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Cristian Derosa

EXTREMA IMPRENSA
POR QUE OS JORNAIS VIVEM DE
FAKE NEWS

EBOOK

ESTUDOSNACIONAIS.COM
P R E M I U M
SUMÁRIO

Parte 1. Verdade x opinião: breve


história do jornalismo

Parte 2. A virada marxista do


jornalismo
A P R E S E N TAÇ ÃO

A franca decadência do jornalismo como


atividade informativa e formativa se deve
a aspectos históricos e sociais que precisam
ser bem conhecidos pelos brasileiros. O des-
conhecimento destes fatores é o que faz com
que o público leitor acredite estar diante de
uma atividade informativa e isenta, quan-
do a verdade é bem outra. O jornalismo há
muito assumiu uma missão diferente da in-
formativa e a ausência dessa mudança vem
criando confusões tamanhas.

A mudança da função informativa para a


transformadora foi documentada em meu
primeiro livro e exemplificada no segundo.
Este ebook pretende resumir os aspectos his-
tóricos que fizeram a coisa chegar aonde che-
gou.
1. Verdade x
opinião: breve
história do
jornalismo

A
s recentes polêmicas sobre fake news
precisam ser analisadas sob o aspecto
histórico da muitas vezes problemática
relação entre jornalismo e verdade. Exis-
tem diferentes e até infinitas formas de se abordar
essa história, mas uma delas pode ser pela histórica
dicotomia entre a vertente opinativa e a noticiosa.
O jornalismo americano, herdeiro do britânico, têm
profunda influência do protestantismo dos Purita-
nos ingleses que migraram para as colônias. Para
eles, a Bíblia, a Revelação, a Verdade, não pode-
ria ser conciliada com opiniões subjetivas, base de
então no jornalismo extremamente politizado do
restante da Europa. O jornalismo havia surgido na
Europa pré-revolucionária como uma prática pan-
fletária e extremamente combativa.

A imagem teórica e filosófica da oposição entre


opinião subjetiva e verdade objetiva, na Europa, re-
monta à discussão entre fé e razão, na Idade Média,
mas isso é outra história. Afinal, sendo a fé consi-
derada, a partir do Iluminismo, uma questão sub-
jetiva, sobrava à razão o papel de instância legítima
para uma política que pretendesse alcançar a jus-
tiça. A democracia, assim, viria de um “anseio ra-
cional”, não subjetivo, embora a motivação íntima e
humana pudesse ser a fé ou simplesmente uma ética
racional. Primeiro, a fé é posta de lado como ques-
tão de gosto ou opinião. Depois, a valorização da
ideia verdade objetiva como oposta à fé, que era vis-
ta como terreno do subjetivo, consolida-se no que
chamamos de progresso da secularização.

As utopias de sociedade virtuosa, que tiveram ori-


gem na Inglaterra calvinista, não podiam prescin-
dir de meios de controle social para as massas e de
um reforço moral para as elites aristocráticas que
viam a virtude pública como pedagogia essencial-
mente civilizadora. O poder simbólico dos predes-
tinados era o exemplo, o testemunho público do
Evangelho. A elite católica da burguesia europeia já
sentia-se especialmente ofendida com o jornalismo
especulatório sobre suas condutas e abraçou a ideia,
imediatamente justificada, de um jornalismo isen-
to, objetivo e que precisaria prestar contas à justiça
caso mentisse. A defesa contra a difamação dessas
elites predestinadas moldou a prática da difusão de
informação política na Europa, o que migrou para
o Novo Mundo e originou o jornalismo norte-ame-
ricano, base do jornalismo brasileiro.

Verdade e mentira passaram a ser oposições sociais


importantes para a propaganda das empresas jorna-
lísticas. A diferença entre elas, mais do que moral,
passou a ser mercadológica e apropriada à luta polí-
tica. É deste período a chamada “metáfora do espe-
lho”, para a qual o jornalismo espelharia a realidade.
Em meio à ideologia positivista e ao entusiasmo do
empirismo cientificista do final do século XIX e iní-
cio do XX, jornais tentavam criar a sua versão de
método científico, com investigação em coberturas
de campo, confrontação de versões e contrapontos,
hipóteses e uma vasta gama de figuras análogas ao
método científico.

O jornalismo norte-americano se fortaleceu a par-


tir desta trajetória, sendo importado para o Brasil
quando da criação do Grupo Globo, a partir de
um investimento do grupo americano Time Life. A
Globo se torno líder desde então graças ao méto-
do norte-americano, que praticamente dominou o
mercado jornalístico com a sua avassaladora cren-
ça na credibilidade do próprio método. Afinal, um
método “herdado das ciências naturais”. É claro que
este não é o único motivo.

Outras forças entraram em cena, levando à prática


jornalística uma luta política mais acirrada e menos
isenta. O jornalismo panfletário sempre existiu, tal
como o sensacionalista e popular. Mas as empresas
que desejassem se manter no mercado e vender as-
sinatura (ao invés de exemplares nas ruas apenas)
precisavam de uma forte propaganda de prática
profissional na apuração dos fatos.
Acontece que a seleção dos fatos que serão narrados
de maneira pretensamente neutra, nunca é objeti-
va e neutra. Essa seleção é e sempre foi ditada por
grandes grupos detentores das empresas jornalísti-
cas, que apenas adaptavam sua prática aos interes-
ses desses grupos. Essa era uma situação que gerava
críticas da esquerda e de veículos menos favoreci-
dos por esses grupos.
2. A virada
marxista
no jornalístico

M
ais tarde, os marxistas precisaram fa-
zer frente a esse método de apuração,
já que a ideologia trazia conceitos di-
versos. Até por volta de metade do sé-
culo XX, o principal método do jornalismo revolu-
cionário consistia na crítica e denúncia da submissão
das empresas jornalísticas aos interesses dos gran-
des grupos comerciais, chamados de “o grande capi-
tal”. Críticas mais profundas, porém, começaram a
surgir, vinculando a própria técnica jornalística aos
interesses capitalistas, mas de maneira subliminar.

Por essas críticas ficaram famosos os frankfurtianos,


ou a contribuição deles aos estudos da comunica-
ção. O jornalista marxista Nilson Laje, no livro Ide-
ologia e Técnica da Notícia, traz uma profunda aná-
lise do modelo norte-americano e como atua nele
o que chama de “ideologia capitalista”. Essa crítica,
embora aparentemente negativa, traz uma propos-
ta positiva: a de um jornalismo atento às oportuni-
dades de trabalhar, através dos fatos e da apuração
objetiva, a ideologia marxista em seus termos mais
ortodoxos dentro da sociedade democrática.

Aquela tentativa de fazer frente à


propaganda totalitária foi assimilada
pelos próprios totalitários

O livro de Laje é apenas um exemplo, entre tantos, de


como a prática jornalística das universidades veio,
ao longo do tempo, adaptando-se e desconstruin-
do a ideia de objetividade originária, a “metáfora
do espelho”, reconhecendo os méritos da investi-
gação isenta, mas trazendo possibilidades de cons-
trução específicas para o que os professores de jor-
nalismo passaram a chamar de “contextualização”.

Um dos exemplos dessa adaptação é o valor jorna-


lístico da singularidade. Um evento, personagem
ou situação singular é algo que sai do trivial. Mas
a singularidade não tem apenas esse sentido. Ela
também pode ser apresentada como símbolo de
“representatividade”, mais ou menos na linha do
que defende a escola historiográfica da “micro-his-
tória”, na qual um fato ou personagem histórico co-
mum, desconhecido ou popular, torna-se represen-
tação simbólica de uma época ou contexto social.

O uso da teoria democrática e sua ideologia propa-


gandística foi crucial para a esquerda marxista, que
sempre se utilizou da expressão “democracia” com
o sentido praticamente inverso. Assim, ela benefi-
ciou-se facilmente de todas as estratégias linguísti-
cas traçadas pelos liberais do livre-mercado quem
que estes sequer percebessem. Infelizmente, ainda
há liberais, no Brasil, que pensam que o mundo se
divide entre partidários do livre-mercado e os da
“economia estatizada”. Sequer imaginam o longo
processo de escolha e decisão, pela esquerda, das
palavras de gravitam a esmo em suas cabeças ocas.

Termos como “aprofundar” ou “fortalecer” a de-


mocracia são amplamente usados sem que nin-
guém absolutamente se questione sobre o significa-
do concreto a que se referem, assim como a ideia
de que existiriam “instituições democráticas” por
si mesmas. Aliado à decadência educacional e o
franco progresso do analfabetismo funcional, es-
ses termos ganham peso de argumentos, palavras
de ordem e ideias-força que funcionam como ga-
tilhos para reações emocionais, tão automatizadas
quanto coerentes com a estratégia da esquerda.

Quando, a partir dos anos 90, a internet dividiu o


bolo publicitário das empresas, os jornais sentiram-
-se órfãos e buscaram outras fontes. A escolha foi o
Terceiro Setor, que mais do que mercadorias, ofe-
recia pautas e belas causas sociais para as editorias,
fortalecendo um conteúdo que antes era obrigado a
ficar refém do que as empresas chamavam de reali-
dade. Ao menos antes as empresas detinham algu-
ma representatividade social. O Terceiro Setor res-
ponde apenas às agendas das elites financeiras que
o mantém. Podemos chamar esse momento de uma
“virada globalista” mais profunda do que antes.
A prática jornalística, antes modificada pela esquer-
da, pôde ser transformada ainda mais pelo novo fa-
tor de definição de pautas. Aliada aos seus velhos
inimigos do “grande capital”, a esquerda fortaleceu
ainda mais o domínio sobre o jornalismo noticioso,
deixando de lado as colunas de opinião até que uma
nova geração de opinadores surgisse naturalmente
pelo efeito de longo prazo da seleção de notícias, po-
der definidor que dispensa o uso de outros esforços.

A longa luta contra o conceito de “livre fluxo de


informação”, sobre a qual falei em A transfor-
mação social, mostra como a informação no-
ticiosa é mil vezes mais importante e estratégi-
ca do que a simples opinião de celebridades ou
analistas. Quando a instância opinativa é do-
minada é porque tudo o mais foi domesticado.

A crença na identificação (correspondência) perfeita


entre fato jornalístico e fato concreto é um dos mais
eficientes instrumentos de manipulação da lingua-
gem e de comportamentos que os liberais puderam
instalar e usar ainda hoje. Os marxistas se valem
disso para, inseridos na prática dita isenta, manipu-
lar linguisticamente o método “cientificista” do jor-
nalismo tradicional a seu favor sem que opinadores
“direitistas” percebam. Afinal, a opinião é sempre
sobre um fato previamente selecionado para tal. A
seleção é hoje a forma mais poderosa de manipula-
ção e definição de prioridades, critério que raramen-
te é questionado, já que a resposta a uma interpre-
tação noticiosa parece sempre mais sedutora para
os apetites socialmente estimulados na democracia.

Isso tudo quer dizer que a oposição entre “fato ou


fake” é tão complexa quanto inabarcável pelo jorna-
lismo contemporâneo. Os debates sobre isso sem-
pre terão um aspecto cômico ou superficial, já que
por trás de uma apuração de veracidades estão ou-
tras mil escolhas tão arbitrárias quanto silenciosas.

Um fato jornalístico é a adaptação humana de uma


parte da realidade adequada a interesses especí-
ficos. Pode ser o mero interesse informativo, hu-
mano e universal, da orientação no mundo. Mas
cada elemento textual precisa estar em conformi-
dade com esse objetivo. Ademais, não é mais per-
mitido, ao jornalismo da direita, abstrair os en-
godos subliminares que a “extrema-imprensa”
prega todos os dias em nossas mentes incautas.

Quando o editor da Piauí dá com a língua nos den-


tes e revela o objetivo de “fingir fazer jornalismo”,
ele estava dando um recado importante ao jornalis-
mo conservador: dizer a verdade não é suficiente.
O problema está em achar que “a verdade vence a
mentira”, uma das maiores armadilhas que a men-
talidade liberal, e sua propaganda democrática,
criou na sociedade ocidental. A realidade é inabar-
cável pelo jornalismo, que precisa recorrer à sele-
ção que obedeça narrativas em jogo. Não é possível,
nem desejável, que relatos factuais estejam desco-
nectados dos interesses e das agendas concorren-
tes na política e na cultura. Na situação atual, um
jornalismo conservador precisaria libertar-se pri-
meiro da crença ingênua da neutralidade para po-
der adaptar eficientemente a linguagem político-
-jornalística a seu favor. Isso nada tem a ver com
manipulação e muito menos com apuração objeti-
va e isenta da realidade. Mas sem isso o jornalismo
integrador da esquerda irá sempre ditar as regras.

É preciso entender as forças em jogo e sa-


ber articular seus símbolos e mitos, suas
imagens mentais, suas contradições e
idiossincrasias, para comunicar à sociedade se-
denta por entendimento do mundo em que vivem.

Poucos liberais ou conservadores sabem fazer uma


“análise de conjuntura” como fazem os marxistas.
Mas são essas análises que definiram, há anos, o
ensino da prática jornalística nas universidades de
onde vieram os articulistas e repórteres da Folha.
Enquanto isso, resta aos conservadores usar termos
como “fato ou fake”, que até a Folha usa para enga-
nar os incautos e liberais ingênuos, cujo imaginá-
rio jaz inerte nas metáforas do espelho e do método
científico de apuração de fatos.

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