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A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Como a mídia de massa se tornou
uma máquina de propaganda
SUMÁRIO
PREFÁCIO – HEITOR DE PAOLA (PAG. 05)
INTRODUÇÃO (PAG.21)
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Apesar do jornalismo não ser minha área a experiência
empírica me mostra que a mídia nos EUA não foi tão afetada
pela monopolização como no Brasil. Lá ainda existem os jornais
e as rádios locais e aqui estas quase desapareceram. Lá,
Reagan se tornou nacionalmente conhecido através de cadeias
de rádios locais formadas em grande parte de associações
espontâneas, apesar do evidente boicote das grandes redes de
TV e dos grandes jornais das metrópoles.
Na minha juventude as cidades interioranas tinham
jornais diários e emissoras de rádio. O que foi feito delas?
Certamente não conseguiram resistir à concorrência predatória
da grande mídia. Já esta última, de tão repetitivas, acabam
parecendo a mídia “pluralista” soviética: Pravda, Isviéstia,
Krasnaya Zviezda, Komsomolskaya Pravda e outros. Lá,
repetiam ad nauseam as ordens do Partido transmitidas pelas
Agências Tass e Nóvosti; cá, as ordens da ONU transmitidas
através de suas diversas agências!
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Heitor De Paola
Rio de Janeiro, julho de 2016
INTRODUÇÃO
Diariamente, ao lermos nos jornais as notícias sobre
nosso cotidiano, depositamos certa confiança no trabalho de
centenas de profissionais do jornalismo e de mídia de quem
esperamos ver impressos em seus produtos o retrato daquilo
que vemos e que não vemos em nossa realidade imediata.
Desde os fatos comuns dos quais dependemos diretamente,
como a economia doméstica, o trânsito ou a previsão do tempo,
até aqueles de interesse mais amplo como a política e a
economia mundial, somos dependentes de um sistema que
sustenta registros e relatos tidos como confiáveis. Mas essa
confiabilidade na idoneidade dos relatos ocorre por meio de
uma credibilidade emprestada, indireta e muitas vezes
improvável. Em primeiro lugar, nós confiamos neles porque
sabemos que a verdade não é um produto da invenção humana
e, sendo assim, há a possibilidade do homem acessar uma
parte da realidade e relatá-la a outros homens que não têm o
mesmo acesso àquela porção do real. Dessa confiança
depende nossa orientação no mundo. No entanto, se
soubéssemos o que se tem ensinando nas faculdades de
jornalismo a respeito da melhor prática jornalística ou do valor
da verdade na profissão, colocaríamos muitas aspas nesta
confiança e é possível que déssemos um uso bem menos digno
ao papel dos jornais.
Faz-se urgente compreendermos uma verdade a cada
dia mais explícita: não há mais motivos para uma tal confiança
na mídia. Embora essa afirmação soe como mais um eco do
relativismo afirmado e reafirmado no meio acadêmico, o nosso
alerta de desconfiança da mídia é devido um motivo bem
diverso dos alardeados por aqueles que meramente acusam a
mídia de servir a interesses econômicos ou capitalistas. O
motivo é que, ao longo das últimas décadas, a função
informativa dos jornais foi sendo progressivamente substituída
pela função transformadora da sociedade. A comunicação tem
por definição uma função informativa e um efeito transformador.
Afinal, a difusão de fatos gera novos fatos. Mas agora o efeito
assume gradativamente o status de função essencial da
comunicação.
Velhos problemas filosóficos como o problema da
verdade e do acesso a ela têm feito parte das discussões
acadêmicas mesmo depois de já terem sido amplamente
debatidos em suas disciplinas de origem. Estas discussões, ao
longo do século XX, somadas à ampla atividade de grupos
políticos e intelectuais convencidos de sua missão como
guiadores morais dos rumos da história, trouxeram uma
mudança profunda naquelas atividades das ciências humanas
que antes buscavam compreender a realidade. Hoje
praticamente todos os cursos universitários propõem o estudo
de suas disciplinas aliado à função da transformação social. A
transformação pode ser encarada como uma disciplina
obrigatória a todos os cursos, que se traveste muitas vezes de
belas e humanitárias intenções. Essa mudança de função deve
o seu caráter em parte a mudanças culturais trazidas pela
própria evolução de estudos sociais aliados às utopias políticas
disponíveis. Grupos inspirados no antigo Clube de Roma, como
Bilderberg, Sociedade Fabiana, fundações Ford, McArthur,
Open Society, entre tantas outras, encontraram um meio de
financiar e orientar os estudos científicos de relevância
internacional durante o último século. Quase tudo que é dito e
repetido nos meios de comunicação veio da mente de meia
dúzia de metacapitalistas seduzidos pela utopia da sociedade
socialista global, a chamada Nova Ordem Mundial, que será
erguida a partir de uma sociedade fundada em assembleias
onde serão promulgados consensos que sirvam a interesses e
conveniências, terminando por sepultar a possibilidade de
julgamentos que fujam do que é acordado pela elite de
governantes globais. Mas embora isso seja irrealizável na
prática, a ação das incessantes tentativas empreendidas já nos
causa muitos problemas.
O efeito deste empreendimento ao longo do tempo e
em escala global exerce um poder imperceptível de
transformações sociais. Se isso ocorre de modo contínuo às
pessoas indiscriminadamente, imagine o estrago que pode
causar na mente de um jornalista ou estudante de jornalismo
convencido ingenuamente da função original de informar
objetivamente o público. Esta mudança profunda trouxe a
sedutora efetividade nos estudos de psicologia social, função
normalmente concedida à publicidade e propaganda, cuja
sustentação teórica depende da objetividade da análise social e
não de propagandas ideológicas ou utópicas. A união destes
estudos com a psicologia das massas deu um upgrade que
dificilmente o meio acadêmico conseguiria sozinho. A maior
parte do conteúdo de publicações acadêmicas tenta responder
a mesma pergunta: como empreender a modificação das
mentes para a conformação com um admirável mundo novo,
uma nova mentalidade por meio de uma verdadeira colonização
ideológica, na linha das previsões do escritor Robert H. Benson,
já no início do século XX[1].
A crença inquestionável na necessidade de
transformação dos padrões culturais representa hoje um muro
intransponível à inteligência de milhares de estudantes de todas
as áreas que chegam às universidades e são bombardeados
com estímulos aos mais delirantes sonhos de sociedade
perfeita. Desde a utopia socialista até as miragens esotéricas
da Nova Era e do ambientalismo transumanista, parece fora de
dúvida toda confiança no poder humano para transformar a
realidade. Do mesmo modo que a ciência moderna ambicionou
o controle técnico da natureza, donde vem a crítica pós-
moderna e ecológica, a nova utopia da reconstrução da mente
humana por meio da engenharia social foi sendo sedimentada
por teorias e agentes políticos influentes ao longo das últimas
décadas. A mudança de função é tão profunda quanto
imperceptível, já que, disposta hegemonicamente tanto em
teses acadêmicas como em notícias e opiniões, vai tolhendo o
consumidor em sua cognição até fazer-lhe incapaz de
diferenciar a informação da pura manipulação.
A autoridade de consensos na tomada de decisões,
marca da democracia moderna, tornou-se força justificadora
para a elevação das emoções populares e gostos grupais à
autoridade de reivindicações de direitos legítimas, o que acaba
por ameaçar a própria liberdade democrática. Esta situação
oportuniza a criação de infinitas formas de ideologias, isto é,
justificativas retóricas que escondem planos definidos e
discutidos previamente, mas que não são postos em discussão
pública. O leitor há de perceber que quanto mais se defende,
em âmbitos públicos e midiáticos, o debate irrestrito sobre os
mais variados assuntos de interesse supostamente geral,
menos se põe em discussão o motivo real da discussão e o
agente para o qual será dado o poder para a referida
transformação. Isso porque é justamente o agente (grupo,
entidade ou movimento) o autor das sugestões para todas as
discussões possíveis. Não é preciso pensar muito para concluir
que qualquer força agente que proponha debates sem nunca
ser ela mesma objeto de debate, acumula uma credibilidade e
poder inquestionável – e ao mesmo tempo invisível – para
definir tudo o que é ou não assunto.
Nas notícias diárias baseamos nossas discussões
privadas e públicas e formamos opiniões sem nunca nos
perguntarmos se determinado tema é ou não assunto ou a
quem será dado o poder de fazer tal ou qual mudança. A
mudança tornou-se, em todos os níveis de debate, um valor em
si, uma palavra estimulante de emoções positivas. Sendo novo,
tudo é automaticamente bom, independente dos defeitos.
Sendo velho, é mau, independente dos méritos. A ênfase da
renovação foi o mote da modernidade e das ciências que se
legitimaram mais nas inovações técnicas do que nos avanços
do pensamento, em favor do qual pouco se poderia dizer. Mas
essa suposta virtude da inovação facilmente se trai. Só mesmo
um mundo dominado por velhas convicções que restaram de
um Iluminismo tardio poderia ainda ser tão facilmente seduzida
por promessas de renovações vãs.
Evidentemente, não estamos a dizer que
transformações não sejam necessárias, boas ou mesmo
inevitáveis quando se fala em difusão social de informação. Um
coeficiente de transformação involuntária sempre foi admitido e
esperado mesmo pelos proponentes da mais férrea objetividade
comunicativa. Primeiro devido o potencial orientador das
notícias, que incentiva a participação na vida pública, mas
também através de características da própria estrutura
noticiosa. Afinal, é a dependência de anunciantes que
determina a periodicidade obrigatória dos jornais, que precisam
ser preenchidos com conteúdo que atraia a atenção das
pessoas, às vezes mais do que informar. Quando não há fatos
de grande relevância, torna-se necessário forçar a relevância
de acontecimentos, ou seja, dar a impressão subliminar de
importância, utilizando recursos estilísticos ou gráficos como
letras grandes ou imagens fortes, mesmo tratando-se de
futilidades das mais nulas para a orientação pública. Isso aos
poucos gera o efeito de uma paulatina mudança nos critérios de
relevância e, sobretudo, nos critérios morais de uma sociedade.
Muitos analistas de mídia ligados a movimentos de esquerda
enfatizaram este tipo de transformação como uma manipulação
inerente ao capitalismo. Mas, sendo quase involuntária e não
tendendo necessariamente a caminhos ideológicos – já que o
capitalismo não é exatamente uma ideologia – acaba sendo
muito menos relevante do que campanhas intencionais.
Já desde o início do século XX, manuais e guias de
transformação social são distribuídos por empresas, fundações,
ONGs e movimentos sociais com o fim de adestrar ativistas
para a ação massiva de mudança gradativa dos valores da
sociedade mediante o debate, a guerra cultural, estratégias
semânticas ou técnicas psicológicas, como veremos neste livro.
As possibilidades de transformação consciente e voluntária se
ampliaram muito, de modo que diferenciar os efeitos
pretendidos dos aleatórios torna-se um importante desafio para
a otimização de nossa orientação na complexidade cada vez
maior do mundo da comunicação atual. Diferenciar a mentira da
verdade, embora seja uma das mais antigas tarefas humanas –
para não dizer essencialmente humana – implica hoje
diretamente no nível de nossa liberdade diante do mundo. A
presente pesquisa é uma tímida tentativa de colocar na mesa
algumas iniciativas intelectuais e políticas que tiveram a
ambição ou o potencial de serem usadas para domesticar a
opinião pública. O principal acontecimento em redor do qual
gira este trabalho é o da mudança funcional do jornalismo e da
mídia em geral. O resultado cultural e histórico dessa mudança
foi a transferência dos critérios culturais para o campo da mídia,
que passou a determinar as prioridades práticas do público,
incluindo as do meio científico e acadêmico. Tudo isso aponta
para uma situação de completa dependência midiática da
sociedade, inclusive em seus parâmetros éticos, estéticos e
administrativos, isto é, a geração de uma nova cultura
hegemônica ditada e editada de modo periódico pelas notícias
e entretenimento. A grande mídia e sua organização se torna o
oráculo das consciências e das formas de ver e organizar o
mundo.
Procuramos refazer o caminho teórico e histórico desta
mudança funcional que se inicia necessariamente a partir do
modelo da informação como função das notícias. Ao longo
deste livro, o leitor será convidado a perceber como este
percurso se deu em diferentes frentes que trataram do tema da
comunicação. Trata-se de um caminho teórico e histórico
particular, sem o anseio de explicações acabadas ou
enciclopédicas. Percorreremos as ideias que buscaram
gradativamente modificar o critério de julgamento popular,
desde os projetos de ciência objetiva do jornalismo, com o
adereço fetichista da mentalidade moderna, passando pelos
gracejos de ideologias liberais calçadas no consumo, até as
transformações de orientação dos direitos políticos pelos
desejos e o efeito nefasto do niilismo autodestrutivo das utopias
pós-modernas. A transformação dos critérios através das
gerações ao longo do último século pode ter sido influenciada
por mudanças civilizacionais e até certo ponto cíclicas, como
defenderia David Riesman. Mas, como veremos, há uma
impressionante contribuição de ideólogos e engenheiros sociais
que em muito ajudaram na propagação de suas utopias
revolucionárias tentando conduzir o mundo à velha ideia de um
império do entendimento ou do consentimento global.
I
JORNALISMO
TRANSFORMADOR
O experimento
Mentalidade transformadora
Alguns anos depois, no departamento de mestrado da
Universidade Federal de Santa Catarina, as discussões sobre a
validade ou não da prática militante do jornalista, parecia algo
inconveniente a alguns espíritos imbuídos do voluntarismo
transformador que lhes fora incutido por formações acadêmicas
de contornos marxistas e abordagens pedagógicas
funcionalistas para o jornalismo. De tudo o que escrevera o
jornalista Walter Lippmann, cujo livro Opinião Publica constava
na lista para a seleção do mestrado, o principal traço destacado
por professores era a sua profunda “desilusão com a
democracia moderna”. Por trás dessa alegada desilusão, como
veremos mais à frente, está a crença na necessidade da
administração total do fluxo de informações com um
direcionamento guiado para as transformações necessárias,
tudo levado a efeito por uma elite de escolhidos, cuja lista de
patronos integra o próprio Lippmann. Isso indica, no mínimo,
que a leitura acadêmica dos livros do jornalista e principal
articulador por trás da Liga das Nações havia sido bastante
superficial ou profundamente desatenta para perceber a clara
proposta de comunicação administrada por uma aristocracia
política com ideais bastante inovadores para o mundo, mas
desconhecidos e estranhos ao público leitor a que se
destinavam. Afinal, eu me perguntava: como um livro escrito em
1922 ainda parece tão incompreensível para acadêmicos de
comunicação?[4]
Passados quase cem anos daquelas pretensões, não
se pode dizer de forma alguma que a comunicação é dirigida de
cima como um mecanismo robotizado e exato, tampouco o
controle dos meios de comunicação sobre o seu próprio
conteúdo pode ser totalizante. Ao contrário, o descontrole e o
caos marcaram o século XX. No entanto, é possível traçar um
caminho linear em direção ao desejo de controle e
administração que, quando não é perfeitamente realizado nas
instituições dependentes da arbitrariedade da ação humana, é
canalizado pela ambição – historicamente recorrente – do
controle dos impulsos humanos, coisa assustadoramente
facilitada nas sociedades em que a força catalizadora das
ideias se manifesta pela figura difusa, mas tecnicamente
previsível da massa.
Ouvi da boca de um professor, cujos estudos em mídia
e jornalismo são sempre atentamente lidos e considerados por
seus ilustres colegas, que o único motivo pelo qual buscamos
conhecimento é a vontade de alteração da realidade, a
modificação ou controle de nosso meio social. Disse isso como
algo evidente, não como conclusão, mas como premissa, o que
imaginou ter sido compreendido como explicação de nossa
natural busca por orientação social. Mas reduzir toda a busca
de compreensão humana ao desejo de modificação parece
bastante limitado. É possível dizer, mais acertadamente, que
buscamos conhecer pelo simples conhecer ou
fundamentalmente para nos orientar, adaptar, conhecendo as
opções disponíveis com vistas à ação individual. O intuito de
ampla transformação na estrutura social humana não deveria
ser atribuído a um ser humano individual sadio senão como
figura de linguagem ou exagero retórico. Individualmente,
ninguém normal busca transfigurar a sociedade à imagem e
semelhança de suas utopias. Ao menos este anseio não pode
ser visto como natural no ser humano, mas instigado de fora,
mediante o convencimento de uma necessidade irresistível e
que para aplicar-se a toda a sociedade precisa pressupor um
conhecimento totalizante dos problemas existentes, o que
nunca é o caso.
Estes pressupostos não confessados, pelos quais se
raciocina sem os afirmar conscientemente, são bastante
comuns em uma sociedade baseada na repetição metonímica
de frases feitas incapazes de articular explicações sobre a
realidade. Vemos isso o tempo inteiro no mundo da
comunicação de massa. Ao contrário dessas afirmações, a
tendência do homem não é a da reformulação social, mas a do
conhecimento. A predisposição ao conhecimento, à
transcendência, parece elevar o homem a mundos
desconhecidos quando se trata de expectativas futuras, algo do
qual o homem não pode fugir pela sua simples natureza. Talvez
advenha daí a sua capacidade de imaginar cursos históricos
acabados que, como sucedâneos da escatologia teológica
perdida no processo de secularização, veem o universo como
se estivesse fora dele, o tempo como se já se tivesse acabado.
Esta capacidade por si só evidencia a origem transcendente do
homem e não uma natureza puramente imanente, material e
factível.
Concepções a respeito da ciência, da história, da
religião, do homem, da dignidade humana, são todas mediadas
pelo canal generalista de comunicação que a sociedade criou.
Essa comunicação social, ao mediar os signos, produz
significados e induz, na forma destes signos, referentes
diversos que, abstraídos da realidade, tornam-se extensas
fórmulas de explicação. Essas explicações, quando deslocadas
do referente original, criam uma linguagem cada vez mais
insuficiente até ao ponto de tornar o mundo incomunicável. Este
é o efeito da profunda crise cultural do Ocidente, que eleva
produtos midiáticos e meramente mercadológicos, acima dos
bens culturais universais que funcionavam como vínculo de
diálogo entre os homens de todas as épocas. Perde-se, com
isso, todos os referenciais fixos e cria-se um mundo à parte, no
qual nada do anterior tem validade. Como profetizou
Chesterton, haverá o dia em que se precisará brigar para provar
que a grama é verde[5].
Comum é a pergunta, nos cursos de jornalismo, sobre
o que é a verdade. A questão já indica que tipo de jornalismo se
pretende praticar. Assim como a pergunta de Pilatos diante de
Cristo, o jornalismo manifestado por seus professores e
teóricos, indaga-se a si próprio com o cinismo de quem renega
toda responsabilidade, lavando as mãos e barganhando a
verdade com a indiferença justificada pela imparcialidade e
entregando-a ao arbítrio popular.
O jornalismo que no dizer de Rui Barbosa sempre tem
papel importante no erguimento de regimes absolutos e
ditatoriais, cai na própria armadilha quando manipula a
linguagem e se torna ele próprio o instrumento distraído da
própria aniquilação. Não há saídas para o jornalismo que se
converte em disseminador de ideologias. A verdade,
porém, fala alto como uma trombeta e pode, em momentos de
desilusão completa, fazer-se valer imperiosamente. É rara a
preocupação com a verdade nas infindáveis reflexões sobre
jornalismo na atualidade. Como teremos oportunidade de
apontar, os estudos da comunicação dificilmente terão como
objeto de estudo a verdade, e sim uma prática de construção da
realidade. Por isso, quando ela aparece no jornalismo, não se
trata de uma função pretendida ou essencial, mas de uma
disfunção que pode pôr em risco a própria atividade. A prática
profissional se tornou um método de narrar fatos abstraindo-os
do seu contexto por meio de simulacros, cuja premissa raiz é a
conscientização para a mudança social.
II
A sociedade planificada
Controle intelectual
O enfoque sistêmico
A Teoria Geral dos Sistemas, criada para o âmbito da
biologia, propunha-se a ser uma resposta aos erros do
mecanicismo cartesiano que vigorava como paradigma
científico desde o início da ciência moderna. Propôs uma
dinâmica não mais linear, que analisasse as etapas de um
processo, mas circular, que compreendesse as relações dos
diversos processos com o todo. Do uso biológico para a
compreensão de estruturas, passou-se para a sociologia. É fácil
imaginar a tentação de mudança social mediante alterações
cirúrgicas em elementos influentes para alcançar objetivos em
escala global.
O uso político das teorias matemáticas foi um dos
fatores que trouxe grandes modificações na compreensão do
processo de comunicação e do seu consequente uso para
controlar os efeitos das mensagens. Oriundos do sistemismo
matemático, muitos conceitos puderam migrar para as ciências
humanas e dar origem a teorias e correntes do pensamento
pós-moderno. Apesar de parecer oposto à mentalidade técnica,
o que chamamos hoje de cibercultura (cyberculture) deve
grande parte de suas crenças cientificistas aos primeiros
sistematizadores das telecomunicações.
No intuito de serem associadas à cientificidade, e com
isso angariar a tão disputada legitimidade social e política
moderna, as ciências humanas ocuparam grande parte da sua
história tentando aproximar seus métodos aos das ciências
exatas. Os modelos de Lazarsfeld e outros, como vimos, já
buscavam esquematizar de modo exato e fixo o
desenvolvimento de suas teorias e hipóteses, muitas vezes
tratando conceitos como elementos invariáveis e dispondo-os
em tabelas, gráficos e fórmulas. Mas paralelamente aos
funcionalistas como Lazarsfeld, e de modo complementar a
eles, surgiam por volta do final da década de 1940, enfoques
que buscavam aproximar ainda mais os modelos de
comunicação literalmente a uma exatidão matemática. O livro
de Claude Elwood Shannon, intitulado The Mathematical
Theory of Communication, rapidamente se tornou um manual
para os estudantes das áreas de telecomunicações. O trabalho
foi desenvolvido dentro das pesquisas dos Laboratórios Bell
Systems, em que Shannon trabalhava. No ano seguinte, após
grande interesse científico, foi republicada com comentários de
Warren Weaver, que era coordenador de pesquisas técnicas
sobre grandes máquinas de calcular durante a Segunda Guerra
Mundial. Mas aquilo que havia sido pensado para ser um guia
de modelos comunicacionais do setor das telecomunicações, foi
aos poucos ganhando uso em áreas inicialmente não pensadas
pelos seus autores.
Shannon propunha um esquema baseado no conceito
de “sistema geral de comunicação”. Para ele, todo processo de
comunicação se resume em “reproduzir em um ponto dado, de
maneira exata ou aproximativa, uma mensagem selecionada
em outro ponto”. Tratava-se de um esquema linear de
comunicação, composto dos componentes como fonte (a
informação), que reproduz a mensagem, o codificador ou
emissor, que a transforma em sinais transmissíveis, o canal
(meio), o decodificador ou receptor, que reconstrói a mensagem
por meio dos sinais, e finalmente, o destino ou pessoa a quem
é destinada a mensagem. O objetivo de Shannon era
puramente técnico, voltado a resolver os principais problemas
das telecomunicações. Ele queria poder quantificar o custo de
uma mensagem e do processo de transmissão dela, detectar
possíveis problemas (ruídos) para a plena correspondência
entre dois pontos.
Esses estudos foram responsáveis pelo
desenvolvimento posterior da linguagem binária e outras
pesquisas que levaram à criação das primeiras máquinas de
calcular e posteriormente do computador na década de 1940.
Mas outros cientistas perceberam que a mesma característica
de organização e sequência entre fatores aleatórios que se
observava entre máquinas, podia ser aplicada a organismos
biológicos, organizações sociais e ao processo de
comunicação. O esquema linear utilizado na comunicação da
época vem da percepção de um sistema afetado por
fenômenos aleatórios, entre um emissor que tem liberdade para
escolher a mensagem enviada a um destinatário que recebe a
informação com suas próprias exigências. As noções de
informação, transmissão, codificação e decodificação, são
emprestadas de Shannon, dessa forma, para a esquematização
de numerosos estudos sociais.
Traduzindo a partir dessa terminologia, surgem termos
que vieram para ficar nas ciências da comunicação, como
redundância, ruído disruptor e variáveis como a liberdade de
escolha tanto do emissor quanto do receptor. A fonte, como
origem de toda a comunicação, dá forma à mensagem que é
transformada em informação quando codificada pelo emissor.
Esta teoria ainda não levava em conta a significação dos sinais,
isto é, o sentido que o destinatário vai atribuir a eles, nem
mesmo a intenção do emissor.
Essa corrente de estudo do processo comunicativo
evidentemente ficou presa demais à noção de uma linha reta
entre um ponto de partida e um de chegada, mas impregnou-se
em grande parte das escolas de pesquisas, mesmo opostas
umas às outras. Esta ideia da comunicação faz parte do
funcionalismo e da sua característica preocupação com os
efeitos. A concepção sistêmica influenciou de modo substancial
o estruturalismo na linguística, especialmente as correntes que
utilizaram a semiótica.
Tanto o sistemismo quanto o funcionalismo partilham
um mesmo conceito chave como ponto de partida: o conceito
de função. Este conceito é o que indica o primado do todo
sobre as partes e esteve presente no uso da “teoria dos
sistemas”, para elaboração de estratégias de mobilização
durante a Segunda Guerra Mundial. O livro The modern
theories of development, publicado em 1933, pelo biólogo
Ludwig von Bertalanffy, lança as bases para o uso político do
termo “função” do mesmo modo como ele era usado na
biologia.
A proposta do sistemismo é pensar o todo, o conjunto
das interações entre elementos, algo mais importante do que os
vínculos de causa e efeito. Compreender o conjunto do
processo e a dinâmica dos conjuntos de relações
intercambiantes e múltiplos passa a ser o grande objetivo desse
novo enfoque. Não tardou para que a ciência política
encontrasse ai um método de análise e também de ação. A
política passa a ser considerada um “sistema de conduta”, o
que se distingue do meio social no qual ele se encontra, mas
está aberto às suas influências. A política se torna também um
sistema de entradas e saídas (input-output), ação e retroação,
formado pelas interações com o meio, que influencia e é
influenciado, melhorando-o ou piorando-o. David Easton, no
livro A framework for political analysis, de 1965, trouxe
importante contribuição neste sentido e elaborou um sistema de
estudo comparado das formas políticas. E finalmente, Karl W.
Deutsch, que já havia aplicado estes estudos às relações
internacionais e, dez anos depois, apresentou a aplicação do
esquema sistêmico para a comunicação política e o controle
(The nerves of government: models of political communication
and control).
A grande ameaça da teoria dos sistemas na análise de
problemas sociais, admitida por inúmeros cientistas, é o uso
revolucionário da noção de dependência do todo, o que permite
sugestões totalitárias, já que o indivíduo é reduzido a uma parte
dependente e portanto reordenável por meio de mecanismos
que agem no todo. Para qualquer problema social almeja-se a
ação global e mudança radical de mentalidade por meio de
atividade cirúrgica nos moldes hipodérmicos. Pascal Bernardin,
no livro O Império Ecológico, chama atenção para quando
problemas sistêmicos são usados para justificar reformas em
todos os domínios[13]. A teoria de sistemas cresceu muito e
hoje ganhou apreço dos grandes cientistas à frente de
pesquisas sociais das Nações Unidas. O problema ecológico,
sobre o qual falaremos mais adiante, exemplifica muito bem
esta situação. Na mídia, a noção de função editorial permite
que se escolha aspectos da realidade que expliquem
determinado fenômeno. Assim, pode também selecionar os
fatos que concorram para a realização de objetivos específicos
negligenciando outros.
A perspectiva sistêmica na comunicação representou
um importante avanço estratégico para a política, que forneceu
instrumentos para o controle das reações do público, de
movimentos sociais. Sua eficiência teve impulsos consideráveis
com a combinação entre teoria sistêmica e a psicanálise.
Assim, a partir da década de 1960, pesquisadores mais
conhecidos pelos estudos teóricos em comunicação de massa
e opinião pública acabaram percebendo tais virtudes do modelo
sistêmico para a compreensão do processo de decisão política,
assim como as possibilidades de alteração.
Utopias cibernéticas
O GOVERNO MUNDIAL
Libido dominandi
O DISCURSO
AMBIENTALISTA NOS JORNAIS
O CONTROLE DA MÍDIA
[1] BENSON, Robert Hugh. O senhor do mundo (1907): livro que prevê
com antecedência a destruição da Europa e a ascensão de ideologias
anticristãs no alvorecer do século seguinte. Edição brasileira pela
Ecclesiae (2013).
[2] “É muito provável que o aumento observado da concentração de gás
metano é devido às atividades antropogênicas, predominantemente a
agricultura e o uso de combustível fóssil. Mas contribuições relativas a
diferentes tipos de fontes não estão bem determinadas” (IPCC, 2007,
página 4). Na mesma página, o relatório esclarece que a expressão
“muito provável” (very likely) refere-se à porcentagem de 90%.
[3] https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/123134
[4] A primeira edição brasileira do livro Opinião Pública, de Lippmann, só
foi publicada em 2008.
[5] Não é o caso, aqui, de sondarmos as causas filosóficas desta crise,
sobre a qual pesa a profunda mudança na concepção do processo do
conhecimento. Quando alguns cientistas sociais transpuseram ao estudo da
sociedade o conceito de experiência científica utilizado nas ciências naturais,
no qual o experimento da alteração e modificação é o próprio método do
conhecer, estava aí o gérmen do anseio pela transformação social que
guiaria a sociedade ao caminho do esperado progresso. Embora este
método fosse logicamente oposto à concepção de um curso histórico
inevitável (do progresso ou da revolução), as duas coisas se combinaram
em um método dialético de construção da realidade, conforme propôs Hegel.
O principal resultado do método da dialética hegeliana passa a ser a
destruição, através do trabalho do negativo (tese, antítese e síntese).