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Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestra em História pela Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS) e graduada em Licenciatura Plena em História pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB). Atua no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alagoinhas, Litoral Norte e Agreste
Baiano (GEPEA); na Rede de Historiadorxs Negrxs (RHN) e na HuMANAS: pesquisadoras em rede.
candidatou-se a vereadora na cidade de Santos, São Paulo. Lourdes Benaim foi outra
empregada doméstica comunista. Em 1954, no IV Congresso do PCB, foi eleita para
compor o Comitê Central (CC) do partido, órgão máximo da direção. No mesmo ano, Olga
Maranhão, empregada doméstica no Rio de Janeiro, também compôs o CC (ALVES,
2021).
O que essas mulheres têm em comum? Todas eram comunistas e trabalhadoras,
algumas delas, negras. Outro ponto em comum em suas trajetórias é que todas participaram
ativamente da vida política do país em meados do século XX, atuando significativamente
no partido no qual escolheram militar. No entanto, a posteriori são nomes silenciados tanto
pela memória e história sobre os movimentos feministas, quanto pelas narrativas sobre o
PCB. Seria interessantíssimo expor outras informações sobre suas vidas, mas ainda não
disponho de informações mais consistentes que lancem luz sobre suas trajetórias. Por isso,
o objetivo do artigo é um tanto modesto. Aqui nos interessa percorrer panoramicamente
parte do debate feminista promovido pelo movimento de mulheres ligado ao PCB entre as
décadas de 1940 e 1950. Aqui nos concentraremos mais especificamente nas discussões
sobre as mulheres trabalhadoras sem perder de vista as interconexões entre gênero, raça e
classe. Sem dúvida, a presença das mulheres negras no movimento foi fundamental para o
debate.
*
Na década de 1940, houve o crescimento de expectativas democráticas em várias
partes do globo em decorrência dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. A
entrada do Brasil na guerra, somada às alterações morfológicas da sociedade brasileira
após alguns anos de intenso desenvolvimento industrial, baseado em uma alta taxa de
exploração da força de trabalho, conduziu o início de uma tentativa de transmutação da
ditadura varguista para um regime democrático. No contexto, as inquietações pela
concretização da democracia atingiram maior consenso no seio da sociedade. A tônica era
de redemocratização, que começou a ser vivida antes mesmo da extinção dos instrumentos
legais que sustentavam a ditadura, a exemplo da Constituição de 1937 e do Tribunal de
Segurança Nacional (RODEGHERO, 2006, p. 180-188; DEMIER, 2013, p. 167-168).
Quando a guerra chegou ao fim em 1945, a ideia de que o país estava cada vez mais
próximo de uma democracia começava a ganhar materialidade através de medidas como a
anistia dos presos políticos e exilados, em 18 de abril; a promulgação do código eleitoral,
em 28 de maio; a legalização oficial do PCB, em 12 de novembro; as eleições para a
Assembleia Constituinte, em 2 de dezembro; o fim da censura dos jornais, revistas e rádios
e o aparecimento de partidos políticos nacionais, como a União Democrática Nacional
(UDN) e o Partido Social Democrático (PSD). Como destacou Dênis de Moraes (2012, p.
202), tudo isso era novidade na história política do país. No mesmo ano, estouraram novas
greves de várias categorias da classe operária. Em 29 de outubro Getúlio Vargas foi
deposto por um golpe militar. José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), ocupou a presidência para reorganizar a política nacional. Numa tensa
negociação, em 02 de dezembro, as eleições foram realizadas e Eurico Gaspar Dutra eleito
presidente. Antes, desencadeou-se uma onda de prisões, intervenções em sindicatos e
depredações em sedes estaduais do PCB. “O alvo era o processo de democratização em
curso, mas o clima de mobilização impediu [de imediato] o retrocesso” (MORAES, 2012,
p. 202).
Em que pese o golpe militar e a agitação política imediatamente posterior, a
expectativa era de democracia. Tudo isso era novidade na história política do Brasil. No
mesmo ano, estouraram greves de várias categorias da classe operária. Em 29 de outubro
Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar. José Linhares, então presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ocupou a presidência para reorganizar a política
nacional. Numa tensa negociação, em 02 de dezembro as eleições foram realizadas; Eurico
Gaspar Dutra eleito presidente. Antes, desencadeou-se uma onda de prisões, intervenções
em sindicatos e depredações em sedes estaduais do PCB. “O alvo era o processo de
democratização em curso, mas o clima de mobilização impediu [de imediato] o retrocesso”
(MORAES, 2012, p. 202). No contexto, como nos lembra Paulo Santos Silva (1992),
determinados traços e práticas herdados da Primeira República e dos quinze anos que
Vargas esteve à frente do poder (1930-1945) reaparecerem em diversos momentos nos
critérios de alianças políticas, no personalismo das lideranças, nas campanhas eleitorais, no
comportamento do eleitorado, na natureza dos discursos dos grupos políticos.
Em que pese o golpe militar e a agitação política imediatamente posterior, a
expectativa era de democracia. O contexto favoreceu o desenvolvimento de novas
articulações e/ou rearticulações de organizações feministas. Entre os vários grupos, estava
o movimento feminista de orientação comunista, que a partir de 1945 fundou diversas
organizações espalhadas pelo país.1 Em 1946, pensando em unificar o movimento e criar
1
Chamo de movimento feminista de orientação comunista e não simplesmente feminista-comunista porque
embora tenha se desenvolvido em conexões com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), contou com a
participação orgânica de mulheres de outras organizações e partidos políticos, a exemplo de Nuta Bartlet
uma frente ampla suprapartidária de mulheres, foi fundado o Instituto Feminino de Serviço
Construtivo (IFSC). No ano seguinte, visando articular melhor as mulheres, criou-se o
jornal Momento Feminino, cuja primeira edição ganhou as ruas em 25 de julho de 1947,
deixando de circular em 1956. Dirigido e organizado especialmente por mulheres
comunistas, era editado no Rio de Janeiro e impresso na tipografia Imprensa Popular, que
pertencia ao PCB. Circulou em diversas cidades brasileiras, especialmente nos grandes
centros urbanos. Foi um dos principais meios de articulação e comunicação do movimento
em tela que, em 1949, numa espécie de coroação do projeto, fundou a Federação de
Mulheres do Brasil (FMB), que se manteve em pleno funcionamento até 1957 (ALVES,
2022).
Atendo à diversidade que acompanha as mulheridades, esse movimento reivindicou
direitos para aquelas que trabalhavam para sobreviver, sem descuidar da realidade das
mulheres das camadas médias, brancas em sua maioria, que se organizavam em defesa da
possibilidade de trabalhar fora de casa sem precisar de autorização do cônjuge, como era
previsto no Código Civil em vigor à época. Escrito por encomenda em 1889, o Código só
foi aprovado em 1916 e reproduzia as desigualdades entre os gêneros. De acordo com a lei,
após o casamento, os homens continuavam como sujeitos jurídicos capazes, enquanto as
mulheres eram equiparadas aos menores de 16 anos e enquadradas como relativamente
incapazes. Qualificado como o “cabeça do casal”, juridicamente, ao homem cabia total
autoridade em relação às decisões importantes da vida conjugal e familiar (CAULFIELD,
2000, p. 69). Ao marido cabia proteger, defender e sustentar financeiramente esposa, filhos
e filhas. As mulheres só poderiam exercer profissão, comerciar, aceitar tutela ou curatela e
mandato com a autorização do “chefe” que, “coerente com a perspectiva patrimonialista
que regia a sociedade conjugal, tudo isso podia fazer sem consultá-la” (MACEDO, 2001,
p. 197).
Embora legislasse para todas, o Código-Civil de 1916 atingia mais diretamente as
mulheres das camadas médias e altas da sociedade que, de fato, para conquistarem uma
carreira profissional e/ ou política, bem como administrar seu patrimônio, ficavam
submetidas à vontade dos maridos. As mulheres pobres/negras tinham outra dinâmica.
Entre elas, o trabalho era – e ainda é – essencial para a sobrevivência da família. Muitas
trabalhavam na informalidade, em condições precárias e com salários baixíssimos. Por
vezes, sequer eram contabilizadas e percebidas como trabalhadoras, inclusive pelos censos.
James e Lygia Maria de Lessa Bastos, ambas vinculadas ao partido liberal União Democrática Nacional
(UDN) (ALVES, 2020).
Nas primeiras décadas do século XX, as pesquisas censitárias produziram invisibilidades.
Dadas as fragilidades metodológicas, os limites técnicos e o grande número de
trabalhadoras informais, os números registrados são incapazes de demonstrar a dimensão
quantitativa da participação das mulheres no mercado de trabalho. Havia uma frágil
fronteira entre o emprego passível de identificação e o trabalho formal. Naquele contexto,
os censos não conseguiram registrar o efetivo crescimento no número de mulheres no
trabalho industrial, nos setores de costura e bordado, em indústrias domiciliares, no setor
de serviços (transporte e comunicação) ou trabalhando por conta própria (nem sempre
contabilizadas), principalmente em atividades que pudessem conciliar trabalho externo e
atividades domésticas (FRACCARO, 2018).
Atendo às diferentes mulheridades e às distintas formas de inserção das mulheres
nos mundos do trabalho, o movimento feminista de orientação comunista construiu uma
série de eventos destinados a discutir estratégias para superação da precariedade enfrentada
por elas. E não deixou de se contrapor ao Código Civil, evidenciando que “um número
muito elevado de mulheres trabalhadoras [eram] arrimo de família” (Momento Feminino,
02/1949, p. 8). O debate, sem dúvida, tem relação direta com a presença dessas mulheres
no movimento, como indicado nas linhas introdutórias. Essa participação ativa foi
fundamental para que a Federação de Mulheres do Brasil (FMB) estabelecesse em seu
programa a necessidade de fazer valer a aplicação, em todo o país, da Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) que, desde 1943, previa a igualdade salarial sem distinção de sexo
para pessoas que desempenhassem a mesma função e em iguais condições; defendeu a
criação de dispositivos legais que impedissem que as mulheres fossem dispensadas do
trabalho quando casassem, noivassem ou engravidassem, o que era comum à época;
sugeriu às mulheres que se organizassem em campanhas para fazer valer a assistência aos
filhos das trabalhadoras mediante a criação de lactários, creches, escolas maternais etc., em
todos os estados, procurando levar realmente essa assistência à zona rural; e pontuou que
era fundamental trabalhar para obter uma legislação que fixasse direitos e deveres que
regulassem a relação das empregadas domésticas e suas patroas. No que diz respeito ao
trabalho noturno, defendeu que se cumprisse a legislação, no sentido de impedir que as
mulheres trabalhassem entre 22 e 5 horas da manhã, salvaguardada algumas exceções
(Momento Feminino, 30/06/1949, p. 3; 30/08/1949, p. 4).2
2
O Decreto do Trabalho das Mulheres liberava aquelas empregadas junto com outros membros da família; as
funcionárias em que a interrupção do serviço prejudicasse o funcionamento normal do estabelecimento; ou
ainda as mulheres cuja interrupção da atividade tivesse como consequência a perda de produtos perecíveis;
A defesa da proibição do trabalho noturno das mulheres, exceto nos casos listados,
se dava em duas vias: uma considerando os riscos de estupro; a outra ligada ao
reconhecimento de que, na prática, elas assumiam sozinhas os cuidados do lar e das
crianças. O lugar de gênero e os valores culturais atribuídos às funções sociais de homens e
mulheres traziam implicações práticas à vida das trabalhadoras. Fossem elas das camadas
populares ou médias, recebiam salários menores e, em diferentes proporções, sofriam com
a falta de assistência à maternidade e à infância, além de estarem expostas aos assédios
morais e sexuais. As mulheres que trabalhavam na informalidade, como as empregadas
domésticas, enfrentavam situação, por vezes, piores, pois sequer eram contempladas pelos
direitos inscritos na legislação trabalhista.
Atento às desigualdades entre mulheres, o movimento feminista de orientação
comunista denunciou a ausência da proteção à maternidade das trabalhadoras, fossem elas
profissionais liberais, operárias, trabalhadoras informais ou empregadas domésticas. No
caso das últimas, a situação era mais difícil. Elas se viam impossibilitadas de maternar
dentro de padrões mínimos de conforto e segurança. Para amenizar a situação, em diálogo
com os movimentos feministas da época, o deputado Gregório Bezerra estabeleceu, no Art.
2° do Projeto de Lei n°. 1.155, de 1947, que deveriam ser instalados creches e berçários,
com no mínimo 50 leitos, em todos os bairros e distritos comerciais “em cujas áreas se
concentrem mais de 1000 mulheres assalariadas e industriais” para atender, de forma
inteiramente gratuita, os filhos e filhas das trabalhadoras, incluindo, “as mulheres
contribuintes de quaisquer instituições e Previdência” e “as empregadas domésticas que
recorrerem nos respectivos distritos de moradia ou emprego” (Momento Feminino,
23/01/1948, p. 4).
O movimento também enfatizou que mesmo a limitada proteção legal no que diz
respeito à maternidade e à infância “era frequentemente desrespeitada também em prejuízo
da mulher” (Momento Feminino, 10-11/1952, p. 5). A FMB denunciou que as medidas
eram desumanas, assim como o fato de as mulheres grávidas continuarem executando os
mesmos trabalhos durante a gestação. Neste sentido, para “milhões de moças e mães de
família”, trabalhar “em vez de um legítimo direito, constitui um sacrifício, não somente no
bem como as que ocupavam postos de trabalho na área da saúde: hospitais, clínicas, sanatórios e
manicômios; as incumbidas de tratamento de enfermos e aquelas maiores de 18 anos empregadas nos setores
de telefonia e radiotelefonia ou que ocupassem postos de direção e responsabilidade (FRACCARO, 2018, p.
192-193).
tocante às necessidades materiais, mas a outras restrições que atentam até contra a
dignidade humana” (Resoluções sobre os direitos das mulheres, 18/11/1952).
Portanto, o movimento destacou que a realidade das mulheres brasileiras era
diversa. Ainda que todas enfrentassem problemas no mundo do trabalho decorrentes da
discriminação de gênero, as mulheres das camadas populares – negras em sua maioria –
não compartilhavam das mesmas experiências das mulheres brancas dos setores médios.
Somado ao gênero, o lugar de raça/classe impactava na forma como elas se colocavam no
mundo, no nível salarial, educacional e na maneira como eram vistas/invisibilizadas. E
apesar do debate racial na maioria das vezes não ter sido tão explicitado em seus
argumentos, ele aparece de maneira implícita quando as mulheres levantavam a discussão
sobre a precariedade do trabalho e das condições de vida das mulheres da classe
trabalhadora.
*
Dentro desse universo do mundo do trabalho e das desigualdades entre as mulheres,
cabe um olhar mais atento ao emprego doméstico.3 Ao exercerem um tipo de atividade de
fronteira entre o público e o privado, as empregadas domésticas sofriam privações ainda
maiores, submetidas a uma complexa e tensa relação com a patroa. Nesse caso, salta aos
olhos um aspecto que merece ser ressaltado no interior de qualquer debate feminista: a
racialização do gênero e as relações intragênero.
Como bem destacou Solange Sanches (2009), concebidas como não trabalhadoras
por exercerem um tipo de trabalho supostamente improdutivo do ponto de vista capitalista,
as domésticas vivenciavam uma complexa e tensa relação com as patroas. Ao mesmo
tempo em que essas trabalhadoras realizam tarefas de cuidado em uma esfera privada dos
indivíduos e das famílias, esses espaços não se constituem em sua esfera. “De seu ponto de
vista, é um local de trabalho no qual as condições adequadas de exercício de suas funções
devem necessariamente ser consideradas”. Assim, continua a autora, “o trabalho doméstico
é o encontro da esfera pública (como trabalho remunerado) com a esfera privada (o
domicílio)” (SANCHES, 2009, p. 884-885).
3
Aqui me refiro exclusivamente ao problema das empregadas domésticas que compõem um grupo maior do
chamado emprego doméstico, que inclui serviços diversos, desde os relacionados à limpeza, cuidado de
crianças e idosos, até atividades de portaria, motorista, entre outras. No campo do emprego doméstico
também há hierarquias de gênero. O trabalho geralmente realizado por homens (motorista, porteiro etc.)
quase sempre é regulamentado e formalizado, ao contrário do que acontece com as mulheres (lavadeiras,
empregadas domésticas, cuidadora de idosos).
Portanto, salta aos olhos um aspecto que merece ser ressaltado: a relação entre
mulheres marcada por um pacto desigual de raça e classe. Como apontou Maria Betânia
Ávila (2016), por parte das patroas, há uma tentativa permanente de apropriação da vida
pessoal de trabalhadoras domésticas, que é parte da apropriação do seu tempo de trabalho.
Essa característica evidencia como ainda estão entranhados na sociedade brasileira “os
anseios de disporem de servas como parte de seus domínios” (ÁVILA, 2016, p. 214).
Nesse sentido, a construção permanente de uma “ideologia discriminatória e de
desvalorização da categoria das trabalhadoras domésticas se faz como forma de encobrir e
justificar, de acordo com cada contexto, os nexos de exploração e dominação de classe e
gênero próprios dessa relação de trabalho” (ÁVILA, 2016, p. 214). Acrescento a relação
racial, visto que, no Brasil a maioria das trabalhadoras doméstica tem sido mulheres
negras, aspecto que guarda uma relação muito próxima com a escravidão (SILVA, 2011;
BERNARDINO-COSTA, 2015). Pesquisas realizadas nas últimas décadas têm
demonstrado “a existência de práticas de trabalho nesse campo que guardam ainda, e a
despeito de leis em vigor, relações de exploração e dominação próprios de um sistema de
servidão” (ÁVILA, 2016, p. 217).
Nas décadas de 1940 e 1950, o debate sobre o emprego doméstico ganhou um
espaço importante nas discussões das feministas que atuaram em sintonia com o PCB.
Diante de tamanha vulnerabilidade/invisibilidade, a necessidade garantir direitos
trabalhistas às trabalhadoras domésticas foi defendida, em 1949, no programa da FMB. O
jornal Momento Feminino pautou à questão, chamando a atenção para a necessidade de
garantir que a categoria tivesse direito à sindicalização. Suas páginas também nos
informam sobre as atividades de associações de empregadas domésticas no país entre as
décadas de 1940 e 1950, a exemplo de uma que, em 1947, funcionava em Minas Gerais e
contava, segundo estimativa do jornal, com mais de cem mulheres que se reuniam todos os
domingos (Momento Feminino, 24/10/1947, p. 6).
A pauta já vinha sendo colocada pelo movimento protagonizado pelas próprias
trabalhadoras domésticas desde a década de 1930. Em 1936, mais precisamente, foi
fundada a Associação Profissional dos Empregados Domésticos por meio da atuação de
Laudelina de Campos Melo. Desde a sua fundação, como evidenciou Joaze Bernardino-
Costa, a entidade estabeleceu como objetivo central a conquista do status jurídico de
sindicato. A pretensão partia do entendimento de que, como sindicato, a organização
poderia negociar com o Estado o reconhecimento jurídico da categoria e,
consequentemente, seus direitos trabalhistas. O direito à sindicalização só foi
definitivamente conquistado em 1988, com a promulgação da Constituição Federal; já a
luta por direitos trabalhistas invadiria o século XXI. Somente em 2013 a Emenda
Constitucional nº 72 – conhecida como PEC das domésticas – equiparou juridicamente as
trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores brasileiros. Dois anos depois foi
promulgada a Lei Complementar nº 150, o que não implicou final da luta, que agora
continua se mobilizando para fazer valer a aplicabilidade da lei (BERNARDINO-COSTA,
2015). Portanto, no artigo estamos tratando de fragmentos de um movimento político que
vem se organizando há praticamente um século e que ainda carece de investigações que
lancem luz sobre sua importância para a história do Brasil.
Voltando ao século XX, nas décadas de 1940-50 o movimento feminista de
orientação comunista incorporou a pauta política das próprias trabalhadoras domésticas,
que dialogou e estabeleceu alianças estratégicas com grupos, partidos e personalidades
políticas diversas. O movimento feminista de mulheres comunistas foi um entre outros.
Embora considere fundamental, aqui não será possível analisar como se deu essa
articulação porque me falta espaço e dados empíricos suficientes. Mas vale ressaltar que há
indícios de que houve uma articulação importante, a exemplo da presença de empregadas
domésticas no PCB. A própria Laudelina de Campos Melo, liderança histórica do
movimento sindical das trabalhadoras domésticas, se filiou ao partido em 1936. Até
quando permaneceu e como se deu essa articulação é um dado a ser investigado.
Por ora, o que posso afirmar é que ao pautar os “direitos da mulher”, o movimento
feminista vinculado ao PCB incorporou as especificidades das trabalhadoras domésticas e
usou seus meios de comunicação e ação política para, de alguma forma, contribuir com o
movimento político protagonizado pelas próprias trabalhadoras. Agiram, portanto, como
aliadas. Sendo aquelas que eram relativamente ouvidas, em função do lugar racial
(brancas), se solidarizaram com as trabalhadoras domésticas e utilizaram seus espaços de
poder para tornar pública as demandas dessas trabalhadoras.
No entanto, como destacou Boaventura Santos (2021, p. 33), “a solidariedade é
uma palavra-armadilha”, pois os aliados podem querer decidir unilateralmente com quem e
como se é solidário. Isso é um ponto complexo que merece ser investigado em outro
momento. Afinal, que tipo e como se construiu a solidariedade das feministas brancas com
as empregadas domésticas e demais trabalhadoras negras? Quais os limites e contradições?
E quais as reações da categoria profissional em resistência e reexisência? Deixo as
questões em aberto.
*