Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo:
Trazemos, neste artigo, um apanhado histórico das primeiras manifestações do povo negro,
datadas pelo surgimento das associações voltadas para a causa racial. Passamos pela construção
do Movimento Negro Unificado, importante marco para os negros no Brasil, significando diversas
conquistas. E, na seqüência, destacamos a questão atual da mulher negra no país, também
descrevendo o percurso de suas primeiras organizações, segundo indícios encontrados em
pesquisas. Nesse último ponto, tratamos, em especial, do Grupo de Mulheres Negras da Paraíba –
Bamidelê, ONG localizada na cidade de João Pessoa, atuante desde 2001 no Estado.
Palavras-chaves:
Associações de Negros, Movimento Negro Unificado, Mulheres Negras, Bamidelê.
Introdução
1
Termo preferível a negro/negra nas primeiras décadas do século XX. Ver em Fernandes (1978).
2
Ribeiro (2006, p. 191-193) diferencia a sociedade em quatro grupos: classes dominantes, setores
intermediários, classes subalternas e classes oprimidas. Nestas últimas estariam enquadrados os
negros, mendigos, moradores das favelas, analfabetos e, segundo Ribeiro, aqueles incapazes de
se organizarem e reivindicarem. Logo, consideramos que a organização do povo negro partiu
daqueles que se achavam nas classes subalternas, entre assalariados rurais e o operariado.
1
sociais impostas brandamente pelas classes dominantes. O fim do escravismo
significou para eles, de um lado a quebra das correntes de ferro, mas de outro o
impedimento de exercer sua plena liberdade. Uns, foram absorvidos pela
sociedade de classes3. Porém, grande parte ficou à míngua, compondo as classes
oprimidas; sem emprego, sem sustento.
Os negros e negras que, de imediato à libertação ou mais tarde,
conseguiram se integrar à sociedade do trabalho, novamente tiveram como função
o servir. Trocaram os senhores feudais pelos senhores das cidades. Isso em
conseqüência da migração acarretada após a promulgação da Lei Áurea. A
mulher, na maioria das vezes, acabava trabalhando como empregada doméstica
em casas de famílias abastadas, assumindo condição de submissa.
Em protesto a esse tipo de situação pela qual os negros passavam,
submetendo-se ao empregador de maneira a repetir a relação existente entre
senhor feudal e escravo, que surgiram as primeiras aspirações de organizações
no meio dessa população. A motivação residia no anseio de experimentar a
verdadeira liberdade, ou seja, de poder ter, poder ser, de igual para igual. Em
outras palavras, de estar integrado no quebra-cabeça da sociedade – fazer parte
dela.
Tal era a realidade da época, que se falava numa “segunda abolição”, a fim
de eliminar a discriminação racial da sociedade, dissipando as diferenças sociais.
Mas a idéia de discriminação ou segregação era ignorada pela ampla maioria das
pessoas das classes privilegiadas, e até mesmo entre alguns negros. Como se o
fim da escravidão fosse suficiente para se afirmar que o Brasil era um país
ajustado, onde os negros gozavam de liberdade.
Florestan Fernandes (1978) revela as mobilizações de grupos negros
durante a primeira metade do século XX em São Paulo, organizados em prol da
“tomada da consciência, de crítica e de repulsa à situação do negro”. Essas
associações existiram no período compreendido entre 1927 e 1945, porém muitas
tiveram curta duração; foram poucas as que deram continuidade às suas
atividades.
3
Fernandes (1978)
2
Esses primeiros “movimentos” são descritos pelo sociólogo (1978, pág. 27),
a partir de determinados requisitos:
4
Termo muito utilizado por Fernandes (1978) e Ribeiro (2006); refere-se à hierarquia das classes
de uma sociedade, que Darcy Ribeiro representa como um losango.
3
lidavam pacificamente com as dissensões sociais, imprimiram um novo teor
político às suas reivindicações.
Inicialmente, os negros viam, naquele cenário de alterações políticas e
econômicas do país, uma esperança. Como se o momento histórico fosse capaz
de abrir portas para a subversão das diferenças sociais entre brancos e negros.
Porém, logo a esperança se desfez, pois o quadro permanecia imutável.
Entre as entidades reivindicativas mais expressivas desse segundo
momento esteve a Frente Negra Brasileira, criada em 1931; com uma atuação
mais política e engajada. Através dessa nova organização, florescia a consciência
da luta política particular da negritude. A Frente propunha a união entre todas as
associações e grupos de formação negra, convocando-os a intervir no cenário
político nacional, como vemos em seu manifesto, citado por Florestan Fernandes
(1978, p. 30):
Apesar do novo caráter mais incisivo, o embate pela questão negra nunca
chegou a se caracterizar em forma de onda de violência, como ocorreu nos
Estados Unidos5. A diferença se deu talvez pela própria distinção entre as
estruturas sociais brasileiras e as daquele país.
5
Franklin & Moss, Jr., 1989 traçam toda a história de lutas e conquistas dos negros americanos.
4
Para Florestan Fernandes as organizações de negros não configuravam
uma revolução, e sim um ensaio. Ele adjetiva a manifestação das associações de
negritude ora como “surda e insufocável” ora como um “movimento apático”. E por
esse último termo não consideramos essa insurgência do negro como a
formulação de um movimento. Seria, pois, contraditório um movimento apático,
sem ação.
No período do pós-guerra, as associações negras parecem não ter sido
muito expressivas. Essa inferência resulta das poucas referências ou registros a
respeito. Entretanto, Clóvis Moura (1992) aponta o ano de 1954 como um
momento de renascimento do negro, quando surgia, em São Paulo, a Associação
Cultural do Negro. De fato, ocorreram diversos eventos do segmento nos anos
seguintes.
5
Esses foram momentos críticos e bastante significativos para a luta dos
negros e negras brasileiros. Foi quando existiu claramente a opressão,
manifestada de forma violenta, como ocorreu nos Estados Unidos no início do
século XX, em que os negros americanos sofreram intensa rejeição e segregação
por parte da população branca.
Naquele país, podemos dizer que a discriminação assumiu caráter oficial.
Pois, vinha por parte dos próprios governos, que estabeleciam normas, como a
bem conhecida – da divisão dos lugares nos transportes públicos; estopim de uma
onda de violência nos Estados Unidos.
No Brasil, as manifestações negras não tomaram tão grande porte. Na
verdade, houve momentos violentos sim, mas por parte da repressão militar. A
resposta dos movimentos negros, ante aos casos aqui citados, foi de mobilização
e levantamento da voz de protesto, com a intenção de “mostrar a cara” e a força
do movimento negro, doravante unificado, desde aquele instante firmando suas
reivindicações.
Algo que importa ressaltar é a diferença entre os dois paises – EUA e
Brasil, em relação à questão racial e ao surgimento dos movimentos negros e
suas respectivas formas de atuação. O primeiro país apresentava uma sociedade
claramente racista e segregacionista. Os negros americanos bem sabiam da sua
condição, dos limites que lhes eram impostos, da existência da discriminação
racial. Já no Brasil, havia o silêncio, o preconceito velado. Assim como hoje,
quando ainda vivemos o mito da democracia racial6.
Talvez, estejam ai as razões que expliquem o porquê de lá ter havido
manifestações de caráter – em vezes – violentas, já que os negros americanos
eram verdadeiramente agredidos, e aqui termos tido um processo de protestos e
reivindicações mais brandas.
Porém, incitados pelos casos de racismo e pela repressão do Regime
Militar, os movimentos negros brasileiros elevaram a voz de protesto e imprimiram
mais força às lutas, sem, entretanto, agir de igual para igual, com violência
responsiva. O assassinato do trabalhador negro tornou-se um marco da unificação
6
Schwarcz. In: Negras Imagens (1996, p.153-157)
6
desses movimentos por um “combate” massiço contra o preconceito e a
discriminação racial.
Schwarcz (1996) identifica no Movimento Negro Unificado a postura que
não se encontrava nos grupos e associações de antes, na primeira metade do
século XX, pois o MNU “via na luta de classes a questão fundamental”. A autora o
descreve como aquele que
7
Lei n.° 7.716, de 5 de Janeiro de 1989 – “Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou
de cor”.
7
A mulher negra
8
Ver, em anexos, tabelas e gráficos.
9
Trecho de documento elaborado, no ano 2000, por organizações de mulheres negras em favor da III
Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância. Disponível
em: www.antroposmoderno.com. Consultado em 21 abr. 2008.
8
Imprensa (ABI), no qual um grupo de mulheres negras formulou um documento
contestando a condição desse segmento da sociedade.
Mas é, entre a década de 80 e 90, que os movimentos de mulheres negras
começaram a se formar e se consolidar no Brasil. Eventos em âmbito
internacional, já em 90 - Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (Cairo,1994), Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing,
1995) , promovidos pela ONU, possibilitaram a mobilização das mulheres negras
de várias partes do mundo.
Em 1992, durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-
Caribenhas, realizado em Santo Domingos, instituiu-se a data de 25 de julho como
o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado com eventos
especiais pelas organizações de mulheres negras em todo o mundo. No Brasil, um
importante passo para o segmento foi a criação da Articulação de Mulheres
Negras do Brasil (AMNB), no ano 2000, rede composta por ONGs de todo o país,
que fortaleceu movimentos por todo o território brasileiro e influenciou novas
organizações.
9
No site da entidade, no item quem somos, encontramos um resumo
explicativo do papel da Bamidelê e dos seus objetivos, em que se define como
uma ONG que
tem uma missão que se funde com o seu projeto político de
contribuir para a eliminação do racismo e do sexismo, assim como
promover debates e ações que fortaleçam a identidade e auto-
estima, sobretudo de mulheres afrodescendentes, culminando na
luta pela defesa e efetiva implantação dos Direitos Humanos em
nosso país.
Essa ONG voltada para a questão das mulheres negras surgiu dentro do
movimento negro local, como aconteceu à maioria das organizações desse
segmento. O motivo é notório: lutar por uma causa que é específica, e, portanto,
não encontra(ria) espaço adequado em qualquer outra entidade ou movimento de
discussões mais amplas. Uma organização feminista não compreende, em igual
grau, as necessidades e lutas de uma mulher que, além de ser vitimada pelo
sexismo, é também por sua cor. Assim como é também inconcebível que um
movimento negro, em geral, majoritariamente formado por homens, consiga
atentar, com precisão, para as questões das militantes na sua perspectiva
feminista.
A Bamidelê atua, então, pelos dois horizontes, pois como expõe, a sua
missão é “Contribuir para a superação do racismo e do sexismo buscando a
eqüidade de gênero numa perspectiva étnica”. A escolha do nome
(bah/mih/deh/leh) dessa organização é coerente com o seu objetivo; bamidelê
significa “esperança” num dos dialetos africanos. Esse conceito imbuído na
denominação se reproduz nos projetos desenvolvidos pela entidade; de
conscientização, disseminação do conhecimento e promoção de auto-estima.
Segundo duas das coordenadoras executivas da ONG, Solange Rocha e
Tertúlia Silva, que foram entrevistadas para efeito de estudo da ONG, a Bamidelê
não tem caráter assistencialista. Não obstante a ONGs de outros segmentos que
se acomodaram a esse papel, o Grupo de Mulheres Negras da Paraíba investe na
capacitação da população negra feminina, mas sem ser restritiva. Nada impede
que a ONG trabalhe com homens e pessoas declaradas brancas, pardas,
amarelas ou qualquer cor que seja.
10
A entidade se insere nas comunidades-alvo levando a assistência que é
necessária, como certa vez ofereceu, num dos eventos promovidos, sessão de
testes de diabetes para a população. Porém, sua intenção é estimular a ação
dentro das próprias comunidade, chamando-a à participação, à conquista da
cidadania, fomentando os conhecimentos e a multiplicação dos mesmos. O
destaque desse ponto é interessante, pois como afirma Cicília Peruzzo10 em seu
artigo “a cidadania é sempre uma conquista do povo. A ampliação dos direitos de
cidadania depende da “capacidade política” dos cidadãos, da qualidade
participativa desenvolvida”.
O trabalho educativo se dá, principalmente, por meio dos projetos alçados
pela Bamidelê nas comunidades Marcos Moura, Cruz da Armas, Conjunto dos
Motoristas – Alto do Mateus, Eucaliptos – Bancários, e Caiana dos Crioulos,
comunidade quilombola da cidade de Alagoa Grande. Na perspectiva da
comunicação comunitária, a ONG realiza oficinas nessas localidades, com o
objetivo de formar jovens lideranças para exercerem o papel de multiplicadoras de
conhecimento in locus. Dessa maneira, os projetos implementados pelo Bamidelê
têm amplo alcance às populações, sobretudo negras, das comunidades-alvo.
Além desse trabalho direto com as comunidades, a preocupação com a
saúde se estende aos projetos de pesquisa e acompanhamento da assistência
médico-hospitalar no sistema público de saúde, observando o tratamento dado às
gestantes negras e à mulher negra em casos clínicos, inclusive relacionados a
doenças raras ou de maior incidência em pessoas negras, tais como hipertensão
arterial, diabetes melitos (mellitus), doença falciforme, glaucoma, miomas uterinos,
etc.
Entretanto, a linha de atuação do Grupo de Mulheres Negras da Paraíba
não se restringe ao campo da saúde. A educação é outro eixo importante, em
cujas discussões a Bamidelê tem se inserido, propondo cotas raciais, o ensino da
história e cultura africana e afro-brasileira etc.
Duas atividades anuais importantes para o Bamidelê são o Dia da Mulher
Negra Latino-Americana e Caribenha (25 de julho) e o Dia da Consciência Negra
10
Artigo Comunicação comunitária e educação para a cidadania, 2002.
11
(20 de novembro), que reúne toda a comunidade negra para celebrar a beleza da
negritude, as vitórias dos movimentos e manter acesas as reivindicações.
Considerações finais
Referências bibliográficas
12
FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São
Paulo: Ática, 1978)
FRANKLIN, John Hope & MOSS, Jr., Alfred. Da escravidão à liberdade, a história
do negro americano. Tradução do original: From Slavary to Freedom, a History of
Negro Americans. Rio de Janeiro: Nórdica, 1989.
MOURA, Clóvis. História do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1992.
13
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Questão racial no Brasil. In: Negras Imagens (1996. p.
153-177).
Sites consultados:
14
ANEXOS
15
Taxas de desemprego total das populações negra e não-negra, segundo sexo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2001/2002
(em %)
Negra Não-negra
Mulheres Homens Mulheres Homens
Belo Horizonte 22,2 17,9 18,6 12,9
Distrito Federal 25,6 20,1 20,4 13,7
Porto Alegre 24,5 20,5 17,1 11,8
Recife 25,7 18,8 22,1 15,4
Salvador 31,3 26,2 22,2 16
São Paulo 26,2 19,9 18,8 13,3
Fonte dos dados: DIEESE/SEAD e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração:
DIEESE
Obs.: Cor negra = pretos + pardos. Cor não negra = brancos + amarelos
35
30
Negra Mulheres
25
Negra Homens
20
Não-negra Mulheres
15
10 Não-negra Homens
5
0
re
al
te
o
or
Sa e
ul
if
Po d er
eg
on
ad
ec
Pa
iz
Al
lv
Fe
R
or
o
rt o
Sã
H
to
tri
lo
is
Be
16
Distribuição dos ocupados no setor "Emprego doméstico", segundo cor e sexo
Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2001/2002
(em %)
Negra Não-negra
Mulheres Homens Mulheres Homens
Belo Horizonte 25,7 1 13,1 -
Distrito Federal 25,5 1,1 13,5 0,7
Porto Alegre 33,6 - 13,7 0,5
Recife 23,4 1,4 12 0,8
Salvador 23,5 1,4 6,7 -
São Paulo 30 0,9 13 0,6
Fonte dos dados: DIEESE/SEAD e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: DIEESE
Obs.: Cor negra = pretos + pardos. Cor não negra = brancos + amarelos
40
35 Negra Mulheres
30
25 Negra Homens
20 Não-negra Mulheres
15
10 Não-negra Homens
5
0
re
al
te
o
or
Sa e
ul
if
Po der
eg
on
ad
ec
Pa
iz
Al
lv
Fe
R
or
o
rt o
Sã
H
to
tri
lo
is
Be
17