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Alagoinhas, 2018
Reginaldo Andrade Silva Estrela
Alagoinhas, 2018
Reginaldo Andrade Silva Estrela
Banca examinadora:
Suplente:
Alagoinhas, 2018
FICHA CATALOGRÁFICA
130f. il.
CDD 326.098142
O caminhar até aqui não foi solitário, pois ao longo da estrada pude contar com um
amigo capaz de me carregar toda vez que o caminho se tornava árduo demais. Por isso, muito
obrigado Deus, pela companhia constante.
Obrigado, de todo coração, à minha família, a começar por Jovelina Estrela, minha
doce e sempre lembrada mãe (in memoriam), que plantou em mim o desejo de ser e saber,
apesar de ela mesma quase não ler e escrever. Meus filhos, Pedro Gabriel e Régis Matheus
que, do seu lugar de criança e adolescente, respectivamente, compreenderam a necessidade de
ausentar-me durante esse período de construção desse trabalho – foi por vocês, meus amores!
Mônica, minha companheira de todas as horas, que muito contribuiu como leitora atenta dos
textos produzidos, e, juntamente com os meninos, foram os mais penalizados, ficando sem
férias, viagens, passeios e programas em família, ao longo desse período.
Para construir esse caminho muitos foram aqueles que dividiram comigo
conhecimento e me incitaram a buscá-lo, propondo leituras e discussões que hoje fazem parte
do meu arcabouço de referências. Foram eles os meus professores, a quem digo obrigado por
socializar o conhecimento. Nessa construção, contei também com o apoio dos colegas Edson
Silva, Marcelo Silva e Márcia Souza que anterior a mim, realizaram pesquisas referentes ao
mesmo período e espaços, e de bom grado compartilharam fontes, me auxiliando na
construção desse trabalho.
Então, gratidão a todos que comigo compartilharam essa jornada, na minha história
de vida, e que, em ver-me sorrindo, sorriram, chorando, choraram, conquistando,
conquistaram e agora podem dizer: valeu a pena cada passo dado em direção ao sonho
realizado.
RESUMO
Esta dissertação analisa a aplicação da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, nos municípios
de Alagoinhas e Inhambupe, Bahia, apresentando o contexto social e econômico dessas
localidades, partindo das experiências dos escravizados que acionaram a justiça nas últimas
décadas da escravidão para conseguir a liberdade. Identifica os caminhos utilizados pelos
cativos na luta cotidiana pela alforria, discutindo as novas possibilidades de manumissões
implantadas e os embates entre senhores e escravos, gerados pelos conflitos de interesses.
Processos cíveis, cartas de liberdade, correspondências das Câmaras e dos juízes, falas e
relatórios dos presidentes da província, ofícios, petições e jornais fazem parte do diversificado
leque de documentos analisados na pesquisa.
This dissertation analyzes he application of the Law 2040, of September 28, 1871, in the
towns of Alagoinhas and Inhambupe, Bahia, presenting the social and economic contexto of
these localities through the experiences of the enslaved ones who took legal actions in the late
years of the slave system (1871 - 1888) to achieve freedom. It identifies the paths used by the
captives in the daily struggle for affranchisement, discussing the new possibilities of
manumission implanted and the clashes between masters and slaves, caused by conflicts of
interests. Civil cases, letters of liberty, correspondence of Chambers and judges, statements
and reports of the presidentes of the province, oficial letters, petitions and newspapers are part
of the diverse range of documents analyzed in this research.
Emancipação, 1882-1886..........................................................................................................30
condição jurídica.......................................................................................................................40
condição jurídica...................................................................................................................... 43
Tabela 11: Tipo das alforrias por sexo do alforriado em Alagoinhas, 1872 – 1888................ 71
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I: ECONOMIA E SOCIEDADE EM ALAGOINHAS E INHAMBUPE,
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX............................................................................. 21
Inhambupe: da formação do povoado à sociedade escravista na segunda metade do século
XIX...........................................................................................................................................22
Alagoinhas: da formação do povoado à criação da vila após a ilegalidade do tráfico............ 32
O universo do trabalho nos municípios de Alagoinhas e Inhambupe......................................39
INTRODUÇÃO
No entanto, ressalta Conrad, depois de uma década de aplicação dessa lei, ficou
evidente o seu fracasso, até para aqueles que eram a favor da escravidão, devido à ineficiência
dos órgãos públicos e também pela “má fé e falta de patriotismo” dos proprietários, mesmo
diante de todos os privilégios que ela lhes proporcionara. 4 Apesar de a Lei 2.040, de 28 de
setembro de 1871 não ter obtido resultados satisfatórios no cumprimento de seu intento
emancipatório e de prolongar a abolição, contribuiu para o início do desmantelamento da
escravidão e para trazer à tona as discussões acerca das suas injustiças, proporcionando uma
maior consciência da população sobre os revezes do escravismo.
A década de 1980 foi muito rica para a historiografia sobre a escravidão no Brasil.
Os historiadores que discutiam o tema foram fortemente influenciados pela obra de E. P.
Thompson e, a partir de então, a literatura sobre a escravidão passou a perceber o escravizado
como sujeito da história, capaz de agir autonomamente, tomando decisões, atuando
estrategicamente dentro do sistema, desconstruindo o pensamento freireano de que as relações
entre senhores e escravos eram harmoniosas.5 Ao contrário, havia um antagonismo de classes,
os que mandavam e os que obedeciam, uma política de domínio e controle que garantia a
subordinação dos dependente. 6
Segundo Thompson, “o paternalismo era não só
responsabilidade efetiva como teatro e gesto, e que, longe de uma relação calorosa, familiar,
face a face, podemos observar uma ensaiada técnica de domínio”. 7 Ou ainda, conforme
Chalhoub, “uma política de domínio na qual a vontade senhorial é inviolável, e na qual os
3
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850 – 1888. Tradução de Fernando de Castro
Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 88.
4
CONRAD. Os últimos anos da escravatura no Brasil, p. 89. Idem, p. 145.
5
LARA, Silvia H. “Blowin in The Wind”: Thompson e a experiência negra no Brasil. Projeto História.
12(1995), pp. 43-56.
6
CHALLOUB. Sidney, Machado de Assis: Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 49.
7
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998, p. 62.
15
8
CHALLOUB. Sidney, Machado de Assis, p. 46.
9
Cf. CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 38.
10
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 159.
11
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 161.
12
As pesquisas sobre a Lei do Ventre Livre cobrem várias partes do Brasil e confirmam que os escravos
acionaram a justiça para serem libertos. Ver, entre outros, CHALLOUB. Visões da liberdade; XAVIER, Regina
Lima. A conquista da liberdade. Libertos em Campinas na segunda metade do século XIX. Campinas: Área de
Publicações CMU/UNICAMP, 1996; SILVA. “Os escravos vão à justiça”; GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da
ambiguidade, as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro:
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008; ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Alforrias em Rio de Contas –
Bahia século XIX. Salvador: EDUFBA, 2012.
13
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 8
16
garantia de luta para dar cabo à escravidão, ainda que essa tenha sido gerada com a finalidade
de uma transformação lenta e gradual do trabalho escravo para o livre, “formando libertos
ordeiros e disciplinados”, servindo também para desgastar o “poder moral dos senhores e do
próprio regime escravista na Bahia”. 14
Os historiadores Isabel Reis e José Pereira Neto também abordaram a aplicação da Lei
2.040 na Bahia, e em especial o Fundo de Emancipação. Reis, em A família negra no tempo
da escravidão, apresenta as experiências de busca da alforria pelas famílias escravas na Bahia
no período de 1871-1888, fazendo um recorte muito interessante sobre a utilização do fundo
de emancipação pelos escravizados de Inhambupe para conseguir a liberdade, com base no
livro de classificação de escravos para a libertação no município. 15 Em A alforria nos termos
e limites da lei: o fundo de emancipação na Bahia, Santana Neto analisa a gestão do fundo de
emancipação na província da Bahia, artigo terceiro da lei de 1871, a partir da utilização de um
leque variado de fontes que possibilitaram ao autor investigar a estruturação das instituições
necessárias para sua implantação e discutir a intervenção e apropriação da lei pelos diversos
atores sociais envolvidos.16
14
SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Caminhos e descaminhos da abolição. Escravos, senhores e direitos nas
últimas décadas da escravidão (Bahia, 1850-1888)”. (Tese de doutorado em História, Universidade Federal do
Paraná, 2007), p. 151.
15
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 245 - 262.
16
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”.
17
AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo
Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado
da Bahia, 2015).
17
momento da morte daquela família senhorial, momento da partilha dos bens. 18 Outro trabalho
relevante para a compreensão da sociedade escravista que se formou em Alagoinhas ao longo
do século XIX é o de Monalisa Pereira Matos, que estudou as alforrias no município de
Alagoinhas entre 1871e1888. Além de analisar o processo da alforria tendo como fonte
privilegiada as cartas de alforria, a autora também se preocupou em compreender a influência
da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, para alcançar esse intento.19
18
NASCIMENTO, Aline Soraia Saraiva. “A família escrava na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas: uma
análise longitudinal”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015).
19
MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso
em História, Universidade do Estado da Bahia, 2016).
20
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do
trabalho em Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015).
21
SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de Inhambupe –
Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017).
18
A análise da aplicação dessa lei permite entender o “apagar das luzes” da escravidão
no Brasil, no final do século XIX, bem como perceber, por meio das experiências dos
escravizados, as concepções que foram construídas e reconstruídas nos caminhos para a
liberdade em municípios como Alagoinhas e Inhambupe. Mesmo assim, é possível afirmar
que a sociedade desses lugares, em sua maioria, empregava a mão de obra livre, mas ainda
utilizava a prestação de serviços dos escravos para desenvolver as diversas atividades
econômicas existentes. Partindo desse pressuposto, pode-se salientar que existiam
particularidades da realidade dessas sociedades, as quais se assemelhavam em alguns
aspectos, mas divergiam em outros, mostrando que possuíam uma dinâmica própria, como
demonstram os estudos de Keite Lima e Robério Souza sobre Alagoinhas. 22
25
GRINBERG, Keila. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”. In: LARA, Silvia Hunold;
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-
SP: Editora UNICAMP, 2006, p. 103.
26
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 3
27
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 23
20
CAPÍTULO I
1
BARICKMAN. B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 36-39.
2
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 36
22
farinha de mandioca, que envolvia a mão de obra escrava e livre. 3 Segundo Durval Aguiar,
Alagoinhas e Inhambupe eram espaços aprazíveis, com rios de águas salubres e potáveis,
clima agradável e sadio, terras férteis e propícias para a lavoura e criação de gado. 4 O
desenvolvimento dos dois municípios deu-se com a agricultura, com cultivo de vários
produtos que utilizavam tanto a mão de obra livre quanto a escrava. Neste trabalho, não nos
ocuparemos do trabalhador livre, mas, oportunamente, demonstraremos a sua importância
quantitativa nas sociedades aqui analisadas.
3
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 43-44.
4
AGUIAR, Durval Viera de. Descrições práticas da Província da Bahia com declaração de todas as distâncias
intermediárias das cidades, vilas e povoações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 88.
5
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios”.
6
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios”.
23
7
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios.
8
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (doravante BNRJ). Relação da Freguesia do Divino Espírito Santo do
Sertão do Inhambupe de Cima, apresentada pelo vigário encomendado Joaquim de Sant’Anna. Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em 11/11/2017.
9
Vale ressaltar que ao relacionar esses lugares, percebem-se alguns nomes repetidos. Não se sabe se foi erro do
vigário ou se realmente existia duplicidade de denominação desses locais. “Relação da Freguesia do Divino”,
BNRJ, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em 11/11/2017, p. 226.
10
“Relação da Freguesia do Divino”, BNRJ, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XXXI, p. 225.
Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_031_1909.pdf>. Acesso em: 11/11/2017.
24
[...]com vinte e seis léguas de longitude, dezoito de latitude, mil duzentos e oitenta
fogos, e mais de seis mil e oitocentos habitantes. Divide-se ao nascente com a
freguesia do Itapicuru da Praia do termo da vila Abadia, no lugar chamado
Mocambo [...] e sítio dos Sete Paus; ao poente com a freguesia da vila de São João
de Água Fria na fazenda da Alagoa, que foi de Diogo Campos; ao norte com a
freguesia de Nossa Senhora de Nazaré da vila do Itapicuru de Cima, no lugar
chamado Nambi Genipapo, e tabuleiro do sobrado do engenho das Varas Brancas;
ao sul com a freguesia de São Pedro de Sauípe da Torre de Garcia D’Avila.14
Meneses destacou ainda, que não fora anexado arraial algum por não haver vizinhos nem
fazendas e engenhos, conforme apontou o ouvidor Joaquim Gonzaga, em carta que solicitava
a separação das localidades, pelos motivos já explicitados.
11
CARTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente [D. João] sobre à criação da vila de Inhambupe de
cima. Lisboa, 22 de abril de 1800. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU doravante) -Bahia, cx. 217, D.15196;
BNRJ. Ofício do ouvidor da comarca a D. Fernando José de Portugal sobre situação da freguesia de Inhambupe
de cima e necessidade de aí ser erigida uma vila. Manuscrito. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000496/mssp0000496.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
12
SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo:
Companhia da Letras, 1988, p. 284.
13
Percebe-se uma divergência de datas quanto à elevação da freguesia do Inhambupe de cima à condição de vila
entre o texto de Durval Aguiar e a Carta Régia. Aguiar afirma que a vila de Inhambupe foi criada em 1728, já a
Carta Régia apresenta a data de 1801. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB, doravante). Colonial e
provincial, (microfilmado). Filme 55, flash 02 – 1800 a 1801 – livro 9, documento 52.
14
BNRJ. Oficio de Francisco da Cunha e Meneses a S.A.R. sobre a divisão da freguesia de Inhambupe e
Comarca de Água Fria. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000197/mssp0000197.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
25
15
BNRJ. Informação sobre a pretendida elevação de vila a freguesia de N. S. do Monte do Itapicuru da Praia da
Bahia. Inhambupe: [s.n.]. Disponível em:
<<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000282/mssp0000282.pdf>. Acesso
em: 11/11/2017.
26
16
Relatório de Presidentes da Província. Documentos anexos ao relatório apresentado a Assembleia Legislativa
da Bahia pelo excelentíssimo senhor Barão de São Lourenço em 11/04/1869. Disponível em: <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
17
Relatório de Presidentes da Província. Fala de abertura do excelentíssimo senhor desembargador João Antônio
de Araujo Freitas Henriques, da Assembleia Provincial da Bahia, em 1 de março de 1872. Disponível em:
<http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
18
O documento não informa os nomes das três vilas nem cita os oito distritos. Relatório de Presidentes da
Província. Fala de abertura do excelentíssimo senhor desembargador João Antônio de Araujo Freitas Henriques,
da Assembleia Provincial da Bahia, em 1 de março de 1872. Disponível em: <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia>. Acesso em: 20/12/2017.
19
PIMENTA, Altino Rodrigues. Almanak Administrativo, Comercial e Industrial da Província da Bahia, para o
ano de 1873. Bahia: Typografia de Oliveira Mendes, 1872, pp. 51-58.
27
Todos os vendeiros que trouxerem seus gêneros a vender nesta vila e nas povoações
de seu termo pagarão para o município da Câmara uma multa na forma seguinte: por
cada uma carga de fumo, sendo do termo desta vila, pagarão oitenta réis, e sendo de
fora trezentos e vinte réis; pagarão de farinha, milho, feijão, arroz e outros
quaisquer gêneros medíveis e pesáveis quarenta réis, pena de ao contrário fazendo
perderem o terço do que trouxerem para pagamento da multa, e a (ilegível), e isto e
20 O autor analisa o envolvimento dos trabalhadores com a política no Brasil imperial, mais especificamente a
classe operária de Salvador, destacando a sua inserção nos pleitos eleitorais da segunda metade do século XIX,
cf. CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. “Muitos votantes e poucos eleitores: a difícil conquista da
cidadania operária no Brasil Império (Salvador, 1850 -1881)”. Varia História. [online]. 2014, vol. 30, nº 52, pp.
184-206.
21
Cf. CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL, 25 demarço de 1824, artigos 90 a 97.
22
MATTA, Kátia Sausenda. “Votantes ou eleitores? Os impasses da participação política local no início do
oitocentos (1827-1828)”. In: Anais do XVIII ENCONTRO REGIONAL – ANPUH – Dimensões do poder na
História, 2013, Ouro Preto/MG. Anais... Ouro Preto: Editora EDUFOP, 2013, 1-12 (Anais eletrônicos).
23
SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de Inhambupe –
Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017),p. 60.
28
em atenção aos cômodos, que a custo da Câmara se lhes tem feito, outro sim que
nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condição que seja possa atravessar os
gêneros que se encaminharem as ditas terras [...].24
24
Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB). Colonial e Provincial. Posturas de Inhambupe, maço
857, 1831 - 1887.
25
APEB. Colonial e Provincial. “Posturas de Inhambupe”, maço 857, 1831 - 1887.
26
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em
Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, 2015), p. 32.
27
LIMA, Gemima de Sousa. “Tecendo a liberdade: libertos no pós emancipação em Inhambupe (1880-
1890)”.(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017), p. 16.
28
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 60.
29
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 80.
29
30
LIMA. “Tecendo a liberdade”, p. 15.
31
AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo
de Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do
Estado da Bahia, 2015), p. 16
32
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho, p. 17.
33
BERICKMAN. Um contraponto baiano, p. 181.
30
34
AGUIAR. Descrições práticas, p. 88.
35
O município de Inhambupe possuía duas freguesias, conforme disposto no Quadro dos municípios da
província da Bahia e suas respectivas freguesias. Cf. Recenseamento da Província da Bahia, 1872, fl. 513.
Discordo de Edson Ferreira da Silva que considerou o município de Inhambupe com três freguesias, incluindo a
freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Entre Rios. A referida freguesia foi considerada no Recenseamento
de 1872 como município independente. Cf. SILVA. “O preço da liberdade”, p.40.
36
Análise feita a partir da base de dados agregada pelo CEDEPLAR. Cf.
http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop-72-brasil/. Acesso em
37
REIS. “A Família Negra”, p. 251.
31
Segundo Reis, entre os quatro maiores escravistas de Inhambupe, listados pelo Fundo
de Emancipação estavam o dr. João dos Reis de Souza Dantas, com 93 escravos; o coronel
Maurício José de Souza Dantas, seu irmão, que tinha 81; o coronel Pedro Gomes Leão
Ferreira Velloso, com 74 e; d. Francisca Alexandrina de Vasconcelos, que possuía 30 cativos.
Os Souza Dantas era uma “destacada família da elite baiana, proprietária de terras e escravos
e com intensa participação no cenário político nacional”. 39 De acordo com Santana, outros
grandes proprietários em Inhambupe, foram Bento José de Noronha, dono do Engenho Lagoa
e da Fazenda Canabrava, que possuía 50 bois de carro, 160 cabeças de gado de criar e alguns
cavalos; Bernardo José de Noronha, que possuía bens nos sertões e vilas do centro da
província e Francisco Caetano de Almeida, que tinha engenhos, escravos e fazendas de
gado. 40 Conforme destacou, frequentemente os inventariantes de Inhambupe solicitavam
prorrogação para concluir os inventários, alegando possuir bens nos sertões e vilas do centro
da província, e a dificuldade em juntar, contar e ferrar os gados no prazo estabelecido, a
exemplo do tenente coronel Bernardo José de Noronha e Francisco Caetano de Almeida que
possuíam engenhos, escravos e fazendas de gado em diversas localidades daquele sertão. 41
Para Silva, o coronel Pedro Gomes Ferreira Velloso foi o proprietário do Engenho
Coité, hoje Fazenda Coité, situada às margens do rio Inhambupe, localização estratégica para
38
REIS. “A Família Negra”, p. 249.
39
REIS. “A Família Negra”, p. 256.
40
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do Trabalho”, p. 20-22.
41
O autor afirma que foram pesquisados 3 inventários de Alagoinhas e 14 de Inhambupe, ressaltando que
realizou uma análise qualitativa, o que possibilitou notar quem eram “os poucos ricos da região e o que
possuíam”. SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 18-23.
32
42
SILVA. “O preço da liberdade”, p.62.
43
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. “Entre a ferrovia e o comércio: urbanização e a vida urbana em
Alagoinhas (1868 – 1929)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2010), p. 21;
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 11; LIMA. “Tecendo a liberdade”,
pp. 17-18.
44
Segundo o autor da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, “conta a tradição que, em fins do século XVIII,
um sacerdote português, cuja identidade a História não guardou, fundou a capela no sítio em que existe
atualmente, o município de Alagoinhas”. Provavelmente, esse vigário tenha sido Francisco Cardoso, citado no
documento do Tribunal do Santo Ofício.
33
capela com o padre Francisco Cardoso e, anos depois, acusou o padre de assediá-la no
confessionário.45
45
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 28º Caderno de
Solicitantes, p. 32. Amorim também analisou este documento. Cf. AMORIM, Janaína Laís L. S. “O parentesco
espiritual: compadrio de escravos africanos na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas (1818-1850)”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015), p. 13; NASCIMENTO,
Aline Soraia Saraiva. “A família escrava na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas: uma análise
longitudinal”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015), p. 17;
MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em
História, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 13. Sobre crimes de solicitação no período colonial, cf.
FERREIRA, Elisangela O. “Mulheres de fonte e rio”: solicitação no confessionário, misoginia e racismo na
Bahia setecentista. Afro-Ásia, 48(2013), pp. 127-171.
46
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 18-19; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 13.
47
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 18.
48
FERREIRA. “Enciclopédia dos municípios brasileiros”, p. 21.
34
Nova (Boa União), a freguesia do Senhor Deus Menino dos Araçás e a freguesia Santo
Antônio das Alagoinhas. 49
49
Cópia da Ata de instalação da nova Câmara Municipal de Alagoinhas, em cumprimento a Resolução
Provincial 442 de 16 de junho de 1852. APEB. Colonial e provincial. Correspondência da Câmara de
Alagoinhas, maço 1241, 1853 -1886.
50
Cf. AMORIM. “O parentesco espiritual”, p. 15; NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 19-20; MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 15-16.
51
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 20.
52
AMORIM. “O parentesco espiritual”, p. 15; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p.15.
53
A fala da autora foi baseada no Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo de 1853. MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 16.
54
FIGAM/CENDOMA. Atas da Câmara Municipal. 1875.
55
APEB. Correspondência da Câmara de Alagoinhas enviada ao presidente da Província. 1853 - 1886, maço
1241.
56
APEB. Correspondência da Câmara de Alagoinhas enviada ao presidente da Província. 1853 - 1886, maço
1241.
35
57
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, 18-23.
58
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do Trabalho”, p. 20-22.
59
NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 31.
60
FIGAM/CENDOMA. Atas da Câmara de Alagoinhas. 1875. Nascimento também analisou as atas da Câmara.
Cf. NASCIMENTO. “A família escrava”, p. 33-35.
36
casas de palha perto do barracão da dita estrada”.61 O ano de 1863 representou um marco para
Alagoinhas, com a inauguração oficial da primeira estrada de ferro da província da Bahia que
ligava a capital, Salvador, à vila. O rápido crescimento da vila ocorreu por conta da instalação
da estrada de ferro que impulsionou a população a fixar residência em torno da estação, bem
como a mudança de casas comerciais e da feira para o mesmo local. 62 O historiador Robério
Souza ressalta a importância que Alagoinhas adquiriu com a construção da ferrovia, tornando-
se,
61
AGUIAR. Descrições práticas, p. 93.
62
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 57.
63
SOUZA. Robério Santos. Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892 -
1909). Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, p. 40.
64
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, pp. 39-40.
65
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 40.
66
Sobre o trabalho no canteiro de obras, cf. SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e
nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira ferrovia baiana (1858-1863). Campinas: Ed.
Unicamp, 2016, capítulo 3.
37
torna altamente atrativa para a rede comercial, o que contribuiu para uma expansão
do comércio local. 67
67
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 77. Colocar em destaque.
68
APEB. Colonial e provincial. Posturas de Alagoinhas, maço 855, 1833-1887.
69 LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 35.
70
APEB. Colonial e provincial. Posturas de Alagoinhas, maço 855, 1833-1887. Idem.
71 AGUIAR. Descrições práticas, p.94.
72 AGUIAR. Descrições práticas, p. 95.
73
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35.
38
74
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio, p. 41.
75
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35; LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p. 21, 71 e 113 e MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 17.
76
SOUZA. Tudo pelo trabalho livre, p. 35.
77
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 18 e 19.
39
anos, em 1872, a população do município era formada por 21.739 pessoas, sendo 17.976
livres e 3.763 escravos. Analisando o referido censo, Matos constatou que:
[...] a maior parte da população estava localizada na freguesia de Igreja Nova, com
um total de 51,8%, seguida por Santo Antônio de Alagoinhas, com 30,9% e Araçás,
com 17,3%. Em termos gerais, não existia diferença entre proporção de homens e
mulheres, porém, considerando cada freguesia de forma particular, percebemos que
a proporção de mulheres era um pouco maior em Araçás (51,6% de mulheres) e
Igreja Nova (50,7% de mulheres). No entanto, na freguesia de Santo Antônio das
Alagoinhas o número de homens (livres: 3.038 e cativos: 455) era um pouco maior
que o de mulheres (livres: 2.829 e cativas: 388), provavelmente por conta da
construção da ferrovia e, da necessidade de mão de obra masculina na área voltada
para o comércio.78
78
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 21.
79
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 20.
80
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 20-21.
40
Livre Escrava
PROFISSÕES Total Total Total
Homem Mulher Homem Mulher Geral
N % N % N N % % N % N %
Prof. Liberais 37 0,4 6 0,1 43 0,2 43
Outros 20 0,2 0,0 20 0,1 4 0,3 4 0,2 24
Prof. Industriais e
comerciais 139 1,4 89 1,1 228 1,3 228
Prof. Manuais e
Mecânicas 162 1,6 358 4,4 520 2,9 12 0,8 5 0,4 17 0,6 537
Serviços
domésticos 1133 13,9 1133 6,2 56 3,8 36 3,1 92 3,5 1225
Prof. Agrícolas 6005 59,8 713 8,8 6718 37,0 878 59,0 488 41,4 1366 51,3 8.084
Sem profissão 3672 36,6 5841 71,7 9513 52,3 537 36,1 649 55,1 1186 44,5 10.699
Total 10035 100 8144 100 18175 100 1487 100 1178 100 2665 100 20.840
Fonte: Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/>. Acesso em: 24/03/2016.
[...] tenho a dizer que esta comarca se compõe de 2 municípios e são os desta vila e
o de Entre Rios. Ambos têm foro civil, aquele declarado pelos decretos números:
170 de 1842, 280 de1843, 312 de 1843, 1.218 de 1853, 2.240 de 1858, e o lugar da
residência do juiz de direito e do juiz municipal letrado. Tem dois tabeliães do
público judicial e notas, e escrivão do civil, acumulando o de escrivão da
provedoria, e oficial do registro das hipotecas, e tem mais o escrivão privativo de
órfãos e ausentes, servindo interinamente de escrivão do júri e execuções criminais e
da correção, são eles: Elesbão José de Avellar, Bonifácio Gil da Silva, Jacinto
Febronio de Oliveira.83
O juiz Almeida queixou-se da existência de cargos vagos, alegando ser esse o motivo pelo
qual ocorria o acúmulo de funções pelos profissionais existentes. Vale salientar que o escrivão
Jacinto Febronio de Oliveira atuou, em 1874, como curador da crioula Cândida e seu filho
José, em um processo de arbitramento de liberdade que será analisado adiante.
81
Inspirei-me em Matos que analisou o censo em relação às ocupações para o município de Alagoinhas. Cf.
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 24.
82
Sobre a atuação da justiça cf. AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial
cidade de São Paulo. Campinas, SP: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da Cultura,
1999; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Cenas da abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001; SILVA, Ricardo Tadeu Caíres. “Os escravos vão a justiça: a
resistência escrava através das ações de liberdade. Bahia, século XIX”. (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Federal da Bahia, 2000).
83
APEB. Correspondência recebida de juízes de Inhambupe. 1851 – 1889. Seção colonial e provincial, maço
2415. (Grifo nosso).
42
Nessa última localidade elas ocupavam-se dos serviços de costura e domésticos, além do
expressivo contingente que trabalhava na lavoura.
Livre Escrava
PROFISSÕES Total Total Total
Homem Mulher Homem Mulher Geral
N % N % N % N % N % N %
Prof. Liberais 63 0,7 6 0,1 69 0,4 69 69
Outros 60 0,7 6 0,1 66 0,4 68 3,7 68 1,8 134
Prof. Industriais e
comerciais 191 3,3 2 0,7 193 1,1 193
Prof. Manuais e
Mecânicas 292 3,3 59 0,7 351 2,0 13 0,7 13 0,3 364
Serviços
domésticos 89 1,0 89 0,5 4 0,2 116 6,2 120 3,2 209
Prof. Agrícolas 4537 50,5 101 1,1 4638 25,8 1116 61,4 206 11,0 1322 35,1 5960
Sem profissão 3838 42,7 8732 97,1 12570 69,9 686 37,7 1554 82,8 2240 59,5 14810
Total 8981 100 8995 100 17976 100 1819 100 1876 100 3763 100 21739
Fonte: cf Tabela 2.
85
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 25.
44
de engenho e lavradores ou recorriam ao emprego da mão de obra cativa, ou então teriam que
se contentar “com a quantidade limitada de trabalho que eles próprios e suas famílias eram
capazes de fornecer” e, quando necessitavam de mão de obra extra por ocasião do plantio e
colheita da safra, alugavam escravos de vizinhos em vez de contratar trabalhadores livres. 92
O censo de 1872 confirma essa realidade quando expõe que apenas 14 pessoas em
Inhambupe ocupavam a categoria criados e jornaleiros que se enquadra no subgrupo dos
assalariados, sendo 11 livres e 3 escravos, por certo escravos de ganho. Em Alagoinhas esse
número foi maior, especificamente na vila, por conta do ambiente mais urbanizado e do
comércio em franca ascensão nas décadas de 1870 e 1880, em decorrência da via férrea ali
construída que atraiu imigrantes e transeuntes. De um total de 124 indivíduos classificados
nessa categoria, 56 eram livres e 68 escravos.
92
BARICMAN. Um contraponto baiano, p. 221. Idem, Ibidem, p. 217.
93
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 25-27.
94
BARICMAN. Um contraponto baiano, p. 217 – 221.
46
significa sem ocupação, pois esse grupo exercia algum tipo de atividade para sobreviver.
Grande parte dessa massa destinava-se a desenvolver as atividades agrícolas, principalmente
nas lavouras de subsistência. Vale destacar que, dentre os considerados sem profissão, havia
pessoas livres pobres, libertos e escravos que lutavam pela sobrevivência.
95
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, pp. 20 – 22; ver também: REIS, “A
Família Negra”, p. 256; NASCIMENTO. “A família escrava”. SILVA; “O preço da liberdade”, p. 62.
47
CAPÍTULO II
desse método em São Paulo data de 1765. Para fins de recrutamento militar, a Igreja realizava
levantamentos de caráter censitário por meio dos róis de confessionário, “compreendendo até
mesmo a população escrava”. 4 A ênfase dada por Marcondes à população escrava interessa ao
nosso trabalho, sobretudo porque apresenta caminhos metodológicos para perscrutar os
números da população escrava de Alagoinhas e Inhambupe na segunda metade do século
XIX, tendo em vista que, antes do censo de 1872, são pontuais as informações acerca da
população desses municípios. Como foi dito no primeiro capítulo, a freguesia do Divino
Espírito Santo do Inhambupe de Cima, conforme a informação do vigário Joaquim
Sant’Anna, em 1757, contava com 2.558 almas. Vale lembrar que a população da capela de
Santo Antônio das Lagoinhas, que pertencia à referida freguesia estava inclusa nesse
quantitativo.5
4
MARCONDES, Renato Leite. “Fontes censitárias brasileiras e posse de cativos na década de 1870”. Revista de
Índias, vol. LXXI, n. 251 (2011), p. 232.
5
Até 1852, quando foi elevada à condição de vila, a população de Alagoinhas estava inserida na população de
Inhambupe. BNRJ. “Relação da Freguesia do Divino Espírito Santo do Sertão do Inhambupe de Cima”, p. 225.
6
BNRJ. Oficio de Francisco da Cunha e Meneses a S.A.R. sobre a divisão da freguesia de Inhambupe e
Comarca de Água Fria. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mssp0000197/mssp0000197.pdf>. Acesso em
11/11/2017. .
7
Este documento foi analisado por MATOS, Monalisa Silva Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 18 e 19. Sobre a ata,
cf. FIGAM/CENDOMA. Ata de instalação da Câmara Municipal de Alagoinhas, 1853.
8
MATOS, Monalisa Pereira. “Escravidão e identidade étnica na freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas
(1827-1846)”. In: ANAIS XVIII JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 18 Anos de IC na UNEB: Um
Olhar para o Futuro, 2014, Salvador/BA. Anais... Salvador, UNEB, 2014, p. 643-644 (Anais eletrônicos).
49
baseada nos livros de batismos, contabilizou um total de 2.686 cativos. 9 Em seu trabalho de
conclusão de curso sobre alforrias, entre 1871 e 1888, Matos analisou os dados demográficos
compulsados pelo vigário Teles, no ano de 1856 e os comparou com os dados do
recenseamento de 1872 para Alagoinhas. Segundo a autora, entre 1856 e 1872 a população
cresceu 49,3%, passando de 14.560 para 21.739, ocorrendo um crescimento da população
livre de 55,3% e da população escrava de 26,2%. Em 1872, o percentual de escravos era de
17,3% o que representou um decréscimo dessa população e, consequentemente, uma redução
na mão-de-obra.10 Já Laís Santos, que estudou o tráfico ilegal na Freguesia do Divino Espírito
Santo, entre 1824 a 1840, detectou a existência de 1.267 escravizados entre os que receberam
os primeiros sacramentos do batismo. 11 Mais adiante voltaremos a estes números para
discutirmos a escravidão em Alagoinhas e Inhambupe. Os dados computados pelas autoras
são de grande importância, pois dimensionam, quantitativamente, a escravidão nessas
freguesias desde a primeira metade do Oitocentos.
município de Alagoinhas entre 1856 e 1872, Matos constatou que houve um crescimento de
49,3% da população como um todo, passando de 14.560 para 21.739, e concluiu que a
população livre (55, 3%) cresceu mais, se comparada com a população escrava (26,2%).
Dessa forma, os números sugerem que a força de trabalho nos municípios ora analisados era
formada, em sua maioria, por homens e mulheres livres.
12
Cf. Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo - Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca
Digital Brasileira, 1871. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader/. Acesso em: 21/06/2018. Ver: MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 20-21.
13
BARICKMAN. “Até a véspera”.
51
grande parte da demografia dessas localidades, portanto, uma dependência maior da mão de
obra escrava. 14
No entanto, Robério Souza argumenta que essas determinações nem sempre foram
cumpridas e sinaliza a utilização de escravos na construção dessa ferrovia. Segundo o
historiador, “[...] é bem provável que muitos negros livres, libertos ou escravos, juntamente
com os estrangeiros, trabalhassem na construção e no funcionamento de estradas de ferro na
Bahia”.17 Assim, apesar da proibição, a historiografia aponta a recorrência à mão de obra de
escravos fugitivos na construção das linhas da estrada de ferro. Conforme Fraga Filho,
14
BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 214-215.
15
AGUIAR, Durval Viera de. Descrições práticas da Província da Bahia com declaração de todas as distâncias
intermediárias das cidades, vilas e povoações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979, p. 88.
16
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910).
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006, p. 61.
17
SOUZA, Robério Santos. Tudo pelo trabalho livre: trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892 -
1909). Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, p. 60.
18
FRAGA FILHO. Encruzilhada da liberdade, p. 54-55.
52
Conrado, escravo do vigário Antônio Martins da Silva Telles, pároco da freguesia de Jesus,
Maria e José, município de Alagoinhas. 19
Fonte: VASCONCELLOS, Christianne Silva de. “O circuito social da fotografia da gente negra,
Salvador 1860-1916”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2006), p. 30.
A fuga de Conrado sinaliza as tensões que permeavam sua relação com Teles. Ele era
criado do vigário, uma relação próxima e, talvez difícil para ele suportar e, tal qual o crioulo
Basílio, estudado por Souza, Conrado pode ter alimentado expectativas de liberdade
19
PIMENTA, Altino Rodrigues. Almanak Administrativo, Comercial e Industrial da Província da Bahia, para o
ano de 1873. Bahia: Typografia de Oliveira Mendes, 1872, p. 30.
20
VASCONCELLOS, Christianne Silva de. “O circuito social da fotografia da gente negra, Salvador 1860-
1916”. Dissertação (Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2006), pp. 30-34.
53
trabalhando na estrada de ferro, usando a ferrovia como esconderijo. 21 Por outro lado, em uma
época em que a fotografia tornou-se, paulatinamente, instrumento de controle da população, o
vigário utilizou a foto de Conrado para dar visibilidade à sua fuga. 22 Em suporte de carte-de-
visite, Conrado foi fotografado, segundo Vasconcellos, “por um dos mais empreendedores
fotógrafos da época, o alemão Albert Henschel”. 23 Henschel possuía um ateliê em Recife e
Salvador, no final da década de 1860, mas Vasconcelos identificou a produção como posterior
a 1870, quando o fotógrafo abriu ateliês em São Paulo e Rio de Janeiro. Como criado,
Conrado acompanhava o vigário em suas viagens à capital da província e, em uma dessas
ocasiões, visitou o estúdio do fotógrafo. Esta foi, inclusive, a hipótese levantada por
Vasconcellos após a análise da produção da imagem. Vasconcellos também nos informa que
Conrado nasceu em Alagoinhas, no dia 28 de abril de 1860 e, foi levado a pia batismal oito
dias depois. Era filho de Jacob e Maria Joana, escravos de Joaquim Alves de Sá e, foi
batizado no oratório da propriedade do senhor pelo vigário Teles. 24 Conrado foi vendido por
Sá, talvez a Teles, mas não foi possível confirmar essa informação. É provável que a sua
rebeldia tenha se originado pela troca de senhor e culminado na fuga. Ao se dar conta que o
escravo havia escapado dos seus domínios, o vigário pode ter calculado que a foto seria útil
para identificá-lo. Também não foi possível verificar se o vigário anunciou a fuga de Conrado
em algum jornal da capital ou do periódico dominical A verdade, que circulava em
Alagoinhas, o que certamente aconteceu. Assim, em 28 de setembro de 1887, o vigário
resolveu alforriar Conrado:
21
SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção
da primeira ferrovia baiana (1858-1863), Salvador: Edufba/Fapesp, 2011, pp. 63-64. Sobre as visões de
liberdade, cf. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na
corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
22
Sobre a utilização da fotografia como instrumento de controle, cf. LIMA, Solange Ferraz; CARVALHO,
Vânia Carneiro de. Fotografias: usos sociais e historiográficos. In: PINSKY, Carla Bassanezi; LUCCA, Tânia
Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011, pp. 31-32.
23
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 32.
24
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 33.
25
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, pp. 31-32, grifos meus
54
Segundo Teles, Conrado era de cor preta, com idade de 24 anos, solteiro, natural de
Alagoinhas, lavrador, filho de Maria Joana. Como não havia um campo específico no
documento para informar a fuga de Conrado, bem como a sua alforria, o vigário registrou-as
no campo observações, ocupando todo o espaço disponível do formulário, inclusive porque,
naquela ocasião, só possuía um escravo. Entre o registro da matrícula de Conrado e sua
alforria passaram-se seis meses. Ao outorgar a alforria, o padre determinou que o filho de
Maria Joana gozasse a sua liberdade a partir do último dia do mês de dezembro de 1887, após
três meses de sua outorga.
26
Sobre as diversas formas de alforria, cf. EISENBERG, Peter. EISENBERG, Peter L. “A carta de alforria e
outras fontes para estudar a alforria no século XIX”. In: ______ Homens esquecidos: escravos e trabalhadores
livres no Brasil, século XVIII e XIX. Campinas. SP: Ed. Unicamp, 1989, pp. 245-254.
27
VASCONCELLOS. “O circuito social da fotografia”, p. 32.
55
Inhambupe 10.034 55,20 1.487 55,8 8.141 44,80 1.178 44,2 18.175 87,2 2.665 12,8 20.840
28
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 12.
29
Para uma análise da demografia da escravidão na capitania e província da Bahia, cf. entre outros,
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550- 1835. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988, pp.280-291; ANDRADE, Maria José de Souza. A mão de obra escrava em
Salvador, 1811-1860. São Paulo: Corrupio, 1988; PARÉS, Luís Nicolau. A formação do candomblé: história e
ritual da nação jeje na Bahia. Campinas, Editora da UNICAMP, 2006, pp. 63-76. ALMEIDA, Kátia Lorena
Novais. Alforrias em Rio de Contas, Bahia – Século XIX.Salvador: Edufba, 2012, pp. 103-115.
56
[...] como definidor do negro nascido no Brasil, para diferenciá-lo do africano, antes
frequentemente referido apenas como preto. Preto agora valia para descrever negro
brasileiro ou africano, o que acredito ser mais um indicio de que a sociedade se
adaptava para conviver com apenas um tipo de negro: aquele nascido no Brasil. 30
Acreditamos que as reflexões sobre os termos crioulo e preto, feitas por Reis para Salvador –
cidade que mais recebeu africanos na província da Bahia ao longo de todo o período da
escravidão –, e apesar das diferenças de contextos da demografia da escravidão em relação a
Alagoinhas e Inhambupe, cuja população escrava, desde a primeira metade do século XIX,
era, sobretudo, crioula nos ajudam a compreender a complexidade do sistema de classificação
racial nos dois últimos municípios. Vale lembrar que a classificação racial era atribuída por
funcionários que produziam os documentos, tanto no domínio da Justiça – escrivães do juízo
municipal e de órfãos – quanto pelos funcionários que analisaram os dados das paróquias – os
padres continuaram anotando uma diversidade de temos étnico raciais ao batizarem e casarem
os escravos – e condensaram as informações no recenseamento da população escrava e livre
em 1872. Ademais, o dicionarista Antônio de Moraes Silva designou preto como o negro
forro ou cativo, não distinguindo a origem. 31 Não é demais lembrar que o vigário Teles
descreveu seu escravo Conrado na matrícula de 1887, como de cor preta, natural de
Alagoinhas. Assim, em Alagoinhas e Inhambupe nas últimas décadas da escravidão, preto
passou também a designar o negro nascido na região.
Tabela 6: Classificação por cor e gênero da população de Alagoinhas
30 O autor pesquisou sobre o trabalho dos escravos e libertos ganhadores de rua que atuavam em Salvador, no
final da década de 1880. REIS, “De olho no canto: trabalho de rua na Bahia na véspera da abolição”. Afro-Ásia,
Salvador, n. 24, p. 233, grifos do autor.
31
SILVA, Antônio de Moraes e. Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Typografia Lacerdinha, 1789, p. 500,
http://www.ieb.usp.br/online/dicionarios/moraes/, acesso em 15/06/2018.
57
Em Alagoinhas, a maioria dos habitantes livres era formada por pardos, com 59,1%;
seguida pelos pretos, 21,8%; brancos, 17,8%; e, caboclos, 1,3%. Já em Inhambupe, a
população configurava-se da seguinte maneira: 67,7% de pardos; seguida pelos brancos,
22,4%; pretos; 8,1%; e, caboclos, 1,8%. Chama a atenção a diferença no percentual de pretos
nos dois municípios. Enquanto em Alagoinhas o percentual foi de 21,8%, em Inhambupe
apenas 8,1% dos homens livres foram classificados como pretos. Quando se compara a
população escrava dos dois municípios a diferença é menor, mas Alagoinhas supera
Inhambupe. Como explicar essa diferença? A questão é complexa, pois desconhecemos como
o recenseador identificava o recenseado. Por outro lado, a construção da ferrovia em
Alagoinhas atraiu uma população flutuante egressa do cativeiro e, conforme Fraga Filho e
Souza, escravos fugidos, a exemplo de Basílio, conforme abordaremos adiante.
Segundo Hebe Mattos, o termo pardo foi utilizado, inicialmente, para indicar a cor
mais clara de alguns escravos e depois para dissociar os mestiços – população livre de
ascendência africana – da experiência do cativeiro, que não se enquadrava na denominação de
preto ou crioulo, consolidando a categoria de “pardo livre”. 32 Vale ressaltar que a população
de pardos livres em Alagoinhas era de 59,1% e de 67,7% em Inhambupe. Ainda segundo
Mattos, ser pardo livre indicava que o indivíduo havia adquirido certa mobilidade social.
Concordamos com a assertiva de Mattos, partindo da premissa de que os pardos livres eram
os filhos de libertos nascidos no Brasil, tornando-se uma categoria definidora de um lugar
social. Eram homens e mulheres que não passaram pelo estigma da escravidão atingindo um
nível de diferenciação dentre as outras categorias, pretendendo ser possuidora de escravos. A
autora, com base na obra de Stuart Schwartz, exemplifica com o Recôncavo Baiano, onde
cerca de 80% dos senhores eram pequenos proprietários que possuíam menos de 10 escravos,
32
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 17.
58
como parte destes eram os descendentes de africanos.33 Podemos aludir que, assim como no
Recôncavo, em Alagoinhas e Inhambupe muitos dos pequenos proprietários de escravos
fossem pardos livres.
33
MATTOS. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico, p.18.
34
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 124.
35
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 237.
36
Cf. AMORIM. “O parentesco espiritual”; SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do
trabalho”; NASCIMENTO. “A família escrava na freguesia”; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”.
59
37
AMORIM, “Parentesco Espiritual”, p. 22.
38
SILVA. “Os escravos vão a justiça”, p. 40.
39
BARICKMAN. “Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo
Baiano (1850-1881)”. Afro-Ásia, n. 21-22 (1998-1999), p. 193.
60
Embora não haja estudos sobre a posse de escravos nesses municípios na segunda
metade do século XIX, o baixo percentual de escravos apresentado no censo de 1872,
provavelmente concentrava-se em mãos de poucos proprietários. Ao analisar os conflitos pela
propriedade e reordenamento do trabalho em Alagoinhas e Inhambupe, entre 1860 e 1890,
Antônio Hertes Gomes de Santana mediu, qualitativamente, o nível dos proprietários dos dois
municípios a partir dos bens listados em 17 inventários post mortem, sendo 3 para Alagoinhas
e 14 para Inhambupe. O autor concluiu que o nível de riqueza do primeiro município era
maior se comparado ao segundo, cujos inventariantes não apresentavam bens em grande
40
BERTIN, Enidelce. “Africanos livres emancipados e a experiência da liberdade controlada”. III ENCONTRO
ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL – A experiência dos africanos e seus
descendentes no Brasil, 2007, Florianópolis/SC. Anais... Florianópolis, UFSC, 2007, p. 1 – 7 (Anais eletrônicos),
p. 1.
41
Nesse trabalho o autor discute as diferentes visões de liberdade dos africanos livres. FLORENCE, Afonso
Bandeira. “Entre o cativeiro e a emancipação: a liberdade dos africanos livres no Brasil (1818 – 1864)”.
(Dissertação de Mestrado em História, Universidade federal da Bahia, 2002), p. 7; Idem p. 36.
42
FLORENCE. “Entre o cativeiro e a emancipação”, pp. 36 – 37.
43
BERTIN. “Africanos livres emancipados”, p. 7.
61
quantidade.44 Quantitativamente, os dados analisados são frágeis para ampliar tais conclusões,
uma vez que, se a posse de escravos ainda era sinônimo de riqueza os dois municípios não
diferiam significativamente, conforme se conclui pela análise do censo de 1872 (Tabela 4).
Não se tem podido alcançar empenho de gente livre para substituir a falta de braços
escravos, ainda mesmo mediante um valor e vantagens, não se consegue sujeitar-se
aqui o homem livre ao trabalho dos canaviais [...] porque a população livre mostra
grande horror a qualquer contrato de serviço. 46
44
SANTANA. “Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho”, p. 19.
45
APEB, Colonial e provincial, correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
46
APEB, Colonial e provincial, correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
47
BARICKMAN. Um contraponto baiano, p. 221.
48
LIMA. “Entre a ferrovia e o comércio”, p.33.
62
compravam os escravos sem pagar a meia cisa e sem passar escritura, em lugar desta,
passavam uma procuração “[...]com a qual maliciosamente, figurando-se procuradores
conduzem esses escravos para onde maior vantagem oferece o comércio”. 49
49
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Inhambupe, maço 1318, 1847-1859.
50
Nessa pesquisa, o autor indicou a transferência de mão de obra escrava de Caetité para o Oeste Paulista.
NEVES, Erivaldo Fagundes. “Sampuleiros traficantes: comércio de escravos no alto sertão da Bahia para o oeste
cafeeiro paulista”. Afro-Ásia, 24 (2000), pp. 97-128.
51
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
63
Para Silva, as relações entre senhores e escravos foram diretamente afetadas pela Lei
de 1850, repercutindo, especialmente, sobre as conquistas de liberdade, pois os senhores já
não tinham mais interesse em negociar a alforria com os cativos, uma vez que, por conta da
elevação dos preços dos escravos, os proprietários lucravam mais com a comercialização
deles no tráfico interprovincial. 54 Certamente as negociações para a alforria também foram
afetadas na segunda metade do Oitocentos em Alagoinhas e Inhambupe, como se depreende
das queixas dos vereadores sobre o declínio da lavoura, sugerindo que a proibição do tráfico
conferiu prejuízos à região. Porém, foge ao escopo deste trabalho a análise da alforria no
período anterior a 1870, mas vejamos as condições em que ocorreram nas últimas décadas da
escravidão.
52
APEB. Colonial e provincial. Correspondência recebida da Câmara de Alagoinhas, maço 1241, 1853-1886.
53
NASCIMENTO. “A família escrava em Santo Antônio das Alagoinhas”, p. 34.
54
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 40.
55
Carta de alforria de Luiza. 1º Tabelionato de Notas em Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1877,
fl. 68. Agradeço a Edson Silva pela gentileza em compartilhar os livros de notas 15 e 17 do município de
64
existissem esses sentimentos, no entanto, aqui ressaltamos o não escrito nas cartas, ou seja, o
protagonismo do escravizado que lutava, negociava e agia ativamente na busca de sua
liberdade.
Inhambupe. O autor computou 160 alforriados no período estudado (1870 – 1888), número diferente do
encontrado por mim (140). A diferença resulta que ele contabilizou 18 anos, enquanto pesquisei 17, isto é, de
1871 - 1888. SILVA, Edson Pereira da. “O preço da liberdade: experiências de escravos e libertos na vila de
Inhambupe – Bahia (1870 – 1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia,
2017).
56
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, 2º capítulo.
57
NASCIMENTO. “Viver por si”, p. 38.
58
Em sua dissertação a autora analisou as experiências de liberdade em Riachão de Jacuípe. FERREIRA, Eliete
Mota. “Nas veredas da Liberdade: experiências de homens e mulheres escravizados no sertão de Riachão do
Jacuípe – Ba, (1850-1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade do Estado da Bahia, 2017), p.
78.
65
A carta de alforria era um instrumento jurídico utilizado pelo senhor que transferia ao
escravizado a posse e a titularidade da propriedade que tinha sobre ele. 62Para Maria Inês C. de
Oliveira, “libertar-se não significava adquirir novo estatuto legal. Mais do que isto,
significava sobreviver às próprias custas e poder se aproveitar dos espaços permitidos à sua
ascensão na sociedade livre. [...] A porta de ingresso a este novo mundo era a Carta de
Alforria”. 63 A alforria poderia ser onerosa ou gratuita e agregada ou não de condições, e para
ser reconhecida, deveria ser registrada em cartório, no livro de notas do tabelião. Apesar de
não haver obrigatoriedade, o registro era importante para comprovar sua condição jurídica.
Assim, compreende-se a necessidade de os libertos a registrarem a carta em notas, a despeito
do custo que implicava. 64
A historiografia sobre o tema tem demonstrado que a alforria era concedida por meio
de diferentes documentos: livro de batismo, testamento, inventários post mortem, cartas de
alforria registradas nos livros de notas.65 Ademais, outros documentos eram utilizados como
suporte para a alforria, a exemplo da matrícula de Conrado. A alforria era outorgada em vida
ou após a morte do senhor, a exemplo dos “fragmentos da história de Águida”, crioula,
59
Carta de alforria de Marcolina, africana, vila de Inhambupe, 20 de dezembro de 1873. APEB. Seção Colonial e
Provincial. Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1873, fl. 6.
60
Carta de alforria de Gertrudes, vila de Alagoinhas, 23 de abril de 1878. 1º Tabelionato de Notas em
Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1878, fl. 100.
61
Carta de alforria de Calisto, vila de Inhambupe, 13 de março de 1881. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 19 de Inhambupe, 1881, fl. 16v e 17.
62 Definição de alforria extraída de ALMEIDA, Alforrias em Rio de Contas, p. 60.
63
OLIVEIRA, Maria Inês Cortês. O liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo: Corrupio, 1988, p. 21.
64
Sobre o registro da alforria em cartório, cf. ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Escravos e libertos nas minas
do Rio de Contas: Bahia, século XVIII. Salvador: Edufba, 2018, p. 18.
65
A historiografia sobre a alforria cresceu significativamente nas últimas décadas, inclusive para a Bahia. Cf.
entre outros, MATTOSO, Kátia M. de Queirós. “A propósito de Cartas de Alforria, Bahia 1779-1850”, Anais de
História (1972), nº4, p. 23-52; SCHWARTZ, Stuart. “Alforrias na Bahia”. In: ____. Escravos, roceiros e
rebeldes. Bauru: Edusc, 2001, pp. 171-218; ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas.
66
apontando que a morte do senhor poderia trazer alguns benefícios. Águida foi alforriada em
testamento por José Barbosa da Silva Barros, com a condição de servir a d. Maria Amélia de
Barros Maia, sua filha, durante cinco anos e só após o cumprimento do prazo estabelecido
poderia gozar de liberdade plena. “Assim, a alforria de Águida foi um ato de última vontade
de Barros, que impôs uma condição para que ela se cumprisse”. 66
66
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 27 – 28.
67
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 28.
68
Cf. CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 23-50.
69
NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro. “Viver por si”, p. 57.
70
SCHWARTZ. “Alforrias na Bahia”.
71
Cf. MATTOSO, “A propósito de Cartas”, p. 30-31.
67
relação fornecida por seu senhor”.72 Informações adicionais, como o estado civil do senhor ou
do escravo eram mais raras, mas o local de moradia era frequentemente informado, o que
possibilita analisar a frequência da alforria nas áreas rurais ou urbanas da localidade estudada.
Tipo de alforria
Década Condicional e Condicional e Incondicional e
Gratuita Total
Paga Não Paga Paga
N % N % N % N % N %
1871-1880 1 50 32 88,9 27 57,4 39 70,9 99 70,7
1881-1888 1 50 4 11,1 20 42,6 16 29,1 41 29,3
Total 2 100 36 100 47 100 55 100 140 100
Fonte: APEB. Seção Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 (1871 –
1888).
72
EISENBERG, Peter L. “A carta de alforria e outras fontes para estudar a alforria no século XIX”. In: ______
Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil, século XVIII e XIX. Campinas. SP: Ed. Unicamp,
1989, p. 247.
73
Ver: SILVA. “Os escravos vão à justiça”; PIRES, Maria de Fátima Novaes. “Cartas de Alforria: ‘para não ter
o desgosto de ficar em cativeiro’”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v 26, nº 52, p. 141-174, 2006.
74
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 30.
68
Tipo de alforria
Sem
Condicional Condicional e Incondicional Informação
Década Gratuita Total
e Paga Não Paga e Paga
N % N % N % N % N % N %
Desde a década de 1970 que os estudos sobre a alforria apontam que as mulheres se
destacaram em relação aos homens e Alagoinhas e Inhambupe (Tabelas 10 e 11) confirmam
este perfil. 77 Do total de alforriados em Alagoinhas, 58,3% eram mulheres e 41,7% homens e,
do contingente de libertos de Inhambupe, 54% eram do sexo feminino e 46% do sexo
masculino. Observa-se que em Alagoinhas, a vantagem das mulheres escravizadas foi maior
quando comparada ao desempenho das que moravam em Inhambupe.
75
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 30 – 31.
76
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 246.
77
MATTOSO, “A propósito de Cartas”; OLIVEIRA. O liberto; EISENBERG. “A carta de alforria e outras
fontes”; SCHWARTZ. “Alforrias na Bahia”; ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas.
69
estudados.78 Segundo Flaviane Nascimento, em Feira de Santana, 64,6% das alforrias foram
destinadas às mulheres, entre 1850 e 1888.79Estudando uma das freguesias que formava o
termo de Feira de Santana, Conceição do Jacuípe, Eliete Ferreira detectou que no período de
1850 a 1871, os homens superaram as mulheres, e entre 1871 e 1888, as mulheres lideraram. 80
Almeida justifica que a supremacia feminina não se explica apenas por fatores econômicos,
Para Matos, em Alagoinhas a vantagem das mulheres em relação aos homens devia-se à
proximidade entre as escravas e os senhores que partilhavam os mesmos espaços de trabalhos
e moradia, geralmente pequenos proprietários que possuíam poucos escravos.82 Concordamos
com a autora e estendemos esse argumento para Inhambupe. Além disso, como afirmou
Lizandra Ferraz, “as alforrias eram também resultado das próprias experiências individuais
estabelecidas entre senhores e escravos, bem como dependiam de outras conjunturas”.83
78
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p.126.
79
NASCIMENTO. “Viver por si”, p. 60.
80
Segundo a autora, de 1850 a 1871, do total de 32 cartas, 14 eram de homens alforriados e 10 referia-se às
mulheres e 8 eram crianças. Já de 1871 a 1888, do total de 58 cartas, as mulheres lideraram com 35 alforrias,
ficando os homens atrás com 21, seguidos pelas crianças com 2. FERREIRA. “Nas veredas da liberdade”, p. 95
81
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, pp. 130 – 134.
82
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 32.
83
FERRAZ, Lizandra Meyer. “Entradas para a liberdade: forma e frequência da alforria em Campinas no século
XIX”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Campinas, 2010), p. 130.
70
superaram os homens nas alforrias pagas e gratuitas, em detrimento das condicionais, em sua
maioria atribuída aos homens. 84 A vantagem dos homens nas alforrias condicionais em
Inhambupe assemelha-se com os resultados encontrados por Almeida para Rio de Contas e
por Ferreira para Riachão do Jacuípe. 85 É provável que esse tipo de alforria tenha sido
concedida mais aos homens porque, em sua maioria, atuavam nas lavouras e nos serviços
mais pesados; talvez os senhores quisessem mantê-los sob os seus domínios o máximo de
tempo possível, garantindo mão de obra dada a falta de braços no município segundo os
vereadores da Câmara de Alagoinhas.
O tipo de alforria que predominou em Inhambupe foi a onerosa, com 60,4% do total.
Enquadramos como onerosas também, as cartas condicionais, seguindo o entendimento de
que nesse tipo de carta, mesmo que não fosse efetuado pagamento em dinheiro ou mercadoria,
as condições impostas ao escravizado configuravam-se em uma espécie de pagamento. 86
Nesse sentido, as alforrias onerosas foram assim divididas: 33,8%, em valor monetário;
25,9%, condicionais não pagas e uma condicional e paga. Este foi o caso de João, mulato, 27
anos, que além de pagar 400$000 réis, teria que prestar serviços à d. Joaquina Francisca
Domingas quatro dias da semana até que efetuasse o último pagamento do valor acordado. 87
O documento não informa o tempo que João levou para quitar a dívida. O escravo não pagava
por sua liberdade apenas com o dinheiro, valia-se também de produtos agrícolas ou animais,
como aconteceu com a escrava Joviniana, cabra, solteira, que pertencia a Manoel Ferreira de
Carvalho, “[...] a qual oferecendo-me um carro de fumo e um ano de serviço a começar na
data de hoje [...].88 Outros 55 cativos receberam suas alforrias de forma gratuita, perfazendo
39,6% dos alforriados.
Em Alagoinhas, as cartas onerosas também foram as que mais vicejaram, com 63,9%
do total. Sendo assim, as alforrias onerosas foram divididas em: 31,5%, pagas em moeda
corrente; 31,5%, condicionais não pagas e uma condicional e paga. Outros 38 cativos foram
alforriados de forma gratuita, perfazendo um total de 35,2%.89 Os resultados obtidos para os
dois municípios revelam que a concessão de alforrias não resultava da benevolência e
generosidade do senhor, antes, os escravos tiveram que trabalhar arduamente e negociar, a fim
84
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 32.
85
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 134; FERREIRA. “Nas veredas da Liberdade”, p. 95.
86
MATTOSO. “A propósito de Cartas”, p. 46.
87
Carta de Liberdade de João, vila de Inhambupe, 16 de dezembro de 1876. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1876, fl. 100.
88
Carta de liberdade de Joviniana, vila de Inhambupe, 17 de abril de 1888. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 19 de Inhambupe, 1888, fls. 144v e 145. Ver: SILVA. “O preço da liberdade”, p. 115.
89
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 35.
71
de conseguir o valor necessário para pagar por suas manumissões. Nesse sentido, a alforria
seria o produto dos esforços dos cativos para extrair a liberdade dos seus senhores, utilizando-
se de todas as possibilidades para esse fim, a exemplo do Fundo de Emancipação. Essa foi
uma tendência percebida por Almeida para o município de Rio de Contas. Lá, também
prevaleceram as alforrias onerosas, que totalizaram 73,7%, divididas em pagas, 42,4%, e não
pagas condicionais 31,3%.90
Sexo do escravo
Tipos de alforria Mulheres Homens Total
N % N % N %
Condicional e paga 1 1,6 - - 1 0,9
Condicional e não paga 16 25,4 18 40 34 31,5
Incondicional e paga 22 34,9 12 26,7 34 31,5
Gratuita 23 36,5 15 33,3 38 35,2
Não informada 1 1,6 1 0,9
Total 63 100 45 100 108 100
Fonte: MATOS, Monalisa Pereira. “Alforrias em Alagoinhas (1871-1888)”. (Trabalho de Conclusão de
Curso em História, UNEB, 2015), p. 32.
90
ALMEIDA. Alforrias em Rio de Contas, p. 75.
91
Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/> Acesso
em 24/03/2016.
72
92
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 34.
93
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 33.
94
AMORIM. “O parentesco espiritual”, 21.
95
Chamou a atenção o valor pago por Guarino em sua alforria. No terceiro capítulo, discutimos um pouco sobre
esse tema quando analisamos a ação de liberdade de Miguel. As cartas não apresentam as idades dos libertos.
Cartas de liberdade de Augusto, José e Gerônimo, africanos, vila de Inhambupe, 26 de agosto 1871, 18 de
fevereiro de 1877 e 7 de dezembro de 1878. APEB. Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe, 15,
1871, fl. 125v; 16, 1877, fl. 102v e 103; e 18, 1878, fl. 12v e 13; respectivamente.
96
As cartas não apresentam as idades dos libertos. Cartas de alforria de Marcolina e Antuza, africanas, vila de
Inhambupe. APEB. Colonial e Provincial. Livros de notas de Inhambupe, 16, 1873, fl. 6v e 7; e 19, 1880, fl. 3;
respectivamente.
73
pequenos animais, cana-de-açúcar, etc., o escravo era um dos bens mais valiosos. Edson
Silva, ao analisar as escrituras de compras e vendas de cativos em Inhambupe, concluiu que o
preço médio de um escravo adulto, no período em que Gerônimo negociou a sua alforria
girava em torno de 900$000 réis. É possível que o elevado preço se justificasse por conta da
intensificação do comércio interprovincial que supervalorizou o preço do escravo. O autor
ainda salienta que o alto preço atribuído ao escravizado dificultava seu acesso a alforria,
exigindo mais esforço do cativo para formar o pecúlio.97
Pelo exposto, tanto em Alagoinhas quanto em Inhambupe a alforria foi seletiva, mas
como não dispomos de dados relativos à composição étnico-racial dos escravizados em ambos
os municípios, não foi possível concluir quais os grupos com maior probabilidade de ser
alforriado. Não houve grandes disparidades entre os tipos de alforria, mas, cabe observar, que
o destaque ficou por conta das cartas outorgadas gratuitamente. Que experiência de liberdade
foi possível desfrutar com a alforria gratuita ou condicional é um aspecto que será explorado
no próximo capítulo, a partir das ações de liberdade.
97
SILVA. “O preço da liberdade”, p. 66 – 67.
98
MATTOSO, Kátia M. Q. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 191.
99
Carta de alforria dos escravos Catharina, Octávio, Primitivo e Fortunato, vila de Inhambupe, 17 de fevereiro
de 1877. APEB. Colonial Provincial. Livro de notas 17 de Inhambupe, 1877, fl. 116v.
100
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 34.
101
ALMEIDA. “Alforrias em Rio de Contas”, pp. 115 – 124.
74
A Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, mais conhecida como Lei do Ventre Livre,
em seu artigo 3º, estabeleceu a criação do Fundo de Emancipação, que deveria reunir recursos
advindos de taxas e impostos cobrados sobre os cativos, loterias, multas e contribuições. Para
a distribuição desses recursos tomariam como base os dados levantados pela matrícula dos
escravos, utilizados pela junta classificadora, que deveria obedecer ao perfil determinado pelo
Decreto nº 5.135, de 13 de novembro de 1872.Entre as regras gerais, a lei evidenciava os
critérios de classificação dos cativos a serem contemplados pelo Fundo, que a família escrava,
isto é, os cativos casados ou solteiros, com ou sem filhos, tinham prioridade.
102
Fundo de Emancipação 1º e 2º quota. Cf. Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo -
Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira, 1853. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib =130605&pesq=Alagoinhas. Acesso em: 06/06/2016.
103
Falla com que o Ilm.º.e Exm. Conselheiro Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, Presidente da Província,
abriu a 2ª sessão da 26a Legislatura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 4 de outubro de 1887. Bahia,
Typographia da Gazeta da Bahia, 1887. pp. 129-135. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/163/. Acesso.
06/06/2016
104
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 246.
105
Falla com que o Illm.e Exm. Conselheiro Dr. João Capistrano Bandeira de Mello, Presidente da Província,
abriu a 2ª sessão da 26a Legislatura da Assembleia Legislativa Provincial, no dia 4 de outubro de 1887. Bahia,
Typographia da Gazeta da Bahia, 1887. p. 129-135. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/163/. Acesso.
06/06/2016. Ver também: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, 51; BARBOSA, Hellen Laianne Pires. “Os
75
número maior de escravos, talvez seja explicado por conta de uma ação mais efetiva da justiça
local, com a atuação de advogados e juízes simpatizantes à causa da liberdade, a exemplo do
juiz municipal de órfãos e ausentes de Alagoinhas, o dr. Antônio Ferreira Velloso.
caminhos para a liberdade: estratégias, conflitos e querelas no fundo de emancipação em alagoinhas – (1871-
1887)”. (Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade do Estado da Bahia, 2016), p. 41.
106
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida de juízes de Alagoinhas, maço 2227, 1885.
107
Sobre os escravos de d. Maria Aurelina Leal, ver: NASCIMENTO. “A família escrava na freguesia de Santo
Antônio das Alagoinhas”, pp. 62-65.
108
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida de juízes de Alagoinhas, maço 2416, 1885.
76
109
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 86.
110
FERREIRA. “Nas veredas da liberdade”. Idem, p. 135.
111
REIS. “A família negra no tempo da escravidão”, p. 227.
112
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 23 – 34.
113
BARBOSA. “Os caminhos para a liberdade”, p. 47.
114
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 84.
115
Artigo 42º do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872. “Os juízes de órphãos, em audiência previamente
anunciada, declararão libertos, e por editais os farão constar, todos os escravos que, segundo a ordem de
classificação, possam ser alforriados pela respectiva quota de emancipação; e entrega-lhes-hão suas cartas pelo
intermédio dos senhores; assim como remeterão aos presidentes, nas províncias e ao ministério da agricultura e
77
anos, do domínio do tenente coronel Florindo Lúcio Leal, foi alforriado pela quantia de
1:200$000 réis, dos quais o Fundo de Emancipação indenizou em 1:000$000 réis e ele
contribuiu com 200$000 réis de seu pecúlio, fruto de economias provenientes de muito
esforço e trabalho.116 Joaquina, escrava de Joaquina de Souza Luna, preta, viúva, do serviço
da lavoura, com 45 anos, matriculada com o número de ordem da matrícula 1.949, recebeu a
alforria desembolsando 150$000 réis de suas economias e 200$000 réis do fundo, formando o
montante de 350$000 réis. 117 Já Anna, mulata, 36 anos, viúva, do serviço doméstico,
matriculada com o número geral da ordem 864, escrava do capitão Joaquim Alves de Sá,
alcançou a liberdade pagando 200$000 réis de seu pecúlio e contou com a indenização do
Fundo de Emancipação em 200$000 réis. Seu valor final ficou em 400$000 réis. 118 Como
vimos, o libertando que dispunha de pecúlio levava vantagem, pois era um requisito que lhe
garantia o posicionamento à frente para ser liberto pelo Fundo de Emancipação.
obras públicas, na corte, uma relação em duplicada, a fim de ser ordenado o pagamento, publicando-se os nomes
do senhor e do liberto por edital impresso nas gazetas do lugar e afixado na porta da matriz de cada parochia,
com antecedência de um mez, para garantir direitos de quem quer que os tenha sobre o preço do mesmo liberto”.
Lei 2.040, de 1871 – Lei Rio Branco. Coleção de leis do império do Brasil, Tomo XXXI – parte I, Rio de
Janeiro, Typographia Nacional, 1871, pp. 1062 e 1063.
116
Carta de liberdade de Arhur, Alagoinhas, 21 de outubro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 51.
117
Carta de liberdade de Joaquina, Alagoinhas, 25 de outubro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 52.
118
Carta de liberdade de Ana, Alagoinhas, 6 de novembro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 15v e 16; ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p.52.
119
Carta de liberdade de Antonia, vila de Inhambupe,18 de julho de 1882. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas 19 de Inhambupe, 1882, fl. 32v.
120
Carta de liberdade de Ambrosio, vila de Inhambupe, 25 de abril de 1884. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas 21 de Inhambupe, 1884, fl. 65v.
78
Os escravos estavam cientes da legislação e dos critérios necessários para serem classificados
pelo Fundo de Emancipação, agiam de maneira autônoma e aproveitavam-se das brechas,
implementando astuta e eficazmente as estratégias que lhes proporcionavam a mudança de
sua condição jurídica.
121
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 95.
122
BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: 1870 – 1888. Salvador: CEB, 2003, p. 52
79
CAPÍTULO III
1
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, pp.
132-146; COSTA, Emília V. Da Senzala à Colônia. 4ª edição, São Paulo: Unesp, 1998, p. 460.
2
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras:a política
imperial. 5ª edição, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 305.
3
CARVALHO. A construção da ordem, p. 307.
4
GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 72-75.
80
sobre a ineficiência da lei de 28 de setembro de 1871. Para o historiador, essa lei “[...] foi o
reconhecimento legal de uma série de direitos que os escravos haviam adquirido pelo costume
e a aceitação de alguns objetivos das lutas dos negros”.5 Chalhoub chama a atenção tanto para
a legitimação do pecúlio, direito costumeiro largamente praticado no Brasil ao menos desde o
Seiscentos, quanto para a indenização forçada e à liberdade do ventre, embora restringida e
tutelada pelos senhores e/ou Estado, ressaltando o protagonismo dos escravos nesse processo.
Chalhoub inspirou uma série de trabalhos sobre a aplicação e significados da Lei 2.040.
Ricardo Caires da Silva foi pioneiro em estudar os processos cíveis em que os escravos
recorriam à Justiça na província da Bahia. O autor argumentou que, para dimensionar os
significados da lei de 28 de setembro de 1871, era necessário priorizar as querelas judiciais
envolvendo escravos e senhores, tal qual havia feito Chalhoub ao analisar as “visões de
liberdade” dos escravizados na Corte do Rio de Janeiro. 6 Sua dissertação foi tributária da
historiografia que deu visibilidade à voz dos escravos por meio das ações de liberdade e ações
de escravidão que correram nos tribunais do Brasil Imperial.
5
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.159.
6
SILVA, Ricardo Tadeu Caires da. “Os escravos vão à Justiça: a resistência escrava através das ações de
liberdade. Bahia, século XIX”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2000), pp.
62-63.
7
Ordenações Filipinas é o resultado da reforma feita por Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), ao Código
Manuelino, durante o período da União Ibérica. Continuou vigendo em Portugal ao final da União por
confirmação de D. João IV, bem como vigorou no Brasil até a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro,
em 1916. ALMEIDA, Cândido Mendes. Código Fhilipino ou Ordenações do Reino de Portugal. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733>. Acesso em 04/07/2017; SILVA. “Os escravos vão à Justiça”,
p. 15.
8
Cf., MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. “Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a
história social da escravidão”. In: Revista Brasileira de História, vol. 8, nº 16, São Paulo (1988); SCHWARTZ,
81
A Lei 2.040 trouxe mudanças significativas para as relações escravistas: os filhos das
escravas, nascidos a partir de então – os ingênuos – estariam livres, porém, ficariam sob a
tutela do senhor até completar 21 anos de idade; instituiu o Fundo de Emancipação, que
libertava os cativos com recursos advindos de impostos sobre propriedade escrava, de loterias,
de multas para quem desrespeitasse a lei, dos orçamentos públicos e de doações e legados
com esse fim. 12 O pecúlio – uma espécie de poupança proveniente de doações, legados e
Stuart B. “A historiografia recente da escravidão brasileira”. In: ______. Escravos, roceiros e rebeldes.
Tradução: Jussara Simões. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
9
GRINBERG, Keila. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”. In: LARA, Silvia H., e
MENDONÇA, Joseli M. N. (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas (SP):
Editora da Unicamp, 2006, p.106-110.
10
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade; MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silencio: os significados da
liberdade no sudeste escravista (Brasil, século XIX) Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013; GRINBERG,
Keila. Liberata: a lei da ambiguidade. As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século
XIX. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994; MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis: a lei dos
sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas, SP: Editora Unicamp, 1999; SILVA. “Os escravos
vão à justiça”.
11
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, p. 16.
12
Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871. Disponível
em <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso
em: 06/06/2016.
82
heranças utilizadas para a compra da liberdade – prática costumeira utilizada pelos escravos
com o consentimento do senhor também foi legitimado pela lei. 13
A matrícula dos escravos: o regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos
filhos livres da mulher escrava
13
Artigo 4º da Lei n.º2.040 de 28 de setembro de 1871. “É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com
o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu
trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo
pecúlio”. Coleção das Leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 06/06/2016.
14
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 47.
15
Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871. Artigo 8º
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 06/06/2016.
16
SANTANA NETO, José Pereira de. “A alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia
(1871-1888)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal da Bahia, 2012), p. 32.
17
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 26.
83
matrícula foi o primeiro passo para a aplicação da Lei 2.040 e, conforme José Santana Neto
tinha a finalidade de quantificar os escravos no Brasil, pois até então estes dados não eram
confiáveis. 18 Ainda em 1871, precisamente no dia 1º de dezembro, foi aprovado o Decreto nº
4.835, que regulava a matrícula especial dos escravos e dos filhos livres de mulher escrava.
Este regulamento orientava os senhores, ou quem os representassem, a matricularem os seus
escravos nas coletorias de rendas do município em que residissem, informando seus nomes,
sexo, cor, idade, estado civil, filiação (se fosse conhecida), aptidão para o trabalho e profissão
do matriculando. O regulamento também orientava a matrícula dos filhos livres das mulheres
escravas e estabelecia o prazo de 1º de abril a 30 de setembro de 1872 para a referida
inscrição, que deveria ser anunciada pelos párocos de cada uma das freguesias do Império do
Brasil por ocasião das missas dominicais e dias santos.19 O regulamento previa o acolhimento
da matrícula fora do prazo até o dia 30 de setembro de 1873, com pagamento de multa. Por
fim, o art. Art. 19º determinava que:
[...]os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados à
matricula até o dia 30 de Setembro de 1873, serão por este facto considerados
libertos, salvo aos mesmos interessados o meio de provarem em ação ordinária, com
citação e audiência dos libertos e de seus curadores: 1º O domínio que têm sobre
eles; 2º Que não houve culpa ou omissão de sua parte em não serem dados à
matrícula dentro dos prazos [...].20
A historiografia da escravidão na Bahia argumenta que muitos escravos não matriculados por
seus senhores recorreram ao juízo ordinário para pleitearem as suas alforrias. Ao analisar o
contexto em que os escravos recorreram à Justiça na Bahia, Silva enfatiza que a não
efetivação da matrícula pelos senhores de escravos no prazo determinado, seja por omissão,
por dificuldades de acesso aos meios legais instituídos ou ainda por incorrerem em alguns
erros ao efetuar o cadastro, acabaram por favorecer os escravos. 21 Nos municípios de
Alagoinhas e Inhambupe, aparentemente, os escravos não aproveitaram a ausência de
matrícula para pleitearem suas alforrias, à exceção de Benedita, o que não significa que não
ocorreram outras alforrias por essa via. Em outras regiões da província da Bahia verificou-se a
existência de várias alforrias sob tal argumento, a exemplo de Mamédio, na vila de Rio das
18
SANTANA NETO. “A alforria nos termos e limites da lei”, p. 31.
19
Cf. Coleção das leis do Império – Câmara dos Deputados – Decreto Nº 4.835, de 1º dezembro de 1871.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao7.html>. Acesso em: 20/04/2018.
20
Artigo 19 do Decreto 4.385, de 1º de dezembro de 1871.
21
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, pp. 80-90.
84
Éguas, atual Correntina; Felicidade, na vila de Viçosa, Fortunato Ferreira, em Barra do Rio de
Contas e Severino, no povoado do Senhor Bom Jesus, distrito da vila de Rio de Contas.22
No entanto, como ressaltou Silva não eram somente os escravos que ganhavam
processos por falta de matrícula. Em 1878, na vila de Inhambupe, uma ação judicial
envolvendo os escravos Eugênio, Severa, Josefa e Porfírio, teve por desfecho o retorno destes
ao poder do senhor Joaquim Honório Bispo, por determinação do juiz de órfãos. 23 Apesar de
trabalharem na fazenda Areias, distrito de Inhambupe, os escravos, cientes que não foram
matriculados em tempo hábil pelo senhor, “solicitaram suas supostas certidões de matrícula
perante o escrivão da Coletoria Geral”, e confirmando que estas não existiam decidiram
recorrer à Justiça a fim de que Bispo provasse a posse legal que garantia o domínio sobre
eles. 24 Bispo, por sua vez, alegou não haver cumprido as exigências legais por já ter
concedido carta de alforria aos escravos com a condição de estes acompanhá-lo até a sua
morte. Segundo ele, os cativos sabiam da existência da carta, mas se deixaram levar pelos
maus conselhos, agindo de má fé. Feita a perícia ficou constatado que a carta fora concedida
antes do fim do prazo da matrícula, o que também ficou atestado pelo depoimento das
testemunhas apresentadas.
Como dito, o regulamento da primeira matrícula estabelecia prazos para que fossem
efetuados os registros dos filhos livres das mulheres escravizadas e o não cumprimento
22
SILVA. “Os escravos vão à justiça”, pp. 118-119; ALMEIDA, Alforrias em Rio de Contas, p. 96.
23
Este processo foi analisado por Ricardo T. Caires da Silva. Cf. SILVA. “Os escravos vão à Justiça”, p. 87.
Não localizei as alforrias de Eugênio, Severa, Josefa e Porfírio nos Livros de Notas do tabelião da vila de
Inhambupe.
24
SILVA. “Os escravos vão à Justiça”, p. 90.
85
Manoel Ciriaco e Maria da Cruz Lima são exemplos que demonstram como a lei
atingiu os senhores de escravos nas cidades de Alagoinhas e Inhambupe. Segundo os
historiadores Ricardo Silva, Isabel Reis e José Santana Neto, em várias regiões da província
da Bahia, senhores de escravos reivindicaram absolvição de multas, apresentando as mais
variadas justificativas, inclusive, e muitas vezes, de forma fraudulenta, afim de não serem
25
Artigo 10 do Decreto 4.385, de 1º de dezembro de 1871: “Os funcionários encarregados da matrícula, em
conformidade do art. 8º, logo que, por comunicação da autoridade superior, ou pelo Diário Oficial, tiverem
conhecimento da publicação deste Regulamento, mandarão anunciar pela imprensa, e por editais afixados nos
lugares mais públicos do município, que a matrícula dos escravos, ordenada pelo art. 8º da Lei nº 2040, de 28 de
Setembro do corrente ano, achar-se-á aberta, na respectiva repartição fiscal, desde o dia 1º de Abril até 30 de
Setembro de 1872, devendo ir inserida nos anúncios e editais a íntegra do § 2º do citado art. 8º”; Artigo 33 do
Decreto 4.385 de 1º de dezembro de 1871.
26
Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB). Seção Colonial e Provincial. (Escravos: assuntos),
maço 2888, 1875-1878. O documento citado está datado de 19 de julho de 1873, no entanto, encontrava-se nesse
maço com data posterior.
27
Artigo 35 do Decreto 4.385 de 1º de dezembro de 1871.
28
APEB. Seção Colonial e Provincial. Maço 2891. (Escravos: Assuntos) – 1863-1879.
86
porque os herdeiros de Maria Isabel eram “indeterminados não se sabendo quais dos que hoje
existem, existirão na época do falecimento do réu”. 32 Sendo assim, o que garantiria que
Thomas do Prado e sua esposa seriam os herdeiros que sucederiam o tenente Gabriel
Cordeiro? Maria Isabel possuía outros irmãos e sobrinhos. Além disso, alegava que os
escravos estavam em seu poder por tê-los subtraídos e que, por conta da queixa do tenente
Cordeiro contra o cunhado, este foi “pronunciado pelo Juiz da Subdelegacia do 2º Distrito de
Catu (doc. nº 2)”.33 Portanto, segundo o advogado, ele não poderia exercer domínio algum
sobre os escravizados e a carta de alforria concedida por Thomas deveria ser considerada
nula.
32
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 13.
33
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 13v.
34
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 57v.
35
Artigo 4º §§ 3º e 4º da Lei 2.040 de 1871.
88
tanto mais, conferindo esse benefício qual o da liberdade que jamais pode ser reprovado em
oposta, principalmente em que toda sociedade tem [se] levantado em alto brado a favor desse
sagrado direito [...]”.36
Durante a tramitação do processo, que se arrastou por pouco mais de dois anos, os
herdeiros de d. Isabel Maria disputaram a quem caberia o direito de propriedade sobre
Estanislau, Vicente, Manoel e Marciana, os quais, representados por seu curador Joaquim
José da Rocha Chaves, mobilizaram a legislação e sua rede de solidariedade para enfrentar o
confronto, apresentando as razões que validariam a liberdade adquirida por meio da carta de
alforria.
Segundo o artigo 7º, § 1º da Lei de 1871, “nas causas em favor da liberdade”, a ação
seria sumária. Se o juiz sentenciasse contrariamente à liberdade, aplicava-se o § 2°: “haverá
apelações ex-officio quando as decisões forem contrárias à liberdade”. Na situação em que o
senhor era o autor do processo, este era considerado ordinário e a favor da escravidão,
portanto, não cabia recurso ex-officio, “sem que, no entanto, às partes seja tolhido o direito de
apelar”. 37 Regina Célia Lima Xavier, ao pesquisar as experiências dos libertos em Campinas,
considerou que ali a tramitação das ações de liberdade foi rápida, sendo que a maior parte das
ações levou até três meses para chegar ao resultado final. 38 Segundo Xavier, os processos
mais demorados, eram aqueles que instauravam debates e embargos e os que foram analisados
à luz do § 2º do artigo 7º e remetidos ao Tribunal da Relação.39 Dos doze processos analisados
para Alagoinhas e Inhambupe, seis tiveram fim em primeira instância e seis foram para o
Tribunal da Relação em Salvador. Na arena dos tribunais o jogo ficou bastante equilibrado,
apresentando cinco vitórias para os escravos, sendo quatro na primeira instância e uma na
segunda. E para os senhores, também cinco vitórias, sendo quatro na segunda instância e uma
na primeira. Assim, quando os escravos recorreram à justiça as oportunidades de alforrias
foram maiores no juízo da primeira instância. Em outros dois processos não foi possível saber
o resultado final.
36
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 74.
37
NEQUETE, Lenine. Escravos & Magistrados no Segundo Reinado: a aplicação da Lei 2.040, de 28 de
setembro de 1871. Brasília: Fundação Petrônio Portella, 1988, p.119.
38
XAVIER, Regina Lima. A conquista da liberdade. Libertos em Campinas na segunda metade do século XIX.
Campinas: Área de Publicações CMU/UNICAMP, 1996,p. 56.
39
XAVIER. A conquista da liberdade, p. 57.
89
seu herdeiro universal. 40 Conforme a lei vigente no Brasil Império, falecendo o homem ou a
mulher casado[a] e não tendo parente até o décimo grau, o[a] viúvo[a] ficaria com a posse dos
bens.41 Para reforçar o argumento de legítimo senhor e possuidor dos escravos demandantes, o
viúvo apresentou certidão de suas matrículas. A certidão foi peça importante para o resultado
da ação que confirmou o seu domínio e propriedade sobre os escravizados. A política de
domínio, presente no imaginário senhorial como vontade inviolável e soberana na qual os
subordinados posicionavam-se como dependentes em relação à sua vontade, foi corroborada
pela Justiça.42
40
Sentença da primeira instância “[...] porque herdeiro de sua mulher é o réu em virtude da verba 8ª do
testamento e apenas por sua morte a herança se transmitirá aos herdeiros parentes dela que existirem a esse
tempo, assim como que no inventário esses escravos foram descritos e avaliados e na partilha aquinhoados ao
réu na sua meação, julgo improcedente a ação, nula a carta de alforria de fl. 3, em que se fundou os autores
escravos do réu[...]”, e no Tribunal da Relação, segunda instância “Acordão em Relação julga improcedente
apelação para o fim de confirmarem como confirmam a sentença apelada de fl. 64 por serem seus fundamentos
conforme aberto e prova dos autos, Bahia, 10 de junho de 1873”.Ação de Liberdade de Estanislau e outros
(autores) versus Gabriel Ferreira Cordeiro (réu). APEB, Seção Judiciário, classificação 58/2065/14 – 1871, fl.
77.
41
A legislação civil portuguesa foi adotada no Brasil independente a partir de uma lei de 20 de outubro de 1823,
fazendo com que passasse a vigorar as Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções do Direito
Português. Ver: MARQUES, Teresa Cristina Novaes; MELO, Hildete Pereira de. A partilha da riqueza na
ordem patriarcal. Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia. Disponível em:
http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/20010122, Acesso em 04/07/2017; ver também ALMEIDA.
Código Fhilipino ou Ordenações do Reino de Portugal, p.947.
42
CHALHOUB, Machado de Assis, pp. 44-50.
43
Ação de Liberdade de Estanislau, fl. 15.
90
Para Chalhoub, os escravos “aprenderam a fazer valer certos direitos que, mesmo se
compreendidos de maneira flexível, eram conquistas suas que precisavam ser respeitadas
[...]”.45 A historiografia tem demonstrado que desde o século XVIII, os escravos não mediam
esforços para conquistarem e manterem as suas liberdades pelos meios que lhes eram
possíveis. 46
Também podemos questionar quais eram as reais pretensões de Thomas Prado. Será
que estava realmente com boas intenções, envolvido por sentimentos humanitários que
motivavam a libertação dos escravos, como argumentou o curador Albergaria, ou o seu desejo
era aproveitar-se dos seus serviços? Ao acenar com sua rede de proteção a Estanislau,
Vicente, Manoel e Marciana, Prado enquanto escravista não queria romper com a ideologia
paternalista que durante séculos permeou as relações entre senhores e seus escravos no
Brasil. 47 Não é demais lembrar que a carta concedida por ele aos cativos foi com a condição
de os servirem por dez anos.
44
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial, escravidão e a lei de 1871. Capinas SP: Editora Unicamp.
2001, p. 27.
45
CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 59.
46 Ver, entre outros: CHALLOUB. Visões da liberdade, p. 135; LARA, Silva Hunold. Campos da violência:
escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750 - 1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988; ALMEIDA,
Kátia Lorena Novais. “A vulnerabilidade da alforria e o recurso à Justiça na Bahia setecentista”. Afro-Ásia, n.
51(2015), p. 73-117.
47
CHALHOUB. Machado de Assis, p. 28.
48
CHALHOUB. Machado de Assis, p. 51.
49
Quando os ingênuos completassem 8 anos, o senhor teria a opção de ficar tutelando o filho da escrava, ou
entregá-lo ao Estado. Caso entregasse, receberia uma indenização de 600$000 réis, se ficasse, se utilizaria dos
serviços até a idade de 21 anos completos. Artigo 1º § 1º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871.
91
A lei facultava aos menores poder remir-se de prestar serviços aos senhores, mediante
prévia indenização oferecida por si ou por outrem ao senhor de sua mãe. Em caso de
divergências em relação ao tempo que lhe restava a preencher, o menor seria avaliado e
estabelecido o valor. Lima renunciou aos serviços de Thimoteo mediante indenização e, lhe
concedeu “plena liberdade”, como se nascido de ventre escravo e não livre como determinava
a lei. Em seu discurso, Sá mostrou a restrição da Lei de 28 de setembro de 1871 em
considerar o ventre livre, ao argumentar que “desistiu em favor da liberdade do pardo”, e
depois renunciou ao “direito que tenho dos serviços do referido ingênuo forro, que este desde
a presente data se considere naturalmente livre como se assim nascesse”. 53 Cabe observar
que, o fato de Ana Rosa e Felipa terem permanecido no cativeiro sob o domínio de seus
50
NASCIMENTO, Aline Soraia S. “A família escrava na freguesia de Alagoinhas: uma análise longitudinal”.
(Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia, 2015).
51
Carta de alforria de Thimoteo, vila de Alagoinhas, 25 de setembro de 1873. 1º Tabelionato de Notas de
Alagoinhas, Livro de Notas do Tabelionato, s/n, 1872, fl. 40 e verso, cf. MATOS, p. 45.
52
Cartas de alforrias de José, vila de Alagoinhas, 15 de março de 1878. 1º Tabelionato de Notas de Alagoinhas,
Livros de Notas do Tabelionato, s/n, 1877, fl. 79 e verso. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 45.
53
Cartas de alforrias de José, vila de Alagoinhas, 15 de março de 1878. 1º Tabelionato de Notas de Alagoinhas,
Livros de Notas do Tabelionato, s/n, 1877, fl. 79 e verso. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 45.
92
senhores, na prática, estendia essa condição aos seus filhos. 54 Ao outorgar cartas de alforria
aos ingênuos, Lima e Sá reiteravam o poder que possuía sobre os mesmos e sobre as suas
mães, quiçá para transformá-los em servidores fiéis e submissos. Segundo Robert Conrad, a
maioria dos senhores optou pela tutela dos ingênuos e poucos foram entregues ao Estado. 55
Ao que parece, nos municípios aqui estudados isto também ocorreu, provavelmente porque os
senhores usufruíam do trabalho dessas crianças legalmente livres, amparados pelo domínio
sobre suas mães.
Maria Olindina possuía condições legais para alforriar o escravo João, tendo em vista
que não possuía o título de propriedade? Porque a benfeitora de João publicou a carta de
alforria em um periódico do município? Tanto poderia estar agindo motivada por bons
sentimentos em relação ao cabra João, quanto poderia estar produzindo provas para confrontar
o seu sogro por conta de desavenças antigas ou ainda, poderia estar apenas interessada em dar
conhecimento público de suas ações, em um momento em que a escravidão perdia
legitimidade. Enquanto tramitava a ação na Justiça, João foi mantido preso no depósito
54
ZERO, Arethuza. “O preço da liberdade: caminhos da infância tutelada – Rio Claro (1871-1888)”.
(Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Campinas, 2004).
55
CONRAD. Os últimos anos da escravatura, pp. 141-145.
56
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves (autor)versus João Cabra (réu), Alagoinhas. APEB. Seção
Judiciário, classificação 58/2065/16 – 1878. O exemplar do jornal foi anexado aos autos, após a fl. 8.Carta de
alforria de João, cabra, passada por sua senhora d. Maria Olindina do Nascimento Benevides. Livro de Notas do
Tabelião, 1877, fl. 26.
93
público por conta de um mandato de apreensão, assinado pelo juiz de órfãos da vila de
Alagoinhas, José Maria Rocha Carvalho. Da prisão João alegou que:
[...] achando-se preso sem que cometesse o mais leve crime, e apenas depois de
preso soube por terceiras pessoas qual o motivo de sua prisão que tivera lugar a
requerimento de seu primitivo senhor Antônio de Azevedo Chaves, pai do seu dito
senhor falecido a pretexto de querer provar a nulidade de sua carta de liberdade e
como em virtude da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871, não possa o suplicante
ser preterido de sua liberdade sem que primeiro seja convencido que a ação
competente de nulidade da sua carta publicada em jornal [...].57
O advogado de João fez referência à publicação da anulação da alforria pelo jornal local,
claramente uma estratégia de Chaves em decorrência da publicidade que Maria Olindina dera
à manumissão. As divergências entre Antônio Chaves e sua nora eram de longa data. Segundo
as testemunhas ouvidas no processo, o autor da ação não aceitou o casamento de Maria
Olindina com o seu filho por ela ser pobre. Chaves também argumentou que sua nora não
tinha bens a ser inventariado, pois o seu marido, Emiliano Azevedo, havia dilapidado os bens
que recebera da legítima materna e, por compaixão, permitiu que o escravo ficasse servindo-a,
após a morte do filho. No entanto, vindo a viúva morar na vila de Alagoinhas, após alguns
meses, Azevedo mandou buscar o cabra João. Estando ele em companhia do autor solicitou
“licença para vir a esta vila a buscar certos objetos que aqui deixara, sendo-lhe a licença
concedida”.58 Foi naquela ocasião que Maria Olindina lhe concedeu a carta de liberdade.
por Maria Olindina “[...] e que estando João no gozo de sua liberdade em virtude da carta
aludida, permaneceria no gozo, também, dos direitos civis [...]”.60 Partindo desse pressuposto,
o advogado afirmou que João deveria “ter sido citado ao menos para contestar, ouvir
testemunhas, arrazoar afinal, e por ter ciência da remessa desses autos para o Tribunal
Superior”. Além disso, o curador que defendeu João em primeira instância deixou o processo
correr à revelia dele, sendo que agora era senhor da causa e como tal não poderia ter sofrido a
“extorsão e violência contra ele praticadas e sancionadas pelo juiz a qual consta de fl. 6 e fl.
56”. 61 Mesmo diante do argumento do advogado Augusto Santos, a apelação de João foi
considerada improcedente: “Acórdão em Relação que julgam improcedente a apelação ex-
officio interposta da sentença, assim, para mandar, como mandam que subsista a mesma
sentença por seus proclamantes conforme o direito e aos autos”. Tentou-se ainda embargar o
acórdão, decisão proferida em grau de recurso pelo Colegiado de um Tribunal Superior, mas
não obtiveram sucesso.62 Deveria ocorrer a revogação da liberdade de um indivíduo quando
este já adquirira o status de cidadão? Segundo Grinberg,
[...]se o regime do cativeiro ainda era aceitável, era cada vez mais difícil justificar a
possibilidade de um indivíduo passar da liberdade para a escravidão, principalmente
porque, no Brasil, a conquista da liberdade significava também adquirir direitos de
cidadania. Assim uma alforria revogada implicava não apenas uma escravização,
mas a perda de todos os direitos por parte de um cidadão [...]. 63
Este foi o caso de João que ao retornar à condição de escravo perdeu os direitos civis
adquiridos com a alforria. Segundo a Constituição de 1824, art. 6º, inciso I, eram cidadãos
brasileiros, “os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o
pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua nação”. 64 Ao analisar uma
ação de liberdade cujo objetivo era libertar 32 escravos do eito em Barra Mansa, no ano de
1869, Hebe Mattos destaca que o curador apresentou a seguinte alegação:
[...] O indivíduo, pois, a quem foi concedida a liberdade, não pode mais voltar à
escravidão. Pela manumissão torna-se cidadão, e o cidadão não pode perder, em face
do artigo 7º da Constituição este direito, senão nos três seguintes casos: 1º
naturalização em país estrangeiro; 2º aceitação sem licença do Imperador de
emprego, condecoração ou pensão de qualquer governo estrangeiro; 3º banimento
por Sentença. Fora destes 3 casos não se pode mais perder este direito uma vez
60
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 64v.
61
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fl. 65.
62
Ação de Escravidão, Antônio de Azevedo Chaves, fls. 78v, 90v e 91.
63
GRINBERG. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”, p. 118. O significado de acórdão
foi colhido de: SANTOS. Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.30.
Disponível em: http://www.ceap.br/artigos/ART12082010105651.pdf. Acesso em: 04/07/2017.
64
CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPERIO DO BRAZIL, 1824. Disponível em:
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1737, acesso em: 31 de jul. 2017.
95
adquirido. É, pois, certo que a Constituição não admite que o liberto tornado
cidadão, possa voltar ao cativeiro.65
Segundo Chalhoub, os dados do censo de 1872 indicam que “42,7% dos habitantes
do país eram indivíduos livres de cor, logo egressos da escravidão e seus descendentes, pretos
e pardos; considerando-se apenas a população negra, 74% dela era livre”. 67 A análise do censo
de 1872 para a província da Bahia indica que pretos e pardos formavam a maioria da
população livre, com 68,5%. Estes percentuais são maiores no município de Alagoinhas,
considerando pretos e pardos na população livre, isto é, 80,9% e, no município de Inhambupe,
onde pretos e pardos somavam 75,8%. 68 Dessa forma, a população livre em Alagoinhas e
Inhambupe era majoritariamente de cor. No entanto, mesmo sendo livres e libertos não era
fácil para os homens e mulheres de cor que ali residiam usufruírem da sua condição de
cidadãos, a exemplo de João, cabra, que viu sua condição de liberto e cidadão ser questionada
e revogada judicialmente.
65
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, (Brasil Século
XIX). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 186.
66
MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 14-
35.
67
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil escravista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p. 229
68
Recenseamento do Brazil em 1872, Bahia, p. 316-321; 340-348 e 513. Disponível em:www.ibge.gov.br/.
Acesso em 31 de jul. 2017. As freguesias que formavam o município de Alagoinhas eram: Santo Antônio das
Alagoinhas; Jesus, Maria e José, de Igreja Nova e; Senhor Deus Menino dos Araçás. As freguesias que
formavam o município de Inhambupe eram Divino Espírito Santo de Inhambupe e Nossa Senhora da Conceição
do Aporá. Para uma análise da população do município de Alagoinhas, segundo o censo de 1872, cf. MATOS,
“Alforrias em Alagoinhas”, p. 18-21.
96
69 Artigo 4º § 9º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871. “Fica derrogada a Ord. liv. 4º, tit. 63, na parte que
revoga as alforrias por ingratidão”.
70
GRINBERG. “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX”, p. 117 e 118. Libertos imperfeitos
eram aqueles que haviam sido alforriados sob condições.
71
MATTOS. Das cores do silêncio, p. 187.
72
Segundo Conrado, esta era a opinião de alguns deputados que se opuseram à Lei do Ventre Livre de 1871. Cf.
CONRADO, Os últimos anos da escravatura, p. 123.
97
cativeiro em idade tão avançada” e entregou tais economias à sua senhora, que lhe prometeu
carta de liberdade em 24 de junho de 1872. A carta seria lavrada após os festejos juninos,
mediante pagamento de 100$000 réis.73 O pecúlio acumulado por Hilário, como já foi dito,
era uma prática costumeira entre os escravos. Conforme Chalhoub, “parecia ser desde muito
tempo a melhor chance de um escravo conseguir a liberdade [...]”. 74 A sanção do pecúlio pela
Lei nº 2.040 foi regulamentada pelo Decreto de nº 5.135, de 13 novembro de 1872. O pecúlio
de Hilário estava de acordo com o determinado pelo artigo 4º da Lei de 1871, isto é, havia
recebido esmolas, com o consentimento de sua senhora e devidamente registrada no cartório
da vila do Inhambupe:
Para esmolar Hilário precisou do consentimento de sua senhora, porém, para receber
donativos de seus filhos e outras pessoas e para obter valores advindos do próprio trabalho e
economias, não dependia do consentimento de Luisa Maria. 76 O resultado das doações e
esmolas recebidas por Hilário foi entregue a Luisa, cumprindo o que estava previsto no artigo
49 do Regulamento 5.135:
Apesar da promessa de alforria e de Hilário ter entregado a quantia arrecadada, ele foi
inventariado e adjudicado pelo herdeiro Jesuíno Esmeraldo de Oliveira, filho de Luiza Maria,
que o vendera ao capitão Manuel Pinto de Carvalho por 150$000 réis. Diante de tal situação,
Hilário recorreu à Justiça para “tratar de sua liberdade pelos meios que a lei lhe permite, não
só por já ter feito algum pagamento, como por que está pronto a apresentar o restante da
73
Ação de Liberdade do crioulo Hilário (autor)versus Pinto de Carvalho (réu), Inhambupe. APEB. Seção
Judiciário, classificação 68/2432/06, 1872.
74
CHALHOUB. Visões da Liberdade, p. 147.
75
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 5.
76
Os trabalhos de Xavier e Azevedo ajudaram a entender como os escravos formavam pecúlio para solicitar o
arbitramento. XAVIER. A conquista da liberdade, p. 74; AZEVEDO, Elciene. Orfeu de carapinha: a trajetória
de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas - SP: Editora Unicamp, 1999.
77
Artigo 49 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
98
quantia porque for avaliado”.78 O processo tramitou no juízo municipal da vila de Inhambupe
seguindo o seu rito judicial. Foram nomeados curador e depositário e escolhidos os
avaliadores para proceder ao arbitramento, reiteradamente remarcado. Ora Hilário estava
doente, ora o árbitro escolhido por ele precisava ausentar-se por diferentes razões. Durante a
tramitação do processou houve a tentativa de diminuir o valor atribuído ao escravo por
ocasião do inventário. Hilário foi inventariado pela quantia de 150$000 réis, valor pago pelo
capitão Carvalho, contudo, no arbitramento, o seu preço caiu para 50$000 réis. Como havia
entregado 23$000 réis à sua senhora, àquela altura falecida, Hilário requereu depositar apenas
27$000 réis para saldar a dívida.
[...] o representante do senhor - ou ele próprio - indicava uma lista de três nomes,
dentre os quais o representante do escravo escolhia um; o representante do escravo -
seu curador - apresentava também sua lista tríplice e a outra parte escolhia um dos
nomes indicados; o terceiro árbitro era indicado pelo juiz e não poderia ser recusado
por nenhuma das partes a menos que se provasse a sua suspeição. 80
78
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 2.
79
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 86. O Artigo 4º § 2º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871 diz: “O
escravo que, por meio de seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem direito a alforria. Se a
indenização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço
da alforria será o da avaliação”.
80
MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis, p. 222 e 223.
81
Ação de Liberdade do crioulo Hilário, fl. 13.
99
protelou o máximo possível o seu arbitramento, a fim de diminuir o valor a ele atribuído. A
estratégia logrou êxito, já que o valor do arbitramento foi reduzido a 50$000 réis, portanto,
um terço da quantia pela qual fora arrolado no inventário.
82
Azevedo destaca a atuação dos profissionais supracitados em ações cíveis de liberdade impetrada pelos
escravos contra seus senhores, desestruturando assim, “a política de domínio senhorial minando as bases da
ideologia que sustentava o cativeiro”. AZEVEDO, Elciene. “Para além dos tribunais: advogados e escravos no
movimento abolicionista em São Paulo”. In: LARA, Silvia Hunold; MENDONÇA, Joseli Maria Nunes (orgs.).
Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-SP: Editora UNICAMP, 2006, p. 199;
XAVIER. A conquista da liberdade, p.76.
83
Carta de alforria de Thomé, Alagoinhas, 15 de novembro de 1882. 1º Tabelionato de notas em Alagoinhas.
Livro de notas do tabelionato, s/n, 1882, fl. 16v. Ver MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 49.
100
órfãos do município vizinho, talvez porque soubesse que ele assumia posição política a favor
da liberdade.84
O rito sumário também foi usado para resolver a situação dos escravos que
pertenciam a condôminos. Em tais situações, o escravo era obrigado a indenizar
individualmente a cada senhor. Em3 de maio de 1884, Claudina, crioula, 50 anos, que
pertencia a um condomínio de senhores, foi alforriada por meio de duas cartas de liberdade
registradas a 14 de maio de 1884, no livro do 1º Tabelionato de notas de Alagoinhas. Segundo
a Lei de 28 de setembro de 1871, art. 4º, § 4º, o escravo que pertencesse a um ou mais
senhores, e fosse libertado por um deles, poderia indenizar os demais no valor que lhes
pertenciam. 85 A escrava Claudina recorreu a essa prerrogativa da lei e indenizou em 150$000
réis a Francisca Maria do Espírito Santo e a Manoel Barbosa de Souza, ficando “[...] sujeita a
pagar-nos com o que tiver pelo que lhe conferimos sua liberdade de que gozará de ora em
diante sem mais condição alguma [...]”. Já na segunda carta de alforria, Manoel Ferreira de
Souza, José Joaquim d’Aragão e Josefina Barbosa d’Aragão receberam de Claudina 100$000
réis da parte que lhes cabia. 86 De acordo com o Decreto de nº 5.135, artigo 38, para se
proceder ao arbitramento de um escravo de propriedade de um condomínio de senhores, fazia-
se necessário escolher um dos condôminos para representar os demais. 87
A regra para esse tipo de indenização foi uma realidade até mesmo em vilas distantes dos
principais centros do Império, a exemplo dos processos aqui analisados. Neste sentido, é
interessante dar visibilidade à história da parda Generosa, levada aos tribunais da vila de
Alagoinhas, em 20 de abril de 1877. Generosa era escrava da “interdicta” Mattilde Alves da
84
CHALHOUB. Visões da liberdade, p.108.
85
Artigo 4º § 4º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871. Esse parágrafo da Lei é complementado com o
seguinte: “Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos, em
conformidade do parágrafo antecedente”.
86
Cartas de alforria de Claudina, Alagoinhas, 14 de maio de 1884. 1º Tabelionato de Notas em Alagoinhas,
Livro de Notas do Tabelionato, s/n, 1884, fl. 1v e 3.
87
Artigo 38 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
88
MENDONÇA. Entre a mão e os anéis, p. 223.
101
Silva, tutelada por Innocencio Alves Silva Pereira. De posse de um pecúlio de 350$000 réis,
Generosa acionou a justiça para obter a sua alforria, por meio de uma ação de liberdade,
solicitando que se procedesse ao seu arbitramento e a nomeação de um curador para
representá-la. O senhor José Justino Telles foi o escolhido para o exercício da função. 89
A suplicante alegou que talvez a sua avaliação fosse bem menor do que 350$000
réis, pois ela sofria de uma enfermidade incurável desde tenra idade, atestada pelo dr. Antônio
Britto, conforme documento anexado ao processo. A alegação provavelmente diminuiria o
valor que seria estabelecido pelos árbitros em momento oportuno. Tendo em vista que
Innocencio Pereira, tutor de sua senhora, não residia em Alagoinhas, solicitou que fosse
enviada uma carta precatória para o termo de Santo Amaro, a fim de que o mesmo fosse
citado e se fizesse presente na data da audiência que seria designada pelo juiz municipal e de
órfãos, José Maria da Rocha Carvalho.
89
Ação de Liberdade de Generosa (autora)versus D. Mattilde Alves da Silva Pereira (ré), tutelada por
Innocencio Alves Silva Pereira, 1876. Fórum Des. Ezequiel Pondé, Alagoinhas. Série Judiciário.
90
Artigo 56 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
91
Artigo 57 do Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872.
92
Artigo 4º § 1º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
102
93
Miguel foi avaliado em inventário por 1:100$000 réis, por volta de 1860, por ocasião do falecimento de
Manoel Martins Cardozo, marido de d. Anna Sacramento, isto é, 16 anos antes de acionar a justiça solicitando
arbitramento. Levando-se em consideração o tempo decorrido e sua condição de saúde quando do arbitramento,
sua avaliação, certamente seria mais baixa, justificativa excelente para depreciar o seu preço. Ricardo Silva
discute várias ações de liberdade anteriores a 1871, em que os escravos buscavam fazer com que os senhores
aceitassem receber a quantia de sua avaliação. Apesar de os períodos serem diferentes, a tabela aprovada por
ocasião da Lei do Sexagenário, serve de parâmetro para estimar o valor mais elevado de um escravo menor de 30
anos, isto é, 900$000 réis, o que, provavelmente, não era o caso de Miguel. Ver: MENDONÇA, Entre a mão e
os anéis, p. 270.
94
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardoso (autor)versus D. Anna Maria Sacramento (ré). Fórum Des.
Ezequiel Pondé, Alagoinhas. Série Judiciário. Ver: MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 47.
103
Contudo, Miguel não conseguiu produzir provas para confirmar o alegado e sua petição de
alforria foi indeferida, talvez porque as pessoas às quais ele procurou para testemunhar não
quisessem se indispor com a sua proprietária.
A história de Miguel é singular, pois possibilita perceber como era possível formar
pecúlio. Enquanto gozava de boa saúde, Miguel trabalhava aos domingos e dias santos,
possuía cavalos e roças alugadas com as quais produzia uma economia própria. Alguns
historiadores interpretam essa concessão dos senhores aos seus escravos como um mecanismo
de controle, uma forma de sustentar o sistema escravista. 95 Tais atividades econômicas
praticadas pelos escravos se, por um lado, ajudavam a diminuir os custos com a escravaria,
por outro, criava expectativas de liberdade, caso de Miguel que possuía roças e lutava para
adquirir sua alforria. Contudo, ao constatar que um acordo com d. Anna não seria mais
possível Miguel acionou a Justiça, com base no artigo 4º da Lei de 28 de setembro de 1871,
que discorria sobre o pecúlio e arbitramento, bem como no artigo 6º, § 4º, que declarava
libertos os escravos abandonados por seus senhores. 96 Apesar de não ter citado esse parágrafo
em sua petição inicial, no decorrer do processo Miguel queixou-se de que:
[...] No referido ano de 1867 caiu o suplicante gravemente enfermo, e sua senhora (a
suplicada) bem longe de tomar a seu cuidado o tratamento e sustentação do
suplicante, como por ser esse o seu dever, desamparou-o completamente, e em tais
emergências não teve o suplicante outro jeito senão o de lançar mão do seu pecúlio
para tratar-se, gastando até o último real, vendendo roças e animais que possuía,
visto como a moléstia prolongou, e por falta de um tratamento complicou-se o seu
estado de saúde até o presente.97
Em 7 de abril de 1876, o juiz Pedro Carneiro nomeou o cidadão Manuel Fausto Oliveira como
depositário e Joaquim José da Costa Chaves como curador de Miguel e intimou a suplicada e
as testemunhas para a primeira audiência, marcada para o dia 25 de julho de 1876, que não
aconteceu por conta de ausências “[...] pelo juiz, mandou pelo porteiro apregoar o nome dos
citados, e tendo feito deu fé de não terem comparecido[...]”. Até o término do processo não
ocorreu nenhuma audiência. Em 11 de agosto de 1876, Anna Maria reclamava da lentidão do
processo. Segundo consta nos autos, queixava-se de que a ação se arrastava “[...] desde o dia
28 de abril do corrente ano, como já tinham decorrido 99 dias sem que o referido seu escravo
95
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 28-31.
96
Artigo 6º § 4º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
97
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 2v, grifo nosso.
104
por seu curador tenha provado em juízo o alegado em sua petição [...]”. Alegava, também, que
era pobre e vivia na dependência do trabalho dos seus escravos. 98
Sua queixa resultou em celeridade na ação, até que o juiz municipal de Alagoinhas, o
dr. Pedro Carneiro, remeteu a causa ao Curador Geral Francisco de Castro Rabello que opinou
“[...]pela improcedência e subsistência da Ação de Liberdade proposta por meio de
arbitramento[...]”. A decisão foi tomada com base em duas razões: a primeira, “[...] a
incompetência do juízo pelo qual foi proposta, visto ser privativo tal processo do Juízo de
Órfãos, conforme determina[va] o Regulamento 5.135, de 13 de novembro de 1872[...]”; e a
segunda justificativa foi “para que tivesse lugar o depósito requerido e se v[iesse] a proceder
ao arbitramento [era] necessário que [se procedesse] na forma do artigo 57 do citado
Regulamento[...]”.99 Este artigo declarava que não poderia requerer arbitramento o escravo
que não exibisse, no mesmo ato em juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma não
correspondia a seu preço razoável. O juiz Pedro Carneiro acatou as alegações do Curador
Geral e Miguel teve o seu sonho de liberdade frustrado. Observa-se que algumas sentenças
proferidas em favor ou contra a liberdade em primeira instância era fruto de uma decisão
política dos magistrados que julgavam tais processos. Anna Maria do Sacramento, dona do
engenho Burahem, embora se declarasse pobre, talvez fosse pessoa de poder e prestigio
naquele município.
Miguel não foi o único escravo a alegar abandono dos seus senhores naquele
município. Anna alegou abandono por parte de sua senhora, Amália Joana Othani, desde o
ano de 1879, ocasião em que andava como livre no Hospital da Misericórdia da Bahia. O juiz
Antônio Velloso, então juiz de órfãos em Alagoinhas, aceitou as alegações de Anna e a
considerou livre de toda a escravidão. Ao contrário de Miguel, Anna obteve sucesso em sua
ação judicial, talvez por ter procurado o auxílio de pessoas instruídas para orientá-la sobre a
alforria, conforme ressaltou Matos.100
Era o ano de 1874 quando Cândida, crioula, escrava de Anna Amália de Jesus,
procurou a Justiça alegando maus tratos por parte de sua senhora. Acatada a denúncia,
Cândida foi examinada pela polícia que instaurou “processo crime contra a mesma senhora e
98
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 13.
99
Ação de Liberdade de Miguel Muniz Cardozo, fl. 14v.
100
MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 46. Cartas de alforria de Anna. 1º Tabelionato de Notas em
Alagoinhas, Livro de Notas do tabelionato, s/n, 1885, fl. 4 v.
105
o padre Antônio Lourenço Boaventura pelas inúmeras sevícias nela praticada [...]”. 101 A
crioula também alegou em juízo que possuía pecúlio suficiente para requerer a sua liberdade,
solicitando que fosse nomeado curador para representá-la judicialmente, além de depositário,
solicitou que se procedesse a sua avaliação, juntamente com a do seu filho José, com oito
anos de idade.
[...]às nove horas da noite nesta vila de Inhambupe [...] encontrei no beco das casas
do finado João Meireles, saindo pelo portão, a escrava Cândida, crioula vestida em
trajes e acompanhada de alguns vultos conhecidos, os quais a conduziam com ela
em fuga, em cujo ato me dirigindo a ela apreendi e conduzi com as testemunhas a
casa do cidadão Amâncio José dos Santos, depositário nomeado por este juízo.105
Apreendida em fuga, talvez porque não tivesse expectativa de que fosse ganhar a causa,
Cândida foi levada para o depósito. Em seguida foi feita a apreensão de José, solicitada pela
escrava com a assistência do seu curador e foi declarado pelo oficial Augusto Correia da Silva
Sá que “Anna Amália de Jesus se achava oculta para não entregar o menor José, filho da
libertanda Cândida[...]”. 106 Diante do não comparecimento de Anna Amália, a audiência
aconteceu a sua revelia, sendo ambos avaliados no valor de 500$000 réis. No dia 15 de
101
Arbitramento de liberdade de Cândida (autora) versus Anna Amalia de Jesus (ré), Inhambupe. APEB, Seção
Judiciário, classificação 80/2878/04 – 1874.
102
Carta de alforria de Umbelino, vila de Inhambupe, 18 de março de 1875. APEB. Seção Colonial e Provincial.
Livro de notas nº 16 de Inhambupe, 1875, 47 e v.?
103
Artigo 7º § 1º da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
104
Documento datado de 30 de agosto de 1884, quando o juiz de direito da comarca de Inhambupe, Cipriano
Almeida Librão informou à presidência da província os funcionários do judiciário com suas respectivas funções.
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
105
Arbitramento de liberdade de Cândida, idem, fl. 8v.
106
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 12v.
106
outubro de 1874, o dr. Accioli concedeu carta de liberdade judicial a Cândida e a seu filho
José e intimou Anna Amália de Jesus para, no prazo de três dias, resgatar a importância do
arbitramento que se achava recolhida em uma repartição pública.
[...] tem direito em tal caso, exvi do art. 4º § 2º da Lei de 28 de setembro de 1871,
vem por meio deste, requerer de V. S.ª digne-se nomear-lhe um curador na forma do
art. 58 § 2º do Regulamento de 13 de novembro de 1872 para figurar por sua parte
no arbitramento, para o qual designara dia e hora de conformidade também com o
art. 56 do mesmo regulamento exibe a suplicante no ato o dinheiro de contado
correspondente ao respectivo valor de conformidade também com o art. 57 do dito
Regulamento e como a suplicante tem direito de não separar-se de seu filho menor
de oito anos (Art. 9º ibidem) requer igualmente a avaliação do mesmo [...]. 107
A partir do argumento exposto, Cândida, por intermédio de seu curador José Febrônio,
conseguiu a alforria à revelia de sua senhora. Solicitou e foi atendida pelo juízo de órfãos da
vila de Inhambupe que enviasse carta precatória de diligência citatória para a capital da Bahia,
a fim de notificar a Anna Amália da sentença judicial e de mandar levantar o valor atribuído
pelo arbitramento. Em 22 de outubro de 1874, Anna Amália, representada pelo advogado
João Ferreira Leite, embargou a intimação citatória e a sentença proferida pelo juiz de órfãos,
Camilo Accioli, alegando falta de formalidades na precatória, questionando o tempo utilizado
para cumprir as formalidades legais – 4 dias – e, também, o valor de 500$000 réis, quantia
correspondente à avaliação de Cândida e seu filho José.
Cândida chegou a fazer uma petição solicitando que os embargos não fossem aceitos
por haver passado o prazo, no entanto, não obteve sucesso. Em 23 de novembro de 1874, na
vila do Inhambupe de Cima, José Febrônio, agora procurador da liberta, autuou impugnações
aos embargos, alegando que não havia defeitos na precatória e que esta continha todos os
107
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 2. Os artigos 9º, 56º, 57º, e 58º § 2º do Decreto 5.135 de 13 de
novembro de 1872, estabelecem, respectivamente que: “A mulher escrava, que obtiver sua liberdade, tem o
direito de conduzir consigo os filhos menores de 8 anos (Lei - art. 1º § 4º), os quais ficarão desde logo sujeitos à
legislação comum. Poderá, porém, deixá-los em poder do senhor, se este anuir a ficar com eles (Lei - ibid.); O
escravo que, por meio de seu pecúlio, puder indenizar o seu valor, tem direito à alforria. (Lei - art. 4º § 2º); Não
poderá requerer arbitramento, para execução do art. 4º, § 2º da lei, o escravo que não exibir, no mesmo ato em
juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma equivalha ao seu preço razoável. No arbitramento figurará por
parte do escravo um curador nomeado pelo juiz. Quanto ao senhor, ou a quaisquer interessados no valor do
escravo, observar-se-á o disposto no art. 38”.
107
requisitos necessários. Além disso, argumentou que o processo deveria ser sumário e por esse
motivo, não caberia embargos à sentença, somente o recurso de apelação.
Aos 31 dias do mês de dezembro de 1874, por meio de sustentação aos embargos, o
advogado de Anna Amália, pautado pelos artigos e parágrafos da Lei 2.040 e do Decreto
5.135, citados por Cândida em sua petição inicial, contrariou um a um, os argumentos do
procurador, levando o juiz a anular a sentença e, por consequência, sua carta de liberdade e a
do seu filho José. A celeridade da ação, deste modo, prejudicou a defesa da autora, pois levou
a falhas que foram aproveitadas pelo advogado da ré para anular a sentença.
O jurista João Ferreira Leite, procurador de Anna de Jesus, considerou que foram
efetuadas citações em “falso, erradas ou por crassa ignorância ou má fé”. Quando Cândida
solicitou o arbitramento deveria ter em mãos o pecúlio para que fosse apresentado em juízo, a
fim de ser depositado. Segundo o advogado isso não ocorreu, ela apenas citou a lei,
configurando oposição ao artigo 57 do Decreto 5.135, que preconizava: “não poderá requerer
arbitramento, para execução do art. 4º, § 2º da lei, o escravo que não exibir, no mesmo ato em
juízo, dinheiro ou títulos de pecúlio, cuja soma equivalha ao seu preço razoável”. 108 O
advogado alegou também que a libertanda só apresentou o pecúlio após o arbitramento, dando
a entender que ocorreu a liberalidade de terceiros na composição do pecúlio, e para fortalecer
o seu argumento apresentou a decisão do Tribunal da Relação da Corte confirmando a
sentença do juiz de direito de Sabará que foi utilizada como jurisprudência, notificada no
artigo do Jornal O Cruzeiro, de 5 de outubro de 1874.109 O juiz de órfãos de Inhambupe não
justificou a sentença de Cândida e seu filho José pautado no argumento da liberalidade de
terceiros. Em 11 de janeiro de 1875, o juiz Camilo Accioli sentenciou a causa nos seguintes
termos:
[...] Vistos e examinados estes autos, recebo e julgo provados os embargos de fl. 31
opostos à sentença de fl. 18, por sua matéria relevante, e de direito, provado no
ventre dos mesmos autos, para o fim de anular, como anulado tenho todo o presente
processado [...] sem que tivesse sido feita a primeira citação na forma da lei[...]
defeitos da certidão a fl. 4 v. [...] excessos por parte do oficial do respectivo
mandado também de fl. 4, defeitos e excessos que nulificam a diligência procedida
bem como as que lhe seguiram, executadas com atropelo e tumultuariamente.110
108
Artigo 57 do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872.
109
Artigo do Jornal O Cruzeiro, de 5 de outubro de 1874, anexado ao arbitramento de liberdade de Cândida, fl.
67.
110
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 68v.
108
Vimos nas seções anteriores a história do escravo Hilário que solicitou licença a sua
senhora para pedir esmolas a fim de constituir pecúlio. Para ser amparado por essa
jurisprudência Hilário só poderia aceitar esmolas para a constituição de parte do pecúlio e
esperar para completar o restante com alguma herança ou com o que, por consentimento de
sua senhora, angariasse com seu trabalho e economias. Se, por ventura, Hilário formasse seu
pecúlio apenas com esmolas, estaria transgredindo o que dispunha o artigo 57º § 1º do
Regulamento, de 13 de novembro de 1872.112 Deste modo, “desde que para a constituição do
pecúlio fosse imprescindível [...] o produto das economias e do trabalho do escravo, tornar-se-
ia letra morta a disposição legal que garante o direito à alforria”. 113
Não é difícil perceber que era desejo de Cândida e das pessoas que formaram a sua
rede de solidariedade, uma ação judicial rápida. Todavia, a agilidade com que ocorreu o
processo terminou prejudicando a autora, fazendo com que algumas medidas essenciais
111
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 91.
112
De acordo com o Artigo 57º § 1ª do Decreto 5.135 de 13 de novembro de 1872: “não é permitida a
liberalidade de terceiro para a alforria, exceto como elemento para a constituição do pecúlio: e só por meio deste
e por iniciativa do escravo será admitido o exercício do direito à alforria”.
113
NEQUETE. Escravos e Magistrados, p. 93.
114
Arbitramento de liberdade de Cândida, Artigo do Jornal O Cruzeiro de 05 de outubro de 1874, anexado aos
autos do processo, fl. 54 v.
115
Arbitramento de liberdade de Cândida, fl. 69.
109
fossem negligenciadas como, por exemplo, atentar-se para o tempo necessário entre uma
petição e outra ou agir corretamente no cumprimento dos mandatos, ou ainda, fazer a primeira
citação como deveria. A celeridade que antes parecia benéfica para a situação de Cândida,
tornou-se desfavorável frente ao resultado obtido em primeira instância. A ação foi para o
Superior Tribunal da Relação que manteve a mesma sentença, anulando as cartas de liberdade
de Cândida e seu filho, “[...] deixou, contudo o direito salvo a mesma escrava para requerer
novo arbitramento[...]”.116
Cândida, por sua vez, retomou a batalha judicial em busca de sua liberdade perante o
juiz municipal e de órfãos, 2º suplente em exercício, o capitão Manoel Alves Ferreira Batista,
requereu – mais uma vez – o seu arbitramento e do seu filho José. O juiz nomeou como
curador o major Theodoro Ferreira Coelho, que solicitou a intimação de Anna Amália de
Jesus para apresentar em juízo os referidos escravos. Quando parecia que os trâmites
correriam normalmente, o 1º suplente, o capitão Tertuliano Carneiro da Silva Ribeiro,
compadre de d. Anna Amália, assumiu “[...] exercício da vara e, sem demora, fez subirem a
sua conclusão os respectivos autos, e desde então jamais permitiu que se pronunciasse o novo
arbitramento[...]”.117
116
Encontramos documentos referentes a continuação da história da escrava Cândida nas correspondências
enviadas pelos juízes de Inhambupe aos presidentes da província, fragmentados, espalhados nos maços 2413 e
2415. Organizamos por data para contar a luta da crioula Cândida depois da sentença do Superior Tribunal da
Relação. APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415,
1851-1889.
117
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-
1889.
110
[...] declararam os ditos peritos que o referido termo não se achava legalmente
lavrado. Quanto ao segundo se achava respondido com o que declarou no primeiro
quesito. Quanto ao terceiro finalmente que nem no dito termo, e nem em seguida se
achava lançada a procuração de que tratou o referido termo como era necessário para
prova da veracidade do dito, e por isso são de opinião, que não houve juramento e
nem as solenidades exigidas em direito para a validade desse ato.119
118
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871-
1881.
119
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871-
1881.
120
As informações contidas nesse parágrafo foram extraídas de documentos do maço 2415. APEB. Seção
Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
111
Carvalho acusou o juiz Tertuliano Ribeiro de se achar “[...]sob pressão do vigário desta
freguesia Antônio Lourenço Boaventura, amante de Anna Amália de Jesus, com quem vive
sob o mesmo teto e na mais imoral mancebia[...]”. O capitão ressaltou que somente o
presidente da província poderia atuar diante das circunstâncias, providenciando para que
Anna Amália apresentasse em juízo os escravos que estavam ocultos, sofrendo torturas e
castigos, buscando meios para desaparecer com os cativos ou até mesmo serem vendidos para
um lugar bem distante onde não pudessem achar quem promovesse seus direitos nem
reclamassem a injustiça de que estavam sendo vítima. 121
Constituído o juízo pelo 1º suplente Tertuliano Ribeiro, presentes os médicos nomeados para
o referido exame, o delegado e o promotor adjunto, inesperadamente surgiu um grande
número de indivíduos “[...]capitaneados segundo observei, pelo capitão Manoel Pinto de
Carvalho [depositário] e major Theodoro Ferreira [curador], os quais por meio de vozerias e
toda casta de ameaças obrigaram-me a suspender os trabalhos[...]”.123 Em 25 de setembro de
1877, o capitão Tertuliano, ainda no exercício da função de 1º suplente, enviou
correspondência ao presidente da província, solicitando informações com urgência sobre o
requerimento da escrava Cândida, que pedia providências em favor de sua liberdade,
remetendo por cópia o referido requerimento. O 1º suplente, Tertuliano Ribeiro, ficou em
dúvida se atendia a solicitação ou se aguardava a chegada do novo juiz municipal e de órfãos
121
O capitão Manoel Carvalho ofereceu alguns nomes que poderiam testemunhar caso fosse necessário, são eles:
tenente João Cardoso de Araújo, tenente Geraldo Pereira da Rocha, Alferes Francisco José César de Almeida,
Alferes Bento Berillo de Oliveira, Antônio Ferreira Barbosa da Fonseca, João Agrepino de Gouveia Pinto, Pedro
celestino da Silva Pinto e Antônio Pinto Cardoso. APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida
dos juízes de Inhambupe, maço 2415, 1851-1889.
122
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
123
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
112
do município, já nomeado, mas que ainda não tomara posse do cargo. Tendo em vista a
urgência das informações, respondeu o juiz Ribeiro : “[...]entro em dúvida se devo prestar
[informação], sendo [que] neste requerimento fui caluniosamente acusado ou se devo
aguardar que assuma o exercício mencionado para satisfazer o que determinou V. Exª no
citado ofício”. 124
124
APEB. Seção Colonial e Provincial. Correspondência recebida dos juízes de Inhambupe, maço 2413, 1871 -
1881, s/n
125
THOMPSON. Costumes em comum, p. 57.
126
O Alagoinhense, Alagoinhas, 28 abr. 1887, nº 275, folha não identificada. APEB. Sessão Colonial e
Provincial.
113
de José Emygdio Leal, em 1884, informava que ela era solteira, natural da Bahia, 11 anos e de
filiação desconhecida.127
Segundo Lenine Nequete, Antonio Velloso foi o primeiro juiz da província da Bahia
a aceitar o argumento da “filiação desconhecida”, em sentença julgada em 10 de julho de
1887.130 Contudo, a publicação da sentença de Benedicta no jornal Alagoinhense data de 15
de abril de 1887, sugerindo que talvez aquela fosse a primeira sentença julgada pelo
magistrado sob o referido argumento. Não é demais lembrar que Velloso militava em favor da
liberdade nas sentenças que proferiu no tribunal de primeira instância. Segundo o jornal o
Alagoinhense, Benedicta não foi matriculada, conforme a determinação da Lei nº 3.270, de 28
de setembro de 1885, que renovou a obrigatoriedade da matrícula com o objetivo de controlar
numericamente a população cativa existente no Império brasileiro. Não foi possível acessar os
autos de sua ação de liberdade, mas, a crer no periódico, seu curador também argumentou que
não havia sido matriculada em 1885.
127
Partilha amigável, 1884. Inventário post- mortem de José Joaquim Leal e D. Josepha de Jesus Leal, Doc. 213,
fls. 15v a 16.Fórum Desembargador Ezequiel Pondé.
128
Sobre a mobilização da lei de 7 de novembro de 1831, cf. SILVA, “Os escravos vão à Justiça”, p. 123-143.
129
Cf. NASCIMENTO, “A família escrava”.
130
NEQUETE. Escravos e magistrados, p. 58.
114
outubro de 1885.131 Para Silva, “outros juízes baianos também decidiram favoravelmente aos
escravos assim matriculados [...]” e libertaram africanos importados ilegalmente. 132
Elciene Azevedo argumenta que nos anos finais da escravidão a ação de juízes e
advogados simpatizantes à causa da liberdade, contribuiu para minar o domínio senhorial.135
Segundo Brito, na província da Bahia três juízes de direito se destacaram na militância em
favor da liberdade dos escravos: Amphilophio Botelho Freire de Carvalho, em Salvador;
Spínola, em Caetité e, Antonio Velloso, em Alagoinhas. Segundo Brito, o juiz Velloso
envolveu-se em conflitos com outras autoridades e escravocratas locais, ao solicitar ao coletor
das Rendas Gerais de Alagoinhas a relação com todos os escravos africanos matriculados no
município e outra com os escravos maiores de 60 anos, a fim de cumprir as leis de 1831 e de
1885, conferindo a liberdade aos que assim tivessem direito a ela. 136
De acordo com Brito, já em 1872 o juiz Velloso atuava em defesa dos escravos,
citando a ação de arbitramento em que o ex-escravo Luiz Nepomuceno foi vendido pelo ex-
senhor, Abílio Pessoa de Andrade Campos, apesar de ter sido alforriado pelo juiz. 137 No
entanto, apesar da militância em defesa da liberdade, Velloso era também um escravocrata.
131
BRITO, Jailton Lima. A abolição na Bahia: 1870 – 1888. Salvador: CEB, 2003, p. 58.
132
Sobre filiação desconhecida ver também: SILVA, “Os escravos vão à justiça”, p. 150; SANTANA NETO.
“Alforrias nos termos e limites da Lei” p. 99; MATOS. “Alforrias em Alagoinhas”, p. 54; BARBOSA, Hellen
Laianne Pires. “Os caminhos para a liberdade: estratégias, conflitos e querelas no fundo de emancipação em
Alagoinhas (1871 – 1888)”. (Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade do Estado da Bahia,
2016), p. 51 – 56. Sobre os africanos livres cf. BANDEIRA, Florence Afonso. “Entre o cativeiro e a
emancipação: a liberdade de africanos livres no Brasil (1818-1864)”. (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Federal da Bahia, 2002), p. 36; REIS, “A família negra”, pp. 127-146.
133
MARTINS, Henrique. Lista Geral de todos os bacharéis e doutores que têm obtido o respectivo grau na
Faculdade de Direito do Recife desde sua fundação em Olinda, no ano de 1828, até o ano de 1931. 2ª edição,
Recife: Typ. Diário da Manhã, 1931, p. 6.
134
REIS. “A família negra”, p. 256-258.
135
AZEVEDO. “Para além dos tribunais”, p. 199.
136
BRITO. A abolição, p. 259.
137
BRITO. A abolição, p. 261-262.
115
Em 10 de setembro de 1886, o casal José e Rita, ambos com 44 anos, com uma filha
ingênua, escravos de Pedro Gomes de Carvalho Novais, morador de Araçás, distrito de
Alagoinhas, solicitaram a inclusão de seus nomes para serem libertos pelo Fundo de
Emancipação, pois tinham um pecúlio de 100$000 réis e enquadravam-se nas disposições do
Decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872 para serem contemplados por este dispositivo
legal. Porém, eles não foram libertos por esta via, antes, o juiz Velloso, à revelia de Pedro
Gomes, alforriou Rita sem que houvesse tramitado e julgado qualquer ação civil no
judiciário. 139 O Juiz justificou a sua decisão “[...] visto que como foi ela ultimamente
matriculada como de filiação desconhecida, assim, pois, poderá desde já a dita escrava Rita
entrar no pleno gozo de sua liberdade”. 140 Essa decisão não agradou ao senhor de Rita, que
por meio de ofício à presidência da província, em 7 de setembro de 1887, acusou o juiz de
cometer irregularidades e abuso de poder, afirmando que a alforria concedida era irregular,
não tinha efeito jurídico e nenhuma validade legal.
Pedro Gomes relatou ainda que os ditos escravos foram contemplados para serem
libertos pela 7ª cota do Fundo de Emancipação distribuído para o município de Alagoinhas.
Contudo, o dr. Antônio Velloso excluíra o nome de Rita da lista, consequentemente deixando-
o sem a escrava e sem a indenização prevista. Isso era inaceitável para os senhores, pois
significava abrir mão de seu direito à propriedade. Ele também alegou que o juiz não estava
agindo da mesma maneira que procedeu com outros senhores do município, como por
exemplo, com o escravo Constantino, de João Paulo do Nascimento, que também fora
matriculado com a declaração de filiação desconhecida, no entanto, fora liberto com o
dispositivo do Fundo de Emancipação. Pedro Gomes também denunciou que foram libertos
138
BRITO. A abolição, p. 262.
139
APEB. Seção Colonial e Provincial. Judiciário (Escravos: Assuntos). 1873 – 1887, maço, 2897. Brito também
analisou este caso, cf. BRITO, A abolição, p. 261.
140
APEB. Seção Colonial e Provincial. Judiciário (Escravos: Assuntos). 1873 – 1887, maço, 2897.
116
escravos solteiros – Francisca e Januária – em detrimento de Rita e José que eram casados e
com filhos ingênuos livres, que estavam de acordo com as disposições legais.
O juiz municipal suplente, major Francisco de Souza Dantas nomeou curador Jayme
Lopes Villas Boas que prestou juramento em 17 de setembro de 1887. O advogado do tenente
coronel Joaquim Moura, Francisco de Souza Dias, argumentou que seu cliente era legítimo
possuidor de Julião e Marcelino, pois herdara os referidos escravos de seu sogro, o major João
de Lima Valverde, falecido, e seu direito de propriedade sobre os réus nunca havia sido
questionado. As testemunhas arroladas pelo advogado de Moura foram os capitães Manoel
Fausto Pereira de Oliveira e Antônio Henrique de Lima Valverde, além de Inocêncio Pereira de
Oliveira e José Apolinário de Argolo Ferreira, certamente eram pessoas de prestígio econômico e
social em Alagoinhas.
141
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura (autor)versus os escravos Julião e Marcelino (réus), 1887,
Seção Judiciário, Fórum Ezequiel Pondé. Alagoinhas, fl 2. Matos também analisou este processo, cf. MATOS.
“Alforrias em Alagoinhas”, pp. 53-57.
142
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fls. 9 e verso.
117
ainda “conheci Maria, mulata, brasileira, mãe do dito seu escravo Julião, cabra, e de outros
filhos que estão cativos[...]”. Assim como José Amaro, os demais responderam confirmando a
versão do autor do processo de que, apesar de terem sido matriculados com a declaração de
filiação desconhecida, os escravos eram filhos de mães brasileiras, portanto, com a condição
jurídica de escravos pelo ventre.143
Nas alegações finais, o advogado de Moura respaldou os seus argumentos nas leis de
1871 e 1885, contestando a decisão do Dr. Antônio Velloso de conceder liberdade por filiação
desconhecida. Segundo Dias, a lei de 1871, “em nenhuma de suas disposições, quer da lei,
quer dos regulamentos se estatuiu que fosse considerado livre o escravo cuja filiação deixasse
de ser mencionada pelo seu possuidor, declarando este não o conhecer” e ainda quanto
A nova lei de 28 de setembro de 1885 no seu artigo 1º exige que na nova matrícula
se declare a filiação – se for conhecida – (palavras da lei) e se estabelecendo casos
de liberdade como o de não ter feito no prazo marcado a competente matrícula, não
compreende entre esses casos o de não ser conhecida a filiação. 144
143
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 29.
144
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, ibidem, fl. 23v.
145
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 24.
146
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 37, Ibidem fl. 39.
118
não for interpretada a lei, chegar-se-á ao absurdo de que todos podem, dando o seu rol para
matrícula perturbar o estado livre de quem quer que for”. 147
147
Ação de escravidão de Joaquim Ferreira Moura, fl. 37.
148
Lei de 7 de novembro de 1831. Disponível em http://www2.camara.leg.br/: Acesso em 22 de abril de
2018.Sobre a luta empreendida nos tribunais pelos africanos que foram importados ilegalmente depois de 1831 e
seus descendentes para que fossem reconhecidos como “africanos livres”, cf. MAMIGONIAN, Beatriz G. “O
direito de ser africano livre: os escravos e as interpretações da lei de 1831”. In: LARA, Silvia H.; MENDONÇA,
Joseli Maria Nunes (orgs.). Direitos e justiças no Brasil: ensaios de história social. Campinas-SP: Editora
UNICAMP, 2006, p. 130 – 131.
149
Marília de Jesus Souza estuda, em seu Trabalho de Conclusão de Curso, a família escrava em Inhambupe na
primeira metade do século XIX. Em comunicação oral feita por ocasião do Simpósio Escravidão e liberdade nos
sertões da Bahia: Alagoinhas, Inhambupe e Catu, século XIX, informou que a família Velloso batizou e casou
inúmeros escravos na década de 1820 a 1830.
119
1º que brasileiro só pode ser escravo, tendo nascido de ventre escravo; 2º que o A
nasceu no Brasil; 3º que sua filiação é desconhecida; 4º que não sabendo quem seja
a mãe do A (documento nº 1 certidão de matrícula) a presunção jurídica é que o A
não é escravo: porque a liberdade sempre [...]sendo desconhecida a filiação do
A[utor], dar a ele ser incluído na classificação dos expostos, que a lei os considera
livres...150
Será que Jorge, de fato, não sabia quem era a sua mãe? Talvez por ter conhecimento
de que a lei de 1831 estava sendo mobilizada por advogados daquele município quis adotar
esta estratégia para conquistar sua liberdade. Por ocasião da inquisição das testemunhas, o
curador de Jorge, o tenente coronel Britto, não contestou as informações, e após a conclusão
do interrogatório ele deu “o processo por encerrado e que nada tinha a alegar mais nem provar
além da intenção que milita a favor do seu curatelado a liberdade, a declaração de filiação
desconhecida” (sic).151 Jorge não foi feliz em seu intento e em 10 de novembro de 1887, o
juiz de Inhambupe, Antônio Calmon de Britto, julgou improcedente a sua ação de liberdade e
remeteu o processo ao Tribunal da Relação de Salvador. O processo passou a tramitar no
Tribunal, até que no dia 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, Jorge tornou-
se um homem livre.
150
Ação de liberdade de Jorge (autor) versus João Calasans de Figueiredo (réu), Inhambupe. APEB. Seção
Judiciário. Classificação 30/1054/10, 1887, fl. 2.
151
Ação de liberdade de Jorge, fl. 13.
120
CONCLUSÃO
Detectamos por meio das fontes que as atividades econômicas exercidas na região
que determinava a sobrevivência da população eram a agricultura e a criação de animais.
Destacava-se a lavoura de subsistência, sendo o excedente comercializado nas feiras locais e
circunvizinhança. A criação e negociação de animais eram favorecidas por conta da existência
da “Estrada das Boiadas” que interligava a região ao norte da província da Bahia percurso
para a província do Piauí. Vale ressaltar a relevância da estrada de ferro em Alagoinhas,
contribuindo para o desenvolvimento econômico e demográfico da região.
direitos. A Lei 2.040 determinou a obrigatoriedade da matrícula dos escravos, mas muitos
senhores não cumpriram a determinação legal, deixando de matriculá-los em tempo hábil,
alegando motivos de saúde, moradia em regiões distantes ou por ignorância da lei. Por sua
vez, os cativos aproveitavam-se dessa brecha e solicitavam na justiça a sua liberdade,
baseados no Decreto instituído pela Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871.
A referida lei preconizava que para acionar a justiça o escravo deveria possuir um
pecúlio, o que era possível fazer a partir de seu trabalho, legados, doações e heranças. Para
isso, eles contavam com agenciamento de pessoas simpáticas à sua causa, parentes, amigos e
uma rede de solidariedade que lhes fornecia auxílio financeiro e muitas vezes os acoitavam
em ocasiões de fuga. Com a legitimação do pecúlio e do arbitramento, direitos costumeiros
anteriores à lei de 1871, os escravos tiveram ampliados o seu poder de barganha e de
negociação diante da intransigência senhorial, conseguindo muitas vezes reverter o processo
de avaliação por meio de expedientes que não agradavam os senhores, a exemplo da história
de Hilário, do município de Inhambupe, abordada neste trabalho. O fundo de emancipação
também foi importante para a consecução de manumissões nos municípios estudados e,
constituiu-se em mais um caminho para a conquista da liberdade.
ARQUIVOS E FONTES
FONTES MANUSCRITAS:
Seção Legislativo:
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