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Notícias e sociedade democrática Dezembro 2007

Notícias e sociedade democrática: passado, presente e futuro

Michael Schudson

Professor

Pós-graduação em Jornalismo, Universidade de Colúmbia e

Departamento de Comunicação, Universidade da Califórnia, San Diego

Democracia e jornalismo não são a mesma coisa. A maioria das principais obras
filosóficas dispõe que um estudo para democracia ou uma teoria da democracia não faz
referência ao jornalismo. Isto, claro, não é uma surpresa – não havia jornalismo na Grécia
Antiga. Mesmo quando pensadores das Revoluções Francesa e Americana estavam
produzindo argumentos em prol de um governo republicano em panfletos e nas páginas de
jornais semanais, a imprensa desempenhou um papel pequeno em suas reflexões.

Mais tarde, e com a garantia de crescimento através dos anos, os próprios jornalistas
insistiam que seu trabalho era essencial para o bem público. Sua autopromoção, juntamente
com o que veio a ser a self-evident da liberdade de expressão em qualquer sociedade que
clama para ser uma democracia liberal, fez a importância do jornalismo para a democracia
parecer óbvia. Um proeminente estudioso do jornalismo americano, James Carey, concluiu
que o jornalismo e a democracia são a mesma coisa, que o “jornalismo como uma prática é

1
impensável, exceto no contexto da democracia; na verdade, o jornalismo é utilmente
entendido como o outro nome para a democracia” 1.

Isso leva o fundamento para a virtude democrática do jornalismo para um passo


demasiado longe. Parece claro que esse jornalismo é crucial para a democracia moderna;
parece igualmente claro que todos os meios não são suficientes para a democracia moderna;
parece igualmente evidente que o jornalismo não produz ou fornece a democracia. O
professor Carey oferece uma normativa, pode-se mesmo dizer, uma noção romântica do
jornalismo definido como uma meta tão intrinsecamente democrática em sua essência que ele
não existe se a democracia não existe. A realidade é mais complicada e menos feliz. Se
aceitarmos a compreensão comum do jornalismo como a prática de produzir periodicamente e
divulgar publicamente informações e opiniões contemporâneas de importância e interesse do
público em geral, então o jornalismo existiu no Chile na década de 1980 quando a democracia
não existia, e existiu na Espanha de Franco sem democracia, e existe na China de hoje, até
mesmo, às vezes, com a ousadia de criticar o governo – mas sem trazer à China, de forma
significativa, mais para perto das instituições políticas democráticas. O jornalismo existe e
existe há muito tempo fora da democracia.

A democracia não produz necessariamente jornalismo, nem o jornalismo produz


necessariamente a democracia. O jornalismo britânico surgiu em uma monarquia. O
jornalismo americano, que precedeu a democracia americana, foi um jornalismo de territórios
coloniais sob um poder monárquico. Onde há democracia, contudo, ou onde há forças para
realizá-lo, o jornalismo pode fornecer um número diferente de serviços para ajudar a
estabelecer ou sustentar um governo representativo. A importância relativa destes diferentes
serviços muda ao longo do tempo e varia através das democracias. Com a chegada da era
digital e as mudanças no jornalismo ocorrendo em toda parte, as funções democráticas do
jornalismo, ou os meios que o servem, mudarão novamente.

Mas, quais são estas funções? Há pouca clareza a respeito disto, apesar de tudo que se
fala sobre os grandes presentes do jornalismo para a sociedade democrática. Fazer um
inventário do que o jornalismo oferece para a democracia ou o que, em diferentes tempos e
lugares, tem proporcionado é algo que já estava na hora de se fazer. Eu vejo seis funções
primárias as quais a notícia tem servido ou pode servir em uma democracia – e uma sétima,

1
James Carey, “Afterword: The Culture in Question” in Eve Stryker and Catherine A. Warren, eds., James
Carey: A Critical Reader (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997) p. 332.
2
geralmente ignorada, que a notícia poderia e deveria servir. As seis funções que o jornalismo
frequentemente assume em uma sociedade democrática, em diferentes combinações e com
diferentes ênfases são:

I. Informação: a mídia pode fornecer informação correta e completa para


que os cidadãos possam fazer escolhas políticas sólidas.
II. Investigação: a mídia pode investigar fontes concentradas de poder,
particularmente o poder governamental.
III. Análise: a mídia pode fornecer estruturas coerentes de interpretação
para ajudar os cidadãos a compreenderem um mundo complexo.
IV. Empatia social: o jornalismo pode informar as pessoas sobre as outras
em sua sociedade e em seu mundo de modo que elas possam chegar a apreciar a
vida e os pontos de vista de outras pessoas, especialmente daquelas menos
favorecidas do que elas mesmas.
V. Fórum Público: o jornalismo pode proporcionar um fórum para o
diálogo entre cidadãos e servir como portador em comum das perspectivas de
variados grupos na sociedade.
VI. Mobilização: a mídia pode servir como defesa para determinados
programas e perspectivas políticas e mobilizar pessoas a agirem em apoio destes
programas.

Estas diferentes funções são, às vezes, contraditórias. Em particular, a função de


mobilização e defesa pode comprometer a confiabilidade das funções de informação e de
investigação. Diferentes organizações de notícia podem enfatizar uma ou mais funções que
outras. Um único órgão de notícia, particularmente um jornal, pode servir à democracia de
todas essas formas de uma vez.

I. Informar o público

Esta parece a mais óbvia e mais tediosa afirmação sobre o papel do jornalismo em uma
democracia. A função do jornalismo aqui é educacional, informar o público – a autoridade
democrática final – sobre o que seus representantes políticos estão fazendo, que perigos e
oportunidades para a sociedade surgem no horizonte e até o que os caros cidadãos aprontam
para melhor e para pior. A função educacional do jornalismo coloca o público no banco da
frente e permite que os cidadãos gozem de autonomia governamental.
3
Muito do poder da mídia vem do simples fato de que as notícias nos dizem coisas as
quais não saberíamos de outra forma. Por mais óbvio que isso possa ser, nem sempre deixou
de dar o devido valor a essa fato. A democracia provavelmente tem feito mais para tornar a
informação uma parte do jornalismo que o jornalismo tem feito para tornar a informação uma
parte da democracia. No século XVIII, mesmo legislaturas e assembleias representativas
operaram em grande parte em segredo das pessoas que os elegeram. Repórteres, na metade do
século XVIII, na Grã-Bretanha, podiam conversar com membros do Parlamento quando eles
deixavam a Câmara dos Comuns, mas não podiam assistir os debates dos membros do
parlamento. Nos relatórios parlamentares de Samuel Johnson, por exemplo, a maioria dos
palestrantes tinha estilos muito semelhantes e discutia longamente sobre o tema favorito de
Johnson. Em uma palavra, ele inventou – não teve outra escolha – a notícia2. O Senado
Americano se reuniu inteiramente em segredo durante seus primeiros anos, como fez antes a
Convenção Constitucional dos Estados Unidos.
A liberdade de imprensa naquele tempo significava – e isto não foi pouca coisa –
liberdade para um escritor expressar sua opinião como ele desejava, mesmo em críticas ao
governo. Mas isso não significava uma liberdade de informar. Isso não garantia o acesso aos
escritórios e aos funcionários do governo. Tão tarde quanto 1842, John Quincy Adams, ex-
presidente, escreveu em seu diário, com desgosto, que os filhos do presidente Tyler
“divulgava todos os seus segredos de gabinete... para repórteres contratados do jornal Herald
de Bennett em Nova York... .”3 A necessidade do adjetivo “contratado” para modificar
“repórteres” sugere como era novo e de má reputação o emprego de repórter naquele tempo.
Mesmo várias gerações depois, quando o emprego de repórter havia se estabelecido,
havia resistência a algumas das ferramentas do ofício jornalístico. A mais notável delas foi a
entrevista, uma prática que se tornou amplamente aceita nos Estados Unidos na década de
1880, mas que foi julgada imprópria em grande parte da Europa até depois da 1ª Guerra
Mundial. Um observador francês na década de 1880 criticou “o espírito de investigação e
espionagem” dos repórteres americanos. Ele criticou “a mania de entrevistar” e previu que os
Britânicos, mais sensíveis que os americanos ou os franceses, nunca aceitariam isso. Mais
admirado, um jornalista dinamarquês, ao mesmo tempo, observou da imprensa americana: “A
reportagem e a entrevista são o foco desses jornais... este é o jornalismo ideal. Estes jornais
são produzidos por jornalistas, não estetas e políticos, e eles são escritos para as classes mais
baixas para ajudá-los, informá-los e combater a corrupção por elas”. Isto superestima o poder
2
Robert DeMaria, Jr., The Life of Samuel Jonhson (Oxford: Blackwell, 1994) 51-56.
3
Michael Schudson, Discovering the News (New York: Basic Books, 1978) p.24.
4
e o propósito da entrevista; a entrevista se torna, depois disso, uma ferramenta para a
autopromoção de políticos e celebridades – e jornalistas – mais do que um ponto de entrada
para as massas para a vida política. Ainda assim, a entrevista, como as reportagens em geral,
parecia um ajuste prático para uma sociedade democrática. A função informacional do
jornalismo está de acordo com o estilo da sociedade cultural e democrática. Os jornalistas
americanos do final do século XIX foram simplesmente mais impetuosos e mais diretos em
suas maneiras que os europeus. Eles não faziam parte de um círculo literário. Eles se
apresentavam como homens da rua e homens da cidade, não como homens dos salões ou da
elite.

II. Investigação

Na segunda função do jornalismo na democracia, os governantes, não os governados,


conduzem e o jornalismo é um “cão de guarda” (watchdog). As notícias se transformam em
um teatro no qual os conflitos dentro do governo são expostos publicamente –
indiferentemente se a audiência pública é ampla ou pequena. O jornalismo pode executar seu
papel institucional como um “cão de guarda” ainda que ninguém nas cidades esteja seguindo
as notícias. Tudo o que importa é que as pessoas no governo acreditem que elas estão
acompanhando as notícias. O que é necessário para inspirar esta crença é, simplesmente, que
um círculo de cidadãos atentos esteja vigilante. Isto é suficiente para produzir nos líderes um
medo do constrangimento público, um medo de descrédito público, controvérsia pública,
processo legal ou de perder uma eleição. O trabalho da mídia, a este respeito, é fazer com que
os poderosos temam.
Claramente, há duas versões diferentes desta dinâmica. Uma enfatiza que a notícia
inspira medo de publicidade entre líderes poderosos e a outra focaliza como a notícia inspira
pensamento, reflexão, debate e envolvimento entre as elites altamente atentas. Talvez, neste
último sentido, estas sejam as funções democráticas que mais se aproximam do ideal
habermasiano de “esfera pública”. Victor Navasky, editor de longa data do semanário liberal,
The Nation, observou que Frank Walsh, um senador americano da década de 1920, escreveu
artigos sobre as ferrovias para a cadeia de jornais Hearst, atingindo cerca de dez milhões de
pessoas, mas os artigos não tiveram resposta pública. Walsh publicou o mesmo material no
The Nation, circulação de 27.000, e relatou: “O dia em que o The Nation foi às bancas em
Washington, meu telefone começou a tocar. Eu ouvi dos editores, radiodifusores e

5
congressistas”. Navasky conclui: “além da qualidade dos leitores é a intensidade com que
estas publicações são lidas” 4. Ele poderia ter acrescentado – “e os locais em que são lidos e a
posição social dos leitores”.
A função “cão de guarda” da impressa tem uma orientação negativa; ela é projetada
para frustrar a tirania em vez de transmitir um novo movimento ou uma nova política e isso
impede que coisas ruins aconteçam em vez de fazer avançar a causa do bem. Neste ponto de
vista, nada sobre o jornalismo importa mais do que sua obrigação em manter os funcionários
do governo dentro das normas legais e morais do serviço público. Os funcionários públicos
deveriam tentar fazer o que eles dizem que vão tentar fazer. Eles deveriam se abster de utilizar
o escritório para ganhos particulares. Eles deveriam viver de acordo com o seu juramento de
posse. Eles deveriam cumprir suas promessas de campanha. E se a democracia é trabalho, o
público deveria ser bem informado sobre o que estas pessoas fazem enquanto eleitas e quão
bem elas agem de acordo com suas obrigações legais, promessas de campanha e afirmações
públicas. A mídia, portanto, deveria investigar.
Investigar para manter os funcionários do governo honestos não é inconsistente com
informar para manter o público em geral bem informado, mas não é a mesma coisa. O ideal de
objetividade ou justiça parece presumir que o mundo é relativamente simples e relativamente
aberto e apresenta-se ao jornalista, cujo trabalho é descrever este mundo visível, sem medo ou
favor. O ideal de proteger a democracia através da investigação é diferente. Supõe que o
mundo é relativamente complexo e relativamente velado, e que algumas das informações mais
importantes para os cidadãos são embutidas em sistemas e estruturas opacas e pode ser de fato
deliberadamente escondido da visão. O mundo não é um livro aberto. É um texto de muitos
textos, escrito por muitos propósitos, e alguns dos textos são intencionalmente escritos sobre
outros textos para obscurecê-los. Os jornalistas, portanto, têm a obrigação de procurar o texto
por trás do texto, a história atrás da história. Os jornalistas deveriam ser julgados não apenas
pela equidade das suas reportagens, mas pela energia da sua detecção. Neste modelo de
jornalismo, o mundo é menos um lugar complicado que precisa de análise e descrição
imparcial, mais uma parede de pretensão enganosa e enganadora que deve ser superada por
um narrador profissional da verdade. Se a virtude do jornalista informativo é o julgamento, a
virtude do jornalista investigativo é a suspeita.
A desconfiança pareceria uma virtude fácil de cultivar. Não é. Se tivesse sido deixado
para os principais repórteres no Washington Post para prosseguir a história de Watergate, a

4
Victor Navasky, A Matter of Opinion (New York: Farrar Straus Giroux, 2005) p.336.
6
história teria sido abandonada. Todos os repórteres-estrela acreditaram que Richard Nixon era
muito esperto para ser apanhado em truques sujos, roubos e furtos. E todos eles estavam
errados. Também não é fácil desconfiar dos próprios amigos. O Prêmio Pulitzer de 2006 para
reportagem nacional foi para o San Diego Union Tribune, dentre os mais conservadores
jornais do país, um periódico que endossou rotineiramente o republicano Randy “Duke”
Cunningham para a reeleição. Mas foi este jornal que acompanhou a venda duvidosa de
Cunningham da sua casa para um contratante de defesa que misteriosamente a vendeu por
700.000 dólares a menos. Por quê? Os repórteres queriam saber. O que eles descobriram foi o
pior escândalo de suborno da história do Congresso Americano. O senhor Cunningham está
agora cumprindo um mandato de oito anos de prisão, e a conservadora Union Tribune está
radiante com o seu sucesso em enviar um aliado conservador para a prisão.

III. Análise

A análise pode ser um esforço para explicar uma cena complicada em uma narrativa
compreensível. Atualmente, nós, às vezes, denominamos isso de “jornalismo explicativo” e
tem categoria própria no Prêmio Pulitzer. A virtude necessária para o jornalismo analítico é a
inteligência e um tipo de sabedoria pedagógica, ligando a capacidade de entender uma
situação complexa com uma habilidade para transmitir esse entendimento para o público em
geral. Pode-se tentar ilustrar um complicado fenômeno social através da vida de um único
indivíduo. A manchete no New York Times de 26 de março de 2007 veio de Conrad,
Montana, e descreveu Mary Rose Derks, uma viúva de 81 anos de idade com um plano de
saúde a longo prazo, que lhe negou cobertura apesar de sua demência. Até o sexto parágrafo
torna-se claro que a história não é sobre Mary Derks, mas sobre a escandalosa indústria de
seguro de saúde a longo prazo. E o que o New York Times contribuiu para isto? Bastante. O
Times avaliou 400 casos de idosos segurados que “enfrentam atrasos desnecessários e
burocracias esmagadoras” 5. A análise, como a investigação, requer algo que o fornecimento
de informações não requer tão plenamente: dinheiro. Leva uma grande quantidade de tempo e
esforço para fazer análise desse tipo.
Considere uma reportagem do New York Times sobre as consequências da “onda” de
tropas dos EUA para a segurança em Bagdá, em 2007. Dois dias antes do general comandante
David Petraus depor no Congresso Americano, o Times publicou uma reportagem detalhada

5
Charles DuHigg, “Aged, Frail and Denied Care by Their Insurers,” New York Times, March 26, 2007, A1.
7
sobre o efeito que o aumento teve, ou não, em três bairros demograficamente distintos de
Bagdá. Dois repórteres gastaram mais da metade dos seus dias de trabalho, por dois meses, e
eles contaram com os esforços de 29 outros repórteres, fotógrafos e editores. Sua editora
gastou duas semanas trabalhando na história. “Para manter apenas um escritório no Iraque
atualmente, entre seguro de vida, muralhas de proteção, guardas e transporte, armas e
geradores, custa mais de $3 milhões por ano ao Times – além dos salários da equipe”6. Poucas
organizações de notícias estão dispostas a investir tão fortemente na divulgação de modo tão
ambicioso. O investimento necessário para a investigação e a análise é digno de nossa
consideração porque, como os jornais estão em concorrência com a mídia livre disponível na
internet, e não competindo com muito sucesso, os motores primários de investigação pública
estão cada vez mais em risco. O jornalismo online, particularmente, que não é patrocinado
pela grande mídia impressa e televisiva, tem mostrado até agora pouca capacidade, ou
interesse, para fazer grandes investimentos em investigação e análise como faz a mídia
convencional, especialmente jornais, de valor inestimável para a democracia.

Quem são os destinatários em jornalismo explicativo? Tanto o público atento quanto um


possível público atento. O que pode não ser óbvio é quão valioso este jornalismo é para o
público atento, aqueles que já são bem informados. Um indivíduo bem informado sobre
política externa pode, contudo, ser ingênuo sobre a política nacional; alguém familiarizado
com a prestação de serviços sociais para crianças pode saber pouco, ou nada, sobre serviços
sociais para idosos. O jornalismo explicativo articula um silêncio, ou coloca em primeiro
plano o que estava no fundo tornando-o assim disponível para observação e discussão
coletiva.

IV. Empatia Social

O que estou chamando de empatia social tem um lugar pequeno na familiar retórica
sobre o jornalismo. Ela merece mais atenção. Meu pensamento a respeito disso remonta a
uma conferência que eu participei em 1980, na qual Roger Wilkins, então editor do
Washington Post, contou uma história sobre sentar-se no balcão de uma lanchonete ao lado de
uma senhora negra em Washington, e puxar conversa com ela. Não me lembro precisamente
da história, mas era algo assim: Wilkins, o próprio afro-americano, perguntou à senhora em
6
Mike hoyt, “Editorial: Iraq and the Cost of Coverage,” Columbia Journalism Review (November/December
2007) p.4.
8
qual candidato ela escolheria na próxima eleição presidencial. “Presidente Carter, ele é um
bom homem. Eu não sei sobre este Ronald Reagan”. “Então você vai votar?”. “Oh, não, eu
não voto”. “Por quê?”. Muito ocupada e muito cansada, é problema demais.”
Por que Wilkins trouxe esta história para esta conferência de acadêmicos e jornalistas
que discutem o papel da imprensa na democracia? Porque, segundo ele, não achava que o
jornalismo poderia fazer nada para mudar a visão nem as ações da mulher da lanchonete. Mas,
ele achava que o jornalismo poderia contar a história dela. O jornalismo poderia informar
aqueles que votam e aqueles que têm o poder de tomar decisões e a influência para
transformar a sociedade em uma direção ou outra sobre aquela mulher e outros como ela para
que pudéssemos vê-la e compreendê-la com compaixão.
Eu acho que o jornalismo faz mais disso, e faz melhor do que nunca. A cobertura do
furacão Katrina foi rica, apaixonada e compassiva em muitos canais de notícias. O New York
Times também foi persistente. O Times nomeou um “editor Katrina” e deu seguimento ao
desastre, história após história, quase todas as semanas, ao longo do ano, com cobertura
contínua muito depois disso, seguindo a história não só em Nova Orleans e ao longo da Costa
do Golfo, mas também em Houston e Atlanta e em outras comunidades onde as vítimas do
furacão foram realocadas. Histórias de interesse humano têm sido uma parte do jornalismo
por um longo tempo, mas elas são usadas mais de forma instrumental nos dias de hoje para
atrair leitores e expectadores para uma narrativa maior, aquela que nos fala não apenas a
respeito de uma pessoa interessante ou incomum, mas nos mostra como a experiência dessa
pessoa liga-se a questões maiores. O sociólogo C. Wright Mills definiu o que chamamos de “a
imaginação sociológica” como o salto da mente que mostra as ligações entre “problemas
particulares” de uma pessoa e as “questões públicas” que lhes deu origem7. A imaginação
jornalística é similar. As melhores organizações de notícias dos nossos dias fazem um grande
esforço para demonstrar a ligação entre os problemas privados e as questões públicas.

A empatia social é um acontecimento surpreendentemente recente no jornalismo. Nos


Estados Unidos, denúncias de “como a outra metade vive”, começa, pelo menos, a partir do
trabalho de Jacob Riis (quem nos deu a frase) e Nellie Bly no final do século XIX. Seu
trabalho atraiu a atenção para determinadas categorias de pessoas (os pobres ou os insanos),
enquanto a empatia jornalística de hoje sai, não apenas, para grupos grandes, publicamente
relevantes, demográfica ou burocraticamente definidos, mas para indivíduos, grupos e

7
C. Wright Mills, The Sociological Imagination (New York: Oxford University Press, 1959)
9
grupelhos, uma fatia bem fina de grupos que podem não ter rosto ou identidade pública. Em
algum momento na década de 1970, ou um pouco mais tarde, “o pessoal é político” tornou-se
um dos mais familiares clichês do jornalismo. Problemas pessoais como entrada para uma
questão pública pareceu quase inevitável na década de 1980. A ideia de utilizar o interesse
público para abrir questões públicas maiores pareceria ser tão antiga quanto as montanhas,
mas na mídia americana, pelo menos, não é. A ideia de apresentar o significado geral de uma
dada questão pública através da introdução de um caso individual, uma pessoa cujos
problemas são de fato relacionados como um exemplo de problema público é recente. Até a
década de 1970 muitas áreas da vida que dão origem a histórias de empatia foram julgadas
por jornalistas convencionais de indignas, não as coisas sérias da política e dos negócios, mas
temas “SMERSH” – ciência, medicina, educação, religião e toda essa merda”8.
A prática de ligar vinhetas individuais a grandes questões de política pública tornou-se
uma questão de controvérsia pública no início dos anos Reagan. Em 1982, a CBS apresentou
um documentário narrado por Bill-Moyers, que tentou examinar o impacto da redução do
orçamento de Reagan na vida dos cidadãos comuns. O programa focou em quatro indivíduos
que foram prejudicados pelos cortes nos gastos do governo de Reagan. David Gergen, o então
diretor de comunicações de Reagan, atacou o documentário por colocar a culpa da pobreza
sobre o presidente. Mas, o próprio presidente, amplamente conhecido por usar anedotas
(fabricadas) para fazer ponto, já estava treinado neste tipo de jornalismo via anedota. Ele
disse: “Você não pode ligar o noticiário da noite sem ver que eles vão entrevistar alguém que
perdeu o seu emprego. É notícia que alguns colegas em algum lugar ao sul de Succotash
acaba de ser despedido e que ele deveria ser entrevistado em todo o país?” Tudo isto reside na
memória coletiva da ciência social porque Shanto Iyengar e Donald Kinder testaram a tão
chamada “hipótese de vivacidade” no laboratório. Esta hipótese, simplesmente, é: quanto
mais vívido, dramático ou emocionalmente convincente o texto ou a imagem a qual as
pessoas estão expostas mais vai influenciá-los, afetando suas opiniões ou resistindo mais
tempo em suas memórias. Mas, surpreendentemente, Iyengar e Kinder descobriram que “as
notícias que dirigem a atenção dos espectadores para as vítimas de carne e osso dos problemas
nacionais, não são mais convincentes do que as notícias que cobrem problemas nacionais de
forma impessoal, na verdade, eles tendem as ser menos convincentes.
Iyengar e Kinder acharam misteriosos seus resultados. Eles especulam. Talvez os
espectadores culpem as vítimas e as vejam como a causa do seu próprio infortúnio. Talvez os

8
Katherine Graham, Personal History (New York: Vintage Books, 1997) p. 411.
10
espectadores fiquem tão presos ao melodrama da instância específica que eles não conseguem
fazer o salto sociológico que, para os telespectadores mais sofisticados, é obviamente o
motivo dos jornalistas.
Ou talvez a tese subordinada, implícita ou explícita, do jornalista – de que estas pessoas
são apenas como você, ou mais espiritualmente, não fosse pela graça de Deus, é você – é algo
que os espectadores simplesmente não aceitam: eu não sou preto; eu não sou velho; minha
família não me abandonou; eu nunca contei com o apoio do governo; eu não vivo em Nova
Jersey. Então, o que você está me mostrando não traduz a minha vida cotidiana 9.
Histórias de empatia social, então, nem sempre incitam o salto imaginativo que os
jornalistas pretendem nos leitores e espectadores. Ainda assim, o desenvolvimento deste tipo
de jornalismo parece ser uma das grandes realizações da imprensa contemporânea e que está
estritamente ligada aos valores democráticos. Expressa as virtudes da curiosidade e da
empatia no jornalista e incentiva a empatia e a compreensão na audiência. Joseph Raz, um
filósofo político, escreve o que é importante para a mídia retratar vários estilos de vida da
sociedade, e assim, dá-los “o selo da aceitabilidade pública” 10. Verdade, cobrindo medicina,
educação e religião leva também a cobrir dietas, restaurantes, carros e celebridades, e assim
por diante, e pode ser uma distração da vida pública em vez de uma expansão da sua
amplitude, mas todos esses tópicos são potenciais entradas para a vida pública. Aprender
sobre os nossos vizinhos através da mídia, como Raz sugere, serve a uma função democrática
vital.

V. Fórum Público

Desde os primórdios do jornalismo até o presente, os jornais criaram um espaço para as


Cartas ao Editor. Nos Estados Unidos, há quase quarenta anos, os principais jornais também
têm fornecido uma página “op-ed” – assim chamado por ser a página oposta ao editorial, no
qual escritores, colunistas licenciados e colunistas convidados, especialistas, assim como
cidadãos comuns, fornecem uma variedade de pontos de vista sobre temas atuais. Mais jornais
norte-americanos sentem a responsabilidade de fornecer uma gama de pontos de vista em suas
páginas porque algumas grandes cidades têm mais do que um jornal diário nos dias de hoje. A
televisão não fornece quase nenhuma ajuda em estender a função de fórum público das

9
See Shanto iyengar and Donald Kinder, News That Matters (Chicago: University of Chicago Press, 1987) p.34-
46.
10
Joseph Raz
11
notícias. Noticiários de televisão ainda tendem a transmitir uma impressão ingênua que há
apenas uma forma de ver o mundo – Walter Cronkite usava para finalizar a transmissão de
suas notícias na CBS News, “and that's the way it is” (é como ela é). Isso ainda é, em grande
parte, a forma como ela está nos noticiários de televisão, embora haja mais espaço do que
costumava haver para um certo grau de espontaneidade e subjetividade nas reportagens ao
vivo de jornalistas no campo. Se olharmos de forma mais ampla, na TV a cabo, vários
programas de opinião têm avançado nesta função do jornalismo: do fórum público. Opinião,
perspectiva, sofrimento e raiva, ainda que muitas vezes mais teatral que sincero, têm animado
a tela da televisão. A mais popular e mais penetrante das vozes, no entanto, são claramente da
direita política – o fórum público na TV a cabo e na conversa do rádio é mais animado do que
costumava ser, mas também é severamente direitista.
A função de fórum público do jornalismo quebrou com a criação da World Wide Web;
a internet abre esta função jornalística de forma mais ampla e profunda. Sua virtude não é
individual, mas social, a virtude da interação, da conversação, de uma convivência
democrática fácil e agradável.

VI. Mobilização

Historicamente, nenhuma forma de jornalismo tem sido mais importante do que o


jornalismo partidário. Mesmo no jornalismo americano, amplamente reconhecido por seu
poderoso compromisso às noções de apartidarismo e objetividade, o jornalismo partidário
dominou o passado. O jornalismo partidário visa apenas reunir aqueles que compartilham a
posição ideológica e política do jornalista. Este foi o conceito dominante do jornalismo nos
Estados Unidos no século XIX. Por que a imprensa partidária foi tão difundida? Não porque a
imprensa falhou na tentativa de ser justa e objetiva; a imprensa do século XIX nunca tentou
ser justa ou equilibrada. Os jornais foram subsidiados por partidos políticos, direta e
indiretamente. Os editores e repórteres compreenderam que o seu trabalho era de torcedor e
mobilizador político, não de repórter político. Como um historiador coloca, os jornais do
século XIX eram muito mais interessados em “atingir os pés dos cidadãos do que suas
mentes”, ansioso para levá-los pelas ruas marchando, desfilando, votando, ao invés de
persuadi-los pelos argumentos, fatos ou raciocínio, para compartilhar uma opinião e, muito

12
menos, para pensar por si mesmos11. Os principais editores aguardaram com expectativa se
seu partido venceu a Casa Branca. Abraham Lincoln nomeou editores de jornais como
embaixadores ou cônsules na Suíca, Holanda, Rússia, Londres, Paris, Elsinore, Viena,
Brêmen, Vaticano, Zurique, Turim, Veneza, Hong Kong, Equador. Ele nomeou editores que
tinham apoiado sua campanha para os correios e para alfândega em New Haven, Albany,
Harrisburg, Chicago, Cleveland, St. Louis e em outro lugar 12.
Havia informação nos jornais do século XIX? Sim, havia, mas era obstinadamente
partidária. A imprensa não endossou naquela época qualquer uma das primeiras funções
democráticas do jornalismo, já discutido, de uma forma familiar para os americanos hoje. A
intenção dos jornais não era a de criar um cidadão informado, mas um cidadão leal para o
partido. A intenção não era revelar escândalos de governo, mas revelar escândalos de
governo, se e somente se, o partido da oposição tivesse o controle do governo.
Há muito a ser dito para este modelo de jornalismo como “torcedor” partidário,
jornalismo como propaganda, jornalismo como exortação e de incitamento à participação. Se
diferentes visões partidárias estão bem representadas entre as instituições jornalísticas, então
um modelo de jornalista-defensor pode servir ao interesse público muito bem. O jornalismo
partidário pede o coração bem como a mente do público. Ele dá aos leitores e telespectadores
não só informação, mas uma causa. Em contraste, o objetivo, proporcionando informações e
funções de investigação não-partidária das principais organizações de notícias de hoje pode
ter efeitos de mobilização. Eles fornecem informação às pessoas, mas não as aconselham o
que fazer com ela. Na verdade, eles parecem sugerir que nada pode ser feito, que políticos
estão apenas interessados em suas próprias carreiras políticas. O tom de cinismo nas
reportagens pode ser um fator no sentido de incentivar um tom de cinismo no público geral 13.
Se a imprensa partidária era tão difundida no século XIX, nos Estados Unidos, de onde
vem a moderna ideia norte-americana de notícias como um recurso profissional e equilibrado
de um cidadão informado? Esta é a uma longa história 14. Mas, em resumo, começa com os
reformadores no fim do século XIX, que atacaram a política partidária. Estes reformadores
procuraram fazer eleições “educativas”. Eles patrocinaram a reforma do serviço público ao
invés de preencher cargos no governo com funcionários leais do partido. Em uma variedade

11
David Ryfe, “News, Culture and Public Life: A StudyOf 19th – Century American Journalism,” Journalism
Studies 7 (2006) 60-77.
12
Michael Schudson, The Good Citizen (New York: Free Press, 1998), p.22.
13
See Michael Schudson, “The Concept of Politics in Contemporary U.S. Journalism,” Political Communication
24 (2007) pp. 131-142.
14
Telling that long story is the aim of Michal Schudson, Discovering the News (New York: Basic Books,
Objectivity Norm in American Journalism,” Journalism 2 (August,2001) 149-170.
13
de formas, eles tentaram isolar o cidadão independente, racional, dos entusiasmos de distorção
de partido. Na década de 1880, as campanhas políticas começaram a mudar: de desfiles para
panfletos, e assim dar grande valor à alfabetização. Os jornais se libertaram. Os atrativos do
mercado capturaram mais e mais jornais – um perigo, sem dúvida, mas um perigo que libertou
a imprensa da subserviência aos partidos. Na década de 1890, a cédula australiana chegou a
dominar a nação, e assim, pela primeira vez na história americana, a alfabetização foi
obrigatória para poder votar. A novidade da cédula australiana foi que o Estado assumiu a
responsabilidade da impressão das cédulas já mencionadas, que listou os candidatos de todos
os partidos que se classificaram para a eleição. Isto significava que os eleitores receberam
suas cédulas dos funcionários eleitorais estaduais no local de votação, não de funcionários do
partido a caminho do local de votação; significava que o eleitor tinha que fazer uma escolha
de candidatos marcando a cédula; e normalmente isso significava que estava previsto ao
eleitor marcar a cédula em segredo.
Com esta inovação, a votação mudou de um dever social e público para um direito
privado, de uma obrigação social de um partido, assegurado por pressão social, a uma
obrigação cívica ou lealdade abstrata, assegurada apenas pela consciência privada.
No início da década de 1900, as eleições municipais não-partidárias, as primárias
presidenciais e a iniciativa e o referendo impôs aos eleitores tarefas cognitivas mais
complexas do que nunca. Estas mudanças consagraram “a cidadania informada” no
imaginário político dos Estados Unidos 15.
Entre 1880 e 1910, os pressupostos mais básicos da política americana foram
desafiados. Reformadores inventaram a linguagem pela qual os americanos ainda julgam a
nossa política. Salienta ser informado enquanto rejeita ou avilta partidos e partidarismos.
Colocando mais claramente o partido político, a mais importante agência de participação
política das massas já inventada, é a instituição que a cívica atual fala e que a educação cívica
atual frequentemente abomina e que se torna praticamente invisível pela maneira em que
conduzimos o ato de votar. Na medida em que a maneira que votamos nos informa sobre
como deveríamos votar e a maneira que deveríamos pensar em votar, a lição de cívica do dia
da eleição como os Estados Unidos têm organizado ao longo do último século recomenda
desprezo pelos partidos e pelo partidarismo. Quase toda a retórica eleitoral do século XIX não
era sobre escolha inteligente, mas sobre lealdade e fraternidade. Toda a retórica eleitoral dos
Estados Unidos no século XX e desde então insiste que as pessoas fazem suas escolhas dentre

15
Schudson, The Good Citizen, 144-187.
14
candidatos, partidos e questões. Escolha independente, fundamentada é a ideal. Grupos não-
partidários conscientizam para que a população vote. Grupos não-partidários tentam elevar o
estado da política através da análise das questões. Na Califórnia, o estado fornece a cada
eleitor registrado um extenso guia de informação impresso rotineiramente, mais de 100
páginas de impressão densa. (O guia de informação do eleitor foi um desenvolvimento do
mesmo período de reforma das décadas de 1910 – 1920). No Oregon, em 2004, o guia de
informação do eleitor era tão longo que tinha que ser impresso em dois volumes.

Isto não significa que as pessoas estão de fato bem informadas. Mas, significa que o
ritual coletivo de recebimento das notícias na imprensa e a obtenção de informações de outras
fontes ao longo do século passado foram muito diferentes do século anterior.

Conclusão

Há – pelo menos deveria haver – uma sétima função para os meios de comunicação em
uma democracia, embora eu não tenha visto isso até a leitura de um ensaio de Kent Asp:
“Fairness, Informativeness and Scrutiny: The Role of News Media in Democracy”, um
conjunto de reflexões com base em estudos sobre os meios de comunicação suecos. Embora
não haja muito neste ensaio que eu tenha encontrado de instrutivo, encontrei-me em afiado
desacordo quanto à formulação mais geral de Asp sobre a função da notícia em uma
democracia: “Em uma democracia os meios de comunicação devem trabalhar para a
realização da vontade do povo, facilitando a livre troca de ideias” 16. Imediatamente eu quis
acrescentar – pelo menos, “...dentro de um sistema livre, de eleições justas, e com a proteção
das liberdades civis e dos direitos humanos”. Eu queria, em outras palavras, um papel para o
jornalismo que fosse democrático, mas não populista, que considerasse e respeitasse o
constitucionalismo e o forte papel nas democracias representativas para a proteção dos
direitos das minorias. Eu quero não apenas a democracia, mas a democracia liberal. “Realizar
a vontade do povo” não fornece o melhor governo, mesmo admitindo que tivesse alguns
meios confiáveis (o que não temos) de determinar qual é essa vontade. Não há meios que eu
possa imaginar para averiguar e, então, realizar a vontade do povo, que possam oferecer um
sistema tão justo e equânime quanto um governo misto com proteção constitucional instalada.
Mesmo este arranjo confuso que estou defendendo pode falhar. Nenhum sistema é imune aos

16
Kent Asp, “Fairness, Informative and Scrutiny,” Nordicom Review, Jubilee Issue, 2007: 31-49 at p.32.
15
danos causados por dolo ou avareza ou mesmo um pecado tão moderado como a troca de
favores.

Mas, qual é o papel que o jornalismo tem na promoção da democracia liberal ao invés
de uma democracia majoritária como tal? Eu não sei se alguém já articulou uma ampla função
normativa para o jornalismo nestes termos e pode ser que a tarefa de viver de acordo com a
primeira das seis funções das notícias em uma democracia seja mais que suficiente, sem que
os jornalistas se dediquem a ensinar filosofia política, incentivando uma visão mais ampla e
mais rica da democracia liberal do que normalmente se ouve articulada na vida pública,
quando políticos se dedicam a favorecer sentimentos populistas. Ainda assim, na medida em
que os jornalistas ou acadêmicos que estudam jornalismo articulam virtudes democráticas,
enquanto omitem a discussão de virtudes liberais e constitucionais, o papel do jornalismo na
democracia é deixado em suspenso.
Eu não sugiro que os jornalistas se tornem evangelistas para um entendimento mais
sofisticado da democracia representativa – exceto, talvez, na página editorial. O que proponho
é que uma sofisticação maior sobre a democracia representativa deveria levar os jornalistas a
cobrirem mais cuidadosamente algumas instituições e relacionamentos que a imprensa tem
como certa ou ignora. Os Estados Unidos, nos últimos quarenta anos, têm visto um
crescimento significativo em instituições de transparência do governo – leis de registros
abertos em nível estadual e local, por exemplo, a Lei de Liberdade de Informação a nível
nacional. Também tem havido o crescimento em uma variedade de sistemas de prestação de
contas no governo e na política, da Comissão Eleitoral Federal que exige que os candidatos se
candidatem nacionalmente, que divulguem o montante e a fonte das contribuições de
campanha; do Escritório de Prestação de Contas do Governo que assuma a responsabilidade
pela responsabilidade fiscal das agências federais; dos inspetores gerais atribuídos a muitas
agências federais e responsáveis por reportar ao presidente e ao Congresso sobre as
investigações da propriedade e legalidade de uma ampla variedade de ações da agência. O
inspetor-geral do FBI, por exemplo, produziu um relatório muito crítico sobre as falhas de sua
agência ao rastrear os homens que, em 11 de setembro de 2011, cometeram atos sangrentos de
terrorismo em Nova York e Washington.
Todos esses funcionários do governo ajudaram a fornecer um conjunto de freios e
contrapesos informacionais dentro do governo; nenhum deles é amplamente conhecido do
público em geral ou, tão longe quanto posso julgar, até mesmo pelo público bem instruído e

16
atento, em seu conjunto. E ainda as formas pelas quais o governo democrático é
responsabilizado não operam somente através de “prestação de contas vertical” – uma
responsabilização direta ao público através de eleições, mas “prestação de contas horizontal”
em que um ramo do governo detém outro ramo responsável17. Isto não é apenas um detalhe.
São as formas pelas quais a democracia funciona – ou não funciona. A afluência às urnas é
uma questão de interesse para os jornalistas norte-americanos e uma questão de grande
preocupação para todos que se preocupam com a saúde da democracia norte-americana, mas o
vigor da responsabilidade horizontal deveria ser de interesse, uma vez que se reconhece que a
democracia liberal não é democracia plebiscitária, mas a democracia representativa com um
grande poder executivo que a imprensa por si só não está em condição de acompanhar de
perto.
Para onde vai o jornalismo daqui a dez, vinte ou cinquenta anos? Ninguém sabe. Nós
sabemos que será mais online do que é hoje. Será mais online próxima semana! Acho que
podemos estar mais confiantes de que algumas variedades de notícias de televisão e rádio vão
continuar. Há mais preocupações sobre os jornais, é justo dizer, mas neste momento não
existe nenhuma organização de coleta de notícia de qualquer âmbito e substância que não seja
parte das organizações de notícia impressa (The New York Times, The Washington Post, ou
outros) ou televisada (CNN ou BBC ou outras). Há toda sorte de blogueiros, de agregadores,
toda sorte de colunistas de opinião cuja presença existe apenas online, e muitos deles estão
fazendo contribuições impressionantes ao discurso público e a várias das funções
democráticas discutidas neste ensaio. Contudo, nenhum deles tem investido na coleta de
noticias da mesma forma que centenas de editores de jornais têm feito. Os esforços destes
jornais não podem ser dispensados, embora o modelo econômico que os sustenta tenha que
ser redesenhado.
Com a chegada da Web e o crescimento da blogosfera, o fórum público e as funções de
mobilização do jornalismo têm crescido em relação às funções de informação, investigação e
de empatia social. A Web também ajuda a criar uma incipiente sétima função de jornalismo
para a democracia, em que a separação entre o jornalista e o público desaparece. Algumas
falam disto como sendo “jornalismo cidadão”. Ele sempre existiu em certo grau. Cada vez
que um cidadão chama uma organização de notícias e diz: “Eu tenho uma dica quente para
você”, esta é uma forma de jornalismo cidadão. Cada carta ao editor é uma forma de
jornalismo cidadão. Mas agora os cidadãos podem simplesmente ir online e publicar a dica ou

17
Smulovitz and whatever
17
carta por conta própria.18 Há um novo jornalismo de auto-organização aí, já a fazer ondas, já
decretando algo novo e emocionante.
Não sou alarmista, nem utópico, em como eu olho a presente e radical mudança nos
meios de comunicação de massa. Não estamos prestes a ver o fim do jornalismo, mas os
jornais estão num caminho muito duro e alguns deles, até mesmo alguns muito distintos, não
sobreviverão. As funções informativa, de investigação e de empatia social que o jornalismo
tem oferecido à democracia algumas vezes pode ser redistribuído através de diferentes
organizações jornalísticas e não-jornalísticas. Eles podem não ser tão centralmente
concentradas em jornais e algumas redes de televisão quanto foram antes. A longo prazo, isso
não é algo a temer. É algo com que trabalhar. Devemos estar abertos às suas possibilidades e
reconhecer que o desregramento de um sistema informacional descentralizado e de múltiplas
vozes pode ser um dos maiores trunfos da democracia.

18
See Jan Schaffer, Citizen Media: Fad or the Future of News? (College Park, MD: J-Lab, 2007). This report is
available online at www.kenn.org/research/citizen_media_report.
18

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