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Banca examinadora:
Agradecimentos
Inicio meus agradecimentos citando a pessoa mais importante em minha vida, minha
mãe, dona Flourizane Sampaio. A flor mais linda do mundo. Mesmo sem conseguir sequer
completar o ensino fundamental, ela sempre entendeu a importância da educação, me
incentivou e fez de tudo para que eu pudesse dar continuidade aos estudos.
Também agradeço a João Pena, não só pelo auxílio nas dúvidas em relação à escrita,
mas pelo companheirismo e por compartilhar a vida comigo nesses últimos anos. Agradeço a
Leo Santigo por sua amizade, carinho e incentivo; espero poder retribuir tudo o que recebo. A
Gabriela Correia, sempre tão afetuosa, foi capaz de tornar os últimos dois anos muito mais
leves. A Rebeca Santos que sempre está ali, disposta a me ouvir e a compartilhar os melhores
e piores momentos. A pequena Yandra é um presentinho na nossa vida. A Dálete Oliveira, por
todo carinho e atenção.
Agradeço a minha rede de afetos, em especial a: Angela Carvalho, Arivan Vieira,
Barbara Anunciação, Juliana Mutti, Taila, João Maia, Yuri, Brenda Porto, Calionaia,
Chantele, Elane Cruz, Fabiana, Jamilly, Gabriela, Yasmin, Hanna, Keu Silva, Thelma
Santiago, e estendo a todas as pessoas que torcem e vibram por mim. Agradeço por tudo!
Agradecimentos a todos os professores do programa de Pós-Graduação em História
da Universidade do Estado da Bahia. Aos meus colegas de turma, Marconey e, em especial,
Patrick Sepúlveda, que tem se tornado um grande amigo. Obrigado pelas trocas e discussões.
Agradecimento à banca avaliadora, que na qualificação deu contribuições importantes para a
minha pesquisa: o professor Luiz Otávio Ferreira e professora Maria Elisa Lemos Nunes da
Silva.
Agradecimento especial ao professor, orientador e amigo, Ricardo Batista. Não tenho
palavras para agradecer o quanto fez e faz diferença na minha vida acadêmica e pessoal. Sou
grato por nossos caminhos terem se cruzado e por estarmos completando mais um ciclo na
relação entre orientando e orientador. Obrigado por ser um grande incentivador, seu
compromisso e ética inspira, tenho você como principal referência.
Por último, agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(FAPESB) que financiou quase todo o período em que desenvolvi esta pesquisa com sua
política de bolsas.
5
Resumo
Abstract
The objective of this dissertation is to understand the role of government and philanthropy in
assisting lepers hospitalized at the Hospital/Leprosarium D. Rodrigo José de Menezes, in
Salvador-Ba. The chronological cut begins in 1921, when Bahia joined the agreement with
the Union to carry out national health policies proposed by the National Department of Public
Health (DNSP), through the Inspectorate for the Prophylaxis of Leprosy and Venereal
Diseases (IPLDV). The final year is 1936, when work on the Leprosário building, located in
Quinta dos Lázaros, was suspended. The works were suspended due to the need to create a
Leprosarium Colony and a Preventive Center for the healthy children of leprosy patients,
expanding assistance beyond the sick. As an analysis methodology, the understanding of the
document as a monument, proposed by Jacques Le Goff, is used. The different sources are
analyzed as social constructions that carry the intention of their creators: institutional reports;
medical doctoral theses; state and federal laws, sanitary decrees; newspaper articles; and the
different medical productions make up the set of documents used. It was possible to identify
the transformations in the assistance to lepers from Bahia and the change in the services
developed in the Leprosarium with the joint action of the public power and philanthropy,
represented by the Bahia Society for Combating Leprosy (SBCL). In view of the changes, the
D. Rodrigo José de Menezes Leprosarium was reorganized and assumed a medical-
philanthropic character from 1931 onwards.
Lista de ilustrações
Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 11
Introdução
1
BAHIA, Secretaria de Educação e Saúde: Diretoria do Gabinete do Secretário. Processo nº 5406, 14 out. 1941.
Oficio nº 642. Procedência, 6ª Região Militar. Assunto: Retornando processo referente a uma consulta sobre
quitação com o serviço militar de um leproso, 1941. Segundo Celso Castro (Verbete, s/d.), ao longo das décadas
de 1930 e 1940 a universalização da exigência do documento de serviço militar e a adoção de dispositivos legais
mais eficazes, tornou a questão do serviço militar mais forte. Com a aprovação do Decreto nº 23.125, de 21 de
agosto de 1933, foi estabelecido a obrigatoriedade do exercício de cargo público apenas com a apresentação de
quitação do serviço militar. Por se tratar de um caso que descumpria a lei, esse processo de consulta sobre os
procedimentos que deveriam ser tomados foi ganhando complexidade.
2
Renato Onofre Pinto Aleixo nasceu em 12 de junho de 1890, no Rio de Janeiro, filho de José Dias Pinto Aleixo
e de Esaltina Maria de Paiva Aleixo. Em 1929, cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Revolucionário
de 1930, realizou a campanha de São Paulo, na qualidade de comandante de agrupamento, com o 2º Regimento
de Artilharia Montada. Em 1940, deixou o comando de uma unidade do Exército no Rio Grande do Sul para
assumir o comando da 6ª Região Militar, sediada na Bahia, função em que permaneceu até 1943. Em 24 de
novembro de 1942, assumiu a interventoria federal na Bahia, substituindo Landulfo Alves. Promovido a general-
de-brigada em dezembro desse mesmo ano, ficou no governo da Bahia até 28 de outubro de 1945. Pinto Aleixo
faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1963. ALEIXO, Pinto. Verbete. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/renato-onofre-pinto-aleixo. Acesso em: 2 jun.
2001.
3
Com a lei 9.010 de 19/03/95, que dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase, ficou estabelecido
que o “termo ‘Lepra’ e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos
oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros”. Porém, por se
constituir em uma pesquisa no campo da História, localizado em um contexto anterior a lei, serão utilizados
nesse trabalho os termos como eram informados no período. Ver: BRASIL. Lei n.º 9.010, de 20 de março de
1995. Dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9010.htm. Acesso em: 11 jan. 2021.
12
boas condições físicas e de saúde foi nomeado servente da instituição em dezembro de 1936.4
Contudo, a falta do documento pessoal gerou uma situação inusitada.
Como explicou o médico João Afonso de Souza Ferreira, Diretor de Saúde do
Exército, caso fosse comprovado que Paulino não cumpriu o dever com o serviço militar, seu
exercício no cargo era ilegal. O decreto nº 24.710, de 13 de julho de 1934, relacionado à Lei
do Serviço Militar, estabelecia aos chefes de serviço ou da repartição pública a obrigação de
exigir a prova de quitação com o serviço militar antes da posse dos nomeados a algum cargo
público.5
O processo que se iniciou com uma dúvida em relação à condição de leproso frente
ao serviço militar se tornou mais complexo a partir do diagnóstico sobre o descumprimento de
uma lei federal. Os acontecimentos fizeram emergir uma questão importante: como um
portador de lepra que vivia em isolamento social poderia realizar a quitação com o serviço
militar? Segundo a sugestão dada pelo próprio Secretário Geral do Ministério da Guerra,
Valentim Benício da Silva, ao Senhor General Ministro da Guerra:
4
BAHIA, 1941.
5
BAHIA, 1941.
6
BAHIA, 1941.
7
Cf. TEIXEIRA, Luiz Antonio; PIMENTA; Tânia Salgado; HOCHMAN, Gilberto (Orgs.). História da Saúde
no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018.
13
primeiro diz respeito à forma como as fontes se referem a ela em cada um desses momentos.
O segundo aspecto, atenta para a função muito mais próxima de um asilo de mendicância ao
longo do primeiro período, e de um local terapêutico no pós-1930, com as intervenções da
Sociedade Bahiana de Combate à Lepra (SBCL), destacadamente com a figura do médico
Octávio Torres.
O recorte cronológico se inicia em 1921, ano em que o Governo da Bahia aderiu às
primeiras políticas públicas de saúde nacionais direcionadas àquela enfermidade, inauguradas
com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) – e da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas (IPLDV) –, responsável por superintender e
orientar o serviço de controle destas doenças em todo o território brasileiro. O ano de 1936 é o
marco final, quando se recomendou que a diretoria da SBCL fosse composta exclusivamente
por mulheres e decidiu-se pela reformulação dos seus estatutos, alinhando-os aos interesses da
Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra (FSALDCL), e
modificando o caráter das ações assistenciais desenvolvidas até então. Foi dado maior atenção
aos parentes e filhos de internos e reduziram-se os investimentos no antigo prédio do
Leprosário, na expectativa de construir um Preventório e um Leprosário Colônia na Fazenda
Águas Claras.
As ações realizadas no Hospital/Leprosário D. Rodrigo José de Menezes integraram
um movimento de reorganização sanitária que se pretendeu nacional, centralizado e uniforme.
No entanto, ainda que outros estados também tenham desenvolvido ações voltadas ao
combate à lepra na primeira metade do século XX, é preciso compreender as singularidades
que caracterizam cada experiência. Para isto, a importância em analisar as especificidades e os
interesses do tecido político e social no desenvolvimento da assistência à lepra na cidade de
Salvador, na Bahia.
A lepra, atualmente conhecida como hanseníase, é uma doença infecciosa crônica e
curável, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, transmitida através de gotículas de
saliva eliminadas na fala, tosse ou espirro de pessoas não tratadas e em fases mais adiantadas
da doença. Caracteriza-se por alteração, diminuição ou perda da sensibilidade térmica,
dolorosa, tátil e força muscular, principalmente em mãos, braços, pés, pernas e olhos,
podendo gerar incapacidades permanentes.8 O antigo termo carrega uma concepção
8
BRASIL. Ministério da Saúde. Hanseníase. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-
a-a-z-1/h/hanseniase. Acesso em: 4 de jun. de 2021.
14
estigmatizante, fruto da própria história da doença, que esteve envolta em tabus e crenças de
natureza simbólica entre os mais diferentes povos.9
Considerada, até meados de 1940, uma doença incurável e de lenta evolução,
incapacitante e irreversível, a lepra afetava a relação do doente com o trabalho, além do
próprio convívio social. A baixa eficiência dos tratamentos disponíveis e o pouco
conhecimento sobre seus mecanismos de transmissão, entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do século XX, constituíram o isolamento como principal meio profilático.
A segregação acontecia em instituições do tipo leprosário com a função principal de proteger
a sociedade considerada “sã” dos riscos de contágio.
Com o movimento sanitarista da segunda década do século XX, responsável por
identificar doenças como tuberculose, sífilis, leishmaniose e lepra, espalhadas pelo país,10
foram promovidos debates e promulgado o decreto n.º 3.987, de 2 de janeiro de 1920, que
reorganizou os serviços de saúde pública no Brasil e criou o DNSP. Este órgão substituiu a
Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), responsável pelos serviços sanitários desde 1897, e
a legislação abrangeu a profilaxia geral e específica das doenças transmissíveis, além de
determinar como uma das suas atribuições o “serviço de prophylaxia11 contra a lepra e contra
as doenças venereas em todo o paiz”.12
Segundo Luiz Antônio de Castro Santos e Lina Faria, depois de 1920, o Brasil
assistiu a uma progressiva interiorização dos serviços sanitários, que teve por lastro uma
efetiva participação do Estado na formulação de ideologias e de políticas de salvação nacional
por meio da educação e da saúde pública.13 A Bahia atribuiu maior responsabilidade aos entes
públicos pelo tratamento de doentes no pós-1920. A partir do acordo firmado com a União,
em 1921, os serviços de controle da lepra e das doenças venéreas obtiveram financiamento do
Governo Federal. O estabelecimento de ações específicas para a lepra foi fruto do
9
Ver: CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995;
MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara
Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-
Unifesp, 2012; CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934). Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2013; SILVA, Leicy Francisca da. “Eternos órfãos da saúde”: medicina, política e
construção da lepra em Goiás. Goiânia: Editora UFG, 2016.
10
THIELEN, Eduardo Vilela. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto
Oswaldo Cruz: 1911-1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Ed. Fiocruz, 1992, p. 7.
11
Embora as atuais regras de estilo e formatação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
orientem a escrita das citações e termos de acordo com a atual ortografia brasileira, optou-se, nesta dissertação, a
manter a grafia das palavras conforme o registro original. Isto se justifica como uma escolha metodológica que
visa reproduzir de forma fidedigna a escrita da fonte consultada.
12
BRASIL. Decreto n. 3.987, 20 de janeiro de 1920. Reorganiza os serviços de saúde pública. Rio de
Janeiro, 1920.
13
SANTOS, Luiz Antônio de Castro; FARIA, Lina. A reforma sanitária no Brasil: ecos da Primeira
República. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
15
14
HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego. Cuidar, controlar, curar em perspectiva histórica: uma introdução. In:
HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego (Org.). Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre a saúde e
doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. p. 12; HOCHMAN, Gilberto.
Prefácio. In: BATISTA, Ricardo dos Santos; SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SILVA, Maria Elisa Lemos
Nunes da. Quando a História encontra a saúde. São Paulo: Hucitec, 2020.
15
BATALHA, Claudio H. de M. A história social em questão. História: questões & debates, Curitiba, n. 9 v.
17, p. 229-241, dez. 1988, p. 233.
16
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução da Historiografia Francesa. São Paulo:
UNESP, 1997.
17
LE GOFF, Jacques. Introdução. In: LE GOFF, Jacques (Org.). As doenças têm história. Tradução Laurinda
Bom. Lisboa: Terramar, 1991. p. 7-8.
16
social, pois “[...] a esse respeito ela torna frequentemente mais visíveis as articulações
essenciais do grupo, as linhas de força e as tensões que o transpassam”.18
Os estudos sobre história da assistência, que dão ênfase à análise sobre o pobre e a
pobreza em diferentes contextos sociais19, também se multiplicaram em análises cada vez
mais complexas sobre instituições e o cuidado com portadores de diferentes enfermidades.20
Inspirado nesses estudos, utiliza-se nesta dissertação o conceito de assistência proposto por
Robert Castel, em As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Ao analisar
sobre a questão social na Idade Média, o autor afirma que o principal objetivo da assistência é
suprir, de maneira organizada, as carências daqueles que são incapazes de prover suas
necessidades por meios próprios.21 Para ele, “assistir” abrange um conjunto diversificado de
práticas que se inserem, entretanto, numa estrutura comum determinada pela existência de
certas categorias de populações carentes e pela necessidade de atendê-las.22 A leitura e análise
do corpus documental que integra essa dissertação, sejam referentes às ações realizadas pelo
Estado ou aquelas desenvolvidas por grupos filantrópicos a exemplo da SBCL, são
compreendidas a partir desta perspectiva.
Entre as diferentes formas pelas quais a assistência pode ser prestada, destaca-se a
caridade e a filantropia, como as encontradas pelas elites baianas para lidar com a pobreza e,
consequentemente, com o problema da lepra. Ao estudar a articulação entre Carlos Chagas e
Guilherme Guinle no Rio de Janeiro, entre 1920 e 1940, Gisele Sanglard apresenta a
percepção de Catherine Duprat, para quem, enquanto a filantropia seria uma virtude social
relacionada ao papel desempenhado pelos filósofos das luzes no final do Antigo Regime
francês, a caridade seria entendida como uma virtude cristã, com o objetivo de minimizar a
miséria alheia. Os filósofos das luzes buscaram esvaziar a perspectiva ‘caritativa’ da
filantropia reforçando a concepção de ‘utilidade social’, processo que não foi completamente
exitoso. Uma diferença entre caridade e filantropia é que a primeira, por ser uma obra
18
REVEL, Jacques; PETER, Jean-Pierre. O corpo: O homem doente e sua história. In: LE GOFF, Jacques;
NORA, Pierre (Orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976. p. 144.
19
Embora essa produção seja vasta, destaca-se o trabalho pioneiro de Maria Luíza Marcílio, sobre o abandono de
crianças. Ver: MARCÍLIO, Maria Luiz. História social da criança abandonada. 3. ed. São Paulo: Hucitec,
2019. Na Bahia, Ver: FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do Século XIX. São
Paulo, HUCITEC; Salvador, EDUFBA, 1996.
20
Para mais informações, ver: SANGLARD et al. (Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência
no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV editora, 2015; SILVA, Maria Elisa Nunes da; BATISTA, Ricardo
dos Santos. História e saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia. Salvador: Eduneb, 2018;
BATISTA, Ricardo dos Santos; SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da.
Quando a História encontra a saúde. São Paulo: Hucitec, 2020.
21
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 2010. p.
59-60.
22
CASTEL, 2010, p. 47.
17
23
SANGLARD, Gisele. Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de
Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. 32-33.
24
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. 3 Ed. São
Paulo: Hucitec, 2013, p. 16-17.
25
FRANCO, Renato. Prefácio. In: SANGLARD, Gisele (Org.). Amamentação e políticas para a infância no
Brasil: a atuação de Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016. p. 13.
26
Para mais informações sobre as transformações pelas quais passou a assistência à saúde na cidade de Salvador,
Cf. SOUZA, Christiane Maria Cruz de; SANGLARD, Gisele. Saúde pública e assistência na Bahia da Primeira
República (1889-1929). In: SOUZA, Christiane Maria Cruz de; BARRETO, Maria Renilda Nery (Orgs.).
História da saúde na Bahia: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz; Barueri: Manole, 2011.
27
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Caridade e Filantropia: elites, estado e assistência à saúde no
Brasil. In: TEIXEIRA, Luiz Antonio; PIMENTA; Tânia Salgado; HOCHMAN, Gilberto (Orgs). História da
Saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2018, p. 152.
18
e Ferreira, naquele momento não era mais uma instituição privada exercendo uma função
pública, existia uma delimitação da atuação de cada uma das esferas envolvidas: as ações
pontuais cabiam à filantropia, enquanto o Estado se responsabilizava pelas ações mais gerais.
Em relação aos estudos sobre a lepra destacam-se trabalhos que, sob diferentes
perspectivas, analisam a relevância da enfermidade na história, assim como as ações
empreendidas para o seu combate. Ainda que, em alguns casos, as abordagens se inter-
relacionem, a bibliografia sobre o tema da lepra utilizada nesta dissertação pode ser dividida
em duas perspectivas: as que analisam a enfermidade por meio dos discursos e a relação com
o estigma; e as que se voltaram para as ações do estado e da filantropia.
A maioria dos trabalhos específicos sobre a lepra aborda a temática do estigma.
Seguindo a perspectiva de uma história cultural das doenças, Italo A. Tronca, em seu livro As
máscaras do medo: lepra e aids, compreende a doença como uma invenção da linguagem
sobre um fenômeno biológico. Conforme a sua análise, que tem como objeto as
representações sobre a lepra a partir do século XIX e da aids no XX, o papel do imaginário
social é instituído como, talvez, o principal fundador da história. Ele também considera que a
mescla entre os discursos científicos e a literatura ficcional, na medida em que produz efeitos,
cria uma outra doença, diversa das narrativas que a descrevem.28
Apoiando-se na perspectiva alegórica, Tronca busca demonstrar que as narrativas
sobre as doenças, quase sempre, possuem um significado estrutural que cria o real ou
transfiguram-no incessantemente. Essas criações, por sua vez, são uma forma de controlar
acontecimentos que nos apavoram e sobre os quais não temos nenhum controle. Ele
acrescenta que no ponto de vista social, não se trata apenas de controlar as manifestações de
uma doença, mas também de exercer um domínio, por parte do saber médico, sobre o próprio
doente.29
Compreendendo o estigma como explicação para as representações da lepra e suas
implicações sociais sobre o comportamento do doente frente a si mesmo e ao seu meio social,
Lenita B. Lorena Claro, em seu livro Hanseníase: representações sobre a doença, objetivou
transcender a dimensão biomédica da doença. Ao observar a dimensão social e cultural, a
autora tem como estratégia o aperfeiçoamento dos atuais serviços que fazem o atendimento
dos pacientes de hanseníase, sendo na antropologia médica a base teórica e metodológica
utilizada para emergir a voz dos doentes, que sofriam/sofrem o impacto da concepção
28
TRONCA, Ítalo. As máscaras do medo: lepraids. Campinas: Editora Unicamp, 2000.
29
TRONCA, 2000, p. 16-18.
19
estigmatizante do termo lepra, fruto da própria história da doença que esteve envolta em tabus
e crenças de natureza simbólica entre os mais diferentes povos.30
Os estudos que se voltam para as questões da lepra a partir da perspectiva
sociocultural contribuem para o entendimento sobre a doença como algo que ultrapassa as
manifestações biológicas provocadas pelo bacilo de Hansen no corpo do doente. A lepra é
associada a uma série de concepções que evocam as noções de sujeira, poluição, desfiguração
e isolamento. Desse modo, ao compreendê-la como uma construção social, é possível
considerar que os médicos, enquanto sujeitos sociais, também estão propensos à reprodução
de concepções estigmatizantes. Como se tentou justificar a partir da análise das produções
médicas sobre a lepra nas primeiras décadas do século XX, nesta dissertação.
Considerando-a como uma doença milenar, no capítulo intitulado Imaginário sobre
a lepra e a perpetuação dos medos, publicado no livro As doenças e os medos sociais, Yara
Nogueira Monteiro aborda a questão do estigma da lepra associando-o às antigas concepções
sobre o processo saúde/doença, antes justificados pelo sobrenatural. Ela observa que as
concepções bíblicas e as posturas medievais contribuíram para a elaboração do constructo
sobre a doença que, com o passar do tempo, foi se enraizando no imaginário judaico-cristão e,
assim, fazendo com que a perpetuação dos medos, fixados no imaginário coletivo, resistisse
às descobertas da ciência.31
Voltado para o período em que se edificou uma rede institucional para o combate à
lepra no Brasil, Luciano Marcos Curi também aborda a questão do estigma e analisa, em
“Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976), que a
lepra não era vista apenas como uma doença, mas como uma categoria que associava noções
de perigo, indivíduos indesejáveis e exclusão social. Para o autor, as memórias e os mitos
nortearam ações e reações individuais e sociais, o que também tem ligação com o conjunto de
práticas discursivas e não-discursivas que fundamentaram o isolamento dos leprosos no
país.32
Ainda que o objetivo desta dissertação não tenha sido construir uma análise sobre a
influência das concepções estigmatizantes no modo como os médicos, ou as políticas de saúde
30
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
1995.
31
MONTEIRO, Yara Nogueira. Hanseníase: história e poder no estado de São Paulo. In: Hansen Int., v. 12, n.
1, p. 1-7, 1987; MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In:
MONTEIRO, Yara Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São
Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2012.
32
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935/1976).
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002.
20
voltadas à lepra atuaram na Bahia, pensar a questão do estigma e a sua permanência a partir
de autores que se voltam para a memória e os mitos, serviu para compreender, até certo ponto,
as permanências e as incorporações de antigas concepções no discurso de leigos e médicos
baianos no contexto da década de 1920. Sendo assim, em um dos capítulos deste estudo
buscou-se identificar as concepções sobre a enfermidade e, a partir disto, compreender o
modo como as justificativas favoráveis ao isolamento incorporaram alguns desses elementos,
pois os esforços para o combate à lepra se voltaram para os próprios leprosos.
Seguindo a proposta sanitária nacional, a adoção do isolamento dos leprosos como
prática profilática, defendida pela medicina e garantida pela política sanitária, passou a ser
desenvolvida de forma mais organizada na Bahia, segundo as concepções médicas e
científicas do período, a partir do acordo feito com a União, em 1921. Esse contexto tem
relevância na investigação aqui proposta, pois interessa a aproximação com os trabalhos que
partem das ações assistenciais desenvolvidas pelo estado e pela filantropia.
Entre os estudos que abordam o tema da lepra pela perspectiva das ações do estado,
destaca-se o artigo Contrapontos da história da hanseníase no Brasil: cenários de estigma
e confinamento, em que Luiz Antônio de Castro Santos, Lina Faria e Ricardo Fernandes de
Menezes discutem a luta contra a lepra no Brasil, focalizando as múltiplas formas da história
institucional e da “cultura de reclusão” dos hansenianos. Eles atribuem destaque para as
realidades de São Paulo e Maranhão, desde os primeiros tempos da República até as primeiras
décadas da Era Vargas. Além disso, criticam a visão de um cenário único de disciplina e
vigilância e sugerem a existência de cenários variantes, marcados por conflitos, negociações e
diferentes propostas de prevenção e combate à lepra.33
O desenvolvimento da análise proposta pelos autores provocam questionamentos e
indagações a respeito das experiências em outras regiões do Brasil. O modelo sanitário foi
proposto em nível nacional, mas cada região possuía características distintas e a autonomia
em estabelecer ou não o acordo que implicaria na instituição dos serviços. Conforme
observado por Castro Santos, Faria e Menezes houve esforço para pôr em prática os serviços
de saúde em São Paulo e no Maranhão, mas o primeiro possuía recursos humanos,
institucionais e financeiros, enquanto no caso maranhense as deficiências nos recursos
perduraram toda a primeira metade do século XX.34
33
SANTOS, Luiz Antônio de Castro; FARIA, Lina; MENEZES, Ricardo Fernandes de. Contrapontos da história
da hanseníase no Brasil: cenários de estigma e confinamento. Revista Brasileira de Estudos de População v.
25, n. 1, p.167-190, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v25n1/v25n1a10.pdf. Acesso em: 29
mar. 2021.
34
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008.
21
35
LIMA, Zilda Maria Menezes. “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920/1942). Tese
(Doutorado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
36
LEANDRO, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, p.433-447.
37
CABRAL, Adriana Brito Barata. De Lazareto à Leprosário: políticas de combate à lepra em Manaus (1921-
1942). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Amazonas. Manaus, 2010.
38
CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2013.
22
primeiro, entre 1920 e 1930, a prática isolacionista implementada pelo regulamento sanitário
sofreu diferentes obstáculos, como a escassez de verbas, as incertezas biomédicas e o próprio
contexto político. Diferente do anterior, o segundo período, compreendido entre 1930 e 1941,
é considerado como o momento em que o isolamento compulsório ganhou força, isto por estar
assegurado pela proposta do governo federal em colaborar com o plano de construção de
leprosários, criado em 1935.39
Concomitante às mudanças nas ações públicas voltadas à lepra a partir da década de
1930, novos atores surgiram e a responsabilidade da assistência aos leprosos passou a ser
dividida com entidades filantrópicas organizadas por mulheres pertencentes às elites, nos
diferentes estados do país. A administração e participação dessas mulheres em entidades
beneméritas baseavam-se no discurso maternalista, que por sua vez era entendido como uma
forma de patriotismo e possibilitou que algumas delas tivessem participação social e política,
situação incomum antes da primeira metade do século XX.40
No que tange às entidades femininas criadas com o objetivo de atender as questões
ligadas aos leprosos, as Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra se
responsabilizaram por toda a ação em relação às famílias e filhos dos doentes. Campanhas de
arrecadação de verbas eram realizadas e se tentou empreender a construção de preventórios
em diferentes estados – instituições onde os filhos sãos dos doentes recebiam alimentação,
educação e saúde.
Sobre esse contexto, a dissertação de Saul Vicente dos Santos, intitulada, Entidades
filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra: ministério Gustavo Capanema
(1934-1945), apresenta reflexões com ênfase nas políticas e medidas contra a lepra entre 1934
e 1945. Ele também aborda como, a partir das Sociedades de Assistência aos Lázaros e
Defesa Contra Lepra, a filantropia se constituiu um marco nas relações entre entidades
assistenciais e os poderes públicos, na construção de uma rede assistencial de combate à lepra
e preocupada com a construção de preventórios.41
Em relação aos trabalhos existentes sobre o Hospital/Leprosário analisado nesta
dissertação, destaca-se a dissertação de Márcia Elizabeth Pinheiro dos Santos como o
primeiro e um dos poucos textos que abordam o tema. Intitulada Hospital São Christovão
39
CUNHA, Vívian da Silva. O isolamento compulsório em questão: políticas de combate à lepra no Brasil
(1920-1940). Dissertação (Mestrado) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2005.
40
MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945). Cadernos
Pagu, Campinas, n. 16, pp. 199-234, 2001.
41
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:
ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História
das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2006.
23
42
SANTOS, Márcia Elizabeth Pinheiro dos. Hospital São Cristóvão dos Lázaros: Entre os Muros da Exclusão.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA, Salvador, 2005.
43
PINHEIRO, Márcia Elizabeth; SANTOS, Eliana de Paula. Bahia: o espaço institucional de controle da lepra.
In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo:
LEER-USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019.
44
SAMPAIO, Muller. O Hospital dos Lázaros, as práticas e as representações da lepra na Bahia (1850-
1881). Monografia (especialização) – Especialização em História da Bahia, Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2021.
45
SILVA, Muller Sampaio dos Santos; BATISTA, Ricardo dos Santos. “Isolamento negro?”: O leprosário Dom
Rodrigo José de Menezes e as políticas de controle da lepra na Bahia. In: SANTANA, Jacimara Souza. Saúde
das populações negras na América e África. Salvador: Eduneb, 2021.
46
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e reforma da saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: Eduneb, 2017.
47
SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da. O Dispensário Ramiro de Azevedo e a constituição de políticas de
enfrentamento da tuberculose na Bahia na década de 1920. In: SILVA, Maria Elisa Lemos Nunes da; BATISTA,
Ricardo dos Santos (Orgs.). História e Saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia. – Salvador:
Eduneb, 2018; BATISTA, Ricardo dos Santos; Silva Maria Elisa Lemos Nunes da. A atuação de Antônio Luis
Cavalcanti e Albuquerque de Barros Barreto na Reforma Sanitária da Bahia (1924-1930). Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 40, n. 84, p. 313-337, mai.-ago., 2020.
48
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução
Bernardo Leitão (et al.). Editora da Unicamp, Campinas, 1990.
24
perspectiva, as fontes são observadas como fruto de um contexto específico, que visa à
transmissão de crenças, valores e visões de mundo das pessoas que as produziram.
Entre as principais fontes utilizadas, destacam-se as falas de Governadores, leis e
decretos sanitários estaduais e federais, e relatórios institucionais, como os produzidos pelas
Subsecretaria e Secretaria de Saúde e Assistência Pública (SuSAP e SSAP), coletados no
Setor de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Por se tratarem de
documentos institucionais, ligados à organização, orientação e desenvolvimento dos serviços
sanitários, essas produções podem ser encaradas como o resultado das relações de poder da
sociedade política que o fabricou.
No caso dos relatórios, documento utilizado para informar sobre os serviços
realizados e prestar conta dos gastos e investimentos, foi possível identificar certo interesse
em divulgar uma propaganda política dos indivíduos envolvidos nas ações. Isto, por sua vez,
exigiu um olhar cuidadoso no momento de análise das informações. É provável que o
processo de produção desses documentos tenha sido orientado pelo interesse em perpetuar
testemunho. Segundo Le Goff, cabe ao historiador reconhecer e desmontar essas
intencionalidades.49 Na afirmação do médico Octávio Torres, em relatório sobre as atividades
da Inspectoria da Lepra e das Moléstias Venéreas (ILMV), no ano de 1934, ele considerou
que: “Si de nada valessem os relatórios, pelo menos, elles representam os documentos nos
quaes os posteros poderão consultar a fim de escreverem com veracidade a história de factos
passados”.50
O interesse em produzir registros que se perpetuariam ao longo do tempo, não
desqualifica as produções de Octávio Torres em relação à importância do testemunho presente
em seus documentos. Evidenciar os interesses explícitos, e até mesmo os implícitos, é parte
do rigor metodológico de um trabalho no campo da história, pois é necessário consciência
sobre a não neutralidade das fontes. Nesse sentido, critica-se e analisa-se as condições de
produção, observa-se as informações em comparação, isolamento e confronto com diferentes
fontes.
A utilização de diferentes tipos de fontes possibilitou múltiplas versões sobre
determinados acontecimentos. Desse modo, foram identificadas contradições entre as matérias
49
LE GOFF, 1990, p. 472-473.
50
TORRES, Octávio. Relatório da Inspcetoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934.
Apresentado pelo dr. Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D.
Rodrigo José de Menezes. Bahia, 1936c, p. 4.
25
51
A orientação política dos jornais, em cada momento analisado, é importante para compreender possíveis
interesses políticos e sociais nas notícias, especialmente em um período extenso como o proposto nessa
dissertação. A análise dos jornais parte da ideia de “Grande Imprensa”, discutida por José Weliton Aragão dos
Santos. Segundo ele, o uso livre e indiscriminado do termo imprensa, em alguns trabalhos acadêmicos chega a
comprometer o seu entendimento. Após discordar/concordar com a periodização da história da imprensa no
Brasil, em diálogo com autores como Nelson Werneck Sodré, Santos afirma que a “Grande Imprensa” baiana
surgiu no período de 1910 a 1930, quando a: “empresa jornalística, indústria que mercantiliza a informação,
vende a notícia, tem como base de sustentação a publicidade e veicula a ideologia da classe dominante”. Ver:
SANTOS, José Weliton Aragão. Formação da grande imprensa na Bahia. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador: UFBA, 1985, p. 5.
52
SILVA, James Roberto. Doença, Fotografia e Representação: revistas médicas em São Paulo e Paris, 1869-
1925. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
53
SILVA, 2009, p. 44.
26
54
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 5. Ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2020. p. 41.
55
KOSSOY, 2020, p. 43.
56
Em 2008, no ano das Comemorações do Bicentenário da FMB, todos os números da GMB, de 1866 a 1984,
compilados pela Dra. Luciana Bastianelli, foram incluídos no “site” e esses, juntos aos conteúdos dos números
mais recentes (a partir de 2004), podem ser livremente consultados por palavra-chave, ano, autor ou título.
Disponível em: http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia. Acesso em: 30 de abr. 2022.
27
anos para alcançar uma cura definitiva. Nesse capítulo, essas questões são abordadas como
mais uma justificativa em defesa do isolamento de doentes, uma vez que, para alguns
médicos, esta ação garantiria a assistência e o cuidado higiênico dos doentes em condições de
“miserabilidade”.
No Capítulo 2 são analisadas as principais modificações no Hospital dos Lázaros
entre os anos 1921 e 1930. Para isso, foi necessário compreender as implicações do contexto
da reforma sanitária nacional, que culminou na criação do DNSP, bem como as
consequências do acordo entre a União e o estado da Bahia, com destaque para os
desdobramentos na estruturação das políticas assistenciais e de combate à lepra. Entre a
proposta de uniformização das ações sanitárias, em nível nacional, e a obrigatoriedade da
Bahia em desenvolver as medidas necessárias à profilaxia da lepra e das doenças venéreas,
também foi foco de discussão a ideia de “raridade” da lepra no estado baiano. Isso era
divulgado por alguns médicos que queriam construir uma história da enfermidade ligada aos
ideais científicos de contagiosidade e isolamento, mas que, para isto, sustentaram as
afirmações nas experiências individuais e não na elaboração de um censo sobre o número de
doentes. As ações de assistência à lepra ganharam maior destaque por parte do poder público
baiano a partir de 1921, entretanto, como também é apresentado nesse capítulo, as
modificações não foram suficientes e os leprosos isolados ainda viviam em condições de
precariedade, conforme as denúncias em periódicos que circulavam na cidade de Salvador.
No último capítulo analisou-se o papel desenvolvido pela atuação filantrópica e
médica no Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, o que foi viabilizado com a nomeação do
médico Octávio Torres para o cargo de diretor da instituição, em 1931. Neste mesmo
contexto, foram empreendidas modificações que objetivaram alcançar os padrões sanitários e
científicos do período e tornar o antigo hospital em um lugar de profilaxia e cuidado,
conforme sugere a mudança no seu próprio nome: Leprosário Dom Rodrigo José de Menezes.
Com o apoio da filantropia, sendo a SBCL sua principal representante, a vida dos doentes que
ali viviam foi transformada, conforme evidenciam os números relacionados à entrada
espontânea de doentes, os casos de cura, a situação de melhora no quadro clínico da maioria
dos internos e o aumento na expectativa de vida. As figuras apresentadas nesse capítulo
também possibilitam identificar mudanças na estrutura física e no próprio cotidiano dos
enfermos. Entretanto, a reorganização da instituição foi suspensa devido aos novos interesses
e à reorientação das ações assistenciais, em que antes eram voltadas exclusivamente para os
leprosos e, a partir de 1936, também incorporou os filhos sãos e a família dos enfermos. Essas
mudanças, fruto da uniformização dos estatutos da SBCL, sob orientação da FSALDCL,
28
Capítulo 1
57
Infelizmente não foram encontradas referências sobre o perfil editorial do jornal ETC.. Contudo, considera-se
que as concepções sobre a lepra, construídas por ele e pelos outros jornais utilizados nesse capítulo, não
dependem, necessariamente, da orientação política do periódico. O ETC. foi consultado na Hemeroteca Digital
Brasileira, respeitando as restrições impostas pela pandemia de Covid-19.
58
O. L., O Magno Problema da Lepra no Brasil. In: ETC., 26 mai. 1930, p. 6.
59
Também identificada como Mycobacterium leprae, este é o nome dado à bactéria responsável pela infecção
que culminará no desenvolvimento da lepra, atual hanseníase.
60
O. L., 1930, p. 6.
30
mesmo modo que a referência aos termos “horripilante” e “hedionda” apontam para as noções
estigmatizantes61 que envolveram a lepra no Brasil de 1920 e 1930.
Como poderá ser observado em fontes citadas ao longo deste capítulo, os termos
utilizados por O. L. eram comuns para caracterizar a lepra e o doente leproso. Em outra
reportagem, produzida pelo periódico A Tarde e publicada em 6 de abril de 1926, a doença
foi identificada como um “terrível morbo”, que ia “matando aos pedaços”.62 Esta definição
fazia referência ao processo lento e progressivo de suas manifestações patológicas. As
questões emocionais dos leprosos, oriundas da exclusão social, também foram mencionadas,
visto que eles estariam condenados pela “repugnância e perigo de contágio” a uma vida
afastada não só da convivência em sociedade, mas de todos os familiares e entes queridos.
Esta situação seria capaz de provocar ao “[...] coração do doente morte mais cruel [...]”.63
No tocante ao isolamento em instituições especializadas, o A Tarde justificou o
afastamento social dos doentes motivado tanto pela “repugnância” quanto pelo “perigo do
contágio”.64 Além desses motivos, é necessário acrescentar que a contagiosidade e a
incurabilidade da lepra se somavam ao medo de contrair uma enfermidade considerada física
e moralmente degenerativa. Noções que, por um longo período, legitimaram as práticas de
exclusão. Ao discutir sobre o assunto, Vívian Cunha considera que:
Torna-se claro que essa medida de exclusão social foi escolhida por
influência da “tradição de isolamento” dos séculos anteriores, vinculada à
questão do estigma da doença. Mas essa escolha, durante o século XX,
estava mais intimamente ligada à impossibilidade científica em definir
medidas que impedissem a propagação da doença ou mesmo em se descobrir
um medicamento que levasse o paciente à cura.65
61
Conforme o estudo de Erving Goffman, estigma é uma palavra de origem grega e que se referia aos sinais
corporais que identificavam alguma coisa de “extraordinário” ou um mau “status moral” de quem os
apresentava. Nesse sentido, os “sinais” no corpo, provocados por fogo ou cortes, anunciavam que o portador era
um escravo, um criminoso ou traidor, uma pessoa “ritualmente poluída” que deveria ser evitada especialmente
em lugares públicos. Cf. GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
[versão digitalizada] Tradução: Mathias Lambert. Data da digitalização: 2004. Publicação original: 1963.
62
O FLAGELLO DE DEUS..., A Tarde, Salvador. 6 abr. 1926, p. 1.
63
O FLAGELLO DE DEUS..., 1926, p. 1.
64
O FLAGELLO DE DEUS..., 1926, p. 1.
65
CUNHA, Vívian da Silva. O isolamento compulsório em questão: políticas de combate à lepra no Brasil
(1920-1940). Dissertação (Mestrado) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2005, p. 31.
31
66
BÉNIAC, Françoise. O medo da lepra. In: LEGOFF, Jacques (Org.). As doenças têm história. Tradução
Laurinda Bom. Lisboa: Terramar, 1991, p. 133.
67
BÉNIAC, 1991, p. 134.
68
CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2013, p. 27.
69
CABRAL, 2013, p. 28-30.
70
CABRAL, 2013, p. 30.
71
MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara
Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.). Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-
Unifesp, 2012, p. 84-85.
72
MONTEIRO, 2012, p. 88.
32
73
MONTEIRO, 2012, p. 88.
74
MARQUES, Arthur Nunes. Da Prophylaxia da Lepra. Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1924, p. 6-7.
75
Para mais informações, Cf: CABRAL, Dilma. Lepra, Medicina e Políticas de Saúde no Brasil (1894-1934).
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013; CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença.
Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1995; CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra
e isolamento no Brasil (1935/1976). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002; MONTEIRO, Yara Nogueira. Imaginário sobre a Lepra
e a Perpetuação dos Medos. In: MONTEIRO, Yara Nogueira; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. (Orgs.).
Doenças e os Medos Sociais. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2012; SOUZA, Ricardo Luiz de. Estigma,
discriminação e lepra. Curitiba: Ed. UFPR, 2015.
76
NASCIMENTO, Heleno Braz do. Mato Grosso: Lepra, segregação social e isolamento hospitalar (1816-1841).
In: MONTEIRO, Yara Nogueira. História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo: LEER-
USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019, p. 247.
77
BARBOSA, Salvador de Castro. Pequena contribuição ao tratamento da lepra. Faculdade de Medicina da
Bahia, 1924, p. 24.
33
“deformante” era considerada “duas vezes moléstia”. Ela deturparia os traços da face por
meio de uma “requintada maldade”.78 Esses argumentos, relacionados às manifestações mais
graves do mal de Hansen, apontam para as concepções médicas e sociais sobre a enfermidade.
Neste caso, o caráter “deformante” acrescentou maior gravidade ao seu significado e à
determinação como uma doença dupla.
O significado da lepra foi associado a representações pejorativas em muitos
momentos. Segundo Ricardo Souza, na Idade Média a doença representou o pecado, a
impureza e a maldição, mas no contexto do século XIX seu entendimento foi redefinido e ela
passou a figurar como uma doença das colônias, caracterizada pela “[...] a impureza dos
trópicos, vinculada à ‘inferioridade racial’ e ao ‘atraso’”.79 Assim como ocorreu com outras
enfermidades, a exemplo da sífilis,80 a lepra foi associada a concepções morais e significados
estigmatizantes devido às manifestações dermatológicas e físicas.
Lenita B. Lorena Claro afirma que o termo “lepra” é carregado de conteúdos
simbólicos e seu emprego no vocabulário popular geralmente se fundava/funda “[...] na visão
estereotipada dos casos avançados e sem tratamento, assim como (era) é usado com sentidos
metafóricos e algumas vezes pejorativos”.81 Com base na analogia com um dragão, Jair
Ferreira também discute a lepra e diferencia as concepções relacionadas ao termo,
considerado, por ele, como uma “lenda” que superestima as “reais” manifestações que
acometem os indivíduos “portadores de hanseníase”.82
Imaginário e a realidade se misturam na construção do estigma da lepra, definindo
uma diferenciação negativa, a partir de características atribuídas a uma pessoa ou grupo
social.83 As associações entre as concepções médicas e religiosas reforçam tal questão, o que,
de acordo com Luciano Curi, a define enquanto uma enfermidade sociocultural84: “[...] os
fenômenos físicos e biológicos ocasionados pelo Mycobacterium leprae nunca estiveram, e
ainda não estão, desacompanhados de inúmeras representações e de um imaginário
78
BARBOSA, 1924, p. 24.
79
SOUZA, Ricardo Luiz de. Estigma, discriminação e lepra. Curitiba: Ed. UFPR, 2015, p. 17.
80
BATISTA, Ricardo dos Santos. Mulheres livres: uma história sobre prostituição, sífilis, relações de gênero e
sexualidade. Salvador: Edufba, 2014. Cap. 2.
81
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz,
1995, p. 50.
82
FERREIRA, Jair. Prefácio. In: VELLOSO, Alda Py; ANDRADE, Vera. Hanseníase: curar para eliminar.
Porto Alegre, Edição das autoras, 2002, p. 9-10.
83
SOUZA, 2015, p. 13.
84
Conforme Luciano Curi, a conceituação da lepra enquanto uma enfermidade sociocultural é o mais adequado,
visto que ela se perpetuou ao longo dos séculos tanto “[...] em forma de memória; viva, oral, dinâmica,
constantemente reelaborada, quanto em forma de uma mitologia [...]”. O autor também considera que tal
conjuntura sociocultural “[...] oferecem sentido e subsídios para que as pessoas possam compreender os
fenômenos e a realidade que as cercam, no caso o ato de adoecer de lepra” (CURI, 2002, p. 47).
34
85
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935/1976).
Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002, p. 36.
86
MONTEIRO, 2012, p. 93.
87
CURI, 2002, p. 43.
88
CURI, 2002, p. 43-44.
89
O. L., O Magno Problema da Lepra no Brasil. In: ETC., 26 mai. 1930, p. 6.
90
O. L., 1930, p. 6.
35
exclusividade das produções leigas, sendo, também, identificados nas produções médicas. Em
sua tese de doutoramento defendida em 1927, Absalão Pereira de Almeida escreveu:
De acordo com a citação, os sintomas iam além das questões físicas e biológicas,
visto que a lepra impactava, da mesma forma, “moralmente sua victima”.92 Para Almeida,
além das manifestações físicas e dermatológicas que imprimiam uma fisionomia “brutal e
horrenda” ao leproso, havia os casos em que o doente desenvolvia pensamentos e ideias
“macabras”, sentimentos “bestiaes” e propensão a perturbações no humor.93 Isto implicava,
possivelmente, a compreensão de que o doente de lepra teria sua capacidade de raciocínio
reduzida e, portanto, era tratado como sujeito destituído de humanidade.
As concepções culturais e sociais sobre a lepra nortearam, também, determinados
parâmetros da ciência médica, que não pode deixar de ser pensada enquanto um produto do
seu próprio contexto. Como afirma Jean-Charles Sournia: “[...] por natureza a medicina é
histórica” e os médicos, por serem sujeitos pertencentes a uma determinada sociedade,
resultam dela e, consequentemente, “[...] partilham os seus ideais, os seus fantasmas, a sua
resistência à mudança, o seu encerramento em modelos conhecidos sobre a organização do
mundo e os seus mecanismos da vida”.94 As produções médicas utilizadas como fontes neste
estudo não eram isentas de influências socioculturais.
Em concordância com a afirmação de Jean-Charles Sournia sobre a constante relação
de reciprocidade entre os médicos e outros setores da sociedade,95 interpretam-se concepções
e classificações das doenças como produções que surgem e partilham dessa contextualização.
Ao analisar a doença como uma “entidade abstrata”, considera-se que ela não teria uma
“existência em si”, pois os médicos são responsáveis por atribuir uma noção intelectual às
indisposições sentidas por uma pessoa, em um processo identificado como: “[...] diagnóstico,
91
ALMEIDA, Absalão Pereira de. Estado actual da therapeutica da lepra. These (Cadeira de Dermatologia e
Syphiligraphia) Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1927, p. 5.
92
ALMEIDA, 1927, p. 5.
93
ALMEIDA, 1927, p. 5.
94
SOURNIA, Jean-Charles. O homem e a doença. In: LE GOFF, Jacques. As doenças têm história. Tradução
Laurinda Bom. Lisboa: Terramar, 1991, p. 360.
95
SOURNIA, 1991, p. 360.
36
96
SOURNIA, 1991, p. 359.
97
CABRAL, Dilma. A Lepra e os Novos Referenciais da Medicina Brasileira no Final do Século XIX. O
Laboratório Bacteriológico do Hospital dos Lázaros. In: NASCIMENTO, Dilene Raimundo do; CARVALHO,
Diana Maul de; MARQUES, Rita de Cássia (Orgs.). Uma história brasileira das doenças, v.2. – Rio de
Janeiro: Mauad X, 2006, p. 148.
98
Um dos indícios desse processo são os textos sobre a lepra publicados na Gazeta Médica da Bahia, uma
importante revista médica e científica naquele período, que, a partir de 1881, passaram a ser vinculados de forma
mais frequente em uma seção específica, a de “dermatologia”. Cf. SAMPAIO, Muller. O Hospital dos Lázaros,
as práticas e as representações da lepra na Bahia (1850-1881). Monografia (especialização) – Especialização
em História da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2021.
99
TORRES, Octávio. Relatório do Leprosário D. Rodrigo J. de Menezes, apresentado em janeiro de 1937
ao Dr. Secretário de Educação e Saúde pública. Pelo diretor do leprosário, Octávio Torres, 1936. Bahia, 1939,
p. 53.
100
Popularmente conhecida como catapora, ela é uma doença infecciosa e altamente contagiosa causada pelo
vírus Varicela-Zoster que se manifesta com maior frequência em crianças. A principal característica clínica são
lesões na pele acompanhadas de coceira. Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Catapora (Varicela): causas,
sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-
z/varicela-catapora. Acesso em: 30 de nov. 2021.
101
TORRES, 1939, p. 53.
37
102
TORRES, 1939, p. 53.
103
Nasceu no ano 1885, em Mucugê, Bahia, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1904, sendo
diplomado em 1909. Octávio Torres foi professor da Faculdade de Medicina da Bahia, estagiou em
universidades norte-americanas e desempenhou papel importante no desenvolvimento das ações de combate e
assistência à lepra, principalmente a partir de 1930, quando ocupou o cargo de diretor do Hospital dos Lázaros,
mesmo período em que a instituição passou por uma reforma e foi renomeada como Leprosário D. Rodrigo José
de Menezes.
104
TORRES, Octávio. UM CASO DE LEPRA: Considerações sobre as lesões nasaes da lepra. In: BAHIA,
Gazeta Médica da Bahia. v. 59, n. 1, jul. 1928, p. 27.
105
TORRES, 1928, p. 27.
106
A Leishmaniose Visceral (LV), também conhecida como calazar, é uma doença causada por um protozoário
da espécie Leishmania chagasi, de evolução crônica, com acometimento sistêmico e, se não tratada, pode levar a
óbito até 90% dos casos. Cf. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Leishmaniose Visceral. Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/l/leishmaniose-visceral. Acesso em: 10 de dez. 2021.
38
107
TORRES, 1928, p. 28.
108
TORRES, 1928, p. 29.
109
ALMEIDA, Absalão Pereira de. Estado actual da therapeutica da lepra. Faculdade de Medicina da Bahia.
Bahia, 1927, p. 4.
39
compreendidos como algo superior a outras formas de conhecimento. É certo que a medicina
havia compreendido questões importantes sobre o mal de Hansen desde a descoberta do
bacilo, na segunda metade do século XIX, entretanto, a contagiosidade, o tratamento e a
possibilidade de cura permaneciam incertos ainda nas primeiras décadas do século XX.
O receio da enfermidade pode ser ilustrado por uma citação do médico Belisário
110
Pena em duas teses de doutoramento da FMB. A primeira foi apresentada em 1926, por
Durval Moreira da Silva e, a segunda, em 1927, por Absalão Pereira de Almeida –, nas quais
a lepra, considerada uma doença crônica e de longa duração, foi apresentada como uma
entidade “repugnante” e “martyrisadora”, capaz de roubar a vida da “pobre vítima”, “[...]
atrofiando-a, manchando-a, mutilando-a, apodrecendo-a lenta e progressivamente [...]”, até
que uma moléstia intercorrente libertava, pela morte, do “suplício infernal”.111
A forma como Pena classificou a lepra, provavelmente com o intuito de impactar o
imaginário social, reforça significados e concepções estigmatizantes que não se estendiam a
todos os casos clínicos da doença. Clinicamente a lepra não seria capaz de “apodrecer”
alguém. A utilização desse tipo de definição, baseada no “exagero”, não era algo incomum
nas concepções sobre a enfermidade e, em alguns momentos, foi adotada como estratégia para
evitar sua propagação pelo medo. Como afirmou Salvador de Castro Barbosa, mesmo não
concordando com o alto risco de contagiosidade da lepra: “Certamente sob o ponto de vista
social, é vantajoso exagerar-lhe o perigo”.112
O exagero e a noção de perigo vinculados à enfermidade se mantiveram mais
relacionados ao medo e à repulsa do que à doença propriamente dita. As associações entre os
leprosos e as diversas deformações provocadas pela enfermidade se fundamentavam no
exagero e correspondiam às representações existentes desde o princípio da Idade Média.113
Todavia, os diferentes sintomas e manifestações provocados pela lepra não podem ser
110
Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1890. Em 1904, no Rio de Janeiro passou
a trabalhar na DGSP. Nos anos seguintes, colaborou no combate à febre amarela, malária e outras doenças em
diversos pontos do território nacional. Em 1918, assumiu a direção do Serviço de Profilaxia Rural. Em 1920, foi
nomeado diretor de saneamento rural do Departamento Nacional de Saúde. Dois anos depois, exonerou-se desse
cargo por discordar das interferências políticas no órgão. Em 1924, manifestou-se publicamente a favor dos
levantes tenentistas deflagrados contra o governo de Artur Bernardes. Por conta disso, foi preso por seis meses.
Entre 1927 e 1928, voltou a percorrer o Brasil como chefe do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária. Em
1930, participou dos preparativos da revolução no Rio Grande do Sul. Após a vitória do movimento, foi
nomeado diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Em setembro de 1931, foi nomeado
ministro da Educação e Saúde, ficando no cargo por três meses. Ainda em 1932, exonerou-se da direção do
DNSP. Cf. PENA, Belisário. Verbete. Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/belisario_pena. Acesso em: 16 de dez. 2021.
111
ALMEIDA, 1927, p. 4.; Cf. LIMA, Durval Moreira da Silva. Da Lepra na Bahia (Notas e Factos).
Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1926, p. 4.
112
BABOSA, 1924, p. 25.
113
CURI, 2002, p. 62.
40
114
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA. Tratado de leprologia – Volume II. 2. ed, Rio de Janeiro, 1950.
115
João de Aguiar Pupo (12 mai. 1890 – 23 ago. 1980) graduou-se em 1912 na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Recém-formado foi convidado por Arnaldo Vieira de Carvalho para trabalhar como Preparador da
Cadeira de Química Médica, a qual assumiu, como substituto, em 1914; em 1929 tornou-se Catedrático de
Dermatologia e Sifilografia. Sendo um dos maiores nomes da Dermatologia brasileira. Cf. MUSEU
HISTÓRICO DA FMUSP. História biográfica: João Aguiar Pupo (1890 - 1980). Disponível em:
http://www.pesquisadores.museu.fm.usp.br/index.php/jo-o-aguiar-pupo-1890-1980;isad. Acesso em: 24 dez.
2021.
41
1 demonstrativo dos possíveis resultados. Tal quadro clínico não era comum, mas as
concepções e símbolos baseados em antigas noções da doença sustentavam exemplos como
este para justificar o temor e a rejeição aos doentes. O temor à lepra era provocado pelo
resultado da enfermidade e não, necessariamente, pela sua transmissão.116
Ainda sobre a Figura 1, as possíveis manifestações provocadas pela lepra no corpo
do doente chamam a atenção, sendo evidentes as alterações na face, nas mãos e nos pés.
Destaca-se, também, a incapacidade de mobilidade do enfermo, tanto pela posição dos pés,
devido às alterações provocadas pela lepra, quanto pela cadeira de rodas em que ele estava
sentado no momento do registro fotográfico. O caso se apresenta como importante retrato das
diferentes manifestações da lepra, dada a sua variedade de sintomas e a possibilidade de
atingir diferentes regiões do corpo, podendo causar, inclusive, incapacidades físicas.
A incapacitação física dos enfermos, no entanto, não era tema recorrente nas
produções que se referiam à lepra, sendo mais comum menções às suas manifestações na face.
Isto, talvez, por ser o local em que surgiam as primeiras evidências, ao contrário da invalidez,
mais recorrente em estágios avançados. Conforme descreveu Arthur Nunes Marques, em sua
tese de doutoramento:
116
CURI, 2002, p. 61-62.
117
MARQUES, 1924, p. 25.
118
MARQUES, 1924, p. 25-26.
42
Figura 2. Esses registros fazem parte de um álbum fotográfico organizado pela SBCL,
referente ao contexto da década de 1930. Não foi possível encontrar informações sobre a
identidade dos enfermos.
119
TORRES, Octávio; SPINOLA, Colombo. Manifestações Oto-Rhino-Laryngologicas da Lepra.
Apresentado à Semana Médica, commemorativa do 25º anniversário da Sociedade de Medicina, reunida na
Bahia, de 17 a 23 de dezembro de 1933, p. 2.
120
TORRES; SPINOLA, 1933, p. 7.
121
MARQUES, 1924, p. 25.
122
BARBOSA, 1924, p. 24.
43
Como foi apresentado, desde períodos mais longínquos na história humana, a lepra
permaneceu vinculada a concepções estigmatizantes. O risco de contágio, teoria defendida por
alguns médicos, unido ao medo e a repulsa – influenciados pelas manifestações no corpo do
doente e pelo imaginário sociocultural – justificaram a exclusão social e a defesa do
isolamento dos leprosos. O receio e a repulsa, em muitos casos, motivaram o próprio doente a
optar pelo afastamento da convivência em sociedade, a fim de evitar julgamentos e situações
123
MARQUES, 1924, p. 31-32.
124
ALMEIDA, 1927, p. 5.
125
A cura da lepra pela medicina só foi confirmada na década de 1940 a partir da utilização das “sufonas”,
substâncias desenvolvidas a partir de estudos bioquímicos. Para mais informações, cf. SANTOS, Fernando
Sergio Dumas dos; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de chaulmoogra como
conhecimento científico: a construção de uma terapêutica antileprótica. História, Ciências, Saúde–
Manguinhos. 2008, v. 15, n. 1, pp. 29-46.
44
126
ALMEIDA, 1927, p. 5.
127
A MORPHÉA: extracto da conferencia scientifica internacional sobre a morphéa, realizada em Berlim em
outubro de 1897, 6ª sessão. In: BAHIA. Gazeta Médica da Bahia. Anno XXX, n.1, jul. 1898, p. 20-21.
128
A MORPHÉA: extracto da conferencia scientifica internacional sobre a morphéa, realizada em Berlim em
outubro de 1897, 5ª sessão. Ordem do dia: Isolamento dos leprosos. In: BAHIA. Gazeta Médica da Bahia.
Anno XXX, n.1, jul. 1898, p. 7.
129
ALMEIDA, 1927, p. 5.
45
pela falta de reação imediata após a penetração da bactéria e o seu longo período de incubação
que poderia durar, variavelmente, meses ou anos.
Fundamentado em registros da literatura médica, Arthur Nunes Marques também
descreveu os longos períodos de incubação do bacilo da lepra e citou exemplos de casos que
duraram anos sem sintomas próprios da enfermidade – alguns com períodos de 27 anos e um
caso de 32 anos. A respeito da “invasão” do bacilo no organismo, ele ainda afirmou que o
início da “infecção leprosa” se apresentava a partir dos sintomas: “[...] coryza, rachialgias,
arthralgias, somnolencia, febre de duração variável, anemia, alquebrantamento, tristeza, etc.,
até que a erupção maculosa [...]” dava início a evolução de uma das suas formas clínicas.130
Conforme o conhecimento da medicina do período, a lepra poderia se manifestar a
partir de três formas: a forma tuberculosa; a forma nervosa; e a forma mixta. Cada uma
delas possuiria sintomas variáveis que exigiam atenção, cuidados e uma terapêutica
específica, o que tornava imprescindível o diagnóstico precoce e seguro. Com essa
preocupação, Absalão Almeida considerava fundamental que os seus pares conhecessem as
diferentes manifestações da lepra, pois estas não estavam restritas às características da “face
leonina”, das atrofias e das “horrorosas mutilações”.131
Os sintomas mais “discretos”, por sua vez, passavam despercebidos pelos doentes ou
eram interpretados de forma equivocada pelos próprios médicos. De acordo com Almeida,
poderiam sinalizar suspeita da lepra o entupimento nasal, como se o enfermo estivesse sempre
resfriado; o aparecimento de “erythemas”132 de tamanhos, formas e coloração variados,
acompanhados de coceira ou não; manchas pequenas semelhantes às das sardas; presença de
bolhas nas costas das mãos, dos pés, cotovelos e joelhos, que caso fossem perfuradas
liberavam sangue ou sangue e pus com odor fétido. Ao lado de todos esses sintomas
possíveis, eram acrescidas dormência e anestesia.133
Para um diagnóstico seguro era preciso observar as características da enfermidade ou
realizar o exame bacteriológico. Sobre a sintomatologia das três formas clínicas da lepra, o
encontro de sintomas comuns era habitual, principalmente nas últimas fases de sua evolução.
Na forma mixta predominavam, ao mesmo tempo, sintomas da lepra tuberculosa e da lepra
nervosa. A união das manifestações na forma mixta tornava impossível distinguir se as
primeiras manifestações derivavam da forma tuberculosa ou nervosa. Os sintomas mais
comuns eram anestesias, dormências nas superfícies eritematosas com coloração e formas
130
MARQUES, 1924, p. 21.
131
ALMEIDA, 1927, p. 8.
132
Eritema é o nome clínico para manchas vermelhas na pele, ocasionadas por uma vasodilatação capilar.
133
ALMEIDA, 1927, p. 9-10.
46
137
ALMEIDA, 1927, p. 9.
138
BARBOSA, 1924, p. 32.
139
BARBOSA, 1924, p. 31.
140
ALMEIDA, 1927, p. 47.
141
ALMEIDA, 1927, p. 47-48.
142
AGUIAR PUPO, s.d. apud ALMEIDA, 1927, p. 4.
48
143
BRASIL. Lei n. 3.987, 20 de janeiro de 1920b. Lei que reorganiza os serviços de saúde pública. Rio de
Janeiro, 1920.
144
LIMA, Zilda Maria Menezes. “O grande polvo de mil tentáculos”: a lepra em Fortaleza (1920/1942). Tese
(Doutorado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007, p. 87.
145
LIMA, 2007, p. 88.
146
LIMA, 1926, p. 14.
49
147
LIMA, 1926, p. 14.
148
LIMA, 1926, p. 9.
149
LIMA, 1926, p. 9.
150
LIMA, 1926, p. 10.
151
LIMA, 1926, p. 10-11.
50
apresentou orientações para as pessoas “sãs”, caso precisassem estabelecer algum contato
com um doente: em uma conversa com um leproso, certa distância das gotículas de saliva
contaminada deveria ser observada “discretamente” pelo indivíduo são, pois poderia se
contaminar com a eliminação bacilar pela boca.152
Segundo Marques, era essencial que as pessoas consideradas “sãs” se submetessem a
regras de higiene “sociais” e “privadas” para a prevenção, uma vez que a alimentação, as
condições de vida, civilização, etc., poderiam influenciar no desequilíbrio do corpo e, em
algum momento, oferecer oportunidade ao bacillus leprae.153 Os cuidados com a
alimentação, com a higiene individual e a necessidade de mudanças em alguns costumes
também se faziam necessários. Entre estes, o hábito de levar o alimento à boca com as mãos,
bem como, o costume de contar dinheiro e folhear livros humedecendo os dedos com saliva,
ambos considerados um atentado às regras de higiene e como um perigo de contágio.154
Em relação aos interesses do poder público baiano no assunto, em 1924, Marques
ainda afirmou que o leprosário era a maneira mais eficaz para o isolamento. Em sua opinião, o
superintendente dos Serviços Sanitários Federais na Bahia, professor Pirajá da Silva, não
media esforços para criar um leprosário no estado. Entre as expectativas, esperava-se
construir um sítio em uma ilha, ou um “asylo”, onde os sofrimentos dos enfermos fossem
“minorados”.155 De tal modo, as práticas de assistência à lepra, por parte do poder público, se
davam a partir do isolamento:
152
MARQUES, 1924, p. 61.
153
MARQUES, 1924, p. 59-60.
154
MARQUES, 1924, p. 61-62.
155
MARQUES, 1924, p. 70-71.
156
MARQUES, 1924, p. 71.
51
157
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. Cria e organiza a Sub-Secretaria de Saúde e Assistência
Pública. Salvador, 1925, p. 22.
158
LIMA, 1926, p. 9-10.
159
LIMA, 1926, p. 9.
52
160
Para mais informações sobre a questão racial e a abolição, conferir ALBUQUERQUE, Wlamyra. O Jogo da
dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, companhia das Letras, 2009.
161
SOUZA, Christiane Maria Cruz de. A gripe espanhola na Bahia: saúde, política e medicina em tempos de
epidemia. Rio de Janeiro/Salvador: Editora Fiocruz/Edufba, 2009, p. 39.
162
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos Operários: Uma História da Greve Geral de 1919
na Bahia. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2001, p. 37.
53
leprosos em instituições específicas para esse fim constituía parte do aparato profilático, um
tema quase unânime entre as abordagens sobre a lepra. Porém, semelhante às discussões em
nível nacional, os médicos baianos também divergiram sobre a forma e as condições do
isolamento, uma vez que as opções sobre a segregação domiciliar ou nosocomial – sendo esta
última em instituições do tipo hospital, leprosário ou leprosário-colônia – compreendiam
possibilidades e obstáculos distintos.
Como analisou Vivian da Silva Cunha, no contexto de criação do DNSP, a escassez
de verbas e a consequente falta de instituições em número suficiente para abrigar os leprosos
impossibilitou o interesse de Eduardo Rabello, inspetor do DNSP, em definir a
obrigatoriedade do isolamento apenas em leprosário, no seu regulamento.163 Por este motivo,
segundo as determinações previstas pela Inspetoria, o isolamento domiciliar foi aprovado,
mas o doente que optasse por ele deveria fazer adaptações nos cômodos e receber aprovação
por parte da autoridade sanitária.164
O isolamento, prática antiga no controle da lepra, reassumiu novos sentidos com o
advento das concepções científicas e passou a ser defendido baseado na transmissão e no
“perigo” de contágio. Sobre a terapêutica, também houve posicionamentos em defesa da sua
exclusividade nos leprosários. Para Lima, os atendimentos em dispensários ofereciam sucesso
para tratar moléstias como a sífilis, por ser um problema clínico, terapêutico e individual, ao
contrário da lepra que, segundo ele, era um “problema exclusivamente higiênico e social”.165
Para o estudante, o atendimento de leprosos em dispensários poderia causar efeito
contrário, pois a terapêutica era “ineficaz” e o local servia como espaço de propagação do
“mal”. Defensor do isolamento em leprosário, ele foi favorável ao sequestro de todos os
leprosos e defendeu, quando necessário, o uso da força ou da persuasão para aqueles que não
o aceitassem de forma voluntária.166 Hisbello de Andrade Lima também era adepto do
isolamento, que defendia como meio “excelente de proteção social”, mas reconheceu a
impossibilidade de isolar todas as pessoas em um país com contexto endêmico.167 Motivado
por tal problemática, concordou com a possibilidade de “liberdade” para os doentes que
poderiam viver às suas próprias custas, desde que cumprissem as prescrições indicadas a
163
CUNHA, Vivian da Silva. Isolados 'como nós' ou isolados 'entre nós'?: a polêmica na Academia Nacional de
Medicina sobre o isolamento compulsório dos doentes de lepra. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio
de Janeiro, v. 17, n. 4, out.-dez. 2010, p. 939-954, p. 945.
164
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923. Aprova o regulamento do Departamento Nacional
de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1923.
165
LIMA, 1926, p. 18.
166
LIMA, 1926, p. 18.
167
LIMA, Hisbello de Andrade. Ligeiras Considerações Sobre a Lepra. These (Cadeira de Clínica
Dermatológica e Syphiligraphica). Faculdade de Medicina da Bahia, Bahia, 1910, p. 38.
54
173
MOREIRA, Virlene Cardoso. A Pediatria na Bahia: o processo de especialização de um campo científico
(1882-1937). Tese (Doutorado – Ensino, Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2017, p. 68-69.
174
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e Reforma da Saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: EDUNEB,
2017, p. 134-135.
175
BATISTA, Ricardo dos Santos. Distintas posições: médicos baianos e o ensino de Sifilografia na Faculdade
de Medicina da Bahia (1895-1945). Dimensões, v. 34, 2015, p. 184-203, p. 192.
176
BATISTA, 2015, p. 194-197.
177
CUNHA, 2005, p. 55-56.
56
178
BARBOSA, 1924, p. 35.
179
MARQUES, 1924, p. 39-40.
180
BARBOSA, 1924, p. 59.
181
MOTA, 1914, p. 94-95.
57
facilidade nos cuidados com a higiene individual e a alimentação. Todas eram entendidas
como questões essenciais no processo de tratamento,182 porém, para que fossem
desenvolvidas, era necessário um grande investimento em recursos humanos e financeiros,
capaz de criar e manter instituições que oferecessem assistência necessária.
Em relação à Bahia, Durval Moreira da Silva Lima afirmou que a “pedra
fundamental” da campanha contra a lepra no estado seria a construção de um “leprosário
modelo”, em local apropriado e cumprindo as exigências e os requisitos que a “higiene
moderna” estabelecia. Até aquele momento havia apenas o Hospital dos Lázaros – existente
desde 1787 na capital do estado e que, inclusive, passava por reformas. Esperava-se que o
governo construísse uma “Colônia Agrícola” prevista pelo Código Sanitário de 1925.183
Entretanto, diferente das orientações expostas pelo estudante de medicina, a assistência aos
leprosos na Bahia nem sempre se manteve próximo do que era estabelecido pela lei. Tema
que será analisado no próximo capítulo.
182
BARBOSA, 1924, p. 58-60.
183
LIMA, 1926, p. 6.
58
Capítulo 2
Este capítulo tem como objetivo analisar as transformações ocorridas no Hospital dos
Lázaros, localizado na cidade de Salvador, a partir da Reforma Sanitária da Bahia iniciada em
1921. No acordo firmado entre o estado e a União, a instituição passou a receber maior
atenção das autoridades públicas. Ações assistenciais e de controle da lepra também foram
empreendidas e reelaboradas no estado baiano durante a década de 1920, pelo recém-criado
SPSLDV, em 1925, que definiu a segregação dos doentes considerados indigentes e a
vigilância do isolamento domiciliário de leprosos não indigentes. No entanto, como será
observado ao longo deste capítulo, as fontes também permitiram perceber que tais
intervenções não significaram mudanças significativas nas condições de vida dos internos.
184
LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: o Brasil
descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo
Ventura (Orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996.
185
LIMA; HOCHMAN, 1996, p. 25.
186
LIMA; HOCHMAN, 1996, p. 25.
59
187
HOCHMAN, Gilberto. Logo ali, no final da avenida: Os sertões redefinidos pelo movimento sanitarista da
Primeira República. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 5 (suplemento), 217-235, jul. 1998. p. 219.
188
SANTOS, FARIA, 2003. p. 28.
189
THIELEN, 1992.
190
BRASIL. Lei n. 3.987, 20 de janeiro de 1920b.
191
HOCHMAN, 1998, p. 225.
60
capital do estado, além das problemáticas desencadeadas pela divisão dos diferentes serviços
de saúde ligados a instâncias governamentais distintas como a União, o estado e o município.
Este contexto também contribuiu para um maior apoio à criação de políticas centralizadas, o
que ocorreu na reforma sanitária iniciada em 1920.
A reforma sanitária na Bahia aconteceu entre a gestão de dois opositores políticos:
José Joaquim Seabra (1912-1916 e 1920-1924)203 e Francisco Marques de Góes Calmon
(1924-1928). O acordo entre a União e o estado, em 1921, que permitiu a realização dos
serviços de Profilaxia Rural, de combate à lepra e às doenças venéreas, de luta antituberculose
e de higiene infantil, ocorreu no governo seabrista, que pretendia reverter o quadro de atraso e
estabelecer a higienização dos espaços públicos e privados.204 Em sequência, aconteceu a
reorganização proposta pelo governo de Góes Calmon que, além de criar a SuSAP, órgão
subordinado ao governador e responsável por gerir todos os serviços de higiene e saúde
pública executados no estado, promulgou um Código Sanitário que seguia as determinações
técnicas de saúde pública do momento.205
Ao ser eleito como governador para o quadriênio 1924-1928, Góes Calmon deu o
primeiro passo em direção à unificação dos serviços de saúde na Bahia. A substituição da
Diretoria Geral da Saúde Pública da Bahia (DGSPB) pela SuSAP foi realizada pelo médico
Antonio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto, personagem importante na
reforma.206 Ele estudou na turma de 1913 do Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz e
foi bolsista da Fundação Rockefeller entre 1921 e 1922.207 Ao analisar sua atuação na reforma
sanitária da Bahia, Batista e Silva destacaram que ele ocupou lugar de chefia sanitária nas três
esferas de governo (municipal/Salvador, estadual e federal), e a boa relação com Góes
Calmon, inclusive pela condição de genro, proporcionou condições essenciais para assegurar
a autonomia necessária à implantação das medidas que defendia.208 Representante do
processo centralizador, se tornou uma ameaça para o projeto político de Seabra e seus
203
J. J. Seabra assumiu o papel de liderança política na Bahia por um período de 12 anos. Esteve no governo
entre 1912 e 1916, passando o poder para o apadrinhado, Antonio Ferrão Moniz de Aragão, que comandou o
governo entre 1916 e 1920, período em que J. J. Seabra reassumiu o governo (BATISTA, 2017; SOUZA, 2009).
204
BATISTA, Ricardo dos Santos. Sífilis e reforma da saúde na Bahia (1920-1945). Salvador: Eduneb, 2017,
p. 71.
205
BATISTA, 2017, p. 71.
206
Para mais informações sobre a trajetória de Barros Barreto, cf. BATISTA, Ricardo dos Santos. A formação
inicial de Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto: uma trajetória rumo à saúde internacional.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 3, p. 801-822, jul-set. 2019a.; BATISTA,
Ricardo dos Santos. Educação e propaganda sanitárias: desdobramentos da formação de um sanitarista brasileiro
na Fundação Rockefeller. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p. 1189-1202,
out.-dez. 2019b.
207
BATISTA, 2019a.
208
BATISTA; SILVA, 2020. p. 323.
63
Para Gonçalo Moniz, os motivos que indicavam o reduzido número de casos de lepra
estavam relacionados aos números anuais de óbitos pela doença. Conforme suas
considerações, “[...] sempre representado por algumas unidades, [...]” uma parte destes óbitos
eram de pessoas que pertenciam a outras regiões do país. Com a intenção de reforçar sua
argumentação, também acrescentou que dos 25 leprosos recolhidos no final de 1920, “[...] 7
eram naturaes de outros Estados (Pará, Ceará, Parahyba, Sergipe, Minas-Geraes) e já estavam
com a infecção, mais ou menos manifesta, quando chegaram a esta cidade”.212
Tal noção também serviu para tentar legitimar o projeto de construção de um
pavilhão especial para leprosos que, provavelmente, despenderia menos gastos por parte do
estado na sua construção/manutenção e visava à reunião da instituição na mesma área
209
BATISTA, 2017, p. 186.
210
SEABRA, José Joaquim. Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa do Estado da Bahia em
sua 1ª reunião da 16ª legislatura pelo Dr. José Joaquim Seabra. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1922. p.
36.
211
MONIZ, Gonçalo. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Cons. J. J. Landulpho Medrado, D. D. Secretário do
Interior, Justiça e Instrucção Publica do Estado da Bahia, pelo Dr. Gonçalo Moniz, director geral da Saude
Publica. Bahia, 21 de fevereiro de 1921. In: SEABRA, José Joaquim. Mensagem apresentada à Assembleia
Geral Legislativa do Estado da Bahia em sua 1ª reunião da 16ª legislatura pelo Dr. José Joaquim Seabra.
Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1922. p. 432.
212
MONIZ, 1922, p. 432.
64
ocupada pelo Hospital de Isolamento de Monte Serrat.213 Para Gonçalo Moniz, a “raridade”
da lepra no estado não exigia o “[...] estabelecimento de maiores proporções para a
segregação dos affectados do mal”.214 Entretanto, o empreendimento não foi executado,215
visto que o Hospital dos Lázaros seguiu funcionando no prédio localizado na Baixa de
Quintas até o ano de 1949, quando foi inaugurada a Colônia Dom Rodrigo José de Menezes,
no bairro de Águas Claras.216
O exemplo acima não foi um caso isolado, visto que há evidências da crença na lepra
enquanto uma doença “rara” no estado baiano em outras fontes consultadas. Como exemplo, a
reportagem publicada pelo jornal A Tarde, no ano de 1926, em que o então professor da
Cátedra de Dermatologia e Sifilografia na FMB, Albino Leitão (1914 e 1945),217 comentou
sobre a urgência de uma campanha de combate à lepra no Brasil e ressaltou que “o mal” não
se achava igualmente disseminado pelos diferentes estados da União.
Ao comentar sobre a Bahia, Albino Leitão ressaltou que estava ciente da deficiência
dos dados estatísticos produzidos à época, mas ainda assim afirmou que “[...] os casos de
lepra são relativamente pouco frequentes” no estado, conclusão elaborada a partir da sua
“impressão pessoal, compartilhada por alguns collegas”.218 Ao sugerir que os casos de lepra
no estado baiano eram de “relativa raridade”, sem promover um estudo, um levantamento ou
recenseamento prévio, Albino Leitão aponta um consenso do grupo de médicos para sustentar
tal noção.
No mesmo ano em que o catedrático foi entrevistado pelo A Tarde, Durval Moreira
da Silva Lima apresentava sua tese de doutoramento na FMB. Segundo o estudante de
213
Segundo Souza (2009, p. 61), o Hospital de Isolamento foi criado em 1853, pelo então presidente da
província, José Mauricio Wanderley, a fim de isolar os acometidos pela febre amarela. Sua localização, no Alto
de Monte Serrat, foi orientada ela concepção médico-científica baseada no conceito de transmissão, a qual
recomendava o isolamento em local distante dos centros urbanos, a fim de evitar a disseminação da doença entre
a população sadia. Desde a sua fundação, passou a acolher os atingidos pelas epidemias de doenças
transmissíveis, que periodicamente atingiam a Bahia.
214
MONIZ, 1922, p. 353.
215
De acordo com Souza (2009, p. 75), ao analisar a reforma do Hospital de Isolamento de Monte Serrat em
março de 1920, a construção do pavilhão para leprosos teria continuado no papel por falta de recursos
financeiros. Para mais informações sobre a reforma do Hospital cf. SANTOS, Chacauana Araújo dos. “Medidas
sanitárias de que a Bahia precisa”: as delegacias de saúde, o hospital de isolamento e a reforma sanitária em
Salvador (1921-1930). Alagoinhas, 2018. p 64-75.
216
PINHEIRO, Márcia Elizabeth; SANTOS, Eliana de Paula. Bahia: o espaço institucional de controle da lepra.
In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da Hanseníase no Brasil: silêncios e segregação. São Paulo:
LEER-USP; Fundação Paulista Contra a Hanseníase; Intermeios, 2019.
217
Com o intuito de observar como o ensino relacionado à sífilis surgiu e se desenvolveu em Salvador, Batista
(2015) analisou as atividades da Cátedra de Dermatologia e Sifilografia na FMB, entre os anos de 1895 e 1945, e
abordou questões relacionadas a atuação do médico e professor Albino Arthur da Silva Leitão. BATISTA,
Ricardo dos Santos. Distintas posições: médicos baianos e o ensino de Sifilografia na Faculdade de Medicina da
Bahia (1895-1945). Dimensões, v. 34, 2015, p. 184-203.
218
O FLAGELLO de Deus. A Tarde, Salvador. 6 abr. 1926. p. 1.
65
medicina, ao estabelecer uma relação entre a Bahia e os outros estados da União, o estado
baiano representava “condições excepcionaes”, sendo esta a “[...] razão pela qual figura a
Bahia, nas diversas estatísticas, entre as unidades da Federação que menor coefficiente de
leprosos possuem”.219
Para o médico, tal contexto representava facilidade e maior probabilidade de êxito no
combate à lepra no estado, contudo acrescentou que tal situação não deveria estar isenta de
críticas. Segundo o estudante, os poderes competentes não deram ouvidos às reclamações de
autoridades médicas como Argollo Ferrão, Nina Rodrigues e Silva Lima, que publicaram
artigos chamando a atenção da Saúde Pública do estado nos respectivos anos de 1871, 1891 e
1898. Em tom dramático, o estudante assinalou que, ainda no ano de 1926, pouco era feito
“[...] para impedir a diffusão de tão pavoroso mal [...]”, o que o levava a crer que o número de
leprosos cresceria cada vez mais.220
Apesar de reconhecer o baixo número de leprosos na Bahia, ele também advertiu:
“Pensamos que não é actualmente muito elevado no nosso Estado o numero de morpheticos,
no entanto não existem apenas, como muitos julgam, somente os que se acham internados no
nosso Hospital de Lazaros”.221 Esta frase possibilita a reflexão sobre as ideias médicas, e
talvez da própria população, em torno da especulação na quantidade de leprosos existentes na
Bahia. Afinal, é provável que os poucos doentes internados no único leprosário do estado
fossem vistos como o reflexo de uma doença que não era tão frequente. Ao concluir sobre o
assunto, Durval Lima acrescentou: “Para que o soubéssemos, mister seria que a nossa Saúde
Pública tivesse conhecimento de todos os que entre nós existem, afim de que, como só ella o
pode fazer, fosse levantada uma estatística dos morpheticos, que conta a Bahia”.222
No entanto, o dilema em relação à produção de dados estatísticos sobre a lepra na
Bahia se arrastou por alguns anos, esteve no centro de debates médicos e, também, foi alvo de
críticas como as proferidas por Heraclídes Cesar de Souza-Araújo,223 um importante
219
LIMA, Durval Moreira da Silva. Dissertação da Lepra na Bahia (Notas e Factos). These (Afim de obter o
grau de doutor em Sciencias Medico Cirurgicas) – Faculdade de Medicina da Bahia: Salvador, 1926. p. 4.
220
LIMA, 1926, p. 5.
221
LIMA, 1926, p. 9.
222
LIMA, 1926, p. 9.
223
Nasceu em 24 de junho de 1886, em Imbituva (PR). Em 1912 formou-se pela Escola de Farmácia de Ouro
Preto. No ano seguinte transferiu-se para a capital federal e ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro e no Curso de Aplicação do IOC, onde foi aluno de Adolpho Lutz e trabalhou com doenças venéreas.
Nesse período, por indicação de Adolpho Lutz, especializou-se em dermatologia na Universidade de Berlim,
onde apresentou um trabalho sobre a lepra no Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, concluiu em 1915 a graduação
em medicina com a tese Estudo clínico do granuloma venéreo: casos observados no Brazil, Uruguay e
Argentina e permaneceu no IOC, além de ter estagiado no Hospital dos Lázaros. Participou de associações
acadêmicas e profissionais em todo o mundo, tendo contribuído para a criação da Sociedade Internacional de
Leprologia, em que ocupou o cargo de vice-presidente entre 1932 e 1956. Após a aposentadoria, continuou seu
66
trabalho no IOC. Morreu em 10 de agosto de 1962, no Rio de Janeiro. HERÁCLIDES CÉSAR DE SOUZA-
ARAÚJO. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/heraclides-cesar-de-souza-araujo. Acesso em:
21 de março de 2021.
224
SOUZA ARAUJO, H. C. de. A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936. Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz. 32, p.111-161, mar. 1937.
225
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 126-127.
226
CABRAL, 2013, p. 214-217.
67
227
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 157.
68
que os dados foram obtidos a partir de um “[...] methodo adoptado pelos maiores leprólogos
do mundo [...]”.228
Nas considerações finais sobre as estimativas, ele ainda transcreveu as experiências
de diferentes regiões do mundo e os respectivos reconhecimentos dos casos de lepra. Entre
elas, figuraram países como os Estados Unidos, Cuba, Colômbia, Japão, Nigéria e Índia.
Todos, segundo Souza-Araújo, usavam o mesmo método que consistia em: “[...] dobrar
sempre os casos certificados como leprosos para obterem o total approximado. Esses 100%
representam os casos unknown and undiscovered229 (grifos do original)”. Entretanto, o
leprologista apresentou exemplos em que os dados eram alcançados a partir de outras bases
para os cálculos, como o da Coréia, em que o censo oficial de 1928 confirmou 4.641 leprosos
e os especialistas elevaram para 21.203, “[...] ou sejam, os conhecidos multiplicados por
4,6”.230
A palavra “estimativa” aparece de forma recorrente no referido artigo de Souza-
Araújo, o que, provavelmente, estava relacionado a sua recusa em aceitar os dados divulgados
pelos órgãos oficiais de saúde. Desse modo, a repetição do termo visava convencer que o
método de multiplicação dos casos recenseados possibilitava alcançar uma “[...] estimativa
próxima da verdade”.231 Além disto, na conclusão do seu artigo, fez um questionamento que
leva à reflexão sobre uma possível recusa dos órgãos oficiais em aceitar suas estimativas. Ao
encerrar a exposição sobre as experiências de outros países, indagou: “Deante destes
exemplos porque considerar-se como antiscientificas as estimativas para os leprosos do
Brasil?”.232
É provável que a rejeição das estimativas, por parte dos órgãos oficiais de saúde,
fosse uma forma de legitimar o seu papel, afinal, o reconhecimento de casos mais numerosos
do que o recenseado poderia deslegitimar a crença na capacidade dos próprios serviços
sanitários erradicarem a doença. Certamente Souza-Araújo tinha consciência disso, tanto que
justificou na última linha do seu artigo, em referência aos censos realizados pelas instituições
públicas, que: “A verdade ha de mostrar, infelizmente, que essas estimativas estão muito
áquem da realidade”.233
Esse conflito sobre os dados indica o que poderia ou não ser considerado
“anticientífico” na construção de dados estatísticos voltados à lepra. É provável que os censos
228
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 158.
229
Tradução: “Desconhecido e não descoberto”.
230
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 159.
231
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 114.
232
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 160.
233
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 160.
69
elaborados nas primeiras décadas do século XX não divulgavam a “realidade”, porém até que
ponto é possível reconhecer/legitimar os dados que eram gerados a partir de estimativas?
Entre Souza-Araújo – que apresentou um método capaz de aproximar os números referentes
aos casos de lepra à “verdadeira realidade”, estimando 200 casos para a Bahia em 1924 – e os
médicos baianos – que no mesmo período estimaram a lepra como doença rara no estado –,
quem estaria mais próximo do número verossímil de enfermos?
Sem uma resposta exata, talvez até impossível de ser alcançada, a atenção se volta ao
caráter estigmatizante da lepra como um fator influenciador no reconhecimento ou não dos
números estatísticos, uma vez que, a depender dos interesses, o reconhecimento do número de
doentes poderia ser visto com certa preocupação por autoridades governamentais, médicos e
parte da sociedade. Ter a imagem do país associada à lepra afetava o ideal de progresso,
civilidade e modernidade pretendidos pela nação brasileira de meados da década de 1920.
Deste modo, havia rejeição de quadros estatísticos especulados para determinada região, pela
preocupação de que tais números representassem-na como uma “fonte” da doença. No caso da
Bahia, por exemplo, esta preocupação esteve no episódio protagonizado e narrado pelo
médico baiano, Octávio Torres, na 1ª Conferência Sul Americana de Dermatologia e
Syphiligraphia, no Rio de Janeiro, em 1918.
Essa conferência serviu, segundo o discurso de abertura do sifilógrafo Fernando
Terra, para demonstrar a emancipação intelectual, destacar as novas descobertas sobre as
diferentes doenças cutâneas e ressaltar a importância do trabalho de médicos brasileiros na
melhor delimitação do próprio conceito de sífilis.234 Não por acaso, esse era um momento
importante para os médicos afirmarem o potencial do Brasil como nação. Na discussão sobre
a frequência e distribuição da lepra nos estados brasileiros, a Bahia se classificou entre os que
mais possuíam leprosos, cerca de 3.000. Insatisfeito com os números, Octávio Torres se
manifestou: “[...] nós, como representantes deste Estado protestamos e promettemos estudar o
assumpto e demonstrar com os dados estatísticos e outros documentos, que a affirmação era
no mínimo leviana”.235
Com a finalidade de confrontar os dados afirmados na conferência de 1918, Torres
realizou um censo da lepra na Bahia, primeiramente com dados fornecidos pelo médico
Euvaldo Diniz, diretor da Estatística Demographo Sanitário do Estado, logo apresentados à
234
CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos 40.
Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1996. p. 90-91.
235
TORRES, Octávio. Relatório da Inspectoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934. Dr.
Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D. Rodrigo José de
Menezes. Bahia, 1936c, p. 3.
70
leprosário cearense. Ela ainda acrescenta que as ações mais efetivas no trato da enfermidade
no Ceará só ganharam mais força em 1923, sob a gerência do Centro Médico Cearense,241
uma instituição de caráter associativo, vinculada à estratégia dos médicos para promover sua
inserção nas esferas de poder e nas disputas políticas do Ceará.242 Nesse sentido, é possível
considerar que o debate sobre a incidência da lepra no estado estava vinculado ao projeto de
legitimação das práticas médicas.
Segundo a análise de José Augusto Leandro, não muito diferente da realidade
cearense, as políticas públicas para a lepra no Maranhão, nas primeiras décadas do século XX,
estiveram “esquecidas”. O autor também afirma que o controle da doença ficou a cargo da
filantropia e de atitudes pontuais das autoridades sanitárias locais, nem sempre bem-
sucedidas. O único local que servia de abrigo para os leprosos era o espaço asilar nomeado
Gavião, que existia em São Luís desde a década de 1870.243 Essa situação só foi alterada na
década de 1930, com a mudança na configuração política que levou Getúlio Vargas ao poder
e com a ampliação do debate sobre a lepra no Maranhão, a partir do seu principal articulador,
Achilles Lisboa.
As obras da Colônia do Bonfim, instituição que isolaria os leprosos no Maranhão,
foram iniciadas em 1932. Em 1933, o interventor estadual, capitão Antônio Martins de
Almeida, fez uma exposição dos casos de lepra para Getúlio Vargas e informou que, “em
cálculo moderado”, sua avaliação concluiu o número de três mil enfermos no estado, sendo
584 recenseados apenas na capital. Em comparação às estimativas levantadas por Souza-
Araújo (Quadro 1), José Leandro considera que: “Talvez as estimativas do interventor tenham
sido exageradas”, uma vez que os números apresentados pelo leprologista foram muito
inferiores, sendo 1.500 e 1.700 casos, para anos de 1933 e 1936, respectivamente.244
O autor não problematiza a disparidade entre os dados apresentados pelo leprologista
Souza-Araújo e pelo interventor. No entanto, afirma que o interventor estadual solicitou mais
recursos financeiros a Getúlio Vargas, em 1933. Nas palavras do referido Inspetor, era
“indispensável” o auxílio do Governo Federal, com doação que deveria ser no mínimo 400
contos e sugeriu contribuições de mais de 300 contos para duas outras colônias a serem
241
Segundo Zilda Lima (2007, p. 93-94), o Centro Médico Cearense foi fundado em 1913 e é a primeira
instituição médica de caráter associativo criada no Ceará para estabelecer um fórum de debates sobre os
problemas de saúde do estado e da região. Reuniu um grupo de profissionais formados nas universidades
brasileiras que objetivavam consolidar a credibilidade da própria categoria junto à sociedade local.
242
LIMA, 2007, p. 93-95.
243
LEANDRO, José Augusto. A hanseníase no Maranhão na década de 1930: rumo à Colônia do Bonfim.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, n.2, abr.-jun. 2009, p. 435.
244
LEANDRO, 2009, p. 436.
72
245
LEANDRO, 2009, p. 440.
246
CABRAL, 2013, p. 218-222.
73
leprosos, que conseguimos reunir, é devido justamente as medidas tomadas nos ultimos anos
do Brasil Colonia”.247
Outra evidência apresentada pelo médico para justificar a raridade da doença foi o
exemplo dos doentes que haviam contraído a lepra em outras regiões do país. Segundo os
registros, estes já aportaram atacados ou com manifestações que se desenvolveram logo após
sua chegada. Octávio Torres também fez referência à história mórbida desses pacientes, visto
que uma parte deles informou que manteve contato intenso com leprosos. Por fim, reforçou as
suas concepções citando a seguinte experiência: “Conhecemos no interior do Estado casos de
sertanejos, que deixaram o interior com destino a Estados do Sul, a fim de trabalharem pela
lavoura e de lá trouxeram esta terrivel molestia”.248
Em relação a um desses “estados do Sul”, Beatriz Olinto e Bruna Silva analisaram
narrativas que construíram sentidos para o projeto de profilaxia da lepra estabelecido no
Paraná, na primeira metade do século XX. Segundo as autoras, ainda em 1916 foi apresentado
o projeto de construção de um leprosário-colônia e, desde 1918, a legislação paranaense
instituiu a obrigação dos médicos e dos familiares do enfermo comunicarem os casos de
lepra.249
Em 1919, o Serviço de Profilaxia Rural foi implementado no Paraná, resultado de um
convênio com o Governo Federal e possibilitou a realização de trabalhos como o da Comissão
de Profilaxia, que classificou a situação sanitária no interior do estado como calamitosa.
Conforme afirmam as autoras, a visão de “caos sanitário” legitimou a construção de três
grandes instituições hospitalares, sendo uma delas, o Leprosário São Roque, criado para isolar
todos os leprosos do estado.250 As autoras não apresentam a capacidade de ocupação da
instituição, mas, entre suas fontes, mencionam a entrevista com o diretor, entre os anos de
1941 e 1947, que teria sido o único responsável por atender os mais de 1.000 internos.251
Dado que também sugere uma noção sobre a quantidade de leprosos naquela região.
Ainda em relação ao posicionamento de Octávio Torres sobre a raridade da lepra na
Bahia, ele também consultou a opinião de “especialistas” no assunto, como os professores da
FMB Alexandre Cerqueira, Albino Leitão, Flaviano Silva e mais alguns “médicos de grande
247
TORRES, Octávio. Epidemiologia e Prophylaxia da Lepra no Brasil. (Trabalho apresentado ao Terceiro
Congresso Brasileiro de Hygiene, reunido em São Paulo). In: BAHIA, Gazeta Médica da Bahia. v. 58, n. 7, jan.
1928. p. 293.
248
TORRES, 1928, p. 299.
249
OLINTO, Beatriz Anselmo; SILVA, Bruna. Paraná: lepra e sua profilaxia entre narrativas e esquecimentos
(1913-1954). In: MONTEIRO, Yara Nogueira (Org.). História da hanseníase no Brasil: silêncios e
segregações. São Paulo: Intermeios, 2019, p. 408.
250
OLINTO; SILVA, 2019, p. 409-410.
251
OLINTO; SILVA, 2019, p. 422.
74
clínica”, e concluiu que todos estavam de acordo.252 Para ele, os leprosos não eram
encontrados nos espaços públicos, nem mesmo em festas, feiras ou mercados, locais de
grande circulação de indivíduos:
252
TORRES, 1928. p. 298.
253
TORRES, 1928. p. 297-298.
254
TORRES, 1928, p. 301.
255
TORRES, 1928, p. 294.
75
[...] os maiores especialistas hoje só acreditam em ter sido elle feito naquela
época, porque o documento existe no nosso Archivo Publico, onde eu o
descobri e depois dei-lhe publicidade. É tão perfeito este regulamento, em
prescrições, cuidado e prevenções futuras que qualquer hygienista actual o
subscrevia sem a menor reserva, faltando a elle, na questão da prophylaxia
da lepra, actualmente em vigor, somente o tratamento que não se conhecia
naquella época.256
256
TORRES, Octávio. O que se fez, o que se está fazendo, e o que se deve fazer sobre a Lepra na Bahia.
Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 4 abr. 1935. p. 4-5.
257
SOUZA-ARAUJO, 1937, p. 128.
258
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008, p. 174.
259
MONTEIRO, Yara Nogueira. Hanseníase: história e poder no estado de São Paulo. In: Hansen Int., 12(1): 1-
7, 1987, p. 5.
76
ribeirinhas, os médicos dependiam de remos e barcos para poder transitar entre localidades
nunca antes visitadas.260
Por fim, o caso do estado do Espírito Santo, estudado por Luiz Barros, ilustra uma
realidade que, provavelmente, não agradaria aos médicos que defendiam a raridade da lepra,
caso ocorresse na Bahia. Segundo o autor, durante muitos anos os poucos casos registrados de
lepra no Espírito Santo fizeram com que se acreditasse que a região era indene à enfermidade.
No entanto, em 1927, o médico Pedro Fontes foi nomeado para chefiar a IPLDV no estado e
iniciou um recenseamento. Barros acrescenta que “[...] a retomada do censo entre 1935 e
1937, Pedro Fontes pôde confirmar a sua estimativa final: foram registrados 729 casos, sendo
639 confirmados e 90 suspeitos”.261 Números altos, alarmantes se considerado que antes o
estado era visto como um local quase sem a presença da enfermidade.
A elaboração dos censos, em nível nacional, só ganhou maior alcance com a
reorganização do Departamento Nacional de Saúde (DNS), que reforçava o processo de
centralização política e administrativa do Governo Vargas. Nesta reforma foi criado o SNL,
em 1941. Entre suas atribuições, estava a construção de um censo da lepra no país. Conforme
informações no relatório do censo de 1943, o recenseamento realizado em 1942 se estendeu a
seis Estados: Rio de Janeiro, Minhas Gerais, Pará, Goiás, Amazonas e Mato Grosso. Já o de
1943, a dez estados, inclusive a Bahia.262
Conforme os dados específicos sobre a Bahia nesse relatório, os municípios
recenseados e os respectivos casos identificados estavam em Barra, Bom Jesus da Lapa e
Encruzilhada, cada um com 1 caso de lepra, e em Salvador, com 5 casos. O relatório ainda
acrescenta que os municípios de Carinhanha, Itambé, Jequiriçá e Rio Branco foram
recenseados, mas sem nenhum caso de lepra ou suspeito, encontrado.263 No entanto, mesmo
que os censos realizados pelo SNL alcançassem uma extensão territorial maior, faltava muito
para alcançar todas as regiões brasileiras. “Apesar da criação dos serviços de saúde e da maior
participação federal nos trabalhos de profilaxia rural, ainda eram falhos os dados sobre a
distribuição geográfica da hanseníase no país”.264
260
CABRAL, Adriana Brito Barata. De Lazareto a Leprosário: políticas de combate à lepra em Manaus (1921-
1942). Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
do Amazonas. Manaus, 2010, p. 105.
261
BARROS, Luiz Arthur Azevedo. A lepra no estado do Espírito Santo (1930-1943): a construção do
Leprosário Colónia de Itanhenga. 2º Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical. v. 15 n. 1,
2016, p. 67.
262
AGRÍCOLA, Ernani. Serviço Nacional de Lepra: relatório das suas atividades no ano de 1943, apresentado
pelo dr. Ernani Agrícola, diretor do S.N.L., 1945, p, 09-10.
263
AGRÍCOLA, Ernani. Serviço Nacional de Lepra: relatório das suas atividades no ano de 1943, apresentado
pelo dr. Ernani Agrícola, diretor do S.N.L., 1945, pn.
264
SANTOS; FARIA; MENEZES, 2008, p. 184.
77
265
SANTOS, Márcia Elizabeth Pinheiro dos. Hospital São Cristóvão dos Lázaros: Entre os Muros da
Exclusão. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA, Salvador,
2005, p. 85.
266
BATISTA, Ricardo dos Santos. Assistência à Saúde no Hospital Santa Isabel. In: SILVA, Maria Elisa Nunes
da; BATISTA, Ricardo dos Santos. História e saúde: políticas, assistência, doenças e instituições na Bahia.
Salvador: Eduneb, 2018.
267
SANTOS, Isaías. Relatório apresentado à junta da Santa Casa de Misericórdia da Bahia pelo provedor
Dr. Isaías Alves de Carvalho Santos na Sessão de posse da junta a 1º de janeiro de 1923. Salvador:
Typografia e Encadernação “América”, 1926.
268
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Pobreza e filantropia: Fernandes Figueira e a assistência à
infância no Rio de Janeiro (1900-1920). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 53, p. 71-91, jan.-jun.
2014.
269
CASTEL, 2010.
270
SANGLARD; FERREIRA, 2014.
78
(3) (3)
(3) (3)
271
BATISTA, 2017, p. 71.
272
SILVA, 2018, p. 81.
79
divididas igualmente com o governo estadual em 1925, mesmo ano em que os serviços
sanitários foram reorganizados com a criação do Código Sanitário da Bahia.
É possível notar também, no Quadro 2, que o valor mais baixo com as despesas é
1921, período em que foi firmado o acordo entre o estado e o Governo Federal, permitindo a
realização dos serviços de Profilaxia Rural, de combate à sífilis e às doenças venéreas, de luta
antituberculose e de higiene infantil. Comparado com o valor despendido durante o ano de
1920, informado pelo então diretor geral de saúde pública, Gonçalo Moniz, na quantia total de
74:871$809, sendo 18:219$288 para o pagamento dos vencimentos do pessoal e 62:652$523
para os gêneros alimentícios, medicamentos e outros artigos fornecidos,273 os gastos com as
despesas em 1921 somaram um valor menor que a metade dos gastos no ano anterior:
24:996$600.274
O baixo valor da verba pode estar relacionado à afirmação feita por Gonçalo Moniz,
diretor geral de saúde pública, no relatório das atividades desenvolvidas em 1920. Como já
apresentado, ele considerava a lepra uma enfermidade rara. Consequentemente, limitou as
ações realizadas no hospital, sendo permitidas somente as essenciais como: “[...] a execução
das obras indispensáveis de asseio, conservação e hygiene, e assim, ainda do anno passado
para cá, lá se fizeram alguns consertos e reparos dessa ordem, especialmente nos apparelhos
sanitários, na instalação elétrica, etc”.275
Esses dados sugerem que os argumentos de Gonçalo Moniz ganharam força durante
o ano de 1921, o que pode ter definido a baixa em relação às despesas com o Hospital dos
Lázaros e com as ações profiláticas voltadas à lepra nesse período. Esse dado se contrapõe ao
que se esperava acontecer, já que, o acordo estabelecido no mesmo ano visava ampliar as
ações de controle das enfermidades, incluindo medidas específicas de profilaxia da lepra.
Com a criação da IPLDV, ficou assegurado pelo Art. 139 da legislação federal que
os estabelecimentos nosocomiais seriam de três tipos: (1) colônias agrícolas, (2) sanatórios ou
hospitais e (3) asilos, com preferência para os de tipo colônia agrícola. No tocante à
obrigatoriedade do isolamento, o Art. 145 do regulamento definia a “liberdade” ao doente
para escolher o estabelecimento nosocomial que lhe conviesse ou fazer o isolamento
domiciliar.276 A reforma sanitária na Bahia, em 1925, reproduziu a mesma orientação, tendo
273
MONIZ, 1922, p. 353.
274
GÓES CALMON, Francisco Marques de. Mensagem apresentada pelo Exmo. Snr. Dr. Francisco
Marques de Góes Calmon Governador do Estado da Bahia à Assembléia Geral Legislativa por occasião
da abertura da 2ª reunião ordinária da 18ª legislatura, em 7 de abril de 1926. Bahia: Imprensa Oficial do
Estado, 1926.
275
MONIZ, 1922, p. 353.
276
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
80
em vista a oferta dos dois modelos de isolamento. Entretanto, o domiciliário só era permitido
“[...] quando possivel assidua vigilancia e si a habitação a isto se prestar, a criterio da
autoridade sanitária”.277
Ainda referente às determinações do decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923,
as instalações dos leprosários deveriam obedecer às condições de “conforto e aprazibilidade”
para os doentes e populações vizinhas.278 Porém, em relação à Bahia, nem sempre o
cumprimento das obrigações aconteceu, como demonstraram notícias do jornal A Tarde em
denúncia à situação do Hospital dos Lázaros de Salvador. O periódico soteropolitano foi um
grande opositor dos governos de J. J. Seabra e instrumento de promoção Calmonista,279 o que
pode ser ilustrado pelas denúncias sobre a situação do leprosário nos últimos meses do
governo Seabra.
Mesmo com o aumento nas despesas instituídas pelo Governo Federal, para as ações
assistenciais voltadas à lepra entre os anos de 1922 e 1923 (ver Quadro 2), a situação do
Hospital dos Lázaros foi descrita como distante do desejável. O jornal A Tarde, por exemplo,
afirmava a precariedade e o abandono da instituição. O episódio que envolveu o filantropo
Henry Morris, secretário da Comissão Rockefeller, que atuava no estado naquele momento,
serve para exemplificar os impactos causados pela circulação de notícias publicadas no
jornal.280
Segundo a notícia, mais preocupado em atender às solicitações de um bilheteiro que
ao seu próprio impulso, Henry Morris comprou meio bilhete da Loteria da Bahia e acabou
premiado com 50 contos. Na reportagem, informam que “[...] logo que lhe foi entregue o
pacote com a dinheirama [...]”, recompensou com um conto de réis o bilheteiro e a
“caixeirinha” da agência, distribuiu esmolas a quem lhe pediu e, por fim, foi à redação do
periódico A Tarde. Lá, conversou com o redator de plantão:
277
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925, p. 22.
278
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
279
No plano político, a atuação do periódico na Primeira República pode ser dividida em duas fases. A primeira,
de 1912 a 1924, correspondeu ao período de dominação política de J. J. Seabra na Bahia, na qual A Tarde foi o
principal órgão de expressão das forças oposicionistas. Ao longo dos seis anos seguintes e que antecederam a
“Revolução de 1930”, o periódico esteve como porta-voz das elites no poder, representadas pelo grupo ligado a
Francisco Marques de Góes Calmon. Cf. A TARDE. Verbete CPDOC. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tarde-a. Acesso em: 1 mar. 1921.
280
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
81
281
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
282
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
283
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
284
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
82
que há muito não é substituida”.285 A situação dos trabalhadores da instituição não era
diferente, em uma das cenas descritas:
Duas mulheres de côr preta, com roupas muito pouco limpas, descalças,
trabalhavam no fogão e na mesa. Duas creanças, evidentemente, filhas de
uma das mulheres, sujas, sem nenhuma roupa, bricavam no chão de cimento,
onde havia vários buracos.286
Outra situação que impressionou os repórteres foi a de uma mulher que lavava, numa
mesma bacia de estanho, tanto as roupas dos lázaros quanto as das pessoas sãs que
trabalhavam na instituição. A lavagem acontecia em local próximo à cozinha. “Nada de
estufas ou autoclaves para a esterilização”. Os redatores concluíram que o “desconhecimento”
sobre a etiologia e a patogenia da lepra contribuía para atitudes como aquela em que tornava
“[...] fácil a contaminação”.287
Os repórteres fotografaram enquanto observavam o Hospital, ação à qual o
administrador se opôs, pois “não achava conveniente”. Ele se incomodou com a fotografia
tirada das ruinas (Figura 4). Provavelmente, por ser a representação mais evidente do descaso
com o prédio. Segundo a notícial, o administrador exclamou: “Para que photographar... Isso já
caiu há muito tempo”.288 No entanto, o registro, certamente, era muito importante para os
repórteres disfarçados, afinal, mostrava a falta de atenção por parte do estado, que mantinha
uma instituição em situação precária, sem reformas, com ruínas que ameaçavam causar algum
acidente.
285
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
286
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
287
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
288
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
83
289
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1
290
OS HORRORES que..., A Tarde, 11 jan. 1924, p. 1.
291
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
84
foi vencido pela brutalidade do quadro”.292 O texto era apelativo e buscava sensibilizar os
leitores.
Essa notícia também teve um tom provocativo no seu subtítulo (Figura 5), pois, ao
descrever a “Casa dos Lazaros”, intencionava descaracterizar o Hospital por não apresentar as
funções necessárias para um estabelecimento médico.293 Se as instalações físicas fossem
comparadas com as disposições previstas no Art. 141 da legislação federal, as quais
determinavam a necessidade de se obedecer às condições de “conforto” e “aprazibilidade”
para os doentes e de “proteção” para as populações vizinhas, fica evidente que a instituição
não cumpria requisitos básicos que a caracterizassem como um estabelecimento
nosocomial.294
292
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
293
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
294
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
85
teriam sido lavados apenas duas vezes durante o ano de 1923, isto após ela fazer reclamações
pessoalmente na “Saúde Pública” contra o “estado de immundicie”.295
A reportagem também apresentou denúncias dos próprios enfermos. Segundo os
repórteres, enquanto a enfermeira falava, dois ou três leprosos que se aproximaram, vestindo
roupas sujas, o rosto e as mãos deformados, descreveram a dramática situação de suas vidas
naquele Hospital: “Moço, isto aqui é o inferno. O sr. sabe o que nós soffremos!? Ha pouco
tempo faltou comida. Muitos dias faltou qualquer alimento solido. Bebiamos a agua com sal
que era a unica cousa que restava na dispensa”.296
As denúncias veiculadas no periódico buscavam evidenciar a má administração de
Fortunato José de Andrade. Na mesma notícia de 12 de janeiro de 1924, foi reproduzida uma
fala, na qual ele informava viver ali há treze anos297 e ficaria sentido se fosse retirado da
companhia dos doentes, cuja afirmação foi questionada pelo editor do A Tarde: “Hypocrisia?
Verdade?”.298 A demonstração “afetiva” de Fortunato José de Andrade em relação aos
leprosos isolados; as reclamações da enfermeira e de alguns doentes; e os registros sobre a
precariedade e a falta de zelo com a instituição geram mais questionamentos do que respostas.
Ressalta-se que as intenções do periódico A Tarde não devem ser descartadas, visto
que a preocupação humanitária com os internos, provavelmente, estava atravessada por
interesses políticos, como sugerem trechos das denúncias que responsabilizavam o
administrador do Hospital dos Lázaros pela situação precária da instituição. Os anos em que
ele ocupou o cargo corresponderam ao mesmo período em que a administração do estado
esteve sob o poder do grupo seabrista, iniciado em 1912.
Ainda sobre o questionamento do redator do A Tarde, que duvidou se as intenções
do administrador seriam hipocrisia ou verdade, vale acrescentar que sua morte aconteceu dois
anos após as denúncias. Mesmo sem a possibilidade de comprovar a ligação entre os fatos, há
a hipótese da relação entre esses acontecimentos. Em 26 de setembro de 1926, na seção de
falecimentos do periódico A Capital, foi informado o falecimento do ex-diretor do Hospital
dos Lázaros, ocorrido no dia 24 do mesmo mês, “após longos padecimentos”. Foi sepultado
no mesmo dia, deixou viúva e dois filhos.299
A informação do óbito antecedido por “longos padecimentos” possibilita refletir
sobre a forma de adoecimento, visto que o ex-administrador não foi acometido por um único
295
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
296
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
297
Isto sugere que Fortunato José de Andrade teria se tornado o administrador do Hospital dos Lázaros por volta
de 1911, um ano antes do início da gestão de J. J. Seabra.
298
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
299
FALLECIMENTO, A Capital, 26 set. 1926.
86
Mais uma vez a instituição era classificada como inadequada para os fins que lhe
cabiam. Entretanto, quase nada foi realizado a fim de estabelecer medidas que se
aproximassem das determinações sugeridas pelo DNSP, desde 1920, como a criação de uma
Colônia Agrícola. Como apresentado no capítulo 1, uma parte considerável dos leprosos que
viviam em Salvador neste período, estava submetida ao isolamento domiciliar e concernia ao
Hospital dos Lázaros a responsabilidade de acolher e isolar os doentes considerados
indigentes, fornecer aos internos medicamentos, alimentação, vestuário e calçados.
A mudança administrativa provocada pela entrada de Góes Calmon no governo da
Bahia, em 1924, e a implementação do regulamento que administraria os serviços de combate
300
O PEOR dos suplícios..., A Tarde, 12 jan. 1924, p. 3.
301
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. p. 22.
302
GÓES CALMON, 1926, p. 104.
303
GÓES CALMON, Francisco Marques de. Mensagem apresentada pelo Exmo. Snr. Dr. Francisco
Marques de Góes Calmon, Governador do Estado da Bahia à Assembléia Geral Legislativa por occasião
da abertura da 1ª reunião ordinária da 17ª legislatura, em 7 de abril de 1924. Bahia: Imprensa Oficial do
Estado, 1924.
87
à lepra, em 1925, não garantiram sucesso imediato das ações contra a enfermidade. Neste
sentido, conforme aconteceu no governo de J. J. Seabra, os periódicos permaneceram como
um instrumento de críticas sobre as condutas governamentais.
Em 8 de outubro de 1926, o jornal A Capital304 divulgou a denúncia de
irregularidade no pagamento dos funcionários do Serviço de Profilaxia contra a Lepra, uma
vez que não receberam os vencimentos referentes ao mês de agosto. A notícia alertava que,
em sua maioria, “[...] os funccionarios alludidos, são chefes de familia e estão por isso mesmo
em serias aperturas”. O questionamento: “Porque não providencia a Delegacia Fiscal?”,
sugere desconfiança sobre a existência de corrupção ou irregularidades na administração dos
pagamentos de funcionários.305
Outra reportagem crítica circulou no periódico O Combate,306 em 25 de novembro
de 1927, com o título: “Uma visão macabra da Bahia actual”. O texto teceu fortes críticas à
gestão de Barros Barreto que, na qualidade de genro do governador, conseguiu “attenuar as
cores da situação”, mesmo que ela fosse gravíssima. Segundo o redator, não havia
preocupação por parte do Secretário de Saúde com a miséria em que os baianos se
encontravam, ameaçados por diferentes pestes. Conforme o texto do periódico, a meningite, a
bubônica e a lepra formavam “o rol impressionante das Pestes que infestavam os domínios do
sr. Goes Calmon”.307
As críticas a Barros Barreto estiveram em outros periódicos, marjoritariamente de
orientação política seabrista. Segundo Ricardo Batista, os jornais se posicionavam
ofensivamente contra o diretor da saúde pública.308 É possível que tanto A Capital quanto O
Combate tivessem orientação política semelhante. O próprio Barros Barreto, em discurso na
criação da SuSAP afirmou que não se atemorizava com a atitude de reserva com que foi
recebido na Bahia, especialmente entre os membros da Faculdade de Medicina. 309 Como as
304
A única informação encontrada sobre o jornal A Capital é que foi criado em 1926, sob a propriedade e
direção de Annibal Vianna Sampaio. Além dele, eram diretores Júlio de Carvalho e Oliveira Guimarães. Cf.
PEREIRA, Flávia Lago de. Modernizar as cidades, civilizar os costumes: repressão a espíritas e
candomblecistas na Bahia republicana. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em
História, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. p. 133
305
OS FUNCIONNARIOS..., A Capital, 8 out. 1926, p. 1.
306
Segundo a própria definição do periódico, em sua primeira edição publicada em junho de 1927, O Combate
“viverá para os interesses do povo”. Sem intensão de fazer oposição sistemática, acrescentam que “Elogiará o
governo, quando elle fizer juz ao elogio” e “Combatel-o-á, quando a sua acção fôr prejudicial à collectividade”.
Cf. O COMBATE. Um programa em duas palavras. ano 1, n. 1, Bahia, 7 jul. 1927, p. 1. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DOCREADER/720186/1. Acesso em: 13 de out. 2021.
307
UMA VISÃO..., O Combate, 25 nov. 1927.
308
BATISTA, 2017, p. 157-163.
309
BATISTA, SILVA, 2020, p. 319.
88
elites políticas baianas também eram compostas pelas elites médicas, acredita-se que muitos
jornais também atuaram para criar uma imagem negativa sobre ele.
Ainda em relação ao texto do periódico O Combate, sobre a lepra, afirmava-se que a
doença se “alastrava terrivelmente”. Bom Gosto da Calçada, no subúrbio de Salvador, foi
identificado como o grande foco de doentes. Esta notificação foi realizada por um médico que
não era funcionário da Saúde Pública, mas que decidiu denunciar a situação em uma sessão da
Sociedade de Medicina e fazer com que os higienistas oficiais compreendessem o que ocorria.
Tal situação, conforme o redator da notícia, provava “[...] o relaxamento, a inépcia, a
descaração que permeiam dentro da Secretaria de Saúde e Assistencia!”.310
Com o fim do contrato entre a União e o estado da Bahia, em 1927, e com o interesse
na continuidade dos serviços de Saneamento Rural e de Profilaxia da Sífilis e Doenças
Venéreas, o governo baiano assinou um novo termo de acordo com o DNSP, em 27 de
fevereiro de 1928, para mais três anos. Entre as condições impostas, estava a obrigatoriedade
de aceitar e promover, pelos municípios do estado, todas as leis sanitárias, instruções técnicas
e administrativas e demais disposições do DNSP referentes aos serviços sanitários federais
executados no estado.311
No tocante à verba destinada a esses serviços, ficava a União responsável pelo
crédito, no princípio de cada exercício, de trezentos e cinquenta contos de reis (350:000$000),
sendo duzentos e setenta e cinco contos de réis (275:000$000) destinados ao Serviço de
Saneamento Rural e setenta e cinco contos de réis (75:000$000) destinados ao Serviço de
Prophylaxia da Lepra e das Doenças Venereas. O governo estadual, por sua vez, era obrigado
a contribuir com trezentos e cinquenta contos de réis (350:000$000), fazendo os respectivos
recolhimentos à aludida delegacia fiscal, adiantadamente, por trimestre ou semestre.312
O novo acordo foi acusado de provocar impactos negativos nas ações desenvolvidas
pelo estado. Segundo Barros Barreto, em seu relatório referente às atividades desenvolvidas
pela SSAP no ano de 1928:
310
UMA VISÃO..., O Combate, 25 nov. 1927.
311
BARRETO, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e
Assistência Pública, anno de 1928. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1929. p. 170-176.
312
BARRETO, 1929, p. 173;
89
313
BARRETO, 1929, p. 176.
314
BARRETO, 1929, p. 177.
315
BARRETO, 1929, p. 176.
316
BARRETO, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros. Relatório da Secretaria de Saúde e
Assistência Pública, anno 1929. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1930. p. 215.
90
colcha mais escura dobrada embaixo do travesseiro, como nas Figuras 6 e 7. Nos ambientes
representados nas Figuras 8 e 9, também se evidencia um mesmo padrão de arrumação com
mesas cobertas por uma toalha branca, objetos que aparentemente são pratos e talheres e um
vaso com planta. A Figura 9 também apresenta, ao fundo, uma mulher em pé, certamente uma
funcionária do Hospital.
Em uma apresentação na Conferência do Rotary Club da Bahia, em 4 de abril de
1935, Octávio Torres afirmou que o Hospital passou por períodos de fortes crises e chegou ao
extremo de faltar assistência, até que: “[...] surgiu o grito de revolta dado por uma ex
internada, que narrou tudo que lá passavam os seus companheiros de infortunio, como se
sofrer de lepra não fosse sufficiente”.317 A partir daí, as senhoras das elites letradas baianas,
chefiadas pela professora Amphrisia Santiago, resolveram conversar com o governador Vital
Soares318 (1928-1930), que sucedeu Góes Calmon, e com o diretor da Saúde Pública, Barros
Barreto, “fizeram uma das maiores reformas porque tem passado o Hospital dos Lazaros da
Bahia”.319
Em 29 de março de 1930, a reportagem veiculada no jornal A Tarde comemorou o
segundo aniversário da administração pública vigente, com a inauguração de duas instituições
centrais na constituição de políticas públicas: uma médica e outra educacional. Aqui cabe
destaque para o Hospital dos Lázaros que, após a reforma inaugurada em 1930, passou a se
chamar Leprosário:
317
TORRES, 1935, p. 6.
318
Vital Henrique Batista Soares nasceu em Água Preta, atual Uruçuca, no município de Valença (BA), em
1874, concluiu o curso de direito em 1898, ingressou na política em 1908, no governo José Marcelino (1904-
1908), quando foi eleito para o Conselho Municipal de Salvador. Foi um fervoroso partidário de Rui Barbosa, e
sua atuação na Campanha Civilista, na sucessão presidencial de 1910, valeu-lhe o ostracismo político. Diante
desses fracassos eleitorais, resolveu se afastar da política, dedicando-se à advocacia e aos negócios privados.
Convidado por Francisco Marques de Góis Calmon a integrar a equipe do escritório de advocacia que este
herdara do tio e pai adotivo Inocêncio Marques de Araújo Góis, tornou-se seu homem de confiança. Com a
ascensão de Góis Calmon ao governo do estado (1924-1928), após intervenção federal que destronou J. J.
Seabra, sua escalada política foi vertiginosa, sendo eleito governador para o quadriênio 1928-1932, mas só
exerceu a função até 1930, quando transmitiu o governo a Frederico Augusto Rodrigues da Costa, para se
candidatar à vice-presidência da República. Faleceu em Salvador, em 1933, aos 58 anos, vítima de uma esclerose
precoce. Cf. VITAL SOARES. Verbete. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/SOARES,%20Vital.pdf. Acesso em: 4 abr. 2021.
319
TORRES, 1935, p. 6.
320
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
93
De acordo com a notícia, a inauguração dessas duas obras públicas fez parte de um
balanço de “realizações notáveis” executadas pelo governo do estado. O secretário da
agricultura e o próprio governador, Vital Soares, estiveram presentes no evento, o que sugere
certa importância, destaque social e político ocupado pelo Leprosário. Além de divulgar os
últimos feitos da administração pública, a notícia serviu como propaganda, em razão da
proximidade das eleições estaduais e federais naquele ano. Algo que não era incomum, visto
que, um ano antes, Vital Soares proferiu mensagem à Assembleia Legislativa em que
destacava o interesse em propagar ideais de salubridade sobre a cidade de Salvador. Em
análise deste acontecimento, Maria Elisa Lemos destacou que o pronunciamento oficial era
parte de sua propaganda eleitoral, dado o seu discurso autopromocional de “prestação de
contas” à Assembleia Legislativa e ao Governo Federal.321 Pouco tempo depois, Vital Soares,
então governador do estado, deixaria o cargo para concorrer à vice-presidência e planejou
emplacar um sucessor para o governo do estado da Bahia.
Outro elemento importante para se compreender a relação da reportagem do A
Tarde com o contexto político, foram as especulações em torno da sucessão do governo
estadual, em consequência da renúncia de Vital Soares à chefia do estado, para ser
candidato.322 Neste contexto, Simões Filho figurava como o sucessor preferencial do
governador, devido a sua atuação incisiva na escolha de Soares para compor a chapa
presidencial com Júlio Prestes. Além do prestígio político, capaz de tamanha influência na
indicação de um nome para a vice-presidência, Simões Filho era diretor e proprietário do
jornal A Tarde, o que sugere a possível relação entre a reportagem e o interesse em divulgar
uma propaganda política da gestão governamental.323
Divulgar as obras executadas pelo governo era uma tática para mostrar estabilidade
política naquele momento, tendo em vista as dificuldades desencadeadas pela grave crise
econômica que abalou o mundo em 1929. Segundo Consuelo Sampaio, a economia baiana era
totalmente dependente do setor exportador e das relações econômicas estrangeiras, e, por sua
vez, sentiu o impacto provocado pela crise.324 Mesmo consideradas como obras de “grande
vulto”, as obras inauguradas em 1930 foram apresentadas, pelo redator do A Tarde, como
321
SILVA, 2018, p. 93.
322
A chapa composta por Júlio Prestes e Vital Soares para a presidência teve a vitória reconhecida pelo
Congresso Nacional em maio de 1930, mas não chegou a assumir por conta do movimento revolucionário que
irrompeu em outubro de 1930, culminando no golpe que levou Getúlio Vargas ao poder e suspendeu o período
republicano. Ver: SAMPAIO, 1998, p. 222-225.
323
SAMPAIO, 1998, p. 218-222.
324
SAMPAIO, 1998, p. 221.
94
325
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
326
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
327
CUNHA, 2005, p. 31-32.
328
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
95
época. A iluminação elétrica também foi instalada e ocorreram modificações nos cômodos
sanitários e banheiros, a fim de atender “prescripções hygienicas rigorosas”.329
Essa reforma foi um primeiro passo para modificar as ações assistenciais voltadas à
lepra na Bahia, visto que a instituição deixava de ser um hospital e passava a ser denominada
leprosário. De acordo com o A Tarde, foi “[...] dotada a nossa capital de um serviço perfeito
com a completa reforma e remodelação do antigo Hospital dos Lázaros, hoje denominado
Leprosário Rodrigo de Menezes”.330 É provável que a necessidade de enfatizar mudanças
decorrentes da reforma, principalmente pela troca do nome da instituição, fosse uma tentativa
de aproximar as ações baianas das determinações da IPLDV, empregadas pelo decreto nº
16.300, de dezembro de 1923, e que, entre as deliberações, sugeria, no primeiro parágrafo do
Art. 139, a “preferência” pela criação de colônias agrícolas.331
Na mesma lei, no segundo parágrafo do Art. 139, ficou definido que os sanatórios,
hospitais e asilos só seriam aceitos “[...] quando as condições locaes e outras o permittirem,
ou o reduzido numero de doentes dispensar o estabelecimento de uma colonia [...]”. Além da
preferência por colônias, o modelo de instituição também estava vinculado ao perfil e ao
avanço da enfermidade no doente a ser isolado, como ficou estabelecido no Art. 140. Nesse
sentido, os estabelecimentos do tipo colônia agrícola serviriam, preferencialmente, para isolar
“[...] além dos que o desejarem, os que forem ainda capazes de pequenos trabalhos, regulados
segundo prescripção medica [...]”; os de tipo sanatórios e hospitais eram destinados “[...]
aquelles que residam nas proximidades, tendo-se tambem em vista as vantagens ou
desvantagens que lhes possa trazer o tratamento de sanatorio ou de hospital [...]”; e os asilos
voltados para “[...] os doentes que se invalidarem, levando-se tambem em conta sua
visinhança”.332
A reforma de 1928 a 1930 abrangia as determinações do Código Sanitário da Bahia
de 1925, que obrigava a adoção de normas técnicas e garantia o custeio das despesas de
manutenção asseguradas pela União.333 No entanto, foi somente a partir de 1930 – quando a
atuação da filantropia passou a estar mais presente na instituição –, que as ações assistenciais
voltadas à lepra se tornaram mais efetivas, especialmente na construção de um ambiente que
efetivamente objetivava tratar os enfermos.
329
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
330
DUAS OBRAS PUBLICAS... 29 mar. 1930, p. 2.
331
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 18.
332
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
333
BAHIA. Lei n. 1.811, de 29 de julho de 1925. p. 22.
96
Capítulo 3
334
TORRES, Octávio. Relatório da Inspcetoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934.
Apresentado pelo dr. Octavio Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D.
Rodrigo José de Menezes. Bahia, 1936c, p. 56.
97
335
SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. Caridade e Filantropia: elites, estado e assistência à saúde no
Brasil. In: TEIXEIRA, PIMENTA, HOCHMAN, 2018. p. 176.
336
Transferido do cargo de assistente do Instituto Oswaldo Cruz-Ba (IOC-BA), exercido desde 1926, Octávio
Torres assumiu a diretoria do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes em 1931, indicado pelo diretor da Saúde
Pública, prof. Almir Oliveira, também responsável pela reforma sanitária empreendida em março do mesmo ano.
337
TORRES, Octávio. Prophilaxia da Lepra – Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 7 mai.
1936. Separata de Bahia Médica, n. 7, jul., 1936b, p. 6.
338
PASSOS, Elizete. Anfrísia Santiago (1894-1970). Salvador: Edufba, 2005. p. 14.
339
PASSOS, 2005, p. 23.
340
MESQUITA, Carmem. Disponível em: http://www.fameb.ufba.br/filebrowser/download/70. Acesso em: 11
mar. 2022. s/d.
98
pela FMB em 20 de dezembro de 1930 e foi a primeira aluna laureada com o Prêmio Prof.
Manoel Victorino, por ter a maior média de todas as notas obtidas no curso de graduação.
Embora não tenham sido encontradas informações mais detalhadas sobre sua vida familiar,
ela se casou com Octavio Torres e passou a se chamar Carmem Mesquita Torres,341 o que
reforça a compreensão sobre a estreita relação entre laços familiares dos indivíduos das elites
soteropolitanas.
341
CARMEM, s/d. p. 3.
342
CONFERÊNCIA Nacional de Assistência Social aos Leprosos. 12 a 19 de novembro de 1939. Disponível
em: http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/1939/PDF/v7n4/v7n4conflepro.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021.
99
343
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
344
Conforme levantamento, todos eram estudantes e se graduaram, respectivamente, entre os anos de 1933 a
1936. Não foram localizadas informações sobre Lopes Pontes Filho, mas é provável que no período ele também
fosse aluno de Octávio Torres. LEVANTAMENTO NOMINAL dos formados de 1812 a 2008 da Faculdade de
Medicina da Bahia – UFBA. In: Colégio Brasileiro de Genealogia, [s.d.]. Disponível em:
http://www.cbg.org.br/wp-content/uploads/2012/07/b_formandos_medicina.pdf. Acesso em: 8 fev. 2022.
345
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
346
LEPRA NA BAHIA. In: Octávio Torres – Trabalhos. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador,
[s.d.]. p. 15-16.
100
347
LEPRA NA BAHIA, p. 16.
348
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
349
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
350
RELATÓRIO DA DIRETORIA da Sociedade Bahiana de Combate à Lepra. Bahia, 1936, p. 10.
101
humanitários influenciados pela doutrina cristã. Entretanto, como observa Claudia Vieira, o
envolvimento com as atividades filantrópicas serviu para as mulheres das elites também
acessarem e conquistarem novos espaços na esfera pública.351
Do mesmo modo, os capitais econômico, social e cultural da maioria das mulheres
que ocuparam importantes cargos nas Sociedades de Assistência aos Lázaros e Combate à
Lepra, fizeram com que, em muitos momentos, as relações de poder e os interesses das elites
se sobressaíssem, o que era complementado pela posição social e profissional dos seus pais
e/ou maridos.352 Sobre a influência das mulheres que pertenceram à primeira e à segunda
diretoria da SBCL, destacaram-se a professora Amphrisia Santiago e a médica Carmen
Mesquita, que participaram da fundação da Liga Bahiana Contra o Câncer, em 1936, com
mais três mulheres das elites soteropolitanas.353 Segundo Christiane Souza, a liga tinha por
finalidade promover a qualificação de profissionais de saúde, informar a população sobre a
doença e criar o Instituto de Câncer da Bahia, e os envolvidos nessa luta poderiam acumular
importante capital simbólico.354
No dia seguinte ao evento solene de posse da primeira diretoria SBCL, em 1933, o
interventor do estado, Juracy Magalhães, promulgou um decreto que lhe concedeu vantagens
de utilidade pública.355 A partir de então, as ações filantrópicas desenvolvidas no Leprosário
ganharam um caráter mais sistemático e a responsabilidade com o problema da lepra na
Bahia, ainda sob o encargo do estado, passou a ser dividida com a SBCL.
A princípio, a finalidade da entidade baiana se centrava na prestação da assistência
aos doentes leprosos e seus familiares, bem como no combate à lepra pelos diferentes meios
ao seu alcance.356 Em relatório do Leprosário apresentado em janeiro de 1937 ao secretário de
Educação e Saúde Pública da Bahia, Octávio Torres escreveu que os propósitos da sociedade
assistencial seguiam os mesmos moldes da Sociedade Paulista e da Federação Brasileira de
351
VIEIRA, Claudia Andrade. História das Mulheres, feminismo e política na Bahia. Simões Filho: Editora
Kalango, 2015, p. 27.
352
SANTOS, Francieli Lunelli; LEANDRO, José Augusto. Mulheres da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, 1926-1947. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, v.26, supl., dez. 2019, p.57-78, p, 68.
353
SOUZA, Christiane Maria Cruz de. Médicos e mulheres em ação: o controle do câncer na Bahia (primeira
metade do século XX). In: SANGLARD et al. (Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no
Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV editora, 2015, p. 267.
354
SOUZA, 2015, p. 266-267.
355
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 2.
356
TORRES, 1939, p. 15-16.
102
Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (FBALDCL),357 entidades de destaque nas
relações entre associações privadas e o poder público.
Denominada, inicialmente, como “Sociedade de Assistência às Crianças Lázaras”, a
entidade assistencial que serviu de inspiração para as elites baianas foi criada em São Paulo a
partir de uma reunião convocada em 1926, por Alice Tibiriçá – posteriormente eleita como a
sua primeira presidente e responsável pela alteração do nome para “Sociedade de Assistência
aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”. Entre os principais objetivos dessa entidade, figuraram
o interesse em divulgar uma propaganda da luta contra a lepra e captar recursos destinados à
aplicação na assistência social dos doentes e suas famílias.358
Os integrantes da instituição de assistência eram, em maioria, mulheres pertencentes
às elites, mas médicos, funcionários públicos e profissionais liberais também militavam em
prol da causa. Inicialmente, Alice Tibiriçá recebeu importante apoio político, porém as
eleições estaduais de 1927 alteraram o quadro governista de São Paulo, o que resultou na
perda do apoio e no consequente cerceamento das atividades promovidas pela entidade. Ao
analisar tal contexto, Vicente Saul dos Santos, considera que as dificuldades motivaram a
intensificação das campanhas de conscientização acerca da lepra e estimularam a criação de
outras sociedades no sentido de ampliar o número de adeptos e atingir uma maior abrangência
territorial.359
O estímulo à criação de outras sociedades assistenciais nos diferentes estados
inspirou o surgimento de instituições congêneres e contribuiu para a federalização da referida
entidade assistencial, em fevereiro de 1932. Gradativamente, a FSALDCL foi se alinhando ao
modelo de saúde varguista proposto a partir de 1930 e implementado de forma mais
sistemática com a posse de Gustavo Capanema, no Ministério da Educação e Saúde Pública,
em 1934.360
O caso brasileiro não foi a única experiência que relacionou filantropia e assistência
aos doentes de lepra. José Leandro, por exemplo, demonstrou semelhanças entre as estratégias
de atuação da FSALDCL, no Brasil, e as do Patronato de Leprosos, na Argentina. Segundo o
autor, ambas as instituições tinham participação feminina e eram de exclusiva atenção à
assistência aos leprosos. Para ele, o caráter burocrático e a articulação das entidades com os
357
TORRES, 1939, p. 16.
358
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Filantropia, poder público e combate à lepra (1920-1945). História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl. 1, dez. 2011, p. 253-274. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v18s1/14.pdf. Acesso em: 22 mai. 2021, p. 256.
359
SANTOS, 2011, p. 256-257.
360
SANTOS, 2011, p. 258-259.
103
361
LEANDRO, José Augusto. Em prol do sacrifício do isolamento: lepra e filantropia na Argentina e no Brasil¸
1930-1946. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2013, p.913-938, p.
916.
362
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:
ministério Gustavo Capanema (1934-1945). Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História
das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2006, p. 66.
363
Octávio Torres não especifica a data do evento, mas é provável que esse congresso tenha sido o II Congresso
Internacional Feminista, realizado em junho de 1931.
364
TORRES, 1939, p. 16.
365
TORRES, 1939, p. 16-17.
104
Entre as decisões desta Conferência, estavam as principais medidas que cabiam aos
governos e as que pertenciam às Sociedades de Assistência aos Lázaros. Conforme Octávio
Torres, essas definições foram determinantes para que as ações empreendidas pela iniciativa
particular e pública ficassem mais bem definidas e os recursos financeiros distribuídos e
empregados com maior exatidão.366 Também se defendeu que as atividades privadas deveriam
atender às necessidades específicas de suas localidades e desenvolver suas ações em
cooperação com o poder público. Nos casos em que não houvesse serviços públicos que
atendessem às especificidades relacionadas à lepra, as iniciativas filantrópicas poderiam
estender suas atividades, dentro dos dispositivos legais, a outras medidas sanitárias, desde que
fossem compatíveis com os seus meios de ação.367
Os filhos sãos dos doentes de lepra ganharam maior atenção com sociedades
vinculadas à FSALDCL – com destaque para o período em que Eunice Weaver ocupou a sua
presidência, a partir de 1935.368 Defendida como uma medida de profilaxia da lepra, a criação
e manutenção de preventórios369 se tornou uma de suas principais responsabilidades. Segundo
Leicy Silva, a construção das instituições preventoras nos diferentes estados se deu pela
Federação, cuja manutenção contava com subsídios públicos das esferas federal, estadual e
municipal, e com a intensa participação da população.370
Além de assistir aos filhos sadios dos doentes de lepra, também era dever e obrigação
das entidades assistenciais vinculadas à Federação:
366
TORRES, 1939, p. 17.
367
TORRES, 1939, p. 26.
368
SANTOS, 2011, p. 260-261.
369
Em teoria, os preventórios serviam como local responsável por acolher, criar e educar os filhos sãos dos
doentes de lepra. Todos os filhos considerados sãos de pais leprosos, independente se estes eram internos em
leprosário, em hospital colônia ou que não quis se internar, mas que não possuía meios de subsistência, poderiam
ser recolhidos nos preventórios. Segundo Octávio Torres, a permanência era garantida até os 21 anos e quando a
criança atingia a idade de 12, 13 ou 14 anos, era dado algum oficio na granja a fim de garantir-lhe a subsistência
ao deixar o preventório (TORRES, 1939, p. 26).
370
SILVA, Leicy Francisca da. Filantropia e política de assistência às famílias de doentes de lepra em Goiás,
1920-1962. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.2, abr.-jun. 2016, p.321-340, p.
328.
371
TORRES, 1939, p. 26.
105
372
SOCIEDADE BAHIANA DE COMBATE À LEPRA, junho de 1942. In: Octávio Torres – Trabalhos,
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, [s.d.], p. 4.
373
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, p. 89.
374
SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA, 1950, p. 92-93.
106
375
TORRES, Octávio. O que se fez, o que se está fazendo, e o que se deve fazer sobre a Lepra na Bahia.
Conferência realizada no Rotary Club da Bahia, no dia 4 de abril de 1935, p. 14-15.
376
TORRES, 1935, p. 15.
377
Ainda existente nos dias atuais, essa associação é vinculada ao Rotary International que atua como uma rede
global de líderes comunitários que buscam unir voluntários a fim de prestar serviços humanitários e promover
valores éticos e a paz em nível internacional. Cf. ROTARY, quem somos. Disponível em:
https://www.rotary.org/pt/about-rotary. Acesso em: 26 de fev. 2022.
378
TORRES, 1935, p. 3.
379
TORRES, 1935, p. 15.
107
auxiliavam naquela “árdua tarefa”. Sob o caráter moral, material ou de “outra natureza”, esses
auxílios eram prestados diretamente ao Leprosário por intermédio da SBCL ou por
terceiros.380
O auxílio oferecido por particulares, em favor dos lázaros da Bahia, se constituía em
parte de uma prática de assistência desenvolvida há muito, pelos integrantes das elites
soteropolitana. Segundo Christiane Souza, ainda que neste período as políticas sociais fossem
consideradas como um instrumento de penetração do poder público no território nacional, as
unidades de saúde mantidas por particulares eram quase o dobro das mantidas pelos poderes
públicos na Bahia. Nesse sentido, as parcerias entre a iniciativa privada e os órgãos
governamentais ampliaram a oferta de serviços de saúde no estado, uma vez que as verbas
públicas não eram suficientes para atender à demanda.381
A presença de Octávio Torres nas funções públicas e privadas se assemelhava ao
perfil de outros médicos daquele contexto. Ao analisar as transformações da assistência à
infância na Bahia, Luiz Otávio Ferreira e Lidiane Monteiro Ribeiro citam o exemplo de
Martagão Gesteira, que ocupou concomitantemente o cargo de inspetor (1923-1930) do
Serviço de Higiene Infantil, um órgão normativo e fiscalizador dos serviços de assistência à
infância, e o de diretor (1923-1935) da Liga Baiana Contra a Mortalidade Infantil, instituto de
assistência modelar, cuja atuação seguia os padrões estabelecidos pelas normas federais.
Segundo os autores, as ações da liga e do órgão público se misturavam, por Martagão
Gesteira transitar entre os serviços públicos e as ações privadas.382
A articulação de Octávio Torres com as elites soteropolitanas, durante a década de
1930, contribuiu para a intensificação das ações filantrópicas e caritativas no Leprosário. De
forma individual ou pela SBCL, pessoas como o secretário de polícia, Capitão João Facó, e o
secretário de agricultura, Álvaro Navarro Ramos, forneciam materiais para novas construções
e reformas inadiáveis.383
380
TORRES, 1935, p. 15.
381
SOUZA, 2015, p. 262.
382
RIBEIRO, Lidiane Monteiro; FERREIRA, Luiz Otávio. Medicina e filantropia contra o abandono
institucionalizado: transformações da assistência à Infância na Bahia (1923-1935). In: SANGLARD et al.
(Orgs.). Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: FGV
editora, 2015. p. 250. Os autores também discutem essa questão em FERREIRA, Luiz Otávio; RIBEIRO,
Lidiane Monteiro. Entre a assistência e a higiene: saúde pública e infância no Rio de Janeiro e na Bahia (1921-
1933). In: SANGLARD, Gisele (Org.). Amamentação e políticas para a infância no Brasil: a atuação de
Fernandes Figueira, 1902-1928. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.
383
TORRES, Octávio. Leprosário D. Rodrigo José de Menezes: ao leitor. Bahia, 1935. In: TORRES, Octávio.
Relatório da Inspectoria da Lepra e das Molestias Venereas, anno de 1934. Apresentado pelo dr. Octavio
Torres, Inspector da Lepra e das Molestias Venereas e Director do Hospital D. Rodrigo José de Menezes. Bahia,
1936a, p. 2.
108
Como demonstração da ampla atuação social sobre a questão da lepra, também foram
observados os serviços realizados pela gestão municipal que, mesmo se considerando despida
de obrigações, se empenhou nas obras de melhoramento do Leprosário. O prefeito da capital
baiana, José Americano da Costa (1932-1937), atuou nas obras de alargamento da estreita
viela na frente do Leprosário, construiu parte do muro e instalou os portões, garantiu o
calçamento com paralelepípedos e embelezou os arredores da referida instituição até o
Cemitério da Quinta dos Lázaros.384 As figuras 11, 12 e 13 apresentam parte desse processo.
384
TORRES, 1936a, p. 2-3.
109
385
TORRES, 1936a, p. 3.
386
A FOME..., A Tarde, 7 jan. 1924, p. 1.
387
RIBEIRO, Lidiane Monteiro. Filantropia e assistência à saúde da infância na Bahia: a Liga Baiana contra
a mortalidade infantil, 1923-1935. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz, Rio de Janeiro, 2011, p. 102-103.
111
388
AZEVEDO, Thales. Relatório sobre a fundação, atividade e situação atual do Conselho de Assistência
Social, 1934-1938. Apresentado pelo dr. Thales de Azevedo ao exm. sr. dr. Isaias Alvez, D.D. Secretário de
Educação e Saúde, em 21 de setembro de 1938, p. 1.
389
AZEVEDO, 1938, p. 01.
390
AZEVEDO, 1938, p. 04.
391
TORRES, 1936c, p. 42.
392
BATISTA, 2017.
112
“[...] Uma andorinha só não faz verão”: medicina e filantropia no Leprosário D. Rodrigo
José de Menezes
393
TORRES, 1936c, p. 42.
394
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Saúde no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um
bem público. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, p. 32.
114
divergências básicas entre dois grupos: os tenentes, que defendiam um modelo de Estado
nitidamente centralizador e intervencionista; e os oligárquicos que, em apoio ao federalismo,
buscavam manter a autonomia estadual e restringir a interferência da União.395
Na Bahia, o movimento de 1930 não teve apoio das elites dirigentes locais, contrárias
a quaisquer ideias que pudessem ameaçar a ordem estabelecida, ou desviá-las dos rumos da
legalidade garantidora do seu poder. Porém, a “revolução” não esteve totalmente “ausente”.
Alguns integrantes do grupo seabrista, que fazia oposição ao governo estadual desde 1924,
quando perdeu o poder para o grupo calmonista, divulgaram a campanha na Bahia.396 O
rápido desenrolar dos acontecimentos, com a tomada de poder pelos militares, influenciou no
recebimento de telegramas em várias partes do estado, notas em periódicos como o A Tarde e
manifestações populares em favor da vitória da “revolução”.
A ruptura política de 1930 marcou o início de um conturbado processo de
reorganização dos serviços e órgãos públicos. Como resultado, os dois primeiros interventores
na Bahia, nomeados por Getúlio Vargas, Leopoldo Afrânio do Amaral e Artur Neiva, não
conseguiram permanecer no cargo.397 Foi apenas com a indicação do tenente Juracy
Magalhães, para assumir a interventoria da Bahia em agosto de 1931, que o quadro mudou.
Mesmo com a forte rejeição das forças políticas baianas que se uniram em resistência ao
poder central, Magalhães permaneceu no cargo até novembro de 1937.398
As principais ações públicas do regime que se instaurou em 1930 e findou em 1945,
foram norteadas pelas ideias de centralização política e administrativa, praticadas pelo
controle político e extensão da proteção social, com intenção de alcançar todo o território
nacional. Segundo Hochman, tal empreendimento buscava integrar as esferas federal, estadual
e municipal com o objetivo de construir um projeto político-administrativo mais unificado.399
Entre as mudanças operadas nos serviços públicos de saúde, surgiram o Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP) e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
(MTIC).400 Esse arranjo, organizado pela discriminação dos serviços, funcionou como um
marco para as políticas assistenciais e contribuiu para a construção de dois formatos
institucionais diferenciados pela forma de inclusão social e acompanhados por concepções
395
FONSECA, 2007, p. 34.
396
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na Primeira República: uma política de
acomodação. Salvador, Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 222-225.
397
O primeiro esteve apenas três meses, enquanto o segundo ficou por cinco meses.
398
BATISTA, 2017, p. 168-171.
399
HOCHMAN, Gilberto. Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930-1945). Educar, Curitiba,
n. 25, p. 127-141, 2005. p. 129.
400
FONSECA, 2007, p. 26-27.
115
401
Como afirmou Fonseca (2007, p. 26-38), a atuação desses dois Ministérios no campo da política de saúde,
durante a década de 1930, apresentou diferenças porque os atores, a conformação de interesses e as disputas
políticas eram diversos e peculiares a cada um dos órgãos. Tal arranjo conduziu diferentes políticas sociais de
saúde, que, por sua vez, geraram padrões de inclusão também distintos. Enquanto o MTIC favorecia aqueles
inseridos no mercado de trabalho, o MESP foi um modelo de política voltado à população rural e urbana que se
encontrava a margem do mundo do trabalho formal.
402
HOCHMAN, 2005, p. 129-130.
403
BATISTA, 2017, p. 174-175.
404
BATISTA, 2017, p. 175.
405
TORRES, 1936c, p. 59.
116
nome de Leprosario D. Rodrigo José de Menezes – e que não era mais do que um simples
deposito de doentes”.406 Como diretor da instituição desde 1931, ele chamou a atenção para o
problema das latrinas dos banheiros, já que, com a reforma do Governo Vital Soares, foram
instaladas apenas três latrinas turcas, localizadas próximo à enfermaria masculina.
O restante das instalações sanitárias do Leprosário foi descrito como algo “muito
deficiente e muito primitivo”, situação ilustrada pela Figura 14. Construídos de forma
provisória entre os anos de 1914 e 1915, os banheiros e as latrinas não eram obras definitivas,
já que a intenção do Diretor Geral de Saúde Pública do Estado no período, Gonçalo Moniz
(1914-1921), era transferir o Hospital dos Lázaros para outro local, distante do centro urbano.
Como já analisado, ele defendia, ainda em 1920, a transferência da instituição e, por este
motivo, realizou a intervenções mínimas nas instalações físicas do Hospital. Isto, também, sob
a justificava de que a lepra era uma doença “rara” no estado baiano.407
406
TORRES, 1936c, p. 5.
407
MONIZ, 1922, p. 353.
117
408
Algumas fontes se referem ao nome da Sociedade de formas diferentes, como: “Sociedade Bahiana de
Assistência aos Lázaros”, “Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”, “Sociedade
Bahiana e Defesa Contra a Lepra” ou “Sociedade Bahiana de Combate à Lepra”. A última é a mais recorrente
nas documentações, por isso adotarei essa nomenclatura toda vez que for necessário me referir à Sociedade
filantrópica. Criada em 1932, ela assumiu papel importante para o desenvolvimento de ações voltadas aos
leprosos e seus filhos nos anos subsequentes.
118
[...] os esgotos das latrinas vão ter a uma grande fossa, onde as fézes e urinas
passarão por um processo de depuração biológico e dahi são lançadas na
valla, que corre no fundo do Hospital. As águas dos banheiros e dos lavabos,
misturadas com sabão e não podendo ir ter à mesma fóssa serão recolhidas
em um grande tanque dahi passam em uma grande caldeira, onde serão
410
BRASIL, 1920b.
411
Em dezembro 1931, eram 20 homens e 14 mulheres (TORRES, 1936c, p 12).
121
Segundo Octávio Torres, em 1934, havia ainda o “perigo” do destino das fezes,
urinas, outros dejetos e das águas utilizadas no banho. Isto, por sua vez, caracterizava as
instalações sanitárias como “[...] um dos problemas mais importantes [...]”.413 A execução do
plano proposto por Almir de Oliveira foi iniciada em 1932, mas devido às dificuldades
administrativas e, em consequência da falta de verbas, foi suspensa por ordem superior em
dezembro de 1933. A suspensão interrompeu o acabamento das obras que, mesmo
inconclusas, foram entregues à administração do Leprosário: 8 banheiros, 8 latrinas turcas, 8
banheiros de chuveiro, 1 fossa para depuração biológica e 8 lavabos.414 A Figura 19 é um
exemplo das latrinas construídas nesse contexto, o que revela uma grande diferença em
relação ao que existia antes, se comparada com a Figura 14.
Ainda referente à conclusão das obras, paralisadas em 1933, Octávio Torres, diretor
da instituição desde 1931, informou que havia “urgência” em proporcionar enfermarias mais
“higiênicas” e conforto aos doentes. Assim, ficou estabelecido em acordo com os integrantes
412
TORRES, 1936c, p. 6.
413
TORRES, 1936c, p. 6.
414
TORRES, 1936c, p. 7.
122
da diretoria da SBCL, que os seus cofres custeariam o término da reforma. Em virtude desta
intervenção foram instalados chuveiros, porta-saboneteiras, porta-toalhas, tamboretes,
espelhos, cantoneiras, suporte para papel higiénico e finalizadas as obras de canalização. No
entanto, ainda faltaram “pequenas coisas” para concluir a obra, o que foi feito “pouco a
pouco” no decorrer do ano de 1934, como afirmou Torres: “[...] a medida das nossas
possibilidades”.415
A Figura 20 mostra parte desses resultados, pois apresenta instalações sanitárias e
acabamentos do banheiro, realizados pela SBCL, entre 1934 e 1935. Mais uma vez as fotos
encontradas no álbum da Sociedade tornam-se fontes centrais para perceber as mudanças
estruturais em que o Leprosário sofreu a partir das intervenções realizadas pela ação
filantrópica.
Como apresentado na Figura 20, mesmo depois das intercorrências que resultaram
em reformas inacabadas, paralisação das obras e necessidade de intervenção por parte da
filantropia, as instalações do Leprosário D. Rodrigo José de Menezes sofreram
melhoramentos importantes. Se compararmos essas mudanças com os registros das figuras
415
TORRES, 1936c, p. 7.
123
15, 16, 17e 18, é possível afirmar que as práticas de asseio e a privacidade melhoraram
significativamente a partir de 1934. Conforme a Figura 20, os doentes passaram a desfrutar de
banheiros individuais com chuveiro, além de pias, espelhos e prateleiras coletivas para
organizar os objetos como sabonete, esponja e outros utensílios utilizados na higienização de
seus corpos. Esta era uma situação diversa da vivida pelos enfermos durante a década de
1920.
Entre as construções realizadas a partir dos cofres da SBCL, destacam-se o pavilhão
para isolamento de um doente leproso considerado louco, um posto de observação para
doentes suspeitos; dois quartos completos para enfermeiro e empregados; concerto dos
passeios; plantio de árvores; instalação de 12 bancos de mármore; construção de coreto para
banda de música e instalação de rádio; construção de um grande pavilhão de diversão, com 23
metros de comprimento e 9 de largura, coberto de zinco e cercado por grades de ferro, e se
instalaria um aparelho de bilhar, oferecido por Anísio Massorra, com diversos jogos para
distração.416 Parte dessas construções podem ser observadas na figura 21:
Figura 21 – Coreto e pavilhão de diversões. Sociedade Bahiana de Assistência aos Lázaros, 1934-
1935.
416
TORRES, 1936c, p. 51-52.
124
Em 1933, foram 219 cortes de cabelo, somados os cortes em homens e mulheres, 453
barbas e, no ano de 1934, 282 cortes de cabelo e 493 barbas. O barbeiro que atuou a frente
dessa oficina se chamava Rosendo, um leproso que aprendeu o ofício no próprio Leprosário.
417
TORRES, 1936c, p. 51-52.
418
TORRES, 1936c, p. 45.
125
Além deste serviço, Rosendo também atuou no galinheiro e no auxílio ao enfermeiro, bem
como o substituindo quando necessário. Ele sabia fazer curativos e aplicar injeções.419
A oficina de sapateiro (Figura 23) surgiu a partir das dificuldades financeiras e da
impossibilidade de fornecer “sapatos de tranças” para os doentes, em 1933. Foi criada por
dois doentes internos, Álvaro e Domingos, ambos sapateiros, que forneceram todo o material
e ferramentas, mesa de sapateiro, máquina, uma coleção completa de fôrmas, pregos e outros
materiais a fim de fabricar os calçados necessários a seus companheiros. Inaugurada no
mesmo dia das outras oficinas, ofereceu serviços relevantes. Em 1933, foram produzidos 40
pares de sapato, 9 pares de alpercatas, uma sapatilha e 4 pares de chinelos, além de cintos, 14
talabartes e 4 correias, tudo representando, na “melhor das hipóteses”, um cálculo mínimo de
preços correntes 1:552$000.420
Como nas outras duas oficinas, a de carpintaria (Figura 24), foi criada em 1933 e
ficou sob a coordenação de um interno. Conforme descrição do próprio relatório, Luiz era um
bom carpinteiro e tudo necessário para o seu trabalho lhe foi dado. A oficina foi organizada
com uma coleção de ferramentas, banco de carpinteiro e diversos materiais, alguns cedidos
por almoxarifados e madeiras compradas pela SBCL. Nessa oficina foram construídos mais
419
TORRES, 1936c, p. 45.
420
TORRES, 1936c, p. 46.
126
421
TORRES, 1936c, p. 46.
422
BRASIL. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923, p. 19.
127
como o incentivo por parte da instituição, foram justificados como passatempo para os
doentes, a fim de serem estimulados e não ficarem em ociosidade, propensos “aos vícios e a
indisciplina”. Conforme o relatório de 1934, o trabalho atraía bons resultados, construindo na
regressão do “mal” com maior rapidez.423
A atuação voltada aos lázaros na Bahia, em conjunto com a iniciativa privada, não
ficou restrita às obras realizadas no Leprosário e ações mais gerais contra o desenvolvimento
da lepra foram realizadas. Entre os diferentes trabalhos executados, foram citadas a
divulgação e a publicação de pequenos “clichés” nos jornais e notícias que orientavam sobre a
importância do diagnóstico e da descoberta dos casos em estágio inicial; do valor do
tratamento oferecido por profissionais, bem como da necessidade do isolamento dos casos
avançados e contagiantes; e da necessidade do exame regular nas pessoas que conviveram
com leprosos ou tiveram contato prolongado com um doente de “lepra aberta”.424
Além do interesse educativo sobre a lepra, as publicações nos periódicos que
circulavam na cidade de Salvador serviram para divulgar e agradecer pelas festas, concertos e
representações feitas em benefício dos cofres da SBCL, conforme a edição de 15 de maio de
1935 do O Imparcial, que tratou sobre o segundo dia da “Semana da Bondade”. Nesta
ocasião, membros da diretoria da Sociedade e “pessoas de destaque”, como Amphrisia
Santiago, Maria José de Paula Laert, Paula Mendonça e Mario Laert, visitaram o Leprosário
D. Rodrigo José de Menezes. Os alunos do terceiro ano de medicina da FMB também
estiveram presentes e o acadêmico Carlos Féra aproveitou para homenagear Octávio
Torres.425
A quantia de 64$800 foi entregue para o Leprosário e a “senhorinha” Maria José de
Paula presenteou as crianças doentes com doces e brinquedos, em nome dos alunos do
Colégio Jesus, Maria e José. No encerramento da visita, ocorreu o plantio de sementes de
chalmoogra, árvore de onde se extraia o óleo empregado no tratamento médico oferecido aos
doentes de lepra.426
O plantio das sementes de chalmoogra, que eram símbolo de um dos poucos
tratamentos conhecidos pela medicina, provavelmente teve a intenção de demonstrar a
atuação médica e científica na instituição, bem como a reprodução de um modelo médico-
filantrópico também presente em outras instituições daquele período. As fontes da década de
1930 apresentam informações sobre essa questão, enquanto na documentação produzida na
423
TORRES, 1936c, p. 47.
424
TORRES, 1936c, p. 59-60.
425
SEMANA DA BONDADE. O Imparcial, Salvador, Bahia, 15 maio 1935, p. 3.
426
SEMANA DA BONDADE. O Imparcial, Salvador, Bahia, 15 maio 1935, p. 3.
129
427
TORRES, 1936c, p. 59.
130
Não há informações sobre o ano exato em que a imagem foi registrada, mas
presume-se, a partir da sua localização no álbum, que ocorreu entre 1934 e 1935. No centro da
imagem, Albino Leitão está rodeado por 8 homens, 4 em cada lado, vestidos com um jaleco
branco e, por baixo, camisas de manga comprida, calça e gravata. Um deles segura um chapéu
com a mão. Das pessoas que aparecem na figura só foi possível identificar, nominalmente,
Leitão.
Ainda sobre a atuação de médicos no Leprosário, Octávio Torres mencionou
intervenções cirúrgicas entre de 1933 e 1934, em razão das complicações da lepra ou por
outras motivações, como no caso em que um doente lesionou a coxa acidentalmente com uma
faca, na oficina de sapateiro. Segundo ele, as intervenções foram realizadas pelos médicos
Odilon Machado e Edgard Pires da Veiga, do Serviço de Assistência Pública; por Colombo
Spinola, médico especialista em oftalmologia e otorrinolaringologia dos Centros de Saúde; e
pelo cirurgião dentista, Cicero Mendes. Os trabalhos eram desenvolvidos sob o auxílio do
diretor e funcionários do Leprosário, em uma sala improvisada para curativos e extração de
dentes. Ao agradecer a atuação desses profissionais, Torres ainda informou que eles não
recusavam as solicitações realizadas por aquela diretoria.428
Parte desse apoio era articulada pelo próprio Octávio Torres, provavelmente
facilitada por suas funções de diretor da instituição e da ILMV. Entretanto, ainda que ele
considerasse ter feito tanto pela profilaxia da lepra e divulgação sanitária nos últimos anos,
reclamava que não era possível fazer mais porque todo o serviço da Inspetoria era atribuído a
um único médico (ele mesmo), e conforme suas palavras: “[...] uma andorinha só não faz
verão”.429
Torres acumulou muitas funções além da responsabilidade com a profilaxia da lepra
em todo o estado e da direção dos serviços de moléstias venéreas, sífilis e lepra nos Centros
de Saúde e no Posto das Docas. No Leprosário D. Rodrigo José de Menezes, ocupava a
função de diretor e cuidava da parte administrativa, dava orientações, realizava exames, entre
outros serviços.430 A fim de reduzir o acumulo de funções e melhorar a administração da
instituição, alegou, em 1935, a necessidade de dois médicos, duas enfermeiras e a admissão
de religiosas que ficariam responsáveis pela disciplina e eficiência.431 Se considerados o
número de doentes (56 internos) e os serviços a serem realizados neste período, o quadro de
428
TORRES, 1936c, p. 28-29.
429
TORRES, 1936c, p. 59.
430
TORRES, 1936c, p. 32.
431
TORRES, 1935, p. 13.
131
432
TORRES, 1936c, p. 49.
433
TORRES, 1936c, p. 50.
434
TORRES, 1936c, p. 27-28.
435
TORRES, 1936c, p. 31.
132
[...] se deve ter paciência ilimitada, a melhor bôa vontade em colaborar com
o chefe da Casa, a maior bondade no tratamento do doente, que sempre
soffre quer moral, quer physicamente, quer espiritualmente e nenhum
combate a estes soffimentos existia infelizmente, no Leprosário.439
436
TORRES, 1936c, p. 30.
437
TORRES, 1936c, p. 28.
438
TORRES, 1936c, p. 34.
439
TORRES, 1936c, p. 34.
440
TORRES, 1935, p. 9.
133
O preventório como uma “[...] arma de prophylaxia”: ampliação das ações assistenciais
e a desarticulação dos serviços no Leprosário D. Rodrigo José De Menezes, na Quinta
dos Lázaros
441
TORRES, 1935, p. 9.
442
TORRES, 1936c, p. 51-52.
443
TORRES, 1936c, p. 52.
134
444
HOCHMAN, 2005, p. 131.
445
CUNHA, 2005, p. 88.
446
CUNHA, 2005, p. 88.
447
CUNHA, 2005, p. 90.
448
MACIEL, Laurinda Rosa. “Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade”: uma história das políticas
públicas de combate à lepra no Brasil (1941-1962). Tese (Doutoramento), Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007, p. 98.
135
suspensão de obras que visavam modificar o que já existia para o combate à lepra no
estado.449 A prioridade passou a ser a construção de um leprosário colônia e um preventório.
Segundo Luciano Curi, a partir de 1935, o Governo Federal assumiu um conjunto de
atribuições que reduziram o poder do legislativo e judiciário federal. Além de fiscalizadora e
normalizadora, tal iniciativa também repassou o comando de algumas prerrogativas,
anteriormente de caráter estadual e municipal, para a União e, assim, o Governo Vargas
interferiu em vários setores da vida nacional.450 Em paralelo a essas modificações, conforme
observação de Vicente Santos, a diretoria da FSALDCL também centralizava as atividades
filantrópicas de combate à lepra na Capital Federal, com a presidência de Eunice Weaver.451
A construção do aparato antileproso, alinhada aos interesses estatais de 1935, a partir
do PNCL e apoiada pelas associações particulares e filantrópicas, ganhou repercussão. As
medidas profiláticas desenvolvidas estavam baseadas no modelo tripé – formado pelo
leprosário, preventório e dispensário. Assim, entendia-se que os leprosários localizados nas
zonas rurais serviam para o isolamento compulsório dos leprosos; os preventórios para evitar
a convivência dos filhos sadios com os pais doentes; e o dispensário para identificar as
vítimas do mal de Hansen e examinar os familiares que conviveram com algum doente.452
Em relação à Bahia, a visita realizada pelas integrantes da diretoria da FSALDCL,
Eunice Weaver, América Xavier da Silveira e Olga Teixeira Leite, contribuiu para que o
modelo tripé ganhasse destaque. Segundo Octávio Torres, as mulheres da Federação
orientaram o serviço de lepra da Bahia a construir um leprosário colônia, pois o número de
doentes espalhados por todo o território justificava essa necessidade, cerca de
aproximadamente 400.453
A proposta foi apresentada a Juracy Magalhães e ao secretário da Educação e Saúde
Pública, Antônio Luis Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barreto – “ambos interessados
em resolver o problema da lepra na Bahia”. Havia um auxílio por parte do Governo Federal
para a realização da proposta, mas, em contrapartida, o governo do estado doaria um terreno
com no mínimo 250 hectares, a fim de instalar o hospital colônia, o preventório e outras
acomodações.454
Não foi possível identificar a data exata da visita da diretoria da Federação, mas
supõe-se que tenha acontecido em fevereiro de 1936, quando Eunice Weaver, América Xavier
449
TORRES, 1939, p. 28.
450
CURI, 2002, p. 118.
451
SANTOS, 2011, p. 261.
452
SANTOS, 2011, p. 260.
453
TORRES, 1939, p. 28.
454
TORRES, 1939, p. 28.
136
da Silveira e Olga Teixeira Leite fizeram uma parada em Salvador, em uma viagem ao
Nordeste. Elas realizaram as Campanhas de Solidariedade para a construção de preventórios
para os filhos sadios dos Lázaros em outros estados. Na passagem pela Bahia, o secretário
geral da SBCL, Octávio Torres fez o pedido para que também realizassem uma campanha na
Bahia.455
Naquele mesmo ano, a Campanha de Solidariedade ocorreu, entre 2 e 8 de abril,
sendo interrompida pela semana santa e encerrada, definitivamente, em 16 de abril.456
Conforme a transcrição de trechos do relatório anual apresentado por Eunice Weaver à
Federação das Sociedade de Assistência, publicado no relatório da diretoria baiana sobre as
atividades do ano de 1936, a campanha baiana, assim como em outros estados onde também
fora realizada, despertou grande interesse de “todos”. Considerada como um verdadeiro
sucesso, arrecadou o valor de 334:000$000, a ser aplicado na construção do preventório para
o filho sadio do hanseniano baiano.457
A diretoria da SBCL também considerou que, das campanhas de assistência
realizadas até aquela data na Bahia, nenhuma havia alcançado resultados “tão brilhantes” em
tão curto tempo e com tanto entusiasmo.458 Na Figura 28 é possível notar um dos registros da
Campanha de Solidariedade. Estão presentes na imagem, duas mulheres próximas à mesa com
uma grande quantia de notas e moedas, Octávio Torres sentado próximo aos barris que foram
usados para a coleta das doações e, possivelmente, o Conego Rubem Mesquita esteja em pé,
ao lado dos demais. Não foi possível ter acesso a fontes que confirmassem o nome associado
à imagem, embora suas vestes sejam típicas de um religioso.
455
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 2-3.
456
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 2-3.
457
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 6.
458
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
137
459
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 10.
460
DUAS PALAVRAS proferidas pelo Dr. Octávio Torres. In: Uma campanha de solidariedade na defesa da
raça: promovida pela Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, Bahia,
1936, p. 7.
461
DUAS PALAVRAS..., 1936, p. 7.
138
462
DUAS PALAVRAS..., 1936, p. 8.
463
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
464
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 7.
465
RELATÓRIO DA DIRETORIA..., 1936, p. 12.
466
SANTOS, 2011, p. 261.
139
467
IV PLANO TRAÇADO PARA 1937. In: Arquivo Gustavo Capanema, Ministério da Educação e Saúde -
Saúde e Serviço Social, GC h 1935.09.02, p. 20.
468
REALIZAÇÕES DA UNIÃO POR ESTADO, na campanha contra a lepra nos anos de 1931 a 1942. In:
Arquivo Gustavo Capanema, Ministério da Educação e Saúde - Saúde e Serviço Social, GC h 1935.09.02, p.
1644.
140
469
PINHEIRO; SANTOS, 2019, p. 231-233.
141
Conclusão
470
BAHIA, Secretaria de Educação e Saúde: Diretoria do Gabinete do Secretário. Processo nº 5406, 14 out.
1941. Oficio nº 642. Procedência, 6ª Região Militar. Assunto: Retornando processo referente a uma consulta
sobre quitação com o serviço militar de um leproso, 1941.
471
BAHIA, 1941.
472
TORRES, 1939, p. 46.
473
TORRES, 1939, p. 46.
474
SANTOS, Edgar. Relatório do Departamento de Assistência Médico Social do ano de 1936, pelo Diretor
Geral, Edgard Santos. 8 de abril de 1937, p. 20.
142
anos depois. Não se desconsideram as importantes intervenções que o Leprosário sofreu neste
período.
Nesse estudo, foi possível identificar que às ações assistenciais voltadas à lepra na
Bahia foram resultados de um projeto que, na maioria das vezes, se pretendeu nacional e
uniforme. Entretanto, as especificidades em muitos momentos possibilitaram identificar
outros interesses, por vezes bem distantes do que se pretendeu em nível federal. O olhar da
História, mais especificamente pelas lentes da história da assistência à saúde, possibilitou
novas interpretações e indagações sobre o desenvolvimento das ações públicas e privadas no
Brasil.
Além disto, também é de interesse deste estudo visibilizar ações assistenciais
voltadas a uma doença que ainda hoje é sinônimo de preconceito e estigma. Os portadores da
hanseníase ainda sofrem com as antigas concepções associadas à lepra e com as
desarticulações das ações e serviços públicos. Desse modo, analisar e refletir sobre os
acontecimentos do passado pode oferecer caminhos para novas possibilidades de pensar a
vida atual. Discutir sobre os acontecimentos que envolveram uma doença, sinônimo de
sofrimento e abandono em outras épocas, serve aqui como um alerta sobre a necessidade de
políticas públicas mais responsáveis com a dignidade humana. Não é só sobre tratamento e
cura, é sobre dignidade e direito de viver. Que esta dissertação contribua de alguma forma
para a historiografia e alimente o debate sobre a saúde e a assistência.
144
Arquivos e fontes
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