fotografias encontradas no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, concentradas
em um álbum fotográfico organizado pela SBCL, também foram fontes utilizadas. Sobre a
fotografia científica, James Roberto Silva afirma que, quando ela foi incorporada, concorreu
como mais um elemento para a formulação de um campo de significados em torno da doença
e do corpo doente.52 Segundo ele, as fotografias servem para caracterizar as ações dos
médicos e das instituições, resultando em um variado repertório de diferentes registros, pois
as imagens não se resumiam aos retratos de doentes. Também eram fotografados os
cadáveres, órgãos humanos, as instalações sanitárias, atividades de pesquisa e de campanhas
sanitárias, retratos de médicos e das fachadas dos prédios que lhes serviam de sede. Depois,
esses registros poderiam parar em álbuns institucionais, se tornar material de estudo ou serem
guardados em um arquivo, servir como propaganda política ou receber qualquer outro fim
inespecífico.
Em relação aos álbuns institucionais, James Roberto Silva afirma que estes
retratavam o ambiente externo e interno das instituições, apresentavam fotografias das
instalações, dos equipamentos, do pessoal e dos procedimentos.53 Assim como se identifica as
fotos presentes no álbum da SBCL, são mostrados a precariedade em que os doentes viviam,
bem como os perfis étnicos e raciais dos internos, sendo em sua maioria preta e parda. Ao
mesmo tempo em que os médicos e integrantes das elites, responsáveis pelas ações
filantrópicas são brancos.

51
A orientação política dos jornais, em cada momento analisado, é importante para compreender possíveis
interesses políticos e sociais nas notícias, especialmente em um período extenso como o proposto nessa
dissertação. A análise dos jornais parte da ideia de “Grande Imprensa”, discutida por José Weliton Aragão dos
Santos. Segundo ele, o uso livre e indiscriminado do termo imprensa, em alguns trabalhos acadêmicos chega a
comprometer o seu entendimento. Após discordar/concordar com a periodização da história da imprensa no
Brasil, em diálogo com autores como Nelson Werneck Sodré, Santos afirma que a “Grande Imprensa” baiana
surgiu no período de 1910 a 1930, quando a: “empresa jornalística, indústria que mercantiliza a informação,
vende a notícia, tem como base de sustentação a publicidade e veicula a ideologia da classe dominante”. Ver:
SANTOS, José Weliton Aragão. Formação da grande imprensa na Bahia. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador: UFBA, 1985, p. 5.
52
SILVA, James Roberto. Doença, Fotografia e Representação: revistas médicas em São Paulo e Paris, 1869-
1925. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
53
SILVA, 2009, p. 44.
26

A partir de outra perspectiva, Boris Kossoy afirma que a fotografia é resultante da


ação do homem, pois é o fotógrafo quem determina o espaço e o tempo, o assunto e emprega
os recursos oferecidos pela tecnologia em seu determinado momento.54 Ele também observa
que mesmo com o impulso em considerar a fotografia como uma evidência do que ocorreu
“exatamente”, não se pode esquecer que o processo pelo qual ela foi desenvolvida é fruto de
um contexto histórico, social, econômico, político e cultural específico, o que também traz
indicações acerca da sua elaboração.55 Embora as fotografias que compõem o álbum da
SBCL, possivelmente, tenham sido capturadas por diferentes fotógrafos, em momentos
distintos e com câmeras variadas, é possível afirmar que esse agrupamento de imagens
demonstra a tentativa de registrar o cotidiano das pessoas exiladas naquela instituição, bem
como as modificações realizadas a partir das intervenções da respectiva entidade filantrópica.
Também serviram como fontes nesta dissertação, as teses médicas de doutoramento
digitalizadas na Biblioteca Gonçalo Moniz, da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) e as
publicações na Gazeta Médica da Bahia (GMB), disponíveis no site da própria revista.56
Essas publicações foram de extrema importância para compreender o conhecimento científico
do período, bem como as principais discussões sobre a lepra. Além das concepções e
posicionamentos relacionados à terapêutica, à profilaxia e à etiologia da enfermidade, foi
possível identificar como os médicos baianos compreendiam a existência da lepra no estado.
A dissertação é composta por três capítulos, cada um norteado por objetivos
específicos, mas que, em conjunto, buscam traçar uma compreensão mais ampla das questões
sobre a assistência à lepra na cidade de Salvador. No Capítulo 1, o objetivo central é
identificar e analisar as concepções socioculturais sobre a lepra, bem como suas aproximações
com o conhecimento médico da década de 1920. A partir das teses de doutoramento foi
possível evidenciar que o receio e as incertezas relacionadas à transmissão, ao contágio e à
cura, serviram, em alguns casos, como base para a argumentação e o posicionamento de
médicos sobre o isolamento compulsório de leprosos. Sem possibilidade de cura pela
medicina até meados da década de 1940, os casos mais graves da lepra eram irreversíveis e
poderiam provocar incapacitação física. Diante de tal contexto, alguns médicos defenderam a
conscientização sobre o diagnóstico precoce e incentivaram os enfermos a não desistirem dos
tratamentos ofertados, ainda que estes dependessem de um longo processo que poderia durar

54
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 5. Ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2020. p. 41.
55
KOSSOY, 2020, p. 43.
56
Em 2008, no ano das Comemorações do Bicentenário da FMB, todos os números da GMB, de 1866 a 1984,
compilados pela Dra. Luciana Bastianelli, foram incluídos no “site” e esses, juntos aos conteúdos dos números
mais recentes (a partir de 2004), podem ser livremente consultados por palavra-chave, ano, autor ou título.
Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia. Acesso em: 30 de abr. 2022.
27

anos para alcançar uma cura definitiva. Nesse capítulo, essas questões são abordadas como
mais uma justificativa em defesa do isolamento de doentes, uma vez que, para alguns
médicos, esta ação garantiria a assistência e o cuidado higiênico dos doentes em condições de
“miserabilidade”.
No Capítulo 2 são analisadas as principais modificações no Hospital dos Lázaros
entre os anos 1921 e 1930. Para isso, foi necessário compreender as implicações do contexto
da reforma sanitária nacional, que culminou na criação do DNSP, bem como as
consequências do acordo entre a União e o estado da Bahia, com destaque para os
desdobramentos na estruturação das políticas assistenciais e de combate à lepra. Entre a
proposta de uniformização das ações sanitárias, em nível nacional, e a obrigatoriedade da
Bahia em desenvolver as medidas necessárias à profilaxia da lepra e das doenças venéreas,
também foi foco de discussão a ideia de “raridade” da lepra no estado baiano. Isso era
divulgado por alguns médicos que queriam construir uma história da enfermidade ligada aos
ideais científicos de contagiosidade e isolamento, mas que, para isto, sustentaram as
afirmações nas experiências individuais e não na elaboração de um censo sobre o número de
doentes. As ações de assistência à lepra ganharam maior destaque por parte do poder público
baiano a partir de 1921, entretanto, como também é apresentado nesse capítulo, as
modificações não foram suficientes e os leprosos isolados ainda viviam em condições de
precariedade, conforme as denúncias em periódicos que circulavam na cidade de Salvador.
No último capítulo analisou-se o papel desenvolvido pela atuação filantrópica e
médica no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, o que foi viabilizado com a nomeação do
médico Octávio Torres para o cargo de diretor da instituição, em 1931. Neste mesmo
contexto, foram empreendidas modificações que objetivaram alcançar os padrões sanitários e
científicos do período e tornar o antigo hospital em um lugar de profilaxia e cuidado,
conforme sugere a mudança no seu próprio nome: Leprosário Dom Rodrigo José de Menezes.
Com o apoio da filantropia, sendo a SBCL sua principal representante, a vida dos doentes que
ali viviam foi transformada, conforme evidenciam os números relacionados à entrada
espontânea de doentes, os casos de cura, a situação de melhora no quadro clínico da maioria
dos internos e o aumento na expectativa de vida. As figuras apresentadas nesse capítulo
também possibilitam identificar mudanças na estrutura física e no próprio cotidiano dos
enfermos. Entretanto, a reorganização da instituição foi suspensa devido aos novos interesses
e à reorientação das ações assistenciais, em que antes eram voltadas exclusivamente para os
leprosos e, a partir de 1936, também incorporou os filhos sãos e a família dos enfermos. Essas
mudanças, fruto da uniformização dos estatutos da SBCL, sob orientação da FSALDCL,
28

provocaram a desorganização de alguns serviços. A proposta de construir um Preventório e


um Leprosário Colônia reduziu os melhoramentos na antiga instituição e iniciou um contexto
de grandes dificuldades, sendo esse período utilizado como marco cronológico para finalizar
esta dissertação.
29

Capítulo 1

A “máscara da ferocidade”: concepções médicas e sociais sobre a


lepra e o isolamento de leprosos na cidade de Salvador

Este capítulo tem como objetivo identificar as concepções socioculturais sobre a


lepra e entender suas aproximações com o conhecimento produzido por médicos baianos. O
saber da FMB era elaborado a partir de parâmetros vigentes na ciência naquele momento, que
reproduziam ideias sobre a doença e sobre os doentes. Utilizando como fontes as teses de
doutoramento e textos publicados na Gazeta Médica da Bahia, se observa como o temor da
transmissão e do contágio reforçaram a defesa do isolamento em leprosário que, por sua vez,
foi proposto como obrigatório para doentes em condições de “miserabilidade”, com o intuito
de “proteger” a população considerada “sã”.

Em uma reportagem publicada na edição de 26 de maio de 1930 do periódico


ETC.,57 que circulava em Salvador, o articulista identificado como O. L. afirmou haver
descaso por parte das autoridades sanitárias em relação à lepra, e que, conforme o próprio
título da reportagem sugere, a enfermidade se configurava como o “magno problema” nos
diferentes estados do Brasil. Sobre o convívio entre pessoas consideradas “sãs” e doentes de
lepra não isolados, esboçou: “Não há quem não sinta arrepiar-lhe os pelos e não fuja agoniado
ante a presença de um leproso”.58
Na sequência, descreveu figurativamente como se caracterizava a experiência do
doente: sua vida seria como um quadro em que o colorido natural das paisagens era
substituído por um “colorido negro”. Para ele, era triste e “verdadeiramente horripilante” o
colorido negro com o qual o bacilo de Hansen59 pintava o quadro da vida, transformando-a
em uma tela de “hedionda característica”.60 Essa definição é indicativa da relação que a
sociedade soteropolitana estabelecia com a doença na primeira metade do século XX, do

57
Infelizmente não foram encontradas referências sobre o perfil editorial do jornal ETC.. Contudo, considera-se
que as concepções sobre a lepra, construídas por ele e pelos outros jornais utilizados nesse capítulo, não
dependem, necessariamente, da orientação política do periódico. O ETC. foi consultado na Hemeroteca Digital
Brasileira, respeitando as restrições impostas pela pandemia de Covid-19.
58
O. L., O Magno Problema da Lepra no Brasil. In: ETC., 26 mai. 1930, p. 6.
59
Também identificada como Mycobacterium leprae, este é o nome dado à bactéria responsável pela infecção
que culminará no desenvolvimento da lepra, atual hanseníase.
60
O. L., 1930, p. 6.
30

mesmo modo que a referência aos termos “horripilante” e “hedionda” apontam para as noções
estigmatizantes61 que envolveram a lepra no Brasil de 1920 e 1930.
Como poderá ser observado em fontes citadas ao longo deste capítulo, os termos
utilizados por O. L. eram comuns para caracterizar a lepra e o doente leproso. Em outra
reportagem, produzida pelo periódico A Tarde e publicada em 6 de abril de 1926, a doença
foi identificada como um “terrível morbo”, que ia “matando aos pedaços”.62 Esta definição
fazia referência ao processo lento e progressivo de suas manifestações patológicas. As
questões emocionais dos leprosos, oriundas da exclusão social, também foram mencionadas,
visto que eles estariam condenados pela “repugnância e perigo de contágio” a uma vida
afastada não só da convivência em sociedade, mas de todos os familiares e entes queridos.
Esta situação seria capaz de provocar ao “[...] coração do doente morte mais cruel [...]”.63
No tocante ao isolamento em instituições especializadas, o A Tarde justificou o
afastamento social dos doentes motivado tanto pela “repugnância” quanto pelo “perigo do
contágio”.64 Além desses motivos, é necessário acrescentar que a contagiosidade e a
incurabilidade da lepra se somavam ao medo de contrair uma enfermidade considerada física
e moralmente degenerativa. Noções que, por um longo período, legitimaram as práticas de
exclusão. Ao discutir sobre o assunto, Vívian Cunha considera que:

Torna-se claro que essa medida de exclusão social foi escolhida por
influência da “tradição de isolamento” dos séculos anteriores, vinculada à
questão do estigma da doença. Mas essa escolha, durante o século XX,
estava mais intimamente ligada à impossibilidade científica em definir
medidas que impedissem a propagação da doença ou mesmo em se descobrir
um medicamento que levasse o paciente à cura.65

O conceito de “tradição de isolamento”, citado pela autora, se refere às práticas de


exclusão social dos leprosos desde os períodos mais remotos na história da humanidade.
Entretanto, o isolamento que se instituiu mais especificamente nas regiões ocidentais,

61
Conforme o estudo de Erving Goffman, estigma é uma palavra de origem grega e que se referia aos sinais
corporais que identificavam alguma coisa de “extraordinário” ou um mau “status moral” de quem os
apresentava. Nesse sentido, os “sinais” no corpo, provocados por fogo ou cortes, anunciavam que o portador era
um escravo, um criminoso ou traidor, uma pessoa “ritualmente poluída” que deveria ser evitada especialmente
em lugares públicos. Cf. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
[versão digitalizada] Tradução: Mathias Lambert. Data da digitalização: 2004. Publicação original: 1963.
62
O FLAGELLO DE DEUS..., A Tarde, Salvador. 6 abr. 1926, p. 1.
63
O FLAGELLO DE DEUS..., 1926, p. 1.
64
O FLAGELLO DE DEUS..., 1926, p. 1.
65
CUNHA, Vívian da Silva. O isolamento compulsório em questão: políticas de combate à lepra no Brasil
(1920-1940). Dissertação (Mestrado) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2005, p. 31.
31

inicialmente pelas noções de pecado e de punição divina, se configurou posteriormente como


fator de ordem médica.
Conforme Françoise Béniac, a lepra se revestiu de um significado específico na
tradição judaico-cristã, fazendo dos leprosos seres à parte. O autor cita as traduções da Bíblia,
para as quais o termo “tsarâ’ath”, traduzido como lepra, diz respeito a “[...] uma estranha
doença de pele, estigma da impureza dos homens, das roupas e até das paredes”. 66 As
referências à enfermidade nos textos bíblicos, como por exemplo, na busca do doente pela
“purificação” e não especificamente pela “cura”, também reforçavam o seu sentido de
“símbolo do pecado”.67
Segundo Dilma Cabral, a formatação do termo lepra se deu pela medicina medieval
mediante uma tradição cultural complexa em que, na tradução dos antigos textos médicos e
dos textos bíblicos, foram acrescidas adaptações com inúmeras distorções.68 Estas concepções
formataram as bases das práticas de exclusão estabelecidas na Europa, acentuadas entre os
séculos XI e XII, e que associavam a enfermidade a uma gama de considerações morais em
busca de explicações sobre o acometimento do doente.69 Quanto à exclusão social dos
enfermos, a autora afirma: “[...] a historiografia sobre o tema indica que o isolamento dos
leprosos revelou-se primeiro como prática, para só posteriormente tornar-se objeto de
regulamentação [...]”.70
Com o interesse em analisar o imaginário sobre a lepra, Yara Monteiro afirma que
estudar a história da enfermidade revela concepções sobre a sua incidência sempre associadas
ao “castigo divino”.71 O termo lepra “[...] passou a ser interpretado como algo degradante,
sujo e impuro, e como tal se espalhou por todo o mundo cristão”.72 Desse modo, os termos
(lepra e leproso) operavam como construções vinculadas às noções que retiravam a
humanidade dos doentes: “[...] os ‘leprosos’ deixavam de ser homens infelizes para
personificar o pecado, o mal, e portanto deixavam de ser dignos de consideração. Essa

66
BÉNIAC, Françoise. O medo da lepra. In: LEGOFF, Jacques (Org.). As doenças têm história. Tradução
Laurinda Bom. Lisboa: Terramar, 1991, p. 133.
67
BÉNIAC, 1991, p. 134.
68
CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2013, p. 27.
69
CABRAL, 2013, p. 28-30.
70
CABRAL, 2013, p. 30.
71
MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara
Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-
Unifesp, 2012, p. 84-85.
72
MONTEIRO, 2012, p. 88.
32

concepção abria espaço – e de certa forma legitimava – a adoção de formas de violência


contra o doente”.73
Considerada uma das doenças mais antigas da história humana, conforme informou
Arthur Nunes Marques em tese de doutoramento defendida na FMB, em 1924, a lepra marcou
tanto as histórias profanas quanto as sagradas. Para o estudante de medicina, não chegaria ao
extremo de afirmar que “com o homem nasceu a lepra”, mas a sua respectiva antiguidade
poderia ser comprovada por um “ligeiro” estudo cronológico. A lepra “[...] foi e é conhecida
por todos os povos, com a particularidade de variar de nome, conforme a região em que é
conhecida”.74
Tais considerações, justificadas inclusive pelos próprios registros ao longo do tempo
e pelas análises em diferentes trabalhos historiográficos sobre a enfermidade, possibilitam
presumir que os sentidos associados à lepra foram elaborados e reelaborados no decurso do
processo histórico. As explicações para suas causas, manifestações e modos de transmissão
em diferentes períodos e contextos não foram as mesmas. Em muitos casos, as representações
antigas da enfermidade eram incorporadas às novas.75
Como afirma Heleno Nascimento: “A história da lepra é longa, complexa e marcada
pelo medo, preconceito, estigma, rejeição, segregação social, isolamento, abandono e, muitas
vezes, pelo esquecimento das pessoas acometidas pela doença nos espaços de reclusão [...]”.76
A complexidade associada à enfermidade, segundo Salvador de Castro Barbosa, em tese de
doutoramento apresentada à FMB, em 1924, era resultado do “pavor” que a própria lepra
representava. Segundo ele: “[...] o pavor que ella inspira é devido não só a sua chronicidade
como tambem ás deformações que produz obrigando as suas victimas a trazerem
esteriotypadas no rosto os seus terríveis estragos”.77
O estudante de medicina também destacou a “influência da estética” como principal
fator de estímulo no modo tão diferente pelo qual o homem encarava a lepra: uma doença

73
MONTEIRO, 2012, p. 88.
74
MARQUES, Arthur Nunes. Da Prophylaxia da Lepra. Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1924, p. 6-7.
75
Para mais informações, Cf: CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934).
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013; CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença.
Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1995; CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra
e isolamento no Brasil (1935/1976). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002; MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra
e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.).
Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2012; SOUZA, Ricardo Luiz de. Estigma,
discriminação e lepra. Curitiba: Ed. UFPR, 2015.
76
NASCIMENTO, Heleno Braz do. Mato Grosso: Lepra, segregação social e isolamento hospitalar (1816-1841).
In: MONTEIRO, Yara Nogueira. História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo: LEER-
USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019, p. 247.
77
BARBOSA, Salvador de Castro. Pequena contribuição ao tratamento da lepra. Faculdade de Medicina da
Bahia, 1924, p. 24.
33

“deformante” era considerada “duas vezes moléstia”. Ela deturparia os traços da face por
meio de uma “requintada maldade”.78 Esses argumentos, relacionados às manifestações mais
graves do mal de Hansen, apontam para as concepções médicas e sociais sobre a enfermidade.
Neste caso, o caráter “deformante” acrescentou maior gravidade ao seu significado e à
determinação como uma doença dupla.
O significado da lepra foi associado a representações pejorativas em muitos
momentos. Segundo Ricardo Souza, na Idade Média a doença representou o pecado, a
impureza e a maldição, mas no contexto do século XIX seu entendimento foi redefinido e ela
passou a figurar como uma doença das colônias, caracterizada pela “[...] a impureza dos
trópicos, vinculada à ‘inferioridade racial’ e ao ‘atraso’”.79 Assim como ocorreu com outras
enfermidades, a exemplo da sífilis,80 a lepra foi associada a concepções morais e significados
estigmatizantes devido às manifestações dermatológicas e físicas.
Lenita B. Lorena Claro afirma que o termo “lepra” é carregado de conteúdos
simbólicos e seu emprego no vocabulário popular geralmente se fundava/funda “[...] na visão
estereotipada dos casos avançados e sem tratamento, assim como (era) é usado com sentidos
metafóricos e algumas vezes pejorativos”.81 Com base na analogia com um dragão, Jair
Ferreira também discute a lepra e diferencia as concepções relacionadas ao termo,
considerado, por ele, como uma “lenda” que superestima as “reais” manifestações que
acometem os indivíduos “portadores de hanseníase”.82
Imaginário e a realidade se misturam na construção do estigma da lepra, definindo
uma diferenciação negativa, a partir de características atribuídas a uma pessoa ou grupo
social.83 As associações entre as concepções médicas e religiosas reforçam tal questão, o que,
de acordo com Luciano Curi, a define enquanto uma enfermidade sociocultural84: “[...] os
fenômenos físicos e biológicos ocasionados pelo Mycobacterium leprae nunca estiveram, e
ainda não estão, desacompanhados de inúmeras representações e de um imaginário

78
BARBOSA, 1924, p. 24.
79
SOUZA, Ricardo Luiz de. Estigma, discriminação e lepra. Curitiba: Ed. UFPR, 2015, p. 17.
80
BATISTA, Ricardo dos Santos. Mulheres livres: uma história sobre prostituição, sífilis, relações de gênero e
sexualidade. Salvador: Edufba, 2014. Cap. 2.
81
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
1995, p. 50.
82
FERREIRA, Jair. Prefácio. In: VELLOSO, Alda Py; ANDRADE, Vera. Hanseníase: curar para eliminar.
Porto Alegre, Edição das autoras, 2002, p. 9-10.
83
SOUZA, 2015, p. 13.
84
Conforme Luciano Curi, a conceituação da lepra enquanto uma enfermidade sociocultural é o mais adequado,
visto que ela se perpetuou ao longo dos séculos tanto “[...] em forma de memória; viva, oral, dinâmica,
constantemente reelaborada, quanto em forma de uma mitologia [...]”. O autor também considera que tal
conjuntura sociocultural “[...] oferecem sentido e subsídios para que as pessoas possam compreender os
fenômenos e a realidade que as cercam, no caso o ato de adoecer de lepra” (CURI, 2002, p. 47).
34

intensamente cultivado no Ocidente cristão (grifo do original)”.85 Sendo assim, as


manifestações biológicas, somadas às memórias e aos mitos, teriam sido norteadores das
ações e reações individuais e coletivas voltadas ao mal de Hansen.
Como mencionado, as representações de origem religiosa desempenharam papel
importante na construção de significados sobre a lepra e estes, por sua vez, orientaram as
ações voltadas à doença e aos doentes. Ao analisar os procedimentos adotados pela Igreja
durante as Idades Média e Moderna, Yara Monteiro considera que a relação com a lepra se
deu a partir de uma “curiosa ambivalência”, pois a compaixão e a condenação muitas vezes se
entrelaçavam:

Por um lado, tinha-se a doença atrelada à ideia de pecado, impureza, punição


de Deus; e nesta o doente aparecia, com frequência, associado com a
criminalidade e o mal. Por outro lado, constata-se o aparecimento de postura
diametralmente oposta: nela, o leproso aparecia como objeto de compaixão e
a incidência da doença como demonstração de santidade. [...] Em alguns
casos, acreditava-se que os doentes eram revestidos por certa aura de
santidade, e que o sofrimento que os afligia aqui na terra já os habilitaria
para os céus.86

As ideias religiosas se associavam às da medicina, perpetuando a segregação dos


leprosos que continuou na passagem dos séculos e foi executada como uma prática correta,
aceita e normatizada, primeiro pela religião e depois pela medicina.87 Luciano Curi considera
que: “De medo dos pecadores castigados a doentes perigosos que contagiam, colocava-se
junto com essas práticas de interpretação os respectivos comportamentos de estigmatização e
segregação”.88 Respeitando as diferenças temporais e geográficas, essa compreensão se
assemelha ao observado na reportagem do periódico ETC., em 26 de maio de 1930, na qual o
articulista considerou não haver quem “[...] não fuja agoniado ante a presença de um
leproso”.89
A mesma notícia apresentou uma narrativa sustentada em interpretações
estigmatizantes e em referências que identificavam os enfermos como: “Pária da sociedade”, e
que “[...] nem podia deixar de sel-o, tal a desgraça de seu mal [...]”.90 No entanto, os discursos
fundamentados em interpretações moralizantes e de estigmatização sobre a lepra não foram

85
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935/1976).
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002, p. 36.
86
MONTEIRO, 2012, p. 93.
87
CURI, 2002, p. 43.
88
CURI, 2002, p. 43-44.
89
O. L., O Magno Problema da Lepra no Brasil. In: ETC., 26 mai. 1930, p. 6.
90
O. L., 1930, p. 6.
35

exclusividade das produções leigas, sendo, também, identificados nas produções médicas. Em
sua tese de doutoramento defendida em 1927, Absalão Pereira de Almeida escreveu:

De qualquer ponto que se encare a lepra, vemol-a a abater physica e


moralmente sua victima. Imprime-lhe uma physionomia brutal e horrenda,
desenha-lhe no rosto a mascara da ferocidade, agrava no pensamento do
leproso as ideias mais macabras, os sentimentos mais bestiaes, quando não o
torna impassivel, macambuzio, pensativo e cobarde.91

De acordo com a citação, os sintomas iam além das questões físicas e biológicas,
visto que a lepra impactava, da mesma forma, “moralmente sua victima”.92 Para Almeida,
além das manifestações físicas e dermatológicas que imprimiam uma fisionomia “brutal e
horrenda” ao leproso, havia os casos em que o doente desenvolvia pensamentos e ideias
“macabras”, sentimentos “bestiaes” e propensão a perturbações no humor.93 Isto implicava,
possivelmente, a compreensão de que o doente de lepra teria sua capacidade de raciocínio
reduzida e, portanto, era tratado como sujeito destituído de humanidade.
As concepções culturais e sociais sobre a lepra nortearam, também, determinados
parâmetros da ciência médica, que não pode deixar de ser pensada enquanto um produto do
seu próprio contexto. Como afirma Jean-Charles Sournia: “[...] por natureza a medicina é
histórica” e os médicos, por serem sujeitos pertencentes a uma determinada sociedade,
resultam dela e, consequentemente, “[...] partilham os seus ideais, os seus fantasmas, a sua
resistência à mudança, o seu encerramento em modelos conhecidos sobre a organização do
mundo e os seus mecanismos da vida”.94 As produções médicas utilizadas como fontes neste
estudo não eram isentas de influências socioculturais.
Em concordância com a afirmação de Jean-Charles Sournia sobre a constante relação
de reciprocidade entre os médicos e outros setores da sociedade,95 interpretam-se concepções
e classificações das doenças como produções que surgem e partilham dessa contextualização.
Ao analisar a doença como uma “entidade abstrata”, considera-se que ela não teria uma
“existência em si”, pois os médicos são responsáveis por atribuir uma noção intelectual às
indisposições sentidas por uma pessoa, em um processo identificado como: “[...] diagnóstico,

91
ALMEIDA, Absalão Pereira de. Estado actual da therapeutica da lepra. These (Cadeira de Dermatologia e
Syphiligraphia) Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1927, p. 5.
92
ALMEIDA, 1927, p. 5.
93
ALMEIDA, 1927, p. 5.
94
SOURNIA, Jean-Charles. O homem e a doença. In: LE GOFF, Jacques. As doenças têm história. Tradução
Laurinda Bom. Lisboa: Terramar, 1991, p. 360.
95
SOURNIA, 1991, p. 360.
36

do qual decorre um tratamento destinado a agir sobre os sintomas e, se possível, sobre a


causa”.96
Partindo de tal interpretação, compreende-se que as atribuições de sentido da
medicina sobre a lepra decorreram de um processo complexo e tiveram uma base para
consolidação na microbiologia, no final da segunda metade do século XIX. 97 No contexto
brasileiro, a reforma no ensino médico das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da
Bahia, iniciada em 1879, e a criação da Cátedra de Dermatologia e Sifilografia, na década de
1880, podem ser consideradas como um marco importante na conceituação e singularização
da lepra enquanto uma enfermidade específica.98 Contudo, ainda nas primeiras décadas do
século XX, eram comuns confusões em sua identificação.
Tais equívocos eram mais recorrentes entre os leigos, a exemplo do caso narrado
pelo médico Octávio Torres, então diretor do único Leprosário existente no estado da Bahia,
em relatório apresentado em 1937. Nele, uma mulher vítima de moléstia de pele foi
transferida de uma Delegacia de Polícia da Capital para a instituição de isolamento.99
Conforme o registro, as primeiras observações sintomatológicas sobre a enferma recém-
chegada indicavam que, talvez, ela fosse portadora de “varicella”,100 o que foi confirmado na
manhã do dia seguinte. Resolvida tal questão, a mulher foi retirada da instituição. No entanto,
mesmo com o cuidado para evitar o seu contato com os doentes e os funcionários, a rápida
confusão se caracterizou como um “terrível” episódio.101 Nas palavras de Torres:

Dahi a 15 dias, mais ou menos, cahiu de varicella diversos doentes e o


enfermeiro, o qual esteve prestando assistencia áquella doente [...] em alguns
casos a doença foi tão generalizada que parecia a primeira vista com variola.

96
SOURNIA, 1991, p. 359.
97
CABRAL, Dilma. A Lepra e os Novos Referenciais da Medicina Brasileira no Final do Século XIX. O
Laboratório Bacteriológico do Hospital dos Lázaros. In: NASCIMENTO, Dilene Raimundo do; CARVALHO,
Diana Maul de; MARQUES, Rita de Cássia (Orgs.). Uma história brasileira das doenças, v.2. – Rio de
Janeiro: Mauad X, 2006, p. 148.
98
Um dos indícios desse processo são os textos sobre a lepra publicados na Gazeta Médica da Bahia, uma
importante revista médica e científica naquele período, que, a partir de 1881, passaram a ser vinculados de forma
mais frequente em uma seção específica, a de “dermatologia”. Cf. SAMPAIO, Muller. O Hospital dos Lázaros,
as práticas e as representações da lepra na Bahia (1850-1881). Monografia (especialização) – Especialização
em História da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2021.
99
TORRES, Octávio. Relatório do Leprosário D. Rodrigo J. de Menezes, apresentado em janeiro de 1937
ao Dr. Secretário de Educação e Saúde pública. Pelo diretor do leprosário, Octávio Torres, 1936. Bahia, 1939,
p. 53.
100
Popularmente conhecida como catapora, ela é uma doença infecciosa e altamente contagiosa causada pelo
vírus Varicela-Zoster que se manifesta com maior frequência em crianças. A principal característica clínica são
lesões na pele acompanhadas de coceira. Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Catapora (Varicela): causas,
sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-
z/varicela-catapora. Acesso em: 30 de nov. 2021.
101
TORRES, 1939, p. 53.
37

Os doentes mais graves foram transferidos para o Hospital de Isolamento, os


102
outros que tiveram catapóra discreta, foram tratados no próprio hospital.

Esse caso ilustra os riscos na diferenciação entre as enfermidades e a possibilidade de


transmissão de outras doenças contagiosas pelo contato entre os leprosos isolados e um novo
paciente com falso diagnóstico de lepra.
Sobre o mesmo assunto, quase uma década antes desse episódio, mais precisamente
em 17 de junho de 1928, médicos baianos integrantes da Sociedade Médica dos Hospitais da
Bahia discutiam um caso apresentado pelo presidente da sessão, Octávio Torres. 103 O registro
dessa reunião, publicado no mês seguinte pela Gazeta Médica da Bahia, informa que, ao
chegar do interior do estado, o doente foi até o consultório de Torres e narrou os sintomas que
o acometiam: uma perfuração do septo nasal – motivo daquela discussão entre os médicos – e
quadro de febre com caráter palustre e manifestações cutâneas.
Sobre os diagnósticos até então realizados por outros profissionais, Octávio Torres
explicou à Sociedade Médica que, conforme a “impressão” dos primeiros, o paciente recebeu
tratamentos distintos: “[...] ora como paludico, ora como syphilitico, e a lesão do nariz vinha
rotulada de lupus ou leishmaniose [...]”.104 O termo “impressão”, utilizado pelo médico para
se referir aos primeiros diagnósticos daquele caso, pode indicar uma conotação crítica a fim
de deslegitimar os métodos utilizados nos exames e seus respectivos resultados. Ele
acrescentou que, ao realizar novos exames, os diagnósticos anteriores foram afastados e
confirmou-se a lepra.105
Para o médico, as “alterações nasais” serviam como meio de diagnosticar a doença
ainda no seu estágio inicial. Em relação ao paciente com as lesões, o caso era o terceiro, em
um ano, em que confundiam a “terrivel affecção” com a leishmaniose.106 As semelhanças
entre as duas doenças foram destacadas por Torres em sua exposição, porém, ele acreditava

102
TORRES, 1939, p. 53.
103
Nasceu no ano 1885, em Mucugê, Bahia, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1904, sendo
diplomado em 1909. Octávio Torres foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia, estagiou em
universidades norte-americanas e desempenhou papel importante no desenvolvimento das ações de combate e
assistência à lepra, principalmente a partir de 1930, quando ocupou o cargo de diretor do Hospital dos Lázaros,
mesmo período em que a instituição passou por uma reforma e foi renomeada como Leprosário D. Rodrigo José
de Menezes.
104
TORRES, Octávio. UM CASO DE LEPRA: Considerações sobre as lesões nasaes da lepra. In: BAHIA,
Gazeta Médica da Bahia. v. 59, n. 1, jul. 1928, p. 27.
105
TORRES, 1928, p. 27.
106
A Leishmaniose Visceral (LV), também conhecida como calazar, é uma doença causada por um protozoário
da espécie Leishmania chagasi, de evolução crônica, com acometimento sistêmico e, se não tratada, pode levar a
óbito até 90% dos casos. Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Leishmaniose Visceral. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/l/leishmaniose-visceral. Acesso em: 10 de dez. 2021.
38

que os leprosos apresentavam um quadro específico, em vista da tolerância às “explorações”


internas do nariz provocada pela insensibilidade peculiar aos casos de lepra.107
Não se sabe se os primeiros diagnósticos daquele paciente foram determinados
apenas pela observação clínica ou pelos métodos específicos da bacteriologia do período,
capaz de detectar a presença do bacilo da lepra. Ao fim da exposição, foi promovida uma
discussão entre estudantes e médicos presentes. Porém, conforme a argumentação realizada
por eles, pode-se afirmar que o diagnóstico da lepra continuou considerado complexo mesmo
com as possibilidades da bacteriologia e dos exames em laboratório.
A respeito disso, um caso foi observado na enfermaria São Vicente, no Hospital
Santa Izabel, em que os sintomas apresentados pelo doente, rotulados como de leishmaniose,
resistiram ao tratamento empregado tanto para a respectiva enfermidade quanto para os
agentes antissifilíticos. Conforme a descrição, a “[...] face do doente era vultuosa, mas o
exame do muco nasal foi negativo quanto aos bacillos de Hansen [...]”. Esse caso era idêntico
a outro, observado pelo professor Alexandre Cerqueira no laboratório do Hospital São João de
Deus. O médico Vidal da Cunha também mencionou dois casos, segundo ele, evidentes no
exame clínico de lepra, mas negativos no âmbito da identificação bacilar nas mucosas do
nariz.108
De forma mais ampla, o caso apresentado por Octávio Torres e analisado por seus
pares possibilita compreender as próprias práticas médicas e científicas daquele contexto, uma
vez que, provavelmente, os diferentes diagnósticos mencionados e as incertezas quanto ao
exame bacteriológico, indicam as dificuldades enfrentadas para o diagnóstico da lepra.
Entusiasmado, mas reconhecendo os desafios que envolviam a doença nesse mesmo
contexto, Absalão Pereira de Almeida afirmou em sua tese de doutoramento:

A lepra, pesar dos progressos da sciencia, que já desanuviou sua


prophylaxia; estudou seu agente responsável; fez emfim sua biologia, ainda
continua como a mais terrivel das moléstias, a mais temerosa e horripilante
de quantas entidades mórbidas, pelo cunho que imprime no physico e na
moral do doente.109

Na tentativa de justificar o temor relacionado à lepra, considerada a moléstia mais


“temerosa e horripilante” pelas suas manifestações físicas e, consequentemente, morais, o
médico apresentou um panorama dos “progressos da sciencia” que, para ele, deveriam ser

107
TORRES, 1928, p. 28.
108
TORRES, 1928, p. 29.
109
ALMEIDA, Absalão Pereira de. Estado actual da therapeutica da lepra. Faculdade de Medicina da Bahia.
Bahia, 1927, p. 4.
39

compreendidos como algo superior a outras formas de conhecimento. É certo que a medicina
havia compreendido questões importantes sobre o mal de Hansen desde a descoberta do
bacilo, na segunda metade do século XIX, entretanto, a contagiosidade, o tratamento e a
possibilidade de cura permaneciam incertos ainda nas primeiras décadas do século XX.
O receio da enfermidade pode ser ilustrado por uma citação do médico Belisário
110
Pena em duas teses de doutoramento da FMB. A primeira foi apresentada em 1926, por
Durval Moreira da Silva e, a segunda, em 1927, por Absalão Pereira de Almeida –, nas quais
a lepra, considerada uma doença crônica e de longa duração, foi apresentada como uma
entidade “repugnante” e “martyrisadora”, capaz de roubar a vida da “pobre vítima”, “[...]
atrofiando-a, manchando-a, mutilando-a, apodrecendo-a lenta e progressivamente [...]”, até
que uma moléstia intercorrente libertava, pela morte, do “suplício infernal”.111
A forma como Pena classificou a lepra, provavelmente com o intuito de impactar o
imaginário social, reforça significados e concepções estigmatizantes que não se estendiam a
todos os casos clínicos da doença. Clinicamente a lepra não seria capaz de “apodrecer”
alguém. A utilização desse tipo de definição, baseada no “exagero”, não era algo incomum
nas concepções sobre a enfermidade e, em alguns momentos, foi adotada como estratégia para
evitar sua propagação pelo medo. Como afirmou Salvador de Castro Barbosa, mesmo não
concordando com o alto risco de contagiosidade da lepra: “Certamente sob o ponto de vista
social, é vantajoso exagerar-lhe o perigo”.112
O exagero e a noção de perigo vinculados à enfermidade se mantiveram mais
relacionados ao medo e à repulsa do que à doença propriamente dita. As associações entre os
leprosos e as diversas deformações provocadas pela enfermidade se fundamentavam no
exagero e correspondiam às representações existentes desde o princípio da Idade Média.113
Todavia, os diferentes sintomas e manifestações provocados pela lepra não podem ser

110
Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1890. Em 1904, no Rio de Janeiro passou
a trabalhar na DGSP. Nos anos seguintes, colaborou no combate à febre amarela, malária e outras doenças em
diversos pontos do território nacional. Em 1918, assumiu a direção do Serviço de Profilaxia Rural. Em 1920, foi
nomeado diretor de saneamento rural do Departamento Nacional de Saúde. Dois anos depois, exonerou-se desse
cargo por discordar das interferências políticas no órgão. Em 1924, manifestou-se publicamente a favor dos
levantes tenentistas deflagrados contra o governo de Artur Bernardes. Por conta disso, foi preso por seis meses.
Entre 1927 e 1928, voltou a percorrer o Brasil como chefe do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária. Em
1930, participou dos preparativos da revolução no Rio Grande do Sul. Após a vitória do movimento, foi
nomeado diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Em setembro de 1931, foi nomeado
ministro da Educação e Saúde, ficando no cargo por três meses. Ainda em 1932, exonerou-se da direção do
DNSP. Cf. PENA, Belisário. Verbete. Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/belisario_pena. Acesso em: 16 de dez. 2021.
111
ALMEIDA, 1927, p. 4.; Cf. LIMA, Durval Moreira da Silva. Da Lepra na Bahia (Notas e Factos).
Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1926, p. 4.
112
BABOSA, 1924, p. 25.
113
CURI, 2002, p. 62.
40

desconsiderados, principalmente os que resultavam de estágios mais graves de sua forma e


evolução, capazes de marcar e modificar o corpo do doente, como pode ser observado na
Figura 1, retirada do segundo volume do Tratado de Leprologia, publicado em 1950.114

Figura 1 – Caso misto (lepromatoso da classificação sul-americana) de evolução, deformações muito


acentuadas da face, mãos e pés.

Fonte: SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, s. p.

As informações vinculadas a essa fotografia não possibilitam aprofundar a análise.


As respostas para questões como o ano exato em que o doente foi fotografado, quem era ele,
qual sua origem, há quanto tempo convivia com a lepra, ficam em suspenso. É possível
presumir apenas que era tratado em São Paulo, pois foi identificado como um “caso” do
professor Aguiar Pupo,115 catedrático de Dermatologia e Sifilografia na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e que, além de desenvolver estudos sobre a
leishmaniose, sífilis e lepra, também atuou no Serviço de Profilaxia estadual.
A identificação de concepções “exageradas” nos discursos médicos referentes à
lepra, não é, neste estudo, uma tentativa de relativizar o impacto da doença, pois havia
situações em que suas manifestações afetavam gravemente o corpo do leproso, sendo a Figura

114
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA. Tratado de leprologia – Volume II. 2. ed, Rio de Janeiro, 1950.
115
João de Aguiar Pupo (12 mai. 1890 – 23 ago. 1980) graduou-se em 1912 na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Recém-formado foi convidado por Arnaldo Vieira de Carvalho para trabalhar como Preparador da
Cadeira de Química Médica, a qual assumiu, como substituto, em 1914; em 1929 tornou-se Catedrático de
Dermatologia e Sifilografia. Sendo um dos maiores nomes da Dermatologia brasileira. Cf. MUSEU
HISTÓRICO DA FMUSP. História biográfica: João Aguiar Pupo (1890 - 1980). Disponível em:
http://www.pesquisadores.museu.fm.usp.br/index.php/jo-o-aguiar-pupo-1890-1980;isad. Acesso em: 24 dez.
2021.
41

1 demonstrativo dos possíveis resultados. Tal quadro clínico não era comum, mas as
concepções e símbolos baseados em antigas noções da doença sustentavam exemplos como
este para justificar o temor e a rejeição aos doentes. O temor à lepra era provocado pelo
resultado da enfermidade e não, necessariamente, pela sua transmissão.116
Ainda sobre a Figura 1, as possíveis manifestações provocadas pela lepra no corpo
do doente chamam a atenção, sendo evidentes as alterações na face, nas mãos e nos pés.
Destaca-se, também, a incapacidade de mobilidade do enfermo, tanto pela posição dos pés,
devido às alterações provocadas pela lepra, quanto pela cadeira de rodas em que ele estava
sentado no momento do registro fotográfico. O caso se apresenta como importante retrato das
diferentes manifestações da lepra, dada a sua variedade de sintomas e a possibilidade de
atingir diferentes regiões do corpo, podendo causar, inclusive, incapacidades físicas.
A incapacitação física dos enfermos, no entanto, não era tema recorrente nas
produções que se referiam à lepra, sendo mais comum menções às suas manifestações na face.
Isto, talvez, por ser o local em que surgiam as primeiras evidências, ao contrário da invalidez,
mais recorrente em estágios avançados. Conforme descreveu Arthur Nunes Marques, em sua
tese de doutoramento:

A face, precisamente a região super-orbitaria, é o ponto de predilecção para


a confluência dos lepromas; verdadeira diffusão lepromatosa opera uma
transformação nos traços physionomicos, por isso que a frente se entumece e
se cobre de rugas; os supercílios perdem os pêlos e augmentam de volume,
formando sobrolhos característicos, ameaçadores; o nariz se deprime e
aumenta em largura, em consequencia da necrose do septo; o mento e lábios
se apresentam lobulados.117

Os lepromas mencionados pelo estudante de medicina são tumores nodulares


cutâneos que caracterizam a lepra. Segundo ele, a combinação com outras manifestações
localizadas na face era responsável por transformações nos traços fisionômicos, constituindo a
denominada: “facies leonina”. Como exemplo dessas alterações, Arthur Nunes Marques citou
um caso observado no Hospital dos Lázaros da cidade de Salvador, em que uma leprosa de 18
anos, baiana, mestiça, de profissão doméstica e que convivia com a doença há 5 anos,
apresentava características físicas de uma pessoa com idade de 40 anos.118
Entre os casos de internos que apresentavam um quadro clínico da lepra com
alterações na face, destacam-se os exemplos das duas imagens abaixo, identificadas como

116
CURI, 2002, p. 61-62.
117
MARQUES, 1924, p. 25.
118
MARQUES, 1924, p. 25-26.
42

Figura 2. Esses registros fazem parte de um álbum fotográfico organizado pela SBCL,
referente ao contexto da década de 1930. Não foi possível encontrar informações sobre a
identidade dos enfermos.

Figura 2 – Leprosos com manifestações da lepra na face.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Segundo os médicos Colombo Spinola e Octávio Torres, em uma comunicação


apresentada no evento comemorativo de 25 anos da Sociedade de Medicina, realizado na
Bahia em dezembro de 1933, estudos realizados no Hospital dos Lázaros, em Salvador,
identificaram que mais de 40% dos doentes internados apresentavam lesões nas mucosas.119
Havia onze leprosos com destruição do septo nasal ósseo.120
Sobre a “facies leonina”, Arthur Nunes Marques apresentou considerações de dois
médicos internacionais, Jeanselme e M. Sée, ao afirmarem que face do leproso era tomada por
uma “extravagancia selvagem e brutal” capaz de alterar “[...] todos os attributos do sexo,
idade e raça, para revestir um typo uniforme, sem expressão pessoal [...]”.121 Além da lepra
“obrigar” as suas “vitimas” a apresentarem na face os seus “terríveis estragos”,122 modificava
os traços e expressões humanas, alterando as características físicas capazes de identificar o
grupo étnico-racial, o gênero e a idade.

119
TORRES, Octávio; SPINOLA, Colombo. Manifestações Oto-Rhino-Laryngologicas da Lepra.
Apresentado à Semana Médica, commemorativa do 25º anniversário da Sociedade de Medicina, reunida na
Bahia, de 17 a 23 de dezembro de 1933, p. 2.
120
TORRES; SPINOLA, 1933, p. 7.
121
MARQUES, 1924, p. 25.
122
BARBOSA, 1924, p. 24.
43

Denominado como “phenomenos atroficos”, o processo que poderia provocar o


comprometimento dos “elementos responsáveis pelo jogo physionomico” – devido às
paresias, ora isoladas ora associadas ou simétricas –, além de modificar a fisionomia e
emprestar um “aspecto terrível e inexpressivo” ao leproso, incapacitando-o de “traduzir” na
face “as emoções da alma”, poderia acometer os membros superiores e inferiores. 123 A
atuação desse fenômeno, nas respectivas regiões do corpo, era capaz de causar grandes
modificações na forma e na função dos membros, exemplo disto é a forma de garra nas mãos
e a torsão nos pés, ambos representados na Figura 2.
A definição da lepra por Absalão Pereira de Almeida – que serviu como referência
para o título deste capítulo –, como capaz de “imprimir” em suas “vitimas” uma fisionomia
“brutal” e “horrenda”, desenhando no rosto a “mascara da ferocidade”124 – auxilia a
identificar as aproximações e evidências sobre a continuidade das concepções religiosas e
estigmatizantes nos discursos médicos.
Entretanto, as concepções socioculturais não definiam, por si só, a adoção das
práticas de combate à lepra. Quais foram os principais posicionamentos dos médicos baianos
em relação ao isolamento e às formas de transmissão da lepra? Quais eram as suas principais
definições científicas? Havia harmonia entre as ações estabelecidas pelo poder público e pelos
médicos baianos? São estas questões, vinculadas à incurabilidade da lepra pela medicina até a
década de 1940,125 e as implicações na defesa do isolamento como principal ação profilática,
objetos de análise da próxima seção deste capítulo.

O “perigo” de contagiosidade, médicos e o isolamento de leprosos em Salvador

Como foi apresentado, desde períodos mais longínquos na história humana, a lepra
permaneceu vinculada a concepções estigmatizantes. O risco de contágio, teoria defendida por
alguns médicos, unido ao medo e a repulsa – influenciados pelas manifestações no corpo do
doente e pelo imaginário sociocultural – justificaram a exclusão social e a defesa do
isolamento dos leprosos. O receio e a repulsa, em muitos casos, motivaram o próprio doente a
optar pelo afastamento da convivência em sociedade, a fim de evitar julgamentos e situações

123
MARQUES, 1924, p. 31-32.
124
ALMEIDA, 1927, p. 5.
125
A cura da lepra pela medicina só foi confirmada na década de 1940 a partir da utilização das “sufonas”,
substâncias desenvolvidas a partir de estudos bioquímicos. Para mais informações, cf. SANTOS, Fernando
Sergio Dumas dos; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de chaulmoogra como
conhecimento científico: a construção de uma terapêutica antileprótica. História, Ciências, Saúde–
Manguinhos. 2008, v. 15, n. 1, pp. 29-46.
44

vexatórias. Conforme Absalão Almeida: “O leproso teme o escarneo e furta-se ao olhar do


publico”.126
O isolamento como questão de ordem médica ganhou mais força com a I
Conferência Internacional sobre a Lepra, realizada no ano de 1897, em Berlim. Com o
propósito de reunir especialistas e definir consensos sobre questões importantes para controlar
a doença, ficou definido, neste evento, que o Mycobacterium leprae, denominado como
“bacillus leprae”, era o seu agente etiológico. Entre outras proposições, acordou-se que, para
combatê-lo, era necessário seguir orientações, salvo as condições sociais de cada país, como
implementar um sistema de notificação obrigatória e criar medidas legislativas para o
isolamento compulsório e vigilância dos leprosos.127
Durante a segunda metade do século XIX, o médico norueguês Amauer Hansen
apresentou um agente patológico causal da lepra e defendeu a segregação dos doentes como
uma forma de eliminá-la. Um texto da Gazeta Médica da Bahia de julho de 1898, a respeito
da I Conferência Internacional sobre a Lepra, mostrou sua análise de dados estatísticos e a
constatação de que os casos de lepra diminuíram nos lugares onde havia o isolamento de
doentes, ao contrário do que ocorreu nos locais onde os leprosos viviam em liberdade. Diante
de tal quadro, Hansen orientou ao governo norueguês, em 1879, a promulgar uma lei que
ordenasse o isolamento dos leprosos pobres. Motivada pelos resultados estatísticos, a reclusão
ganhou caráter compulsório com a lei de 1895, que determinou: “[...] o isolamento obrigatório
nos asylos do Estado de todos os leprosos que não pudessem submetter-se as medidas de
isolamento que lhes fossem prescriptas pelas autoridades competentes, em seus
domicílios”.128
No entanto, mesmo com a Conferência em Berlim, no ano de 1897, não se firmou
um consenso a respeito do isolamento e de outras questões voltadas à lepra. Rodeada por
incertezas, a doença continuou no centro de debates que atravessaram as primeiras décadas do
século XX. Sobre isso, Almeida informou os principais problemas médicos e científicos da
lepra naquele contexto: cura espontânea, reações diversas ao mesmo medicamento,
transmissão e forma de infecção.129 Sobre os dois últimos – a transmissão e a forma de
infecção – o estudante de medicina acrescentou que a dificuldade em entendê-los era maior

126
ALMEIDA, 1927, p. 5.
127
A MORPHÉA: extracto da conferencia scientifica internacional sobre a morphéa, realizada em Berlim em
outubro de 1897, 6ª sessão. In: BAHIA. Gazeta Médica da Bahia. Anno XXX, n.1, jul. 1898, p. 20-21.
128
A MORPHÉA: extracto da conferencia scientifica internacional sobre a morphéa, realizada em Berlim em
outubro de 1897, 5ª sessão. Ordem do dia: Isolamento dos leprosos. In: BAHIA. Gazeta Médica da Bahia.
Anno XXX, n.1, jul. 1898, p. 7.
129
ALMEIDA, 1927, p. 5.
45

pela falta de reação imediata após a penetração da bactéria e o seu longo período de incubação
que poderia durar, variavelmente, meses ou anos.
Fundamentado em registros da literatura médica, Arthur Nunes Marques também
descreveu os longos períodos de incubação do bacilo da lepra e citou exemplos de casos que
duraram anos sem sintomas próprios da enfermidade – alguns com períodos de 27 anos e um
caso de 32 anos. A respeito da “invasão” do bacilo no organismo, ele ainda afirmou que o
início da “infecção leprosa” se apresentava a partir dos sintomas: “[...] coryza, rachialgias,
arthralgias, somnolencia, febre de duração variável, anemia, alquebrantamento, tristeza, etc.,
até que a erupção maculosa [...]” dava início a evolução de uma das suas formas clínicas.130
Conforme o conhecimento da medicina do período, a lepra poderia se manifestar a
partir de três formas: a forma tuberculosa; a forma nervosa; e a forma mixta. Cada uma
delas possuiria sintomas variáveis que exigiam atenção, cuidados e uma terapêutica
específica, o que tornava imprescindível o diagnóstico precoce e seguro. Com essa
preocupação, Absalão Almeida considerava fundamental que os seus pares conhecessem as
diferentes manifestações da lepra, pois estas não estavam restritas às características da “face
leonina”, das atrofias e das “horrorosas mutilações”.131
Os sintomas mais “discretos”, por sua vez, passavam despercebidos pelos doentes ou
eram interpretados de forma equivocada pelos próprios médicos. De acordo com Almeida,
poderiam sinalizar suspeita da lepra o entupimento nasal, como se o enfermo estivesse sempre
resfriado; o aparecimento de “erythemas”132 de tamanhos, formas e coloração variados,
acompanhados de coceira ou não; manchas pequenas semelhantes às das sardas; presença de
bolhas nas costas das mãos, dos pés, cotovelos e joelhos, que caso fossem perfuradas
liberavam sangue ou sangue e pus com odor fétido. Ao lado de todos esses sintomas
possíveis, eram acrescidas dormência e anestesia.133
Para um diagnóstico seguro era preciso observar as características da enfermidade ou
realizar o exame bacteriológico. Sobre a sintomatologia das três formas clínicas da lepra, o
encontro de sintomas comuns era habitual, principalmente nas últimas fases de sua evolução.
Na forma mixta predominavam, ao mesmo tempo, sintomas da lepra tuberculosa e da lepra
nervosa. A união das manifestações na forma mixta tornava impossível distinguir se as
primeiras manifestações derivavam da forma tuberculosa ou nervosa. Os sintomas mais
comuns eram anestesias, dormências nas superfícies eritematosas com coloração e formas

130
MARQUES, 1924, p. 21.
131
ALMEIDA, 1927, p. 8.
132
Eritema é o nome clínico para manchas vermelhas na pele, ocasionadas por uma vasodilatação capilar.
133
ALMEIDA, 1927, p. 9-10.
46

variadas, queda das falanges e ulcerações.134 A Figura 1, apresentada na seção anterior,


representa as condições de um leproso acometido pela forma mixta (mista).
No tocante à forma tuberculosa, a principal característica era a “máscara leonina”.
Tendo o rosto como principal foco do desenvolvimento de suas manifestações, era comum a
presença de grandes tubérculos de cor vermelho escuro ou roxo e epiderme brilhante. Além
das possíveis transformações na fisionomia do leproso, os sintomas poderiam incorrer no
surgimento de “lepromas” dispersos pelo rosto, pelo tórax, no lóbulo das orelhas ou em outras
partes do corpo, como nos braços, pernas, mamilos e nas mucosas. Nos estágios mais graves,
denominados como “lepra mutilante tuberculosa”, as unhas, as falanges e os dedos do
enfermo poderiam “cair”.135
A forma nervosa também podia causar transformações na face, embora, de acordo
com Almeida, a “máscara” fosse outra, caracterizada como a de um “pierrot triste”. Entre os
sintomas mais comuns estavam a paralisia dos músculos, a queda da pálpebra superior sobre a
inferior acompanhada de uma conjuntivite, manchas com a ausência de sensibilidades térmica
e dolorosa e, nos casos mais graves, manifestações nos nervosos e articulações. Caso os
membros superiores fossem acometidos, as mãos poderiam assumir a característica “mão em
garra”, apresentada na Figura 3.136

Figura 3 – Garra cubital no lado direito e mão simiesca à esquerda.

Fonte: SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, n.p.


134
ALMEIDA, 1927, p. 11-12.
135
ALMEIDA, 1927, p. 12-13.
136
ALMEIDA, 1927, p. 14.
47

Reverter os quadros clínicos mais graves da lepra, como os exemplos representados


nas figuras 1, 3 e, possivelmente, na figura 2, era praticamente impossível. Até início da
década de 1940, a cura para a doença era incerta e o seu tratamento envolvia controvérsias, o
que reforçava a preocupação de alguns médicos em diagnosticá-la ainda nos estágios iniciais,
a fim de retardar os quadros clínicos graves e/ou amenizar os desconfortos que provocava.137
Sobre as expectativas relacionadas a esse assunto, Salvador de Castro Barbosa afirmou que
mesmo com os “progressos lentos” da ciência era possível notar “alguma luz” capaz de
desvendar a espessura da “bruma mysteriosa” que envolvia a lepra desde os primórdios da
humanidade.138
Antes de ser confirmada a curabilidade da lepra, a partir do uso de medicamentos
ofertados pela ciência, os posicionamentos dividiam os médicos entre aqueles que
consideravam-na uma doença incurável e os que admitiam a sua “radical curabilidade”, tanto
pela forma “espontânea” quanto pela influência de agentes terapêuticos.139 Com base na
documentação sobre o assunto, Almeida confirmou que o uso do óleo de chaulmoogra, obtido
a partir das sementes de uma árvore nativa das regiões do sul asiático, era um medicamento
capaz de proporcionar a “cura verdadeira” para os doentes.140
Para que um bom resultado fosse alcançado, era necessário insistir no processo por
um longo período, talvez por anos. Desse modo, o chaulmoogra (e seus derivados) passou a
ser reconhecido como um medicamento “específico” para a lepra. Porém, ao lado desse
tratamento, era preciso aplicar medicamentos voltados à “recalcificação” do organismo e à
“tonificação” e “estímulo” das células do sangue. Cuidados com a higiene e a alimentação
eram igualmente importantes nesse processo, pois agiam como “poderosos auxiliares” na
terapêutica específica anti-leprosa.141
A lepra era considerada, pela medicina, uma doença indiferente à condição social, à
raça, ao grau de civilização e de costumes.142 O temor e a rejeição aos leprosos, antes
justificados por concepções religiosas e estigmatizantes foram associados à novas concepções
relacionadas à sua transmissão e cura. No que concerne às práticas profiláticas estabelecidas
pelos médicos no decorrer da primeira metade do século XX, o isolamento foi determinado
como principal recomendação e, assim, o leproso, primeiramente associado ao pecado e à
impureza, passou a ser compreendido como o foco de contágio e disseminação da doença.

137
ALMEIDA, 1927, p. 9.
138
BARBOSA, 1924, p. 32.
139
BARBOSA, 1924, p. 31.
140
ALMEIDA, 1927, p. 47.
141
ALMEIDA, 1927, p. 47-48.
142
AGUIAR PUPO, s.d. apud ALMEIDA, 1927, p. 4.
48

O conjunto de práticas responsáveis pelo combate à lepra no Brasil, mais


especificamente em caráter nacional, se deu a partir da criação da IPLDV, em 1920, e entre as
suas atribuições ficaram definidos a notificação obrigatória, a vigilância e o isolamento dos
leprosos.143 Porém, as opiniões sobre o enfrentamento à enfermidade eram divergentes, o que
ganhou maior evidência com a reorganização dos serviços de saúde pública na década de
1920, com o debate entre as duas principais correntes sobre o tema: a Humanitária e a
Segregacionista.
Segundo Zilda Lima, os humanitários eram favoráveis às medidas brandas de
isolamento, defendiam o isolamento domiciliar e a construção de pequenos leprosários
regionais para o isolamento de casos excepcionais. Entre os principais personagens adeptos à
corrente estava Emílio Ribas, que atuou como Diretor do Serviço Sanitário em São Paulo e foi
responsável pelas medidas de combate à endemia de lepra em 1916; e Eduardo Rabello que
ocupou a chefia da IPLDV durante os anos de 1920 a 1926 e elaborou seu regulamento.144
Os partidários da corrente oposta, formada pelos isolacionistas, eram favoráveis ao
internamento de todos os doentes independente da forma clínica, do estágio da doença e das
características particulares – tais como sexo, idade e condições socioeconômicas. Sob a
justificativa de defesa da saúde coletiva, este grupo era dividido entre os radicais e os
moderados, e divergiam principalmente na forma do isolamento. Enquanto os radicais, como
Heráclides de Souza-Araújo e Arthur Neiva, defenderam o isolamento dos doentes em ilhas,
ou Belisário Penna que sugeriu a criação de municípios autônomos para o encerramento dos
doentes; os moderados propuseram o isolamento compulsório em leprosários distantes dos
centros urbanos.145
As hipóteses defendidas por cada corrente também circulavam entre os médicos
baianos. Com um discurso favorável às concepções isolacionistas, Durval Moreira da Silva
Lima considerou os leprosos como um “grave perigo humano” e declarou que cabia à
sociedade o direito e o dever de se “defender” desse “pavoroso mal”.146 Segundo suas
orientações, as medidas em “defesa” da sociedade se sustentariam no isolamento dos
enfermos:

143
BRASIL. Lei n. 3.987, 20 de janeiro de 1920b. Lei que reorganiza os serviços de saúde pública. Rio de
Janeiro, 1920.
144
LIMA, Zilda Maria Menezes. “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920/1942). Tese
(Doutorado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, p. 87.
145
LIMA, 2007, p. 88.
146
LIMA, 1926, p. 14.
49

[...] reunindo-os em sociedade á parte, onde sejam amparados e cuidados,


onde possam ficar á vontade, longe da repulsa dos não attingidos pelo mal de
Hansen, formando ‘sociedade incomparável-mente mais conveniente e
menos desagradável para elles do que a geral, a que inspiram justificado
terror e da qual são violentamente repellidos’.147

Conforme a argumentação médica, o isolamento era justificado como melhor opção


para o próprio leproso, se considerada a relação entre o doente e a rejeição social. Sobre a
situação específica da Bahia, Durval Moreira da Silva Lima argumentou que a quantidade de
leprosos não era restrita aos que viviam isolados no Hospital dos Lázaros em 1926, e
acrescentou que os doentes estavam “disseminados” em diferentes pontos da cidade de
Salvador. Alguns vivendo em contato íntimo com seus familiares e outros de forma
“solitária”, imersos em seus sofrimentos.148 Para o estudante, os leprosos que viviam sozinhos
eram conscientes do mal que os crucificava, optando por se afastar da convivência em
sociedade para fugir do desprezo e dos olhares que: “[...] tanto os magoam, pois são olhares
de receio, de temor e de verdadeiro horror [...]”.149 Em relação aos doentes que circulavam
livremente pela cidade, afirmou que frequentavam os mesmos lugares da população em geral,
disseminando a lepra pelo centro urbano de Salvador.
Para ilustrar os possíveis riscos, Lima narrou um acontecimento que o “chocou”. Ao
encerrar mais um dia de atendimento em um dispensário médico, ele passou pelo Largo de
São Pedro, um dos pontos de maior circulação de pessoas na cidade. Reconheceu uma
paciente leprosa que tinha recebido, não muito antes, o tratamento para a doença.150 Enquanto
a paciente aguardava o bonde, ele a observava e assistiu o exato momento em que, com a mão
direita ela coçou um “leproma ulcerado” localizado no braço esquerdo, infecção que ele
identificou pouco antes, ao atendê-la no dispensário. E, com a mesma mão, ela segurou o
balaústre do bonde, local em que “tantas outras pessoas deveriam depois pegar”. Após o
embarque ele a perdeu de vista, mas seguiu com especulações de que, talvez, com aquela
mesma mão, provavelmente “humidecida pela secreção da ulcera em que tocara e de certo
cheia de bacillus”, a leprosa passou o dinheiro para o condutor que por sua vez o entregou a
outros passageiros, protagonizando, assim, o risco de transmissão.151
Também favorável ao isolamento, no entanto com um discurso menos radical, Artur
Nunes Marques afirmou que as “normas profiláticas” não se estendiam apenas aos doentes e

147
LIMA, 1926, p. 14.
148
LIMA, 1926, p. 9.
149
LIMA, 1926, p. 9.
150
LIMA, 1926, p. 10.
151
LIMA, 1926, p. 10-11.
50

apresentou orientações para as pessoas “sãs”, caso precisassem estabelecer algum contato
com um doente: em uma conversa com um leproso, certa distância das gotículas de saliva
contaminada deveria ser observada “discretamente” pelo indivíduo são, pois poderia se
contaminar com a eliminação bacilar pela boca.152
Segundo Marques, era essencial que as pessoas consideradas “sãs” se submetessem a
regras de higiene “sociais” e “privadas” para a prevenção, uma vez que a alimentação, as
condições de vida, civilização, etc., poderiam influenciar no desequilíbrio do corpo e, em
algum momento, oferecer oportunidade ao bacillus leprae.153 Os cuidados com a
alimentação, com a higiene individual e a necessidade de mudanças em alguns costumes
também se faziam necessários. Entre estes, o hábito de levar o alimento à boca com as mãos,
bem como, o costume de contar dinheiro e folhear livros humedecendo os dedos com saliva,
ambos considerados um atentado às regras de higiene e como um perigo de contágio.154
Em relação aos interesses do poder público baiano no assunto, em 1924, Marques
ainda afirmou que o leprosário era a maneira mais eficaz para o isolamento. Em sua opinião, o
superintendente dos Serviços Sanitários Federais na Bahia, professor Pirajá da Silva, não
media esforços para criar um leprosário no estado. Entre as expectativas, esperava-se
construir um sítio em uma ilha, ou um “asylo”, onde os sofrimentos dos enfermos fossem
“minorados”.155 De tal modo, as práticas de assistência à lepra, por parte do poder público, se
davam a partir do isolamento:

Em qualquer condição social, pobres ou abastados, quando leprosos, deverão


ser isolados. Aquelles em leprosarias e, estes por suas condições financeiras,
observando as regras hygienicas, serão isolados no proprio domicilio, no
caso que não queiram se internar nos leprosários.156

As orientações profiláticas voltadas à lepra foram previstas em nível federal,


conforme as determinações do DNSP, vigentes a partir de 1920. Em relação à Bahia, no ano
seguinte à apresentação da tese de Arthur Marques, mais precisamente em julho de 1925, a
reorganização dos serviços sanitários no estado deu continuidade ao modelo de isolamento
nosocomial e domiciliar de leprosos, orientado, a partir desse ano, pela criação do Serviço de
Prophylaxia da Syphilis, Lepra e Doenças Venereas (SPSLDV). Entre as suas atribuições,

152
MARQUES, 1924, p. 61.
153
MARQUES, 1924, p. 59-60.
154
MARQUES, 1924, p. 61-62.
155
MARQUES, 1924, p. 70-71.
156
MARQUES, 1924, p. 71.
51

estava regular a segregação dos leprosos indigentes e garantir a vigilância do isolamento


domiciliar dos não indigentes.157
Durval Moreira da Silva Lima informou que os isolados em domicílio, na capital,
viviam em habitações coletivas e em péssimas condições higiênicas, e a maior incidência
ocorria nos bairros de Itapagipe, Calçada e Mares.158 Com dados cedidos pelo médico
Henrique Chenaud – cuja referência e agradecimento realizados pelo doutorando destacaram a
sua dedicação com os leprosos não asilados –, e pelo prof. Octávio Torres – apresentado
como alguém muito interessado pelo problema da lepra na Bahia –, o estudante construiu uma
tabela a fim de “comprovar” que a maioria dos leprosos moravam na capital.159
Por mais que a estatística elaborada por Durval Moreira da Silva Lima não
correspondesse ao número exato de leprosos no estado da Bahia, destacam-se aqui, os dados
referentes aos enfermos moradores da cidade de Salvador (Quadro 1):

Quadro 1 – Estatística dos leprosos existentes em domicílio em Salvador, 1926.

Nº NOME SEXO IDADE COR RESIDÊNCIA


1 B.C.S. F 23 Mestiça Porto da Lenha
2 E.H.S. M 57 Branca Cruz. de S. Francisco
3 O.B.S. M 11 Mestiça Rua do Imperador
4 H.P.S. F 34 Preta Est. das Boiadas
5 A.C.F. F 29 Branca Maciel de Baixo
6 R.S.F. F 19 Mestiça R. Lelis Piedade
7 A.R.M. M 29 Branca R. 2 de Julho
8 F.R.M. F 29 Branca Sant’Anna
9 G.B. F 41 Branca R. Travassos
10 E.A. M 20 Branca S. Raymundo
11 E.P.S.O. M 40 Branca R. dos Barreiros
12 C.J.P. M 18 Mestiça Calçada
13 D.A.P. M 10 Mestiça Mares
14 C.B. F 29 Mestiça Rio Vermelho
15 N.V.R. M 17 Mestiça Cruz do Cosme
16 H.S.L. M 11 Ignorada Lad. Das Pedras
17 M.F.S. M 26 Mestiça Corta Braço
18 C.M.P.L. M 16 Mestiça Lad. Da Fonte
19 L.L.R. M 54 Ignorada R. da Imperatriz
20 M.J.S.A. M 17 Ignorada Rio Vermelho
21 M.C.S. F 12 Ignorada Fazenda Garcia
22 P.S. M 20 Ignorada Capital
23 M.M.S. F 28 Ignorada Pilar
24 E.S.L. F 30 Ignorada R. do Carmo
25 A.F. F 48 Ignorada Alto do Perú
26 M.M. F 31 Branca Federação
27 H.M.S. F 28 Branca Gamboa de Baixo

157
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. Cria e organiza a Sub-Secretaria de Saúde e Assistência
Pública. Salvador, 1925, p. 22.
158
LIMA, 1926, p. 9-10.
159
LIMA, 1926, p. 9.
52

28 J.C. F Ignorada Ignorada Retiro


29 D.F.O. M 34 Mestiça Est. das Boiadas
30 G.S.B. F 44 Mestiça Massaranduba
31 D. de P. M 8 Mestiça Pituba
32 P.N.F. M 15 Mestiça R. Nova Stela
33 E.C.L. F 14 Mestiça Brotas
34 E.A. M 31 Branca Avenida Sete
35 A.M. M 48 Mestiça R. da Imperatriz
36 Os.M. M 36 Branca Tororó
Fonte: LIMA (1926, n. p).

A estatística apresenta que o estado da Bahia tinha 61 leprosos em domicílio e 19


asilados. Dos que pertenciam ao primeiro grupo, 36 residiam na capital. A partir dos dados,
também foi possível identificar um possível perfil desses doentes. Considerando as
informações que não foram “ignoradas”, os doentes em domicílio em Salvador eram 20
homens, 10 identificados como mestiços e 6 como brancos; e 16 mulheres, 4 mestiças, 1 preta
e 5 brancas. Levando-se em consideração que, naquele período, a classificação como mestiça
definia pessoas de origem afro-brasileira, que muitas viviam em precárias condições de vida
oriundas da falta de assistência no pós-abolição,160 considera-se que a maior parte dos
homens, excluídos os com informações “ignoradas”, era negra, em contraposição a apenas
metade das mulheres.
A maioria dos leprosos isolados em domicílio pertencia aos bairros de Itapagipe,
Calçada e Mares e possivelmente pertenciam à classe trabalhadora. De forma simplificada, o
perímetro urbano da cidade de Salvador era dividido por uma falha geológica, sendo que o
centro administrativo e religioso estava na Cidade Alta, e a principal zona de comércio da
cidade, na Cidade Baixa.161 Os bairros com maior incidência de casos identificados de lepra
ficavam na região da Cidade Baixa que, além de abrigar o comércio e a indústria, era uma das
principais áreas residenciais do operariado. Segundo Aldrin Castellucci, nesta parte da cidade
existiram os velhos e insalubres casarões transformados em cortiços, as vilas operárias e
outros tipos de moradia mantidos pelos industriais como forma de atrair, fixar e disciplinar os
trabalhadores.162
Retomando o tema do isolamento a partir das teses médicas de doutoramento, todas
apresentadas à FMB nas primeiras décadas do século XX, afirma-se que o isolamento de

160
Para mais informações sobre a questão racial e a abolição, conferir ALBUQUERQUE, Wlamyra. O Jogo da
dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, companhia das Letras, 2009.
161
SOUZA, Christiane Maria Cruz de. A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em tempos de
epidemia. Rio de Janeiro/Salvador: Editora Fiocruz/Edufba, 2009, p. 39.
162
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos Operários: Uma História da Greve Geral de 1919
na Bahia. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2001, p. 37.
53

leprosos em instituições específicas para esse fim constituía parte do aparato profilático, um
tema quase unânime entre as abordagens sobre a lepra. Porém, semelhante às discussões em
nível nacional, os médicos baianos também divergiram sobre a forma e as condições do
isolamento, uma vez que as opções sobre a segregação domiciliar ou nosocomial – sendo esta
última em instituições do tipo hospital, leprosário ou leprosário-colônia – compreendiam
possibilidades e obstáculos distintos.
Como analisou Vivian da Silva Cunha, no contexto de criação do DNSP, a escassez
de verbas e a consequente falta de instituições em número suficiente para abrigar os leprosos
impossibilitou o interesse de Eduardo Rabello, inspetor do DNSP, em definir a
obrigatoriedade do isolamento apenas em leprosário, no seu regulamento.163 Por este motivo,
segundo as determinações previstas pela Inspetoria, o isolamento domiciliar foi aprovado,
mas o doente que optasse por ele deveria fazer adaptações nos cômodos e receber aprovação
por parte da autoridade sanitária.164
O isolamento, prática antiga no controle da lepra, reassumiu novos sentidos com o
advento das concepções científicas e passou a ser defendido baseado na transmissão e no
“perigo” de contágio. Sobre a terapêutica, também houve posicionamentos em defesa da sua
exclusividade nos leprosários. Para Lima, os atendimentos em dispensários ofereciam sucesso
para tratar moléstias como a sífilis, por ser um problema clínico, terapêutico e individual, ao
contrário da lepra que, segundo ele, era um “problema exclusivamente higiênico e social”.165
Para o estudante, o atendimento de leprosos em dispensários poderia causar efeito
contrário, pois a terapêutica era “ineficaz” e o local servia como espaço de propagação do
“mal”. Defensor do isolamento em leprosário, ele foi favorável ao sequestro de todos os
leprosos e defendeu, quando necessário, o uso da força ou da persuasão para aqueles que não
o aceitassem de forma voluntária.166 Hisbello de Andrade Lima também era adepto do
isolamento, que defendia como meio “excelente de proteção social”, mas reconheceu a
impossibilidade de isolar todas as pessoas em um país com contexto endêmico.167 Motivado
por tal problemática, concordou com a possibilidade de “liberdade” para os doentes que
poderiam viver às suas próprias custas, desde que cumprissem as prescrições indicadas a

163
CUNHA, Vivian da Silva. Isolados 'como nós' ou isolados 'entre nós'?: a polêmica na Academia Nacional de
Medicina sobre o isolamento compulsório dos doentes de lepra. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio
de Janeiro, v. 17, n. 4, out.-dez. 2010, p. 939-954, p. 945.
164
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923. Aprova o regulamento do Departamento Nacional
de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1923.
165
LIMA, 1926, p. 18.
166
LIMA, 1926, p. 18.
167
LIMA, Hisbello de Andrade. Ligeiras Considerações Sobre a Lepra. These (Cadeira de Clínica
Dermatológica e Syphiligraphica). Faculdade de Medicina da Bahia, Bahia, 1910, p. 38.
54

respeito da profilaxia individual – que consistia em combater as diferentes fontes de emissão


bacilar provocadas pelo próprio doente – e ficassem isolados em seus domicílios. No que
dizia respeito ao internamento em leprosário, afirmou que este era um método indicado para
“vagabundos” e “mendigos” desprovidos de recursos e de família.168
Os esforços de controle da lepra se voltaram para os próprios leprosos, ainda que
fosse mantido o cuidado com determinadas causas que se acreditava, conforme o
conhecimento médico nas primeiras décadas do século XX, influenciar a predisposição para o
seu desenvolvimento. Entre essas condições, conforme Reginaldo de Faria Motta, estavam
“[...] a raça, a alimentação, as molestias anteriores, o clima, a promiscuidade, a miséria, enfim
todas as condições que concorrem para o contágio ou resultam da herança”.169
Diante desses fenômenos, destaca-se a hipótese de influência da miséria na
predisposição da lepra. Ambas eram consideradas pelo doutorando como companheiras quase
sempre inseparáveis e que se auxiliavam mutuamente em seu desenvolvimento.170 Essa
mesma associação foi realizada por outros médicos. Conforme os argumentos favoráveis ao
isolamento compulsório dos “mendigos” e “vagabundos”,171 determinado, mas não nesses
termos, pela legislação federal e de estados que, como a Bahia, estabeleceram a segregação de
doentes considerados “indigentes”,172 é possível compreender o isolamento de leprosos como
um instrumento de assistência para aqueles em situação de miserabilidade.
A Higiene era classificada por alguns médicos como um “importante” ramo da
medicina, junto à prática de isolamento dos leprosos e foi interpretada como um método que
garantiria a melhora no quadro clínico dos enfermos, uma vez que o isolamento facilitava a
aplicação e o cumprimento das “regras higiênicas”, consideradas essenciais no processo
terapêutico. É certo que o uso da medicação, até fim da década de 1930, não apresentava
grandes benefícios para o doente.
Sobre as teses da FMB que enfatizaram a necessidade de cumprir as “regras
higiênicas”, é importante acrescentar que não foram defendidas na Cátedra de Dermatologia e
Sifilografia. A cadeira responsável pelo ensino sobre a lepra, sífilis e outras doenças
dermatológicas foi criada pelos decretos de 12 de março de 1881 e de 30 de outubro de 1882,
que visavam à reforma no ensino médico, junto às clínicas especiais de Psiquiatria, Pediatria,
168
LIMA, 1910, p. 37-39.
169
MOTTA, Reginaldo de Faria. Estudo da Lepra e Considerações Geraes Sobre a Prophylaxia e
Tratamento. Tese (Cadeira de Clinica syphiligraphica e dermatológica). Faculdade de Medicina da Bahia,
Bahia, 1914, p. 30.
170
MOTTA, 1914, p. 32
171
LIMA, 1910, p. 37-39.
172
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. Cria e organiza a Sub-Secretaria de Saúde e Assistência
Pública. Salvador, 1925.
55

Oftalmologia, Clínica Obstétrica e Ginecológica. Porém, assim como as outras, a Cátedra de


Dermatologia e Sifilografia não foi implementada logo de imediato, devido às dificuldades
financeiras enfrentadas pela FMB.173 De acordo com Ricardo Batista, a institucionalização da
Cátedra de Dermatologia e Sifilografia só se iniciou em 1885, com o concurso em que
aprovou o doutor Alexandre Evangelista de Castro Cerqueira, catedrático alinhado aos
conhecimentos médicos mais recentes sobre a sífilis e a lepra naquele período.174
Das seis teses de doutoramento analisadas, três deram ênfase maior ao tema da
higiene. Uma delas foi defendida na Cátedra de Higiene e outra na de Terapêutica, ambas em
1924, e a terceira, de 1926, não teve a cátedra identificada. As outras três foram defendidas na
Cátedra de Dermatologia e Sifilografia, nos anos de 1910, 1914 e 1927. O médico
responsável por ela, entre 1914 e 1945, Albino Arthur da Silva Leitão, era considerado um
professor “erudito”. Por falta de registros não foi possível identificar as concepções teóricas
que norteavam o seu trabalho, mas aparentemente não se envolveu com pressupostos
bacteriológicos.175Ainda no primeiro ano à frente da cadeira, ele alegou que os trabalhos
práticos realizados nos laboratórios da clínica não alcançaram os objetivos desejados por falta
de material e aparelhos para estudo. Além de notar o esvaziamento de alunos nas aulas da
Cátedra de Dermatologia e Sifilografia devido ao perfil teórico do professor, Batista
considerou que o ensino de Dermatologia e Sifilografia ocorreu mais intensamente em
cadeiras diversas como a de Pediatria e de Clínica Médica. No caso da lepra, é provável que
tenha acontecido o mesmo. A defesa das teses sobre o mal de Hansen em cátedras distintas da
específica pode ser um indício disso.176
A discussão sobre higiene e lepra nas teses médicas não foi algo que, possivelmente,
ganhou maior influência apenas por estar vinculada às cátedras de Higiene e Terapêutica.
Esse debate ocorria em um contexto mais amplo, como observa Vívian Cunha ao afirmar que
os Congressos de Higiene no Brasil, na década de 1920, constituíram um espaço de debate do
problema da lepra no país. Para a autora, a discussão do tema nesses espaços possibilita
compreender o quanto a doença necessitava de atenção urgente, tanto na comunidade nacional
quanto na internacional.177

173
MOREIRA, Virlene Cardoso. A Pediatria na Bahia: o processo de especialização de um campo científico
(1882-1937). Tese (Doutorado – Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2017, p. 68-69.
174
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e Reforma da Saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: EDUNEB,
2017, p. 134-135.
175
BATISTA, Ricardo dos Santos. Distintas posições: médicos baianos e o ensino de Sifilografia na Faculdade
de Medicina da Bahia (1895-1945). Dimensões, v. 34, 2015, p. 184-203, p. 192.
176
BATISTA, 2015, p. 194-197.
177
CUNHA, 2005, p. 55-56.
56

Entre as discussões apresentadas nas teses de doutoramento, alguns médicos, como


Salvador de Castro Barbosa, defenderam a observação das “regras higiênicas” como uma
possibilidade de melhorar as condições para cura dos leprosos ou, ao menos, diminuir a
marcha da enfermidade e estancar os seus progressos.178 Porém, a falta de instrução foi
apresentada como limitadora da capacidade de compreensão sobre a importância da higiene, o
que provocava recusa e protestos da população em executar as ordens ministradas.
Segundo Arthur Nunes Marques, as superstições sociais impediam os “progressos”
advindos da profilaxia, alimentavam o repúdio à ciência e mantinham a população presa em
uma tradição que, no seu ponto de vista, era revoltante sob vários aspectos. Para ele, a boa
vontade de um povo unida a uma direção governamental pública consciente, seria capaz de
resolver a questão da profilaxia.179 Mas, para isto, era necessário o investimento na instrução
da população sobre os ditames promulgados pelos departamentos oficiais junto ao
estabelecimento de regras promovidas pelos “legisladores sanitários”. É provável que a
rejeição social às determinações médicas tenha ampliado o desejo de instituir o isolamento
compulsório, ainda que com o uso da “força”, por parte de alguns médicos.
O isolamento, entretanto, ainda que afirmado como resposta a uma preocupação com
as pessoas “sãs”, não pode ser justificado apenas como uma prática que se resumia ao
interesse de excluir socialmente doentes pelas concepções estigmatizantes. Desse modo, é
possível interpretar o isolamento de doentes “indigentes” em instituições do tipo leprosário,
como um instrumento que garantiria a execução das práticas assistenciais e higiênicas sob a
supervisão dos próprios médicos.
O relato do médico Zambaco Pacha, na Noruega, apresentado por Salvador de Castro
Barbosa, sobre o registro da “melhora” e “paralização” das infecções da lepra em doentes que
viviam em verdadeiras “espeluncas”, mas foram internados em “asylos” de Bergen, Molde e
de Tronjem, serve como exemplo deste argumento.180 Nessa perspectiva o isolamento,
associado às ideais higiênicas, passou a ser reconhecido como uma possibilidade de
desenvolver os cuidados assistenciais garantidores de melhores condições de vida para os
leprosos, até então considerados como sujeitos “condenados à morte”.181
Entre as principais medidas que compreendiam a prática de isolamento estavam a
possibilidade de retirar o doente do meio em que ele contraiu a moléstia para uma localidade
em que ela não estivesse presente, o uso de medicamentos sob a supervisão médica e a maior

178
BARBOSA, 1924, p. 35.
179
MARQUES, 1924, p. 39-40.
180
BARBOSA, 1924, p. 59.
181
MOTA, 1914, p. 94-95.
57

facilidade nos cuidados com a higiene individual e a alimentação. Todas eram entendidas
como questões essenciais no processo de tratamento,182 porém, para que fossem
desenvolvidas, era necessário um grande investimento em recursos humanos e financeiros,
capaz de criar e manter instituições que oferecessem assistência necessária.
Em relação à Bahia, Durval Moreira da Silva Lima afirmou que a “pedra
fundamental” da campanha contra a lepra no estado seria a construção de um “leprosário
modelo”, em local apropriado e cumprindo as exigências e os requisitos que a “higiene
moderna” estabelecia. Até aquele momento havia apenas o Hospital dos Lázaros – existente
desde 1787 na capital do estado e que, inclusive, passava por reformas. Esperava-se que o
governo construísse uma “Colônia Agrícola” prevista pelo Código Sanitário de 1925.183
Entretanto, diferente das orientações expostas pelo estudante de medicina, a assistência aos
leprosos na Bahia nem sempre se manteve próximo do que era estabelecido pela lei. Tema
que será analisado no próximo capítulo.

182
BARBOSA, 1924, p. 58-60.
183
LIMA, 1926, p. 6.
58

Capítulo 2

“Casa ou leprosário?”: O Hospital dos Lázaros na Reforma


Sanitária da Bahia (1921-1934)

Este capítulo tem como objetivo analisar as transformações ocorridas no Hospital dos
Lázaros, localizado na cidade de Salvador, a partir da Reforma Sanitária da Bahia iniciada em
1921. No acordo firmado entre o estado e a União, a instituição passou a receber maior
atenção das autoridades públicas. Ações assistenciais e de controle da lepra também foram
empreendidas e reelaboradas no estado baiano durante a década de 1920, pelo recém-criado
SPSLDV, em 1925, que definiu a segregação dos doentes considerados indigentes e a
vigilância do isolamento domiciliário de leprosos não indigentes. No entanto, como será
observado ao longo deste capítulo, as fontes também permitiram perceber que tais
intervenções não significaram mudanças significativas nas condições de vida dos internos.

O movimento político e intelectual das primeiras décadas do século XX, também


chamado de movimento sanitarista, foi impulsionado principalmente pelos médicos-
higienistas que explicavam a situação de “atraso” da população brasileira, considerada até
então preguiçosa e improdutiva, como resultado das doenças e do abandono pelas elites
políticas. Segundo Nísia Lima e Gilberto Hochman, as informações sobre a saúde dos
brasileiros e as condições sanitárias em grande parte do território nacional motivaram uma
campanha pelo saneamento do país, iniciada em 1916 e ampliada a partir de 1918 com a
criação da Liga Pró-Saneamento do Brasil.184
Tratava-se de um cenário político no qual a saúde foi convertida em uma questão
central no debate nacional e a crítica mais incisiva dos sanitaristas “[...] voltava-se para o
princípio constitucional de autonomia estadual e municipal, que restringia as possibilidades de
uma ação coordenada em âmbito federal”.185 Criada em 1897, como parte da estrutura do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, a DGSP era o órgão federal responsável pelas
ações de saúde no Distrito Federal, bem como pela vigilância sanitária dos portos e a
assistência aos estados da federação em casos previstos e regulados constitucionalmente.186

184
LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil
descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo
Ventura (Orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996.
185
LIMA; HOCHMAN, 1996, p. 25.
186
LIMA; HOCHMAN, 1996, p. 25.
59

Conforme afirma Hochman, o movimento sanitarista contribuiu para as primeiras


mudanças no papel da União, visto que, ao forjar uma consciência sanitária entre as elites,
“[...] possibilitou o surgimento das primeiras políticas de saúde e saneamento de âmbito
nacional a partir da criação, em 1919, do DNSP e seus serviços de profilaxia rural”.187 Desse
modo, a saúde pública brasileira foi transformada em uma questão social. Como afirmam
Luiz Antônio de Castro Santos e Lina Faria, tal mudança de concepção era “[...] reflexo do
aprofundamento da intervenção dos estados e da União no campo da saúde e de suas políticas
de saneamento rural, que colocavam em pauta a necessidade de erradicação das ‘grandes
endemias dos sertões’”.188
Tais endemias foram encontradas por cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, em
viagens aos lugares distantes dos grandes centros urbanos brasileiros, a partir de 1910. Eles
percorreram áreas extensas, nas quais as investigações científicas se sobrepuseram às
preocupações médico-sanitárias de curto prazo. Além das pesquisas materializadas nas
coleções entomológicas produzidas em Manguinhos e nas doenças identificadas, houve a
produção de relatórios com uso intenso da fotografia sobre as regiões percorridas, o que
formou um minucioso registro das condições de vida da população interiorana, retratando
seus hábitos, suas técnicas, sua mentalidade, os aspectos socioeconômicos, culturais,
ambientais e sanitários.189
A redação final do projeto de criação do DNSP foi aprovada no penúltimo dia do ano
de 1919, promulgada como lei n° 3.987 em 2 de janeiro de 1920, e reorganizou os serviços de
saúde pública.190 Segundo Hochman, era inaugurada “[...] uma nova etapa no
desenvolvimento de políticas de saúde pública e de saneamento no Brasil”.191 Subordinado
diretamente ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o DNSP tornava-se responsável pela
ampliação das atribuições do Governo Federal no campo da saúde pública.
Com a publicação do decreto n° 14.354, em 15 de setembro de 1920, que aprovava o
regulamento para o funcionamento do DNSP, ficou estabelecida a responsabilidade da União
em executar os serviços de higiene e de saúde pública no país. O órgão foi dividido em três
diretorias: a Diretoria dos Serviços Sanitários Terrestres, a Diretoria da Defesa Sanitária
Marítima e Fluvial e a Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural, todas subordinadas a uma
Diretoria Geral. Os seguintes serviços também estavam anexados à Diretoria Geral do

187
HOCHMAN, Gilberto. Logo ali, no final da avenida: Os sertões redefinidos pelo movimento sanitarista da
Primeira República. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 5 (suplemento), 217-235, jul. 1998. p. 219.
188
SANTOS, FARIA, 2003. p. 28.
189
THIELEN, 1992.
190
BRASIL. Lei n. 3.987, 20 de janeiro de 1920b.
191
HOCHMAN, 1998, p. 225.
60

Departamento: a Inspetoria de Estatística e Demográfico-Sanitária, a Inspetoria de Engenharia


Sanitária, a IPLDV, a Inspetoria de Fiscalização do exercício da medicina, farmácia, arte
dentaria e obstetrícia e os Serviços de Assistência Hospitalar e de Higiene Infantil.192
A centralização e a ampliação dos serviços federais de higiene e sua subordinação a
uma direção única e autônoma proporcionaram modificações nas ações assistenciais da saúde
pública no país. A criação da IPLDV, encarregada pela superintendência e orientação no
serviço de combate a estas doenças em todo o território nacional, demonstra que a lepra era
uma enfermidade distinta das demais endemias que castigavam a população brasileira.193
Segundo Dilma Cabral, a ação harmônica da União e dos estados seria uma possibilidade
eficaz de combatê-la, dividindo, assim, os custos sociais e econômicos.194
A enfermidade não esteve entre as prioridades estabelecidas pelo Governo Federal
brasileiro na primeira década do século XX, porém, a partir de 1910, passou a ser
caracterizada como um problema sanitário nacional. A Comissão de Profilaxia da Lepra
(1915-1919)195 foi um marco importante na história da construção das políticas para a
enfermidade no país. A conclusão dos seus trabalhos, em 1919, definiu que mesmo não
resolvida a questão da transmissibilidade, “[...] as orientações das medidas propostas nesse
documento final estavam de acordo com a teoria de que a sua fonte de contágio era o
doente”.196 Hipótese reafirmada nas conferências internacionais de lepra, a partir das
experiências de isolamento implementadas em outros países.
O surgimento da IPLVD, em 1920, e de seu regulamento específico, elaborado por
Eduardo Rabello,197 definiu a responsabilidade da Inspetoria em coordenar e implementar a
luta profilática e de combate à lepra em todo o país, além das diretrizes básicas que deveriam
orientá-la.198 O regulamento sanitário federal de 1920 sofreu diferentes alterações motivadas
por críticas, como as veiculadas no Brazil Médico, um periódico especializado, com versão
192
BRASIL. Decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920b.
193
BRASIL. Decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920b.
194
CABRAL, 2013, p. 244.
195
A Comissão de Profilaxia da Lepra, reunida entre os anos de 1915 a 1919, foi organizada pela Associação
Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro e seguiu a proposta de Belmiro Valverde, então diretor do Hospital dos
Lázaros do Rio de Janeiro, e de Juliano Moreira, à época diretor da Assistência Médico-Legal aos Alienados do
Distrito Federal. Composta por vários médicos, a comissão tratou de temáticas variadas relacionadas à lepra e de
forma a estabelecer as medidas que deveriam ser implementadas com relação à sua profilaxia (MACIEL, 2001).
196
CABRAL, 2013, p. 165.
197
Nascido em 1876, Barra Mansa, Eduardo Rabello foi um importante dermato-sifilógrafo. Atuou na chefia da
IPLDV durante os anos de 1920 a 1926. Detentor de uma posição institucional de destaque, em 1925, ocupou a
cátedra de Dermatologia e Sifilografia, a direção nacional da luta contra a lepra e as doenças venéreas, e assumiu
a presidência da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), cargo que ocupou por 15 anos ininterruptos, até
sua morte, em 1940, no Rio de Janeiro. Cf. CUNHA, Vivian da Silva. Isolados 'como nós' ou isolados 'entre
nós'?: a polêmica na Academia Nacional de Medicina sobre o isolamento compulsório dos doentes de lepra.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.4, p. 939-954, out.-dez. 2010. p. 941.
198
CUNHA, 2010. p. 941.
61

definitiva implementada apenas em dezembro de 1923.199 Como parte das principais


orientações para a profilaxia da lepra ficaram definidas: a notificação obrigatória; a vigilância
dos suspeitos de “infecção leprosa” e isolados em domicilio; o isolamento em colônias
agrícolas, asilos, hospitais ou no próprio domicílio do doente; e a organização de um censo de
todos os leprosos existentes no Brasil.200
Instituído esse primeiro órgão federal de combate a lepra no país, a Inspetoria atuava
nos estados por meio da Diretoria de Saneamento Rural, em cooperação com os governos
estaduais. Segundo as considerações de Castro Santos, Faria e Menezes, ainda que marcado
pelas limitações institucionais e financeiras, o DNSP sinalizava uma “inflexão” nas ações da
esfera pública, visto que, até então, não havia ocorrido ações governamentais nacionais para
combater a propagação da lepra, o que também demonstrou a percepção da enfermidade
enquanto um problema de saúde pública.201

Muito “optimista”: a suposta raridade da lepra na Bahia

A gestão da saúde brasileira no período imperial e em parte da República ocorria


pelo modelo liberal, quadro que começou a ser modificado com a criação do DNSP. A partir
da Constituição de 1891, a saúde pública se tornou responsabilidade dos estados e municípios.
Porém, a oferta dos serviços sanitários revelava grande disparidade nas ações empreendidas
em diferentes localidades, pois a maioria não possuía condições financeiras ou políticas para
mantê-las e a atenção à saúde, no campo público, era mais incisiva nos estados mais ricos.
Ao analisar o surto de gripe “espanhola” na Bahia, entre os anos 1918 e 1919,
Christiane Souza apresenta a realidade sanitária de Salvador nas primeiras décadas do século
XX. A falta de infraestrutura, o abastecimento de água precário, as péssimas condições de
trabalho, o alto preço dos gêneros de primeira necessidade e o aumento da população, que
impactavam nas condições de moradia e trabalho, agravavam a situação e contribuíam para
que a cidade mantivesse taxas de morbidade e mortalidade elevadas.202 A autora também
analisa a complexidade envolvida no processo de reconhecimento do surto epidêmico na
199
CUNHA, 2005, p. 37.
200
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923. Aprova o regulamento do Departamento Nacional
de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1923.
201
SANTOS, Luiz Antônio de Castro; FARIA, Lina; MENEZES, Ricardo Fernandes de. Contrapontos da
história da hanseníase no Brasil: cenários de estigma e confinamento. Revista Brasileira de Estudos de
População v. 25, n. 1, p.167-190, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v25n1/v25n1a10.pdf.
Acesso em: 29 mar. 2021, p. 172.
202
SOUZA, 2009. p. 326.
62

capital do estado, além das problemáticas desencadeadas pela divisão dos diferentes serviços
de saúde ligados a instâncias governamentais distintas como a União, o estado e o município.
Este contexto também contribuiu para um maior apoio à criação de políticas centralizadas, o
que ocorreu na reforma sanitária iniciada em 1920.
A reforma sanitária na Bahia aconteceu entre a gestão de dois opositores políticos:
José Joaquim Seabra (1912-1916 e 1920-1924)203 e Francisco Marques de Góes Calmon
(1924-1928). O acordo entre a União e o estado, em 1921, que permitiu a realização dos
serviços de Profilaxia Rural, de combate à lepra e às doenças venéreas, de luta antituberculose
e de higiene infantil, ocorreu no governo seabrista, que pretendia reverter o quadro de atraso e
estabelecer a higienização dos espaços públicos e privados.204 Em sequência, aconteceu a
reorganização proposta pelo governo de Góes Calmon que, além de criar a SuSAP, órgão
subordinado ao governador e responsável por gerir todos os serviços de higiene e saúde
pública executados no estado, promulgou um Código Sanitário que seguia as determinações
técnicas de saúde pública do momento.205
Ao ser eleito como governador para o quadriênio 1924-1928, Góes Calmon deu o
primeiro passo em direção à unificação dos serviços de saúde na Bahia. A substituição da
Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia (DGSPB) pela SuSAP foi realizada pelo médico
Antonio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto, personagem importante na
reforma.206 Ele estudou na turma de 1913 do Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz e
foi bolsista da Fundação Rockefeller entre 1921 e 1922.207 Ao analisar sua atuação na reforma
sanitária da Bahia, Batista e Silva destacaram que ele ocupou lugar de chefia sanitária nas três
esferas de governo (municipal/Salvador, estadual e federal), e a boa relação com Góes
Calmon, inclusive pela condição de genro, proporcionou condições essenciais para assegurar
a autonomia necessária à implantação das medidas que defendia.208 Representante do
processo centralizador, se tornou uma ameaça para o projeto político de Seabra e seus

203
J. J. Seabra assumiu o papel de liderança política na Bahia por um período de 12 anos. Esteve no governo
entre 1912 e 1916, passando o poder para o apadrinhado, Antonio Ferrão Moniz de Aragão, que comandou o
governo entre 1916 e 1920, período em que J. J. Seabra reassumiu o governo (BATISTA, 2017; SOUZA, 2009).
204
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e reforma da saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: Eduneb, 2017,
p. 71.
205
BATISTA, 2017, p. 71.
206
Para mais informações sobre a trajetória de Barros Barreto, cf. BATISTA, Ricardo dos Santos. A formação
inicial de Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto: uma trajetória rumo à saúde internacional.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 3, p. 801-822, jul-set. 2019a.; BATISTA,
Ricardo dos Santos. Educação e propaganda sanitárias: desdobramentos da formação de um sanitarista brasileiro
na Fundação Rockefeller. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1189-1202,
out.-dez. 2019b.
207
BATISTA, 2019a.
208
BATISTA; SILVA, 2020. p. 323.
63

correligionários, defensores das prerrogativas do federalismo, da sobrevivência das


oligarquias com seus favoritismos e do desejo de impedir a intervenção do Governo Federal.
Foi alvo de duras críticas e ataques, especialmente ao longo do primeiro mandato, entre os
anos de 1924 e 1930. Em 1935, retornou como secretário de Educação, Saúde e Assistência
Pública da Bahia, cargo ocupado até o ano de 1937.209
Em relação às ações assistenciais voltadas à lepra, o acordo estabelecido em 1921
pode ser caracterizado como uma tentativa de uniformizar os serviços a nível nacional,
seguindo os moldes instituídos pelo decreto 14.354, de setembro de 1920. A partir de então,
tornou-se obrigatória a execução de todas as medidas necessárias à profilaxia da lepra e
doenças venéreas na Bahia.210 No entanto, o diretor geral de saúde pública do período,
Gonçalo Moniz, em relatório apresentado em 1921, afirmou que a lepra era uma enfermidade
“rara” no estado e na capital baiana, o que não justificaria ações para combatê-la:

Ao contrário do que acontece em outros estados do extremo Norte, do Sul e


do centro do Brasil, a lepra, pelo motivo indicado, não é para construir na
Bahia objecto de seria preoccupação das autoridades sanitárias, nem requer a
fundação de grandes estabelecimentos para a assistência e tratamento dos
que têm o infortúnio de contrair tão horrível doença, nem tão pouco a
organização de serviço especial para o combate da mesma.211

Para Gonçalo Moniz, os motivos que indicavam o reduzido número de casos de lepra
estavam relacionados aos números anuais de óbitos pela doença. Conforme suas
considerações, “[...] sempre representado por algumas unidades, [...]” uma parte destes óbitos
eram de pessoas que pertenciam a outras regiões do país. Com a intenção de reforçar sua
argumentação, também acrescentou que dos 25 leprosos recolhidos no final de 1920, “[...] 7
eram naturaes de outros Estados (Pará, Ceará, Parahyba, Sergipe, Minas-Geraes) e já estavam
com a infecção, mais ou menos manifesta, quando chegaram a esta cidade”.212
Tal noção também serviu para tentar legitimar o projeto de construção de um
pavilhão especial para leprosos que, provavelmente, despenderia menos gastos por parte do
estado na sua construção/manutenção e visava à reunião da instituição na mesma área

209
BATISTA, 2017, p. 186.
210
SEABRA, José Joaquim. Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa do Estado da Bahia em
sua 1ª reunião da 16ª legislatura pelo Dr. José Joaquim Seabra. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1922. p.
36.
211
MONIZ, Gonçalo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Cons. J. J. Landulpho Medrado, D. D. Secretário do
Interior, Justiça e Instrucção Publica do Estado da Bahia, pelo Dr. Gonçalo Moniz, director geral da Saude
Publica. Bahia, 21 de fevereiro de 1921. In: SEABRA, José Joaquim. Mensagem apresentada à Assembleia
Geral Legislativa do Estado da Bahia em sua 1ª reunião da 16ª legislatura pelo Dr. José Joaquim Seabra.
Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1922. p. 432.
212
MONIZ, 1922, p. 432.
64

ocupada pelo Hospital de Isolamento de Monte Serrat.213 Para Gonçalo Moniz, a “raridade”
da lepra no estado não exigia o “[...] estabelecimento de maiores proporções para a
segregação dos affectados do mal”.214 Entretanto, o empreendimento não foi executado,215
visto que o Hospital dos Lázaros seguiu funcionando no prédio localizado na Baixa de
Quintas até o ano de 1949, quando foi inaugurada a Colônia Dom Rodrigo José de Menezes,
no bairro de Águas Claras.216
O exemplo acima não foi um caso isolado, visto que há evidências da crença na lepra
enquanto uma doença “rara” no estado baiano em outras fontes consultadas. Como exemplo, a
reportagem publicada pelo jornal A Tarde, no ano de 1926, em que o então professor da
Cátedra de Dermatologia e Sifilografia na FMB, Albino Leitão (1914 e 1945),217 comentou
sobre a urgência de uma campanha de combate à lepra no Brasil e ressaltou que “o mal” não
se achava igualmente disseminado pelos diferentes estados da União.
Ao comentar sobre a Bahia, Albino Leitão ressaltou que estava ciente da deficiência
dos dados estatísticos produzidos à época, mas ainda assim afirmou que “[...] os casos de
lepra são relativamente pouco frequentes” no estado, conclusão elaborada a partir da sua
“impressão pessoal, compartilhada por alguns collegas”.218 Ao sugerir que os casos de lepra
no estado baiano eram de “relativa raridade”, sem promover um estudo, um levantamento ou
recenseamento prévio, Albino Leitão aponta um consenso do grupo de médicos para sustentar
tal noção.
No mesmo ano em que o catedrático foi entrevistado pelo A Tarde, Durval Moreira
da Silva Lima apresentava sua tese de doutoramento na FMB. Segundo o estudante de

213
Segundo Souza (2009, p. 61), o Hospital de Isolamento foi criado em 1853, pelo então presidente da
província, José Mauricio Wanderley, a fim de isolar os acometidos pela febre amarela. Sua localização, no Alto
de Monte Serrat, foi orientada ela concepção médico-científica baseada no conceito de transmissão, a qual
recomendava o isolamento em local distante dos centros urbanos, a fim de evitar a disseminação da doença entre
a população sadia. Desde a sua fundação, passou a acolher os atingidos pelas epidemias de doenças
transmissíveis, que periodicamente atingiam a Bahia.
214
MONIZ, 1922, p. 353.
215
De acordo com Souza (2009, p. 75), ao analisar a reforma do Hospital de Isolamento de Monte Serrat em
março de 1920, a construção do pavilhão para leprosos teria continuado no papel por falta de recursos
financeiros. Para mais informações sobre a reforma do Hospital cf. SANTOS, Chacauana Araújo dos. “Medidas
sanitárias de que a Bahia precisa”: as delegacias de saúde, o hospital de isolamento e a reforma sanitária em
Salvador (1921-1930). Alagoinhas, 2018. p 64-75.
216
PINHEIRO, Márcia Elizabeth; SANTOS, Eliana de Paula. Bahia: o espaço institucional de controle da lepra.
In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo:
LEER-USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019.
217
Com o intuito de observar como o ensino relacionado à sífilis surgiu e se desenvolveu em Salvador, Batista
(2015) analisou as atividades da Cátedra de Dermatologia e Sifilografia na FMB, entre os anos de 1895 e 1945, e
abordou questões relacionadas a atuação do médico e professor Albino Arthur da Silva Leitão. BATISTA,
Ricardo dos Santos. Distintas posições: médicos baianos e o ensino de Sifilografia na Faculdade de Medicina da
Bahia (1895-1945). Dimensões, v. 34, 2015, p. 184-203.
218
O FLAGELLO de Deus. A Tarde, Salvador. 6 abr. 1926. p. 1.
65

medicina, ao estabelecer uma relação entre a Bahia e os outros estados da União, o estado
baiano representava “condições excepcionaes”, sendo esta a “[...] razão pela qual figura a
Bahia, nas diversas estatísticas, entre as unidades da Federação que menor coefficiente de
leprosos possuem”.219
Para o médico, tal contexto representava facilidade e maior probabilidade de êxito no
combate à lepra no estado, contudo acrescentou que tal situação não deveria estar isenta de
críticas. Segundo o estudante, os poderes competentes não deram ouvidos às reclamações de
autoridades médicas como Argollo Ferrão, Nina Rodrigues e Silva Lima, que publicaram
artigos chamando a atenção da Saúde Pública do estado nos respectivos anos de 1871, 1891 e
1898. Em tom dramático, o estudante assinalou que, ainda no ano de 1926, pouco era feito
“[...] para impedir a diffusão de tão pavoroso mal [...]”, o que o levava a crer que o número de
leprosos cresceria cada vez mais.220
Apesar de reconhecer o baixo número de leprosos na Bahia, ele também advertiu:
“Pensamos que não é actualmente muito elevado no nosso Estado o numero de morpheticos,
no entanto não existem apenas, como muitos julgam, somente os que se acham internados no
nosso Hospital de Lazaros”.221 Esta frase possibilita a reflexão sobre as ideias médicas, e
talvez da própria população, em torno da especulação na quantidade de leprosos existentes na
Bahia. Afinal, é provável que os poucos doentes internados no único leprosário do estado
fossem vistos como o reflexo de uma doença que não era tão frequente. Ao concluir sobre o
assunto, Durval Lima acrescentou: “Para que o soubéssemos, mister seria que a nossa Saúde
Pública tivesse conhecimento de todos os que entre nós existem, afim de que, como só ella o
pode fazer, fosse levantada uma estatística dos morpheticos, que conta a Bahia”.222
No entanto, o dilema em relação à produção de dados estatísticos sobre a lepra na
Bahia se arrastou por alguns anos, esteve no centro de debates médicos e, também, foi alvo de
críticas como as proferidas por Heraclídes Cesar de Souza-Araújo,223 um importante

219
LIMA, Durval Moreira da Silva. Dissertação da Lepra na Bahia (Notas e Factos). These (Afim de obter o
grau de doutor em Sciencias Medico Cirurgicas) – Faculdade de Medicina da Bahia: Salvador, 1926. p. 4.
220
LIMA, 1926, p. 5.
221
LIMA, 1926, p. 9.
222
LIMA, 1926, p. 9.
223
Nasceu em 24 de junho de 1886, em Imbituva (PR). Em 1912 formou-se pela Escola de Farmácia de Ouro
Preto. No ano seguinte transferiu-se para a capital federal e ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro e no Curso de Aplicação do IOC, onde foi aluno de Adolpho Lutz e trabalhou com doenças venéreas.
Nesse período, por indicação de Adolpho Lutz, especializou-se em dermatologia na Universidade de Berlim,
onde apresentou um trabalho sobre a lepra no Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, concluiu em 1915 a graduação
em medicina com a tese Estudo clínico do granuloma venéreo: casos observados no Brazil, Uruguay e
Argentina e permaneceu no IOC, além de ter estagiado no Hospital dos Lázaros. Participou de associações
acadêmicas e profissionais em todo o mundo, tendo contribuído para a criação da Sociedade Internacional de
Leprologia, em que ocupou o cargo de vice-presidente entre 1932 e 1956. Após a aposentadoria, continuou seu
66

leprologista no período. Em artigo sobre a lepra e as organizações anti-leprosas no Brasil,


publicado em 1937, Souza-Araújo levantou informações sobre a situação de cada estado
brasileiro, suas principais ações e instituições de controle e considerou que o recenseamento
sistemático dos leprosos no país só se tornou possível com a criação do DNSP, em 1920.
Todavia, ao mencionar a Bahia, o leprologista afirmou que até então, em 1936, o censo dos
leprosos não foi realizado em todo o estado.224
De forma crítica, demonstrou que “[...] essa Inspectoria bem podia ter feito o censo
dos leprosos em todo o Estado, mas não o fez”, mesmo depois do acordo entre o estado
baiano e a União, que criou a IPLDV, integrante do Serviço de Saneamento Rural e que
existiu até meados de 1930. Na falta desses dados, Souza-Araújo apresentou as estimativas
produzidas pelos próprios médicos baianos, geradas por um cálculo baseado no número de
doentes fichados e acrescentou que o total talvez excedesse a estimativa. Concluiu, para o ano
de 1933, o número de 400 leprosos em todo o estado e completou: “[...] embora consideremos
muito optimista”.225
O debate relacionado às estatísticas era, e ainda é, um elemento crucial para a
elaboração de políticas públicas e não foi diferente na criação do regulamento que determinou
as ações de combate à lepra. Segundo Dilma Cabral, a produção estatística anterior ao DNSP
foi um importante investimento dos leprólogos para garantir que o Estado assumisse a doença
como um problema sanitário relevante. Todavia, a autora afirma que, com a criação da
IPLDV, em 1920, a elaboração dos dados sobre a lepra no território brasileiro se transformou
em palco para conflitos entre a Inspetoria, que buscava o privilégio de empregar números
“incontestáveis”, e alguns médicos leprologistas críticos à atuação do órgão.226
De volta ao artigo de Souza-Araújo, publicado em 1937, em que o leprologista
apresentou dados estatísticos sobre as diferentes regiões do Brasil (Quadro 2), identificou-se
um indício das divergências presentes na elaboração de censos sobre a lepra. Essa é uma
publicação realizada em contexto posterior ao que se propõe analisar, uma vez que a IPLDV
foi desativada após a reforma dos serviços de saúde, no Governo Vargas, e, em 1935, houve
uma reorganização da campanha de combate à lepra pelo ministro Gustavo Capanema.
Mesmo assim, reflete sobre a questão.

trabalho no IOC. Morreu em 10 de agosto de 1962, no Rio de Janeiro. HERÁCLIDES CÉSAR DE SOUZA-
ARAÚJO. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/heraclides-cesar-de-souza-araujo. Acesso em:
21 de março de 2021.
224
SOUZA ARAUJO, H. C. de. A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936. Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz. 32, p.111-161, mar. 1937.
225
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 126-127.
226
CABRAL, 2013, p. 214-217.
67

Quadro 2 – Progresso do censo dos leprosos no Brasil.

Censo 1923 1927 1934 1936 Estimativas de Souza Araújo


1924 1933 1936
Acre – – 234 400 100 700 700
Amazonas 272 828 1.436 1.250 1.000 3.000 3.000
Pará 1.452 2.540 3.612 4.000 3.000 4.000 4.000
Maranhão 450 680 848 1.100 1.200 1.500 1.700
Piauhy 20 46 50 200 100 200 250
Ceará 141 457 524 800 1.000 1.000 1.000
R. G. do Norte 5 89 181 150 100 150 250
Parahyba 13 29 121 200 100 200 300
Pernambuco 131 355 427 1.000 1.000 1.350 1.350
Alagoas 35 32 23 100 100 100 200
Sergipe 18 9 8 10 100 100 200
Bahia 37 82 80 300 200 300 400
Espirito Santo 8 22 390 450 150 800 982
Estado do Rio 44 84 380 295 400 800 1.150
Dist. Federal 456 1.607 1.414 1.569 1.200 1.500 1.200
Minas Geraes 061 601 8.751 8.690 5.000 10.000 14.000
São Paulo 3.128 4.620 7.236 8.000 7.000 10.000 13.000
Paraná 285 380 417 1.010 700 1.200 1.272
Santa Catharina 78 106 – 500 250 600 1.336
R. G. do Sul 2 64 164 600 300 1.500 1.500
Matto Grosso 50 97 – 100 700 700 350
Goyaz 2 2 – – 300 300 300
Totaes 7.224 12.730 26.296 30.754 24.000 40.000 48.440
Fonte: Souza-Araújo (1937, p. 157).

Ao elaborar um quadro que representaria o censo estatístico da lepra no Brasil,


Souza-Araújo utilizou dados produzidos ou validados por médicos que ocupavam cargos em
órgãos públicos, como os referentes ao ano de 1923, apresentados na 3º Conferência
Internacional de Lepra, em Estrasburgo, pelo inspetor de Profilaxia da Lepra, Eduardo
Rabello, e seu colaborador, Barros de Azevedo. Entretanto, além dos dados referentes a essas
produções institucionais, o leprologista acrescentou dados estatísticos para os anos de 1924,
1933 e 1936 que se referiam às suas expectativas, justificadas como o resultado de um cálculo
baseado no número oficial de recenseados.227
Em relação às informações da última coluna do quadro, o médico apresentou sua
estimativa referente ao ano de 1936, como sendo 48.440 casos de lepra no país. Porém,
retificou esse número explicando que novas informações, sobretudo de Goiás, o obrigaram a
elevar a estimativa para 50.000 e afirmou que esse resultado era “[...] apenas o dobro dos
leprosos fichados. Mais uma vez affirmamos que esta estimativa é optimista”. Para justificar
as estimativas apresentadas nas últimas três colunas do quadro, Souza-Araújo ainda defendeu

227
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 157.
68

que os dados foram obtidos a partir de um “[...] methodo adoptado pelos maiores leprólogos
do mundo [...]”.228
Nas considerações finais sobre as estimativas, ele ainda transcreveu as experiências
de diferentes regiões do mundo e os respectivos reconhecimentos dos casos de lepra. Entre
elas, figuraram países como os Estados Unidos, Cuba, Colômbia, Japão, Nigéria e Índia.
Todos, segundo Souza-Araújo, usavam o mesmo método que consistia em: “[...] dobrar
sempre os casos certificados como leprosos para obterem o total approximado. Esses 100%
representam os casos unknown and undiscovered229 (grifos do original)”. Entretanto, o
leprologista apresentou exemplos em que os dados eram alcançados a partir de outras bases
para os cálculos, como o da Coréia, em que o censo oficial de 1928 confirmou 4.641 leprosos
e os especialistas elevaram para 21.203, “[...] ou sejam, os conhecidos multiplicados por
4,6”.230
A palavra “estimativa” aparece de forma recorrente no referido artigo de Souza-
Araújo, o que, provavelmente, estava relacionado a sua recusa em aceitar os dados divulgados
pelos órgãos oficiais de saúde. Desse modo, a repetição do termo visava convencer que o
método de multiplicação dos casos recenseados possibilitava alcançar uma “[...] estimativa
próxima da verdade”.231 Além disto, na conclusão do seu artigo, fez um questionamento que
leva à reflexão sobre uma possível recusa dos órgãos oficiais em aceitar suas estimativas. Ao
encerrar a exposição sobre as experiências de outros países, indagou: “Deante destes
exemplos porque considerar-se como antiscientificas as estimativas para os leprosos do
Brasil?”.232
É provável que a rejeição das estimativas, por parte dos órgãos oficiais de saúde,
fosse uma forma de legitimar o seu papel, afinal, o reconhecimento de casos mais numerosos
do que o recenseado poderia deslegitimar a crença na capacidade dos próprios serviços
sanitários erradicarem a doença. Certamente Souza-Araújo tinha consciência disso, tanto que
justificou na última linha do seu artigo, em referência aos censos realizados pelas instituições
públicas, que: “A verdade ha de mostrar, infelizmente, que essas estimativas estão muito
áquem da realidade”.233
Esse conflito sobre os dados indica o que poderia ou não ser considerado
“anticientífico” na construção de dados estatísticos voltados à lepra. É provável que os censos

228
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 158.
229
Tradução: “Desconhecido e não descoberto”.
230
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 159.
231
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 114.
232
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 160.
233
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 160.
69

elaborados nas primeiras décadas do século XX não divulgavam a “realidade”, porém até que
ponto é possível reconhecer/legitimar os dados que eram gerados a partir de estimativas?
Entre Souza-Araújo – que apresentou um método capaz de aproximar os números referentes
aos casos de lepra à “verdadeira realidade”, estimando 200 casos para a Bahia em 1924 – e os
médicos baianos – que no mesmo período estimaram a lepra como doença rara no estado –,
quem estaria mais próximo do número verossímil de enfermos?
Sem uma resposta exata, talvez até impossível de ser alcançada, a atenção se volta ao
caráter estigmatizante da lepra como um fator influenciador no reconhecimento ou não dos
números estatísticos, uma vez que, a depender dos interesses, o reconhecimento do número de
doentes poderia ser visto com certa preocupação por autoridades governamentais, médicos e
parte da sociedade. Ter a imagem do país associada à lepra afetava o ideal de progresso,
civilidade e modernidade pretendidos pela nação brasileira de meados da década de 1920.
Deste modo, havia rejeição de quadros estatísticos especulados para determinada região, pela
preocupação de que tais números representassem-na como uma “fonte” da doença. No caso da
Bahia, por exemplo, esta preocupação esteve no episódio protagonizado e narrado pelo
médico baiano, Octávio Torres, na 1ª Conferência Sul Americana de Dermatologia e
Syphiligraphia, no Rio de Janeiro, em 1918.
Essa conferência serviu, segundo o discurso de abertura do sifilógrafo Fernando
Terra, para demonstrar a emancipação intelectual, destacar as novas descobertas sobre as
diferentes doenças cutâneas e ressaltar a importância do trabalho de médicos brasileiros na
melhor delimitação do próprio conceito de sífilis.234 Não por acaso, esse era um momento
importante para os médicos afirmarem o potencial do Brasil como nação. Na discussão sobre
a frequência e distribuição da lepra nos estados brasileiros, a Bahia se classificou entre os que
mais possuíam leprosos, cerca de 3.000. Insatisfeito com os números, Octávio Torres se
manifestou: “[...] nós, como representantes deste Estado protestamos e promettemos estudar o
assumpto e demonstrar com os dados estatísticos e outros documentos, que a affirmação era
no mínimo leviana”.235
Com a finalidade de confrontar os dados afirmados na conferência de 1918, Torres
realizou um censo da lepra na Bahia, primeiramente com dados fornecidos pelo médico
Euvaldo Diniz, diretor da Estatística Demographo Sanitário do Estado, logo apresentados à

234
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos 40.
Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1996. p. 90-91.
235
TORRES, Octávio. Relatório da Inspectoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934. Dr.
Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D. Rodrigo José de
Menezes. Bahia, 1936c, p. 3.
70

Sociedade Brasileira de Dermatologia, quando assumiu “[...] o compromisso de estudar o


assumpto e procurar resolver o problema da epidemiologia da lepra na Bahia”. Ele levantou
relatórios, balancetes, mapas de movimento, escrituras, estatutos e tudo que dizia respeito à
história do Hospital dos Lázaros. A análise desses documentos gerou pequenos trabalhos,
sendo um mais completo sobre a estatística da lepra em cem anos na Bahia, apresentado no 3º
Congresso Brasileiro de Hygiene, em São Paulo, em novembro de 1926.236
Foi, também, na 1ª Conferência Sul Americana de Dermatologia e Syphiligraphia, no
Rio de Janeiro, em 1918, segundo a análise de Zilda Lima, que o médico Carlos Ribeiro,
Inspetor do Serviço de Higiene no Estado do Ceará entre 1916 e 1920, fez uma comunicação
em que considerou preocupante a situação da lepra no seu estado. Para ele, o número de
leprosos existentes no Ceará não era alarmante ainda, mas havia uma progressão a cada ano.
Entre outras questões apresentadas, o Inspetor acrescentou informações sobre um programa
que visava à realização de um censo de leprosos, cujo objetivo era o exame dos suspeitos nos
84 municípios cearenses.237
Ao analisar a mobilização dos setores da sociedade cearense a partir da década de
1920, para ações voltadas ao combate à lepra no estado e, mais especificamente, na cidade de
Fortaleza, Lima afirma que a ausência de revistas médicas no Ceará contribuiu para que as
informações sobre os problemas de saúde enfrentados na região fossem veiculadas na
imprensa de grande circulação. Segundo a autora, “[...] foi através da imprensa e
principalmente, através do jornal O Nordeste que as notícias sobre a moléstia de Lázaro
tomaram corpo no Estado do Ceará (grifo do original)”.238 Com relação às políticas de saúde
desenvolvidas após o surgimento do DNSP, o Ceará criou o Serviço de Profilaxia da Lepra e
Doenças Venéreas em agosto de 1921. Entretanto, segundo Francisca Pinheiro, a atuação do
serviço estava voltada ao combate à sífilis e as poucas ações relacionadas à lepra foram
realizadas pelo Serviço de Profilaxia Rural.239
Lima também analisou o discurso dos noticiários sobre o aumento no número de
leprosos e a exigência de ações por parte do poder público, e encontrou homogeneidade entre
as falas dos jornalistas e dos médicos cearenses.240 A expansão da lepra, conforme a análise
da autora, estava relacionada à falta de isolamento dos leprosos e à urgência na criação de um
236
TORRES, 1936c, p. 3-4.
237
LIMA, Zilda Maria Menezes. “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920/1942). Tese
(Doutorado em História Social) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, p. 75.
238
LIMA, 2007, p. 73-74.
239
PINHEIRO, Francisca Gabriela Bandeira. A lepra na perspectiva médica: Antônio Justa e o saber médico
sobre a lepra no Ceará (1930). Intellèctus, Ano XV, n. 1, 2016, p. 103.
240
LIMA, 2007, p. 83.
71

leprosário cearense. Ela ainda acrescenta que as ações mais efetivas no trato da enfermidade
no Ceará só ganharam mais força em 1923, sob a gerência do Centro Médico Cearense,241
uma instituição de caráter associativo, vinculada à estratégia dos médicos para promover sua
inserção nas esferas de poder e nas disputas políticas do Ceará.242 Nesse sentido, é possível
considerar que o debate sobre a incidência da lepra no estado estava vinculado ao projeto de
legitimação das práticas médicas.
Segundo a análise de José Augusto Leandro, não muito diferente da realidade
cearense, as políticas públicas para a lepra no Maranhão, nas primeiras décadas do século XX,
estiveram “esquecidas”. O autor também afirma que o controle da doença ficou a cargo da
filantropia e de atitudes pontuais das autoridades sanitárias locais, nem sempre bem-
sucedidas. O único local que servia de abrigo para os leprosos era o espaço asilar nomeado
Gavião, que existia em São Luís desde a década de 1870.243 Essa situação só foi alterada na
década de 1930, com a mudança na configuração política que levou Getúlio Vargas ao poder
e com a ampliação do debate sobre a lepra no Maranhão, a partir do seu principal articulador,
Achilles Lisboa.
As obras da Colônia do Bonfim, instituição que isolaria os leprosos no Maranhão,
foram iniciadas em 1932. Em 1933, o interventor estadual, capitão Antônio Martins de
Almeida, fez uma exposição dos casos de lepra para Getúlio Vargas e informou que, “em
cálculo moderado”, sua avaliação concluiu o número de três mil enfermos no estado, sendo
584 recenseados apenas na capital. Em comparação às estimativas levantadas por Souza-
Araújo (Quadro 1), José Leandro considera que: “Talvez as estimativas do interventor tenham
sido exageradas”, uma vez que os números apresentados pelo leprologista foram muito
inferiores, sendo 1.500 e 1.700 casos, para anos de 1933 e 1936, respectivamente.244
O autor não problematiza a disparidade entre os dados apresentados pelo leprologista
Souza-Araújo e pelo interventor. No entanto, afirma que o interventor estadual solicitou mais
recursos financeiros a Getúlio Vargas, em 1933. Nas palavras do referido Inspetor, era
“indispensável” o auxílio do Governo Federal, com doação que deveria ser no mínimo 400
contos e sugeriu contribuições de mais de 300 contos para duas outras colônias a serem

241
Segundo Zilda Lima (2007, p. 93-94), o Centro Médico Cearense foi fundado em 1913 e é a primeira
instituição médica de caráter associativo criada no Ceará para estabelecer um fórum de debates sobre os
problemas de saúde do estado e da região. Reuniu um grupo de profissionais formados nas universidades
brasileiras que objetivavam consolidar a credibilidade da própria categoria junto à sociedade local.
242
LIMA, 2007, p. 93-95.
243
LEANDRO, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, p. 435.
244
LEANDRO, 2009, p. 436.
72

instaladas no interior do estado.245 Diante de tais informações, é provável que os números


estipulados pelo interventor estadual do Maranhão fossem “exagerados”, como definiu
Leandro. Porém, a “estimativa” elaborada, certamente, era intencional e objetivava angariar
mais recursos do Governo Federal.
Ao analisar a atuação da IPLDV no Rio de Janeiro, Dilma Cabral considera que os
seus integrantes agiam para conter as estatísticas, antes em especulações que colocavam o
país entre os de maior incidência da lepra no mundo. A busca por legitimidade nos dados
estatísticos teria promovido conflitos e a cisão entre a Inspetoria, que pretendia ser a
representação oficial dos dados relacionados à lepra, e médicos como Belisário Penna, seu
crítico, e que apresentou informações próprias que avaliou como “a expressão verdadeira da
doença no país”.246
A partir desses exemplos, é possível considerar que as estimativas dos casos de lepra
nas primeiras décadas do século XX, fossem nos órgãos estaduais ou federais, envolveram
uma complexa gama de interesses. Os censos eram defendidos, em alguns contextos, devido à
busca por reconhecimento e legitimação das práticas médico-científicas, assim como pelo
interesse em angariar mais recursos investidos pelo Governo Federal. Contudo, também
poderiam ser rejeitados a fim de legitimar as ações instituídas pelas políticas públicas e, até
mesmo, de reafirmar as experiências médicas e científicas locais, como no caso da Bahia.
Ao analisar as produções de médicos baianos das primeiras décadas do século XX,
foi possível observar a tentativa de empreender uma noção da lepra enquanto doença “rara”
no estado e de poucos casos na capital. Isto sem ter sido realizado um levantamento estatístico
que abrangesse toda a extensão territorial baiana. Todavia, este caso não envolveu,
especificamente, o interesse em enaltecer as políticas públicas instituídas no acordo com a
União, em 1921. Estava relacionado à própria existência do Hospital dos Lázaros e à
idealização de uma experiência histórica das práticas médicas próxima às “modernas” ações
profiláticas desenvolvidas naquele momento.
A necessidade de reconhecer o caso baiano como “modelo” a ser seguido, foi
justificada com base no isolamento de leprosos diagnosticados desde o ano de 1787. Em
trabalho apresentado no 3º Congresso Brasileiro de Higiene, publicado na Gazeta Médica da
Bahia (GMB) em 1928, Octávio Torres afirmou que os casos de lepra aumentavam nos países
onde estivessem suspensas as medidas de isolamento e em regiões nas quais a doença não era
considerada contagiosa. Sendo assim: “[...] julgamos que na Bahia, o pequeno numero de

245
LEANDRO, 2009, p. 440.
246
CABRAL, 2013, p. 218-222.
73

leprosos, que conseguimos reunir, é devido justamente as medidas tomadas nos ultimos anos
do Brasil Colonia”.247
Outra evidência apresentada pelo médico para justificar a raridade da doença foi o
exemplo dos doentes que haviam contraído a lepra em outras regiões do país. Segundo os
registros, estes já aportaram atacados ou com manifestações que se desenvolveram logo após
sua chegada. Octávio Torres também fez referência à história mórbida desses pacientes, visto
que uma parte deles informou que manteve contato intenso com leprosos. Por fim, reforçou as
suas concepções citando a seguinte experiência: “Conhecemos no interior do Estado casos de
sertanejos, que deixaram o interior com destino a Estados do Sul, a fim de trabalharem pela
lavoura e de lá trouxeram esta terrivel molestia”.248
Em relação a um desses “estados do Sul”, Beatriz Olinto e Bruna Silva analisaram
narrativas que construíram sentidos para o projeto de profilaxia da lepra estabelecido no
Paraná, na primeira metade do século XX. Segundo as autoras, ainda em 1916 foi apresentado
o projeto de construção de um leprosário-colônia e, desde 1918, a legislação paranaense
instituiu a obrigação dos médicos e dos familiares do enfermo comunicarem os casos de
lepra.249
Em 1919, o Serviço de Profilaxia Rural foi implementado no Paraná, resultado de um
convênio com o Governo Federal e possibilitou a realização de trabalhos como o da Comissão
de Profilaxia, que classificou a situação sanitária no interior do estado como calamitosa.
Conforme afirmam as autoras, a visão de “caos sanitário” legitimou a construção de três
grandes instituições hospitalares, sendo uma delas, o Leprosário São Roque, criado para isolar
todos os leprosos do estado.250 As autoras não apresentam a capacidade de ocupação da
instituição, mas, entre suas fontes, mencionam a entrevista com o diretor, entre os anos de
1941 e 1947, que teria sido o único responsável por atender os mais de 1.000 internos.251
Dado que também sugere uma noção sobre a quantidade de leprosos naquela região.
Ainda em relação ao posicionamento de Octávio Torres sobre a raridade da lepra na
Bahia, ele também consultou a opinião de “especialistas” no assunto, como os professores da
FMB Alexandre Cerqueira, Albino Leitão, Flaviano Silva e mais alguns “médicos de grande

247
TORRES, Octávio. Epidemiologia e Prophylaxia da Lepra no Brasil. (Trabalho apresentado ao Terceiro
Congresso Brasileiro de Hygiene, reunido em São Paulo). In: BAHIA, Gazeta Médica da Bahia. v. 58, n. 7, jan.
1928. p. 293.
248
TORRES, 1928, p. 299.
249
OLINTO, Beatriz Anselmo; SILVA, Bruna. Paraná: lepra e sua profilaxia entre narrativas e esquecimentos
(1913-1954). In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da hanseníase no Brasil: silêncios e
segregações. São Paulo: Intermeios, 2019, p. 408.
250
OLINTO; SILVA, 2019, p. 409-410.
251
OLINTO; SILVA, 2019, p. 422.
74

clínica”, e concluiu que todos estavam de acordo.252 Para ele, os leprosos não eram
encontrados nos espaços públicos, nem mesmo em festas, feiras ou mercados, locais de
grande circulação de indivíduos:

O ocorrido na Bahia póde ser apresentado como um argumento a favor do


contagio da molestia, pois desde que foram adoptadas, de accordo com esse
modo de pensar, sempre predominante, as medidas de isolamento dos
infectados pelo mal, o numero destes começou, como vimos a diminuir
continuamente até o presente.253

Além de classificar a experiência baiana como um modelo importante de ação no


controle da lepra, Torres reconheceu a contagiosidade da doença, tema que ainda estava em
disputa entre os médicos da época. No entanto, referente aos dados estatísticos da
enfermidade, reconheceu e cobrou a necessidade urgente de um “[...] recenseamento dos
leprosos, para se saber com precizão qual o número total destes”.254
Nesse mesmo trabalho, ele tentou realizar um “pequeno recenseamento” que
definisse o número provável de leprosos e explicou que, para sua elaboração, foram
solicitadas informações por meio de um inquérito aos médicos que exerciam a clínica na
capital e no interior do estado. Em sua conclusão, foram notificados 82 leprosos. Destes, 62
estavam em domicílio e 20 internados no Hospital dos Lázaros, números que representavam
“[...] uma segunda ou terceira tentativa de quem trabalha já há algum tempo, com afinco nesta
questão [...]”. Ele também acrescentou ter sido esta iniciativa “[...] o mais completo
recenseamento” realizado até aquele momento, “[...] embora apresentado ainda um numero
talvez pouco approximado da realidade”.255
Com a conclusão incerta, visto que, para Octávio Torres, os números eram “pouco
aproximados da realidade”, é possível suspeitar sobre a suposta raridade da lepra no estado da
Bahia. Assim como Albino Leitão, em entrevista ao jornal A Tarde em 1926, Torres também
deduziu ser a lepra rara no estado. A diferença entre ambos é que o segundo foi além, pois
apresentou argumentos mais elaborados, embora não muito convincentes, e mostrou dados
que justificavam uma história médica do combate à lepra na Bahia ligada a ideais científicos,
como o reconhecimento da contagiosidade e do isolamento como principal método
profilático. Questões que ganharam maior evidência entre o final do século XIX e a primeira
metade do século XX.

252
TORRES, 1928. p. 298.
253
TORRES, 1928. p. 297-298.
254
TORRES, 1928, p. 301.
255
TORRES, 1928, p. 294.
75

Em uma conferência realizada em 1935, Octávio Torres retomou o assunto e


reforçou a justificativa de que o leprosário, instituído ainda no final do período colonial,
poderia ser julgado como “modelar” e comentou sobre o primeiro regulamento que
determinava e geria as ações institucionais:

[...] os maiores especialistas hoje só acreditam em ter sido elle feito naquela
época, porque o documento existe no nosso Archivo Publico, onde eu o
descobri e depois dei-lhe publicidade. É tão perfeito este regulamento, em
prescrições, cuidado e prevenções futuras que qualquer hygienista actual o
subscrevia sem a menor reserva, faltando a elle, na questão da prophylaxia
da lepra, actualmente em vigor, somente o tratamento que não se conhecia
naquella época.256

Porém, como as críticas de Souza-Araújo mostraram, nove anos depois da primeira


apresentação do trabalho de Octávio Torres, em 1937, ainda não havia expectativa de que o
censo estatístico acontecesse. Nas palavras do leprologista: “Infelizmente as autoridades
sanitárias bahianas não falam da creação [...] das Commissões itinerantes de recenseamento
dos leprosos no interior do Estado, que consideramos indispensaveis”.257
Conforme a análise de Castro Santos, Faria e Menezes, o debate sobre a qualidade
das estatísticas era um elemento fundamental para as políticas sanitárias, visto a inexistência
de dados “seguros” sobre a lepra nos diferentes estados brasileiros, até os primeiros anos após
a reforma sanitária nacional.258 Poucos eram os casos em que os recenseamentos aconteciam
com maior eficiência e, nesse sentido, destacou-se o de São Paulo. Como analisou Yara
Monteiro, ainda no começo do século XX, o estado já havia sido caracterizado como uma
região de alta endemicidade. A autora ainda acrescenta que em 1923, o número estimado de
doentes era de 4.115.259
A realização ou não desses censos, não dependia exclusivamente dos interesses
políticos, mesmo que estes fossem essenciais para as ações públicas de saúde. As dificuldades
na sua realização também estavam ligadas à extensão territorial do Brasil e ao difícil acesso a
determinadas regiões. Assim, realidades distintas impactavam na efetividade das ações de
recenseamento. Ao tratar sobre o censo da lepra no Amazonas, Adriana Cabral apresenta que,
além das dificuldades relacionadas à travessia dos rios para acessar as comunidades

256
TORRES, Octávio. O que se fez, o que se está fazendo, e o que se deve fazer sobre a Lepra na Bahia.
Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 4 abr. 1935. p. 4-5.
257
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 128.
258
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008, p. 174.
259
MONTEIRO, Yara Nogueira. Hanseníase: história e poder no estado de São Paulo. In: Hansen Int., 12(1): 1-
7, 1987, p. 5.
76

ribeirinhas, os médicos dependiam de remos e barcos para poder transitar entre localidades
nunca antes visitadas.260
Por fim, o caso do estado do Espírito Santo, estudado por Luiz Barros, ilustra uma
realidade que, provavelmente, não agradaria aos médicos que defendiam a raridade da lepra,
caso ocorresse na Bahia. Segundo o autor, durante muitos anos os poucos casos registrados de
lepra no Espírito Santo fizeram com que se acreditasse que a região era indene à enfermidade.
No entanto, em 1927, o médico Pedro Fontes foi nomeado para chefiar a IPLDV no estado e
iniciou um recenseamento. Barros acrescenta que “[...] a retomada do censo entre 1935 e
1937, Pedro Fontes pôde confirmar a sua estimativa final: foram registrados 729 casos, sendo
639 confirmados e 90 suspeitos”.261 Números altos, alarmantes se considerado que antes o
estado era visto como um local quase sem a presença da enfermidade.
A elaboração dos censos, em nível nacional, só ganhou maior alcance com a
reorganização do Departamento Nacional de Saúde (DNS), que reforçava o processo de
centralização política e administrativa do Governo Vargas. Nesta reforma foi criado o SNL,
em 1941. Entre suas atribuições, estava a construção de um censo da lepra no país. Conforme
informações no relatório do censo de 1943, o recenseamento realizado em 1942 se estendeu a
seis Estados: Rio de Janeiro, Minhas Gerais, Pará, Goiás, Amazonas e Mato Grosso. Já o de
1943, a dez estados, inclusive a Bahia.262
Conforme os dados específicos sobre a Bahia nesse relatório, os municípios
recenseados e os respectivos casos identificados estavam em Barra, Bom Jesus da Lapa e
Encruzilhada, cada um com 1 caso de lepra, e em Salvador, com 5 casos. O relatório ainda
acrescenta que os municípios de Carinhanha, Itambé, Jequiriçá e Rio Branco foram
recenseados, mas sem nenhum caso de lepra ou suspeito, encontrado.263 No entanto, mesmo
que os censos realizados pelo SNL alcançassem uma extensão territorial maior, faltava muito
para alcançar todas as regiões brasileiras. “Apesar da criação dos serviços de saúde e da maior
participação federal nos trabalhos de profilaxia rural, ainda eram falhos os dados sobre a
distribuição geográfica da hanseníase no país”.264

260
CABRAL, Adriana Brito Barata. De Lazareto a Leprosário: políticas de combate à lepra em Manaus (1921-
1942). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
do Amazonas. Manaus, 2010, p. 105.
261
BARROS, Luiz Arthur Azevedo. A lepra no estado do Espírito Santo (1930-1943): a construção do
Leprosário Colónia de Itanhenga. 2º Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical. v. 15 n. 1,
2016, p. 67.
262
AGRÍCOLA, Ernani. Serviço Nacional de Lepra: relatório das suas atividades no ano de 1943, apresentado
pelo dr. Ernani Agrícola, diretor do S.N.L., 1945, p, 09-10.
263
AGRÍCOLA, Ernani. Serviço Nacional de Lepra: relatório das suas atividades no ano de 1943, apresentado
pelo dr. Ernani Agrícola, diretor do S.N.L., 1945, pn.
264
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008, p. 184.
77

“Casa” ou leprosário? A assistência no hospital dos lázaros (1921-1930)

Ao longo da Primeira República, a responsabilidade sobre o Hospital dos Lázaros da


Bahia variou entre a responsabilidade do Estado e da filantropia. Segundo Márcia Elizabeth
Santos, a Santa Casa de Misericórdia de Salvador assumiu a administração do Hospital dos
Lázaros no ano de 1895.265 Nos primeiros anos do século XX, entretanto, ela devolveu as
instituições que havia recebido dos poderes públicos. O Hospício São João de Deus, o
Hospital e o Cemitério da Quinta dos Lázaros e o Asilo de Mendicidade retornaram às
instâncias estaduais entre maio de 1912 e outubro de 1913.266 Isso ocorreu porque o estado
não pagava as quantias devidas e a Santa Casa precisava se explicar à sociedade, enquanto
administradora, devido às queixas recorrentes na imprensa sobre os seus serviços. Segundo o
provedor Isaías Santos, em 1923, o estado precisava se responsabilizar pela assistência aos
desvalidos, fossem eles indigentes, enfermos, “transviados por costumes ou da razão”, ou
enjeitados. Além disso, reclamava que em outros países o serviço de assistência era exclusivo
dos poderes públicos, como na Argentina onde não havia Misericórdias.267
Ao discutir a relação entre pobreza e assistência no Rio de Janeiro, a partir das ações
do médico Fernandes Figueira, Gisele Sanglard e Luiz Otávio Ferreira afirmam que, até o
início do século XX, assistência significava uma gama variada de ações que passavam pela
parturiente, pela criança, pelo idoso e pelo doente. De forma geral, a assistência foi uma das
formas de suavizar a pobreza, separando os pobres dignos da solidariedade daqueles que não a
mereciam,268 como também analisou Robert Castel para a Europa.269 A relação entre o
público e privado estava em reorganização no país, na virada do século XIX para o XX, com
uma delimitação na atuação entre cada uma das esferas envolvidas.270 Nesse contexto, o
Hospital dos Lázaros, em Salvador, voltava a ser responsabilidade do estado.

265
SANTOS, Márcia Elizabeth Pinheiro dos. Hospital São Cristóvão dos Lázaros: Entre os Muros da
Exclusão. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA, Salvador,
2005, p. 85.
266
BATISTA, Ricardo dos Santos. Assistência à Saúde no Hospital Santa Isabel. In: SILVA, Maria Elisa Nunes
da; BATISTA, Ricardo dos Santos. História e saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia.
Salvador: Eduneb, 2018.
267
SANTOS, Isaías. Relatório apresentado à junta da Santa Casa de Misericórdia da Bahia pelo provedor
Dr. Isaías Alves de Carvalho Santos na Sessão de posse da junta a 1º de janeiro de 1923. Salvador:
Typografia e Encadernação “América”, 1926.
268
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Pobreza e filantropia: Fernandes Figueira e a assistência à
infância no Rio de Janeiro (1900-1920). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 53, p. 71-91, jan.-jun.
2014.
269
CASTEL, 2010.
270
SANGLARD; FERREIRA, 2014.
78

De fato, a responsabilidade do poder público com as ações assistenciais para a lepra


ganhou maior destaque na década de 1920. Com o acordo realizado com a União, em 1921, o
custeio dos serviços foi realizado, até fins de 1924, de forma exclusiva pelo Governo
Federal.271 Isto pode ser observado no Quadro 2, que descreve as despesas efetuadas entre os
anos de 1921 e 1925.

Quadro 3 – Despesas efetuadas no período de 1921 a 1925.

1921 1922 1923 1924 1925 TOTAL

Rural 261:792$458 508:169$098 499:564$664 449:867$810 549:474$508 2.268:868$538

(2) (2) (2) (2) (2)

Lepra 24:996$600 139:358$465 159:288$946 171:852$240 149:996$007 645:492$258

(3) (3) (3) (3) (2)

Tuberculose 74:995$257 74:979$954 149:975$211

(3) (3)

Higiene infantil 74:997$873 74:989$223 149:987$096

(3) (3)

Total 286:789$058 647:527$563 658:853$610 771:713$180 849:439$692 3.214:323$103

(0) Iniciado em 1922 por conta da verba do Saneamento Rural.


(1) Iniciado em 1923 por conta da verba do Saneamento Rural.
(2) Custeados em partes iguais pela União e pelo Estado no total de 2.418:864$545.
(3) Despesas realizadas exclusivamente pelo Governo Federal no total de 795:458$558.
Fonte: Góes Calmon, 1926.

Como pode ser observado no Quadro 2, as despesas relacionadas à lepra aumentaram


consideravelmente entre os anos de 1921 e 1925. Se observadas as somas totais do período,
em comparação às despesas com o controle da tuberculose e a higiene infantil, os valores
investidos foram superiores e se iniciaram três anos antes (1921-1923). Segundo o quadro, a
tuberculose e a higiene infantil não receberam financiamento de nenhuma natureza do
Governo Federal entre 1921 e 1923 e, somente em 1924, foram custeadas pela União. Essa
informação corrobora a análise sobre constituição de políticas de enfrentamento da
tuberculose no estado, realizada por Maria Elisa Nunes da Silva, para quem a União assumiu
integralmente os custos dos serviços da higiene infantil e da tuberculose até 1929, quando
passou a dividir as despesas com o governo estadual.272 No caso das despesas com a lepra,
foram custeadas integralmente pelo Governo Federal entre 1921 e 1924 e só passaram a serem

271
BATISTA, 2017, p. 71.
272
SILVA, 2018, p. 81.
79

divididas igualmente com o governo estadual em 1925, mesmo ano em que os serviços
sanitários foram reorganizados com a criação do Código Sanitário da Bahia.
É possível notar também, no Quadro 2, que o valor mais baixo com as despesas é
1921, período em que foi firmado o acordo entre o estado e o Governo Federal, permitindo a
realização dos serviços de Profilaxia Rural, de combate à sífilis e às doenças venéreas, de luta
antituberculose e de higiene infantil. Comparado com o valor despendido durante o ano de
1920, informado pelo então diretor geral de saúde pública, Gonçalo Moniz, na quantia total de
74:871$809, sendo 18:219$288 para o pagamento dos vencimentos do pessoal e 62:652$523
para os gêneros alimentícios, medicamentos e outros artigos fornecidos,273 os gastos com as
despesas em 1921 somaram um valor menor que a metade dos gastos no ano anterior:
24:996$600.274
O baixo valor da verba pode estar relacionado à afirmação feita por Gonçalo Moniz,
diretor geral de saúde pública, no relatório das atividades desenvolvidas em 1920. Como já
apresentado, ele considerava a lepra uma enfermidade rara. Consequentemente, limitou as
ações realizadas no hospital, sendo permitidas somente as essenciais como: “[...] a execução
das obras indispensáveis de asseio, conservação e hygiene, e assim, ainda do anno passado
para cá, lá se fizeram alguns consertos e reparos dessa ordem, especialmente nos apparelhos
sanitários, na instalação elétrica, etc”.275
Esses dados sugerem que os argumentos de Gonçalo Moniz ganharam força durante
o ano de 1921, o que pode ter definido a baixa em relação às despesas com o Hospital dos
Lázaros e com as ações profiláticas voltadas à lepra nesse período. Esse dado se contrapõe ao
que se esperava acontecer, já que, o acordo estabelecido no mesmo ano visava ampliar as
ações de controle das enfermidades, incluindo medidas específicas de profilaxia da lepra.
Com a criação da IPLDV, ficou assegurado pelo Art. 139 da legislação federal que
os estabelecimentos nosocomiais seriam de três tipos: (1) colônias agrícolas, (2) sanatórios ou
hospitais e (3) asilos, com preferência para os de tipo colônia agrícola. No tocante à
obrigatoriedade do isolamento, o Art. 145 do regulamento definia a “liberdade” ao doente
para escolher o estabelecimento nosocomial que lhe conviesse ou fazer o isolamento
domiciliar.276 A reforma sanitária na Bahia, em 1925, reproduziu a mesma orientação, tendo

273
MONIZ, 1922, p. 353.
274
GÓES CALMON, Francisco Marques de. Mensagem apresentada pelo Exmo. Snr. Dr. Francisco
Marques de Góes Calmon Governador do Estado da Bahia à Assembléia Geral Legislativa por occasião
da abertura da 2ª reunião ordinária da 18ª legislatura, em 7 de abril de 1926. Bahia: Imprensa Oficial do
Estado, 1926.
275
MONIZ, 1922, p. 353.
276
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
80

em vista a oferta dos dois modelos de isolamento. Entretanto, o domiciliário só era permitido
“[...] quando possivel assidua vigilancia e si a habitação a isto se prestar, a criterio da
autoridade sanitária”.277
Ainda referente às determinações do decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923,
as instalações dos leprosários deveriam obedecer às condições de “conforto e aprazibilidade”
para os doentes e populações vizinhas.278 Porém, em relação à Bahia, nem sempre o
cumprimento das obrigações aconteceu, como demonstraram notícias do jornal A Tarde em
denúncia à situação do Hospital dos Lázaros de Salvador. O periódico soteropolitano foi um
grande opositor dos governos de J. J. Seabra e instrumento de promoção Calmonista,279 o que
pode ser ilustrado pelas denúncias sobre a situação do leprosário nos últimos meses do
governo Seabra.
Mesmo com o aumento nas despesas instituídas pelo Governo Federal, para as ações
assistenciais voltadas à lepra entre os anos de 1922 e 1923 (ver Quadro 2), a situação do
Hospital dos Lázaros foi descrita como distante do desejável. O jornal A Tarde, por exemplo,
afirmava a precariedade e o abandono da instituição. O episódio que envolveu o filantropo
Henry Morris, secretário da Comissão Rockefeller, que atuava no estado naquele momento,
serve para exemplificar os impactos causados pela circulação de notícias publicadas no
jornal.280
Segundo a notícia, mais preocupado em atender às solicitações de um bilheteiro que
ao seu próprio impulso, Henry Morris comprou meio bilhete da Loteria da Bahia e acabou
premiado com 50 contos. Na reportagem, informam que “[...] logo que lhe foi entregue o
pacote com a dinheirama [...]”, recompensou com um conto de réis o bilheteiro e a
“caixeirinha” da agência, distribuiu esmolas a quem lhe pediu e, por fim, foi à redação do
periódico A Tarde. Lá, conversou com o redator de plantão:

Li na A Tarde, há dois dias, que os lazaros soffrem fome e como, graças a


Deus, tirei “uma quantidade de dinheiro”, na loteria, quero socorrer estes
desgraçados... Não preciso de dinheiro: trabalho todo o dia, ganho pelo meu
trabalho e quero distribuir esmolas... (A FOME..., 7 jan. 1924, p. 1).

277
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925, p. 22.
278
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
279
No plano político, a atuação do periódico na Primeira República pode ser dividida em duas fases. A primeira,
de 1912 a 1924, correspondeu ao período de dominação política de J. J. Seabra na Bahia, na qual A Tarde foi o
principal órgão de expressão das forças oposicionistas. Ao longo dos seis anos seguintes e que antecederam a
“Revolução de 1930”, o periódico esteve como porta-voz das elites no poder, representadas pelo grupo ligado a
Francisco Marques de Góes Calmon. Cf. A TARDE. Verbete CPDOC. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tarde-a. Acesso em: 1 mar. 1921.
280
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
81

No decorrer do diálogo, o redator indicou algumas instituições de caridade que


também poderiam ser ajudadas e ponderou que “[...] o Hospital dos Lazaros era uma
instituição oficial, com verbas orçamentarias precisas e que o Estado custeava
obrigatoriamente”. Este diálogo, além de revelar a forma como os leitores, ou parte destes,
interpretavam a situação dos leprosos isolados, evidenciou a tentativa de inviabilizar a doação
para os enfermos, com possível interesse na denúncia sobre o Hospital. Talvez, ela fosse
movida mais por uma disputa política e menos por benevolência ou preocupação humanitária.
Ao final, Morris atendeu à sugestão de doação para outras instituições, mas não abriu mão e
“[...] fez questão de dar três contos para a acquisição de alimentos para os lazaros”.281
Em 11 de janeiro de 1924, o jornal voltou a estampar em uma de suas páginas os
“horrores” vividos pelos leprosos, que passavam, segundo a notícia, por uma situação pior do
que a fome, revelados os “quadros terríveis surprehendidos pela ‘A Tarde’”. 282 A reportagem
fez parte de uma investigação que ganhou as páginas do periódico nos dias 11 e 12 de janeiro
e teve como motivação a devolução da doação do filantropo Henry Morris, divulgada pelo
mesmo periódico na edição de 7 de janeiro. Ao devolver a verba doada, o Diretor Geral de
Saúde Pública da Bahia, Gonçalo Moniz, alegou “nunca ter faltado, nem faltar, alimentação
aos internados no dito hospital”.283
Diante desse episódio, a diretoria do A Tarde decidiu fazer uma visita surpresa ao
Hospital dos Lázaros e “assim, ter uma impressão exacta da realidade”. Para isto, os
repórteres organizaram um plano: dois redatores, já conhecidos por uma visita recente que
haviam feito, apresentaram um companheiro como médico baiano que queria conhecer o
prédio e suas instalações. Vale ressaltar que a reportagem explorou os principais aspectos de
degradação do Hospital e não economizou nos termos pejorativos para defini-lo como: “triste
exilio dos lázaros”, “tumular asylo” e “pardieiro immundo”.284
Ficou evidente o contraste que provavelmente, não passou despercebido pelos
leitores, entre a forma como o administrador, Fortunato José de Andrade, se apresentou: “[...]
apertado num dolman branco, sapatos alvissimos pé de anjo, ele todo asseiado e janota (grifo
do original)”, e todo o cenário, incluídos os trajes sujos e a situação de má higiene em que se
encontrava a maioria dos leprosos. Os redatores apresentaram o grave descaso vivenciado
pelos enfermos ali isolados: “A roupa dos pobres asylados é immunda e nojenta, mostrando

281
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
282
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
283
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
284
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
82

que há muito não é substituida”.285 A situação dos trabalhadores da instituição não era
diferente, em uma das cenas descritas:

Duas mulheres de côr preta, com roupas muito pouco limpas, descalças,
trabalhavam no fogão e na mesa. Duas creanças, evidentemente, filhas de
uma das mulheres, sujas, sem nenhuma roupa, bricavam no chão de cimento,
onde havia vários buracos.286

Outra situação que impressionou os repórteres foi a de uma mulher que lavava, numa
mesma bacia de estanho, tanto as roupas dos lázaros quanto as das pessoas sãs que
trabalhavam na instituição. A lavagem acontecia em local próximo à cozinha. “Nada de
estufas ou autoclaves para a esterilização”. Os redatores concluíram que o “desconhecimento”
sobre a etiologia e a patogenia da lepra contribuía para atitudes como aquela em que tornava
“[...] fácil a contaminação”.287
Os repórteres fotografaram enquanto observavam o Hospital, ação à qual o
administrador se opôs, pois “não achava conveniente”. Ele se incomodou com a fotografia
tirada das ruinas (Figura 4). Provavelmente, por ser a representação mais evidente do descaso
com o prédio. Segundo a notícial, o administrador exclamou: “Para que photographar... Isso já
caiu há muito tempo”.288 No entanto, o registro, certamente, era muito importante para os
repórteres disfarçados, afinal, mostrava a falta de atenção por parte do estado, que mantinha
uma instituição em situação precária, sem reformas, com ruínas que ameaçavam causar algum
acidente.

285
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
286
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
287
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
288
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
83

Figura 4 – Ruinas de parte do Hospital dos Lázaros.

Fonte: OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.

Sem desconsiderar as intenções políticas presentes na investigação realizada pelos


redatores do A Tarde, era evidente que o governo não dava atenção às necessidades da
instituição naquele período. E o próprio Fortunato José de Andrade, provavelmente, tinha
consciência disso. Ao ouvir dos visitantes que o prédio deveria estar interditado, os redatores
ressaltam que: “Elle não disse nada”.289 O texto sugere que o silêncio era sintomático.
Segundo a notícia, em outro momento da conversa ele mesmo teria declarado que: “Esse
prédio é improprio para hospital. Tem 180 annos de construído. O governo já pensou em
levantar um pavilhão nos terrenos da ponta de Monte Serrat, mas ficou em projeto”.290 Esta
afirmação indica que o debate sobre a transferência do Hospital dos Lázaros, para um
pavilhão em Monte Serrat, funcionava como justificativa no bloqueio de ações mais
adequadas nas instalações do Hospital.
Na edição do dia 12 de janeiro de 1924, o periódico deu continuidade à narrativa
iniciada na edição anterior. Os repórteres informaram que a intenção era “[...] desvendar
outros pontos, aclarar certas suspeitas, que mais se fundavam [...] com a attitude inquieta do
administrador”.291 Segundo a narrativa, não existia asseio e tampouco havia a preocupação em
preservar do contágio as pessoas sãs que ali trabalhavam. A impressão, segundo os redatores,
foi tão forte que mesmo o “[...] jornalista, habituado, por força do officio, a não se commover,

289
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1
290
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
291
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
84

foi vencido pela brutalidade do quadro”.292 O texto era apelativo e buscava sensibilizar os
leitores.
Essa notícia também teve um tom provocativo no seu subtítulo (Figura 5), pois, ao
descrever a “Casa dos Lazaros”, intencionava descaracterizar o Hospital por não apresentar as
funções necessárias para um estabelecimento médico.293 Se as instalações físicas fossem
comparadas com as disposições previstas no Art. 141 da legislação federal, as quais
determinavam a necessidade de se obedecer às condições de “conforto” e “aprazibilidade”
para os doentes e de “proteção” para as populações vizinhas, fica evidente que a instituição
não cumpria requisitos básicos que a caracterizassem como um estabelecimento
nosocomial.294

Figura 5 – Denúncia sobre a situação do Hospital dos Lázaros em 1924.

Fonte: O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.

Na visita realizada pelos repórteres disfarçados, também foi registrado o desabafo de


D. Anna Rita da Silva, enfermeira do estabelecimento. Ela teria descrito Fortunato José de
Andrade como alguém que os mantinha sob ameaça para ser visto como um “diligente,
cumpridor de deveres”. Contudo, segundo esta mesma enfermeira, o casarão e a enfermaria

292
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
293
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
294
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
85

teriam sido lavados apenas duas vezes durante o ano de 1923, isto após ela fazer reclamações
pessoalmente na “Saúde Pública” contra o “estado de immundicie”.295
A reportagem também apresentou denúncias dos próprios enfermos. Segundo os
repórteres, enquanto a enfermeira falava, dois ou três leprosos que se aproximaram, vestindo
roupas sujas, o rosto e as mãos deformados, descreveram a dramática situação de suas vidas
naquele Hospital: “Moço, isto aqui é o inferno. O sr. sabe o que nós soffremos!? Ha pouco
tempo faltou comida. Muitos dias faltou qualquer alimento solido. Bebiamos a agua com sal
que era a unica cousa que restava na dispensa”.296
As denúncias veiculadas no periódico buscavam evidenciar a má administração de
Fortunato José de Andrade. Na mesma notícia de 12 de janeiro de 1924, foi reproduzida uma
fala, na qual ele informava viver ali há treze anos297 e ficaria sentido se fosse retirado da
companhia dos doentes, cuja afirmação foi questionada pelo editor do A Tarde: “Hypocrisia?
Verdade?”.298 A demonstração “afetiva” de Fortunato José de Andrade em relação aos
leprosos isolados; as reclamações da enfermeira e de alguns doentes; e os registros sobre a
precariedade e a falta de zelo com a instituição geram mais questionamentos do que respostas.
Ressalta-se que as intenções do periódico A Tarde não devem ser descartadas, visto
que a preocupação humanitária com os internos, provavelmente, estava atravessada por
interesses políticos, como sugerem trechos das denúncias que responsabilizavam o
administrador do Hospital dos Lázaros pela situação precária da instituição. Os anos em que
ele ocupou o cargo corresponderam ao mesmo período em que a administração do estado
esteve sob o poder do grupo seabrista, iniciado em 1912.
Ainda sobre o questionamento do redator do A Tarde, que duvidou se as intenções
do administrador seriam hipocrisia ou verdade, vale acrescentar que sua morte aconteceu dois
anos após as denúncias. Mesmo sem a possibilidade de comprovar a ligação entre os fatos, há
a hipótese da relação entre esses acontecimentos. Em 26 de setembro de 1926, na seção de
falecimentos do periódico A Capital, foi informado o falecimento do ex-diretor do Hospital
dos Lázaros, ocorrido no dia 24 do mesmo mês, “após longos padecimentos”. Foi sepultado
no mesmo dia, deixou viúva e dois filhos.299
A informação do óbito antecedido por “longos padecimentos” possibilita refletir
sobre a forma de adoecimento, visto que o ex-administrador não foi acometido por um único

295
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
296
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
297
Isto sugere que Fortunato José de Andrade teria se tornado o administrador do Hospital dos Lázaros por volta
de 1911, um ano antes do início da gestão de J. J. Seabra.
298
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
299
FALLECIMENTO, A Capital, 26 set. 1926.
86

motivo ou uma morte súbita. Provavelmente, as complicações na saúde de Fortunato José de


Andrade se iniciaram após o seu afastamento da direção do Hospital dos Lázaros, simultâneo
ao fim da longa gestão do estado pelos seabristas. Não é possível afirmar se houve ou não
relação entre os acontecimentos, porém, não se descarta a possibilidade de que ele falava a
verdade ao afirmar que “sentiria” se fosse tirado da companhia dos doentes.300
Em 1924, Góes Calmon assumiu o Governo da Bahia e encerrou, assim, o longo
período em que o governo estadual esteve sob o comando do grupo seabrista. Este contexto
pode ser entendido como favorável para a assistência à lepra, a partir da regulamentação do
SPSLDV.301 Em 1925, o Art. 144, da lei n. 1.811, de 29 de junho, estabeleceu a necessidade
de criação de um leprosário do tipo colônia agrícola, que a SuSAP estudava a possibilidade de
instalar em uma das ilhas do recôncavo baiano, para tornar mais “natural e fácil” a segregação
dos afetados pelo mal de São Lázaro.302
No primeiro Relatório de sua gestão governamental, em 7 de abril de 1924, Góes
Calmon afirmou que durante as visitas do então diretor da Saúde Pública, Barros Barreto, ao
Hospital dos Lázaros, lhe impressionou a “promiscuidade” com pessoas sadias, a falta de
asseio, conforto e acrescentou que:

Pela sua localização dentro do perímetro urbano, pela divisão de suas


dependências, pelo regimen nosocomial adoptado, não satisfaz
absolutamente o Hospital dos Lazaros às condições technicas exigidas para
um estabelecimento dessa natureza.303

Mais uma vez a instituição era classificada como inadequada para os fins que lhe
cabiam. Entretanto, quase nada foi realizado a fim de estabelecer medidas que se
aproximassem das determinações sugeridas pelo DNSP, desde 1920, como a criação de uma
Colônia Agrícola. Como apresentado no capítulo 1, uma parte considerável dos leprosos que
viviam em Salvador neste período, estava submetida ao isolamento domiciliar e concernia ao
Hospital dos Lázaros a responsabilidade de acolher e isolar os doentes considerados
indigentes, fornecer aos internos medicamentos, alimentação, vestuário e calçados.
A mudança administrativa provocada pela entrada de Góes Calmon no governo da
Bahia, em 1924, e a implementação do regulamento que administraria os serviços de combate

300
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
301
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. p. 22.
302
GÓES CALMON, 1926, p. 104.
303
GÓES CALMON, Francisco Marques de. Mensagem apresentada pelo Exmo. Snr. Dr. Francisco
Marques de Góes Calmon, Governador do Estado da Bahia à Assembléia Geral Legislativa por occasião
da abertura da 1ª reunião ordinária da 17ª legislatura, em 7 de abril de 1924. Bahia: Imprensa Oficial do
Estado, 1924.
87

à lepra, em 1925, não garantiram sucesso imediato das ações contra a enfermidade. Neste
sentido, conforme aconteceu no governo de J. J. Seabra, os periódicos permaneceram como
um instrumento de críticas sobre as condutas governamentais.
Em 8 de outubro de 1926, o jornal A Capital304 divulgou a denúncia de
irregularidade no pagamento dos funcionários do Serviço de Profilaxia contra a Lepra, uma
vez que não receberam os vencimentos referentes ao mês de agosto. A notícia alertava que,
em sua maioria, “[...] os funccionarios alludidos, são chefes de familia e estão por isso mesmo
em serias aperturas”. O questionamento: “Porque não providencia a Delegacia Fiscal?”,
sugere desconfiança sobre a existência de corrupção ou irregularidades na administração dos
pagamentos de funcionários.305
Outra reportagem crítica circulou no periódico O Combate,306 em 25 de novembro
de 1927, com o título: “Uma visão macabra da Bahia actual”. O texto teceu fortes críticas à
gestão de Barros Barreto que, na qualidade de genro do governador, conseguiu “attenuar as
cores da situação”, mesmo que ela fosse gravíssima. Segundo o redator, não havia
preocupação por parte do Secretário de Saúde com a miséria em que os baianos se
encontravam, ameaçados por diferentes pestes. Conforme o texto do periódico, a meningite, a
bubônica e a lepra formavam “o rol impressionante das Pestes que infestavam os domínios do
sr. Goes Calmon”.307
As críticas a Barros Barreto estiveram em outros periódicos, marjoritariamente de
orientação política seabrista. Segundo Ricardo Batista, os jornais se posicionavam
ofensivamente contra o diretor da saúde pública.308 É possível que tanto A Capital quanto O
Combate tivessem orientação política semelhante. O próprio Barros Barreto, em discurso na
criação da SuSAP afirmou que não se atemorizava com a atitude de reserva com que foi
recebido na Bahia, especialmente entre os membros da Faculdade de Medicina. 309 Como as

304
A única informação encontrada sobre o jornal A Capital é que foi criado em 1926, sob a propriedade e
direção de Annibal Vianna Sampaio. Além dele, eram diretores Júlio de Carvalho e Oliveira Guimarães. Cf.
PEREIRA, Flávia Lago de. Modernizar as cidades, civilizar os costumes: repressão a espíritas e
candomblecistas na Bahia republicana. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. p. 133
305
OS FUNCIONNARIOS..., A Capital, 8 out. 1926, p. 1.
306
Segundo a própria definição do periódico, em sua primeira edição publicada em junho de 1927, O Combate
“viverá para os interesses do povo”. Sem intensão de fazer oposição sistemática, acrescentam que “Elogiará o
governo, quando elle fizer juz ao elogio” e “Combatel-o-á, quando a sua acção fôr prejudicial à collectividade”.
Cf. O COMBATE. Um programa em duas palavras. ano 1, n. 1, Bahia, 7 jul. 1927, p. 1. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DOCREADER/720186/1. Acesso em: 13 de out. 2021.
307
UMA VISÃO..., O Combate, 25 nov. 1927.
308
BATISTA, 2017, p. 157-163.
309
BATISTA, SILVA, 2020, p. 319.
88

elites políticas baianas também eram compostas pelas elites médicas, acredita-se que muitos
jornais também atuaram para criar uma imagem negativa sobre ele.
Ainda em relação ao texto do periódico O Combate, sobre a lepra, afirmava-se que a
doença se “alastrava terrivelmente”. Bom Gosto da Calçada, no subúrbio de Salvador, foi
identificado como o grande foco de doentes. Esta notificação foi realizada por um médico que
não era funcionário da Saúde Pública, mas que decidiu denunciar a situação em uma sessão da
Sociedade de Medicina e fazer com que os higienistas oficiais compreendessem o que ocorria.
Tal situação, conforme o redator da notícia, provava “[...] o relaxamento, a inépcia, a
descaração que permeiam dentro da Secretaria de Saúde e Assistencia!”.310
Com o fim do contrato entre a União e o estado da Bahia, em 1927, e com o interesse
na continuidade dos serviços de Saneamento Rural e de Profilaxia da Sífilis e Doenças
Venéreas, o governo baiano assinou um novo termo de acordo com o DNSP, em 27 de
fevereiro de 1928, para mais três anos. Entre as condições impostas, estava a obrigatoriedade
de aceitar e promover, pelos municípios do estado, todas as leis sanitárias, instruções técnicas
e administrativas e demais disposições do DNSP referentes aos serviços sanitários federais
executados no estado.311
No tocante à verba destinada a esses serviços, ficava a União responsável pelo
crédito, no princípio de cada exercício, de trezentos e cinquenta contos de reis (350:000$000),
sendo duzentos e setenta e cinco contos de réis (275:000$000) destinados ao Serviço de
Saneamento Rural e setenta e cinco contos de réis (75:000$000) destinados ao Serviço de
Prophylaxia da Lepra e das Doenças Venereas. O governo estadual, por sua vez, era obrigado
a contribuir com trezentos e cinquenta contos de réis (350:000$000), fazendo os respectivos
recolhimentos à aludida delegacia fiscal, adiantadamente, por trimestre ou semestre.312
O novo acordo foi acusado de provocar impactos negativos nas ações desenvolvidas
pelo estado. Segundo Barros Barreto, em seu relatório referente às atividades desenvolvidas
pela SSAP no ano de 1928:

A resolução do Governo da União determinando que metade da verba


destinada ao custeio dos serviços de saneamento rural e prophylaxia da lepra
e doenças venereas fosse aplicada em material e o restante em pessoal, veio
perturbar grandemente os nossos trabalhos dando em resultado o fechamento
de quatro dos 18 postos em actividade no anno de 1927, os quaes vinham

310
UMA VISÃO..., O Combate, 25 nov. 1927.
311
BARRETO, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e
Assistência Pública, anno de 1928. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1929. p. 170-176.
312
BARRETO, 1929, p. 173;
89

beneficiando enormemente as populações das zonas onde se achavam


localizados: - Bonfim, Barra, (Rio S. Francisco) Esplanada e Valença.313

Segundo as informações descritas no relatório, a própria natureza dos trabalhos


desenvolvidos nas repartições públicas estava a “[...] demonstrar a saciedade e a
inconveniência desse critério de applicar, em partes iguaes pessoal e material, as dotações
reservadas à sua manutenção”.314 No entanto, conforme as afirmações no relatório, o
problema maior dessa determinação se concentrava na necessidade de diminuir o quadro de
funcionários com a finalidade de equilibrar as contas. Para a manutenção de alguns postos,
por exemplo, foi necessário que os funcionários – “desde o chefe ao mais humilde servente” –
renunciassem uma quota proporcional aos respectivos vencimentos, “[...] de modo a evitar a
suppressão de mais quatro das unidades em funcionamento”.315
Provavelmente, foi a obrigatoriedade de investir metade da verba disponível para o
custeio com os serviços de Saneamento Rural e da Profilaxia da Lepra e das Doenças
Venéreas em material, que possibilitou o início de reformas no Hospital dos Lázaros a partir
de 1928. Ao mencionar sobre esse empreendimento, em relatório sobre as ações realizadas
pela SSAP durante o ano 1929, Barros Barreto afirmou que o objetivo era “[...] proporcionar
um pouco mais de conforto aos infelizes atacados do mal de Hansen”. Também informou que
os leprosos internados passaram a “[...] dispôr de vasta enfermaria de piso impermeabilisado e
paredes revestidas de azulejos brancos, vidrados, sala de curativos, banheiros hygienicos,
installações sanitarias, refeitório, etc.”.316 Fizeram parte do relatório referente ao ano de 1929,
fotos que apresentaram estes melhoramentos (Figuras 6, 7, 8 e 9).

313
BARRETO, 1929, p. 176.
314
BARRETO, 1929, p. 177.
315
BARRETO, 1929, p. 176.
316
BARRETO, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e
Assistência Pública, anno 1929. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1930. p. 215.
90

Figura 6 – Enfermaria de homens.

Fonte: Barreto (1930).

Figura 7 – Enfermaria de mulheres.

Fonte: Barreto (1930).


91

Figura 8 – Refeitório dos homens.

Fonte: Barreto (1930).

Figura 9 – Sala de refeição para mulheres.

Fonte: Barreto (1930).

As fotografias foram realizadas com o intuito de divulgar as atividades sanitárias


promovidas por Barros Barreto. Provavelmente, por isto, apresentam uma organização
previamente elaborada do espaço. Os enfermos apresentam roupas aparentemente limpas e as
camas seguem um modelo padronizado de arrumação, com lençóis brancos em cima e uma
92

colcha mais escura dobrada embaixo do travesseiro, como nas Figuras 6 e 7. Nos ambientes
representados nas Figuras 8 e 9, também se evidencia um mesmo padrão de arrumação com
mesas cobertas por uma toalha branca, objetos que aparentemente são pratos e talheres e um
vaso com planta. A Figura 9 também apresenta, ao fundo, uma mulher em pé, certamente uma
funcionária do Hospital.
Em uma apresentação na Conferência do Rotary Club da Bahia, em 4 de abril de
1935, Octávio Torres afirmou que o Hospital passou por períodos de fortes crises e chegou ao
extremo de faltar assistência, até que: “[...] surgiu o grito de revolta dado por uma ex
internada, que narrou tudo que lá passavam os seus companheiros de infortunio, como se
sofrer de lepra não fosse sufficiente”.317 A partir daí, as senhoras das elites letradas baianas,
chefiadas pela professora Amphrisia Santiago, resolveram conversar com o governador Vital
Soares318 (1928-1930), que sucedeu Góes Calmon, e com o diretor da Saúde Pública, Barros
Barreto, “fizeram uma das maiores reformas porque tem passado o Hospital dos Lazaros da
Bahia”.319
Em 29 de março de 1930, a reportagem veiculada no jornal A Tarde comemorou o
segundo aniversário da administração pública vigente, com a inauguração de duas instituições
centrais na constituição de políticas públicas: uma médica e outra educacional. Aqui cabe
destaque para o Hospital dos Lázaros que, após a reforma inaugurada em 1930, passou a se
chamar Leprosário:

Para commemorar a passagem do segundo aniversario da administração


publica actual, a Secretaria da Agricultura determinou que nesta data fossem
concluídas e recebidas as obras do Predio Escolar Rio Branco em Itapagipe,
e do Leprosário Rodrigues de Menezes, antigo Hospital dos Lazaros.320

317
TORRES, 1935, p. 6.
318
Vital Henrique Batista Soares nasceu em Água Preta, atual Uruçuca, no município de Valença (BA), em
1874, concluiu o curso de direito em 1898, ingressou na política em 1908, no governo José Marcelino (1904-
1908), quando foi eleito para o Conselho Municipal de Salvador. Foi um fervoroso partidário de Rui Barbosa, e
sua atuação na Campanha Civilista, na sucessão presidencial de 1910, valeu-lhe o ostracismo político. Diante
desses fracassos eleitorais, resolveu se afastar da política, dedicando-se à advocacia e aos negócios privados.
Convidado por Francisco Marques de Góis Calmon a integrar a equipe do escritório de advocacia que este
herdara do tio e pai adotivo Inocêncio Marques de Araújo Góis, tornou-se seu homem de confiança. Com a
ascensão de Góis Calmon ao governo do estado (1924-1928), após intervenção federal que destronou J. J.
Seabra, sua escalada política foi vertiginosa, sendo eleito governador para o quadriênio 1928-1932, mas só
exerceu a função até 1930, quando transmitiu o governo a Frederico Augusto Rodrigues da Costa, para se
candidatar à vice-presidência da República. Faleceu em Salvador, em 1933, aos 58 anos, vítima de uma esclerose
precoce. Cf. VITAL SOARES. Verbete. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/SOARES,%20Vital.pdf. Acesso em: 4 abr. 2021.
319
TORRES, 1935, p. 6.
320
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
93

De acordo com a notícia, a inauguração dessas duas obras públicas fez parte de um
balanço de “realizações notáveis” executadas pelo governo do estado. O secretário da
agricultura e o próprio governador, Vital Soares, estiveram presentes no evento, o que sugere
certa importância, destaque social e político ocupado pelo Leprosário. Além de divulgar os
últimos feitos da administração pública, a notícia serviu como propaganda, em razão da
proximidade das eleições estaduais e federais naquele ano. Algo que não era incomum, visto
que, um ano antes, Vital Soares proferiu mensagem à Assembleia Legislativa em que
destacava o interesse em propagar ideais de salubridade sobre a cidade de Salvador. Em
análise deste acontecimento, Maria Elisa Lemos destacou que o pronunciamento oficial era
parte de sua propaganda eleitoral, dado o seu discurso autopromocional de “prestação de
contas” à Assembleia Legislativa e ao Governo Federal.321 Pouco tempo depois, Vital Soares,
então governador do estado, deixaria o cargo para concorrer à vice-presidência e planejou
emplacar um sucessor para o governo do estado da Bahia.
Outro elemento importante para se compreender a relação da reportagem do A
Tarde com o contexto político, foram as especulações em torno da sucessão do governo
estadual, em consequência da renúncia de Vital Soares à chefia do estado, para ser
candidato.322 Neste contexto, Simões Filho figurava como o sucessor preferencial do
governador, devido a sua atuação incisiva na escolha de Soares para compor a chapa
presidencial com Júlio Prestes. Além do prestígio político, capaz de tamanha influência na
indicação de um nome para a vice-presidência, Simões Filho era diretor e proprietário do
jornal A Tarde, o que sugere a possível relação entre a reportagem e o interesse em divulgar
uma propaganda política da gestão governamental.323
Divulgar as obras executadas pelo governo era uma tática para mostrar estabilidade
política naquele momento, tendo em vista as dificuldades desencadeadas pela grave crise
econômica que abalou o mundo em 1929. Segundo Consuelo Sampaio, a economia baiana era
totalmente dependente do setor exportador e das relações econômicas estrangeiras, e, por sua
vez, sentiu o impacto provocado pela crise.324 Mesmo consideradas como obras de “grande
vulto”, as obras inauguradas em 1930 foram apresentadas, pelo redator do A Tarde, como

321
SILVA, 2018, p. 93.
322
A chapa composta por Júlio Prestes e Vital Soares para a presidência teve a vitória reconhecida pelo
Congresso Nacional em maio de 1930, mas não chegou a assumir por conta do movimento revolucionário que
irrompeu em outubro de 1930, culminando no golpe que levou Getúlio Vargas ao poder e suspendeu o período
republicano. Ver: SAMPAIO, 1998, p. 222-225.
323
SAMPAIO, 1998, p. 218-222.
324
SAMPAIO, 1998, p. 221.
94

resultado de situação econômica continuava “pouco lisonjeira”, o que forcava a contingência


e restrição na realização de obras que não fossem de “inadiável” necessidade.325
A respeito da reforma executada no antigo Hospital dos Lázaros, foi divulgado nas
páginas do A Tarde que, além de um “[...] serviço valioso prestado aos infelizes doentes
[...]”, a inauguração dotava a capital baiana de um serviço que pretendia satisfazer às
exigências do Código Sanitário do Estado, que, como discutido anteriormente, seguia as
determinações estabelecidas pelo DNSP.326 Ainda conforme o periódico, a reforma havia sido
autorizada pelo Secretário da Agricultura do período devido à situação de “decadência” das
instalações físicas da instituição. Vale relembrar que esta reforma foi iniciada em 1928, fruto,
também, de mudanças na legislação que regulamentavam os gastos com os serviços sanitários
e por intervenção e pressão de mulheres, pertencentes às elites letradas soteropolitanas,
chefiadas pela professora Amphrisia Santiago.
Além das questões políticas e filantrópicas motivadoras da reforma da instituição, é
necessário atenção para a incorporação dos conhecimentos médicos daquela época. Segundo
Vívian Cunha, as próprias características da lepra, como a contagiosidade e a incurabilidade,
compeliam o poder público a desenvolver ações no sentido de controlar o contágio da doença.
A autora também acrescenta que os fatores de ordem médica: “[...] determinavam que
somente o isolamento dos doentes poderia proporcionar um controle mais efetivo da lepra”.327
De acordo com as informações do jornal A Tarde, a visão científica orientou a reforma no
Hospital dos Lázaros, haja vista a definição de espaços como as enfermarias e gabinetes para
médicos, exclusivos para o desenvolvimento das práticas médicas e hospitalares. Assim, a
instituição afastava-se de um caráter somente asilar.
Com a incorporação das determinações médico-científicas, a instituição ficou
dividida em dois pavilhões. No pavimento superior havia: “[...] gabinetes para médicos,
administrador, enfermaria ampla, sala de refeições, rouparia e commodos sanitários
completos, providos de latrinas turcas de lança, tendo abundancia d’agua para o serviço de
asseio”.328 Por sua vez, o pavilhão térreo dispunha de instalações e divisão idênticas ao
pavimento superior, sendo as únicas diferenças uma grande sala destinada à copa e uma
cozinha que, segundo o redator do A Tarde, respeitava os padrões do modelo higiênico da

325
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
326
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
327
CUNHA, 2005, p. 31-32.
328
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
95

época. A iluminação elétrica também foi instalada e ocorreram modificações nos cômodos
sanitários e banheiros, a fim de atender “prescripções hygienicas rigorosas”.329
Essa reforma foi um primeiro passo para modificar as ações assistenciais voltadas à
lepra na Bahia, visto que a instituição deixava de ser um hospital e passava a ser denominada
leprosário. De acordo com o A Tarde, foi “[...] dotada a nossa capital de um serviço perfeito
com a completa reforma e remodelação do antigo Hospital dos Lázaros, hoje denominado
Leprosário Rodrigo de Menezes”.330 É provável que a necessidade de enfatizar mudanças
decorrentes da reforma, principalmente pela troca do nome da instituição, fosse uma tentativa
de aproximar as ações baianas das determinações da IPLDV, empregadas pelo decreto nº
16.300, de dezembro de 1923, e que, entre as deliberações, sugeria, no primeiro parágrafo do
Art. 139, a “preferência” pela criação de colônias agrícolas.331
Na mesma lei, no segundo parágrafo do Art. 139, ficou definido que os sanatórios,
hospitais e asilos só seriam aceitos “[...] quando as condições locaes e outras o permittirem,
ou o reduzido numero de doentes dispensar o estabelecimento de uma colonia [...]”. Além da
preferência por colônias, o modelo de instituição também estava vinculado ao perfil e ao
avanço da enfermidade no doente a ser isolado, como ficou estabelecido no Art. 140. Nesse
sentido, os estabelecimentos do tipo colônia agrícola serviriam, preferencialmente, para isolar
“[...] além dos que o desejarem, os que forem ainda capazes de pequenos trabalhos, regulados
segundo prescripção medica [...]”; os de tipo sanatórios e hospitais eram destinados “[...]
aquelles que residam nas proximidades, tendo-se tambem em vista as vantagens ou
desvantagens que lhes possa trazer o tratamento de sanatorio ou de hospital [...]”; e os asilos
voltados para “[...] os doentes que se invalidarem, levando-se tambem em conta sua
visinhança”.332
A reforma de 1928 a 1930 abrangia as determinações do Código Sanitário da Bahia
de 1925, que obrigava a adoção de normas técnicas e garantia o custeio das despesas de
manutenção asseguradas pela União.333 No entanto, foi somente a partir de 1930 – quando a
atuação da filantropia passou a estar mais presente na instituição –, que as ações assistenciais
voltadas à lepra se tornaram mais efetivas, especialmente na construção de um ambiente que
efetivamente objetivava tratar os enfermos.

329
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
330
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
331
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
332
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
333
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. p. 22.
96

Capítulo 3

A Sociedade Bahiana de Combate à Lepra: quando o público e o


privado se encontram (1931-1936)

A partir da década de 1930, especialmente quando Octavio Torres assumiu a direção


do Leprosário D. Rodrigo Jose de Menezes, ações filantrópicas foram realizadas em prol dos
acometidos pelo mal de Hansen, em Salvador. Os relatórios escritos pelo médico, o relatório e
o álbum da SBCL, e jornais permitem a compreensão sobre os impactos da colaboração entre
Estado e filantropia para a melhoria de vida dos internos, incluindo a presença de médicos e o
uso de medicamentos. Em 1936, houve uma mudança de foco nas ações assistenciais na
Bahia, com o interesse de construir um Leprosário Colônia e um Preventório, o que daria
novos rumos ao D. Rodrigo José de Menezes.

Em relatório sobre as atividades desenvolvidas no ano 1934 pela Inspetoria da Lepra


e das Moléstias Venéreas (ILMV), Octávio Torres escreveu sobre a necessidade de harmonia
entre as ações do poder público e as empreendidas por todos aqueles que desejavam colaborar
em alguma obra de profilaxia, em prol da “saúde coletiva”. Em relação às iniciativas das
“associações privadas”, ainda afirmou: “[...] nunca devemos dispensar serviços tão valiosos e
prestados expontaneamente”.334
O posicionamento do médico estava de acordo com o contexto em que vivia, uma
vez que as mudanças político-sociais realizadas desde o advento da Primeira República
obrigaram tanto os governos centrais, quanto a própria sociedade, a buscarem respostas para
diferentes problemas, inclusive os sanitários. Para Sanglard e Ferreira, a presença da
sociedade civil é uma característica brasileira herdada da colonização portuguesa e que

334
TORRES, Octávio. Relatório da Inspcetoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934.
Apresentado pelo dr. Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D.
Rodrigo José de Menezes. Bahia, 1936c, p. 56.
97

ganhou contornos específicos durante a Primeira República.335 Ao longo dos governos de


Getúlio Vargas (1930-1945) essa participação se intensificou.
Logo após assumir a direção do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, em 1931,
Octávio Torres empreendeu ações que repercutiram numa maior intervenção da filantropia na
instituição. Sua aproximação das figuras políticas e as elites econômicas soteropolitanas
ampliou, consequentemente, a rede de agentes interessados em contribuir para a campanha de
combate a lepra. Na conferência realizada no Rotary Club da Bahia, em 1936, ele afirmou que
desde o momento em que assumiu a direção do Leprosário336 não faltou colaboração por parte
de indivíduos dispostos a auxiliar na “[...] relevante obra de prophylaxia contra a lepra na
Bahia”. Entre estes, atuaram a professora Amphrisia Santiago, Carmen Mesquita, Conego
Rubem Mesquita, Maria José de Paula Laert Moreira e Maria Dolores.337
Os filantropos indicados por Torres faziam parte das elites letradas e/ou econômicas
soteropolitanas, com a participação, também, de religiosos. Sabe-se, por exemplo, que
Amphrisia Santiago nasceu no dia 21 de setembro de 1894, na rua dos Marchantes, número
65, no Distrito de Santo Antônio, na cidade de Salvador. De origem pobre, contou com todos
os esforços possíveis da família para estudar e ingressou no magistério por ser uma das
poucas possibilidades de trabalho formal permitidas às mulheres naquele momento.338 Órfã de
pai aos 23 anos, foi responsável pelo sustento de sua mãe e de outros 5 irmãos. Tinha
orientação Católica, era temida e admirada por suas alunas no Colégio Nossa Senhora
Auxiliadora, na capital baiana. Participou de diferentes obras de assistência social, o que lhe
conferiu homenagens durante a vida como a Estrela do Mérito das Bandeirantes do Brasil e a
Medalha de Anchieta da Prefeitura do Distrito Federal. Seu nome figurou em três edições do
“Who is who” in Latin American de Standford University. Foi indicada por Eurico Gaspar
Dutra para representar o Brasil no Seminário sobre Educação Primária, em Montevidéu, em
1955, entre outras.339
Já Carmen Mesquita (Figura 10), nascida em 18 de abril de 1903, era filha de
Raymundo Eustáquio de Mesquita, médico pela FMB em 1885.340 Ela se formou Medicina

335
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Caridade e Filantropia: elites, estado e assistência à saúde no
Brasil. In: TEIXEIRA, PIMENTA, HOCHMAN, 2018. p. 176.
336
Transferido do cargo de assistente do Instituto Oswaldo Cruz-Ba (IOC-BA), exercido desde 1926, Octávio
Torres assumiu a diretoria do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes em 1931, indicado pelo diretor da Saúde
Pública, prof. Almir Oliveira, também responsável pela reforma sanitária empreendida em março do mesmo ano.
337
TORRES, Octávio. Prophilaxia da Lepra – Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 7 mai.
1936. Separata de Bahia Médica, n. 7, jul., 1936b, p. 6.
338
PASSOS, Elizete. Anfrísia Santiago (1894-1970). Salvador: Edufba, 2005. p. 14.
339
PASSOS, 2005, p. 23.
340
MESQUITA, Carmem. Disponível em: http://www.fameb.ufba.br/filebrowser/download/70. Acesso em: 11
mar. 2022. s/d.
98

pela FMB em 20 de dezembro de 1930 e foi a primeira aluna laureada com o Prêmio Prof.
Manoel Victorino, por ter a maior média de todas as notas obtidas no curso de graduação.
Embora não tenham sido encontradas informações mais detalhadas sobre sua vida familiar,
ela se casou com Octavio Torres e passou a se chamar Carmem Mesquita Torres,341 o que
reforça a compreensão sobre a estreita relação entre laços familiares dos indivíduos das elites
soteropolitanas.

Figura 10 – Carmem Mesquita.

Fonte: MESQUITA, s./d.

Em relação ao Cônego Rubem Mesquita, as poucas informações encontradas


demonstram implicação na causa dos leprosos. Por exemplo, participou ativamente da I
Conferência de Assistência Social aos Leprosos, entre 12 e 19 de novembro de 1939, no Rio
de Janeiro, promovida pela FSALDCL, com a finalidade de coordenar a ação social das
Sociedades filiadas à Federação dentro da “moderna orientação de combate à
enfermidade”.342 Não foram encontradas informações sobre Maria José de Paula Laert
Moreira e Maria Dolores.
Antes de assumir a direção do Leprosário, Octávio Torres já discutia sobre a lepra e
cobrava maior atenção às ações profiláticas, mesmo que considerasse o número de doentes
reduzido no estado baiano. Na nova posição, intensificou a divulgação sobre a enfermidade e

341
CARMEM, s/d. p. 3.
342
CONFERÊNCIA Nacional de Assistência Social aos Leprosos. 12 a 19 de novembro de 1939. Disponível
em: http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/1939/PDF/v7n4/v7n4conflepro.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021.
99

buscou conscientizar a sociedade baiana sobre a responsabilidade com o problema da lepra,


estimulando assim, ações filantrópicas.
De acordo com uma publicação da SBCL, que apresenta as primeiras iniciativas de
Octávio Torres para o incentivo às ações filantrópicas e caritativas no Leprosário, ele assumiu
a direção em um momento de “precária” situação da assistência ofertada pela instituição e,
para melhorar esta situação, “apelou”, por intermédio da imprensa e da Cadeira de Patologia
Geral da FMB, pelo auxílio de “diversas” classes sociais. Enquanto professor, mobilizou seus
estudantes do terceiro ano na FMB e juntos criaram a “Sociedade Acadêmica de Proteção aos
Lázaros”, integrada por diferentes personagens médicos.343 Entre estes, figuraram Edgard
Valente, Antônio Vianna, Demetrio Moura, Humberto Forte, Benigno Magavita, e Lopes
Pontes Filho.344
A criação da Sociedade Acadêmica de Proteção aos Lázaros resultou em ações
voltadas para os doentes de lepra e para a população em geral. Entre os diferentes trabalhos
realizados pela entidade, na capital e no interior do estado, estiveram festivais, concertos e
apresentações teatrais. Aparentemente, à exceção de Octávio Torres, os médicos e estudantes
de medicina que integraram esta associação assistencial não exerciam a prática médica no
Leprosário. Suas ações se resumiam a informar e conscientizar a população a respeito das
especificidades da doença, além de angariar recursos utilizados nas obras que objetivavam
melhorar a “sorte dos lázaros da Bahia”.345
A respeito dos espetáculos que promoviam, Octávio Torres mencionou a comédia
“Cala a boca Etelvina” e deixou evidente a dificuldade na realização das apresentações: a
“[...] montagem da peça, o aluguel dos cinemas, as despesas de ponto, ensaiador, eletricista,
preparo para as cenas, etc. [...]” exigiam despesas que reduziam os lucros, quando não
acontecia prejuízo. Entre cinco espetáculos, três deles no Cinema Jandaia, um no Cinema
Itapagipe e um em Alagoinhas, houve prejuízos em uma das apresentações do Jandaia e
prejuízo total em Alagoinhas.346 Sobre esta última apresentação, o “Grémio Pró Alagoinhas”
enviou uma moção de solidariedade ao Conselho da Sociedade Acadêmica de Proteção aos

343
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
344
Conforme levantamento, todos eram estudantes e se graduaram, respectivamente, entre os anos de 1933 a
1936. Não foram localizadas informações sobre Lopes Pontes Filho, mas é provável que no período ele também
fosse aluno de Octávio Torres. LEVANTAMENTO NOMINAL dos formados de 1812 a 2008 da Faculdade de
Medicina da Bahia – UFBA. In: Colégio Brasileiro de Genealogia, [s.d.]. Disponível em:
http://www.cbg.org.br/wp-content/uploads/2012/07/b_formandos_medicina.pdf. Acesso em: 8 fev. 2022.
345
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
346
LEPRA NA BAHIA. In: Octávio Torres – Trabalhos. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador,
[s.d.]. p. 15-16.
100

Lázaros, lamentando o insucesso da “representação acadêmica” na cidade. Quanto ao valor


arrecadado com as apresentações, depois de pagas todas as despesas, restou 2:430$000,
recolhidos na Caderneta n. 203, série B, da Caixa Econômica Federal, em nome do Leprosário
D. Rodrigo José de Menezes.347 Instituição de caráter público, o Leprosário estava sob a
responsabilidade exclusiva do estado. Mas, com a organização da SBCL, ocorreram
mudanças significativas.
Além das mulheres – Amphrisia Santiago, Maria Machado de Araújo, Maria José
Laert Moreira, Carmen Mesquita e Lourdes Ramos Costa (que também era médica) –,
auxiliaram o Leprosário, ainda de forma individual, o Conego Rubem Mesquita, o professor
Mario Laert Moreira, os médicos Geraldo Teixeira, Odilon Machado e Octávio Torres,
Marcelino Garrido e “muitos outros”. Em decorrência da articulação destes personagens em
uma reunião no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, foi criada a Sociedade Bahiana de
Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra.348
Aprovados os estatutos e eleitos os seus dirigentes, a diretoria da entidade
assistencial tomou posse no dia 16 de maio de 1933, em um evento solene no salão nobre do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em Salvador. A direção era composta, entre outros,
por Maria Machado de Araujo, Carmen Mesquita, Antonieta M. da Silva, Amphrisia
Santiago, Odilon Machado, Anisio Massorra, Conego Rubem Mesquita, Octávio Torres,
Aline Lins, Ursulina Rodrigues, Alice Moniz e Olga Mesquita. O fim dessa primeira
configuração ocorreu em meados de 1935, quando a médica Carmem Mesquita assumiu a
presidência da diretoria.349
Não foram encontradas informações que possibilitassem uma descrição mais
circunstanciada sobre as funções/cargos dos integrantes da sociedade assistencial nos
documentos acessados. Porém, no relatório da diretoria da SBCL de 1936, integrantes da
FSALDCL orientaram sobre a necessidade de realizar uma eleição que nomeasse uma nova
diretoria, sendo: “toda ela feminina e escolhida entre o nosso escól social”.350 Essa orientação
estava alinhada a uma das características mais marcantes nas Sociedades de Assistência aos
Lázaros espalhadas pelo país, a liderança feminina. A presença de mulheres pertencentes às
elites nos projetos assistenciais não era incomum, uma vez que esse tipo de engajamento,
nesse período, era entendido como uma atividade enobrecedora, justificada pelos sentimentos

347
LEPRA NA BAHIA, p. 16.
348
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
349
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
350
RELATÓRIO DA DIRETORIA da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra. Bahia, 1936, p. 10.
101

humanitários influenciados pela doutrina cristã. Entretanto, como observa Claudia Vieira, o
envolvimento com as atividades filantrópicas serviu para as mulheres das elites também
acessarem e conquistarem novos espaços na esfera pública.351
Do mesmo modo, os capitais econômico, social e cultural da maioria das mulheres
que ocuparam importantes cargos nas Sociedades de Assistência aos Lázaros e Combate à
Lepra, fizeram com que, em muitos momentos, as relações de poder e os interesses das elites
se sobressaíssem, o que era complementado pela posição social e profissional dos seus pais
e/ou maridos.352 Sobre a influência das mulheres que pertenceram à primeira e à segunda
diretoria da SBCL, destacaram-se a professora Amphrisia Santiago e a médica Carmen
Mesquita, que participaram da fundação da Liga Bahiana Contra o Câncer, em 1936, com
mais três mulheres das elites soteropolitanas.353 Segundo Christiane Souza, a liga tinha por
finalidade promover a qualificação de profissionais de saúde, informar a população sobre a
doença e criar o Instituto de Câncer da Bahia, e os envolvidos nessa luta poderiam acumular
importante capital simbólico.354
No dia seguinte ao evento solene de posse da primeira diretoria SBCL, em 1933, o
interventor do estado, Juracy Magalhães, promulgou um decreto que lhe concedeu vantagens
de utilidade pública.355 A partir de então, as ações filantrópicas desenvolvidas no Leprosário
ganharam um caráter mais sistemático e a responsabilidade com o problema da lepra na
Bahia, ainda sob o encargo do estado, passou a ser dividida com a SBCL.
A princípio, a finalidade da entidade baiana se centrava na prestação da assistência
aos doentes leprosos e seus familiares, bem como no combate à lepra pelos diferentes meios
ao seu alcance.356 Em relatório do Leprosário apresentado em janeiro de 1937 ao secretário de
Educação e Saúde Pública da Bahia, Octávio Torres escreveu que os propósitos da sociedade
assistencial seguiam os mesmos moldes da Sociedade Paulista e da Federação Brasileira de

351
VIEIRA, Claudia Andrade. História das Mulheres, feminismo e política na Bahia. Simões Filho: Editora
Kalango, 2015, p. 27.
352
SANTOS, Francieli Lunelli; LEANDRO, José Augusto. Mulheres da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, 1926-1947. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, v.26, supl., dez. 2019, p.57-78, p, 68.
353
SOUZA, Christiane Maria Cruz de. Médicos e mulheres em ação: o controle do câncer na Bahia (primeira
metade do século XX). In: SANGLARD et al. (Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no
Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV editora, 2015, p. 267.
354
SOUZA, 2015, p. 266-267.
355
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
356
TORRES, 1939, p. 15-16.
102

Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (FBALDCL),357 entidades de destaque nas
relações entre associações privadas e o poder público.
Denominada, inicialmente, como “Sociedade de Assistência às Crianças Lázaras”, a
entidade assistencial que serviu de inspiração para as elites baianas foi criada em São Paulo a
partir de uma reunião convocada em 1926, por Alice Tibiriçá – posteriormente eleita como a
sua primeira presidente e responsável pela alteração do nome para “Sociedade de Assistência
aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”. Entre os principais objetivos dessa entidade, figuraram
o interesse em divulgar uma propaganda da luta contra a lepra e captar recursos destinados à
aplicação na assistência social dos doentes e suas famílias.358
Os integrantes da instituição de assistência eram, em maioria, mulheres pertencentes
às elites, mas médicos, funcionários públicos e profissionais liberais também militavam em
prol da causa. Inicialmente, Alice Tibiriçá recebeu importante apoio político, porém as
eleições estaduais de 1927 alteraram o quadro governista de São Paulo, o que resultou na
perda do apoio e no consequente cerceamento das atividades promovidas pela entidade. Ao
analisar tal contexto, Vicente Saul dos Santos, considera que as dificuldades motivaram a
intensificação das campanhas de conscientização acerca da lepra e estimularam a criação de
outras sociedades no sentido de ampliar o número de adeptos e atingir uma maior abrangência
territorial.359
O estímulo à criação de outras sociedades assistenciais nos diferentes estados
inspirou o surgimento de instituições congêneres e contribuiu para a federalização da referida
entidade assistencial, em fevereiro de 1932. Gradativamente, a FSALDCL foi se alinhando ao
modelo de saúde varguista proposto a partir de 1930 e implementado de forma mais
sistemática com a posse de Gustavo Capanema, no Ministério da Educação e Saúde Pública,
em 1934.360
O caso brasileiro não foi a única experiência que relacionou filantropia e assistência
aos doentes de lepra. José Leandro, por exemplo, demonstrou semelhanças entre as estratégias
de atuação da FSALDCL, no Brasil, e as do Patronato de Leprosos, na Argentina. Segundo o
autor, ambas as instituições tinham participação feminina e eram de exclusiva atenção à
assistência aos leprosos. Para ele, o caráter burocrático e a articulação das entidades com os

357
TORRES, 1939, p. 16.
358
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Filantropia, poder público e combate à lepra (1920-1945). História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl. 1, dez. 2011, p. 253-274. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v18s1/14.pdf. Acesso em: 22 mai. 2021, p. 256.
359
SANTOS, 2011, p. 256-257.
360
SANTOS, 2011, p. 258-259.
103

médicos e governantes as distinguiu e as distanciou de qualquer experiência filantrópica


voltada à lepra anteriormente.361
Ainda sobre a aproximação entre a sociedade assistencial brasileira e o Governo
Federal, é necessário mencionar o desempenho de Eunice Weaver, que sucedeu a Alice
Tibiriçá na presidência da entidade, em 1935. Sobre este contexto, Santos considera que as
atividades filantrópico-assistencialistas passaram a figurar como parte constituinte da política
governamental. Segundo ele, em muitos momentos a abrangência das ações empreendidas
pelas sociedades assistenciais vinculadas à Federação foram maiores que as desenvolvidas
pelo próprio Estado.362
Ao apresentar um panorama sobre a consolidação das práticas assistenciais exercidas
por iniciativas privadas – com destaque para a FSALDCL –, Octávio Torres citou dois
importantes acontecimentos. Sob a influência e com a participação de Alice Tibiriçá, o 1º
Congresso Brasileiro de Feminismo e a Conferência de Uniformização da Campanha contra a
Lepra foram realizados no contexto inicial da década de 1930, no Rio de Janeiro.
Na conclusão do primeiro, o Congresso Brasileiro de Feminismo,363 Torres propôs
que não se deixasse de combater a lepra e intensificou a participação das entidades privadas
na assistência aos doentes e suas famílias. Ainda naquele evento, a propaganda de Alice
Tibiriçá junto à diretoria da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra
reforçou a obrigação das “senhoras” de participar da campanha de combate à enfermidade e
estimulou a fundação de novas sociedades assistenciais, todas caracterizadas nos “[...]
mesmos moldes, a fim de combater um inimigo commum em todo o Brasil”.364
O segundo evento, realizado em setembro de 1933, no Rio de Janeiro, também
contou com a influência de Alice Tibiriçá, então presidente na diretoria da FSALDCL,
entidade promotora da Conferência. A proposta era uniformizar a campanha contra a lepra e
solucionar o “complexo problema” de sua profilaxia. Além dos representantes de quase todos
os estados, também participaram integrantes das diferentes entidades vinculadas à Federação
das Sociedades de Assistência.365

361
LEANDRO, José Augusto. Em prol do sacrifício do isolamento: lepra e filantropia na Argentina e no Brasil¸
1930-1946. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2013, p.913-938, p.
916.
362
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:
ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História
das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2006, p. 66.
363
Octávio Torres não especifica a data do evento, mas é provável que esse congresso tenha sido o II Congresso
Internacional Feminista, realizado em junho de 1931.
364
TORRES, 1939, p. 16.
365
TORRES, 1939, p. 16-17.
104

Entre as decisões desta Conferência, estavam as principais medidas que cabiam aos
governos e as que pertenciam às Sociedades de Assistência aos Lázaros. Conforme Octávio
Torres, essas definições foram determinantes para que as ações empreendidas pela iniciativa
particular e pública ficassem mais bem definidas e os recursos financeiros distribuídos e
empregados com maior exatidão.366 Também se defendeu que as atividades privadas deveriam
atender às necessidades específicas de suas localidades e desenvolver suas ações em
cooperação com o poder público. Nos casos em que não houvesse serviços públicos que
atendessem às especificidades relacionadas à lepra, as iniciativas filantrópicas poderiam
estender suas atividades, dentro dos dispositivos legais, a outras medidas sanitárias, desde que
fossem compatíveis com os seus meios de ação.367
Os filhos sãos dos doentes de lepra ganharam maior atenção com sociedades
vinculadas à FSALDCL – com destaque para o período em que Eunice Weaver ocupou a sua
presidência, a partir de 1935.368 Defendida como uma medida de profilaxia da lepra, a criação
e manutenção de preventórios369 se tornou uma de suas principais responsabilidades. Segundo
Leicy Silva, a construção das instituições preventoras nos diferentes estados se deu pela
Federação, cuja manutenção contava com subsídios públicos das esferas federal, estadual e
municipal, e com a intensa participação da população.370
Além de assistir aos filhos sadios dos doentes de lepra, também era dever e obrigação
das entidades assistenciais vinculadas à Federação:

b) assistencia às familias dos doentes internados; c) assistencia aos egressos


dos leprozarios, preventorios e dispensarios; d) assistencia social aos doentes
internados; e) assistencia aos doentes de lepra e suas familias sempre que
pela situação local, de accordo com a autoridade sanitaria, não sera possivel
a internação; f) cooperação com os poderes publicos na educação sanitaria
em relação à lepra, desde que não haja collisão com a orientação technica
das autoridades sanitarias; g) auxiliar ou crear centros de estudo e de
investigações sobre a lepra, assim como cooperar no tratamento dos doentes,
desde que haja articulares com serviços officiaes.371

366
TORRES, 1939, p. 17.
367
TORRES, 1939, p. 26.
368
SANTOS, 2011, p. 260-261.
369
Em teoria, os preventórios serviam como local responsável por acolher, criar e educar os filhos sãos dos
doentes de lepra. Todos os filhos considerados sãos de pais leprosos, independente se estes eram internos em
leprosário, em hospital colônia ou que não quis se internar, mas que não possuía meios de subsistência, poderiam
ser recolhidos nos preventórios. Segundo Octávio Torres, a permanência era garantida até os 21 anos e quando a
criança atingia a idade de 12, 13 ou 14 anos, era dado algum oficio na granja a fim de garantir-lhe a subsistência
ao deixar o preventório (TORRES, 1939, p. 26).
370
SILVA, Leicy Francisca da. Filantropia e política de assistência às famílias de doentes de lepra em Goiás,
1920-1962. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.2, abr.-jun. 2016, p.321-340, p.
328.
371
TORRES, 1939, p. 26.
105

Na Bahia, a federalização da SBCL resultou em diferentes serviços executados no


Leprosário D. Rodrigo José de Menezes. Sobre as ações empreendidas a partir da década de
1930, destacam-se pequenas construções para os doentes; instalações de água quente e fria, de
aparelhos para tratamento e diagnóstico de lesões especiais que acometiam os lázaros;
conclusão das instalações sanitárias; realização de oficinas; instalação de moveis específicos
para instituições do tipo leprosário; reestabelecimento da assistência religiosa, educativa e
musical; organização da banda de música “João Felix”, de um orfeão e de um grupo teatral;
promoção de festas religiosas, tradicionais, nacionais, e etc.372
Para a realização de ações profiláticas e de combate à lepra, como as que se tentou
empreender na Bahia, era necessário investimento em recursos financeiros e humanos, porém
a maioria dos estados federativos não possuíam verbas suficientes para o custeio de tal
empreendimento. Nesse sentido, a atuação de filantropos, de sacerdotes, das associações
religiosas ou leigas, e dos cidadãos e cidadãs em geral desempenhou importante papel na
assistência aos doentes de lepra.373
Em função das ações executadas pelas associações civis, muitos doentes de lepra
tiveram suas necessidades amparadas. Em diferentes estados do Brasil, as associações foram
responsáveis por fundar instituições para o isolamento de leprosos, melhorar as instalações
daquelas já existentes, amparar as famílias dos internos, proteger os filhos sãos, construir
preventórios e escolas profissionais, prestar assistência judicial e fazer propaganda higiênica.
Entre os estados que criaram leprosários a partir das associações assistenciais, ressaltam-se
aqui três casos: o do Ceará, sob o auxílio da Sociedade Promotora e Mantenedora do
Leprosário, em 1928; o do Acre, pela Sociedade Pró-Lazareto e o do Piauí, pela Associação
Beneficente, ambos no ano de 1931.374
Octávio Torres defendia que a atenção das iniciativas privadas para o combate à
lepra era superior à dos poderes públicos pois, para ele, as maiores “propagandas profiláticas”
que foram realizadas até então eram todas coordenadas pelas instituições particulares.
Entretanto, afirmou que, para desenvolver uma importante campanha de combate a lepra, era
indispensável a colaboração dos professores, a cooperação dos clínicos, a realização de
exames médicos com periodicidade, a repressão ao “charlatanismo”, o ensino da dermatologia

372
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 4.
373
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, p. 89.
374
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, p. 92-93.
106

e o aproveitamento da cooperação privada, esta última considerada de “máximo valor” para a


saúde pública.375
As ações desenvolvidas pelas entidades privadas serviram como um importante
apoio para a ação pública, mas, nas produções de Octávio Torres sobre a lepra, havia um
interesse insistente em divulgar o papel da primeira esfera. Provavelmente, esses registros
serviam como propaganda para as ações filantrópicas e para uma possível autopromoção,
dado que além de ocupar o serviço público – enquanto professor da FMB e diretor tanto do
Leprosário quanto da ILMV –, Octávio Torres também foi um dos protagonistas na
articulação das ações caritativas e filantrópicas voltadas aos leprosos e seus familiares, na
década de 1930.376
Um resultado da divulgação insistente sobre a importância da filantropia foi sua
indicação para integrar o Rotary Club da Bahia,377 associação que uniu integrantes das elites
soteropolitanas preocupadas com a prestação de serviços humanitários. Sobre esse
acontecimento, o próprio Octávio Torres considerou que foi convidado, provavelmente, por
influência da divulgação de suas ações enquanto diretor do Leprosário D. Rodrigo José de
Menezes nos jornais que circularam na cidade de Salvador e por ter seu nome associado à
questão da profilaxia da lepra na Bahia.378
A atuação do médico, entre as funções públicas e privadas, provavelmente incentivou
a participação de diferentes pessoas na campanha de profilaxia da lepra na Bahia. Nos
agradecimentos finais de uma conferência apresentada no Rotary Club da Bahia sobre o
combate a lepra, em 4 de abril de 1935, identificou-se que além da participação e incentivo do
presidente desta associação, também contribuíam com a causa da lepra “os demais
companheiros”.379 Porém, os integrantes do Rotary não eram os únicos preocupados com o
problema da enfermidade no estado, sendo possível afirmar que, neste período, houve a
ampliação do interesse social pelo tema.
Os agradecimentos do médico foram estendidos à Associação de Imprensa e a todos
os jornais; às autoridades eclesiásticas, civis e militares; às casas comerciais; aos professores
em geral; aos acadêmicos, principalmente os de medicina; e a todas as classes que o

375
TORRES, Octávio. O que se fez, o que se está fazendo, e o que se deve fazer sobre a Lepra na Bahia.
Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 4 de abril de 1935, p. 14-15.
376
TORRES, 1935, p. 15.
377
Ainda existente nos dias atuais, essa associação é vinculada ao Rotary International que atua como uma rede
global de líderes comunitários que buscam unir voluntários a fim de prestar serviços humanitários e promover
valores éticos e a paz em nível internacional. Cf. ROTARY, quem somos. Disponível em:
https://www.rotary.org/pt/about-rotary. Acesso em: 26 de fev. 2022.
378
TORRES, 1935, p. 3.
379
TORRES, 1935, p. 15.
107

auxiliavam naquela “árdua tarefa”. Sob o caráter moral, material ou de “outra natureza”, esses
auxílios eram prestados diretamente ao Leprosário por intermédio da SBCL ou por
terceiros.380
O auxílio oferecido por particulares, em favor dos lázaros da Bahia, se constituía em
parte de uma prática de assistência desenvolvida há muito, pelos integrantes das elites
soteropolitana. Segundo Christiane Souza, ainda que neste período as políticas sociais fossem
consideradas como um instrumento de penetração do poder público no território nacional, as
unidades de saúde mantidas por particulares eram quase o dobro das mantidas pelos poderes
públicos na Bahia. Nesse sentido, as parcerias entre a iniciativa privada e os órgãos
governamentais ampliaram a oferta de serviços de saúde no estado, uma vez que as verbas
públicas não eram suficientes para atender à demanda.381
A presença de Octávio Torres nas funções públicas e privadas se assemelhava ao
perfil de outros médicos daquele contexto. Ao analisar as transformações da assistência à
infância na Bahia, Luiz Otávio Ferreira e Lidiane Monteiro Ribeiro citam o exemplo de
Martagão Gesteira, que ocupou concomitantemente o cargo de inspetor (1923-1930) do
Serviço de Higiene Infantil, um órgão normativo e fiscalizador dos serviços de assistência à
infância, e o de diretor (1923-1935) da Liga Baiana Contra a Mortalidade Infantil, instituto de
assistência modelar, cuja atuação seguia os padrões estabelecidos pelas normas federais.
Segundo os autores, as ações da liga e do órgão público se misturavam, por Martagão
Gesteira transitar entre os serviços públicos e as ações privadas.382
A articulação de Octávio Torres com as elites soteropolitanas, durante a década de
1930, contribuiu para a intensificação das ações filantrópicas e caritativas no Leprosário. De
forma individual ou pela SBCL, pessoas como o secretário de polícia, Capitão João Facó, e o
secretário de agricultura, Álvaro Navarro Ramos, forneciam materiais para novas construções
e reformas inadiáveis.383

380
TORRES, 1935, p. 15.
381
SOUZA, 2015, p. 262.
382
RIBEIRO, Lidiane Monteiro; FERREIRA, Luiz Otávio. Medicina e filantropia contra o abandono
institucionalizado: transformações da assistência à Infância na Bahia (1923-1935). In: SANGLARD et al.
(Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV
editora, 2015. p. 250. Os autores também discutem essa questão em FERREIRA, Luiz Otávio; RIBEIRO,
Lidiane Monteiro. Entre a assistência e a higiene: saúde pública e infância no Rio de Janeiro e na Bahia (1921-
1933). In: SANGLARD, Gisele (Org.). Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de
Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.
383
TORRES, Octávio. Leprosário D. Rodrigo José de Menezes: ao leitor. Bahia, 1935. In: TORRES, Octávio.
Relatório da Inspectoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934. Apresentado pelo dr. Octavio
Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D. Rodrigo José de Menezes. Bahia,
1936a, p. 2.
108

Como demonstração da ampla atuação social sobre a questão da lepra, também foram
observados os serviços realizados pela gestão municipal que, mesmo se considerando despida
de obrigações, se empenhou nas obras de melhoramento do Leprosário. O prefeito da capital
baiana, José Americano da Costa (1932-1937), atuou nas obras de alargamento da estreita
viela na frente do Leprosário, construiu parte do muro e instalou os portões, garantiu o
calçamento com paralelepípedos e embelezou os arredores da referida instituição até o
Cemitério da Quinta dos Lázaros.384 As figuras 11, 12 e 13 apresentam parte desse processo.

Figura 11 – Reforma da entrada do Hospital.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

384
TORRES, 1936a, p. 2-3.
109

Figura 12 – Portão primitivo, construção do novo portão e alargamento da rua, 1931-1934

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Figura 13 – Obras e melhoramentos: aterro, alargamento, construção de muro e etc.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.


110

Torres agradeceu às ações empreendidas pela prefeitura de Salvador, ao mencionar a


boa vontade do poder público sempre que ele precisava tratar de questões relativas à
profilaxia da lepra e dos interesses da SBCL. Ele demonstrou existir articulação entre as ações
públicas e privadas em prol da assistência aos leprosos na Bahia. Sobre este registro, enfatiza-
se aqui:

Embora sem obrigação por parte da Prefeitura para muitas obras já


realizadas, todas ellas representam o interesse e a bôa vontade do Dr. José
Americano da Costa, em prestar um relevante serviço ao bem público e aqui
deixamos os nossos imperecíveis agradecimentos, não só pela attenção
prestada por Sua Excia. ao nosso pedido, na reforma de toda a zona em volta
do Leprosário, como também pela solicitude com que somos recebidos todas
as vezes, que, como representante da Sociedade Bahiana de Assistencia aos
Lazaros, temos procurado o Snr. Prefeito ou o seu Illustre Secretario Dr.
Armando Carneiro da Rocha, para tratar de questões relativas à Prophylaxia
da Lepra e também de interesse da benemérita Sociedade acima referida.385

Se esse episódio for comparado ao protagonizado pelo secretário da Comissão


Rockefeller, Henry Morris, analisado no capítulo anterior, percebe-se a disparidade nas
concepções sobre a atuação filantrópica e caritativa nas décadas de 1920 e 1930. Conforme a
matéria do A Tarde, em 7 de janeiro de 1924, a doação do filantropo inglês, no valor de três
contos, destinada a aquisição de alimentos para os leprosos, foi devolvida pelo administrador
que afirmou nunca ter faltado alimento aos internos daquela instituição.386
Diferente do contexto observado na década de 1920, em que o poder público se
impôs como grande responsável pelos serviços de assistência aos leprosos, a atuação de
Octávio Torres, enquanto diretor do Leprosário e da ILMV, alterou a forma como as ações
assistenciais eram entendidas e desenvolvidas. Foi a partir de 1931 que as ações caritativas e
filantrópicas se tornaram mais frequentes na instituição, que antes era alvo de denúncias
motivadas pelas condições precárias, distante dos padrões sanitários desejados.
No âmbito nacional, a assistência passava por transformações devido às mudanças na
relação entre o poder público e a iniciativa privada. No que diz respeito à Bahia, Lidiane
Ribeiro considera que a contribuição mais relevante do governo para as obras de assistência
social foi a organização da Federação das Obras de Proteção e Assistência Social (FOPAS),
criada pelo decreto nº 8.889, em 10 de abril de 1934.387

385
TORRES, 1936a, p. 3.
386
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
387
RIBEIRO, Lidiane Monteiro. Filantropia e assistência à saúde da infância na Bahia: a Liga Baiana contra
a mortalidade infantil, 1923-1935. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, Rio de Janeiro, 2011, p. 102-103.
111

Apresentada como uma sugestão ao interventor federal, Juracy Magalhães, a


proposta que resultou na criação da Federação surgiu pela iniciativa dos integrantes da SBCL
que, em conjunto com outras pessoas dedicadas à assistência aos necessitados e doentes,
reclamaram formas de angariar recursos para desenvolver obras sociais. Inicialmente, a ideia
era criar um órgão que orientasse e auxiliasse pecuniariamente as instituições assistenciais, a
partir do produto de uma taxa cobrada pelos municípios.388
Orientada por um Conselho Central com 11 membros, e presidida pelo Secretário de
Estado do Interior, Justiça, Instrução, Saúde e Assistência Pública, a FOPAS era responsável
pelo custeio das necessidades das instituições federadas, conforme a finalidade de cada uma, e
por emitir parecer sobre os orçamentos anuais. Por intermédio de uma seção administrativa,
os auxílios eram direcionados para todas as instituições de beneficência social, independente
de pertencerem ao estado, ao município ou à iniciativa privada.389 Sua principal fonte de
renda era o produto da taxa de 100 reis por quilo de carne verde de bovinos, suínos, caprinos
ou ovinos abatidos no estado.390 A partir dessa verba, os serviços de amparo a todas as
instituições federalizadas foram custeados e, como citou Octávio Torres em relatório da
ILMV no ano de 1934, ia sendo construído o novo pavilhão da Maternidade, o Hospital S.
João de Deus, dado auxílio ao Hospital das Clínicas e ao Hospital de Pronto Socorro. Havia a
expectativa de construção de “um grande pavilhão” no Leprosário D. Rodrigo José de
Menezes.391
Os quadros abaixo, elaborados por Ricardo Batista, demonstram a extensão das
subvenções realizadas com o apoio da FOPAS, em 1938, período que excede a temporalidade
desse estudo, mas que oferece um panorama da subvenção pública ao privado. Numerosas
instituições recebiam subvenções provindas da cota de 45% da taxa de matança do gado no
estado da Bahia e outras da cota de 1% sobre a renda bruta dos municípios392:

Quadro 4 – Subvenções do ano de 1938, verba 45%.

Instituições subvencionadas pela verba de 45%


Santa Casa de Misericórdia de Itabuna 7:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Cachoeira 5:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Maragogipe 2:500$000
Santa Casa de Misericórdia de Conquista 8:000$000

388
AZEVEDO, Thales. Relatório sobre a fundação, atividade e situação atual do Conselho de Assistência
Social, 1934-1938. Apresentado pelo dr. Thales de Azevedo ao exm. sr. dr. Isaias Alvez, D.D. Secretário de
Educação e Saúde, em 21 de setembro de 1938, p. 1.
389
AZEVEDO, 1938, p. 01.
390
AZEVEDO, 1938, p. 04.
391
TORRES, 1936c, p. 42.
392
BATISTA, 2017.
112

Santa Casa de Misericórdia de Belmonte 7:000$000


Santa Casa de Misericórdia da Capital 40:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Ilhéus 8:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Alagoinhas 7:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana 6:000$000
Santa Casa de Misericórdia de São Félix 2:500$000
Santa Casa de Misericórdia de Esplanada 3:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Juazeiro 5:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Nazaré 7:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Amargosa 3:500$000
Santa Casa de Misericórdia de Valença 3:000$000
Santa Casa de Misericórdia de Bonfim 4:000$000
Fundação Santa Luzia 5:000$000
Sociedade São Vicente de Paulo de Maragogipe 1:000:000
Abrigo do Salvador 15:000$000
Hospital nossa Senhora das Vitórias de Santo Amaro 6:000$000
Assistência a Indigentes de São Gonçalo 3:500$000
Asilo de Mendicidade 15:000$000
Leprosário D. Rodrigo de Menezes 12:000$000
Sociedade Baiana de Combate á Lepra 10:000$000
Sociedade São Vicente de Paulo de Morro do Chapéu 1:000:000
Hospital Juliano Moreira 12:000$000
Asylo do Bom Pastor 10:000$000
Associação de Senhoras da Caridade de Caetité 1:000$000
Instituto dos Cegos 10:000$000
Sociedade São Vicente de Paulo da Capital 8:000$000
Sociedade São Vicente de Paulo da Capital 4:000$000
Instituo dos Cegos 5:000$000
Cruzada pelo Bem 7:000$000
Total 237:000$000
Fonte: Batista (2017, p. 198).

Quadro 5 – Subvenções do ano de 1938, verba 1%.

Instituições subvencionadas pela verba de 1%


Asilo Nossa Senhora de Lourdes de Feira 5:000$000
Maternidade Santo Amaro 10:000$000
Instituto de Proteção e Assistência à Infância 20:000$000
Lyceu Salesiano do Salvador 9:000$000
Colégio Nossa Senhora do Desterro 12:000$000
Asilo dos Humildes de Santo Amaro 10:000$000
Asilo Filhas de Anna de Cachoeira 5:000$000
Colégio Nossa Senhora do Salete 5:000$000
Asilo Conde Pereira Marinho 4:000$000
Casa Pia e Colégio dos Órfãos São Joaquim 12:000$000
Associação Devotos de Santo Antônio 1:200$000
Associação de Senhoras da Caridade 6:000$000
Instituto São José 2:400$000
Liga Baiana Contra a Mortalidade Infantil 30:000$000
Maternidade Climério de Oliveira 20:000$000
Escola de Puericultura 38:000$000
Postos no Interior – Expediente 4:400$000
Postos no Interior – Fiscalização 3:000$000
Postos de Alagoinhas e Santo Amaro 12:000$000
Lactários de Castro Alves e Itabuna – Eventuais 24:000$000
Total 234:000$000
Fonte: Batista (2017, p. 199).
113

Ainda no ano de 1934, com a distribuição das quotas às diversas instituições


federadas, o Leprosário recebeu a quantia de 47:000$000, que ficou guardada no Banco do
Brasil à disposição do seu diretor. Entretanto, o uso da verba dependia da aprovação de um
plano, previamente julgado pelo diretor do Departamento de Saúde Pública, e que só era
iniciado após passar pelo Conselho da Federação, mesmo nos casos em que os melhoramentos
fossem urgentes.393
Ainda que existissem pequenos empecilhos, as evidências destacadas até aqui
possibilitam afirmar que o público e o privado atuaram juntos em benefício das ações de
assistência voltadas aos leprosos na Bahia. Nesse processo, o papel da SBCL foi
imprescindível e os resultados notáveis. O Leprosário D. Rodrigo José de Menezes,
funcionava na mesma estrutura apresentada como “decadente” em diversas situações na
década anterior, mas com as reformas efetuadas com o apoio da filantropia, passou a oferecer
maior conforto e outros serviços para os doentes internados, a partir de 1931, como será
apresentado na próxima seção deste capítulo.

“[...] Uma andorinha só não faz verão”: medicina e filantropia no Leprosário D. Rodrigo
José de Menezes

Octávio Torres assumiu a direção do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes em um


contexto de reforma das políticas sanitárias na Bahia e de conflitos políticos em nível
nacional, motivados pelas pelo movimento político-militar que levou Getúlio Vargas ao
poder, em 1930. Entre outros fatores, a diversidade de forças que se aliaram durante o
processo revolucionário culminou em um período marcado por grande instabilidade,
motivado pelo novo quadro de relações que se desenhou com a recomposição dos interesses
político-econômicos e pela necessidade de definir um papel para o Estado.394
Os diferentes interesses e a disputa por maior influência junto ao Governo Federal
marcou tanto o período compreendido pelo Governo Provisório (1930-1934) como o período
constitucional (1934-1937). As discordâncias influenciaram a prática política do período, bem
como o campo ideológico. Os debates entre centralização e federalismo foram a síntese das

393
TORRES, 1936c, p. 42.
394
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Saúde no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um
bem público. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, p. 32.
114

divergências básicas entre dois grupos: os tenentes, que defendiam um modelo de Estado
nitidamente centralizador e intervencionista; e os oligárquicos que, em apoio ao federalismo,
buscavam manter a autonomia estadual e restringir a interferência da União.395
Na Bahia, o movimento de 1930 não teve apoio das elites dirigentes locais, contrárias
a quaisquer ideias que pudessem ameaçar a ordem estabelecida, ou desviá-las dos rumos da
legalidade garantidora do seu poder. Porém, a “revolução” não esteve totalmente “ausente”.
Alguns integrantes do grupo seabrista, que fazia oposição ao governo estadual desde 1924,
quando perdeu o poder para o grupo calmonista, divulgaram a campanha na Bahia.396 O
rápido desenrolar dos acontecimentos, com a tomada de poder pelos militares, influenciou no
recebimento de telegramas em várias partes do estado, notas em periódicos como o A Tarde e
manifestações populares em favor da vitória da “revolução”.
A ruptura política de 1930 marcou o início de um conturbado processo de
reorganização dos serviços e órgãos públicos. Como resultado, os dois primeiros interventores
na Bahia, nomeados por Getúlio Vargas, Leopoldo Afrânio do Amaral e Artur Neiva, não
conseguiram permanecer no cargo.397 Foi apenas com a indicação do tenente Juracy
Magalhães, para assumir a interventoria da Bahia em agosto de 1931, que o quadro mudou.
Mesmo com a forte rejeição das forças políticas baianas que se uniram em resistência ao
poder central, Magalhães permaneceu no cargo até novembro de 1937.398
As principais ações públicas do regime que se instaurou em 1930 e findou em 1945,
foram norteadas pelas ideias de centralização política e administrativa, praticadas pelo
controle político e extensão da proteção social, com intenção de alcançar todo o território
nacional. Segundo Hochman, tal empreendimento buscava integrar as esferas federal, estadual
e municipal com o objetivo de construir um projeto político-administrativo mais unificado.399
Entre as mudanças operadas nos serviços públicos de saúde, surgiram o Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP) e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
(MTIC).400 Esse arranjo, organizado pela discriminação dos serviços, funcionou como um
marco para as políticas assistenciais e contribuiu para a construção de dois formatos
institucionais diferenciados pela forma de inclusão social e acompanhados por concepções

395
FONSECA, 2007, p. 34.
396
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na Primeira República: uma política de
acomodação. Salvador, Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 222-225.
397
O primeiro esteve apenas três meses, enquanto o segundo ficou por cinco meses.
398
BATISTA, 2017, p. 168-171.
399
HOCHMAN, Gilberto. Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930-1945). Educar, Curitiba,
n. 25, p. 127-141, 2005. p. 129.
400
FONSECA, 2007, p. 26-27.
115

diversas sobre o direito à saúde.401 Criado em novembro de 1930, o MESP acompanhou as


oscilações políticas do período. Sucessivas mudanças no comando do Ministério foram
frequentes até 1934, quando Gustavo Capanema assumiu a direção.402
O quadro de instabilidade havia impactado as ações de combate à sífilis e à lepra,
desarticuladas após a extinção dos Serviços de Saneamento Rural, responsáveis por coordenar
a IPLDV. Como resultado da suspensão dos Serviços de Profilaxia Rural, o governo baiano se
recusou a assumir provisoriamente a chefia dos serviços sanitários, ao mesmo tempo em que a
interrupção do financiamento da União contribuiu para o atraso dos salários de funcionários
da saúde e para a falta do material de trabalho. Além de encerrar os serviços, a reforma
sanitária de 1931 interferiu diretamente na relação paciente/tratamento, pois modificou a
geografia dos postos sanitários e parte das práticas para o controle da sífilis.403
Em alguns casos, nesse contexto, foi a atuação das associações filantrópicas que
permitiu a continuidade no funcionamento de serviços públicos, como, por exemplo, as
atividades desenvolvidas no Dispensário Ramiro de Azevedo, mantido em funcionamento
pela Liga Baiana Contra a Tuberculose no atendimento a mais de 20 mil pessoas que
dependiam dos seus serviços.404
No contexto de desarticulação dos serviços públicos, incluídos os da lepra, a atuação
médico-filantrópica se instituiu no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, haja vista as
intervenções caritativas e filantrópicas mais frequentes a partir de 1931. Ao comentar sobre a
propaganda de combate à lepra e de educação sanitária, em relatório publicado em 1936,
Octávio Torres afirmou que houve “grande incremento” após a fundação da SBCL. Segundo
ele, por influência da referida sociedade, bem como da de tuberculose e das Ligas de Higiene
Mental, muitos conselhos de higiene eram anunciados nas “folhinhas diárias”.405
A SBCL realizou reformas nas instalações físicas do leprosário, que contribuíram
para uma melhor higiene dos internos, em continuidade às concluídas pelo poder público em
1930. Insistente sobre o que precisava ser melhorado e o que já havia sido feito no prédio,
Torres informou que fez: “[...] emfim, modificações em tudo que lá existia, com o pomposo

401
Como afirmou Fonseca (2007, p. 26-38), a atuação desses dois Ministérios no campo da política de saúde,
durante a década de 1930, apresentou diferenças porque os atores, a conformação de interesses e as disputas
políticas eram diversos e peculiares a cada um dos órgãos. Tal arranjo conduziu diferentes políticas sociais de
saúde, que, por sua vez, geraram padrões de inclusão também distintos. Enquanto o MTIC favorecia aqueles
inseridos no mercado de trabalho, o MESP foi um modelo de política voltado à população rural e urbana que se
encontrava a margem do mundo do trabalho formal.
402
HOCHMAN, 2005, p. 129-130.
403
BATISTA, 2017, p. 174-175.
404
BATISTA, 2017, p. 175.
405
TORRES, 1936c, p. 59.
116

nome de Leprosario D. Rodrigo José de Menezes – e que não era mais do que um simples
deposito de doentes”.406 Como diretor da instituição desde 1931, ele chamou a atenção para o
problema das latrinas dos banheiros, já que, com a reforma do Governo Vital Soares, foram
instaladas apenas três latrinas turcas, localizadas próximo à enfermaria masculina.
O restante das instalações sanitárias do Leprosário foi descrito como algo “muito
deficiente e muito primitivo”, situação ilustrada pela Figura 14. Construídos de forma
provisória entre os anos de 1914 e 1915, os banheiros e as latrinas não eram obras definitivas,
já que a intenção do Diretor Geral de Saúde Pública do Estado no período, Gonçalo Moniz
(1914-1921), era transferir o Hospital dos Lázaros para outro local, distante do centro urbano.
Como já analisado, ele defendia, ainda em 1920, a transferência da instituição e, por este
motivo, realizou a intervenções mínimas nas instalações físicas do Hospital. Isto, também, sob
a justificava de que a lepra era uma doença “rara” no estado baiano.407

Figura 14 – Latrinas construídas em 1914.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra. s.d.

Ao confrontar as informações apresentadas por Octávio Torres, em seu relatório


sobre as ações desenvolvidas no Leprosário no ano de 1934 e a notícia do jornal A Tarde,

406
TORRES, 1936c, p. 5.
407
MONIZ, 1922, p. 353.
117

que divulgou a inauguração da reforma em 1930, analisada no capítulo 2, foi possível


perceber que, diferente do que a reportagem noticiou, a instituição não foi alvo de uma
“completa reforma e remodelação”, a fim de atender “rigorosas prescrições higiênicas do
período”. Isso sugere, mais uma vez, o uso do periódico como um meio para enaltecer os
feitos da administração política daquele momento.
Ao confirmar que foram instaladas apenas três latrinas turcas, Torres acrescentou que
a enfermaria das mulheres continuou com estruturas inconvenientes, existentes desde 1914.
Fotos dessas instalações sanitárias, como as Figuras 14, 15, 16, 17 e 18, do álbum da
SBCL,408 também contribuem para conhecer a situação em que o Leprosário se encontrava em
meados de 1931.

Figura 15 – Latrinas e banheiros das mulheres.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

408
Algumas fontes se referem ao nome da Sociedade de formas diferentes, como: “Sociedade Bahiana de
Assistência aos Lázaros”, “Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”, “Sociedade
Bahiana e Defesa Contra a Lepra” ou “Sociedade Bahiana de Combate à Lepra”. A última é a mais recorrente
nas documentações, por isso adotarei essa nomenclatura toda vez que for necessário me referir à Sociedade
filantrópica. Criada em 1932, ela assumiu papel importante para o desenvolvimento de ações voltadas aos
leprosos e seus filhos nos anos subsequentes.
118

Figura 16 – Leoncio tomando banho, em 1931.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Figura 17 – Banho de doentes leprosos, em 1931.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.


119

Figura 18 – Leprosa tomando banho, em 1931.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

As fotos do álbum da SBCL demonstram outra realidade, distante de “um serviço


perfeito” como foi afirmado pelo redator A Tarde.409 A Figura 15, por exemplo, apresenta
aspectos interessantes para entender a higiene pessoal dos doentes e o local destinado a esse
serviço, com destaque as pedras e bacias apresentadas na imagem.
Ao total são cinco pedras no chão: duas do lado direito, uma delas encostada na porta
de uma das latrinas/banheiros e três do lado esquerdo da imagem, localizadas entre as bacias e
a porta aberta. Uma delas está segurando um dos lados da porta. A quantidade de pedras
sugere que, provavelmente, algumas portas não possuíam trancas e a única forma de mantê-
las fechadas era usando um objeto como apoio. Além das pedras, a quantidade de bacias
chama a atenção, na Figura 15: duas encostadas na parede esquerda e um amontoado de
bacias mais ao fundo, embaixo de um varal com roupas bancas, utilizadas para o asseio dos
leprosos, como pode ser observado nas Figuras 16, 17 e 18, que mostram cenas do banho dos
internos em meados de 1931.
As condições de higiene pessoal dos leprosos em instituições era tema recorrente
desde o decreto nº 14.354, de 15 de setembro de 1920, que regulamentou a criação do DNSP
e estabeleceu diretrizes para a IPLDV, especialmente no Art. 396, que determinava como
409
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
120

condição essencial a manutenção de “rigoroso asseio corporal”.410 Porém, as Figuras 16, 17 e


18, bem como as 14 e 15, indicam que, mesmo com a inauguração de 1930, as condições do
então Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, estavam longe do padrão de higiene esperado.
Além das precárias condições da estrutura física dos espaços voltados para os serviços de
higiene pessoal, não havia privacidade.
Esses registros mostram a precariedade no asseio dos internos que, além de realizar o
procedimento em bacias, compartilhavam o local com outros internos. As Figuras 16, 17 e 18
mostram o mesmo ambiente, que pode ser observado melhor nas Figuras 16 e 17 pela
localização das bacias, do banco, da porta e dos objetos cilíndricos no canto da parede – estes
últimos, provavelmente, eram parte do material utilizado na reforma que o prédio sofreu. Já
em relação à Figura 18, o elemento mais evidente e que torna possível a suposição de que os
banhos aconteciam no mesmo ambiente foram os azulejos das paredes, iguais aos das duas
figuras mencionadas anteriormente.
Não foi possível identificar, com exatidão, qual era o cômodo utilizado para o asseio
dos doentes, mas provavelmente se tratava da rouparia ou qualquer outra área de fácil acesso
à água. A pia no canto direito, ao fundo da Figura 17, indica essa possibilidade. A tubulação
saía do canto esquerdo da parede, passava por cima da porta em direção ao lado direito da
imagem e descia para as torneiras. Na mesma figura, próximo à pia, existe uma pessoa vestida
de branco, inclinada como se estivesse utilizando-a quando a foto foi registrada. Outro
elemento que chama a atenção nas imagens é a presença predominante de homens, o que
sugere a possibilidade de divisão de gênero no momento de asseio, ou mero acaso, já que,
neste período, o número de homens era maior do que o de mulheres internadas no
leprosário.411
Com a intenção de “modernizar” as instalações existentes, ficou estabelecido um
plano para construção de banheiros e latrinas nos dois pavimentos do Leprosário, durante a
diretoria do professor Almir de Oliveira, entre os anos de 1930 e 1931, o que só foi realizado
pela SBCL. Além da comunicação direta com a enfermaria das mulheres e com a enfermaria
dos homens, o plano determinava que:

[...] os esgotos das latrinas vão ter a uma grande fossa, onde as fézes e urinas
passarão por um processo de depuração biológico e dahi são lançadas na
valla, que corre no fundo do Hospital. As águas dos banheiros e dos lavabos,
misturadas com sabão e não podendo ir ter à mesma fóssa serão recolhidas
em um grande tanque dahi passam em uma grande caldeira, onde serão
410
BRASIL, 1920b.
411
Em dezembro 1931, eram 20 homens e 14 mulheres (TORRES, 1936c, p 12).
121

fervidas durante 30 a 40 minutos e depois lançadas na valla acima


referida.412

Segundo Octávio Torres, em 1934, havia ainda o “perigo” do destino das fezes,
urinas, outros dejetos e das águas utilizadas no banho. Isto, por sua vez, caracterizava as
instalações sanitárias como “[...] um dos problemas mais importantes [...]”.413 A execução do
plano proposto por Almir de Oliveira foi iniciada em 1932, mas devido às dificuldades
administrativas e, em consequência da falta de verbas, foi suspensa por ordem superior em
dezembro de 1933. A suspensão interrompeu o acabamento das obras que, mesmo
inconclusas, foram entregues à administração do Leprosário: 8 banheiros, 8 latrinas turcas, 8
banheiros de chuveiro, 1 fossa para depuração biológica e 8 lavabos.414 A Figura 19 é um
exemplo das latrinas construídas nesse contexto, o que revela uma grande diferença em
relação ao que existia antes, se comparada com a Figura 14.

Figura 19 – Latrina turca, 1932.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Ainda referente à conclusão das obras, paralisadas em 1933, Octávio Torres, diretor
da instituição desde 1931, informou que havia “urgência” em proporcionar enfermarias mais
“higiênicas” e conforto aos doentes. Assim, ficou estabelecido em acordo com os integrantes

412
TORRES, 1936c, p. 6.
413
TORRES, 1936c, p. 6.
414
TORRES, 1936c, p. 7.
122

da diretoria da SBCL, que os seus cofres custeariam o término da reforma. Em virtude desta
intervenção foram instalados chuveiros, porta-saboneteiras, porta-toalhas, tamboretes,
espelhos, cantoneiras, suporte para papel higiénico e finalizadas as obras de canalização. No
entanto, ainda faltaram “pequenas coisas” para concluir a obra, o que foi feito “pouco a
pouco” no decorrer do ano de 1934, como afirmou Torres: “[...] a medida das nossas
possibilidades”.415
A Figura 20 mostra parte desses resultados, pois apresenta instalações sanitárias e
acabamentos do banheiro, realizados pela SBCL, entre 1934 e 1935. Mais uma vez as fotos
encontradas no álbum da Sociedade tornam-se fontes centrais para perceber as mudanças
estruturais em que o Leprosário sofreu a partir das intervenções realizadas pela ação
filantrópica.

Figura 20 – Instalações sanitárias e banheiros terminados pela Sociedade Bahiana de Combate à


Lepra (1934-1935).

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Como apresentado na Figura 20, mesmo depois das intercorrências que resultaram
em reformas inacabadas, paralisação das obras e necessidade de intervenção por parte da
filantropia, as instalações do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes sofreram
melhoramentos importantes. Se compararmos essas mudanças com os registros das figuras
415
TORRES, 1936c, p. 7.
123

15, 16, 17e 18, é possível afirmar que as práticas de asseio e a privacidade melhoraram
significativamente a partir de 1934. Conforme a Figura 20, os doentes passaram a desfrutar de
banheiros individuais com chuveiro, além de pias, espelhos e prateleiras coletivas para
organizar os objetos como sabonete, esponja e outros utensílios utilizados na higienização de
seus corpos. Esta era uma situação diversa da vivida pelos enfermos durante a década de
1920.
Entre as construções realizadas a partir dos cofres da SBCL, destacam-se o pavilhão
para isolamento de um doente leproso considerado louco, um posto de observação para
doentes suspeitos; dois quartos completos para enfermeiro e empregados; concerto dos
passeios; plantio de árvores; instalação de 12 bancos de mármore; construção de coreto para
banda de música e instalação de rádio; construção de um grande pavilhão de diversão, com 23
metros de comprimento e 9 de largura, coberto de zinco e cercado por grades de ferro, e se
instalaria um aparelho de bilhar, oferecido por Anísio Massorra, com diversos jogos para
distração.416 Parte dessas construções podem ser observadas na figura 21:

Figura 21 – Coreto e pavilhão de diversões. Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros, 1934-
1935.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

A SBCL também era responsável pela contratação de alguns funcionários e desejava,


assim que fosse possível, oferecer aulas primárias e inaugurar uma biblioteca que já estava em
montagem. Outra ação que causou mudanças significativas na instituição foi a criação das

416
TORRES, 1936c, p. 51-52.
124

oficinas de barbeiro, de costura, de carpinteiro, de sapateiro e a instalação de um galinheiro


com mais de 100 galinhas e 60 patos.417 Serviços importantes que visavam manter os doentes
ocupados e vinculados a determinadas funções, exercendo um trabalho que, em parte,
retornou em benefício à própria instituição, conforme pôde ser observado.
Sobre a oficina de barbeiro, ilustrada na Figura 22, foi instalada e inaugurada em
maio de 1933, durante a “Semana da Bondade” e na mesma data de comemoração das
Sociedades de Assistência aos Lázaros. Segundo o relatório das atividades no Leprosário em
1934, a oficina foi montada com o que era necessário em uma barbearia e nada faltou, entre os
diversos materiais: cadeira própria para os diversos trabalhos da oficina, pó de arroz, talco,
óleo, pulverizador para barba, navalhas, tesouras, pentes e escovas, papel higiênico para
limpar a navalha, espumeira, pincel para barba.418

Figura 22 – Barbearia, 1933. Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Em 1933, foram 219 cortes de cabelo, somados os cortes em homens e mulheres, 453
barbas e, no ano de 1934, 282 cortes de cabelo e 493 barbas. O barbeiro que atuou a frente
dessa oficina se chamava Rosendo, um leproso que aprendeu o ofício no próprio Leprosário.

417
TORRES, 1936c, p. 51-52.
418
TORRES, 1936c, p. 45.
125

Além deste serviço, Rosendo também atuou no galinheiro e no auxílio ao enfermeiro, bem
como o substituindo quando necessário. Ele sabia fazer curativos e aplicar injeções.419
A oficina de sapateiro (Figura 23) surgiu a partir das dificuldades financeiras e da
impossibilidade de fornecer “sapatos de tranças” para os doentes, em 1933. Foi criada por
dois doentes internos, Álvaro e Domingos, ambos sapateiros, que forneceram todo o material
e ferramentas, mesa de sapateiro, máquina, uma coleção completa de fôrmas, pregos e outros
materiais a fim de fabricar os calçados necessários a seus companheiros. Inaugurada no
mesmo dia das outras oficinas, ofereceu serviços relevantes. Em 1933, foram produzidos 40
pares de sapato, 9 pares de alpercatas, uma sapatilha e 4 pares de chinelos, além de cintos, 14
talabartes e 4 correias, tudo representando, na “melhor das hipóteses”, um cálculo mínimo de
preços correntes 1:552$000.420

Figura 23 – Oficina de Sapataria, 1933-1934.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Como nas outras duas oficinas, a de carpintaria (Figura 24), foi criada em 1933 e
ficou sob a coordenação de um interno. Conforme descrição do próprio relatório, Luiz era um
bom carpinteiro e tudo necessário para o seu trabalho lhe foi dado. A oficina foi organizada
com uma coleção de ferramentas, banco de carpinteiro e diversos materiais, alguns cedidos
por almoxarifados e madeiras compradas pela SBCL. Nessa oficina foram construídos mais

419
TORRES, 1936c, p. 45.
420
TORRES, 1936c, p. 46.
126

de 70 tamboretes, todas as mesas do refeitório, mais de 15 estantes, armários, consolos para


capela, lastros de camas, cadeira com estiado para o maestro, bancos pequenos para os
companheiros, caixões para plantas, outros pequenos móveis e concertos de pequenas coisas,
pequenos calços de madeiras para todas as janelas etc.421
A relação entre o isolamento de leprosos e o exercício de algum trabalho era pautada,
desde o surgimento da IPLDV, na década de 1920, com ênfase no isolamento em instituições
do tipo colônia capaz de oferecer melhores condições para tal interesse. 422 Porém, na Bahia,
isso só ocorreu a partir das intervenções da SBCL. Além das oficinas, também havia doentes
que trabalhavam na cultura de hortaliças e, ainda, os que criavam alguns animais. Conforme é
possível identificar na Figura 25, doentes colhiam vegetais e, na Figura 26, alimentavam as
galinhas no galinheiro.

Figura 24 – Oficina de Carpinteiro, Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros, 1933.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

421
TORRES, 1936c, p. 46.
422
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
127

Figura 25 – Colheita de vegetais, feita por doentes isolados no Leprosário.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Figura 26 – Doentes alimentando galinhas no galinheiro do Leprosário.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

A criação de animais, como carneiro e as galinhas, produziu alimento para os


próprios internos do Leprosário. Entre os produtos oriundos dessas atividades, já haviam sido
consumidos cerca de 156 galinhas, 28 patos, 8 carneiros e 1586 ovos. Esses trabalhos, bem
128

como o incentivo por parte da instituição, foram justificados como passatempo para os
doentes, a fim de serem estimulados e não ficarem em ociosidade, propensos “aos vícios e a
indisciplina”. Conforme o relatório de 1934, o trabalho atraía bons resultados, construindo na
regressão do “mal” com maior rapidez.423
A atuação voltada aos lázaros na Bahia, em conjunto com a iniciativa privada, não
ficou restrita às obras realizadas no Leprosário e ações mais gerais contra o desenvolvimento
da lepra foram realizadas. Entre os diferentes trabalhos executados, foram citadas a
divulgação e a publicação de pequenos “clichés” nos jornais e notícias que orientavam sobre a
importância do diagnóstico e da descoberta dos casos em estágio inicial; do valor do
tratamento oferecido por profissionais, bem como da necessidade do isolamento dos casos
avançados e contagiantes; e da necessidade do exame regular nas pessoas que conviveram
com leprosos ou tiveram contato prolongado com um doente de “lepra aberta”.424
Além do interesse educativo sobre a lepra, as publicações nos periódicos que
circulavam na cidade de Salvador serviram para divulgar e agradecer pelas festas, concertos e
representações feitas em benefício dos cofres da SBCL, conforme a edição de 15 de maio de
1935 do O Imparcial, que tratou sobre o segundo dia da “Semana da Bondade”. Nesta
ocasião, membros da diretoria da Sociedade e “pessoas de destaque”, como Amphrisia
Santiago, Maria José de Paula Laert, Paula Mendonça e Mario Laert, visitaram o Leprosário
D. Rodrigo José de Menezes. Os alunos do terceiro ano de medicina da FMB também
estiveram presentes e o acadêmico Carlos Féra aproveitou para homenagear Octávio
Torres.425
A quantia de 64$800 foi entregue para o Leprosário e a “senhorinha” Maria José de
Paula presenteou as crianças doentes com doces e brinquedos, em nome dos alunos do
Colégio Jesus, Maria e José. No encerramento da visita, ocorreu o plantio de sementes de
chalmoogra, árvore de onde se extraia o óleo empregado no tratamento médico oferecido aos
doentes de lepra.426
O plantio das sementes de chalmoogra, que eram símbolo de um dos poucos
tratamentos conhecidos pela medicina, provavelmente teve a intenção de demonstrar a
atuação médica e científica na instituição, bem como a reprodução de um modelo médico-
filantrópico também presente em outras instituições daquele período. As fontes da década de
1930 apresentam informações sobre essa questão, enquanto na documentação produzida na

423
TORRES, 1936c, p. 47.
424
TORRES, 1936c, p. 59-60.
425
SEMANA DA BONDADE. O Imparcial, Salvador, Bahia, 15 maio 1935, p. 3.
426
SEMANA DA BONDADE. O Imparcial, Salvador, Bahia, 15 maio 1935, p. 3.
129

década de 1920 praticamente não há referência sobre a atuação médica e filantrópica no


Leprosário. O pós-1931, com a gestão de Octávio Torres foi marcado pelo uso de
medicamentos, em uma farmácia que ele criou naquele espaço, e pela presença de médicos no
leprosário, que passou a ser utilizado como local de observação clínica e de construção de
conhecimento pelos professores e alunos da FMB.
No relatório da ILMV do ano de 1934, o diretor mencionou a atuação de “eminentes
professores” da FMB na instituição. Segundo ele, Albino Leitão, Flaviano Silva, João Fróes e
Heitor Praguer Fróes divulgaram em suas aulas a importância do diagnóstico precoce, do
isolamento e da profilaxia da lepra. Algumas abordagens aconteciam nas lições de moléstias
da pele e moléstias tropicais, e outras pelo interesse em demonstrar aos alunos o “valor do
conhecimento da lepra”, analisando casos apresentados nos ambulatórios ou nas várias visitas
ao Leprosário D. Rodrigo José de Meneses, onde a variedade das formas clínicas era muito
maior.427
A menção às “várias visitas” ao Leprosário é importante – ainda que não tenham sido
encontradas informações mais detalhadas sobre como elas ocorriam –, pois representa uma
evidência sobre a atuação de médicos na instituição. Assim como também sugere uma foto
encontrada no álbum da SBCL, que retrata o professor Albino Leitão e estudantes da FMB no
pátio do Leprosário (Figura 27).

Figura 27 – Albino Leitão e estudantes de medicina no pátio do Leprosário.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

427
TORRES, 1936c, p. 59.
130

Não há informações sobre o ano exato em que a imagem foi registrada, mas
presume-se, a partir da sua localização no álbum, que ocorreu entre 1934 e 1935. No centro da
imagem, Albino Leitão está rodeado por 8 homens, 4 em cada lado, vestidos com um jaleco
branco e, por baixo, camisas de manga comprida, calça e gravata. Um deles segura um chapéu
com a mão. Das pessoas que aparecem na figura só foi possível identificar, nominalmente,
Leitão.
Ainda sobre a atuação de médicos no Leprosário, Octávio Torres mencionou
intervenções cirúrgicas entre de 1933 e 1934, em razão das complicações da lepra ou por
outras motivações, como no caso em que um doente lesionou a coxa acidentalmente com uma
faca, na oficina de sapateiro. Segundo ele, as intervenções foram realizadas pelos médicos
Odilon Machado e Edgard Pires da Veiga, do Serviço de Assistência Pública; por Colombo
Spinola, médico especialista em oftalmologia e otorrinolaringologia dos Centros de Saúde; e
pelo cirurgião dentista, Cicero Mendes. Os trabalhos eram desenvolvidos sob o auxílio do
diretor e funcionários do Leprosário, em uma sala improvisada para curativos e extração de
dentes. Ao agradecer a atuação desses profissionais, Torres ainda informou que eles não
recusavam as solicitações realizadas por aquela diretoria.428
Parte desse apoio era articulada pelo próprio Octávio Torres, provavelmente
facilitada por suas funções de diretor da instituição e da ILMV. Entretanto, ainda que ele
considerasse ter feito tanto pela profilaxia da lepra e divulgação sanitária nos últimos anos,
reclamava que não era possível fazer mais porque todo o serviço da Inspetoria era atribuído a
um único médico (ele mesmo), e conforme suas palavras: “[...] uma andorinha só não faz
verão”.429
Torres acumulou muitas funções além da responsabilidade com a profilaxia da lepra
em todo o estado e da direção dos serviços de moléstias venéreas, sífilis e lepra nos Centros
de Saúde e no Posto das Docas. No Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, ocupava a
função de diretor e cuidava da parte administrativa, dava orientações, realizava exames, entre
outros serviços.430 A fim de reduzir o acumulo de funções e melhorar a administração da
instituição, alegou, em 1935, a necessidade de dois médicos, duas enfermeiras e a admissão
de religiosas que ficariam responsáveis pela disciplina e eficiência.431 Se considerados o
número de doentes (56 internos) e os serviços a serem realizados neste período, o quadro de

428
TORRES, 1936c, p. 28-29.
429
TORRES, 1936c, p. 59.
430
TORRES, 1936c, p. 32.
431
TORRES, 1935, p. 13.
131

funcionários era pequeno, composto por um administrador, um farmacêutico, um enfermeiro,


uma enfermeira, um horteleiro, uma servente, uma cozinheira, uma lavadeira e três
serventes.432
Com o propósito de minimizar tal situação, a SBCL contratou uma ajudante de
cozinheira, uma ajudante de lavadeira e um servente. Além disto, dava gratificações a todos
os empregados da instituição nos períodos de festas como Carnaval, Semana Santana, São
João e Natal. Aqueles que fossem considerados dedicados e atenciosos com os doentes
também recebiam prêmios. Porém, mesmo com o apoio filantrópico, o tratamento oferecido
seguiu com dificuldades devido à falta de pessoal que pudesse auxiliar os enfermeiros, bem
como de uma enfermeira técnica para ensinar e orientar os serviços de enfermagem.433
Da mesma forma, a falta de verbas para a farmácia acentuou as dificuldades no
tratamento oferecido. Os cuidados seguiam com base na cauterização das lesões da pele, bem
como na aplicação de diversas substâncias de “ácido trichloracetico”. A fim de contribuir,
Arthur Santos, um grande industrial baiano, ofertou um galvano-cautherio, equipamento
utilizado na cauterização das lesões e que, no tratamento dos doentes, apresentou excelentes
resultados, ocorrendo dificuldades apenas pela falta de pessoal e impossibilidade material, o
que impedia a aplicação em um número maior de doentes e com mais frequência.434
A alimentação também sofreu impacto com as dificuldades enfrentadas na
instituição, ainda que considerada um dos elementos de maior importância para a melhora na
reposta ao tratamento e por atrair enfermos para o próprio isolamento. Segundo Octávio
Torres, em relatório sobre o ano de 1934, a falta de verbas fez reduzir a oferta de peixe no ano
de 1933. O correto seria ofertar uma vez por semana, mas naquele ano só foi possível duas
vezes e no período da quaresma. Isto graças à intervenção da SBCL e do comandante
Clemente Leite, da Federação da Pesca na Bahia, que forneceu o animal apreendido em pesca
por bomba, prática proibida.435
Provocado pela situação, o médico cobrou o aumento das verbas públicas e afirmou
que, em uma instituição na qual o recolhimento é obrigatório, podendo durar em média
muitos anos, era necessário prever o aumento no número de doentes. O valor da verba
disponibilizada pelo estado em 1934 era o mesmo de 1931, com a diferença de que antes eram
21 internos e, naquele momento, a instituição tinha 56. Mas a crise financeira não era
exclusiva do Leprosário:

432
TORRES, 1936c, p. 49.
433
TORRES, 1936c, p. 50.
434
TORRES, 1936c, p. 27-28.
435
TORRES, 1936c, p. 31.
132

Infelizmente na organização dos orçamentos dos nossos hospitaes, não se


tem sempre attendido às necessidades suggeridas pelos directores dos
estabelecimentos por eles dirigidos – e um hospital, em reorganização, em
reforma, tudo precisando, desde o material até o pessoal, não pode viver com
a mesma verba, ou melhor com menor verba do que quando tinha uma vida
de completa latência, com um numero muito pequeno de doentes – (tinha 24
doentes em 1931 e hoje tem 56).436

Conforme foi discutido no Capítulo 1, a existência de um leprosário que atendesse as


especificações médicas e científicas naquele período perpassava pela necessidade de oferecer
condições de cuidado com a higiene individual e com a alimentação, a possibilidade de retirar
o doente do meio em que contraiu a doença, sem incorrer no risco de transmitir para mais
pessoas, e ofertar tratamentos sob a supervisão médica. Especialista no assunto e crítico ao
baixo investimento do estado baiano no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, Torres
acreditava que a profilaxia não se constituía apenas no recolhimento de um leproso em um
hospital, pois, segundo ele, era necessário o tratamento com “medicamentos aptos à cura das
lesões abertas”.437
As investidas de Octávio Torres na tentativa de reorganizar o Leprosário sofreram
resistência ainda em 1934. Segundo ele, as mudanças aconteceram a custo de “consumições”
e “aborrecimentos”, pois era obrigado a chamar à atenção dos empregados “viciados” em não
fazer nada ou acostumados a fazer o que não se devia praticar em um Leprosário,438 local que:

[...] se deve ter paciência ilimitada, a melhor bôa vontade em colaborar com
o chefe da Casa, a maior bondade no tratamento do doente, que sempre
soffre quer moral, quer physicamente, quer espiritualmente e nenhum
combate a estes soffimentos existia infelizmente, no Leprosário.439

Em síntese, a situação do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes passava por


dificuldades entre 1933 e 1934, mas com o insistente interesse de reorganização por parte do
seu diretor, foi possível observar significativas mudanças nas condições de vida dos doentes
internados. Conforme divulgou Octávio Torres em apresentação numa Conferência em 1935,
os doentes iam melhorando sensivelmente, sendo 2 curados e sem lesões há mais de 2 anos,
alguns em via de cura e um grande número em situação de melhora.440

436
TORRES, 1936c, p. 30.
437
TORRES, 1936c, p. 28.
438
TORRES, 1936c, p. 34.
439
TORRES, 1936c, p. 34.
440
TORRES, 1935, p. 9.
133

Outro indício dos melhoramentos nas condições da instituição foi a entrada


espontânea de doentes no Leprosário e o respectivo aumento no número de internos. Em 1931
eram 24 ou 25 leprosos, e em 1935 o número subiu para 58 internos. Além disso, os dados
relacionados ao obituário também se modificaram com o tempo, sendo 5 mortes entre 21
internos em 1929; 6 em 1930; 2 em 1931; 1 em 1932; nenhum em 1933; e 2 entre 54 doentes,
em 1934.441
Vale ressaltar que parte das melhorias no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes,
como se apresenta neste capítulo, foi resultado do apoio entre as ações do poder público e da
iniciativa privada, em destaque os feitos da SBCL que era diversificados e estiveram
divididos entre elementos mais simples como a limpeza, pintura de portas e janelas de todo o
edifício, envidraçamento das janelas e portas, pintura e envernizamento dos móveis; bem
como importantes intervenções voltadas à estrutura física, como a reforma da instalação
elétrica, canalização da água, reforma dos esgotos, reforma completa e pintura da capela,
instalação de pia para lavagem de pratos; e a conclusão das obras dos banheiros e latrinas
construídos pela Secretaria da Agricultura, mas que só assentou as latrinas, banheiros e
lavabos. A Sociedade Bahiana fez todo o acabamento.442
A entidade filantrópica também arcou com a compra de diferentes insumos, móveis,
utensílios de mesa, de candeeiros, escova de dentes, roupas para alguns doentes, saboneteiras,
pentes, copos, talheres, pratos, bules, xícaras, além de outros produtos essenciais como
sementes, remédios, drogas, desinfetantes, papel higiênico, manteiga, charque, feijão. Alguns
outros eram doados como presentes por seus associados: doces, bolos e comidas diversas,
frutas, leite e até mesmo roupas. Também foram adquiridos 4 projetores para os dias de festa,
sendo que a energia fornecida por um contador extra, cedido pelo diretor da Linha Circular,
sr. Anísio Massorra, foi usada por 2 vezes.443

O preventório como uma “[...] arma de prophylaxia”: ampliação das ações assistenciais
e a desarticulação dos serviços no Leprosário D. Rodrigo José De Menezes, na Quinta
dos Lázaros

Como já mencionado, o conturbado início do período identificado como a Era


Vargas foi de instabilidade e de desmobilização dos diferentes serviços públicos. No Governo

441
TORRES, 1935, p. 9.
442
TORRES, 1936c, p. 51-52.
443
TORRES, 1936c, p. 52.
134

Provisório, a maior responsabilidade com as ações de combate à lepra, a construção e


manutenção das instituições para o isolamento de leprosos, ficou a cargo dos estados e da
iniciativa privada, quadro que só foi alterado a partir de 1935, em razão das intervenções da
União. A gestão de Gustavo Capanema (1934-1945) foi o marco definitivo no processo de
construção institucional da saúde pública enquanto política estatal. As reformulações e a
consolidação da estrutura administrativa, junto aos princípios de uniformização e integração
das esferas federal, estadual e municipal, formataram um contexto de permanências e rupturas
com o que era desenvolvido no período Republicano anterior.444
Ao analisar as questões voltadas à lepra nesse contexto, Vívian Cunha considera uma
preocupação em conferir centralidade às ações referentes ao combate à lepra, assim como se
tentou com a criação da IPLDV, vinculada ao DNSP. Segundo a autora, na gestão de Gustavo
Capanema, a atuação governamental buscava se desenvolver de forma direta e específica, e,
em 1935, se propôs a João de Barros Barreto, que presidia a Diretoria Nacional de Saúde e
Assistência Médico-Social, que formulasse um plano para o controle da lepra no país.445
O Plano Nacional de Combate à Lepra (PNCL), orientado federalmente e com
redação iniciada ainda em 1935, só foi implementado com a cooperação entre os estados e a
União.446 O plano não foi consolidado como lei e nem como decreto, sequer chegou a ser
totalmente divulgado em uma exposição escrita ou regulamento formal. Mas isso não impediu
que Gustavo Capanema defendesse a sua existência desde 1935, quando foi concebido e posto
em prática.447
Segundo Laurinda Maciel, as ações do PNCL marcaram uma nova fase da profilaxia
da lepra. Além de construir, promover reformas e manter as instituições de isolamento para
leprosos, pretendeu a elaboração de pesquisas; a realização de censos; a reorganização da
legislação existente; a regulação, a partir da lei, de algumas práticas como a do próprio
isolamento; e a uniformização da administração dos leprosários em todo o país.448
Nesse mesmo contexto, houve modificações na assistência e no papel do Leprosário
D. Rodrigo José de Menezes, até então entendido como a principal instituição de auxílio aos
lázaros no estado. As ações, anteriormente voltadas exclusivamente para os leprosos,
passaram a atender os filhos e as famílias dos doentes. Além disto, foi determinada a

444
HOCHMAN, 2005, p. 131.
445
CUNHA, 2005, p. 88.
446
CUNHA, 2005, p. 88.
447
CUNHA, 2005, p. 90.
448
MACIEL, Laurinda Rosa. “Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade”: uma história das políticas
públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962). Tese (Doutoramento), Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007, p. 98.
135

suspensão de obras que visavam modificar o que já existia para o combate à lepra no
estado.449 A prioridade passou a ser a construção de um leprosário colônia e um preventório.
Segundo Luciano Curi, a partir de 1935, o Governo Federal assumiu um conjunto de
atribuições que reduziram o poder do legislativo e judiciário federal. Além de fiscalizadora e
normalizadora, tal iniciativa também repassou o comando de algumas prerrogativas,
anteriormente de caráter estadual e municipal, para a União e, assim, o Governo Vargas
interferiu em vários setores da vida nacional.450 Em paralelo a essas modificações, conforme
observação de Vicente Santos, a diretoria da FSALDCL também centralizava as atividades
filantrópicas de combate à lepra na Capital Federal, com a presidência de Eunice Weaver.451
A construção do aparato antileproso, alinhada aos interesses estatais de 1935, a partir
do PNCL e apoiada pelas associações particulares e filantrópicas, ganhou repercussão. As
medidas profiláticas desenvolvidas estavam baseadas no modelo tripé – formado pelo
leprosário, preventório e dispensário. Assim, entendia-se que os leprosários localizados nas
zonas rurais serviam para o isolamento compulsório dos leprosos; os preventórios para evitar
a convivência dos filhos sadios com os pais doentes; e o dispensário para identificar as
vítimas do mal de Hansen e examinar os familiares que conviveram com algum doente.452
Em relação à Bahia, a visita realizada pelas integrantes da diretoria da FSALDCL,
Eunice Weaver, América Xavier da Silveira e Olga Teixeira Leite, contribuiu para que o
modelo tripé ganhasse destaque. Segundo Octávio Torres, as mulheres da Federação
orientaram o serviço de lepra da Bahia a construir um leprosário colônia, pois o número de
doentes espalhados por todo o território justificava essa necessidade, cerca de
aproximadamente 400.453
A proposta foi apresentada a Juracy Magalhães e ao secretário da Educação e Saúde
Pública, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto – “ambos interessados
em resolver o problema da lepra na Bahia”. Havia um auxílio por parte do Governo Federal
para a realização da proposta, mas, em contrapartida, o governo do estado doaria um terreno
com no mínimo 250 hectares, a fim de instalar o hospital colônia, o preventório e outras
acomodações.454
Não foi possível identificar a data exata da visita da diretoria da Federação, mas
supõe-se que tenha acontecido em fevereiro de 1936, quando Eunice Weaver, América Xavier

449
TORRES, 1939, p. 28.
450
CURI, 2002, p. 118.
451
SANTOS, 2011, p. 261.
452
SANTOS, 2011, p. 260.
453
TORRES, 1939, p. 28.
454
TORRES, 1939, p. 28.
136

da Silveira e Olga Teixeira Leite fizeram uma parada em Salvador, em uma viagem ao
Nordeste. Elas realizaram as Campanhas de Solidariedade para a construção de preventórios
para os filhos sadios dos Lázaros em outros estados. Na passagem pela Bahia, o secretário
geral da SBCL, Octávio Torres fez o pedido para que também realizassem uma campanha na
Bahia.455
Naquele mesmo ano, a Campanha de Solidariedade ocorreu, entre 2 e 8 de abril,
sendo interrompida pela semana santa e encerrada, definitivamente, em 16 de abril.456
Conforme a transcrição de trechos do relatório anual apresentado por Eunice Weaver à
Federação das Sociedade de Assistência, publicado no relatório da diretoria baiana sobre as
atividades do ano de 1936, a campanha baiana, assim como em outros estados onde também
fora realizada, despertou grande interesse de “todos”. Considerada como um verdadeiro
sucesso, arrecadou o valor de 334:000$000, a ser aplicado na construção do preventório para
o filho sadio do hanseniano baiano.457
A diretoria da SBCL também considerou que, das campanhas de assistência
realizadas até aquela data na Bahia, nenhuma havia alcançado resultados “tão brilhantes” em
tão curto tempo e com tanto entusiasmo.458 Na Figura 28 é possível notar um dos registros da
Campanha de Solidariedade. Estão presentes na imagem, duas mulheres próximas à mesa com
uma grande quantia de notas e moedas, Octávio Torres sentado próximo aos barris que foram
usados para a coleta das doações e, possivelmente, o Conego Rubem Mesquita esteja em pé,
ao lado dos demais. Não foi possível ter acesso a fontes que confirmassem o nome associado
à imagem, embora suas vestes sejam típicas de um religioso.

455
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 2-3.
456
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 2-3.
457
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 6.
458
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
137

Figura 28 – Registro de um dos momentos da Campanha de Solidariedade na Bahia.

Fonte: Álbum fotográfico da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra, s.d.

Ainda em consequência da presença das representantes da diretoria da Federação na


capital baiana, foi realizado um acordo e, em sessões de Assembleia Geral, decidiu-se pela
uniformização dos estatutos da SBCL para um alinhamento às ações das Sociedades
Federadas. Além disso, também ficou resolvido que a atual diretoria seria substituída por uma
nova, formada completamente por mulheres.459
O comprometimento com as determinações instituídas pela entidade federal reforçou
a necessidade de atenção aos filhos dos doentes de lepra que não haviam sido acometidos pela
enfermidade, bem como a preocupação em construir um preventório na Bahia. Em uma das
falas proferidas sobre a “Conferência de Solidariedade”, Octávio Torres explicou que cerca de
60% dos casos internados no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes eram de doentes
contaminados na convivência com pais ou irmãos doentes.460
Além disso, chamou a atenção sobre a inexistência de recursos e de uma instituição
de assistência à infância que quisesse acolher crianças filhas de leprosos na Bahia. Falta que
figurava como empecilho para os doentes interessados em se isolar, mas que não tinham com
quem deixar os filhos.461 Para Torres, a remediação dessa situação difícil só aconteceria com a

459
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 10.
460
DUAS PALAVRAS proferidas pelo Dr. Octávio Torres. In: Uma campanha de solidariedade na defesa da
raça: promovida pela Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, Bahia,
1936, p. 7.
461
DUAS PALAVRAS..., 1936, p. 7.
138

criação de um Preventório, onde a assistência médica e cuidadosa, até a adolescência, poderia


acontecer somada ao acesso à educação intelectual, moral, cívica, física. Para ele, o
Preventório era como uma “[...] arma de Prophylaxia”.462
Após a Campanha e antes de deixar a Bahia, Eunice Weaver, América Xavier da
Silveira e Olga Teixeira Leite, circularam junto a Octávio Torres por diversos sítios, nas
proximidades da cidade de Salvador, para escolher um local em que se pudesse construir o
leprosário e o preventório. O que mais agradou foi a fazenda Águas Claras, onde já existia
uma “vivenda” bem instalada e que poderia “albergar” imediatamente umas 30 a 40
crianças.463
Nesse mesmo terreno, distante uns 4 ou 5 km, ficaria o leprosário colônia e uma
respectiva “zona neutra”, para a instalação da administração. No total, a propriedade tinha
mais ou menos 350 hectares de extensão.464 Assim que ficou definida a criação do Leprosário
Colônia, as reformas na construção da Quinta dos Lázaros foram suspensas. Iniciava-se um
período de precarização da instituição, conforme descrito em relatório da diretoria
assistencial, ainda no ano de 1936. Só eram realizados reparos inadiáveis e que pudessem
incorrer em prejuízos muito maiores.465
Sobre a construção do Preventório, é importante ressaltar que integrava um
movimento político, sanitário e filantrópico em nível nacional. A construção de preventórios
foi desenvolvida em diferentes estados, fruto de articulações das sociedades assistenciais
vinculadas a FSALDCL com o poder público. Segundo Vicente Santos, o aumento desse tipo
de instituição saltou a partir de 1935, sendo que, nesse ano, existia apenas dois preventórios,
com cerca de 200 crianças internas, e, 14 anos depois, o número subiu para 26 preventórios,
com mais de 3.500 crianças internas.466
O surgimento de novas instituições voltadas à lepra no Brasil foi intensificado a
partir de 1935 e isto pode ser observado no levantamento feito pelo leprologista, Heráclides
C. de Souza-Araujo (Figura 29), sobre as instituições “anti-leprosas” existentes em 1936.
Além do relevante número de leprosários em construção – Paraíba, Pernambuco, Bahia,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, destaca-se, em relação à
Bahia, a existência de um “Hospital”, um “Leprosário em construção” e uma “Cooperativa
Privada”.

462
DUAS PALAVRAS..., 1936, p. 8.
463
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
464
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
465
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 12.
466
SANTOS, 2011, p. 261.
139

Figura 29 – Organizações anti-leprosas, Brasil, 1936.

Fonte: SOUZA-ARAUJO, H. C. de. A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936.


Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 32, mar., (p.111-161), 1937, n.p.

Ainda que a SBCL já tivesse suspendido as obras de melhoramentos no prédio do


Leprosário, localizado na Quinta dos Lázaros, em 1936, o investimento federal para a
construção da Colônia na fazenda Águas Claras não ocorreu de imediato. No plano traçado
pelo Governo Federal para construção de leprosários, no ano de 1937, ficou designado o
repasse da cota de 400 contos.467
Entretanto, conforme relatório de estudo sobre as realizações da União na campanha
contra a lepra nos anos entre 1931 e 1942, o Governo Federal só iniciou os investimentos na
construção da Colônia na Bahia em 1938. O valor de 314.046,70 cruzeiros foi destinado para
a construção de a) 2 pavilhões para 28 leitos cada um; b) 1 pavilhão de administração; c) 1
grupo de casas geminadas para doentes; d) 1 casa para residência de funcionário; e) cozinha e
refeitório.468

467
IV PLANO TRAÇADO PARA 1937. In: Arquivo Gustavo Capanema, Ministério da Educação e Saúde -
Saúde e Serviço Social, GC h 1935.09.02, p. 20.
468
REALIZAÇÕES DA UNIÃO POR ESTADO, na campanha contra a lepra nos anos de 1931 a 1942. In:
Arquivo Gustavo Capanema, Ministério da Educação e Saúde - Saúde e Serviço Social, GC h 1935.09.02, p.
1644.
140

Como evidência do processo de degradação do Leprosário localizado na Quinta dos


Lázaros, ressalta-se que a união concedeu, em 1936 – primeiro ano de suspensão das ações da
SBCL –, um auxílio de 200.000,00 para os serviços de combate à lepra na Bahia, mas esse
valor foi empregado na construção do preventório para os filhos dos lázaros. Em 1937,
também não houve investimento e o auxílio concedido pela União, em medicamentos, cerca
de 644,00 cruzeiros.
Conforme afirmam Márcia Pinheiro e Eliana Santos, a inauguração do Leprosário
Colônia em Águas Claras só aconteceu em 26 de abril de 1949. Até aí, os doentes
continuavam na antiga instituição, cada vez mais precária e sem melhorias. Já o Preventório,
denominado como Educandário Eunice Weaver, foi concluído anos antes da colônia, em
1942, mas não pôde funcionar devido à falta de saneamento, água e luz. Sua inauguração
aconteceu um ano depois, em 1943.469

469
PINHEIRO; SANTOS, 2019, p. 231-233.
141

Conclusão

Para finalizar esta dissertação, retorna-se ao caso apresentado na introdução sobre o


processo de Paulino Antônio dos Santos, nomeado servente no Leprosário D. Rodrigo José de
Menezes, mas sem comprovante de quitação com o serviço militar. Ele protagonizou uma
situação peculiar, não prevista na legislação em vigor e, por isso, seu processo chegou ao
Ministro da Guerra.470
Paulino Antônio dos Santos era preto, solteiro, natural da Bahia, residente na rua
Silva Jardim, nº 55, em Salvador, e foi internado no Leprosário em 22 de maio de 1930, com
29 anos de idade. Antes da internação, exercia a profissão de estivador, mas, com o
diagnóstico positivo de lepra, se aposentou pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões da
Estiva e recebeu pensão de 135$000 mensais. Foi nomeado servente no Leprosário conforme
portaria nº 221 do Dr. Secretário de Educação, Saúde e Assistência Pública, publicada no
Diário Oficial do Estado, em 17 de dezembro de 1936.471 A vaga foi ocupada após a
transferência do servente José Lino para o 2º Centro de Saúde, no mês de outubro.
Mas, a obrigatoriedade de que o candidato apresentasse título de eleitor ou carteira
de identificação e o comprovante de reservista, contrariava diretor Octavio Torres.472 Em
crítica ao que considerava como burocracia para a contratação, afirmou que, para ganhar
somente 100$000 por mês, era melhor: “[...] trabalhar, não há dúvida, como capinador, lixeiro
ou outra qualquer profissão humilde sem os riscos que correm os serventes de um
Leprosário”.473
Conforme o relatório do Departamento de Assistência Médico Social do ano de
1936, Paulino Antônio dos Santos era servente de 3ª classe, com vencimentos de 1:200$000
anuais e atuava com outras três pessoas: Maria Antônia de Jesus; Manoel Bruno da Costa; e
Manoel Bispo dos Santos.474 Sua exoneração foi o caminho encontrado para evitar maiores
complicações para o chefe de serviço e mesmo para o diretor da instituição, dado que a falta
de comprovantes fez com que o doente exercesse o cargo público ilegalmente durante 5 anos.
O documento traz consigo, escrito a lápis: “melhor que opte pela aposentadoria”. Esse

470
BAHIA, Secretaria de Educação e Saúde: Diretoria do Gabinete do Secretário. Processo nº 5406, 14 out.
1941. Oficio nº 642. Procedência, 6ª Região Militar. Assunto: Retornando processo referente a uma consulta
sobre quitação com o serviço militar de um leproso, 1941.
471
BAHIA, 1941.
472
TORRES, 1939, p. 46.
473
TORRES, 1939, p. 46.
474
SANTOS, Edgar. Relatório do Departamento de Assistência Médico Social do ano de 1936, pelo Diretor
Geral, Edgard Santos. 8 de abril de 1937, p. 20.
142

conflito é um exemplo de como a saúde e doença impactaram a sociedade soteropolitana da


primeira metade do século XX.
Neste trabalho, foi analisada a assistência a uma doença envolta em concepções
estigmatizantes e que, por conta das incertezas relacionadas à sua transmissão, cura e antigas
noções socioculturais, justificou em muitos momentos a exclusão social. Ao longo do tempo,
o isolamento em instituições do tipo leprosário foi sendo reorganizado, deixando de ser
entendido como um abrigo e se tornou um lugar de cuidado e assistência.
No caso da Bahia, o acordo estabelecido com a União, em 1921, e a possibilidade de
desenvolver políticas assistenciais vinculadas ao modelo nacional, deram maior atenção às
questões relacionadas à lepra. A intenção de desenvolver uma política de combate à
enfermidade baseada nos mesmos parâmetros da IPLDV, esbarrava nos limites financeiros e
nas diferentes realidades de cada estado. Na Bahia, as mudanças mais efetivas aconteceram
com a reforma sanitária que criou o SPSLDV, mas não foi o bastante para modificar as
condições de vida dos internos do Hospital dos Lázaros. Isso só aconteceu na década de 1930,
mais precisamente quando Octávio Torres assumiu a direção da instituição. Após mudanças
importantes, aquele espaço ficou mais próximo das normas estabelecidas pelos
conhecimentos médicos e científicos do período, evidenciado no seu próprio nome,
Leprosário D. Rodrigo José de Menezes.
A criação da SBCL, em 1933, fez com que as ações assistenciais se intensificassem
e, ainda que o Leprosário não fosse uma instituição modelo, os dados relacionados ao
aumento de internos, as referências sobre a busca espontânea pela reclusão e os registros de
cura clínica podem ser considerados como reflexos da atuação médico-filantrópica. Associada
a esse contexto, a nomeação de Paulino António possibilita identificar a burocracia referente
aos cargos e funções nas instituições públicas, provavelmente resultado da uniformização e
controle que se instituiu no período do governo Vargas e que, com as intervenções da
FSALDCL, implicou tal desdobramento. Em outros momentos, é provável que os doentes
assumissem funções sem sequer assinar um termo relacionado à contratação.
Esse caso possibilitou compreender aspectos da própria qualidade de vida dos
doentes – mesmo sendo a lepra uma doença de desenvolvimento lento. É provável que as
melhorias nas condições da instituição, empreendidas a partir da atuação de Octávio Torres
enquanto articulador dos interesses públicos e privados para os lázaros, tenha contribuído para
retardar a evolução da enfermidade e garantir melhoras nas condições de vida dos doentes.
Paulino, por exemplo, deu entrada em 1930, com 29 anos, e assumiu o cargo de servente 6
143

anos depois. Não se desconsideram as importantes intervenções que o Leprosário sofreu neste
período.
Nesse estudo, foi possível identificar que às ações assistenciais voltadas à lepra na
Bahia foram resultados de um projeto que, na maioria das vezes, se pretendeu nacional e
uniforme. Entretanto, as especificidades em muitos momentos possibilitaram identificar
outros interesses, por vezes bem distantes do que se pretendeu em nível federal. O olhar da
História, mais especificamente pelas lentes da história da assistência à saúde, possibilitou
novas interpretações e indagações sobre o desenvolvimento das ações públicas e privadas no
Brasil.
Além disto, também é de interesse deste estudo visibilizar ações assistenciais
voltadas a uma doença que ainda hoje é sinônimo de preconceito e estigma. Os portadores da
hanseníase ainda sofrem com as antigas concepções associadas à lepra e com as
desarticulações das ações e serviços públicos. Desse modo, analisar e refletir sobre os
acontecimentos do passado pode oferecer caminhos para novas possibilidades de pensar a
vida atual. Discutir sobre os acontecimentos que envolveram uma doença, sinônimo de
sofrimento e abandono em outras épocas, serve aqui como um alerta sobre a necessidade de
políticas públicas mais responsáveis com a dignidade humana. Não é só sobre tratamento e
cura, é sobre dignidade e direito de viver. Que esta dissertação contribua de alguma forma
para a historiografia e alimente o debate sobre a saúde e a assistência.
144

Arquivos e fontes

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http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/SOARES,%20Vital.pdf.
Acesso em: 4 abr. 2021.

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