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Cristian Derosa

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Como a mídia de massa se tornou
uma máquina de propaganda
SUMÁRIO
PREFÁCIO – HEITOR DE PAOLA (PAG. 05)

INTRODUÇÃO (PAG.21)

I – JORNALISMO TRANSFORMADOR (PAG. 27)

O EXPERIMENTO – MENTALIDADE TRANSFORMADORA

II – A ERA DAS TÉCNICAS SOCIAIS (PAG. 35)

SOCIEDADE PLANIFICADA - OS INTELECTUAIS - AGENTES E AS AGÊNCIAS - TEORIAS


FUNCIONALISTAS - O ENFOQUE SISTÊMICO – UTOPIAS CIBERNÉTICAS - A ESCOLA DE
FRANKFURT E OS ESTUDOS CULTURAIS – EFEITOS DE LONGO PRAZO (AGENDA-
SETTING)

III – O GOVERNO MUNDIAL (PAG. 111)

REVOLUÇÃO GLOBAL E NOVA ERA – A REVOLUÇÃO PELO CONTROLE –


AMBIENTALISMO E NOVA ORDEM MUNDIAL – JORNALISMO MILITANTE CONTRA A
HUMANIDADE – ESPIRITUALIDADE GLOBAL – LIBIDO DOMINANDI – ABORTO E A
FORMAÇÃO DE OPINIÕES – A PRODUÇÃO DE SIGNOS NA PROPAGANDA –
RELEVÂNCIA SIMULADA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR – A MODIFICAÇÃO DAS
PROPORÇÕES – O PODER DO ENTRETENIMENTO E AS IDEOLOGIAS

IV – DISCURSO AMBIENTALISTA NOS JORNAIS (PAG. 174)

O CASO DO DIÁRIO CATARINENSE

V – O CONTROLE DA MÍDIA (PAG. 185)

PROJECT SYNDICATE E OS ILUMINADOS - CONTROLE POLÍTICO DA COMUNICAÇÃO

REFERÊNCIAS (PAG. 200)


PREFÁCIO

Por Heitor De Paola

Os fatos não são adequados para os leitores em sua forma


crua, apenas depois de cozidos, mastigados e, então, servidos
com a saliva do repórter.
Arthut Koestler

Para alguns observadores, a imprensa tinha um significado


maior dos que os próprios partidos políticos (...). Qual efeito
pode ter, mesmo o maior comício, quando comparado com a
influência permanente que um jornal diário possui sobre
centenas de milhares, ou mesmo milhões (...) (o povo alemão)
recebia as ideias expressadas no seus jornais como um
evangelho, não apenas uma fonte de informações, mas como
um órgão de instrução....acreditam em tudo o que seu jornal
preferido lhes diz....e os homens que devotavam sua vida para
informar eram, para eles, grandes homens.
Modris Eksteins

O que está em epígrafe pode ser extrapolado para


qualquer grupo humano, em todas as épocas, com as devidas
adaptações. Eksteins cita observações de Rudolf Kircher, do
Frankfurter Zeitung (1928) e Georg Bernhard (1929). O Partido
Nazista aprendeu bem a lição para fundar o seu jornal
Völkischer Beobachter e depois para estruturar o Ministerium
der Propaganda und Volksaufklärung. Aufklärung é a palavra
alemã para Iluminismo, não tem, portanto, conotação de
simples “esclarecimento do povo”, mas pretendia inaugurar uma
forma específica de jornalismo como “iluminação” do povo-raça
(Volksdeutsch), um novo Iluminismo, um novo Evangelho racial.
Goebbels utilizava desta forma todas as mídias que existiam
então - imprensa, literatura, rádio e cinema – englobadas no
seu ministério.
Os estados totalitários nada mais fazem do que tornar
monopólio estatal a enorme influência da mídia sobre seus
consumidores. Não somente para filtrar o conhecimento servido
ao povo, mas também para propiciar transformações sociais
desejadas pelo grupo que comanda as informações. Como o
autor, citando Bernays, nos mostra: “apesar do relativo sucesso
da campanha nazista nos meios de comunicação, Bernays
salienta que a persuasão encontra seu terreno fértil nas
democracias liberais...”.
O vetusto The Times era indiretamente controlado já
antes de 1912 pelo Milner Group, que efetivamente assumiu o
controle em 1922, com a finalidade de “influenciar a opinião
pública na direção desejada pelo grupo”. O Milner Group é
derivado da Cecil Rhodes “secret” Society. Este grupo pretendia
unir o mundo, principalmente os países de idioma Inglês, numa
estrutura federal em torno do Império Britânico. Rhodes
defendia a acumulação de enorme riqueza para isto, Lord
Milner discordava, dizendo que se poderia conquistar o mundo
através de propaganda, trabalho duro e relações pessoais. Com
o mesmo objetivo fundaram a Round Table, com a finalidade de
formar grupos de influência locais para agitação em defesa da
“federação” através de “controle da mídia, controle de
estatísticas e controle de pânico” (Quigley, op. cit). Antes da
década de 20 idealizaram detalhadamente a descolonização e
a união das ex-colônias (British Empire) na British
Commonwealth of Nations, tornada realidade em 1949.
É desta enorme influência dos meios de comunicação
que trata o livro que muito me honra prefaciar. O autor trata com
erudição e extrema clareza o objetivo que traçou para si. Ao
longo dos capítulos vai desdobrando um mundo que poucos
conhecem. Um mundo de grande riqueza e esplendor que, não
obstante, se deixa contaminar por vis e torpes propósitos. O
autor apresenta ao leitor a estrutura interna, o âmago, aquilo
que o leitor comum sequer é capaz de imaginar. Lemos um
jornal, assistimos a um programa de TV e, se somos
interessados, acreditamos em algumas informações,
desconfiamos de outras, tudo de acordo com nossas
preconcepções. Parafraseando Koestler, “comemos e
deglutimos as informações sob a ação de nossa própria saliva”.
Mas os meandros de que trata este livro são desconhecidos do
leitor comum.
Algumas partes muito técnicas tornam difícil comentar,
mas a leitura é fácil e agradável. Limitar-me-ei a comentários
esparsos.

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Já de início coloca-nos frente a uma característica do


novo jornalismo que tem sido ensinado nas universidades, algo
desconhecido para a maioria dos leitores: a ideia de que a um
jornal, ou outra mídia qualquer, não cabe apenas informar, mas
transformar a sociedade, tendo ouvido de um professor que “...
o único motivo pelo qual buscamos conhecimento é a vontade
de alteração da realidade, a modificação ou controle do nosso
meio social”, não como uma conclusão, mas como premissa.
Esta afirmação, em sendo verdadeira, poria por terra
não apenas o jornalismo informativo, mas toda a pesquisa
filosófica e científica de séculos. Mas só por isto podemos ver
qual a base deste ensino: a anti-filosofia marxista. Marx afirmou
que “Até então os filósofos limitaram–se a interpretar o mundo.
Cabe, agora, transformá–lo”. Marx pretendia acabar com a
filosofia como amor ao conhecimento para, em seu lugar,
colocar a práxis – a aplicação da teoria à prática. Chega de
investigar! Não mais buscar o conhecimento “para o simples
conhecer ou simplesmente para orientar-nos, adaptar-nos,
conhecendo as opções disponíveis com vista à ação individual”
. Prossegue o autor: “Individualmente, ninguém normal busca
transfigurar a sociedade à imagem e semelhança de suas
utopias. Ao menos este anseio não pode ser visto como natural
no ser humano, mas instigado de fora...”.
Creio que aqui cabe um esclarecimento de ordem
psicológica: este anseio é natural em todos os seres humanos
na fase de desenvolvimento infantil. A criança muito pequena
não aceita adapta-se ao mundo, mas quer que o mundo se
adapte a ela. Revolta-se quando percebe sua extrema
fragilidade e dependência, abre o berreiro quando se defronta
com qualquer aspecto do mundo real que a frustra. É uma das
principais tarefas dos adultos que a cercam ajuda-la
carinhosamente a aceitar as crescentes frustrações, de modo
que aquelas fantasias onipotentes (utópicas) sejam reprimidas
e enterradas profundamente. Mas permanecem com o potencial
de serem despertadas frente a frustrações naturais. Se
persistirem na vida adulta, o que eram fantasias normais,
configuram agora um afastamento delirante do mundo real.
Eis que encontramos aqui a crueldade maquiavélica da
proposta marxista: apesar da aparência racional e “científica”
ela apela tão somente para as frustrações profundamente
enterradas em todos os seres humanos fazendo com que elas
voltem à tona. Como diz Armando Ribas: “educar com
marxismo é como amamentar com álcool”. A analogia é
perfeita, pois a ideologia embriaga ao estimular o retorno das
antigas fantasias, já inconscientes, de ser capaz de mudar o
mundo a seu bel-prazer. É o perfeito idiota útil (apud Lenin).
A predominância desta estimulação doutrinária no
meio jornalístico, pedagógico, artístico e nos consultórios
psicológicos é devastadora. Não por outro motivo o autor
anunciou no Capítulo II uma nova era, a das técnicas sociais.

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O referido diagnóstico de Karl Mannheim foi precedido


por suas ideias sobre ideologia e utopia. Para ele Utopias
políticas são wishful dreams que inspiram a ação coletiva de
grupos opostos com o objetivo de uma inteira transformação da
sociedade e que, para tal dominam o pensamento social
penetrando nas teorias científicas, na filosofia, na história e nas
ciências sociais.
Pode-se ver ao longo deste capítulo, através de uma
dissertação eficiente, como os meios de comunicação
caminharam rumo ao controle da opinião pública, não mais da
transmissão e informação, como na primeira e na terceira
geração da história do jornalismo. Estas me parecem fases
ainda inocentes, virgens ainda não estupradas pela ideologia.
Mesmo que ”A concepção de jornalismo nesta fase estava na
necessidade de orientar socialmente o público”. Esta orientação
carecia ainda da malícia que se instalou depois.
Um ponto essencial deste capítulo é a sugestão de
Lippmann de que “para serem adequadas, as opiniões públicas
precisam ser organizadas para a imprensa, e não pela
imprensa”. Isso mostra a dependência dos órgãos de
informação de uma “instância superior”, a casta dos
intelectuais, ou, como hoje abundam, dos especialistas. Os
jornalistas já não emitem mais opiniões próprias, mesmo nos
editoriais, desde que elas contrariem algum “especialista”.
Acompanho os jornais, e o rádio há quase sessenta
anos, e a televisão desde seus primórdios no Brasil. Nunca
antes houve a atual enxurrada de opiniões de “especialista”.
Com exceção daqueles que se especializaram em alguma
ciência ou um médico, p. ex., estes são, obviamente o que
Gramsci denominou intelectuais orgânicos – e Olavo de
Carvalho de imbecil coletivo! A ânsia em demonstrar algo
“científico” como se se tratasse de ciências exatas têm levado a
ridículos inimagináveis.
Gramsci mantém a ideia marxista do sujeito
conhecedor e pensante coletivo, mas faz uma distinção entre o
intelectual “orgânico”, aqueles conscientes de sua posição de
classe – criado pela classe dos intelectuais, pelo partido-classe
– e o intelectual “tradicional” – aquele que mantém sua
autonomia e continuidade histórica. A organização da cultura é
conseguida exatamente através da hegemonia dos intelectuais
orgânicos - organizados como órgãos de um único organismo, o
Partido-classe, o “intelectual coletivo”.
Pasmem os leitores, existem especialistas em ética!
Ora, uma coisa é ser Professor de Ética, examinando o assunto
nos textos dos filósofos, outra é utilizar o jornalismo para
“ensinar” seres adultos a serem “éticos”. Como bem o diz o
autor “Afinal, há sempre alguma elite de intelectuais ou políticos
que acredita ter em suas mãos a solução última, mesmo que a
maior parte da população discorde sobre isso. Então, toda a
manipulação parece se justificar para o bem supremo de toda a
humanidade”. Exemplo recente foi o Referendo sobre o
desarmamento em 2005: contrariando a auto eleita elite 63,94%
dos brasileiros votaram contra. A tal elite, tão pronta a defender
a democracia o que fez? Ignorou o resultado como produto de
manipulação por parte de interesses escusos dos fabricantes
de armas e da “bancada da bala”. Até hoje o Estatuto vige.
Outros plebiscitos previstos, como o do aborto, foram
rapidamente engavetados! Algo mais importante, que
comentarei adiante é o “aquecimento global” causado pelos
seres humanos.
Mas este ponto me permite abordar uma das três
recomendações do Milner Group acima citados: controle da
mídia, controle das estatísticas e controle do pânico. Sendo o
primeiro objeto do presente livro como um todo, abordarei agora
o segundo. Com referência ao desarmamento são
frequentemente publicadas estatísticas de “exatamente quantas
mortes foram evitadas pelo Estatuto do Desarmamento”. São
citados números assustadores! Os desavisados se
impressionam, mas é só pensar um pouco: como surgem estes
números tão exatos? Ora, a ciência estatística só pode lidar
com dados objetivamente verificáveis. Portanto, como saber
quantos assassinatos teriam ocorrido caso não houvesse esta
lei? Isto obviamente só pode ser uma interpretação baseada em
dados não verificáveis, transformando a ciência estatística
numa adivinhação mágica: só com uma bola de cristal que lhes
permitisse conhecer o futuro que não foi, mas poderia ter sido,
e comparar com o que foi. Por que esta exatidão? Ela tem três
propósitos: 1. Dar um ar de cientificismo, 2. Justificar aquela lei
ex post facto e 3. Introduzir na mente do público a ideia de que
aqueles que querem revoga-las são monstros assassinos,
como chamam no Congresso a “bancada da bala”.
Quanto ao primeiro, ressalto o escrito pelo autor em
relação à matematização das ciências sociais: “No intuito de
serem associadas à cientificidade, e com isso angariar a tão
disputada legitimidade social e política moderna, as ciências
humanas ocuparam grande parte da sua história tentando
aproximar seus métodos aos das ciências exatas”.
Frequentemente caem no ridículo aos olhos dos cientistas e
qualquer pessoa de bom senso com alguma cultura.
Outro tipo de especialista são autores como os citados
Lippmann e Bernays. Esses são técnicos em informação e
propaganda, pesquisadores cujas conclusões têm enorme
importância para o exercício da profissão.

Outra afirmação com a qual concordo plenamente e


que constitui parte importante dos meus estudos, é que “ideias
totalitárias são decorrentes de ideias profundamente
democráticas”. Por esta razão os framers da Constituição
Americana reconhecendo a necessidade da escolha popular
das autoridades, impuseram checks and balances, entre eles a
eleição indireta do Presidente, a Federação e a
subsidiariedade, impediram que lá acontecesse o que ocorreu
na República de Weimar. Pelo menos até 2008!
Mas nem só de marxismo vive o livro. As técnicas de
Lippmann e Bernays são oriundas de outras paragens, inclusive
a necessidade de intensa propaganda empresarial devido ao
rápido desenvolvimento da economia de mercado no final do
século XIX em diante.
Como diz o autor “O primeiro mito a se desfazer
quando se pensa em técnicas de controle social é o de que
essas ideias são oriundas de mentalidades ligadas a regimes
totalitários. Estes regimes só aperfeiçoaram e deram caráter
mais técnico a uma necessidade dos próprios regimes
democráticos de caráter liberal”. Devo acrescentar, no entanto,
que o desenvolvimento da democracia liberal e da economia de
mercado se deu pari passu com a formulação das teorias
marxistas. Ambos são filhos do século XIX e as influências
entre ambos se interpenetram. Adam Smith (1723-90) e Jean-
Jacques Rousseau (1712-78) foram contemporâneos. Seria
arriscado falar das influências entre eles, mas viveram o mesmo
clima de efervescência do Século XVIII, que culminou nas
primeiras aplicações de suas teorias: as do primeiro, na criação
dos Estados Unidos da América, as do último na Revolução
Francesa. O século XIX presenciou o desabrochar das ideias
de Smith na prática política, e as de Rousseau no avanço
teórico de Marx e Engels. A primeira aplicação da proposição
do Manifesto Comunista de criação de um banco estatal e
controle financeiro, entretanto, foi a criação do Federal Reserve
System em 1913. Embora essencialmente privado é uma das
instituições mais influentes no estado americano.
Sem dúvida os regimes totalitários aperfeiçoaram as
técnicas das democracias liberais, mas estas também, a partir
de 1917, perceberam a eficácia do controle social na Rússia
despertando o sempre latente desejo dos empresários e
políticos dos estados democráticos na instituição dos
monopólios, como no caso do Federal Reserve que levou à
bancarrota milhares de pequenos bancos locais, eliminando a
concorrência. À união dos interesses dos magnatas
monopolistas com as ideias políticas marxistas gerou o que
Olavo de Carvalho denominou de “metacapitalistas”, o
paroxismo de poder monopolista.
Um exemplo entre outros é a Gorgovsky Avtomovilny
Zavod, a montadora de veículos em Gorki instalada por Henry
Ford em 1929. Em troca da instalação Stalin compraria, ao
longo de nove anos, 72.000 veículos. Para lá foram
componentes, maquinaria e uma equipe de técnicos
americanos que permaneciam com os passaportes temporários
retidos pela OGPU (polícia política da época, antecessora do
KGB). Estes últimos se viram em maus lençóis por causa da
baixa qualidade dos materiais e da ineficiência dos
trabalhadores soviéticos: acusados de sabotadores já que os
trabalhadores locais só podiam ser retratados como heróis,
foram parar na Sibéria ou foram executados. Pouco importava
para Ford, que auferiu grandes lucros, ou Stalin, que usou a
Zavod para implementar a produção de veículos militares.

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Apesar do jornalismo não ser minha área a experiência
empírica me mostra que a mídia nos EUA não foi tão afetada
pela monopolização como no Brasil. Lá ainda existem os jornais
e as rádios locais e aqui estas quase desapareceram. Lá,
Reagan se tornou nacionalmente conhecido através de cadeias
de rádios locais formadas em grande parte de associações
espontâneas, apesar do evidente boicote das grandes redes de
TV e dos grandes jornais das metrópoles.
Na minha juventude as cidades interioranas tinham
jornais diários e emissoras de rádio. O que foi feito delas?
Certamente não conseguiram resistir à concorrência predatória
da grande mídia. Já esta última, de tão repetitivas, acabam
parecendo a mídia “pluralista” soviética: Pravda, Isviéstia,
Krasnaya Zviezda, Komsomolskaya Pravda e outros. Lá,
repetiam ad nauseam as ordens do Partido transmitidas pelas
Agências Tass e Nóvosti; cá, as ordens da ONU transmitidas
através de suas diversas agências!

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Ao discorrer sobre os aspectos da cultura e a influência


dos intelectuais, o autor nos brinda com excelentes e profundas
análises, ressaltando as artimanhas estratégicas dos
comunistas na área cultural, principalmente, mas não somente,
através da Escola de Frankfurt. Diz o autor: “Ao converterem o
capitalismo em um poderoso e temido sistema de manipulação,
ocultavam a imensa operação de que faziam parte”. É uma
perfeita caracterização de uma das principais táticas
comunistas em todas as áreas: "Acuse-os do que você faz,
xingue-os do que você é"!
Vejamos um exemplo bem próximo: o PT vivia
acusando a todos os demais partidos de corrupção e exclusão
social. O que vemos neste primeiro semestre de 2016 é
exatamente isto: enquanto acusava os outros, o PT surrupiava
tudo que via pela frente e criou a maior exclusão social da
história do País. “Nunca antes neste País” houve tanta miséria,
tanta corrupção e tanto desemprego.
A influência dos intelectuais frankfurtianos levou à
perversão da palavra cultura. No entanto quero aduzir outro
personagem: Franz Boas (1858–1942), considerado o pai da
antropologia americana, com tal influência no meio acadêmico
que hoje ninguém ousa contrariar sua criação, a antropologia
cultural. Fundou o primeiro departamento de antropologia dos
EUA, na Universidade de Columbia e foi curador de Etnologia e
Somatologia no American Museum of Natural History. Seu livro
The Mind of Primitive Man (1911) defendia que as diferenças
entre as raças não dependiam de fatores fisiológicos, mas de
eventos e circunstâncias históricas. Teve seu livro queimado
pelos nazistas em 1930, que revogaram seu Ph. D. obtido na
Universidade de Kiel, tornando-se imediatamente herói aos
olhos de toda a Academia americana. Em 1940 editou
Language and Culture.
Seu conceito de que as raças são apenas um
construto cultural estenderam-se depois para tudo o demais,
apresentando ao mundo o relativismo cultural, esta peste que
se espalhou como erva daninha através dos seus principais
alunos, Alfred Kroeber, Ruth Benedict, Margaret Mead,
Bronislaw Malinowsky e Ralph Clinton. Se tudo é constructo
cultural, a realidade se torna impalpável. Foi um prato cheio
para as esquerdas que souberam aproveitar suas ideias para
“desmascarar” a crença da superioridade da civilização
ocidental, considerada racista e xenófoba. Se seu livro foi
queimado pelos nazistas é por ser verdadeiro e quem ousa
discutir suas ideias é imediatamente um fascista e racista.
Margaret Mead empregou-as em seus estudos de
campo com os Maoris, tendo publicado Coming of Age in
Samoa e a falsificação da realidade para caber na teoria do
mestre foi demonstrada por Derek Freeman, entre outros. Tanto
Freeman como outros pesquisadores ouviram dos autóctones,
objetos da pesquisa, de forma bem irônica, “que se viram
forçados a aceitar as teses da autora, tanto ela insistia estar
correta”.
Embora a aplicação de suas teorias ao campo se
mostrassem apenas re-confirmações das concepções com as
quais ela lá chegou, nada adiantou. O relativismo cultural já
está enraizado na mente ocidental de tal forma que a mídia não
tem como não repeti-la ad nauseam. Tornou-se padrão mental
do ocidente interpretar tudo como “cultural”. Esta noção se
espraia para a moral, a religião e tudo que é humano. Elimina-
se toda a gradação de valor e, por extensão, a transcendência.
Nada mais existe que não seja imanência cultural.
Tais conceitos reforçam a tendência ressaltada pelo
autor: “Hoje é praticamente impossível encontrar um curso
universitário que não tenha como base teórica a crítica ao
Ocidente e ao Cristianismo. Uma das evidências disto é que
qualquer resquício de moral Cristã nas instituições ocidentais é
denunciado como evidência de um poder hegemônico
(acrescento: intolerante!) Cristão, capitalista e ocidental. E é
justamente esta a técnica de engenharia opinativa utilizada nos
meios de comunicação de massa”.

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Muito do que se sabe hoje sobre propaganda se deve


a um personagem, em boa hora citado pelo autor com
destaque, aquele que talvez merecesse o Prêmio Nobel de
propaganda nos anos entre guerras: William Münzenberg. Tal
honraria lhe seria cabida se seu real papel não tivesse
permanecido como um segredo guardado a sete chaves.
Provavelmente o único comunista alemão oriundo da classe
operária, sem pretensões intelectuais, foi o primeiro grande
mestre e criador de duas novas formas de serviço secreto: um
front propagandístico secretamente controlado e uma rede de
“companheiros de viagem” manipulados.
Münzenberg entendeu que a revolução precisava de
algo mais do que ganhar as massas. Numa reunião do
Komintern, ponderou: “Precisamos organizar os intelectuais. A
revolução precisa dos formadores de opinião da classe média –
artistas, jornalistas, ‘pessoas de boa vontade”, novelistas,
atores, dramaturgos, humanistas. Lenin imediatamente se opôs,
pois estes eram seus mais odiados inimigos. Acabou se
rendendo ao argumento de Karl Radek: “precisamos evitar ser
apenas uma organização comunista, temos que trazer outros
nomes, outros grupos, para tornar mais difícil a perseguição”!
(Koch, op.cit.).
Conseguiu convencer meio mundo acadêmico
americano e da mídia a criar uma verdadeira rede de
propaganda para a disseminação de que, qualquer opinião que
servisse aos objetivos da URSS, derivava de elementos
essencialmente decentes da personalidade. Simultaneamente,
instilar o sentimento, como uma verdade da natureza, que
criticar ou desafiar a política soviética era uma marca de
maldade, intolerância e estupidez, enquanto o apoio àquelas
políticas significava uma pessoa de mente aberta e
sensibilidade refinada, desejando o melhor para a humanidade.
Eis aí o germe do que ainda vigora na atualidade:
progressistas e reacionários. Os primeiros são abertos às novas
ideias, cultos, refinados e tolerantes. Os últimos são grosseiros,
intolerantes, truculentos e ignorantes, não sabem pensar
corretamente. No idioma russo existe um neologismo para
estes: niekultur (inculto).

Esta importância de ter a intelectualidade como


“companheiros de viagem” foi uma conclusão empírica genial
de Münzenberg, muito antes de Gramsci teorizar a respeito.
Uma lista dos órgãos de comunicação que pertenciam
ao “Münzenberg Trust” – como era chamado ironicamente pelos
bolchevistas – uma verdadeira multinacional comunista de
propaganda com ramificações em todo ocidente não cabe no
escopo de num Prefácio. As consequências em Hollywood
foram devastadoras. Para aprofundamento indico além do já
citado de Koch o livro The Twilight of the Intellectuals: Culture
and Politics in the Era of the Cold War, de Hilton Kramer, Ivan R.
Dee, 1999. Uma boa revisão pode ser encontrada em
https://www.bostonreview.net/books-ideas/george-scialabba-
review-twilight-intellectuals, e um importante artigo do autor
sobre as listas negras de Hollywood está em
http://www.newcriterion.com/articles.cfm/-The-Blacklist---the-
Cold-War--revisited-3249.

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Os principais grupos globalistas ambicionam o controle


político e econômico do mundo, e todos sabem que “para
alcançar este objetivo há que se controlar a mente humana”.
Através das agências da ONU pretende-se criar uma mente
globalista, uma falsa identidade internacionalista através da
implantação de padrões internacionais de educação, saúde,
legislação trabalhista, e tudo o mais. “O inimigo comum de
todos os blocos globalistas é a liberdade individual... Mesmo
quando a defendem buscam elevá-la ao seu extremo, o que
fatalmente vai expor suas fragilidades”. A liberdade é um dom
muito tênue e frágil e só existe se racionalmente limitada; elevá-
la ao extremo é esgarçar de tal forma o tecido social que leve
ao seu rompimento, criando um vácuo filosófico, moral e
religioso. É para preencher este vácuo que entram em cena
novos conceitos internacionalistas totalizantes.
Um dos principais instrumentos para a criação destes
conceitos e a impregnação da mente de todos os seres
humanos é o politicamente correto. Dos três blocos globalistas,
só o Ocidental pode sofrer intervenção. O Eurasiano e o
Islâmico são, por suas próprias naturezas, totalitários e o
controle mental está na própria natureza dos regimes. É no
Ocidente, onde pela primeira – e única – vez na história da
humanidade foi criado o conceito de liberdade individual e,
consequentemente, a liberdade de expressão e religiosa, e os
Estados Nacionais com suas características específicas.
Porém, o indivíduo livre e consciente sempre existiu,
condenado ora como traidor, ora como herege, ora como louco,
mas “é de fato impossível de destruir ... (portanto) os grupos
revolucionários globais lançam mão de todo tipo de arranjo
ideológico para ludibriar a opinião pública e tornar suas
demandas de poder e controle num anseio para a humanidade”.
No entanto, como bem o diz o autor “Os intelectuais
ocidentais sempre demonstraram intuito de uma sociedade
perfeita controlada por uma elite de esclarecidos”. Controlada e
planejada, porque não há nada mais oposto ao reinado da
liberdade do que o moderno planejamento estatal.
A ideia de um governo mundial tomou força no século
XX. A tentativa um tanto ingênua de Wilson de uma paz
universal e eterna gerou um filhote natimorto: a Liga das
Nações, oficialmente extinta pelos estados totalitários que nem
sequer tomaram conhecimento de sua existência. Depois da II
Guerra Mundial Stalin usou seu agente no Departamento de
Estado Alger Hiss para planejar uma nova liga, desta vez mais
forte e corrigindo os erros da anterior, a ONU. Temendo que os
Americanos pudessem incluir os direitos individuais presentes
em sua Constituição e na Bill of Rights, criaram uma
Declaração Universal dos Direitos do Homem, coletivista,
globalista e, principalmente, para universalizar de que os
direitos naturais não existem, só aqueles direitos que são
concedidos pelos organismos globais.
No entanto, a criação de um governo mundial não
pode ser imposta de cima, é preciso convencer a humanidade
de sua necessidade; melhor, fazer com que as pessoas
desejem e acreditem piamente que a ideia partiu do seio delas
mesmas. Para tal, além da perversão educacional, a
importância dos meios de comunicação é crucial, assim como a
criação de agendas que mantenham a população
permanentemente alarmada, com dizia Mencken. Além deste
estado de alarme permanente é preciso de tempos em tempos
criar situações fictícias de verdadeiro pânico somente
controlado pela “pronta ação da comunidade internacional”,
outra ficção. O controle do pânico, lembram, é a terceira
recomendação dos fundadores do The Times. Tais agendas são
muito bem descritas pelo autor, principalmente o ambientalismo,
a ameaça da explosão populacional, de guerras com armas de
destruição em massa.
Estas últimas são sempre evitadas por intervenção da
ONU, mas poucos percebem que esta organização precisa
estimular um estado permanente de guerras localizadas e
relativamente controláveis, pelo menos para justificar sua
própria existência, assim como o controle populacional. Tal
controle através de esterilizações em massa, descriminação do
aborto, incentivo à eutanásia legal, geralmente são, de início,
mantidos longe da mídia ou restrito a mídias locais por sua
identificação com os projetos eugênicos tão populares no início
do século passado, mas tão abominados após o Holocausto.
Isto permitiu ao autor, com bela ironia, afirmar: “Distante da
cobertura permanente da mídia, torna-se mais fácil desenvolver
teorias bizarras como a da eliminação de seres humanos para a
salvação da humanidade, sem que perguntas inconvenientes
interfiram e atrapalhem...”! Mas o que é isto senão uma
aplicação da velha estratégia comunista – ou mesmo jacobina?
– de matar milhões de pessoas para criar uma sociedade
“melhor”? As pegadas do monstro são visíveis!
A exacerbação do ambientalismo e da ecologia fez ressurgir
das trevas as velhas ideias sobre Gaia, a Mãe-Terra ou Pacha
Mama concedendo a posteriori ares de legitimidade às
imposturas satânicas de Madame Blavatsky, Alice Bailey, Annie
Besant, Alaister Crowley e outros ocultistas.
Embora algumas destas seitas esotéricas se
apresentem como Cristãs todas têm por objetivo destruir o
Cristianismo: “Nossa meta, dizia Madame Blavatsky, não é
restaurar o hinduísmo, mas varrer o Cristianismo da face da
Terra”. A grande propagandista do Novo Cristianismo Esotérico,
Annie Besant, dizia que “o principal é combater Roma e seus
sacerdotes, lutar em todas as partes contra o Cristianismo e
jogar Deus para fora do Céu”.
Creio que com estas palavras posso recomendar aos
leitores a excelente abordagem de Derosa sobre a
espiritualidade da Nova Era, onde se estende sobre esta
entidade satânica chamada United Religions Initiative e outros
movimentos New Age e a “Era de Aquário”, esta última a meu
ver fundada com o musical Jesus Christ Superstar, o festival de
Woodstock e seu hino é Imagine, cuja letra agrega todos os
elementos de uma Nova Ordem Mundial: não haverá inferno
nem céu, não haverá países nem religião, uma irmandade de
homens partilhando todo o mundo, sem guerras, sem fome,
sem posses.
O capítulo sobre o Governo Mundial – Revolução
Global e Nova Era – está irretocável, incluindo o papel
fundamental da mídia em seu progresso. Claro que, além de
não poder ser imposto de cima, também não é possível num
único movimento centralizador. Como já expus alhures a
estratégia é a da formação de blocos regionais dos quais a
menina dos olhos certamente é a União Europeia. Ao escrever
este Prefácio tenho uma vantagem sobre o autor: ocorreu
recentemente o Brexit, o plebiscito em que o povo britânico
rejeitou a União Europeia. Este fracasso de grande monta
representa que o povo britânico resolveu banir – espero que
para sempre – o jugo de uma casta de esnobes intelectualóides
que tem a pretensão de ditar todas as normas para um
continente inteiro.
É bastante revelador o Presidente da Comissão
Europeia, Juncker, ensinando os políticos europeus em maio
passado a ignorar seus eleitorados, dizendo “Se vocês
estiverem ouvindo a sua opinião nacional vocês não estão
desenvolvendo o que deveria ser um sentimento comum
europeu”.
O BREXIT é um enorme revés para a estratégia de
colocar políticos e banqueiros elitistas no controle do mundo
inteiro.
Deixo as palavras finais com a Iron Lady, ressaltando
que são aplicáveis ao mundo todo: "A Europa é em tudo
(exceto no sentido geográfico) uma construção puramente
artificial. Não faz sentido mesmo amontoar Beethoven e
Debussy, Voltaire e Burke, Vermeer e Picasso, Notre Dame e
São Paulo, carne cozida e bouillabaisse, e retratá-los como
elementos de uma realidade artística, arquitetônica e
gastronômica filosófica musical europeia. Se a Europa nos
encanta, como tantas vezes me encantou, é precisamente por
causa de seus contrastes e contradições, não pela coerência e
continuidade."
____________________

Aprendi há anos com um arquiteto que obra não se


termina, abandona-se. E é com pesar que devo aplicar esta
máxima a este Prefácio. As vertentes são tantas, os meandros
tão abundantes e bem descritos que é impossível abrangê-los
como merecem. Deixo esta função aos leitores que certamente
têm pela frente uma agradável e instrutiva leitura. Vejo em
Cristian Derosa um dos grandes óbices a que a pérfida
“transformação social” que denuncia venha a se consumar.

Heitor De Paola
Rio de Janeiro, julho de 2016

INTRODUÇÃO
Diariamente, ao lermos nos jornais as notícias sobre
nosso cotidiano, depositamos certa confiança no trabalho de
centenas de profissionais do jornalismo e de mídia de quem
esperamos ver impressos em seus produtos o retrato daquilo
que vemos e que não vemos em nossa realidade imediata.
Desde os fatos comuns dos quais dependemos diretamente,
como a economia doméstica, o trânsito ou a previsão do tempo,
até aqueles de interesse mais amplo como a política e a
economia mundial, somos dependentes de um sistema que
sustenta registros e relatos tidos como confiáveis. Mas essa
confiabilidade na idoneidade dos relatos ocorre por meio de
uma credibilidade emprestada, indireta e muitas vezes
improvável. Em primeiro lugar, nós confiamos neles porque
sabemos que a verdade não é um produto da invenção humana
e, sendo assim, há a possibilidade do homem acessar uma
parte da realidade e relatá-la a outros homens que não têm o
mesmo acesso àquela porção do real. Dessa confiança
depende nossa orientação no mundo. No entanto, se
soubéssemos o que se tem ensinando nas faculdades de
jornalismo a respeito da melhor prática jornalística ou do valor
da verdade na profissão, colocaríamos muitas aspas nesta
confiança e é possível que déssemos um uso bem menos digno
ao papel dos jornais.
Faz-se urgente compreendermos uma verdade a cada
dia mais explícita: não há mais motivos para uma tal confiança
na mídia. Embora essa afirmação soe como mais um eco do
relativismo afirmado e reafirmado no meio acadêmico, o nosso
alerta de desconfiança da mídia é devido um motivo bem
diverso dos alardeados por aqueles que meramente acusam a
mídia de servir a interesses econômicos ou capitalistas. O
motivo é que, ao longo das últimas décadas, a função
informativa dos jornais foi sendo progressivamente substituída
pela função transformadora da sociedade. A comunicação tem
por definição uma função informativa e um efeito transformador.
Afinal, a difusão de fatos gera novos fatos. Mas agora o efeito
assume gradativamente o status de função essencial da
comunicação.
Velhos problemas filosóficos como o problema da
verdade e do acesso a ela têm feito parte das discussões
acadêmicas mesmo depois de já terem sido amplamente
debatidos em suas disciplinas de origem. Estas discussões, ao
longo do século XX, somadas à ampla atividade de grupos
políticos e intelectuais convencidos de sua missão como
guiadores morais dos rumos da história, trouxeram uma
mudança profunda naquelas atividades das ciências humanas
que antes buscavam compreender a realidade. Hoje
praticamente todos os cursos universitários propõem o estudo
de suas disciplinas aliado à função da transformação social. A
transformação pode ser encarada como uma disciplina
obrigatória a todos os cursos, que se traveste muitas vezes de
belas e humanitárias intenções. Essa mudança de função deve
o seu caráter em parte a mudanças culturais trazidas pela
própria evolução de estudos sociais aliados às utopias políticas
disponíveis. Grupos inspirados no antigo Clube de Roma, como
Bilderberg, Sociedade Fabiana, fundações Ford, McArthur,
Open Society, entre tantas outras, encontraram um meio de
financiar e orientar os estudos científicos de relevância
internacional durante o último século. Quase tudo que é dito e
repetido nos meios de comunicação veio da mente de meia
dúzia de metacapitalistas seduzidos pela utopia da sociedade
socialista global, a chamada Nova Ordem Mundial, que será
erguida a partir de uma sociedade fundada em assembleias
onde serão promulgados consensos que sirvam a interesses e
conveniências, terminando por sepultar a possibilidade de
julgamentos que fujam do que é acordado pela elite de
governantes globais. Mas embora isso seja irrealizável na
prática, a ação das incessantes tentativas empreendidas já nos
causa muitos problemas.
O efeito deste empreendimento ao longo do tempo e
em escala global exerce um poder imperceptível de
transformações sociais. Se isso ocorre de modo contínuo às
pessoas indiscriminadamente, imagine o estrago que pode
causar na mente de um jornalista ou estudante de jornalismo
convencido ingenuamente da função original de informar
objetivamente o público. Esta mudança profunda trouxe a
sedutora efetividade nos estudos de psicologia social, função
normalmente concedida à publicidade e propaganda, cuja
sustentação teórica depende da objetividade da análise social e
não de propagandas ideológicas ou utópicas. A união destes
estudos com a psicologia das massas deu um upgrade que
dificilmente o meio acadêmico conseguiria sozinho. A maior
parte do conteúdo de publicações acadêmicas tenta responder
a mesma pergunta: como empreender a modificação das
mentes para a conformação com um admirável mundo novo,
uma nova mentalidade por meio de uma verdadeira colonização
ideológica, na linha das previsões do escritor Robert H. Benson,
já no início do século XX[1].
A crença inquestionável na necessidade de
transformação dos padrões culturais representa hoje um muro
intransponível à inteligência de milhares de estudantes de todas
as áreas que chegam às universidades e são bombardeados
com estímulos aos mais delirantes sonhos de sociedade
perfeita. Desde a utopia socialista até as miragens esotéricas
da Nova Era e do ambientalismo transumanista, parece fora de
dúvida toda confiança no poder humano para transformar a
realidade. Do mesmo modo que a ciência moderna ambicionou
o controle técnico da natureza, donde vem a crítica pós-
moderna e ecológica, a nova utopia da reconstrução da mente
humana por meio da engenharia social foi sendo sedimentada
por teorias e agentes políticos influentes ao longo das últimas
décadas. A mudança de função é tão profunda quanto
imperceptível, já que, disposta hegemonicamente tanto em
teses acadêmicas como em notícias e opiniões, vai tolhendo o
consumidor em sua cognição até fazer-lhe incapaz de
diferenciar a informação da pura manipulação.
A autoridade de consensos na tomada de decisões,
marca da democracia moderna, tornou-se força justificadora
para a elevação das emoções populares e gostos grupais à
autoridade de reivindicações de direitos legítimas, o que acaba
por ameaçar a própria liberdade democrática. Esta situação
oportuniza a criação de infinitas formas de ideologias, isto é,
justificativas retóricas que escondem planos definidos e
discutidos previamente, mas que não são postos em discussão
pública. O leitor há de perceber que quanto mais se defende,
em âmbitos públicos e midiáticos, o debate irrestrito sobre os
mais variados assuntos de interesse supostamente geral,
menos se põe em discussão o motivo real da discussão e o
agente para o qual será dado o poder para a referida
transformação. Isso porque é justamente o agente (grupo,
entidade ou movimento) o autor das sugestões para todas as
discussões possíveis. Não é preciso pensar muito para concluir
que qualquer força agente que proponha debates sem nunca
ser ela mesma objeto de debate, acumula uma credibilidade e
poder inquestionável – e ao mesmo tempo invisível – para
definir tudo o que é ou não assunto.
Nas notícias diárias baseamos nossas discussões
privadas e públicas e formamos opiniões sem nunca nos
perguntarmos se determinado tema é ou não assunto ou a
quem será dado o poder de fazer tal ou qual mudança. A
mudança tornou-se, em todos os níveis de debate, um valor em
si, uma palavra estimulante de emoções positivas. Sendo novo,
tudo é automaticamente bom, independente dos defeitos.
Sendo velho, é mau, independente dos méritos. A ênfase da
renovação foi o mote da modernidade e das ciências que se
legitimaram mais nas inovações técnicas do que nos avanços
do pensamento, em favor do qual pouco se poderia dizer. Mas
essa suposta virtude da inovação facilmente se trai. Só mesmo
um mundo dominado por velhas convicções que restaram de
um Iluminismo tardio poderia ainda ser tão facilmente seduzida
por promessas de renovações vãs.
Evidentemente, não estamos a dizer que
transformações não sejam necessárias, boas ou mesmo
inevitáveis quando se fala em difusão social de informação. Um
coeficiente de transformação involuntária sempre foi admitido e
esperado mesmo pelos proponentes da mais férrea objetividade
comunicativa. Primeiro devido o potencial orientador das
notícias, que incentiva a participação na vida pública, mas
também através de características da própria estrutura
noticiosa. Afinal, é a dependência de anunciantes que
determina a periodicidade obrigatória dos jornais, que precisam
ser preenchidos com conteúdo que atraia a atenção das
pessoas, às vezes mais do que informar. Quando não há fatos
de grande relevância, torna-se necessário forçar a relevância
de acontecimentos, ou seja, dar a impressão subliminar de
importância, utilizando recursos estilísticos ou gráficos como
letras grandes ou imagens fortes, mesmo tratando-se de
futilidades das mais nulas para a orientação pública. Isso aos
poucos gera o efeito de uma paulatina mudança nos critérios de
relevância e, sobretudo, nos critérios morais de uma sociedade.
Muitos analistas de mídia ligados a movimentos de esquerda
enfatizaram este tipo de transformação como uma manipulação
inerente ao capitalismo. Mas, sendo quase involuntária e não
tendendo necessariamente a caminhos ideológicos – já que o
capitalismo não é exatamente uma ideologia – acaba sendo
muito menos relevante do que campanhas intencionais.
Já desde o início do século XX, manuais e guias de
transformação social são distribuídos por empresas, fundações,
ONGs e movimentos sociais com o fim de adestrar ativistas
para a ação massiva de mudança gradativa dos valores da
sociedade mediante o debate, a guerra cultural, estratégias
semânticas ou técnicas psicológicas, como veremos neste livro.
As possibilidades de transformação consciente e voluntária se
ampliaram muito, de modo que diferenciar os efeitos
pretendidos dos aleatórios torna-se um importante desafio para
a otimização de nossa orientação na complexidade cada vez
maior do mundo da comunicação atual. Diferenciar a mentira da
verdade, embora seja uma das mais antigas tarefas humanas –
para não dizer essencialmente humana – implica hoje
diretamente no nível de nossa liberdade diante do mundo. A
presente pesquisa é uma tímida tentativa de colocar na mesa
algumas iniciativas intelectuais e políticas que tiveram a
ambição ou o potencial de serem usadas para domesticar a
opinião pública. O principal acontecimento em redor do qual
gira este trabalho é o da mudança funcional do jornalismo e da
mídia em geral. O resultado cultural e histórico dessa mudança
foi a transferência dos critérios culturais para o campo da mídia,
que passou a determinar as prioridades práticas do público,
incluindo as do meio científico e acadêmico. Tudo isso aponta
para uma situação de completa dependência midiática da
sociedade, inclusive em seus parâmetros éticos, estéticos e
administrativos, isto é, a geração de uma nova cultura
hegemônica ditada e editada de modo periódico pelas notícias
e entretenimento. A grande mídia e sua organização se torna o
oráculo das consciências e das formas de ver e organizar o
mundo.
Procuramos refazer o caminho teórico e histórico desta
mudança funcional que se inicia necessariamente a partir do
modelo da informação como função das notícias. Ao longo
deste livro, o leitor será convidado a perceber como este
percurso se deu em diferentes frentes que trataram do tema da
comunicação. Trata-se de um caminho teórico e histórico
particular, sem o anseio de explicações acabadas ou
enciclopédicas. Percorreremos as ideias que buscaram
gradativamente modificar o critério de julgamento popular,
desde os projetos de ciência objetiva do jornalismo, com o
adereço fetichista da mentalidade moderna, passando pelos
gracejos de ideologias liberais calçadas no consumo, até as
transformações de orientação dos direitos políticos pelos
desejos e o efeito nefasto do niilismo autodestrutivo das utopias
pós-modernas. A transformação dos critérios através das
gerações ao longo do último século pode ter sido influenciada
por mudanças civilizacionais e até certo ponto cíclicas, como
defenderia David Riesman. Mas, como veremos, há uma
impressionante contribuição de ideólogos e engenheiros sociais
que em muito ajudaram na propagação de suas utopias
revolucionárias tentando conduzir o mundo à velha ideia de um
império do entendimento ou do consentimento global.
I
JORNALISMO
TRANSFORMADOR

O ativista, aquele que sempre quer fazer, coloca a sua atividade


acima de tudo. Isso limita o seu horizonte ao âmbito do factível,
daquilo que pode se tornar objeto da sua ação. Ele vê apenas
objetos. Não consegue perceber aquilo que é maior do que ele,
porque isso poderia colocar um limite à sua atividade. Ele
restringe o mundo àquilo que é empírico. O homem é
amputado. O ativista constrói para si uma prisão, contra a qual
ele mesmo protesta em voz alta.

Cardeal Joseph Ratzinger. 1990.

O experimento

No interior de uma sala de aula, numa noite do ano de


2007, alunos de uma faculdade de jornalismo aguardavam
ansiosos pela chegada do professor. O professor Paulo,
responsável por ministra-los a disciplina de Assessoria de
Imprensa, chegava atrasado para a primeira aula do semestre.
Além de professor e jornalista, ele acumulava a função de
coordenador do curso de Jornalismo. Como de costume, entrou
sorridente na sala e, recebido com recíproca alegria dos alunos,
começava a falar sobre o tema da disciplina. O conceito de
assessoria de imprensa – iniciava Paulinho, como era chamado
– deverá experimentar uma dinâmica diferente neste semestre.
Ele então se explica: “assim como o jornalismo a cada dia
admite sua função transformadora da sociedade, também a
habilitação empresarial e em governos deveria assumir seu
papel social de instrumento de conscientização ao invés de
simplesmente defender uma empresa ou um órgão do governo
contra eventuais ataques dos jornais”. Afinal, continuava diante
de alunos atentos, “assim como os governos são submetidos a
compromissos ideológicos e políticos, as empresas precisam
identificar-se com tarefas sociais e, de modo geral com o bem
comum, para angariar maior aceitação na disputa pela melhor
imagem diante do público”. Dessa forma, o professor explicava
que, diferente de outros semestres, “nosso laboratório não vai
ser uma empresa hipotética, mas uma causa verdadeira e de
relevância social. Os resultados terão de ser experimentados e
apresentados na realidade”. A avaliação se daria em campo, o
laboratório seria a sociedade e o efeito prático seria avaliado
pelo professor. Entre as opções sugeridas e preferidas pelo
mestre para aquele experimento social, a causa da mobilidade
urbana acabou sendo a escolhida. Os alunos deveriam
escrever releases, propor e produzir entrevistas, redigir notas
no papel de leitores sugerindo pautas ou a colunistas imitando
seus estilos para induzi-los a abordarem o tema proposto sem
maiores dificuldades. O símbolo máximo da causa da
mobilidade devia ser a bicicleta. Procurassem ciclistas
acidentados devido à falta de ciclovias, obstáculos
intransponíveis nas ruas, acidentes automobilísticos que
atestassem o perigo de se continuar com a cultura vigente, a
necessidade de revisão dos padrões, dos costumes, dos
valores...
Assim se iniciava o semestre do curso de jornalismo
naquele ano de 2007, mesmo ano em que o mundo centrava os
olhos atônitos para o fenômeno apocalíptico do Aquecimento
Global, sobre o qual todos tinham uma opinião ou pelo menos a
história de um fim de semana mormacento que corroborasse as
catastróficas manchetes globais. A capa do jornal Diário
Catarinense, em Florianópolis, apressou-se em resumir o
Relatório do IPCC estampando a seguinte frase: “É consenso
entre cientistas que o Aquecimento Global é 90% causado pelo
homem”. Com isso, se estava dizendo que a causa humana do
Aquecimento Global era inequívoca e que a culpa humana
correspondia a 90%. Mas o relatório apontava, na verdade, que
havia 90% de chances de causa humana, o que é
completamente diferente[2]. A matéria de capa do jornal dá a
impressão de que a causa humana das mudanças climáticas
era algo inequívoco, quando na verdade o relatório classifica de
inequívoco apenas o fenômeno climático e não a sua causa.
Essa afirmação foi seguida por grande parte da mídia no
período, conforme observei em meu trabalho O discurso das
mudanças climáticas no Diário Catarinense (2013)[3].
Com o mesmo descuido de não ler atentamente o
relatório original, por sua vez, os cientistas sociais também se
apressaram em vender a solução pronta da sua velha revolução
dos costumes, ideia tão cara aos âmbitos acadêmicos.
O mundo como conhecíamos parecia estar mudando.
As partículas se aqueciam nas redações, tufões se formavam
nas capas de revistas científicas e um verdadeiro tsunami de
entusiasmo varria os corredores dos cursos de humanas. O
derretimento das geleiras encharcava as capas dos jornais em
matérias de explicações científicas mescladas a lugares
comuns sobre o equilíbrio do planeta e interpretações
simplistas, políticas e ideológicas, nas quais todo crime
profetizado seria imediatamente creditado às próprias vítimas,
usuários inconsequentes do planeta e alienados pela cultura
ocidental. Para compreender melhor a nova situação, o
professor receitava aos alunos doses homeopáticas de Fritjof
Capra e seu Tao da Física ou O Ponto de Mutação.
Voltando à aula de assessoria de imprensa, o
professor Paulo assegurava que o objetivo de emplacar o tema
e agendar a mídia não seria difícil, afinal – prometia ele – vários
jornalistas nas redações estavam ansiosos aguardando este
tipo de sugestão. Prometeu ligar para seus amigos nas
redações e ajudar na tarefa que devia ser de todos. Naquela
turma, um colega encontrava-se tão desesperado diante da
falta de pautas para cumprir a tarefa designada pelo professor,
que decidiu inventar uma situação fictícia e mandar como
sugestão de pauta ao jornal na certeza de que nem dariam
importância. O que ele queria era somente mostrar ao professor
a falsa cartinha do leitor impressa na edição do dia seguinte. Na
peça criada por este aluno, ele se passava por um ciclista
indignado com a falta de acesso para atravessar a Ponte
Colombo Sales. Desafortunadamente, porém, aconteceu que
no dia seguinte, ao invés da nota publicada, o rapaz recebeu
um telefonema da repórter do principal jornal da cidade que,
empolgadíssima, queria fazer uma matéria com ele e sua
bicicleta na ponte com direito a foto que, quem sabe, até iria
para a capa do dia seguinte. Ele, que nem bicicleta tinha,
acabou tendo de confessar o engodo para a decepção da
jornalista.
Essa história nos faz refletir sobre uma situação
bastante preocupante: diferente dos alunos engajados e
preocupados com a construção de um mundo melhor, aquele
aluno não tinha nenhuma pretensão revolucionária,
ambicionava uma nota boa. Isso nos parece indicar o destino
daqueles que não pretendem modificar a realidade, mas que,
diante da pressão do mercado das ideias, sentem-se obrigados
ao engajamento no meio dos transformadores. O fingimento e a
falsidade bajuladora, a adaptação conciliadora à atmosfera de
mentiras faz parte dos desafios do jornalista profissional no
mundo de hoje. Como aluno de jornalismo, aquela situação me
causou profunda impressão. A situação de ter que mentir para
sustentar o papel social obrigatório de cidadão engajado e
preocupado, indicou-me, naquela ocasião, que aquele devia ser
um traço importante da carreira jornalística naquele contexto.

Mentalidade transformadora
Alguns anos depois, no departamento de mestrado da
Universidade Federal de Santa Catarina, as discussões sobre a
validade ou não da prática militante do jornalista, parecia algo
inconveniente a alguns espíritos imbuídos do voluntarismo
transformador que lhes fora incutido por formações acadêmicas
de contornos marxistas e abordagens pedagógicas
funcionalistas para o jornalismo. De tudo o que escrevera o
jornalista Walter Lippmann, cujo livro Opinião Publica constava
na lista para a seleção do mestrado, o principal traço destacado
por professores era a sua profunda “desilusão com a
democracia moderna”. Por trás dessa alegada desilusão, como
veremos mais à frente, está a crença na necessidade da
administração total do fluxo de informações com um
direcionamento guiado para as transformações necessárias,
tudo levado a efeito por uma elite de escolhidos, cuja lista de
patronos integra o próprio Lippmann. Isso indica, no mínimo,
que a leitura acadêmica dos livros do jornalista e principal
articulador por trás da Liga das Nações havia sido bastante
superficial ou profundamente desatenta para perceber a clara
proposta de comunicação administrada por uma aristocracia
política com ideais bastante inovadores para o mundo, mas
desconhecidos e estranhos ao público leitor a que se
destinavam. Afinal, eu me perguntava: como um livro escrito em
1922 ainda parece tão incompreensível para acadêmicos de
comunicação?[4]
Passados quase cem anos daquelas pretensões, não
se pode dizer de forma alguma que a comunicação é dirigida de
cima como um mecanismo robotizado e exato, tampouco o
controle dos meios de comunicação sobre o seu próprio
conteúdo pode ser totalizante. Ao contrário, o descontrole e o
caos marcaram o século XX. No entanto, é possível traçar um
caminho linear em direção ao desejo de controle e
administração que, quando não é perfeitamente realizado nas
instituições dependentes da arbitrariedade da ação humana, é
canalizado pela ambição – historicamente recorrente – do
controle dos impulsos humanos, coisa assustadoramente
facilitada nas sociedades em que a força catalizadora das
ideias se manifesta pela figura difusa, mas tecnicamente
previsível da massa.
Ouvi da boca de um professor, cujos estudos em mídia
e jornalismo são sempre atentamente lidos e considerados por
seus ilustres colegas, que o único motivo pelo qual buscamos
conhecimento é a vontade de alteração da realidade, a
modificação ou controle de nosso meio social. Disse isso como
algo evidente, não como conclusão, mas como premissa, o que
imaginou ter sido compreendido como explicação de nossa
natural busca por orientação social. Mas reduzir toda a busca
de compreensão humana ao desejo de modificação parece
bastante limitado. É possível dizer, mais acertadamente, que
buscamos conhecer pelo simples conhecer ou
fundamentalmente para nos orientar, adaptar, conhecendo as
opções disponíveis com vistas à ação individual. O intuito de
ampla transformação na estrutura social humana não deveria
ser atribuído a um ser humano individual sadio senão como
figura de linguagem ou exagero retórico. Individualmente,
ninguém normal busca transfigurar a sociedade à imagem e
semelhança de suas utopias. Ao menos este anseio não pode
ser visto como natural no ser humano, mas instigado de fora,
mediante o convencimento de uma necessidade irresistível e
que para aplicar-se a toda a sociedade precisa pressupor um
conhecimento totalizante dos problemas existentes, o que
nunca é o caso.
Estes pressupostos não confessados, pelos quais se
raciocina sem os afirmar conscientemente, são bastante
comuns em uma sociedade baseada na repetição metonímica
de frases feitas incapazes de articular explicações sobre a
realidade. Vemos isso o tempo inteiro no mundo da
comunicação de massa. Ao contrário dessas afirmações, a
tendência do homem não é a da reformulação social, mas a do
conhecimento. A predisposição ao conhecimento, à
transcendência, parece elevar o homem a mundos
desconhecidos quando se trata de expectativas futuras, algo do
qual o homem não pode fugir pela sua simples natureza. Talvez
advenha daí a sua capacidade de imaginar cursos históricos
acabados que, como sucedâneos da escatologia teológica
perdida no processo de secularização, veem o universo como
se estivesse fora dele, o tempo como se já se tivesse acabado.
Esta capacidade por si só evidencia a origem transcendente do
homem e não uma natureza puramente imanente, material e
factível.
Concepções a respeito da ciência, da história, da
religião, do homem, da dignidade humana, são todas mediadas
pelo canal generalista de comunicação que a sociedade criou.
Essa comunicação social, ao mediar os signos, produz
significados e induz, na forma destes signos, referentes
diversos que, abstraídos da realidade, tornam-se extensas
fórmulas de explicação. Essas explicações, quando deslocadas
do referente original, criam uma linguagem cada vez mais
insuficiente até ao ponto de tornar o mundo incomunicável. Este
é o efeito da profunda crise cultural do Ocidente, que eleva
produtos midiáticos e meramente mercadológicos, acima dos
bens culturais universais que funcionavam como vínculo de
diálogo entre os homens de todas as épocas. Perde-se, com
isso, todos os referenciais fixos e cria-se um mundo à parte, no
qual nada do anterior tem validade. Como profetizou
Chesterton, haverá o dia em que se precisará brigar para provar
que a grama é verde[5].
Comum é a pergunta, nos cursos de jornalismo, sobre
o que é a verdade. A questão já indica que tipo de jornalismo se
pretende praticar. Assim como a pergunta de Pilatos diante de
Cristo, o jornalismo manifestado por seus professores e
teóricos, indaga-se a si próprio com o cinismo de quem renega
toda responsabilidade, lavando as mãos e barganhando a
verdade com a indiferença justificada pela imparcialidade e
entregando-a ao arbítrio popular.
O jornalismo que no dizer de Rui Barbosa sempre tem
papel importante no erguimento de regimes absolutos e
ditatoriais, cai na própria armadilha quando manipula a
linguagem e se torna ele próprio o instrumento distraído da
própria aniquilação. Não há saídas para o jornalismo que se
converte em disseminador de ideologias. A verdade,
porém, fala alto como uma trombeta e pode, em momentos de
desilusão completa, fazer-se valer imperiosamente. É rara a
preocupação com a verdade nas infindáveis reflexões sobre
jornalismo na atualidade. Como teremos oportunidade de
apontar, os estudos da comunicação dificilmente terão como
objeto de estudo a verdade, e sim uma prática de construção da
realidade. Por isso, quando ela aparece no jornalismo, não se
trata de uma função pretendida ou essencial, mas de uma
disfunção que pode pôr em risco a própria atividade. A prática
profissional se tornou um método de narrar fatos abstraindo-os
do seu contexto por meio de simulacros, cuja premissa raiz é a
conscientização para a mudança social.

II

A ERA DAS TÉCNICAS SOCIAIS

A sociedade planificada

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as opiniões


públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não pela
imprensa, como é o caso hoje. Esta organização eu concebo
como sendo em primeira instância a função da ciência política
que ganhou seu próprio lugar como formuladora, previamente à
real decisão, em vez de ser apologista, crítica, ou reportando
após a decisão ter sido tomada. Tento indicar que as
perplexidades do governo e da indústria estão conspirando para
dar à ciência política esta enorme oportunidade para
enriquecer-se e servir ao público.

Walter Lippmann - Opinião Pública, 1922

Em 1954, Karl Mannheim fez um diagnóstico histórico


da situação da sociedade moderna e traçou uma precisa
constatação: “Estamos vivendo em uma época de transição do
laissez-faire para uma sociedade planificada”[6]. Símbolo do
liberalismo econômico, o laissez-faire representava a liberdade
individual sem interferências. De fato, uma série de
acontecimentos acabou fazendo com que o conceito de
liberdade, econômica ou civil, fosse modificado para adequar-se
às novas condições. Grande parte dessas mudanças foram
dirigidas ao maior controle e planificação sociais. “A sociedade
planificada que surgirá poderá revestir-se de uma entre duas
formas: será regida quer por uma minoria em condições
ditatoriais, quer por uma nova forma de governo que, a despeito
de seu poder acrescido, ainda será democraticamente
controlada”, escreve Mannheim.
Tal diagnóstico foi ouvido por alguns, mas ignorado por
muitos. Diante da modernização tecnológica e científica, novas
formas de controle começaram a aparecer e tornar possível a
ampliação do alcance das chamadas técnicas sociais. Se houve
evidente concentração em termos tecnológicos e políticos, isso
também se evidenciou nos meios de formação da opinião
pública, diz Manheim. O novo contexto do mundo da massa,
referido por Ortega y Gasset em seu clássico A Rebelião das
Massas, trouxe à política uma nova condição para a sua
atividade: as massas reclamam para si as decisões sobre a
política. Como a arte da política envolve a manutenção ou
concentração do poder, foi concedida à política a tarefa de
controlar os anseios das massas.
Durante o século XX, a chamada “nova ciência do
comportamento humano” colocou disponível um enorme
conhecimento da mente humana para as esferas do poder
político, tornando-o capaz de criar instrumentos eficientes que
jogassem com as emoções das massas para que as pessoas
exigissem das esferas políticas uma maior regulação sobre elas
mesmas.
Para compreender o funcionamento dessas técnicas e
o estado da sua aplicação nos dias atuais, é necessário
conhecer o modo como evoluíram no tempo e saber, assim, o
alcance a que podem chegar. Os objetivos da regulação, hoje
comandados pela elite global que acampa nas Nações Unidas,
entre outros organismos, se destinam ao controle do
comportamento por meio das paixões e rejeições populares.
Para chegar a efetivarem-se, estes objetivos demandaram
décadas de estudo, experimentos, testes e muita paciência. Em
alguns casos, foi preciso modificar a natureza de certos campos
de estudo científico ou atividades profissionais, como a
psicologia, a educação e, foco deste trabalho, o próprio papel
dos meios de comunicação de massa.
Para Edward Bernays, o jornalismo é um elemento
auxiliar importante da propaganda. Junto com suas peças
publicitárias, despachava releases para a imprensa e criava
factoides que pudessem chamar a atenção para determinada
ideia a fim de levar ao consumo do produto de seus clientes. No
artigo Engenharia do Consentimento, Bernays ressalta que
diante do progresso dos direitos e liberdades, destaca-se o
direito à persuasão. Ao longo do século XX, a noção funcional
dos meios de comunicação nos seus estudos científicos passou
por várias fases que representaram, mais ou menos, a evolução
de um processo que vai desde um ponto de vista da
compreensão do seu funcionamento até o desenvolvimento de
modernas técnicas persuasivas. A história do jornalismo é um
exemplo de como o entendimento do objetivo e função dos
jornais foi aos poucos transformando-o numa atividade de pura
transformação social.
Para compreendermos este processo, parece ser
necessário termos em conta uma parte importante da história
que antecede e abarca este contexto de influência da imprensa
na cultura e na política do Ocidente. Obviamente, estes
apontamentos não representam um intuito de dar explicação
acabada nem mesmo única destes desenvolvimentos
históricos. Trata-se de uma entre tantas explicações possíveis
em que se tenta articular a história da imprensa e do jornalismo
com os episódios mais relevantes do pensamento político.
Parece-nos evidente, portanto, que a situação que pretendemos
denunciar neste livro – a da mudança de função dos meios e o
intuito do seu controle absoluto – pode ter iniciado há bastante
tempo.

Controle intelectual

No final da Idade Média e início do que chamamos de


modernidade, a queda de braço entre a Igreja e os novos
estados nacionais pelo controle do sistema universitário vinha
sendo progressivamente vencida pela Igreja Católica. Esta
aparente vitória da Igreja promoveu, porém, a progressiva
secularização da ciência. Isso oportunizou o surgimento de uma
nova classe de intelectuais ligados à aristocracia palaciana que
disputavam pela conquista de uma imagem de autoridade
científica que representasse a verdadeira ciência[7]. Em suma,
era um novo aspecto da luta entre fé e razão, onde a fé era
chamada de superstição. Ao mesmo tempo, estes pensadores
se diziam herdeiros, não da ciência medieval, mas do método
grego da Antiguidade, época que acreditavam devia ser
honrada como uma era de ouro da humanidade. Essa
aristocracia palaciana está na origem de grupos como a Royal
Society e de sociedades intelectuais e científicas ligadas às
elites europeias. Estas elites, sabidamente ligadas a ordens
maçônicas, esotéricas e ocultistas, foram aos poucos
agregando poder sobre as instituições políticas da Europa. São
os herdeiros desses grupos que detiveram em suas mãos o
poder político e econômico que foi aos poucos sendo ampliado
a outras áreas como bancos e indústrias. Mas o mais
importante para o nosso estudo é que eles passaram a
controlar a imprensa[8].
Sabemos que a palavra Imprensa tem dois sentidos
comumente utilizados: o da técnica de impressão fundada por
Guttemberg e aquele que se refere ao meio social e profissional
responsável pela difusão de notícias ou o jornalismo. O primeiro
sentido abrange o todo de publicações impressas que, desde o
século XVI, tornou-se sinônimo do ambiente editorial global que
se desenvolveu como mercado editorial. O percurso que vai da
evolução histórica iniciada com a técnica de impressão até o
ponto em que ela se segmenta, dá origem a um objeto de
investigação científica e termina se tornando um disputado
setor de transformação política, é algo tão abrangente quanto
complexo. O que podemos traçar, portanto, são apontamentos
históricos na tentativa de visualizar uma linha de causalidade
que pode ser bastante variável historicamente, mas muito
pouco discutida em âmbitos acadêmicos e muito menos pela
imprensa, pois contrasta formidavelmente com as opiniões
históricas consagradas e populares.
Tornou-se amplamente conhecido que o primeiro livro
impresso por Guttemberg teria sido a Bíblia. É verdade. Mas
pouco se fala sobre o que veio a seguir. A invenção da
imprensa deu grande impulso ao surgimento do que
conhecemos mais tarde como ideologia iluminista, filosofia
fortemente influenciada pelo simbolismo e o esoterismo das
incontáveis seitas iniciáticas e sociedades secretas que se
formaram no final da Idade Média, fruto do espírito de libertação
das “amarras da fé”, entraves sustentados pela Igreja Católica,
cujo período de apogeu passou a ser chamado de Idade das
Trevas, em oposição às luzes do Iluminismo. Desde antes da
Reforma Protestante, iniciada diante da crise pela qual Roma
passava, o clima de confronto e descontentamento já mostrava
força, criando um terreno fértil ao embate de forças antagônicas
entre visões diversas a respeito do sentido da Salvação. Surgia
uma alternativa imanente à salvação, isto é, uma espécie de
“via social” que abrigava a versão secular dos sentimentos
religiosos, organizado depois sob o nome de ética moderna ou
também chamada ética kantiana. Segundo o filósofo Olavo de
Carvalho, essa tensão entre as duas visões salvíficas, a
transcendente e a imanente, esteve e está presente na alma do
Cristianismo durante toda a sua história. Tal divergência deu
origem às mais diversas propostas de salvação e prática
religiosa, não implicando em um problema unicamente religioso,
mas também uma preocupação que emergia em toda a
sociedade erigida pela fé cristã.
Dentro dos debates teológicos, a Reforma deu força
não só a setores descontentes com Roma, mas também
oportunizou o surgimento de novas frentes que buscassem
romper a exclusividade romana na interpretação e
representação da doutrina cristã. Desde o início da cristandade,
inumeráveis heresias tentaram furar essa exclusividade, mas
nenhuma havia logrado força política. É possível dizer que a
chamada heresia protestante passava longe de ser só mais
uma dentre tantas a ter o anseio político esmagado mediante
refutações teológicas ou doutrinais que os costumes das
épocas de disputas intelectuais e, depois, os tribunais
inquisitoriais, já cortavam pela raiz. Devido um terreno político
enormemente mais complexo do que o da Idade Média, e
diante da percepção dos sérios problemas que a Igreja
enfrentava, o protestantismo rapidamente ganhou a adesão de
nobres, reis e, com eles, estados inteiros. Embora hoje
tenhamos em conta somente dois lados da questão, o católico e
o protestante, na época eram incontáveis as doutrinas
inovadoras que se propunham cristãs e simultaneamente
concorrentes de Roma. Esse caos religioso impôs aos estados
nacionais que se formavam lentamente a alternativa de
estabelecer poderes estatais acima das diferenças religiosas
para que arbitrassem os conflitos advindos daquela situação.
Para Olavo de Carvalho, esta é uma parte da história que
explica o início da centralização do poder estatal diante dos
indivíduos e no controle político da religião. Os governos
absolutistas formaram-se a partir dessa prerrogativa, isto é, a
de arbitrar os conflitos que começavam a aparecer na
sociedade. Evidentemente, uns se colocavam ao lado de Roma,
outros do protestantismo. A gradativa separação entre fé e
razão que se iniciou dentro dos debates teológicos medievais,
mais tarde desenvolvida pela ciência moderna como objetivo e
subjetivo, não deu origem somente ao método científico como
conhecemos, mas propiciou o avanço de um processo de
secularização que já se verificaria na história[*]. A fé,
representada pela religião cristã, passou a estar associada às
superstições e crendices, ao passo que a razão identificava-se
com a ciência do provável e experimentável. Embora sem
perceber que criava uma fé cega no próprio método científico, a
ciência moderna herdeira direta do ocultismo e da astrologia,
ganhou credibilidade social ao ponto de se tornar o único meio
válido de veracidade. Enquanto restava à religião o âmbito da
fé, sobrava à política o campo da razão e da ciência.
As ciências que já no século XIX, com o positivismo, se
tornaram o lugar da objetividade e da razão, relegaram a
religião ao terreno da subjetividade, crença popular, fé, opinião.
Enquanto a ideia de ciência racional era associada somente às
ciências naturais e matemáticas, a política cada vez mais
necessitava de critérios fixos para a sua atividade. A ciência
história é a primeira a reivindicar status de ciência comprovável
e, com ela, a sociologia. O positivismo colocava a política como
o terreno da ciência, evocando a necessidade do “estado
científico”, que trocava o conhecimento pela demonstração.
Muito antes do positivismo, porém, a concepção de
política já estava intimamente ligada à observação das
correntes de ideias na sociedade, mesmo em épocas que
aparentemente não tinham tanta influência. As elites que
passaram a comandar o mundo perceberam, já muito cedo, que
deveriam manter o controle das mentes das pessoas e ter nas
mãos os rumos dos conflitos, nem que para isso fosse
necessário criá-los sob medida para gerar a necessidade de
mais controle. Afinal, se é o perigo de conflitos sociais que gera
a necessidade e a demanda pela centralização de um poder
imparcial e superior, nenhuma estratégia de poder pode ser
mais eficiente do que a geração de conflitos controlados.
Embora o conceito de controle da opinião tenha se modificado
bastante ao longo dos séculos, um dos primeiros exemplos do
exercício deste controle foi a Revolução Francesa.
O contexto do Iluminismo, diante das inovações
técnicas e científicas, trouxe uma verdadeira revolução na
publicação de livros, como já mencionado, o que esteve nas
mãos dos que falavam em nome da ciência. Se a ciência na
Idade Média era ligada intimamente à fé, no início da
modernidade não podia ser diferente. Mas divorciada do
catolicismo devido o seu espírito revolucionário, a ciência
moderna foi construída sob bases esotéricas e místicas, como
mostra a história pessoal de nomes como Isaac Newton, René
Descartes, Francis Bacon, entre outros[*]. Em sua maioria
membros de sociedades secretas, alguns até mesmo fundaram
movimentos ou ordens maçônicas até hoje existentes e
atuantes no Ocidente. Os primeiros livros impressos
constituíram-se de publicações de cunho místico esotérico e
maçônico, de acordo com Abbé Barreul, no livro Memoirs
illustrating the history of Jacobinism. Escrito em 1798, portanto
logo após a Revolução Francesa, este livro mostra como os
eventos da época, longe de terem sido legítimos levantes das
massas descontentes, foram fruto da geração de condições
propícias preparadas pelo menos 60 anos antes por meio da
circulação de ideias, transmissão de opiniões e crenças através
de jornais, panfletos e publicações diversas.
A propagação de ideias foi nos ensaios do período
revolucionário um fator de grande preocupação das elites
europeias. O controle das informações pelos governos passava
a ter em alguns casos setores especiais que cuidavam da
publicação de almanaques com resenhas de livros
desenvolvidos já nos primeiros impressores alemães. Aquilo
que hoje se conhece como propaganda já existia pouco antes
da Revolução Francesa e modificou a mentalidade europeia em
algumas décadas, preparando-a para a derrubada dos regimes
absolutistas.
Vencido o Ancien Regimen, os jacobinistas tiveram que
manter o domínio das ideias e iniciaram isso destruindo o que
houvesse de empecilho. A Igreja Católica representava um dos
obstáculos à ampliação de mentalidades revolucionárias na
população e nas elites letradas a partir dos séculos XVII.
Antes da primeira explosão dos jornais pela Europa, os
livros tiveram importante papel na propagação de opiniões.
Alguns livros foram historicamente bastante poderosos como
influência sugestiva. Gustave Le Bon, em 1895, destaca em seu
estudo sobre as opiniões e as crenças, o poder de autores
como Rousseau, “verdadeira bíblia dos chefes do terror”[*]. As
obras de Julio Verne e livros como Robinson Crusoé exerceram
tamanha influência nas opiniões da juventude da época ao
ponto de determinarem as vidas e carreiras de muitas pessoas.
A influência dessas obras foi considerável sobretudo
porque se lia muito pouco. Le Bon destaca o grande número de
fanáticos surgidos na Inglaterra devido à difusão da leitura da
Bíblia. Já nos séculos anteriores, na Espanha, livros como Dom
Quixote eram vistos como danosos à população, ao ponto de os
soberanos espanhóis verem-se obrigados a proibir a venda de
romances de cavalaria.
Com o surgimento dos jornais, o poder multiplicador e
contagiante das opiniões gerais e públicas foi rapidamente
percebido e o seu controle precisou passar para as mãos
daqueles que se julgavam mais capacitados para comandar o
rumo social. Ainda hoje é fácil de perceber o número
incalculável de pessoas que têm os jornais como única fonte de
suas opiniões.
Gabriel Tarde descreveu a passagem deste período
como o momento da origem da existência do público,
diferenciando-o da do que chama de multidão. Embora o
público já existisse quando da exclusividade do livro e dos
discursos orais como meio de comunicação, este era ainda em
muito menor escala se comparado ao público que passou a
existir com a explosão dos jornais urbanos. A diferença
estabelecida entre os dois pode estar focada na possibilidade
de ação, isto é, de levante ou de controle por parte de forças
externas através do meio de comunicação. Uma multidão,
segundo LeBon, depende de fatores físicos e o seu nível de
controle reside no âmbito numérico. Quanto mais pessoas
houver indo em determinada direção, maior o poder de
influência sobre as outras para que unam-se ao grupo. Já o
público tem a unidade mantida por um repertório de leituras ou
de fontes de informação comuns, o que pode ser um grupo de
escritores ou aristocratas. O jornal exerce o papel dessa
aristocracia que define as informações relevantes e as dispõe
diante de um número de pessoas que, atentas a esta fonte,
tornam-se um público.
O entendimento de como elaborar um jornal, como
organizar as informações e selecioná-las para o público mudou
ao longo da história. Desde o início dos jornais populares,
porém, percebe-se uma constante para a qual chamo a atenção
neste trabalho: pela própria natureza e potencial que os jornais
oferecem à política, o controle do conteúdo das suas páginas
esteve historicamente submetido à cobiça de governos, grupos
políticos, empresários, religiosos, sociedades secretas e
comunidades intelectuais. A força deste assédio não mudou ao
longo da história da mídia, trocando-se apenas o agente,
conforme períodos determinados. Para compreendermos como
estes agentes se tornaram definidores dentro da atividade
midiática, é essencial entendermos o modo como a
comunicação foi sendo vista e como o seu papel foi
constantemente reinterpretado por força destas influências
externas e internas que ambicionavam o controle dos seus
critérios de seleção dos fatos, mas também da própria função
dos jornais.

Uma história do jornalismo


Normalmente a história do jornalismo é ordenada a
partir de quatro gerações distintas: A primeira era chamada de
“jornalismo de transmissão” que, surgida no século XVII, tinha a
função de transmitir as informações de diferentes fontes sem
alterá-las. Depois, a partir do século XIX, surge a geração do
“jornalismo de opinião”, uma vertente tipicamente europeia que
busca estar a serviço das lutas políticas e formadoras de uma
opinião pública. Esta segunda geração do jornalismo buscava
servir às lutas políticas. Como instrumento da burguesia
europeia, ligado a interesses primeiro econômicos e mais tarde
políticos e ideológicos, este jornalismo tinha a função de
difundir aquelas ideias que representavam a burguesia em
ascensão. A concepção do jornalismo nesta fase estava na
necessidade de orientar socialmente o público, isto é, já tinha
um objetivo claro daquilo que hoje chamamos de
“conscientização” dentro das expectativas iluministas.
Já no final do século XIX, surgia o que alguns autores
chamam “jornalismo de informação”, modelo que trazia um foco
na atualidade, descende da primeira geração, iniciou-se na
Inglaterra e se desenvolveu especialmente nos Estados Unidos.
Nessa linha, a atividade jornalística passou a basear-se na ideia
de que “a verdade devia ser uma defesa contra a difamação”,
ou seja, a verdade contra a mentira. Estes valores rapidamente
se tornaram parte das origens da imprensa norte-americana e
serviram de base para a ideia de imprensa livre que passou a
vigorar no Brasil e América Latina.
A expansão dos jornais, ainda no século XIX, permitiu
a criação de novos empregos na atividade jornalística e um
número considerável de pessoas passou a depender da
profissão e consequentemente a defender um novo objetivo, o
de fornecer informação e não propaganda. A credibilidade aí se
associou à promessa de objetividade.
Ao longo daquele século, portanto, o jornalismo se
tornou um negócio que buscava independência de ideias mas
também o lucro para as empresas que nasciam. O novo
produto deste jornalismo surgiu com nova proposta: notícias
baseadas nos fatos e não nas opiniões. Esse processo foi
consolidado como uma história universal do jornalismo e o novo
paradigma se tornou mais visível na era da globalização,
culminando em dois outros processos fundamentais que teriam
marcado a evolução da atividade jornalística: a comercialização
e a profissionalização dos trabalhadores. Com isso a atividade
ganhou certa autonomia e independência diante da realidade
anterior de dependência de ideias e partidos políticos que
perdurou pelo século XIX. Mas o desenvolvimento da imprensa
passava a estar diretamente relacionado com a industrialização
da sociedade e dependia da nova forma de financiamento que
era a publicidade. Embora o jornalismo tivesse conquistado
certa autonomia da política, manteve-se, de certa forma, em
curso de adequar-se aos seus anunciantes a partir do
desenvolvimento e profissionalização também da própria
publicidade.
Em um período de economia em expansão, a
publicidade começava a se tornar cada vez mais importante e
mais central para o jornal dentro do novo modelo de negócio,
junto da situação de concorrência com outros jornais. A
credibilidade dos jornais logo se tornou um bem de grande
valor.
No século XX, estudos em torno da comunicação
seguiram a linha das modernas teorias sociais, vindas da
filosofia, história e sociologia, que já eram influenciadas por
doutrinas de controle social, inicialmente as positivistas e mais
tarde marxistas. A função de construção da realidade na
comunicação se tornou mais importante do que o que a crença
na objetividade.
Há aí a diferenciação entre comunicação em si,
tomados como interação social e humana, dos chamados meios
de comunicação social, que constituem a mediação tecnológica
da transmissão de mensagens. E é justamente a distinção entre
o processo social e o meio técnico que pode ter dado origem às
primeiras teorias de cunho funcionalista como a teoria da
informação. A partir do funcionalismo, herdeiro do positivismo, a
sociedade é vista como produto da comunicação, considerada
resultado de um processo simbolicamente estruturado em que
os homens não agem em função das coisas, mas do significado
que as coisas tomam no processo de comunicação.
A crítica aos modelos funcionalistas e à influência do
capitalismo no modo de comunicar aparece com o surgimento
de pesquisadores da Teoria Crítica (Escola de Frankfurt) como
Theodor Adorno e Mark Horkheimer, escola de base marxista
não-ortodoxa que buscava dar um sentido diverso ao processo
histórico e cultural. Para eles, a comunicação é vista como
generalização simbólica enquanto mediação mais ou menos
universal do modo de produção capitalista. A comunicação,
neste sentido, é fundamentada no trabalho e possibilitada pela
linguagem que passa a ser o meio pelo qual surge a
“consciência social”. Com os frankfurtianos começa a entrar em
cena o que hoje conhecemos como Marxismo Cultural, abrindo
o campo para as aplicações doutrinárias de Antônio Gramsci.
Estes modelos se tornaram hegemônicos nos estudos
da comunicação como consequência do espaço que ganharam
nas ciências sociais desde meados das décadas de 1930. O
sentido marxista dado à comunicação que se desenvolveu no
ambiente funcionalista contribuiu para dar às mídias um caráter
crítico que acabou furando a vigilância funcionalista que servia
de defesa contra a desestruturação social. No ponto de vista
dos teóricos funcionalistas, a mídia tinha um papel formador da
sociedade e devia evitar tudo aquilo que a degenerasse ou
trouxesse consequências nefastas socialmente. Isso se dava
devido à clara consciência do poder dos meios nas atitudes
sociais. O modelo crítico, por outro lado, tinha por base o
“trabalho do negativo”, isto é, baseado na dialética hegeliana
estruturada pelo conflito como método e dinâmica social. Este
modelo apropriado pelos marxistas buscava ampliar as zonas
de conflito na sociedade para aproveitá-los retroativamente
justificando-os como exemplos de “luta de classes”.
Dentro do debate da comunicação, porém, herdeiro do
modelo de caráter funcionalista e liberal, surge nas décadas de
1970 e 1980, o chamado “jornalismo de comunicação”, que
busca atender às expectativas do público alvo consumidor. A
partir dos anos 80, dentro dos chamados Estudos Culturais,
com viés interdisciplinar, passou-se a refletir sobre o modo
como os diferentes grupos sociais recebiam as mensagens da
mídia, o que abriu caminho para uma nova forma de ver a
comunicação.
Essa diferenciação por grupos sociais deu a chance
aos marxistas substituírem o conceito de luta de classes pelo
conflito simbólico entre grupos na sociedade, o que se deu
enquanto departamentos de ciências sociais eram
paralelamente ocupados por teóricos ligados às teorias
marxistas. Uma das primeiras aplicações do Marxismo Cultural
teria sido no fomento do feminismo como nova ideologia
conscientizadora. Mais tarde, a liberação sexual oportunizou
uma série de outras “emancipações”, muitas das quais vemos
os resultados ainda hoje como o gayzismo e a pedofilia. Em
seguida, pegando carona nos objetivos geopolíticos da
Sociedade Fabiana, o ambientalismo ganhou forte apelo nos
modos de fazer o jornalismo, o que propiciou o surgimento de
vertentes sociais como o chamado jornalismo ambiental, cívico,
entre outras modalidades de jornalismo militante que acabaram
resgatando os pressupostos funcionalistas, agora com a feição
desagregadora e niilista característica da pós-modernidade.
Com o auxílio de ideologias revolucionárias, o controle
do fluxo das informações se tornou uma grande preocupação
da política no século XX e os planos de uma Nova Ordem
Mundial não poderiam jamais prescindir desta arma, utilizando-
se, não só da seleção dos fatos, mas das mudanças na
linguagem que decorrem desta seleção, controlando assim as
concepções sociais sobre a realidade ao mesmo tempo em que
reforçam a autoridade do consenso social dentro dos
pressupostos democráticos. Paralelamente ao controle das
informações veiculadas que alcança credibilidade cada vez
maior, o reforço do que Mannheim chama de “democracia
militante” vai se tornando cada vez mais necessário. Afinal,
quanto mais se domina a opinião pública mais autoridade social
se deve dar a ela, aumentando assim o poder de significação
daqueles que detêm o seu controle e a exclusividade de um
plano de sociedade planificada. Esta dinâmica social se tornou
objeto de estudo de sociólogos e psicólogos sociais ao longo do
último século, mas é possível dizer que os estudos acadêmicos
em comunicação acompanharam o desenvolvimento destes
estudos mais na condição de mero consumidor dos produtos
finais daquelas ciências instrumentalizadas do que
propriamente no lugar de pesquisadores.
Enquanto alguns sociólogos abordavam a necessidade
da transformação social e a tentavam legitimar de variadas
formas, os estudos de comunicação dos quais eles fazem parte
não pareceram ter achado necessário legitimar aqueles
pressupostos, bastando a simples adequação das teorias a
técnicas midiáticas e tendo a transformação social como o
último estágio evolutivo do entendimento da função dos meios.
Um dos exemplos desta situação é o estudo da Teoria
do Agendamento ou Agenda Setting, ensinado por professores
de comunicação como um processo natural e inevitável, fruto
de contextos sociais e políticos reunidos de forma tão complexa
e caótica ao ponto de se deixar quase completamente de fora a
hipótese de uma intencionalidade em grande escala. Embora
existam estas condições naturais e incontornáveis na formação
das opiniões sociais, há uma grande parcela delas que foi sábia
e tecnicamente construída durante décadas e muito do que se
estuda como processos comunicacionais naturais ou inevitáveis
se formaram na base da aplicação consciente de determinadas
técnicas persuasivas.
É possível estudar as teorias de modo descritivo e com
apelo à compreensão do processo abstraindo qualquer
intencionalidade. Mas também é possível, e muito frutífero,
compreendê-los como técnicas sociais embasadas em
ideologias historicamente dominantes nas ciências humanas e
que contaram com a ação de agentes históricos sabidamente
comprometidos com a construção de determinadas
mentalidades. Estes planos foram articulados dentro da
perspectiva revolucionária que contou ao longo dos últimos
séculos com uma formidável estrutura de organização. Os
estudos das teorias da comunicação, assim como os da
sociologia, portanto, têm muito mais a ganhar se feitos em
paralelo a investigações históricas das ações e vínculos
ideológicos ou políticos dos seus agentes.

Intelectuais e a sua influência

Filosoficamente, poderíamos apontar outra possível


causa da mudança funcional do jornalismo e da mídia em
direção à transformação social: o legado de Emmanuel Kant.
Olavo de Carvalho fez um importante estudo sobre as
influências deste filósofo. Segundo Carvalho, Kant convenceu
praticamente todas as gerações de intelectuais que vieram
depois dele de que o mundo não pode ser conhecido em si
mesmo, mas por meio das suas formas aparentes e inteligíveis.
Assim, todas as ciências deveriam ter a função da elaboração
de meios de compreensão e explicação válidos e não
necessariamente verdadeiros, já que isso era impossível. A
própria compreensão do que é verdadeiro fica aí bastante
relativizada. Um dos efeitos desta missão jogada no colo das
ciências é uma necessidade cada vez maior de racionalização,
o que pressupõe uma utopia de uma sociedade administrada e
planejada. Além disso, Kant refere-se inúmeras vezes a uma
diferença substancial entre alguns tipos de cidadãos: aqueles
que repetem formas prontas e os estudiosos que realmente
pensam. Neste caso, fica implícita a necessidade de uma elite
que racionalize e normatize formas discursivas válidas ao
mundo. Isso poderia soar absurdo e pretencioso se não tivesse
sido posto em prática nos últimos dois séculos. É fácil
percebermos o quanto isso é evidente se observarmos os
planos das Nações Unidas, que se resumem em uma Nova
Ordem Mundial totalmente dependente de um tipo de nova
moralidade baseada na “cultura de paz e tolerância para com
todos os povos”. Independentemente de ideais bem
intencionados em sua aparência, há um fundo teórico que
esconde crenças bastante estranhas à humanidade e às
civilizações anteriores. E como não nos encontramos entre
aqueles para os quais a história tem um sentido
obrigatoriamente benéfico e evolutivo, temos todo o direito de
estarmos plenamente desconfiados de todas as boas intenções
que se ambicionam totalizantes e inquestionáveis. O consenso
global buscado pelas Nações Unidas nada mais tende a ser do
que o sonho estimulado por Kant e sua ética instrumental.
Inspirados em pressupostos kantianos, muitos
intelectuais viram na Revolução Francesa as soluções para a
política e deram guarida a crenças tão precipitadas quanto
sanguinárias. O custo humano do sonho de paz e justiça não
precisa ser enfatizado, pois há suficiente bibliografia a esse
respeito. Basta dizer que tanto o movimento de 1789 passando
por outras revoluções e culminando na Revolução Russa,
nazismo e consequências, o saldo de mortos já ultrapassou
qualquer tolerância a planos de escala global e já deveriam ser
automaticamente rechaçados tão logo sejam expostos
publicamente.
Depois dos sonhos positivistas e do darwinismo social,
o marxismo trouxe esperanças a uma infinidade de intelectuais
pelo mundo, esperanças que ainda brilham os olhos de políticos
dados os potenciais políticos e ideológicos para a sedução de
idiotas. No início do século XX, muitos intelectuais desiludidos
com o marxismo ou simplesmente por optarem por uma via
mais branda, passaram a questionar-se sobre os problemas
que impediam a verdadeira conscientização das massas para a
revolução. O estudo das respostas massivas aos meios de
comunicação começaram timidamente com observadores
isolados. Estudos mais aprofundados como os de Gustave
LeBon influenciaram muitos cientistas e políticos (ou cientistas
a serviço de políticos). Antes de falarmos de LeBon, porém,
vejamos algo importante sobre um de seus leitores que teve
grande influência sobre a política: Walter Lippmann.
Lippmann, jornalista americano que escreveu sobre
jornalismo nas décadas de 1920, é utilizado pelo meio
acadêmico como fonte para conceitos como estereótipo,
pseudo-ambientes, entre outros, sobre os quais falaremos mais
adiante. Isso porque estes conceitos não podem ser tão bem
compreendidos se não considerarmos o fato de que Lippmann
foi um membro extremamente ativo da Sociedade Fabiana e
atuou como assessor do presidente Woodrow Wilson durante a
criação da Liga das Nações, em 1919. Embora suas
observações sobre os jornais e o seu papel na construção da
imagem da realidade na mente das pessoas possam ser lidas
como fruto de sua curiosidade científica e desinteressada,
alguns trechos do seu livro Opinião Pública não podem ser
ignorados:

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as


opiniões públicas precisam ser organizadas para a
imprensa e não pela imprensa, como é o caso hoje. Esta
organização eu concebo como sendo em primeira
instância a função da ciência política que ganhou seu
próprio lugar como formuladora, previamente à real
decisão, em vez de ser apologista, crítica, ou reportando
após a decisão ter sido tomada. Tento indicar que as
perplexidades do governo e da indústria estão
conspirando para dar à ciência política esta enorme
oportunidade para enriquecer-se e servir ao público. E,
naturalmente, espero que estas páginas ajudem
algumas pessoas a dar-se conta daquela oportunidade
mais intensamente, e, portanto, persegui-la mais
conscientemente[*].

O parágrafo final da introdução do livro escrito em


1922 não deixa muitas dúvidas a respeito do seu objetivo. Muito
além do âmbito teórico que a academia aborda, há o contexto
histórico de organismos e objetivos a serem alcançados,
técnicas e estratégias de longo prazo implementadas. E a
concretização desses planos é o que orienta, em última análise,
o desenvolvimento de teorias e o rumo de muitos estudos
acadêmicos no último século. Acreditamos seriamente que só
compreendendo a estratégia global e suas ramificações no
tempo e no espaço será possível entender o intrincado mundo
das teorias científicas que impuseram uma tão avassaladora
campanha pela modificação dos costumes, crenças e hábitos
da sociedade.
A Sociedade Fabiana foi fundada oficialmente em
Londres, em 1884 como uma agremiação de socialistas que se
diziam contrários à ideia de luta de classes e ações sindicais. É
produto dela o Partido Trabalhista Britânico e entre seus
principais membros se destacam os intelectuais H. G. Wells,
Bertrand Russell e George Bernard Shaw. Sob a liderança de
Beatrice e Sidney Webb, tinham o ideal oficial de garantir um
padrão mínimo de sobrevivência como direito fundamental de
todos e defendiam a necessidade, portanto, de um governo
socialista mundial, em que as decisões relevantes seriam
tomadas por uma burocracia técnico-científica subordinada a
uma espécie de aristocracia financeira. Estes clubes de
intelectuais são de impressionante relevância no processo
histórico e político mundial e alcançaram progressivamente um
grande poder sobre a opinião pública. Seu poder foi e tem sido
construído por meio de infindáveis organizações, sobre as quais
nos ocuparemos com maiores detalhes mais adiante.
Lippmann, como membro da Sociedade Fabiana, foi
muito influenciado pelas propostas de filósofos como H. G.
Wells e outros influenciadores da proposta de governo mundial.
Suas ideias, junto com as de seus pares fabianos, motivaram a
criação de órgãos como o Council Foreign Relations e órgãos
de mídia como o Project Syndicate[9], a revista Foreign Affairs,
ambos ocupados em discutir os rumos e o controle de uma
espécie de opinião pública global. Portanto, antes de entrarmos
nos conceitos teóricos elaborados por Lippmann e no uso que
tem sido dado a eles pelo jornalismo internacional e o meio
científico da comunicação, é necessário compreender o peso
da sua influência pessoal na história.
Não foi pouca a influência de Lippmann em relação à
política nacional e internacional e o papel dos Estados Unidos
no mundo. Grande parte de seus feitos estão na biografia
Walter Lippmann and the american century, escrita pelo
jornalista Ronald Steel em 1980. Embora alguns críticos
diminuam o papel dado a Lippmann na biografia, tudo o que
pode ser comprovado nela fala por si mesmo. Considerado um
conservador essencial, no sentido em que esteve sempre ligado
ao poder e preocupado com a manutenção e conciliação de
suas atribuições, o autor de Opinião pública e Público fantasma,
ajudou a elaborar os famosos Quatorze pontos, apresentados
pelo presidente Wilson ao Congresso dos Estados Unidos, em
1918, para a reconstrução da Europa após a Primeira Guerra
Mundial. Muitas destas propostas não foram acatadas na
época, mas muito depois.
Os Quatorze Pontos de Woodrow Wilson:

1. "acordos públicos, negociados publicamente", ou seja


a abolição da diplomacia secreta;
2. Liberdade dos mares;
3. Eliminação das barreiras econômicas entre as
nações;
4. Redução dos armamentos nacionais;
5. Redefinição da política colonialista, levando em
consideração o interesse dos povos colonizados;
6. Retirada dos exércitos de ocupação da Rússia;
7. Restauração da independência da Bélgica ;
8. Restituição da Alsácia-Lorena à França;
9. Reformulação das fronteiras italianas;
10. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento
autônomo dos povos da Áustria-Hungria;
11. Restauração da Romênia, da Sérvia e de
Montenegro e direito de acesso ao mar para a Sérvia;
12. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento
autônomo do povo da Turquia e abertura permanente
dos estreitos que ligam o Mar Negro ao Mediterrâneo;
13. Independência da Polônia ;
14. Criação da Liga das Nações, ou Sociedade das
nações.

Embora não se possa dizer quais destes pontos foram


de fato sugeridos por Lippmann, o tom das propostas indica a
sua consonância com os planos globalistas ocidentais que
motivaram a criação das Nações Unidas, herdeira da Liga das
Nações, e que parecem ainda nortear grande parte da sua
atividade. Alguns deles, no entanto, apontam para ideais
conhecidamente defendidos por Lippmann em seus editoriais
do New York World, do qual era diretor editorial.
Ele desenvolveu uma relação simbiótica com muitos
políticos, segundo Steel, o que explica a sua influência nas
negociações políticas. Era comum que políticos o procurassem
para se aconselharem sobre suas ações. Afinal, alguns políticos
haviam sido formados com a ajuda de Lippmann. Em 1946,
diante da presença soviética sobre a Turquia, evidenciada pela
criação de uma base naval, Lippmann foi conversar com o
secretário da Marinha, Forrestal, de quem era muito amigo.
Juntos eles decidiram que os Estados Unidos deveriam fazer
uma demonstração de força no Mediterrâneo indicando seu
interesse na Turquia. Tiveram a ideia de enviar um navio de
guerra para retornar o corpo do embaixador turco que acabara
de morrer em Washington. Simultaneamente, em sua coluna no
jornal, Lippmann elogiava a argúcia do plano[*].
A ação persuasiva nos meios de comunicação
começou a ganhar uma estrutura teórica mais organizada a
partir da década de 1920, com o trabalho jornalístico e as
observações de Lippmann. Mas houve outro profissional de
grande importância para o século XX, cujas técnicas e
resultados forneceram a base e a inspiração até mesmo para a
propaganda nazista. O uso que Goebbels fez das técnicas foi
somente uma articulação possível entre suas próprias
observações e os resultados já obtidos por Edward Bernays, o
pai da profissão de relações públicas e uma das maiores
mentes da propaganda no século. Desde o fim do século XIX,
os estudos sobre psicologia das massas vinham sugerindo a
possibilidade do controle das emoções massivas para uso da
política, mas apesar de alguns ensaios no campo da
publicidade, literatura e revistas, a maioria dos conhecimentos
sobre o assunto restringia-se a teorias e hipóteses com pouca
comprovação, à exceção dos testes de Pavlov e outros poucos.
Bernays estudara os escritos de um popular psicólogo francês
do século anterior: Gustave Le Bon. Dele Bernays retirou
grande parte dos seus pressupostos como o de que toda a
ação humana é motivada pela busca do prazer e fuga da dor, o
princípio do desejo. Le Bon via a sociedade de massa como um
buraco negro que engole e destrói tudo. Acreditava que a
massa era um lugar de transmissão de opiniões, fértil à
influência de tudo o que havia de ruim e perigoso.
Além de Le Bon, outra importante influência de
Bernays foi seu tio, o psicanalista Sigmund Freud, criador da
psicanálise. Grande divulgador da obra do tio em terras norte-
americanas, Bernays recebia os livros que Freud enviava pelo
correio, de Viena, e as publicava nos Estados Unidos. A
psicanálise deu grande impulso ao desenvolvimento das
técnicas que Bernays iria aplicar na criação da nova profissão
de relações públicas, um eufemismo para propaganda, palavra
que já ganhava conotações negativas.
Com seus conhecimentos inovadores de psicanálise,
Bernays percebeu que a associação de palavras e ideias a
determinadas emoções, tornava possível o controle dos
sentimentos do público e, com isso, de suas ações. Ao longo do
século passado, essas técnicas foram usadas para suscitar
repulsa a determinadas ideias, paixões por outras, desejos e
até dependências psicológicas a conceitos ou produtos
comerciais de clientes específicos. Puderam transferir a culpa
de crimes a inocentes mediante exposições na mídia, assim
como transformar heróis em bandidos e vice-versa.
Bernays pode ser considerado o idealizador de grande
parte da cultura de massa do século passado, do consumismo
e da cultura sentimental que vemos hoje. Foi inspirador de
Goebbels e deu à propaganda o nome mais genérico e menos
agressivo de relações públicas. Com técnicas ligadas à
psicanálise, ele empreendeu uma das maiores e mais decisivas
mudanças na mente do cidadão comum ao transferir o
interesse do consumo da necessidade prática ao desejo
simbólico.
Junto aos trabalhos de outros pesquisadores de
comunicação social anteriores e posteriores, as técnicas de
Bernays foram utilizadas amplamente por institutos de pesquisa
social e empresas interessadas em controlar a opinião pública.
Este interesse foi crescendo a partir do que era visto como uma
necessidade desde o século anterior: a do controle social por
meio de uma elite esclarecida, coisa já bem defendida bem
antes de Lippmann.
Assim como Lippmann e um pouco antes dele, Edward
Bernays também trabalhou com o presidente Wilson e, como
assessor de propaganda – o que no mundo democrático
passou a se chamar Relações Públicas – foi o responsável pela
legitimação popular que o governo teve para entrar na guerra
contra a Áustria, em 1917. Os períodos das guerras foram
muito frutíferos em termos de desenvolvimentos de técnicas de
propaganda e convencimento das massas. Bernays aprendeu
quase tudo naqueles dias.
Terminada a Primeira Guerra, o então exitoso
assessor, aos 27 anos, ficou a imaginar que resultados teriam
estas técnicas de controle da opinião pública se aplicados em
tempos de paz. Foi então que retornando aos EUA passou a
trabalhar para grandes empresas e já em 1921 coube a
Bernays a tarefa de criar a profissão de relações públicas, o
profissional encarregado de fomentar agendas públicas
consonantes com objetivos políticos de seus assessorados. A
profissão consagrou-se a partir do livro 'Cristallizing Public
Opinion', de 1923, feito com base nas técnicas bem sucedidas
que vinham sendo aplicadas. A liberdade de expressão, dizia
Bernays em seu artigo célebre 'A engenharia do
consentimento', “expandiu a carta de direitos americanos para
incluir o direito à persuasão”. Este foi o resultado da inevitável
expansão da mídia e da livre expressão, como ele afirmou.
“Qualquer um de nós pode, por meio dessas mídias, influenciar
as atitudes e ações de nossos companheiros cidadãos”, diz
Bernays. E recomenda: “o conhecimento de como usar esse
enorme sistema de amplificação torna-se uma preocupação
primária para aqueles interessados em uma ação socialmente
construtiva”.
Baseado então nos pressupostos de Le Bon e também
de Lippmann, Bernays pensava ser possível desenvolver
técnicas de persuasão apoiadas no conhecimento da psicologia
humana. Embora os resultados dos estudos de Bernays
tivessem sido usados por Goebbels, os objetivos de Bernays
estavam aparentemente em consonância com os princípios
democráticos. Dize ele:

A engenharia do consentimento é justamente a essência


do processo democrático, a liberdade de persuadir e
sugestionar. As liberdades de expressão, imprensa,
petição e reunião, as liberdades que fazem a engenharia
do consentimento possível, estão entre as mais
celebradas garantias da Constituição dos Estados
Unidos.

Através do processo educacional, assegura Bernays,


os governos devem conceder ao seu público um entendimento
sobre os problemas para tomarem suas decisões. Mas a
engenharia do consentimento, alerta ele, não deve confundir-se
com o sistema educacional, pois deve completá-lo e ir além
dele, já que se direciona à ação e não simplesmente à
compreensão de determinadas situações. A engenharia do
consentimento deve, portanto, suprir as lacunas do sistema
educacional na determinação de ações. Bernays alerta para os
perigos de que suas técnicas sejam subvertidas e usadas para
fins antidemocráticos. Por isso, “o líder responsável, de modo a
realizar objetivos sociais, deve estar constantemente alerta às
possibilidades de subversão”. Ironicamente, um exemplar
bastante conhecido deste “líder responsável”, assessorado por
um de seus discípulos involuntários, levou o povo alemão a
bater continência para as atrocidades de Hitler.
Apesar do relativo sucesso da campanha nazista nos
meios de comunicação da época (campanha até hoje
considerada pioneira na propaganda), Bernays salienta que a
persuasão encontra o seu terreno fértil nas democracias
liberais, “onde a livre comunicação e a competição de ideias no
mercado são permitidas”. As democracias, portanto, funcionam
bem à persuasão já que são as suas garantidoras por natureza.
Estes sistemas, portanto, que constituem a base da política
ocidental, se tomados como valores em si, servem a uma
variada gama de objetivos, incluindo aqueles contra os quais o
sistema mesmo busca ser uma defesa. Basta que a palavra
democracia seja esvaziada de seu significado e ele substituído
por outro, tática bastante simples e usual, para que mudem os
propósitos a que essas técnicas servirão.
Evidentemente, os ataques a liberdades individuais em
nome de garantias coletivas tem se utilizado de críticas
controladas aos valores democráticos atendo-se justamente ao
seu conteúdo já ressignificado de antemão. Isso ocorre tanto
por críticos da esquerda quando da direita, que tomam para si
significados exclusivamente negativos que a esquerda criou.
Hoje é comum que se use certos expedientes de
manipulação para controlar a reação do público. Tanto na
propaganda subliminar, invasiva por natureza, quanto em
estímulos imagéticos e auditivos para gerar ou manter
audiência de TV, rádio ou transmitir sensações em páginas de
revistas e jornais, sites, jogos eletrônicos e um milhão de outras
possibilidades que diariamente aumentam. Muito do que se usa
hoje foi aprendido por homens como Bernays mas possuem
uma história bastante profunda que vem desde os primeiros
laboratórios de controle mental na Rússia, Alemanha e mais
tarde, China e Coreia do Norte. O que se usa hoje sem
nenhuma cerimônia custou a vida ou a sanidade de muitos
prisioneiros de guerra usados em experiências psíquicas das
quais falaremos mais adiante. O fato é que houve um momento
em que cientistas passaram a encarar os resultados dessas
experiências não mais como armas de destruição mas de
construção de um mundo novo. Embora isso soe como algo
menos danoso ou agressivo às pessoas, não é menos
horripilante quando vemos os resultados do mundo que
criaram.
O primeiro mito a se desfazer quando se pensa em
técnicas de controle social é o de que essas ideias são oriundas
de mentalidades ligadas a regimes totalitários. Estes regimes só
aperfeiçoaram e deram caráter mais técnico a uma necessidade
dos próprios regimes democráticos de caráter liberal. A prova
disso é que essas ideias surgem da mente de liberais
interessados no progresso das ideias e das liberdades. Em
muitos aspectos, ideias totalitárias são decorrentes de uma
hipertrofia de ideias profundamente democráticas. Afinal, a
democracia para funcionar deve contar com o consentimento
total. Isso não quer dizer que a democracia seja o problema,
mas pode significar que a sua defesa meramente ideológica ou
instrumental tem grandes chances de se transfigurar em uma
campanha fascista. E os gênios ideólogos souberam utilizar
muito bem este potencial.
A própria ideia de democracia liberal exige um tipo de
legitimação que vai além da mera defesa teórica de seus
pressupostos, mas passa pela necessidade de se gerar um
consentimento público ou o que Karl Mannheim chamaria de
“democracia militante”, algo posterior ao sistema do laissez-
faire. A existência de propostas de caráter controlador e
totalitário depende do tipo de intelectualidade que acabou
ocupando lugar de destaque neste processo. A passagem da
ideia de controle indireto da opinião pública para um processo
de controle estatal da mídia propriamente está ligado à
ascensão de um tipo de elite, a socialista fabiana, que se
origina das classes pequeno-burguesas historicamente
carentes de atenção estatal.
A proeminência das classes intelectuais na opinião
pública, a partir do processo de crescimento da circulação de
jornais políticos desde o século XVIII, culminou, no final do
século XIX, com o florescimento das ideologias massivas,
herdeiras e saudosas dos “avanços” da Revolução Francesa. O
puritanismo da classe burguesa, aliado às crenças no poder
redentor das revoluções populares, trouxe a idealização de um
tipo de proletariado defensor de seus direitos e participativo nas
lutas políticas. Esta expectativa, porém, existente só na mente
dessa pequena burguesia, não se efetivou na prática, pois o
povo proletário do final do século XIX não se interessava por
política nem por revoluções, já que as próprias condições de
trabalho não pioravam como tentara demonstrar Marx. Isso
trouxe certa desilusão, por parte dos intelectuais, no poder
transformador da classe trabalhadora. Marx foi um dos
responsáveis pela confusão entre o proletariado e a pequena
burguesia insatisfeita ao usar dados do proletariado inglês e
cruzá-los com as suas supostas consequências, às revoluções
do século XIX, principalmente na França. Ocorre que estas
revoluções foram levantes provocados pela pequena burguesia
alfabetizada e insatisfeita, e até por militares também
insatisfeitos, mas não por operários.
O resultado deste processo psicológico, muito bem
descrito por Emmanuel Todd em seu livro O louco e o proletário
– filosofia psiquiátrica da história (1951), foi o estabelecimento
de um poder paralelo dos herdeiros dessa recalcada burguesia
intelectual, cuja expressão mais clara está na atual elite
globalista que já no início do século XX estava no comando da
intelectualidade mundial.
O início do século XX, portanto, foi marcado por
pesquisas de opinião pública de caráter normativo, a chamada
escola funcionalista, que tinha como principal objetivo o
conhecimento de técnicas para a manutenção da ordem
pública, objetivo de uma classe científica de escola positivista.
Os institutos de pesquisa social, como Rockefeller e Tavistock,
inspirados na antiga confraria de pesquisadores de Wellington
House, dedicaram-se ao estudo do processo cognitivo e os
seus resultados práticos para a política.
Mais tarde, porém, percebeu-se que as agendas
políticas deviam ser trabalhadas no campo cultural, o que
trouxe maior margem de ação a estes pesquisadores. Hoje,
nomes como Edward Bernays, Kurt Lewin, Walter Lippmann,
entre outros, são referências em matéria de opinião pública e
psicologia das massas, apesar de seus estudos serem vistos
como meras investigações sem funções práticas.
Em seu livro Opinião Pública (1922), Lippmann
revolucionou os estudos de mídia ao relacionar as decisões dos
cidadãos às imagens do mundo em suas mentes, cuja
construção caberia a uma elite de esclarecidos que tivessem o
controle dos meios de comunicação. Suas conclusões foram
derivadas das descobertas de Ivan Pavlov sobre o
condicionamento cognitivo das ações e dos comportamentos
dos animais aplicados ao homem. Lippmann, por sua vez,
salienta a importância dos diversos mecanismos de censura
como condição para a construção social, e sua função de
barreira necessária entre o público e os eventos para a
construção dos pseudo-ambientes.
Lippman – importante fonte de estudos acadêmicos de
comunicação hoje – argumentava que a democracia
representativa não poderia funcionar sem uma “organização
especializada e independente que torne os fatos invisíveis
inteligíveis àqueles que tomam as decisões”. Ele concluía o
primeiro capítulo, como já dissemos, dizendo: “Minha conclusão
é que, para serem adequadas, as opiniões públicas precisam
ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa”.
Estando o público distanciado dos eventos reais por
meio de barreiras naturais ou artificiais, este terá, portanto,
como única imagem destes fatos aquilo que é passado por
meio da mídia, das notícias diárias, isto é, o teatro criado para
impedir o acesso aos fatos. “O único sentimento que alguém
pode ter acerca de um evento que ele não vivenciou é o
sentimento provocado por sua imagem mental daquele evento”,
disse Lippmann. Entre os seres humanos e o ambiente real, há
a presença marcante dos pseudo-ambientes dos quais o
comportamento é uma resposta. Este comportamento-resposta,
porém, se é uma ação, não opera evidentemente no mundo dos
pseudo-ambientes onde foi estimulado, mas no ambiente real
onde de fato as ações acontecem. Em termos práticos, isso
quer dizer que, de posse do controle das informações, pode-se
determinar em grande parte as respostas dos cidadãos, por
meio da geração destes pseudo-ambientes. Para determinar
ações ou sentimentos específicos nos indivíduos, portanto,
basta ater-se à forma como é construída a imagem do objeto e
torná-lo socialmente válido. Ou seja, se as ações fossem
respostas à realidade, seria muito difícil determinar ações, pois
é impossível mudar os fatos dos quais as ações são a resposta.
Esta é, como se vê, uma explicação lógica da mentira
sistematizada.
A participação de Lippmann na Sociedade Fabiana foi
durante a juventude, até se desiludir com o socialismo por não
concordar com a ideia da luta de classes, embora aceitasse a
sua existência empírica. Para ele, a imagem mental da ideia de
uma constante luta de classes fomentaria o caos e a desordem,
coisa tida como inevitável e até desejável para os socialistas,
mas perfeitamente evitável e inconveniente para fabianos que
detinham o pode sobre a frágil economia da época. Ele queria
que a sociedade fosse controlada para a democracia e a ordem
e via no marxismo ortodoxo um entrave à paz, apesar de
concordar com a doutrina marxista quanto à economia. Não é a
toa que Lippmann é um dos honoráveis fundadores do Council
of Foreign Relations (CFR), em 1919, uma das mais atuantes
entidades de influência da opinião pública no mundo. Com o
CFR, o sonho de Lippmann e de muitos intelectuais fabianos
estava mais perto de ser realizado.

Os funcionalistas e as pesquisas de opinião

O resultado de uma pesquisa de opinião apresentada


pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no início
de 2014, tentava demonstrar que a maior parte dos brasileiros
(46%) era favorável ao estupro de mulheres que se vestissem
provocativamente. A grande mídia apressou-se na tentativa de
pintar um povo machista e violento, naturalmente identificado
com um arquétipo de conservadorismo. Daquele primeiro
resultado, vieram inúmeras manifestações de políticos,
incluindo a do próprio ex-presidente Lula, que chamava a
atenção para o perigo representado pelos supostos 46% da
população. Na carona do IPEA, impulsionaram-se votações de
leis sobre violência doméstica que a relacionavam com o
machismo da sociedade. Estas leis serviram de modelo para
sugerir a inclusão da chamada Ideologia de Gênero, não mais
somente no novo Plano Nacional de Educação, mas na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de caráter
permanente. Em menos de uma semana, o resultado da
pesquisa gerou uma campanha contra o estupro, onde
mulheres posavam seminuas com cartazes dizendo: “não
mereço ser estuprada”. A curta campanha recebeu adesão de
celebridades e subcelebridades, famosos e anônimos de redes
sociais. Ocorre que, ao fim de uma semana de efusivas
campanhas, o IPEA veio a público admitir que havia trocado os
gráficos e que os números estavam invertidos. Na verdade, o
que deveria ser 46% era 26%. Um diretor do instituto,
responsável pela pesquisa, pediu afastamento após o
escândalo. Apesar do desvelamento da farsa, as frases de
efeito inspiradas na divulgação dos números permaneceram
como se nada tivesse acontecido. O extenso uso político e
militante que foi feito daqueles primeiros resultados evidenciou
o intuito dessa verdadeira operação de agenda que só
aparentemente havia falhado.
O que realmente levou o instituto submetido à
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República, a desmentir a farsa, ainda não se sabe. Mas até
disso a militância parece ter se beneficiado, já que uma parcela
pequena e desatenta da oposição conservadora cultural
apressou-se em corroborar aquela cifra absurda que colocava a
população brasileira como apoiadora da violência contra a
mulher. Pequena e desatenta, mas que para a esquerda
sempre terá sua importância na amostragem de
conservadorismo útil para justificar seus avanços
revolucionários. Esta história parece indicar o quanto a
esquerda hegemônica, detentora dos instrumentos midiáticos,
se mostra sempre mais preparada para utilizar-se do caos
mental gerado por ela mesma.
Como já dito anteriormente, as primeiras pesquisas de
opinião com fins de engenharia social partiam da crença de que
as mensagens através da mídia podiam funcionar como
agulhas hipodérmicas, metáfora biológica que, embora fosse
insuficiente do ponto de vista investigativo das ciências
humanas que desse conta da complexidade do processo,
puderam ter algum sucesso em impulsionar estudos cada vez
mais detalhados da psicologia das massas. É claro que as
técnicas de engenharia social nunca foram simples e eficazes
como uma injeção, mas nunca será seguro subestimar as
mudanças sociais que o crescimento da influência dos meios na
vida das pessoas acabou provocando. De modo geral, as
pessoas hoje são bem mais dependentes da mídia do que em
1920, quando se iniciavam os estudos de recepção midiática.
Mas já muito cedo esses estudos proporcionaram avanços
espetaculares no controle das massas, mesmo que os
conhecimentos na área não estivessem ainda completamente
desenvolvidos. Afinal, a busca por controle não tem por
preocupação essencial a compreensão completa dos
processos, mas tão somente o entendimento dos elementos
funcionais que garantam o alcance dos efeitos desejados.
A divulgação de uma pesquisa de opinião pela mídia
representa a oportunidade de comunicar ao público o que ele
mesmo pensa a respeito dos mais variados assuntos. Muitos
estudiosos ligados a grandes fundações, partidos políticos,
órgãos de comunicação governamental, etc, perceberam
rapidamente o potencial deste tipo de coisa, afinal, a opinião
pública, ou o que se crê ser a opinião pública, é a autoridade
máxima no sistema democrático, já que possuem a função
dupla de retratar e conformar a opinião do público. Isso faz dela
um local de competição dos pretendentes à ação histórica.
Nenhum foi tão eficaz nos últimos anos, porém, do que os
globalistas representados pelas grandes fundações
financiadoras dessas pesquisas.
Um dos pioneiros no estudo dos efeitos de pesquisas
de opinião, como já dissemos, foi Lazarsfeld, no campo de
estudos denominado Mass Communication Research,
historicamente ligado ao financiamento da Fundação
Rockefeller. Junto dele, Kurt Lewin, Carl Hovland e Wright Mills,
entre outros, fizeram avançar os estudos psicossociais de um
modo que a população consumidora de mídia dificilmente
imaginaria. Pior do que isso: o descaso dos próprios
comunicadores com estes estudos, aliado à constante
desatenção sobre os agentes históricos que detém esses
conhecimentos e meios de utilizá-los, deixa o trabalho dos
engenheiros sociais ridiculamente fácil.
Lazarsfeld recorreu à técnica de amostragem repetida
para estudar os estágios sucessivos da tomada de decisão,
incluindo as camadas de mudança de opinião que a
possibilitavam. Buscou fazer pesquisas de opinião para testar
os resultados e implementar em áreas como eleições políticas.
Utilizou, por exemplo, processos de decisão do uso de uma
máquina ou adubos por agricultores, um bem de consumo,
prática higiênica ou tecnologia nova[10]. Estas pesquisas
orientaram o estabelecimento de categorias importantes como
os degraus sucessivos pelos quais devia passar toda adoção
de um novo produto ou comportamento. Foi a chamada Teoria
do Two-step flow, ou fluxo em duas etapas, que consiste de
dois degraus básicos: primeiro degrau: pessoas relativamente
bem informadas, porque diretamente expostas à mídia; e
segundo degrau: pessoas que frequentam menos a mídia e
dependem dos primeiros para obter informação.
O modelo do Two-step-flow foi elaborado nas décadas
de 1940 e 1950, época em que os estudos começavam a se
preocupar com as análises de recepção de mídias de massa
como os jornais o rádio. A obra principal em que Lazarsfeld
expõe a tese do fluxo comunicacional em duas etapas, The
people’s choice. How the voter makes up his mind in a
presidential campaign (A opção das pessoas. Como o eleitor
elabora as suas próprias decisões numa campanha
presidencial), publicada em 1944 nos Estados Unidos, por Paul
Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, buscava
conhecer os processos de formação e transformação da opinião
pública.
O estudo foi feito durante a campanha presidencial de
1940, observando e analisando os efeitos da propaganda dos
candidatos. O principal interesse dos pesquisadores era os
votantes que apresentavam mudança de opinião no decorrer da
campanha. Por isso, três perguntas principais motivaram a
pesquisa: (1) Que categoria de pessoas está predisposta à
mudança? (2) Quais influências atuam para produzir essas
mudanças? (3) Em que direção se orientam as mudanças?
Foi verificado que os contatos interpessoais atuavam
como importantes estímulos no processo de mudança de
intenção de voto, especialmente através das mediações dos
chamados “líderes de opinião”. Os líderes de opinião pareceram
ter uma função essencial no processo de formação das atitudes
de voto e de como seus efeitos atuam no sentido de ativar
posicionamentos, reforçar ou modificar opiniões.
Além disso, estes líderes funcionavam não apenas
como intermediários entre meios de comunicação e público,
mas sim como importantes participantes do sistema
comunicacional, conforme observa Lazarsfeld:

Supõe-se, em geral, que os indivíduos obtém as


informações diretamente dos periódicos, do rádio e
outros meios. Nossos estudos demonstraram, porém,
que nem sempre é assim. A maioria dos indivíduos
recebiam boa parte das informações e muitas de suas
ideias através da relação com os líderes de opinião de
seus grupos. Estes líderes, por sua vez, mostravam uma
receptividade relativamente maior que os demais aos
meios de comunicação de massa. Este processo de
informação em duas etapas resulta de indubitável
importância prática para os estudos da propaganda
(Lazarsfeld, 1962, pag. 26)[11].

Portanto, as interações mútuas reforçam e mudam os


modos de recepção. A obra de Lazarsfeld mostra que os líderes
de opinião têm grande participação na campanha. Isto porque,
em comparação aos “meios formais de comunicação”, como
analisam os autores, o contato pessoal tem maior poder de
influência, por conta de seu alcance mais amplo e de
estabelecer relações psicológicas mais intrincadas com o
público. É no sentido de dar maior visibilidade às mediações
que essa teoria indica duas etapas do percurso das idéias: (1) a
partir da radiodifusão e da imprensa escrita para os líderes de
opinião e (2) estes que as transmitem aos setores menos ativos
da população.
Desta forma, essas pesquisas mostram uma maior
influência da interação entre as pessoas mais suscetíveis a
mudanças como ponte por meio da qual os meios formais de
comunicação ampliam sua ação. Um dos desenvolvimentos
mais evidentes disso na propaganda teria sido o uso de
celebridades ou pessoas de importância social para atuarem
em propagandas de produtos ou ideias, já que celebridades
(especialmente as ligadas à arte) muitas vezes eram vistas pela
população como entes queridos e próximos, dada a
proximidade ilusória que a arte proporciona por meio da mídia e
da sua própria atividade.
A teoria do Two-step-flow originou outra obra que
estendeu o desenvolvimento da tese do fluxo comunicacional
em duas etapas. Em 1955, P. Lazarsfeld, desta vez em parceria
com E. Katz, publicou no mesmo país, o livro Personal
influence: the part played by people in the flow of mass
communication. A obra dá continuidade à teoria iniciada ainda
no início da década de 1940 e trata da capacidade de
“influência” do contato interpessoal nos modos de recepção de
informação veiculadas pelos meios de largo alcance. É nesta
obra que Lazarsfeld consolida sua teoria.
A ideia do líder de opinião (primeiro degrau) foi
essencial para se compreender o processo de mudança pela
mídia, o que coincidia com muitas pesquisas já feitas
anteriormente. Lazarsfeld uniu estes estudos aos já existentes
no campo do marketing, como o modelo AIDA (Atenção,
Interesse, Desejo, Ação/Aquisição), isto é, captar a atenção,
suscitar o interesse, estimular o desejo e passar à ação
(comportamento) ou aquisição (consumo). No aspecto político,
não é diferente do consumo, pois o desejo influi na necessidade
de socialização que o engajamento político proporciona, o
intento moderno da eficiência democrática, participação política,
etc.
Estudantes formados por Lazarsfeld se tornaram
verdadeiros “gurus” da indústria publicitária e seus estudos
eram também aplicáveis à política. Trabalhava para grandes
empresas e órgãos governamentais com considerável influência
em muitos países. Seus laços com a comunidade internacional
o tornaram o líder de uma espécie de “multinacional científica”
ligada à mudança de comportamento do consumidor e do
eleitor. Mas Lazarsfeld preocupava-se sobretudo com a
propaganda e ainda não havia feito sua verdadeira virada à
política. Isso veio a efeito a partir dos estudos de um outro
pesquisador, o psicólogo também vienense Kurt Lewin (1890-
1947). Lewin trouxe o fenômeno do formador, as “reações” e
influências na decisão grupal por meio das “dinâmicas de
grupo”, invenção sua. A família, a sala de aula, clube de jovens,
grupo de trabalho, fábricas, etc, foram seus objetos de
pesquisa. Seus livros, A teoria dinâmica da personalidade e
Princípios da psicologia topológica, têm até hoje grande
influência na psicologia.
Lewin foi um dos principais pesquisadores do Tavistock
Institute, em Londres, órgão de pesquisa de controle mental
que presta serviços a empresas e governos. Fundou, em 1945,
o centro de pesquisas de dinâmica de grupo no Massachusetts
Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. A Segunda
Guerra Mundial deu ao psicólogo a chance de testar as leis
teorizadas por ele sobre a conduta grupal a serviço da
mobilização para o esforço de guerra numa economia de
escassez. Aperfeiçoou estratégias de persuasão visando a
modificação da atitudes das donas-de-casa em matéria de
regime alimentar. Nessas experiências, surge com mais
precisão o conceito de gatekeeper, ou controlador do fluxo de
informação, função que garante o “formador de opinião”
informal. Lewin era também físico e matemático e introduziu
uma série de estudos que chamou de topológicos, com vetores,
diagramas, quadrados, círculos, figuras como sinais de adição e
subtração para representar sua teoria do campo de
experiências, ou seja, o espaço de vida dos indivíduos e as
relações com o meio físico e social.
Não é difícil observarmos os frutos das pesquisas de
Lewin em nossos dias. O uso de técnicas e dinâmicas de grupo
hoje é algo endêmico e utilizado em quase todo tipo de
agremiação mais ou menos organizada. O objetivo dessas
dinâmicas não é diferente dos de Lewin e do Tavistock Institute
quando de seu início ao final da guerra: a mudança de
comportamento para a realização de transformações sociais
que funcionassem em tempos de paz para o controle social. A
teoria das dinâmicas de grupo de Lewin tinham por objetivo
compreender o funcionamento dos grupos menores para,
assim, alcançar a complexidade dos grupos maiores e, por fim,
a sociedade. Os jogos e atividades lúdicas, por sua vez, visam
disciplinar o indivíduo à mudança de comportamento e a uma
consequente postura ativa. O ativista vai sendo moldado em
suas bases mais profundas, dirigindo-o ao rompimento e o
questionamento dos padrões e do que for considerado velhas
ideias, direcionando-o à “emancipação”. O poder do instrutor da
dinâmica, porém, nunca é questionado.
Indo muito além, outro pesquisador, Carl Hovland,
também ligado ao Tavistock, explora mais diretamente os meios
de comunicação, medindo a eficácia de filmes de propaganda
para soldados americanos nos fronts do Pacífico e da Europa,
efeitos sobre o moral das tropas, etc. Esses estudos de
laboratório foram importantes para aumentar a eficácia de
massa, por meio de experiências que faziam variar a “imagem
do comunicador”, a natureza do conteúdo, entre outras coisas.
O resultado foi um verdadeiro catálogo de receitas para o uso
do bom persuasor e da mensagem persuasiva eficaz,
conteúdos capazes de alterar o funcionamento psicológico do
indivíduo e de levá-lo a realizar atos desejados pelo emissor de
mensagens. Nesta época ficaram populares os guias de
transformação social que eram usados por muitos institutos de
pesquisa e agências de propaganda, sobre os quais falaremos
mais à frente.
Diante de estudos como estes e vendo as multidões
que respondem tão facilmente a estímulos da mídia, é possível
compreender por que motivo as abordagens usuais sobre as
teorias da comunicação de massa atualmente têm feito um
esforço para diminuir o poder destas técnicas. As teses mais
aceitas são aquelas que relativizam esse poder de persuasão e
concedem ao público uma maior independência. Ora, uma parte
importante de qualquer campanha de manipulação deve
consistir justamente em atribuir toda a independência ao
manipulado para distraí-lo das forças que buscam controlá-lo.
Operações de engenharia social com vistas a modificar o
posicionamento da esfera pública para determinado fim político
sempre estiveram presentes nos experimentos dos
pesquisadores norte-americanos e russos, sempre financiados
por grandes milionários interessados. Estes milionários não
dependiam de nenhum dos dois blocos soviético e americano,
mas agiam em cooperação, em operações conjuntas.
Em 1950, o professor de ciência política Daniel Lerner
assumiu a direção de um projeto de estudos dirigido por Paul
Lazarsfeld, no Bureau of Applied Social Reasearch de
Colúmbia, do MIT, financiado pela rádio governamental Voz da
América. O alvo da pesquisa eram seis países do Oriente
Médio, entre eles o Irã governado por Mossaddegh, um
nacionalista que favorecia aproximação com a União Soviética.
O objetivo era medir a influência e reação do público à
exposição de opiniões de rádios de alcance internacional como
a BBC, Rádio Moscou e a Voz da América. Lerner propôs medir
a mobilidade psicológica das opiniões favoráveis ou não à
transição de um “estado tradicional” típico da região, para um
estado de modernização, proposto pelo Ocidente e própria da
personalidade moderna.
Este esforço de engenharia social pró-ocidente nos
poderia fazer crer na ação conspiratória do “imperialismo” norte-
americano. Importante, porém, levamos em consideração que
Daniel Lerner foi um importante difusor de teorias cuja crença
principal da transição de sociedades tradicionais para a
chamada modernização, baseava-se na realização do que se
chamou de “revolução das esperanças crescentes”, com a
principal característica do abandono dos valores tradicionais
para os valores intercambiantes da sociedade moderna,
garantidora do “progresso ao alcance de todos”. Como
professor de ciência política, é impossível que Lerner não
soubesse que “esperanças crescentes” não geram ordem nem
paz, mas caos e revolução permanente. Crenças como estas
estão na base do antiamericanismo da esquerda norte-
americana.
Não é difícil perceber o imenso potencial de uso dessa
ideias para as operações de subversão social descritas por Yuri
Bezmenov, nas quais as ideias e desejos do inimigo são
estendidas ao seu extremo para gerar o colapso social. Afinal, o
projeto de pesquisa chefiado por Lazarsfeld, do qual Lerner
fazia parte, era financiado pela Fundação Rockefeller, cujas
ideias muito se aproximam da tal “revolução das esperanças
crescentes” e que detém hoje uma bela parte do controle do
fluxo de informações por meio das grandes corporações de
mídia internacionais.
Para terminar a sequência iniciada por Lazarsfeld,
Lewin, Hovard e Lerner, citamos também Charles Wright Mills,
que radicaliza a crítica ao capitalismo e, desistindo de toda a
intenção meramente reformadora, defendia a pura engenharia
social a partir do estudo das relações sociais com o chamado
“triângulo do poder” (monopólios, forças armadas e Estado),
examinados minuciosamente no livro Power Elite (1956). Mills
se utiliza de análises marxistas críticas para o estudo da
conexão entre cultura, poder e ideologias na estrutura social. A
posterior influência dos teóricos da Escola de Frankfurt e o seu
foco no aprofundamento das contradições capitalistas e
ocidentais, deu à praxis da esquerda norte-americana novas
possibilidades de mudança social que a pesquisa empírica
funcionalista não havia conseguido. Essa contradição pode ser
percebida nas próprias expressões trazidas por eles, como
“indústria cultural” e “cultura de massa”, algo que na época
provocava forte impressão ao unir palavras aparentemente
opostas e conflitantes, que embora ironizassem a existência de
uma alta cultura salvadora, diziam defendê-la. O paradigma de
engenharia ordenadora dos funcionalistas não resistiu à crítica
criativa, caótica e desintegradora dos frankfurtianos. Embora
não fossem intelectualmente favoráveis à normatividade
tecnicista dos engenheiros, a desilusão completa dos
pensadores da Escola de Frankfurt quanto às necessidades e
possibilidades de controle social e cultural criou, em pouco
tempo, uma atmosfera intelectual caótica e destrutivamente
crítica, cujos efeitos parecem ter facilitado em muito o trabalho
da engenharia social. Na verdade, hoje sabemos que seu
objetivo era justamente esse.
Voltemos agora à pesquisa fraudulenta do IPEA,
segundo a qual a maioria do povo brasileiro parecia ser
favorável ao estupro de mulheres que mostrassem o corpo.
Mesmo depois de desmentidos, os resultados concorreram para
efeitos que confirmavam a mentira, ao provocar indignação
contra as mulheres que se apressaram na campanha do “não
mereço ser estuprada”. Afinal, quando se propõe o caos, toda
resposta é correta.
É difícil não pensarmos em como a estrutura social
pode ter se tornado de alguma forma, ainda mais receptiva à
influência midiática após tanto tempo de exposição a uma mídia
sensível à manipulação por engenheiros sociais. À medida que
se acelera o processamento tecnológico da informação, as
resposta aos estímulos parecem mais velozes e abrangentes,
como uma verdadeira espiral caótica, onde até mesmo os
efeitos colaterais menos previsíveis das mensagens midiáticas
nos farão implorar pelo alívio das ordens dos engenheiros.
A influência da Escola de Frankfurt nas pesquisas de
opinião das décadas de 1940 que eram financiadas pela
Fundação Rockefeller pode ter iniciado com a participação,
durante curto período, de Theodor Adorno no Centro de
Pesquisas Sociais, junto com Lazarsfeld. Adorno passou pouco
mais de um ano lá antes de desistir por não concordar com a
linha de pressupostos metodológicos das pesquisas que,
segundo ele, eram demasiadamente normativos e pouco
críticos. É claro, a posição dos frankfurtianos era demasiado
niilista e desconstrucionista para aderir aos conceitos baseados
em algum “dever ser”, de caráter funcional, trabalhados pelos
americanos. Ademais, os funcionalistas almejavam um controle
social que ainda permanecia dentro de padrões culturais
ocidentais e capitalistas, justamente os questionados pelos
alemães. Nas décadas seguintes, após verificarem resultados
das pesquisas funcionalistas na sociedade, a esquerda
internacional percebeu o quanto pode ser produtivo unir a
crítica alemã às técnicas de controle desenvolvidas pelos norte-
americanos.
Alguns destes resultados puderam ser percebidos com
o surgimento de comportamentos que passaram a ser
justificados racionalmente, dando origem às mais variadas
ideologias grupais, substitutos perfeitos para fazer frente a um
desgaste das ideologias políticas.
O fluxo de informações e o seu controle não é, porém,
o único elemento utilizado para cooptar engajamentos e criar
massa de manobra para causas diversas ou simplesmente
controlar as ações dos indivíduos de modo a obter um tipo de
controle social. Muitas experiências testaram também o uso de
substâncias químicas para facilitar o controle da mente. Isso é
amplamente descrito em livros como O Rapto do Espírito, de
Josh Merlcco, entre outros. John Coleman, em seu livro O
Instituto Tavistock, também explica a natureza de eventos como
o festival de Woodstock que não passaram de experiências do
uso de drogas modificação do centro de orientação de um
indivíduo. O resultado foi uma geração inteira que se opunha
drasticamente aos costumes e valores de seus antecessores.
Grande parte disso foi devido os constantes estímulos de
condições psicológicas que geravam posturas de rebelião e
revolta somados a uma supervalorização de tendências
viciosas, o que estimulava um tipo de escravidão dos sentidos,
propiciando assim, nas décadas seguintes, outros formidáveis
efeitos sociais e culturais. Entre outras coisas, essa mudança
tornou a maioria das mentes especialmente suscetíveis aos
estímulos dos meios de comunicação de massa, que cada vez
mais apelavam às seduções sensoriais.
Há ainda outros fatores civilizacionais que
concorreram, ao longo dos últimos tempos, para a formação de
um ambiente favorável às manipulações dos sentidos e a algum
nível de controle sobre os desejos alheios. David Reisman, na
obra clássica da psicologia social A Multidão Solitária, descreve
três tipos básicos de caráter psicológico em indivíduos de
acordo com o estágio populacional de cada sociedade no
tempo e no espaço. Os traditivo-dirigidos, introdirigidos e os
alterdirigidos. Sociedades em crescimento populacional
normalmente são formadas por indivíduos que se orientam com
base em tradições, o primeiro tipo. Em seguida, a partir de um
período que podemos identificar como o Renascimento ou o
início da chamada Idade Moderna, surge o indivíduo
introdirigido, isto é, aquele que se orienta com base em uma
tensão entre a tradição recebida de seus pais e o impulso de
independência racional e libertação de obrigações tradicionais
ou coletivas. Este é dirigido por suas concepções e detém certo
grau de estabilidade emocional, resistência individual a
mudanças e não dependência de costumes ou comportamentos
do entorno. Por último, característico do nosso tempo em que
Reisman afirma ser consequência de um declínio populacional
fruto das grandes aglomerações urbanas, surge o sujeito
alterdirigido, aquele que orienta suas ações, desejos, metas,
valores e crenças, pelo modo como percebe o olhar do outro,
ou seja, do entorno social. Trata-se de um tipo característico do
mundo urbano e pós-moderno, onde os indivíduos se adaptam
facilmente a diversas culturas mas simultaneamente
encontram-se em completo desamparo psíquico e emocional. A
sociedade de caráter alterdirigido, referida por Reisman,
orienta-se por um entorno cada vez mais auto estimulado, o
que talvez tornaria a velha metáfora da agulha hipodérmica
uma hipótese mais realista.
A explicação desses três caráteres é bem mais
complexa do que seria possível explicar aqui. Ambos são ao
mesmo tempo particulares e universais, cada caráter social
compreendido de acordo com o grau de crescimento
populacional ou características de cada sociedade, período em
que se encontra, etc. Mas é somente a partir do surgimento
deste caráter social alterdirigido que compreendemos a
possibilidade do controle do comportamento e das ideias
através do meio, com base na modificação e transmissão da
opinião. Os líderes de opinião (Lazarsfeld) podem estar mais
vinculados ao segundo caráter, o introdirigido, que passou a
existir no início da era moderna quando a proeminência de
publicações impressas possibilitou a existência do que hoje
chamamos opinião pública. Essa instituição moderna e urbana
nasce da união de mentes orientadas por um mesmo repertório
vindo de livros, jornais e publicações diversas. A consciência de
uma superioridade por parte dos homens urbanos diante de
suas velhas famílias vistas como atrasadas e orientadas pela
tradição, dá legitimação a personalidades fortes e ambiciosas,
amparadas pela crença na ciência acadêmica e urbana em
detrimento de um tosco senso comum provinciano. Mas a
revolução científica trouxe a explosão dos jornais, dos produtos
midiáticos, da propaganda, do cinema e, por fim, de uma cultura
de massa. Um mesmo repertório de crenças e opiniões trouxe o
introdirigido ambicioso e individualista ao mundo confuso da
ansiedade alterdirigida, que condiciona a consciência ao
desenvolvimento de um tipo específico de habilidade social: o
radar de conformidade que busca a todo custo adequar-se ao
entorno social e confirmar-se nele. Este amálgama social pós-
moderno da alterdireção ampara-se na figura da opinião
individual, característica do tipo introdirigido, mas em uma
versão coletiva. O fetiche do individualismo e da originalidade
nas opiniões provoca, assim, uma homogeneidade de ideias e
lugares comuns que oprime e anula os indivíduos, soterrando a
personalidade sob um entulho de opiniões prontas. Um
verdadeiro mercado de opiniões regido pelo consumismo de
personalidades que mais valem quanto mais iguais às outras.
Uma frase que resume perfeitamente o anseio do
alterdirigido é um recente slogan da Globo News: “quanto mais
interesses você tem, mais interessante você é”. Isto é, todos os
interesses pessoais devem estar submetidos ao objetivo de
fortalecer uma autoimagem desejada, valorizada pela imagem
de originalidade. Obviamente que o resultado só pode ser a
homogeneização dos interesses e opiniões.
A teoria da Espiral do Silêncio, de autoria de Elisabeth
Noelle-Neuman, diz respeito justamente a este esforço especial
dos indivíduos para perceber o clima de opinião de seus pares
contemporâneos. Isso parece só ser possível em uma
sociedade de pessoas alterdirigidas e que concentram grande
parte de suas atenções no ambiente de atenções de outras
pessoas. O alterdirigido, como é descrito por Reisman, se
orienta pelas pessoas com as quais se relaciona mais
diretamente, o que podemos comparar com o líder de opinião
de Lazarsfeld. Mas o grande prejuízo deste tipo de tendência
social é a perda da capacidade ou da liberdade de observar e
perceber o real. Para Neumann, o grande efeito da Espiral do
Silêncio é a ocultação das opiniões verdadeiras das pessoas. A
verdade, vista como relativa e dependente da opinião coletiva,
torna-se tabu e submetida a critérios subjetivos ou socialmente
válidos, o que a torna impopular e indesejável. Esta é a perfeita
condição para a engenharia social, pois economiza esforços no
condicionamento psicológico que se feito individualmente
resultaria algo muito mais difícil, lento e incerto. Há ainda uma
observação e um alerta a se fazer sobre este fenômeno:
embora o condicionamento coletivo contenha certo grau de
imprevisibilidade, qualquer resultado aparentemente negativo
acaba por reforçar o vínculo de causalidade do esforço
manipulador. Isto é, mesmo que o efeito não tenha sido o
desejado pelo agente ou emissor da manipulação, o resultado é
positivo sempre que a mensagem é assimilada. Mesmo diante
da súdita descoberta de uma parte da operação de engenharia
comportamental, a paranoia decorrente do medo ou
preocupação em não se submeter ao controle, põe a vítima em
ainda maior sintonia com as ações ou mensagens do veículo
manipulador, o que pode ser usado como estímulo contraditório
para fortalecer o potencial das mensagens modificando-as.
As agências ligadas às políticas externas da Rússia
nos últimos anos parecem estar passando por um processo
semelhante. Depois de décadas de operações de subversão
para o enfraquecimento cultural, moral e religioso do Ocidente,
a imagem da velha URSS, na pessoa de Vladimir Putin, tem
sido direcionada a atender a previsível demanda ocidental pela
restauração moral e tradicional. Os ocidentais, assim, voltam-se
contra si mesmos e, sem perceberem, veem sua própria
destruição como único remédio para a salvação da sua
sociedade. Em um Ocidente profundamente lesado pelas
operações da KGB, os indivíduos mais atingidos pelo processo
não se lembrarão de culpar os atuais salvadores pela situação
em que se encontram. Nem reconhecerão, na mão tão
benevolamente estendida, os perigosos espinhos do próprio
algoz. O primeiro campo de batalha de todo esforço de guerra
se dá, portanto, no terreno da opinião das massas.
Apesar de muitas pessoas não agirem exatamente
conforme as opiniões que manifestam publicamente, a
tendência para a coerência entre ação e opinião está sempre
presente em quaisquer esforços persuasivos. A busca por
coerência entre juízo e comportamento é um elemento
essencial do confronto de ideias políticas, mas também
provocam uma importante tensão dentro do indivíduo. Os
engenheiros sociais sabem muito bem disso, afinal, o
engajamento opinativo sempre será um pré-requisito para a
mudança de comportamento.
Em muitos casos, entretanto, o caminho inverso pode
ser uma opção viável: uma engenharia comportamental pode
gerar adesão por meio de “mecanismos” psicológicos, como
propõe a Teoria da Dissonância Cognitiva, que dá nome ao livro
do psicólogo Leon Festinger. Embora a coisa não seja tão
simples como um mecanismo, a crença neste tipo de
funcionamento parece ter logrado alguns resultados.
A Dissonância Cognitiva é um conceito desenvolvido
nos anos 1950 por Leon Festinger. Refere-se ao estado de
desconforto ou tensão psicológica que ocorre quando uma
pessoa se encontra numa contradição entre aquilo que pensa
ou acredita e sua conduta real. “A dissonância produz um
desconforto mental que pode ir desde pequenos remorsos na
consciência até uma angústia profunda; as pessoas não
descansam até que elas encontrem um modo de reduzi-la”, diz
Festinger. É comum a pessoa que se encontra nessa situação
que, para reduzir o desconforto, ao invés de reconhecer a
contradição e abandonar a falsa convicção reconhecendo o erro
e aderindo a verdade (subordinando sua conduta à verdade,
por mais dolorosa que essa seja), tente, mediante o auto
engano, iludir-se desenvolvendo uma espécie de “síntese
dialética” entre as posições contraditórias (subordinando seu
juízo sobre a realidade à sua conduta). Ou seja, ela conta uma
mentira para si mesma e esforça-se (violentando sua
consciência) para acreditar nela e afastar o desconforto,
buscando suprimir da memória a verdade desagradável que ela
não quer reconhecer. É um tipo de (des)ajustamento
psicológico que, segundo Aronson e Travis, está na base dos
distúrbios neuróticos e psicóticos[12].
Muitas pesquisas de recepção sobre a Televisão
demonstram que o telespectador médio prefere assistir a
programas onde os apresentadores ou entrevistados digam
coisas que eles concordem. As pessoas procuram fugir da
discordância pois esta é desconfortável psicologicamente.
Assim, o telespectador pode desligar, mudar de canal ou
simplesmente – e muito provavelmente – aderir à opinião da
televisão para diminuir a tensão da discordância e produzir um
consentimento racional. A espiral do silêncio também comprova
esta tendência, já que o que ocorre é o medo de isolamento
social ou incoerência interna – cujo critério é a aceitação do
meio. Conhecendo estas tendências não é difícil produzir
consensos que correspondam mais ou menos a pautas de
ideologias determinadas. Mais do que isso: é possível
disseminar importantes elementos que pertençam a sistemas
complexos de ideias e planos de ação de modo a justificá-los
“democraticamente” e levar o expectador até mesmo a
reivindicar o que é desejado pelos emissores.
Se é possível conduzir as opiniões de um lado a outro,
parece ser óbvia a possibilidade de fazê-las confluir para efeitos
que gerem conclusões racionais específicas, como por
exemplo, as noções de justiça social, igualdade, direitos, etc,
provocando assim a adesão a movimentos sociais, campanhas
políticas ou ativismos aparentemente desinteressados. Os
objetivos políticos estiveram historicamente atentos ao que
Mannheim chamou de técnicas sociais ou ao efeito do que
Lippmann chamou de pseudo-ambientes, cujo conjunto de
expedientes técnicos e concepções políticas podemos chamar
de engenharia social. O anseio do controle político global passa
pelo controle técnico e científico, sonho acalentado por tantos
intelectuais e ideólogos. Uma das perguntas que surgem diante
de tantos esforços para o controle mental das massas diz
respeito à segunda parte do livro de Ortega y Gasset: “quem
manda no mundo?”
Não é difícil imaginar que os meios de utilização das
técnicas sociais descritas até aqui possam estar em poucas
mãos, já que grande parte dos pensadores que orientaram a
sociedade democrática acreditam na necessidade do controle
das massas para manter a ordem, a sanidade pública ou a paz
mundial. Seja qual for o modelo do controle, por meio do fluxo
em dois níveis, da “opinião organizada para a imprensa e não
pela imprensa”, da crítica à cultura de massa, do controle do
clima de opinião e dos pseudo-ambientes, a verdade por trás
dos intuitos de controle das ações pela opinião pública passou
por infindáveis controvérsias. Desde a invenção da imprensa
até o papel das redes sociais, ao menos uma coisa parece
precisar de constantes renovações e versões atualizadas: a
esperança no consenso como condição à deliberação pública e
democrática. Mas como o consenso parece necessitar de
amplo conhecimento das informações e interesses envolvidos
nas decisões, torna-se comum o apelo a estratégias de simples
consentimento. Afinal, há sempre alguma elite de intelectuais
ou políticos que acredita ter em suas mãos a solução última
mesmo que a maior parte da população discorde sobre isso.
Então toda a manipulação parece se justificar para o bem
supremo de toda a humanidade.

O enfoque sistêmico
A Teoria Geral dos Sistemas, criada para o âmbito da
biologia, propunha-se a ser uma resposta aos erros do
mecanicismo cartesiano que vigorava como paradigma
científico desde o início da ciência moderna. Propôs uma
dinâmica não mais linear, que analisasse as etapas de um
processo, mas circular, que compreendesse as relações dos
diversos processos com o todo. Do uso biológico para a
compreensão de estruturas, passou-se para a sociologia. É fácil
imaginar a tentação de mudança social mediante alterações
cirúrgicas em elementos influentes para alcançar objetivos em
escala global.
O uso político das teorias matemáticas foi um dos
fatores que trouxe grandes modificações na compreensão do
processo de comunicação e do seu consequente uso para
controlar os efeitos das mensagens. Oriundos do sistemismo
matemático, muitos conceitos puderam migrar para as ciências
humanas e dar origem a teorias e correntes do pensamento
pós-moderno. Apesar de parecer oposto à mentalidade técnica,
o que chamamos hoje de cibercultura (cyberculture) deve
grande parte de suas crenças cientificistas aos primeiros
sistematizadores das telecomunicações.
No intuito de serem associadas à cientificidade, e com
isso angariar a tão disputada legitimidade social e política
moderna, as ciências humanas ocuparam grande parte da sua
história tentando aproximar seus métodos aos das ciências
exatas. Os modelos de Lazarsfeld e outros, como vimos, já
buscavam esquematizar de modo exato e fixo o
desenvolvimento de suas teorias e hipóteses, muitas vezes
tratando conceitos como elementos invariáveis e dispondo-os
em tabelas, gráficos e fórmulas. Mas paralelamente aos
funcionalistas como Lazarsfeld, e de modo complementar a
eles, surgiam por volta do final da década de 1940, enfoques
que buscavam aproximar ainda mais os modelos de
comunicação literalmente a uma exatidão matemática. O livro
de Claude Elwood Shannon, intitulado The Mathematical
Theory of Communication, rapidamente se tornou um manual
para os estudantes das áreas de telecomunicações. O trabalho
foi desenvolvido dentro das pesquisas dos Laboratórios Bell
Systems, em que Shannon trabalhava. No ano seguinte, após
grande interesse científico, foi republicada com comentários de
Warren Weaver, que era coordenador de pesquisas técnicas
sobre grandes máquinas de calcular durante a Segunda Guerra
Mundial. Mas aquilo que havia sido pensado para ser um guia
de modelos comunicacionais do setor das telecomunicações, foi
aos poucos ganhando uso em áreas inicialmente não pensadas
pelos seus autores.
Shannon propunha um esquema baseado no conceito
de “sistema geral de comunicação”. Para ele, todo processo de
comunicação se resume em “reproduzir em um ponto dado, de
maneira exata ou aproximativa, uma mensagem selecionada
em outro ponto”. Tratava-se de um esquema linear de
comunicação, composto dos componentes como fonte (a
informação), que reproduz a mensagem, o codificador ou
emissor, que a transforma em sinais transmissíveis, o canal
(meio), o decodificador ou receptor, que reconstrói a mensagem
por meio dos sinais, e finalmente, o destino ou pessoa a quem
é destinada a mensagem. O objetivo de Shannon era
puramente técnico, voltado a resolver os principais problemas
das telecomunicações. Ele queria poder quantificar o custo de
uma mensagem e do processo de transmissão dela, detectar
possíveis problemas (ruídos) para a plena correspondência
entre dois pontos.
Esses estudos foram responsáveis pelo
desenvolvimento posterior da linguagem binária e outras
pesquisas que levaram à criação das primeiras máquinas de
calcular e posteriormente do computador na década de 1940.
Mas outros cientistas perceberam que a mesma característica
de organização e sequência entre fatores aleatórios que se
observava entre máquinas, podia ser aplicada a organismos
biológicos, organizações sociais e ao processo de
comunicação. O esquema linear utilizado na comunicação da
época vem da percepção de um sistema afetado por
fenômenos aleatórios, entre um emissor que tem liberdade para
escolher a mensagem enviada a um destinatário que recebe a
informação com suas próprias exigências. As noções de
informação, transmissão, codificação e decodificação, são
emprestadas de Shannon, dessa forma, para a esquematização
de numerosos estudos sociais.
Traduzindo a partir dessa terminologia, surgem termos
que vieram para ficar nas ciências da comunicação, como
redundância, ruído disruptor e variáveis como a liberdade de
escolha tanto do emissor quanto do receptor. A fonte, como
origem de toda a comunicação, dá forma à mensagem que é
transformada em informação quando codificada pelo emissor.
Esta teoria ainda não levava em conta a significação dos sinais,
isto é, o sentido que o destinatário vai atribuir a eles, nem
mesmo a intenção do emissor.
Essa corrente de estudo do processo comunicativo
evidentemente ficou presa demais à noção de uma linha reta
entre um ponto de partida e um de chegada, mas impregnou-se
em grande parte das escolas de pesquisas, mesmo opostas
umas às outras. Esta ideia da comunicação faz parte do
funcionalismo e da sua característica preocupação com os
efeitos. A concepção sistêmica influenciou de modo substancial
o estruturalismo na linguística, especialmente as correntes que
utilizaram a semiótica.
Tanto o sistemismo quanto o funcionalismo partilham
um mesmo conceito chave como ponto de partida: o conceito
de função. Este conceito é o que indica o primado do todo
sobre as partes e esteve presente no uso da “teoria dos
sistemas”, para elaboração de estratégias de mobilização
durante a Segunda Guerra Mundial. O livro The modern
theories of development, publicado em 1933, pelo biólogo
Ludwig von Bertalanffy, lança as bases para o uso político do
termo “função” do mesmo modo como ele era usado na
biologia.
A proposta do sistemismo é pensar o todo, o conjunto
das interações entre elementos, algo mais importante do que os
vínculos de causa e efeito. Compreender o conjunto do
processo e a dinâmica dos conjuntos de relações
intercambiantes e múltiplos passa a ser o grande objetivo desse
novo enfoque. Não tardou para que a ciência política
encontrasse ai um método de análise e também de ação. A
política passa a ser considerada um “sistema de conduta”, o
que se distingue do meio social no qual ele se encontra, mas
está aberto às suas influências. A política se torna também um
sistema de entradas e saídas (input-output), ação e retroação,
formado pelas interações com o meio, que influencia e é
influenciado, melhorando-o ou piorando-o. David Easton, no
livro A framework for political analysis, de 1965, trouxe
importante contribuição neste sentido e elaborou um sistema de
estudo comparado das formas políticas. E finalmente, Karl W.
Deutsch, que já havia aplicado estes estudos às relações
internacionais e, dez anos depois, apresentou a aplicação do
esquema sistêmico para a comunicação política e o controle
(The nerves of government: models of political communication
and control).
A grande ameaça da teoria dos sistemas na análise de
problemas sociais, admitida por inúmeros cientistas, é o uso
revolucionário da noção de dependência do todo, o que permite
sugestões totalitárias, já que o indivíduo é reduzido a uma parte
dependente e portanto reordenável por meio de mecanismos
que agem no todo. Para qualquer problema social almeja-se a
ação global e mudança radical de mentalidade por meio de
atividade cirúrgica nos moldes hipodérmicos. Pascal Bernardin,
no livro O Império Ecológico, chama atenção para quando
problemas sistêmicos são usados para justificar reformas em
todos os domínios[13]. A teoria de sistemas cresceu muito e
hoje ganhou apreço dos grandes cientistas à frente de
pesquisas sociais das Nações Unidas. O problema ecológico,
sobre o qual falaremos mais adiante, exemplifica muito bem
esta situação. Na mídia, a noção de função editorial permite
que se escolha aspectos da realidade que expliquem
determinado fenômeno. Assim, pode também selecionar os
fatos que concorram para a realização de objetivos específicos
negligenciando outros.
A perspectiva sistêmica na comunicação representou
um importante avanço estratégico para a política, que forneceu
instrumentos para o controle das reações do público, de
movimentos sociais. Sua eficiência teve impulsos consideráveis
com a combinação entre teoria sistêmica e a psicanálise.
Assim, a partir da década de 1960, pesquisadores mais
conhecidos pelos estudos teóricos em comunicação de massa
e opinião pública acabaram percebendo tais virtudes do modelo
sistêmico para a compreensão do processo de decisão política,
assim como as possibilidades de alteração.

Lembra-nos Armand Mattelart:

No horizonte dessas preocupações, uma reflexão


operatória inscrita nos bastidores da Guerra Fria: o
equilíbrio do poder, a segurança coletiva, o governo
mundial. A pressão é tão forte que Ithiel de Sola Pool,
professor do MIT, não hesita em empenhar-se, a pedido
do Pentágono, na formulação de um modelo que alimenta
estratégias contra-insurrecionais na Ásia e América
Latina[14].

Trata-se do modelo Agile-Coin (Coin é uma contração


da palavra counterinsurgency), de autoria de Ihiel de Sola Pool,
um cientista político e pesquisador de ciências sociais de Nova
York que foi presidente da Universidade de Chicago em 1929.
Trotksista na adolescência, Pool desiludiu-se com a política
revolucionária por acreditar que os líderes comunistas eram
muitas vezes manipulados por símbolos e imagens idealistas e
acabavam estabelecendo regimes que restringiam a liberdade
das pessoas, o que ninguém podia concordar.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Pool se juntou a
dois de seus professores, Harold Lasswell e Nathan Leites, em
Washington DC, em um grande projeto de pesquisa sobre a
propaganda nazista e comunista. Pool já gozava de boa
reputação devido o seu trabalho sobre os símbolos da retórica
democrática, pesquisa fundamentada na análise de discursos
políticos de líderes nas democracias e em estados totalitários.
Sua experiência pessoal em estudos de psicanálise reforçou
seu interesse pela psicologia profunda, cujos princípios
subjacentes a seu trabalho em psicologia política, como em
Newsmen's Fantasies, Audiences, and Newswriting (1959).
Estes trabalhos forneceram importantes bases para o seu mais
influente ensaio: A dissuasão como um processo de influência
(1969), considerado um argumento profético nas políticas de
controle de armas nos EUA. Pool fez importantes previsões a
respeito da convergência entre tecnologia e comunicação de
massa, incluindo o que se chamaria depois de sociedade da
informação global.
Interessava-se por análises quantitativas de
comunicação e ajudou a desenvolver modelos matemáticos e
computacionais para estudar o comportamento político. Em um
de seus ensaios, O Czar e o computador (1965), propôs a
primeira simulação por computador para tomadas de decisão e
percepção que servisse de modelo para análises de crises
internacionais. Vemos como a grande jogada desta nova
geração de intelectuais foi possibilitar uma mudança na
linguagem das pesquisas, ao substituir expressões como
manipulação da opinião por “gestão de crises”, consenso etc.
Essa mudança de tom trouxe muitos novos pesquisadores a
aprofundarem análises que traziam belas justificativas sempre
de aparências bem intencionadas ou científicas, o que muitas
vezes iludia os próprios pesquisadores envolvidos e distraindo-
os do fluxo institucional que os unia aos seus financiadores e
predecessores bem menos sutis. Este cinismo institucionalizado
encontra seu ápice no meio acadêmico dos nossos dias.
O Dr. Pool foi membro do CFR (Council Foreign
Relations), aconselhou os EUA durante a Guerra Fria e foi
agraciado com o prêmio Woodrow Wilson de melhor livro de
ciência política, publicado em 1963, com o título Candidatos,
questões e estratégias (Candidates, Issues and Strategies). Já
no fim da vida, em 1983, escreveu Technologies of freedom, um
estudo sobre o impacto da tecnologia emergente para a
transformação da vida social e política. Pouco antes de morrer,
Pool liderava uma luta em favor da liberdade acadêmica contra
os esforços governamentais que pretendiam impor limites a
pesquisas envolvendo seres humanos em áreas social e
médica[15].
Pool foi um dos primeiros a chamar a atenção para o
impacto das tecnologias nos sentimentos das massas e
dissertou, entre outras coisas, sobre a questão do “livre fluxo de
comunicação” entre as nações. Este assunto é caro aos
engenheiros da comunicação de hoje, pois tem relação com o
atual debate sobre as políticas nacionais e globais e a validade
ou não dos modelos baseados neste paradigma que é visto
pela elite globalista como “não tão livre” por supostamente
basear-se em uma lógica de mercado[*].
O pioneirismo de Pool não está somente na percepção
de um fenômeno real que crescia com o uso incontrolável dos
meios de comunicação, mas em sua façanha de representar um
ponto de união entre os funcionalistas-sistêmicos e típicos
engenheiros sociais da metade do século XX, com a percepção
de um potencial uso político para o que hoje chamamos de
“convergência”. Henry Jenkins, no livro Cultura da
convergência, atribui a Pool esse conceito como sendo “um
poder de transformação dentro das indústrias midiáticas”[16].
Jenkins, dessa forma, seleciona em seu livro um trecho
do clássico de Pool:

Um processo chamado convergência de modos está


tornando imprecisas as fronteiras entre os meios de
comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a
ponto, tais como o correio, o telefone e o telégrafo, e as
comunicações de massa, como a imprensa, o radio e a
televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos ou
ondas – pode transportar os serviços que no passado
eram oferecidos separadamente. De modo inverso, um
serviço que no passado era oferecido por um único meio –
seja a radiodifusão, a imprensa ou a telefonia – agora
pode ser oferecido de várias formas físicas diferentes.
Assim, a relação um a um que existia entre um meio de
comunicação e seu uso está corroendo[17].
Jenkins dá um caráter universal ao processo percebido
por Pool na década de 1980, algo que agora pode ser
observado com muito maior clareza. Esse caráter universal
relaciona-se à criação de universos de pensamentos, atitudes,
produtos, etc, formados a partir de determinados objetos
capazes de mobilizar várias pessoas ou públicos a um mesmo
propósito desenvolvendo a compreensão ou acrescentando
ideias a estes objetos ou signos.
Não há oposição real, portanto, entre os enfoques
funcionalistas, sistêmicos com aquilo que muitos consideram
meros devaneios esquerdistas ou o niilismo dos estruturalistas
e sócio-construtivistas linguísticos. Embora estes últimos
insistam em uma ênfase nas descrições e nos juízos
atemporais, quer dizer, radiografias detalhadas e
desinteressadas da realidade estática, eles parecem conhecer
como ninguém os caminhos tortuosos dos métodos de
engenharia oriundos dos “engessados” modelos matemáticos,
para os seus fins tão aparentemente “emancipadores” e
libertários.
Cientistas como Pool tiveram ainda outra contribuição
importante para a efetividade das técnicas sociais como hoje as
conhecemos. Diferente das visões monopolistas das grandes
corporações de mídia americanas, que passaram a primeira
metade do século XX a negociar com agencias estatais como a
FCC (Federal Communications Comission) por regulações a
seu favor, Pool era um inimigo mortal dos controles estatais.
Não era só pelas pesquisas com seres humanos em centros
médicos universitários que ele advogava uma maior
independência (neste caso tão questionável). Noutras áreas,
como a das empresas de comunicação, Pool foi defensor de
políticas descentralizadoras que estimulassem o que acreditava
ser um processo inevitável de liberdades. Em Technology of
Freedom, o autor do manual de comunicação internacional mais
lido e premiado dos EUA depositava suas crenças em uma
integração salvadora do homem com os meios de
comunicação, relação que a cada dia parecia mais integrada
aos meios tecnológicos. Pool parece ter sido um pesquisador
bastante atento ao momento histórico.
Esse processo de descentralização econômica que
ocorreu aparentemente na contramão dos desejos
monopolistas das empresas de mídia durante o final do século
passado, contribuiu para o desenvolvimento tecnológico e
econômico das comunicações, da TV e posteriormente da
Internet. De um lado, isso ocorria devido um clima geral de
desejo por independências comerciais em uma época de
estagnação criativa e também devido à necessidade de
demonstrar uma maior agilidade e vigor econômico em
comparação com o gigante pesado que era a União
Soviética[18]. Em decorrência disso, o mundo viu uma
espetacular renovação econômica devido principalmente à
explosão do consumo no final da década de 1970 e início dos
anos 80, algo que o mundo nunca havia visto. A maior mudança
daquele período, no entanto, se deu menos na economia do
que no imaginário. De alguma forma, Pool anteviu muitas das
transformações relacionadas à comunicação de massa.
Mas o objetivo pretendido pelos defensores da
economia descentralizada não parece ter sido alcançado. Os
meios de comunicação permaneceram nas mesmas mãos
justamente porque, na contramão da descentralização
econômica, a política experimentava uma formidável
centralização. As Nações Unidas acumularam um poder
inigualável graças às realizações políticas conseguidas com a
ajuda dos estudos nas áreas da comunicação social global e
relações internacionais, como aqueles realizados por Lippmann,
Le Bon e, entre outros, o Dr. Pool.
Há muitos fatores que concorreram para essa
centralização, muitos deles serão tratados no capítulo seguinte.
Mas é importante percebermos o quanto nem mesmo os
cientistas ligados às perspectivas mais técnicas ficaram imunes
às utopias revolucionárias que se ligavam tão perfeitamente ao
deslumbre diante do avanço tecnológico que as comunicações
vivenciaram durante o século passado. Se no século XIX os
desejos controladores dos intelectuais calçaram-se em grande
parte na impressão caótica produzida pelo crescimento dos
centros urbanos e o aparecimento de uma opinião pública
influente, o século seguinte pôde incrementar aqueles desejos
através de instrumentos técnicos que geraram um estimulante
clima de reflexão. Estas reflexões oscilaram evidentemente
entre o otimismo incorrigível dos deslumbrados com os avanços
tecnológicos e os pessimistas crentes no colapso fatal a que
uma derradeira revolução tecnológica entregue às mãos das
massas podia nos levar. Tal como os primeiros
matematizadores do Iluminismo, esses matemáticos da
comunicação, tecnicistas autênticos, enveredavam facilmente a
um universo de misticismos e delírios proféticos que, não
obstante, puderam ser bem aproveitados e até renderam
fabulosos avanços nas técnicas para manipulação das reações
do público.
Parece necessário compreendermos o progresso dos
estudos da comunicação de massa como um desenvolvimento
de diversas tendências paralelas, inicialmente incomunicáveis e
até opositoras, mas que aos poucos tiveram o efeito de
incorporarem-se a um repertório científico e técnico formando
uma grossa camada de conhecimento hoje disponível ao uso
dos engenheiros sociais. Muitas das técnicas e inventos
fabulosos para a manipulação das massas aperfeiçoados
durante a Guerra Fria foram estabelecidos no período mais
imediato à Segunda Guerra, época de sucessos técnicos nas
áreas militares.

Utopias cibernéticas

Retornando algumas décadas antes de Sola Pool, em


1948, mesmo ano do lançamento do trabalho de Shannon,
surge o livro Cybernetics or control and communication in the
animal and machine, de Norbert Wiener. Muito mais imaginativo
e revolucionário do que qualquer matemático ou cientista
político que veio depois, Wiener previa que a matéria-prima da
sociedade futura seria nada menos que a informação. A
sociedade da informação se torna uma verdadeira utopia
baseada na ordenação perfeita das informações e dos fluxos de
comunicação. Mas Weiner alerta para um temível obstáculo que
essa nova utopia encontrará pela frente: a entropia. Segundo
ele, este processo natural fundamental conduz tudo à desordem
e ao caos. Quem pode salvar a humanidade desta desgraça?
As máquinas. “A soma de informação em um sistema é a
medida de seu grau de organização; a entropia é a medida de
seu grau de desorganização; um é o negativo do outro”, diz
Weiner.
Para que tudo funcione perfeitamente e alcancemos a
tão sonhada sociedade da informação, Weiner defende a
necessidade de que a comunicação não sofra censuras,
barreiras ou interrupções do seu fluxo. Outra disfunção perigosa
é a transformação da informação em mercadoria. Portanto,
Weiner denuncia a apropriação dos meios de comunicação
pelas mãos daqueles que só se preocupam com poder e com o
dinheiro. Diferente de Shannon, Weiner arrisca mais palpites
quanto ao futuro da sociedade em uma plataforma salvífica e
redentora. Weiner é representativo de uma classe intelectual
que quando não demonstrou tão claramente suas pretensões
controladoras, trabalhou deliberadamente para quem o
demonstrasse. Seus delírios cibernéticos estabelecem uma
ligação fundamental entre os sistematizadores técnicos e os
mais místicos poetas do caos.

Meu delírio tomou a forma de uma particular mistura de


depressão e preocupação... de uma ansiedade sobre o
status lógico do meu... trabalho. Para mim era
impossível distinguir entre minha dor e dificuldade em
respirar, um barulho da cortina e certos pontos até agora
não resolvidos do problema em potencial no qual eu
estava trabalhando. Não posso dizer que a dor se
revelou como uma tensão matemática, ou o que a
tensão matemática tenha sido simbolizou como dor: os
dois estavam muito próximos para fazer tal separação
significativa. No entanto, quando refleti sobre esse
assunto mais tarde, eu me dei conta da possibilidade de
que qualquer experiência pode agir como um símbolo
temporário para uma situação matemática que ainda
não tinha sido organizada e esclarecida. Também pude
ver mais claro do que antes que um dos principais
motivos que me levaram à matemática foi o desconforto
ou mesmo a dor provocada por um contencioso
matemático não resolvido. Eu até mesmo fiquei mais e
mais consciente da necessidade de reduzir tal
contencioso a termos reconhecíveis e semipermanentes
antes de poder largá-lo e ir adiante em outra coisa[19].

Apesar de parecer delírios sem nexo, o estudo de


Weiner foi muito bem aproveitado. Podemos dizer que o esforço
frustrado da matematização deu origem, entre outras coisas
igualmente doentias, a um delírio de uma matemática
misticamente caótica, cuja falta de exatidão e rigor é o que lhe
concede um poder simbólico. Ele foi pioneiro no uso do termo
cibernética, mas foi também piorneiro no desenvolvimento
desta para soluções militares, área criadora de incontáveis
invenções midiáticas. A Cibernética denota, tipicamente, o
estudo interdisciplinar e o emprego estratégico dos processos
de controle comunicativo em “sistemas complexos”. O termo
cibernética, portanto, tem dois sentidos possíveis: o primeiro,
ligado ao uso tecnológico e o segundo, chamado por Stephen
Pfohl[20] de cibernética social. Este último representando o
campo de pesquisa do âmbito do controle social.
Weiner foi Ph.D. de Harvard, em matemática, aos 19
anos. Pioneiro na aplicação da matemática não-linear baseada
estatisticamente aos problemas de causalidade circular e
controle de feedback. Como parte do esforço de guerra, Wiener
colaborou com Julian Bigelow e outros matemáticos reunidos
sob o patrocínio do Laboratório de Radiação do MIT, dirigido por
Warren Weaver, da Fundação Rockfeller, um projeto de alta
prioridade comandado pelo Comitê de Pesquisa para
Segurança Nacional dos EUA. Wiener e Bigelow fizeram usos
inovadores e de uma complexidade sem precedentes dos
teoremas ergódigos usados em física estatística e equações
integrais, o que foi descrito como uma revolução na engenharia
da comunicação computacional. Durante os anos finais da
guerra, essa revolução provocou avanços significativos no
design, produção e emprego estratégico de armas antiaéreas e
de equipamento de bombardeio de precisão. Terminada a
guerra, esses avanços destinaram-se a mudar o modo de vida.
Embora soe como excessiva matematização, a
aplicação dessas descobertas à comunicação social foi
importantíssima. O cálculo estatístico de resposta ou feedback
comunicativo, entre outras possibilidades, utilizados em guerra,
trouxeram novas experiências que consagraram teorias antes
confinadas aos laboratórios ou ainda a papers acadêmicos. O
esforço em detalhar e diminuir a margem de erro ou ruído nas
comunicações entre equipamentos bélicos, radares e rádio,
oportunizou descobertas impressionantes que depois podiam
ser facilmente aplicadas à intermediação entre política e
sociedade.
Isso porque, para Wiener, certos processos ocorrem
tanto em animais quanto nos computadores de alta velocidade
que a sua matemática ajudou a criar. Cada elemento ou
indivíduo faz uso de “órgãos sensoriais” e de dispositivos de
“memória” magnética. Juntos eles operam para produzir
comparações contínuas entre trocas de informação e de
energia passadas e presentes. Em humanos e em outros
animais, isso envolve aquilo que Wiener descreveu como
“senso cinestésico”, que guarda um “registro das posições e
tensões em seus músculos”. Nos novos computadores, essa
função era controlada por uma combinação de rastreamento de
informações e de mecanismos de gravação. Mas além da
“comparação de estímulos voltados para objetivos” registrada e
contínua, os processos de feedback cibernéticos envolvem algo
mais interativo – “um fluxo recíproco” de “interação em duas
vias entre o controlador e o controlado”. Isso se opera não só
para comunicar influência do controlador para o controlado,
mas também para comunicar de volta os dados dessa ação.
Com isso, a cibernética substitui o modelo simplista
anterior, onde havia somente um fluxo de informação linear, por
uma visão do processo comunicativo que transcende as
mensagens, isto é, a influência da própria prática comunicativa
neste processo. É como a adição de um terceiro elemento entre
o emissor e o receptor, o que podemos chamar de meio. Mas
este meio, agora, possui funções de informação sobre o
emissor e o receptor, o que dá maior controle dos efeitos. Muito
disso já havia sido pensado na crítica literária e na filosofia, mas
nunca havia chegado de modo tão técnico e com aplicações
funcionais para mentes que buscavam não mais a
compreensão do processo, mas o uso disso em uma atividade
puramente técnica.
A “causalidade circular”, imaginada por Weiner, pode
parecer mística demais para alguns (e de fato é), mas no
contexto específico dos estudos dos efeitos da comunicação de
massa, propõe uma compreensão mais profunda e
esquemática da influência mútua entre os elementos e agentes
com o meio utilizado ou escolhido, que também está submetido
a mudanças e comportamentos modificáveis. Em outras
palavras, Weiner compreendeu os elementos da comunicação
não mais como sujeitos ou objetos exclusivamente, mas como
sujeito-objeto. Mais do que isso: o próprio ambiente de
comunicação, a situação de discurso, faz-se passível de
transformação imperceptível interferindo no todo dos
elementos. Não é preciso insistir muito para demonstrar a
efetividade comunicativa de quem tem a noção do intercâmbio
que o ambiente de comunicação pode sofrer e o controle dele,
sob aqueles que meramente respondem a estímulos exteriores
e interagem cegamente. A ambição destes estudos foi a de
manter o quase total controle sobre o processo comunicativo
justamente quando se percebe o fator incontrolável da
comunicação, ou seja, utilizar o caos em benefício de um tipo
de ordem.
De fato, diante da noção anterior, que deixava de fora
uma série de possibilidades de controle, estes estudos podem
ter importantes êxitos, principalmente quando abre
possibilidades do uso deliberado das variáveis incontroláveis do
processo. Mais do que abrir uma porta para o que depois veio a
se chamar de Inteligência Artificial, Weiner ampliou o espectro
de compreensão da mente humana ao entender o
funcionamento e o controle de componentes mecânicos e
imaginativamente aplicá-los à biologia e posteriormente à
psicologia das massas. O foco nas aplicações técnicas, ligadas
às necessidades tecnológicas do setor das telecomunicações e
precursor da informática, era dominante na época de Weiner e
por isso grande parte do uso que foi dado às suas reflexões se
deu no aspecto comunicativo.
Mas o seu pensamento motivou a reunião de outro
grupo de pesquisadores americanos oriundos de áreas diversas
como a antropologia, a linguística, matemática, sociologia,
psiquiatria etc. Eles divergiam do uso costumeiramente técnico
e pensavam uma forma mais abrangente de utilizar as
descobertas de Weiner para compreensão dos fenômenos
comunicativos. A “escola de Palo Alto” propunha o fim da teoria
matemática, corrente dominante iniciada por Shannon, e
defendiam que a comunicação era assunto das ciências
humanas. E isso devia ser feito a partir dos estudos de Weiner,
dos quais estes pesquisadores diziam ser seguidores.
A maior inovação trazida por estes estudiosos foi a de
colocar o papel do receptor como central e, utilizando os
conceitos sistêmicos, propuseram o estudo circular da
comunicação. O foco nos efeitos, como podemos ver,
aprofunda-se e o alvo se torna o receptor individual em sua
complexidade. Amplificam o conceito de comunicação e do
objeto de estudo dela passando a analisar toda a ação humana
como ato comunicativo através de estudos linguísticos e
relacionais. A dinâmica das relações, assim, se torna objeto de
maior atenção. Destas vertentes desenvolveram-se as
perspectivas culturalistas e estruturalistas da linguagem,
escolas que tiveram grande influência na educação e nos meios
de comunicação. Mas enquanto ganhavam força no meio
intelectual e geravam seus frutos na sociedade, outras coisas
ocorriam entre os intelectuais ocidentais e que trariam
importantes consequências.

A Escola de Frankfurt e os estudos culturais

Já mencionamos em outro momento a Teoria Crítica,


representada pela Escola de Frankfurt, e os frutos da crítica
marxista na sociedade não mais só capitalista, mas ocidental e
judaico-cristã. A abordagem dos alemães foi tão importante
para o avanço revolucionário durante o século XX, que seria
difícil sugerir uma influência cultural maior.
O Instituto de Pesquisas Sociais foi financiado
oficialmente pelo capitalista Herman Veil, irmão de Felix Veil,
em 1923. Mas seu financiamento e a história oficial comumente
contada não dão conta do real significado do Institut para o
Ocidente e a sua importância para o movimento comunista
internacional.
A Escola de Frankfurt, como ficou conhecida mais
tarde, se compôs de um conjunto de teóricos vindos da filosofia,
sociologia, psicologia, que trouxeram uma abordagem diferente
da que estava sendo feita sobre a sociedade. De modo geral,
tratavam-se de marxistas não-ortodoxos que utilizavam uma
mistura nada convencional para a época, que consistia em
Marx, Freud e Nietzsche. Entre os teóricos da primeira geração
destacam-se Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter
Benjamin, entre outros. A crítica que eles faziam resumia-se na
denúncia da dominação ou manipulação cultural do sistema
capitalista, por meio das linguagens culturais, o que chamaram
de Indústria Cultural. Essa nova cultura, massificada pela
característica de produção do capitalismo, foi chamada de
Cultura de Massa. Segundo eles, o indivíduo não tem poder de
livrar-se dessa máquina dominadora impressa na cultura
passada pelos bens e produtos culturais que consome. Tudo
isso converte o capitalismo e a democracia liberal em algo pior
que uma máquina da propaganda sutil, um sistema pior que o
totalitarismo, que age cruelmente nas mentes das pessoas sem
que elas se deem conta disso. A crítica dos frankfurtianos ao
nazismo, fascismo e até ao corrupto e burocrático comunismo
de Stalin, deu a eles uma aura de boas intenções e espírito
libertário que cativou muitas áreas das ciências humanas.
Na segunda geração chegaram Jüngen Habermas e
Herbert Marcuse, este último pode ser considerado o pai do sex
lib, a revolução sexual que varreu os EUA durante a década de
1970. Já Habermas pode ser apontado como um dos grandes
artífices da pós-modernidade a partir de suas reflexões sobre a
razão e a relação com a democracia, o conceito de Esfera
Pública, Ação Comunicativa, etc. É um dos inspiradores da
Constituição da União Europeia, tamanha foi sua influência.
Desde os pioneiros pesquisadores de Frankfurt, o
trabalho dialético que estava por trás de suas críticas ácidas ao
capitalismo e socialismo era uma discussão interna do
marxismo, como veremos mais adiante.
Antes, veremos outro nome que deve ser acrescido a
essa estimulante aventura dos marxistas não-ortodoxos pela
história da decadência ocidental. A vida de Willi Münzenberg,
ativista político alemão e proeminente membro da juventude
comunista da Alemanha, em 1919, resume a principal missão
dos intelectuais da Escola de Frankfurt. Na verdade,
Münzenberg foi o arquiteto de diversas operações de
propaganda na Europa durante o período entre guerras. Sua
contribuição mais importante para o movimento comunista
internacional foi a utilização de entidades de fachada,
explorando objetivos solidários e humanitários, para arrecadar
fundos para a União Soviética, que além disso serviam para
arrebanhar intelectuais e celebridades europeias e norte-
americanas para dentro de seus grupos. Na verdade, ele foi o
inventor deste tipo de ativismo comunista, muito em voga na
atualidade por meio da profusão de movimentos sociais e
ONGs espalhadas por todos os cantos. Já naquela época, a
sua atividade no meio cultural teve a utilidade de servir como a
grande operação de desinformação soviética, já que
Münzenberg era membro do Comitern (Internacional
Comunista) e chegou a fundar o Partido Comunista Alemão. A
sua missão secreta teria começado em uma reunião que
contava com a presença do intelectual Georg Luckás, o agente
de inteligência Richard Sorge, Felix Veil, entre outros. Desta
reunião saiu a determinação de se criar um instituto de
pesquisas com sede na Alemanha. De acordo com Sean
McMeekin, Münzenberg foi um exemplo também para aquilo
que fazem hoje os terroristas islâmicos: uso da abertura e
pluralidade do discurso democrático para financiar o armamento
e o fortalecimento de ditaduras[21]. De fato, por onde ele
passava não faltava dinheiro para suas atividades. A vida deste
“milionário vermelho” é essencial para compreender o que foi a
Escola de Frankfurt, porque o que marca a diferença entre os
seus intelectuais e os demais marxistas da época foi justamente
a liberdade para agir e influenciar fora do apertado círculo do
marxismo ortodoxo. É claro que para obterem verdadeira
liberdade de ação, muitos tiveram de tornar-se dissidentes e até
perseguidos por Stalin. Mas, como lembra Olavo de Carvalho,
havia no movimento comunista três grandes estratégias
revolucionárias em andamento naquele período: aquela que se
destinava ao domínio na Europa por meio da infiltração de
intelectuais e políticos comprometidos; aquela dirigida ao
Terceiro Mundo, usando grupos insurrecionais que é técnica
tradicional de revolução; e a última, destinada especificamente
para os Estados Unidos, baseada na subversão cultural.
Münzenberg representa justamente as operações desta última
estratégia. Talvez por isso a história oficial da Escola de
Frankfurt rarissimamente mencione a influência de Willi
Münzenberg para a efetividade do papel daqueles intelectuais
alemães no Ocidente.
A maior parte do que determinou as estratégias para a
influência socialista na Europa foi o debate acadêmico marxista
que caminhava, às vezes discretamente, desde Karl Marx e a
Primeira Internacional. Para chegarmos no centro do
pensamento da Teoria Crítica e em seguida à sua importância
para a comunicação social, precisamos compreender como
tudo começou e onde se situa o Institut na história do
movimento revolucionário.
A primeira movimentação que indicou alguma ruptura
na estratégia tradicional dos movimentos de esquerda
internacionais ocorreu sobre os intelectuais. O sucesso
inesperado da Revolução Bolchevique produziu a percepção
imediata do dramático fracasso da esquerda na Europa Central,
o que criou um sério dilema para os intelectuais socialistas da
Alemanha. Afinal, aquele país era governado pelos socialistas
moderados da República de Weimar. Até aquele período, os
debates marxistas orbitavam entre duas alternativas: conciliar e
apoiar governos moderados para impedir retrocessos na busca
de novas vias fora da experiência russa; ou radicalizar-se
unindo-se ao novo Partido Comunista da Alemanha e aceitando
a liderança de Moscou. O início da Segunda Guerra
impulsionou estes intelectuais a uma terceira alternativa que era
o abandono de alguns pressupostos básicos do marxismo.
Seguiu-se disso um reexame das bases teóricas marxistas na
esperança de explicar os próprios erros e preparar a ação para
o futuro. Um dos temas de debate passou a ser a relação
dialética entre teoria e prática, o que ficou conhecido na
expressão praxis. Dentro da filosofia, essa situação os levou a
uma espécie de retorno a Hegel e ao início dos estudos de
Marx, o que os aproximou da geração de intelectuais
hegelianos de esquerda do século XIX[22]. Do uso de Hegel, os
frankfurtianos trouxeram a teoria crítica, corrente que ganhou
amplos espaços acadêmicos em todas as áreas, baseada no
trabalho do negativo de Hegel, isto é, a crença de que a síntese
surgiria da tensão entre tese e antitese. A constante e
permanente crítica do sistema e dos valores devia nortear essa
estratégia um tanto nova, mas oriunda dos princípios do
marxismo. Foi assim que o século XX passou a conhecer a
outra faceta dos marxistas, aquela que não alardeava uma
proposta ou promessa, mas cuidava de deslegitimar todas as
existentes. Obviamente a efetividade deste trabalho para a
mudança social deveria passar pelo melhor aproveitamento dos
avanços na comunicação social.
Dos intelectuais da primeira geração da Escola de
Frankfurt, nenhum deles tratou especificamente da
comunicação. Mas suas especulações filosóficas e políticas se
tornaram quase hegemônicas nas décadas de 60, 70,
principalmente nos Estados Unidos, para onde alguns deles
migraram fugindo do nazismo. Sua principal função foi a
efetivação de um projeto político e filosófico de elaborar uma
ampla teoria crítica da sociedade, uma espécie de postura
intelectual que passou a vigorar e, após gerações seguintes de
seus seguidores, conquistou as classes acadêmicas e artísticas
da sociedade ocidental.
Os franfkurtianos tiveram ao menos o mérito de serem
os primeiros a notar que, no século XX, a família, a escola e a
religião estavam perdendo influência socializadora para os
meios de comunicação. Sendo estes meios, segundo eles,
determinados econômica e socialmente, eram o reflexo da
estrutura social. Assim, também as mensagens, a forma e
conteúdo dos produtos culturais sofriam essa inescapável
influência. Trata-se evidentemente de uma variação da
interpretação marxista a respeito do impacto da ideologia
burguesa sobre a infraestrutura proletária que causa a
alienação. O capitalismo, para a Teoria Crítica, havia rompido
os limites da economia e penetrado na formação da consciência
pela via dos meios de comunicação e produtos culturais. Assim,
não só as obras de arte mas também as pessoas se tornam
produtos e mercadorias negociadas e consumidas como bens
cada vez mais descartáveis[23].
A solução, portanto, não pode ser outra senão a
transformação da estrutura da sociedade. Jürgen Habermas dá
uma importante dica neste sentido. No livro Mudança estrutural
da esfera pública, escrito em 1962, Habermas estabelece o
importante conceito de esfera pública que vai ser muito útil para
a compreensão da necessidade de mudança social. Para ele, a
esfera pública é o local social chave para a compreensão das
mudanças ocorridas até então. Formada historicamente pelas
reuniões de sujeitos livres e esclarecidos para discutir e
deliberar sobre seus interesses comuns, essa esfera pública
ocidental se apoiou na economia de mercado para a sua
sustentação viabilizando a circulação de ideias através da mídia
impressa. Isso permitiu à burguesia desenvolver uma
consciência crítica sobre as autoridades tradicionais como o
estado e a Igreja. Mas a expansão do poder estatal e do
mercado (hoje os militantes acrescentam a religião, o que os
frankfurtianos viam como meramente residual), transformou
este papel da mídia em uma função determinadora de um tipo
de dependência dessa estrutura econômica.

Em comparação com a imprensa da era liberal, os meios


de comunicação de massa alcançaram, por um lado,
uma extensão e um eficácia incomparavelmente
superiores e, com isso, a própria esfera pública se
expandiu. (…) Quanto maior se tornou sua eficácia
jornalístico-publicitária, tanto mais vulnerável eles se
tornaram à pressão de determinados interesses
privados, sejam individuais, sejam coletivos.
(Habermas).

O consumismo, segundo ele, colonizou a mídia, mas


também a política. Ele cita os exemplos do nazismo e do
fascismo e também o da democracia, representada pelos
Estados Unidos. Nenhuma palavra sobre o controle da mídia
nos países comunistas. Por que será?
Ao converterem o capitalismo em um poderoso e
temido sistema de manipulação, ocultavam a imensa operação
de que faziam parte, uma operação que contou com o
conhecimento do próprio Stalin e de agentes da KGB. A
subversão descrita por Yuri Bezmenov[*] ganhou o Ocidente
como nunca antes. Afinal, antes disso as técnicas de subversão
só haviam atingido países do eixo soviético, com exceção do
sucesso da revolução iraniana de 1979, que muitos acreditam
ter sido obra da ação da KGB. O trabalho da Escola de
Frankfurt, especialmente depois de migrados para os EUA, foi
de uma profundidade que até hoje pode ser percebida. Todo o
pacifismo ideológico e militante das décadas de 1960 e 1970 foi
obra do pensamento de Adorno, Benjamin e Marcuse. E era
especialmente interessante notar que este pacifismo era
voltado justamente contra as ações do governo dos Estados
Unidos.
Willi Münzenberg está na origem deste pacifismo e do
controle da opinião pública por meio da criação de preconceitos
e estereótipos. Foi apresentado a Lênin por Trotsky e a partir de
então se tornou seu fiel servidor. Lênin havia enviado duas
cartas que foram espalhadas a diferentes regiões do mundo
com o objetivo de efetivar o sonho de Marx e Engels no
manifesto comunista: a revolução proletária global. Uma destas
cartas era destinada aos proletários europeus e a outra aos da
América do Norte. A Münzenberg coube a tarefa especificada
nesta última, com a ajuda dos seus “companheiros de viagem”,
intelectuais, jornalistas, escritores, cientistas, padres,
professores, atores e artistas diversos, que foram seduzidos
pela crença de que falar mal da URSS era algo reprovável e
uma demonstração de inferioridade moral. Bonito mesmo era
falar bem dos comunistas, reconhecer seus méritos. Todos
estes faziam parte do que Münzenberg chamava de “clube dos
inocentes”, como de fato deviam permanecer para a sua maior
credibilidade. Sendo inocentes e sem o conhecimento da
agenda revolucionária, defenderiam estas opiniões com maior
ardor moral e até religioso[24].
Em julho de 1933, Münzenberg organizou uma
encontro internacional de intelectuais europeus em Paris, que
foi chamado de Congresso Anti-Fascista Europeu. Nele
estavam presentes outros membros do Comitê de Luta Contra a
Guerra e o Fascismo. Eles chamaram a década de trinta de “A
década vermelha” devido o sucesso do evento.
É impossível compreender o que há por trás da Escola
de Frankfurt sem conhecer os agentes históricos que motivaram
toda a sua fundação. Os frankfurtianos acabaram exercendo
grande influência na cultura de massa que criticavam. A sua
crítica à cultura de massa, como explicam os estudiosos
daquela escola, não tinha por objetivo fazê-la deixar de existir,
mas modificá-la em favor dos seus superiores, representados
pelo movimento comunista internacional, cujo principal agente
imediato é a KGB. Há incontável bibliografia sobre esta relação
e o papel essencial que tiveram para a construção da crítica ao
capitalismo, ao Ocidente e à cultura judaico-cristã, fazendo-a vir
de dentro dela. Hoje é praticamente impossível encontrar um
curso universitário que não tenha como base teórica a crítica ao
Ocidente e ao Cristianismo. Uma das evidências disso é que
qualquer resquício de moral cristã nas instituições ocidentais é
denunciado por eles como evidência de um poder hegemônico
cristão, capitalista e ocidental. E é justamente esta a técnica de
engenharia opinativa utilizada nos meios de comunicação de
massa.
Em relação ao poder da mídia, os frankfurtianos foram
acusados muitas vezes de superestimá-lo. Sobre essa objeção,
respondeu certa vez Herbert Marcuse: “O precondicionamento
não começa com a produção em massa de rádio e televisão ou
com a centralização de seu controle. As criaturas entram nessa
fase já sendo de há muito receptáculos precondicionados; a
diferença decisiva está no aplanamento do contraste (ou
conflito) entre as necessidades dadas e as possíveis, entre as
satisfeitas e as insatisfeitas”. Porém, sem esconder o
conhecimento de que estas características podem não ter sido
criadas necessariamente pela mídia, Marcuse acusa os meios
culturais de “não desejar mudar as pessoas”, mas desenvolver-
se com base nos mecanismos de oferta e procura. O desejo de
mudança na estrutura social por meio da cultura e dos meios de
comunicação, portanto, fica evidente em toda a obra destes
pensadores críticos da modernidade.
Muitos interpretaram a corrente crítica como expressão
de um pensamento apocalíptico, mas logo se foi percebendo
que o objetivo estava calçado muito mais em propostas
profundas de mudança social. E diante do pessimismo
aparentemente niilista daqueles pensadores, é possível
vislumbrar um otimismo triunfante de quem sabe muito bem o
que está fazendo. “A reflexão crítica”, diz Francisco Rüdiger, “ao
contrário, não tem por objetivo primeiro provar alguma tese
mas, sim, nos fazer pensar e, por aí, nos tornar mais
conscientes ao mesmo tempo dos limites e potenciais de
mudanças existentes na realidade”.
A Cultura de Massa tão atacada pelos frankfurtianos
não foi criticada exatamente por ser de massa, o que
corresponderia ao tipo de elitismo muito denunciado pela
esquerda que veio a seguir. Mais do que isso, os alemães
ressaltavam as supostas marcas da violência exploradora que
submetiam historicamente as massas e estão presentes nessa
cultura massiva. Então, esclarece, Francisco Rüdiger: “A
preocupação central dos pensadores não era melhorar o
conhecimento dos processos que se envolvem os meios e,
assim, facilitar seu uso e exploração. Desejavam, antes de mais
nada, problematizar a sua existência e seu significado do ponto
de vista crítico e utópico”.
Seu “otimismo”, passado aos esquerdistas do mundo,
está em chamar a atenção para a transformação por meio da
“liberação de energias estéticas”, tendo em vista “o potencial
criativo e inovador que os meios de que [a indústria cultural] se
utiliza podem vir a ter em uma forma mais avançada de
sociedade”.
Esta “forma mais avançada” veio a se efetivar aos
poucos, a partir de correntes que contestaram a visão
frankfurtiana para poder ir além nessa utopia infinita que é o
pensamento revolucionário e a paixão doentia por mudanças
sociais. Foi o caso dos frutos colhidos pelos Estudos Culturais,
muito influenciados pela Escola de Frankfurt, que aprofundaram
a compreensão sobre a influência da mídia de massa na cultura
popular.
Os Estudos Culturais ficaram conhecidos pela
mudança no sentido em que se passou a entender a palavra
cultura. Se antes era mais comum expressões como “alta
cultura”, agora, com a entrada de aspectos antropológicos aos
estudos, este conceito passou a ser visto como ultrapassado e
um tanto elitista. De modo geral, grande parte dos estudos
feitos por seus principais intelectuais focaram na “cultura dos de
baixo”, isto é, nos proletários e classes marginalizadas,
pretendendo colocá-los em pé de igualdade a todas as outras
formas de cultura ditas superiores. Estes estudos trouxeram
grandes mudanças ao ponto de vista marxista, pois
confrontava-o em muitos aspectos. Em resumo, a grande
mudança trazida foi a troca do eixo de militância marxista da
classe para a cultura. O foco na luta de classes foi sendo
gradativamente reaproveitado pelo conflito cultural, o que abriu
novo leque de possibilidades, prontamente usadas mesmo,
claro, a contragosto de alguns marxistas mais ortodoxos.
Foi somente devido aos Estudos Culturais que o
feminismo, por exemplo, pode ganhar vulto e os palcos culturais
do cinema e demais formas de arte, indo parar no debate
público. Uma vez transplantada a luta de classes para um
campo tão mais abrangente como o cultural, fica aberta a porta
para a utilização de todas as outras formas de identificação
social que possam ser expressadas pela cultura. Afinal, cultura
não é uma categoria como a classe, que pode ser um grupo
empírico. Cultura é, para além das modificações conceituais
possíveis, mais do que uma matriz de formas de expressões.
Faixa etária, sexo, orientação sexual, comunidade profissional,
doença e tudo o que possa identificar indivíduos em grupos
nomeadamente discriminados ou diferenciados do restante,
tiveram as portas abertas a reivindicações por meio da criação
de culturas próprias e formas própria de crítica social.

Efeitos de longo prazo

Os campos culturais, como vimos, passaram a fazer


parte de um contexto de conflito social. Este conflito se mantém
por meio de um jogo complexo de convencimento e persuasão
do qual depende a transferência ou “contágio” de prioridades e
interesses.
Desde os funcionalistas, que pretendiam compreender
a comunicação de um modo mais determinista e técnico, o
processo de influência e determinação social era visto como
potencial uso para a política, haja vista os constantes estudos
de campanhas eleitorais e publicitárias. Com o impacto dos
Estudos Culturais e as reflexões motivadas pela Teoria Crítica,
alguns estudiosos começaram a perceber a existência e
importância de mudanças de longo prazo. Do mesmo modo, o
interesse cresceu pelo estudo focado no receptor da
mensagem, como já havia se iniciado nos estudos sistêmicos.
Teoria do Agendamento ou agenda-setting foi o nome
dado aos estudos que apontavam para a correspondência entre
o conteúdo das notícias e as opiniões correntes na sociedade.
Embora o nome agenda-setting só começasse a ser utilizado a
partir do livro The agenda-setting function of mass media,
escrito por Maxwell McCombs e Donald Shaw, em 1972, a
função da mídia na definição das opiniões do público já havia
sido percebida anteriormente por outros escritores, entre eles
Lippmann, Le Bon, e os próprios frankfurtianos. Estes estudos
foram retomados na década de 1970 pelos estudos de
comunicação social empenhados aparentemente na
compreensão dessa potencialidade dos meios.
A função do agendamento ou teoria da agenda pode
ser encarada em dois aspectos: o da compreensão do processo
como fruto de condições incontroláveis e o da compreensão do
processo para provocar efeitos intencionalmente por meio do
agendamento da mídia, isto é, como técnica. Como o meio
acadêmico já se dedica suficientemente à primeira hipótese de
abordagem – o que favorece o desconhecimento das
influências externas sobre a mídia – vamos nos apoiar no
aspecto normativo ou como técnica, ou seja, no ponto de vista
segundo o qual a teoria da agenda é utilizada para a
engenharia social e controle da opinião pública.
Esta hipótese é facilmente enriquecida por meio do
estudo dos frequentes relatórios das Nações Unidas, baseados
nos trabalhos de Lippmann e dos estudiosos que vieram
depois, incluindo os de cientistas interessados em compreender
o processo como natural. Claro que, conscientes do evidente
viés determinista da noção de influência da mídia, muitos
investigadores deram pouca importância para esta função ativa
por parte de quem controla os meios. Mas pela compreensão
do processo, porém, vemos claramente como ele funciona em
nossos dias.
A Teoria do Agendamento é basicamente um esquema
de relações entre agendas. Agendas nada mais são do que
conjuntos mentais de prioridades ou metas, o que pode
abranger técnicas profissionais, métodos políticos e todo tipo de
instrumento que sirva a prioridades conscientes, voluntárias.
Comunidades profissionais, classes organizadas, sociedades
secretas ou organizações ideológicas possuem agendas, quer
dizer, prioridades e metas de maior ou menor abrangência. A
existência de agendas se dá sempre em grupos que
compartilham sistemas de ideias, compreensões organizadas e
bem estáveis, iguais ou semelhantes em cada indivíduo
membro.
A existência ou força da agenda de um grupo pode
depender de muitos fatores, internos e externos. Os moradores
de um bairro podem estar especialmente preocupados com a
violência das ruas em épocas em que muitos casos violentos se
tornam públicos. O clima de preocupação gera prioridades
práticas, neste caso a segurança, o que passa a ser um tópico
da agenda daquela comunidade. Neste caso, um tipo de alarme
soa toda vez que o tema da segurança é levantado ou algo que
leva a ele, mobilizando uma parte importante da comunidade,
aqueles que costumam representá-la publicamente. Isso produz
um efeito de interesse imediato Mas digamos que os moradores
do bairro hipotético ficaram sabendo dos casos de violência por
meio de um jornal popular local. Assim, a agenda pública dos
moradores possui um vínculo de dependência de um canal de
comunicação. Ocorre que este canal, o jornal local, representa
também uma comunidade, a comunidade profissional dos
jornalistas, que mantém um outro conjunto de preocupações. A
agenda de prioridades do jornal é formada por vários fatores,
entre eles as normas profissionais do jornalismo conhecidas por
todos os repórteres, mas também as prioridades da empresa
que mantém o jornal. Dentre os elementos formadores destas
prioridades da empresa estão objetivos do empresário dono do
jornal, que precisa administrar a sua relação com a elite
governante da cidade. Logo, uma parte importante do interesse
da empresa é formada pelo que a elite ou o prefeito da cidade
tem feito ou quer fazer na política. Portanto, a agenda política
pode influenciar a agenda midiática que, pela sua própria
essência, determina parte da agenda pública.
Na Teoria do Agendamento, a Agenda Política
concorre para a determinação da Agenda Pública por meio do
controle da Agenda Midiática. A transferência de prioridades
entre agendas é o fundamento deste processo descrito por
Maxwell McCombs. Além das agendas, há também a definição
de categorias dos agentes atuantes no processo: a fonte, o
jornalista e o receptor:
A fonte corresponde ao canal de promoção do tema.
Embora tradicionalmente seja visto como um “agente passivo”,
isto é, consultado somente por iniciativa do jornalista, o que
vemos hoje é um processo de especialização das fontes em
que são raras as fontes jornalísticas que não possuem seus
próprios instrumentos de promoção de assuntos para influenciar
a pauta jornalística. Já o jornalista ou repórter, é o responsável
pela mera publicização do objeto, isto é, do assunto, trazido
pela divulgação de acontecimentos. Em muitos casos ele pode
ser também uma fonte ou um promotor de notícias, ao buscar
por interesse próprio chamar a atenção para determinado tema
ou acontecimento. E, por último, o receptor, também visto como
instância passiva do processo, tem o seu papel na significação
e ressignificação das mensagens. Os chamados consumidores
finais da notícia podem ser facilmente convertidos no elemento
mais ativo da sociedade, ou seja, naqueles que vão responder
aos estímulos das notícias por meio de ação política e
reivindicatória, coisa especialmente comum em épocas de
democracia participativa.
Mas concentremo-nos no aspecto da fonte, do ponto
inicial de onde vêm as prioridades da mídia e
consequentemente do público. A instância promotora de temas,
como dissemos, tem sido constantemente subestimada e seu
poder muitas vezes reduzido à passividade. Mas ela pode ser,
no entanto, o elemento que mais demanda atenção daqueles
que querem compreender o processo de atenção midiática,
pública e política em nossos dias.
O trabalho das assessorias de imprensa e agências de
relações públicas tem se especializado de um modo
impressionante nas últimas décadas, na mesma medida em
que os jornalistas se tornaram progressivamente mais ingênuos
no processo de seleção. Quando falo em ingenuidade
obviamente me refiro a uma analogia com o sentimento infantil
de desconhecimento, mas que no fundo não passa de
indiferença irresponsável. A maioria dos jornalistas conhece
muito bem o processo, mas sua desilusão quase inconsciente o
mantém automatizado à atividade profissional sem perceber a
relevância do que faz. Essa desatenção e automatismo pode ter
custos éticos e morais muito altos, o que parece não ser mais
tão importante ao indivíduo humano cada vez mais oculto por
trás do profissional.
A conquista das prioridades midiáticas se dá na
adaptação às suas condições, o que vai desde horários de
envio de pauta até apelos emocionais que atendem à
especificidade dos jornalistas para temas controversos e ou
desejos comuns a todos os seres humanos. O estudo da
psicologia para a construção de estereótipos é essencial no
controle de como as pessoas imaginam determinados atores ou
agentes presentes em assuntos específicos. Lippmann chamou
a atenção para o uso dos estereótipos salientando que eles são
muito úteis à comunicação mais rápida e prática no jornalismo.
Grande parte do estudo sobre agendamento partiu da
percepção de Bernard Cohen de que a mídia pode não
determinar como o público pensa sobre os temas, mas pode ter
grandes chances em influenciar os assuntos sobre os quais
pensar. Isso remete ao que McCombs estabeleceu como
“primeiro nível de agendamento”, isto é, o agendamento de
tema ou objeto. Neste nível, o assunto é colocado como
importante por meio da referência frequente nas páginas dos
jornais ou peças de mídia. Aqui não importa se a conotação é
positiva ou negativa, mas o aspecto puramente quantitativo.
Essa observação liga-se ao fato facilmente demonstrável de
que o critério jornalístico de importância está sempre vinculado
a acontecimentos, à ação. É muito mais fácil colocar um tema
em pauta por meio de um evento do que simplesmente falar do
assunto sem aparente justificativa. O gancho é sempre um
acontecimento, fato extremamente inconveniente aos
engenheiros sociais. É por este motivo que vemos tantos
eventos, congressos e simpósios nacionais e internacionais
para debater assuntos quase sempre ligados a um novo
entendimento da sociedade, como o feminismo, ambientalismo,
etc.
Já o “segundo nível do agendamento” diz respeito aos
atributos associados ao tema, ou seja, o caráter positivo,
negativo ou características que geram posteriormente uma
imagem desejada aos temas. Os exemplos comumente citados
nos trabalhos de comunicação giram em torno da evolução nas
abordagens sobre a Aids, meio ambiente, criminalidade etc.
Enquanto o primeiro nível representa a simples referência ao
tema, por meio da publicidade de eventos, o segundo já pode
atribuir significados e imagens construídas gradativamente.
Muitos trabalhos de comunicação se resumem em narrar a
história das mudanças de abordagem a determinados temas,
algo visto sempre como uma evolutiva marcha para a
conscientização.
Em 2010, a Agência de Notícias dos Direitos da
Infância (ANDI) fez uma grande pesquisa nos jornais brasileiros
com o apoio da Embaixada Britânica para monitorar o
tratamento do tema Mudanças Climáticas na imprensa
brasileira. O objetivo do estudo era declaradamente o de
encontrar deficiências e ampliar as possibilidades de geração
do debate sobre o tema no País. Para isso, fez uma análise
aprofundada do processo de agendamento de modo a
esclarecer como ocorre e como usá-lo na exploração de pautas
desejadas. Como este há muitos outros relatórios e pesquisas
científicas internacionais que ensinam a agendar debates na
mídia e, com isso, “conscientizar a opinião pública trabalhando
questões sociais”. Não parece haver nenhuma intenção nos
meios acadêmicos e científicos ligados à comunicação em
disfarçar este viés normativo para a cooperação com uma
engenharia social via mass media.
As diferentes agendas (pública, midiática, política,
governamental) podem ser estudadas conforme os objetivos
dos estudiosos. A compreensão científica dos fatores influentes
na agenda midiática tem sido importante para o uso destes
conhecimentos por parte de agentes de modificação social.
Um estudo de 2003 trouxe à tona os esforços do
Greenpeace para a produção de mobilização social ligados à
formação mesma do chamado Terceiro Setor (ONGs). Diz o
estudo:

Um processo de mobilização social deve contemplar


prioritariamente a adesão da mídia para que esta lhe
confira legitimidade e possibilite a adesão de outros atores
sociais. Essa legitimidade, por sua vez, irá permitir a
inserção do tema na arena pública de discussão e debate.
[25]

O estudo propõe uma distinção da esfera agente entre


o que chama de advocacy, a atividade de pautar a sociedade
em favor do interesse público e o lobby, quando pauta para
satisfazer interesses privados. O mesmo estudo utiliza as
Nações Unidas como exemplo de utilização de ações de
advocacy, representadas por campanhas de merchandizing
social para gerar discussão de temas de sua preferência na
opinião pública internacional.
A cultura da transformação social já está muito bem
instalada no jornalismo em todo o mundo e falta pouco para que
não haja mais nenhum interesse em reportar-se a verdade ou
buscar simplesmente informar o cidadão. O viés pedagógico e
político característico mais do jornalismo europeu – iniciado na
sociedade burguesa esclarecida dos séculos XVII e XVIII –
substituiu já quase completamente o jornalismo de feição norte-
americana mais voltado à informação e ao valor da opinião livre
como requisito para uma imprensa livre.
Mas contrariamente ao consenso acadêmico e
revolucionário de que o jornalismo deve transformar a
sociedade, os meios universitários duvidam desdenhosamente
da existência de poderes maiores nas mãos de grupos que
agendam a mídia. No consenso acadêmico, o jornalismo tem
um grande poder de decisão sobre o que publica e o público
igualmente possui considerável margem de manipulação
desses meios. Este poder, segundo eles, teria aumentado
substancialmente devido o acesso às redes sociais. Eles não
duvidam do potencial dos meios sobre as mentes das pessoas,
mas questionam a influência majoritária de grupos e agendas
exteriores à mídia no conteúdo dela. Assim, atribui-se grande
força ao público como agendador da mídia e, quanto à agenda
midiática, estimula-se uma interpretação de que os fatores
influentes no seu conteúdo são aqueles meramente ligados a
condições de trabalho e técnica jornalística. Quando fica
evidente a manipulação das notícias por parte de algum grupo,
é devido aos imperialistas norte-americanos e defensores do
“Grande Capital”. Toda influência da esquerda presente no
jornalismo é encarada como poder vindo da esfera pública ou
do público. Parece que o poder “do povo”, isto é, a margem de
influência do público sobre as pautas dos jornais, é
resguardado como garantia de legitimidade do papel do
jornalismo. Se os acadêmicos ou os profissionais fossem
forçados a admitir que os jornais influenciam muito mais o
público do que o contrário, aumentaria a responsabilidade do
jornalista e igualmente se questionaria os interesses por trás de
cada pauta surgida de modo supostamente espontâneo. Para
essa manobra, parece necessário distorcer algumas evidências.
O pensamento e a vida de Walter Lippmann
demonstram facilmente o modo como o jornalismo influenciou e
influencia as opiniões, crenças e ideias de uma sociedade. A
partir do que ele disse e da consequência histórica do seu
trabalho é possível perceber que mesmo muitas pautas
levantadas pelo público hoje por meio de redes de
relacionamento, e-mails, cartas ao Congresso, manifestações
populares etc, são, na verdade, resultados de um longo
processo de agendamento e condicionamento de pautas e
questões públicas baseadas no desenvolvimento das imagens
geradas a respeito dos desejos e anseios populares, políticos
ou expectativas da realidade.
Lippmann dizia que as pessoas não reagem a fatos,
mas às imagens que elas têm daqueles fatos. Isso torna essas
imagens muito mais valiosas para a definição das ações das
pessoas e os fatos passam a ser pouco significativos neste
sentido. O poder sobre a definição e criação dessas imagens
obviamente se tornou alvo de grande cobiça pelos detentores
do poder, sejam eles quem forem.
O prêmio Nobel Ivan Pavlov ficou conhecido, em fins
do século XIX, por uma curiosa experiência: tocava uma
campainha toda vez que alimentava seu cão, que salivava ao
ouvir o alarme. Dado um longo período, Pavlov suspendeu a
comida e tocava somente a campainha, passando a representar
um gatilho que fazia o cão salivar. O “cão de Pavlov” ficou
conhecido na psicologia social como demonstração de que
ações podem ser provocadas mediante sinais arbitrários e sem
ligação com a experiência originária. O que Lippmann aplicou
às notícias já havia sido pensado no século anterior e aplicado
pela URSS que criou os famosos Centros Pavlonianos de
controle mental, que serviu de escola a outros famosos centros
de pesquisa de opinião pública desenvolvidos pelo governo dos
EUA e financiados por grandes fundações, dentre as quais se
destaca a Fundação Rockefeller.
Órgãos e projetos como a Surveys Division of the
Office of War Information, o Nacional Opinion Research Center,
da Universidade de Chicago, ou as iniciativas de Paul
Lazaarsfeld e Rosenberg no chamado “Columbia Project”,
dedicado a elaborar metodologias de estudo social mais
complexo, são exemplos de aplicação e desenvolvimento de
estudos influenciados pelas primeiras pesquisas feitas em
tempos de guerra e que foram posteriormente aplicados como
meios de compreensão e ação de controle nas sociedades
democráticas. Grande parte do trabalho de transição entre os
diferentes órgãos internacionais, distintas épocas, mas por meio
de objetivos semelhantes, foram cientistas como Lazarsfeld,
Kurt Lewin, Herbert Hyman, entre outros. Este último, que na
década de 1950 trabalhava no departamento de sociologia da
Universidade de Colúmbia, trabalhara em uma divisão especial
chamada The Morale Divisions of the German and Japanese
Strategic Bombing Surveys (Divisões sobre o moral dos
alemães e japoneses nos levantamentos do bombardeio
estratégico), além da Surveys Division of the Office of War
Information (Divisão de pesquisas do escritório de informação
de guerra).
Hyman é autor de um importante manual de pesquisas
em ciências sociais traduzido para o Brasil com o título de
Planejamento e análise da pesquisa: princípios, casos e
processos. Segundo diz, trata-se de um manual metodológico
sobre opinião pública, marketing e investigação social. Estes
trabalhos fazem a ponte entre as correntes funcionalistas, com
cunho mais normativo em que se situam tanto as pesquisas
soviéticas dos serviços secretos da KGB quanto nos
departamentos de estado norte-americanos, e as correntes
marxistas chegadas com a influência dos teóricos frankfurtianos
aos EUA. Antes disso, porém, o clima filosófico entre os
pesquisadores funcionalistas era o da confiança na
possibilidade de engenharia social. Essa predisposição, que no
fundo é ideológica, sempre esteve presente e vemos isso
facilmente ainda hoje.
III

O GOVERNO MUNDIAL

Revolução global e Nova Era

É comum encontrarmos a afirmação de que a primeira


hipótese de governo mundial teria sido o Império Romano, com
suas conquistas militares que por séculos subjugaram culturas
e territórios. Mas seria um erro comparar as ambições romanas
às pretensões da atual elite globalista. Dificilmente a
antiguidade teria conhecido o sonho moderno do controle
técnico da consciência das massas como nos totalitarismos do
século XX. Quando a ciência moderna decidiu divorciar-se para
sempre do que chamou de fé supersticiosa em nome de uma
utopia racionalista para a qual a razão ditaria os rumos da
sociedade humana, criava-se aí o embrião da pretensão
totalitária moderna[26]. A partir de então, ficaria a cargo da
filosofia, e depois da ciência política, a função de elaborar
sistemas sociais racionalmente totalizantes. Grande parte do
panteão de intelectuais estudados na academia e nas escolas
da atualidade se fizeram famosos pela defesa de ideais
revolucionários que se propunham detentores do monopólio da
boa vontade e do verdadeiro anseio dos povos. O fato é que a
filosofia da revolução, nascida na Revolução Francesa, acabou
crescendo assustadoramente dentro do meio intelectual ao
ponto de se tornar hegemônica.
A preferência revolucionária converteu os intelectuais
franceses em verdadeiros panfletários mesmo muito depois da
Revolução de 1879. O gosto pelo comunismo, a participação
em partidos comunistas pelo mundo, a militância política
anticristã – dita antiburguesa – tomou conta da
intelectualidade[27].
Os intelectuais ocidentais sempre demonstraram intuito
de uma sociedade perfeita, controlada por uma elite de
esclarecidos. Como foi dito, desde que o cristianismo deixou de
ser o cimento social da Europa, ficou cada vez mais evidente
que alguém deveria suprir este vazio. O Iluminismo julgou que
preencheria com as luzes da razão e, com base nisso, a
Revolução Francesa prometeu a cidadania. A história da
filosofia durante estes últimos quatro séculos, como lembra
Olavo de Carvalho, foi uma sucessão de tentativas de
unificação doutrinal, racional, o que consequentemente teve
reflexos na política. O positivismo e, depois, o bolchevismo, são
exemplos bem claros disso. Toda essa sanha por controle e
poder acabou levando o mundo a duas guerras mundiais, o que
fatalmente atendeu os anseios de muitos intelectuais políticos
para uma desculpa de unificação do mundo, proposta que veio
a seguir, como já mencionamos, sob a forma da Liga das
Nações.
O governo mundial não é mais um plano, mas uma
realidade. É nesta revolução permanente que consiste todo o
processo de busca incessante por centralização de poder.
Henry Louis Mencken, crítico social norte-americano, disse
certa vez: “O objetivo final de toda prática política é manter a
população alarmada – e, portanto, clamando para ser
conduzida em segurança – ameaçando-a com uma série
infindável de fantasmas, todos eles imaginários”. Olavo de
Carvalho, por outra parte, chama a atenção para o fato de que
a pergunta sobre quem manda no mundo é não só
inconveniente como proibida. É uma daquelas perguntas
sempre ridicularizadas e acusadas de “teoria da conspiração”.
Questionamentos comuns noutras épocas tornaram-se, de
repente, inadmissíveis e impronunciáveis. Quem quer que
levante informações sobre os grandes planos de governação
mundial e os divulga de alguma forma perde, imediatamente,
uma parcela de credibilidade no mundo acadêmico e midiático
pela simples associação negativa gerada por este tipo de
informação. Campanhas de difamação por meio de associações
semânticas de ideias vistas como perigosas são uma das
muitas especialidades dos movimentos de esquerda.
Em 1948, revelações comprometedoras sobre o
regime soviético caíram em mãos americanas e foram
divulgadas em um livro. Este vazamento ficou conhecido como
Caso Chambers. Diante disso, a intelectualidade esquerdista
alegou ser tudo mentira, pois os governos comunistas ficaram
preocupados com o anticomunismo crescente. Era preciso criar
um antídoto para este problema: a demonização do
anticomunismo.
A tarefa ficou a cargo de jornalistas como o australiano
Wilfred Burchett, de grande credibilidade na mídia ocidental,
que especializou-se em reportagens contra a ação americana
no Vietnã. Suas matérias exaltavam a cultura dos vietnamitas
que, na sua visão, estariam apenas defendendo sua pátria da
invasão norte-americana. O mesmo tipo de operação de
desinformação já havia sido feita na Guerra da Coreia[28]. Os
arquivos de Moscou confirmaram a participação de Burchett
nessas operações, além do fato de sua viúva ter recebido a
comenda “Ordem da Amizade”, da Coreia do Norte.

Como lembra Heitor De Paola:

Os comunistas conhecem muito bem as fraquezas dos regimes


democráticos e as exploram, principalmente duas: a
dependência da opinião pública e de eleições regulares com
mudança periódica de políticas pela mudança de governos.
Como a Nomenklatura não precisa se preocupar com essas
bobagens burguesas, tem tempo de planejar prevendo estas
mudanças e inclusive atuar na opinião pública dos inimigos
através dos 'formadores de opinião’[29].
A estratégia principal dos soviéticos durante grande
parte da Guerra Fria consistia justamente em convencer o
Ocidente de que não havia estratégia alguma e acusar de
“teórico da conspiração” a qualquer um que insinuasse o
contrário. Em 1978, Ronald Reagan alertava em uma
transmissão radiofônica: “Muitos anos atrás, quando os
americanos estavam bem conscientes das ameaças de
subversão comunista, reuniu-se um grande congresso em
Moscou (…) que adotou um plano para lutar contra o
anticomunismo. Uma parte deste plano era dirigida aos EUA e
sugeria uma campanha sutil que tornasse o anticomunismo fora
de moda (…) até que os anticomunistas viessem a ser
ridicularizados como idiotas caçadores de bruxas que procuram
comunistas até embaixo da cama”[30].
Paralelamente, foram sendo feitas operações para
isolar os EUA dos seus aliados tradicionais como a Europa, ao
associá-los com o anacrônico e atrasado anticomunismo. Sobre
algumas dessas operações, recomendamos a leitura de livros
como O Eixo do Mal Latino Americano e a Nova Ordem
Mundial, de Heitor De Paola (2008) e The KGB And Soviet
Disinformation. An Insider's View, de Ladislav Bittman (1985).
Este último livro, ainda sem tradução para o português, revela a
operação que deu origem, no Brasil, à persistente crença na
interferência do governo norte-americano no Golpe de 1964.
Bittman era agente da STB, polícia secreta da então
Tchecoslováquia e foi responsável pela operação no Brasil.
Foram incontáveis as operações de desinformação
envolvendo jornalistas e veículos de grande circulação durante
o período da Guerra Fria. Hoje, porém, raros são os veículos
que não contam com editores ligados a militâncias cujos
interesses se integram dentro do perfil revolucionário e
colaboram, direta ou indiretamente, para a construção e
aprofundamento do processo de centralização de poder global
ou simplesmente a boa e velha subversão revolucionária.
Comunistas, globalistas, meta-capitalistas, ecologistas,
islâmicos, eurasianos etc, todos concorrem há bastante tempo
pelo controle político e econômico do mundo. Todos eles sabem
que para alcançar este objetivo há que se controlar a mente
humana e o melhor canal de acesso às crenças e concepções
do mundo é a mídia. De modo geral, estamos dizendo que
parece haver planos políticos relativamente unificados para o
controle de quase todos os aspectos da vida em sociedade,
embora diversos em sua natureza. Olavo de Carvalho expõe
três grandes blocos globalistas que, apesar de suas diferenças,
colaboram entre si. São eles:

1) Bloco ocidental – grupo que engloba os meta-capitalistas,


socialistas fabianos, famílias reais, financiadores dos
ecologistas, pacifistas, feministas, movimentos new age, e
mantém algum controle sobre os comunistas da América Latina.
Seus inimigos são os EUA e o conceito atual de estado-nação,
obstáculo à criação da Nova Ordem Mundial.

2) Bloco russo-chinês – compreende a Rússia e a China.


Atualmente comandado por Vladmir Putin e seu intuito de
reconstrução da URSS no Leste Europeu. Junto da China,
financiam uma parte dos empreendimentos ocidentais para
mantê-los sob controle e, em alguns casos, financiam
terrorismo islâmico contra os EUA. Seu grande inimigo são os
EUA e a Civilização Ocidental, símbolo do liberalismo. Mantém
algum controle, cada dia maior, dos comunistas da América
Latina.

3) Bloco Islâmico – formado pelos países árabes, possui já


grande influência nos meios ocidentais, com políticos do Partido
Democrata trabalhando a seu favor nos EUA (incluindo Barack
Hussein Obama). Buscam a formação do Califado Universal,
um governo mundial islâmico sob a lei da Sharia (lei islâmica).
Têm apoio da ala mais radical da esquerda latino-americana.

A relação próxima e até de colaboração entre estes


blocos é o que torna confusa a compreensão de muitos eventos
e contextos internacionais. Mas se compreendermos que seu
inimigo comum é a liberdade individual, não será difícil
entender. Mesmo quando a defendem, buscam elevá-la ao seu
extremo, o que fatalmente vai expor suas fragilidades e
disfunções. Em um certo sentido, Putin joga com islâmicos para
a destruição do Ocidente, enquanto a esquerda latino-
americana mantém acordos tanto com grupos terroristas como
com os EUA e a Rússia. Todos os blocos globalistas se
beneficiam pelo caos que eles geram. É o seu combustível e
alimento. Crescem em poder e influência quanto mais penetram
na mente humana. E quando um deles extrapola e gera
resistência de indivíduos, estes caem nas graças de outro
bloco, que rapidamente promete libertação do anterior.

A revolução pelo controle

Foi a Revolução Francesa que trouxe pela primeira vez


a crença na necessidade de planejamentos sociais, como os
educacionais, urbanos, saúde pública, todos devidamente
acomodados nos braços acalentadores e salvadores do Estado.
Viu-se ali o aparecimento de um certo ideal de participação
popular, igualdade e o anseio por uma sociedade que
garantisse a fraternidade mútua e o amplo debate social. Essa
idealização era decorrente de um desenvolvimento ocorrido na
filosofia, a partir da proposta de que a vida fosse determinada e
orientada pela razão. Se os filósofos buscavam tantas formas
de averiguar e matematizar a natureza, recriando assim o
método científico, também na política deveria ser não só
possível como necessário, empenhar métodos e modelos
racionais a serem seguidos. Os primeiros modelos sociais
surgiram justamente da inconformidade com as injustiças
daquele tempo.
A mentalidade revolucionária, segundo Leszek
Kolakowski, é essa atitude espiritual caracterizada por uma
forte crença na possibilidade de uma salvação total do homem
em oposição à sua situação atual de escravidão, mas sem
continuidade ou intermediação entre as duas posições. Isto é, a
salvação total e a escravidão estão em polos absolutamente
opostos. Essa salvação total seria o objetivo único da
humanidade ao qual todos os valores devem estar submetidos,
de modo que todos os meios são justificados para este fim. O
meio, portanto, é a negação total do mundo existente[31].
O termo “Revolução”, ainda segundo Kolakowski,
refere-se ao ato pelo qual a dominação de uma classe é
transferida com violência para outra. A mentalidade
revolucionária seria, então, o pensamento defensor da
necessidade dessa mudança como condição para a salvação
total da humanidade, ampliando o raciocínio para todos os
aspectos da vida. É por isso que Kolakowski reconhece o
marxismo como um caso particularmente único no estilo de
pensamento da cultura europeia.
Recorrendo, agora, ao filósofo Olavo de Carvalho,
podemos acrescentar outro aspecto aos critérios de
reconhecimento da mentalidade revolucionária: o meio pelo
qual se dará a mudança de condição da classe. Segundo o
filósofo, a centralização do poder é o meio pelo qual anseiam os
revolucionários para a efetivação dessa mudança de estrutura
social. Isso amplia o foco de caracterização dos movimentos
históricos revolucionários. Essa centralização do poder, desde a
Revolução Francesa, é o principal motor de luta por mudanças
sociais.
A salvação total, cujo meio é a negação da realidade
existente e imperfeita, só pode possibilitar-se pela mudança
permanente e ininterrupta da sociedade, tanto na estrutura em
que se apresenta quanto no campo da racionalidade. É por este
motivo que os revolucionários precisam agir através da cultura
para permitir as condições das demais mudanças. E esta
mudança cultural demanda adaptações e arranjos racionais
muitas vezes trabalhosos. Quando, porém, as propostas de
mudança na sociedade não são facilmente justificáveis, é
preciso criar razões mesmo que para isso seja necessário
procurar problemas ocultos ou inexistentes.
As ideologias de esquerda se desenvolvem com base
na matriz marxista das oposições sociais como funções da
oposição fundamental entre proletariado e burguesia.
Kolakowski lembra que tanto Lênin e Trotsky quanto Stalin
fizeram modificações que facilitaram ao marxismo persistir pelo
tempo e adequando-se às mudanças e condições políticas.
Lênin, imitando Trotsky, sugeria que a revolução socialista
poderia ser um prolongamento da revolução burguesa e que,
portanto, a ideologia proletária não precisava ser uma
exclusividade da classe trabalhadora, isto é, dos proletários
empíricos. Diferente do que acreditava Marx, para quem a única
classe detentora da verdade era a proletária, Lênin propunha
uma separação entre classe e consciência de classe. Dessa
forma, um burguês poderia perfeitamente representar a classe
operária. Isso tornava a revolução mais fácil no ambiente
europeu, em que as condições dos trabalhadores nem sempre
eram semelhantes, além de viabilizar financiamentos burgueses
para os movimentos.
Outra modificação importante foi a internacionalização,
ou seja, a chamada Revolução Permanente. Interessante notar,
aqui, que a tese marxista original da revolução proletária não
era rejeitada totalmente. Na verdade, a perspectiva da praxis
marxista admite as duas crenças simultâneas, já que o efeito
revolucionário é prioridade. Por isso, uma das condições da
revolução era a existência empírica de uma classe trabalhadora
assalariada, o que demandaria um estágio de economia
industrial avançado. A revolução permanente é o processo de
cooperação entre as nações no qual as mais avançadas na
revolução, possam auxiliar o percurso daquelas menos
industrializadas ou que ainda não estejam em condições
revolucionárias. Foi desta tese que nasceram propostas como
as Nações Unidas, assim como o intento da integração latino-
americana manifestada pelo Mercosul e Foro de São Paulo.
Blocos regionais de cooperação econômica possuem, entre
outras funções, o claro objetivo de aproximar os países em
etapas desiguais para a manutenção da revolução permanente.
É fácil perceber a relevância da contribuição de Lênin e Trotsky
para o sucesso dos planos globais.
Stalin, por sua vez, empreendeu outra modificação, de
caráter menos pragmático para os movimentos internacionais.
Ele foi o responsável por associar a classe proletária com os
interesses do estado soviético. Lênin havia admitido a
importância do nacionalismo por conter uma “reserva de
energia revolucionária” e eventualmente ser usado quando isso
pudesse beneficiar o avanço das revoluções em alguns países.
Mas Stalin transformou a revolução na causa patriótica e
nacional da União Soviética. As vantagens foram
momentâneas, mas serviram principalmente na manutenção do
domínio sobre os países do Leste Europeu. Essa associação
entre a ideologia e o estado soviético proporcionou uma
alucinação útil ao Ocidente: quando da dissolução da URSS,
muitos analistas ocidentais acreditaram que era o comunismo a
desmoronar-se e sua ideologia pereceria junto com o estado
totalitário russo. Infelizmente, há quem acredite nisso até hoje.
Kolakowski chega a sugerir que a força persuasiva de
Stalin, para quem os inimigos da URSS eram automaticamente
burgueses, imperialistas e fascistas, gerou um efeito psicológico
tão forte nos militantes ao redor do mundo, que até hoje muitos
esquerdistas reagem de modo passional contra qualquer
insinuação desrespeitosa à atual Rússia.
O marxismo, portanto, pode se apresentar de várias
formas. Sua matriz revolucionária impõe que se aproveite de
quaisquer conflitos sociais, raciais, econômicos, políticos e até
pessoais. Tudo pode ser reduzido ao conflito de classe e à
égide da dominação e opressão.
No jornalismo, como já vimos, há tempos que a
perspectiva revolucionária está presente. Seja na seleção de
fatos ou na narração de histórias, reportagens e retratos da
realidade, jornalistas revolucionários têm a função não só de
expor contradições da sociedade, mas explorá-las como
conflitos de modo a gerar indignação, revolta e anseios. Um
jornalismo demasiadamente militante sempre foi algo pejorativo
e visto como tendencioso, de má-fé. Mas houve momentos e
lugares em que a prática da militância jornalística se tornou
comum e até desejável. Diante da injustiça, o jornalista é
chamado a relatá-la de algum modo que a denuncie. Isso é
evidente em muitos casos, mas em outras nem tanto.
O pseudo-ambiente de uma situação determinada fica
a cargo dos veículos responsáveis pelo relato dos fatos. O
problema é que os próprios jornalistas se veem constantemente
como únicos juízes das prioridades de uma sociedade, uma vez
que estas passam a depender das informações disponíveis.

Ambientalismo e Nova Ordem Mundial

Vejamos o exemplo do ambientalismo e da


cultura ecológica dentro do espaço jornalístico e como o
desenvolvimento deste assunto na esfera midiática vem
influenciando mudanças profundas no entendimento das
pessoas sobre o mundo e a sociedade. Mais do que isso, a
abrangência dessas mudanças podem ter chegado
irreversivelmente ao entendimento da própria função da
comunicação, em especial do jornalismo.
Há hoje o que se chama jornalismo ambiental,
especialidade surgida de uma aparente necessidade da
informação pública sobre as relações entre sociedade e
natureza. Essa necessidade pode ser justificada de muitas
formas. Mas a verdade é que para angariar a justificação que
tem hoje, foram necessárias algumas etapas para o
desenvolvimento de uma nova visão de mundo que foi sendo
trabalhada pouco a pouco. De modo geral, contar a história de
uma mentalidade como a ecológica é contar também o percurso
do jornalismo e das mídias, já que estas mentalidades
contemporâneas se desenvolvem quase totalmente com a
intermediação midiática.
John McCormick, em seu livro Rumo ao paraíso: a
história do movimento ambientalista, relatou o percurso da
cultura ecológica como uma revolução conceitual de proporções
universais e que produziu mudanças fundamentais nos valores
humanos. Como é recorrente em tentativas de fundamentar
ideologias, McCormick tenta ampliar a relevância dessa cultura
à Antiguidade, quando sumérios abandonavam suas cidades
diante da extinção de recursos hídricos. Do mesmo modo, as
ressalvas de Platão sobre o desmatamento e a erosão do solo
provocada pelo excesso de pastagens e corte de árvores para
lenha. Roma, Mesopotâmia e tantas civilizações que sofreram
os danos da má administração dos recursos naturais de que
dispunham fazem a preocupação ecológica atual parecer tão
mais relevante quanto recorrente na história humana. Mas, a
pergunta fundamental é: que papel desempenhavam essas
crenças para as sociedades antigas? Seria o mesmo das
crenças ambientalistas de que o homem não só desequilibrou o
Planeta como o vai salvar, restaurando-o ao eixo perdido?
Certamente não pertenciam às preocupações administrativas,
mas às religiosas. O costume de interpretar o presente pelo
passado parece ser uma insistente característica de nosso
tempo, quando deveríamos nos acostumar a perguntar o que o
passado tem a revelar sobre nossas concepções e pretensões.
Após duas guerras, o século XX oportunizou o
surgimento de novos paradigmas globais, isto é, hipóteses de
compreensão do mundo em uma chave planetária. O contexto
da emergente cultura de massa trouxe consigo a ascensão de
muitos campos estéticos, os quais, a partir dos
desenvolvimentos da sociedade norte-americana, suscitou um
tipo de mitologia moderna. O processo de massificação
congrega um repertório cultural semelhante em toda parte. Ele
pode coincidir com os elementos tradicionais de uma sociedade
mais apegada ao passado ou conciliar-se com eles; pode negá-
los completamente e ainda assim conviver dentro da mesma
esfera social ou até do mesmo indivíduo. A cultura de massa é
em essência internacionalizada e universal ao mesmo tempo
em que serve a preferências pessoais e individualizadas. As
condições para a sua existência estão na sociedade
alterdirigida, no consumo de interesses e na valorização da
originalidade, criatividade, em detrimento do velho e do
tradicional – exceto se este último ofereça elementos de
renovação ou nova roupagem adaptada às novas linguagens.
Os valores dessa cultura se reorganizam com uma
forte base imaginativa e estética que interconecta os elementos
novos e velhos, dando-os significados adequados a cada época
e lugar. Embora beneficie-se de elementos comuns à própria
forma de organização social humana, a cultura de massa
ganhou abrangência e significado a partir da urbanização e
consequentemente da abrangência dos meios de comunicação
massivos. Esse reforço massificador cultural tem sido
responsável pela formação das imagens do mundo, ideais de
felicidade, saúde e boa vida, e são distribuídos igualitariamente
e estimulados como horizonte existencial dos indivíduos. Certos
ideais de comportamento tornaram-se verdadeiros valores
morais ligados à saúde e cuja infração ocasiona perda na
sociabilidade, valor supremo e inegociável.
Ideologias criam-se com base no imaginário e, tal
como na magia e na religião, impulsionam-se a conceitos de
autorrealização, como diz o antropólogo francês Edgar
Morin[32]. Este contexto psicológico e social favorece a
transmissão de valores que vão formar o entendimento do
público em relação aos assuntos do seu interesse, do que
depende uma parcela substancial do esforço empreendido por
movimentos sociais em sua busca por atenção e justificação.
Se, como vimos, dentro do contexto baseado na alterdireção,
característico da cultura de massa, os meios de comunicação
ganham em efetividade de determinação de comportamentos e
ideais, na “era do conhecimento”, as empresas, governos e
movimentos sociais beneficiam-se facilmente destas condições.
Desde que organizados, entidades formadas por ideologias
revolucionárias se empenham em fazer uso de todo tipo de
técnica para chamar a atenção para si.
A hipótese global que ganhou força durante o período
pós-guerra, teve de adaptar-se ao novo período de paz e gerar
novas demandas sociais para justificar suas ideologias que
permaneciam intactas mesmo diante das consequências mais
devastadoras. O comunismo matou mais de 150 milhões de
pessoas durante o século XX na tentativa insana de centralizar
o poder nas mãos de uma elite política. Recorreu à força
porque não tinha o poder sobre as consciências, algo que em
seguida foi sendo viabilizado. Embora o indivíduo livre e
consciente seja de fato impossível de destruir, estes grupos
revolucionários globais lançam mão de todo tipo de arranjo
ideológico para ludibriar a opinião pública e tornar suas
demandas de poder e controle um anseio para a humanidade.
A ecologia parece ter conseguido popularizar a crença
de que o mundo é algo semelhante a um organismo biológico e
por este motivo, depende de uma série de elementos que
condicionam o seu funcionamento. O rompimento dos elos
entre esses elementos causaria o que os ecologistas chamam
de desequilíbrio. A ecologia começou como uma ciência
interdisciplinar que buscava compreender as relações
complexas dos organismos e seu ambiente físico. Desde essa
origem até a criação das organizações não-governamentais
largamente financiadas pelo establishment internacional, muita
coisa mudou. Um dos aspectos essenciais dessa mudança foi a
sua imagem pública enquanto autoridade científica e até
espiritual.
O movimento socioambiental, nas últimas décadas,
atua como importante fonte de abordagens para a mídia em
geral, o que promoveu certo compartilhamento de valores e
práticas dentro do meio acadêmico e científico, além da seleção
de fatos e informações para os jornais. A criação de uma
segmentação jornalística para a ecologia, o chamado
Jornalismo Ambiental, pode ter contribuído grandemente para
uma mudança profunda na função da atividade jornalística. Isso
porque o ambientalismo acrescenta um valor absoluto ao
critério jornalístico, mas este valor não é o da correspondência
com a verdade.

Jornalismo militante contra a humanidade

Muitas pessoas bem intencionadas que são simpáticas


aos movimentos ambientalistas podem afirmar que a proteção
do meio ambiente não significa a negação da vida humana ou a
sua eliminação, já que a proteção do meio natural significa a
preservação da espécie humana. Essa relação entre o homem
e o meio ambiente está bem explicada na teoria sistêmica da
qual falamos, onde uma ação em pequena escala pode
influenciar o todo por meio de uma reação em cadeia. O
sistemismo levado às últimas consequências, dessa forma,
assume a forma de uma crença supersticiosa, ainda mais
perigosa quanto mais estiver ligada a sugestões de soluções
globais que serão impostas a todos.
Essa crença sistêmica quando apreendida pelo meio
jornalístico e aliado à sua gana por ineditismo e sinais dos
tempos, produz a função alarmista do jornalismo ambiental, que
serve perfeitamente aos objetivos de crescimento do poder
global sobre os países.
A atividade jornalística aliada à pauta ambiental,
portanto, passa a ser uma atividade militante. Assim, como as
informações das ciências ecológicas provém de comunidades
científicas especificamente interessadas nestes assuntos, a
autoridade científica no jornalismo, que por si só já pode causar
problemas suficientes, passa a se encarnar em comunidades
selecionadas previamente. Os valores democráticos aliados à
causa ecológica como necessidade social, geraram um clima
de comprometimento por parte do jornalista, algo
perceptivelmente crescente nas últimas décadas, como o
mostram sucessivas campanhas de mídia em grandes causas
internacionais. O jornalista e professor Wilson da Costa Bueno
é um dos nomes que propõe para a pauta ambiental certas
restrições à visão dos critérios de veracidade na prática do
jornalismo. “De imediato, nada de neutralidade, e a objetividade
deve ser vista com restrições porque, na prática, toda
reportagem, todo discurso implica uma trajetória, uma leitura e
um compromisso”[33], diz Bueno.
O jornalismo ambiental, para ele, carrega uma
dependência com a causa que o impõe a uma atividade
permanentemente construtiva. A objetividade soa como um
valor desconfortável com o qual o jornalismo teve de lidar ao
longo de sua história. Hoje, parece estar, afinal, libertando-se
das amarras da objetividade. Não deixa de ser uma expressão
da profecia revolucionária libertadora, na qual a verdade oprime
e esmaga. Resta saber o que será posto no lugar da
objetividade como critério de validade. Retirando-se esse valor
de cena, o que sobra?
Só pode sobrar a causa, cuja adesão dependerá dos
estímulos culturais e míticos que cada “campo formador de
sentido” conseguir melhor representar. Afinal, a pauta ambiental
hoje se tornou um lugar comum do público, um tema da cultura
de massa e não somente um assunto para cientistas e
especialistas. Qualquer cidadão pouco informado sobre a
política, a economia ou ciência, considera-se sábio o bastante
para afirmar que o homem se tornou um peso morto no planeta,
ocupando-se, pois, exclusivamente de destruir tudo pela frente.
Lugar comum também é dizer que a Amazônia está em franca
devastação, as árvores restantes são as últimas na face da
Terra e a água se esvai a cada instante para nunca mais voltar.
A crença na morte do planeta por inanição engorda os que se
alimentam vorazmente do conteúdo midiático.
Criada a realidade social, o pseudo-ambiente da
opinião pública, a participação do leitor na pauta ambiental
ganha um lugar de destaque, mesmo que grande parte do seu
conhecimento sobre a relação entre homem e natureza seja tão
indiretamente mediado quanto o é para a própria mídia.
Bueno diferencia o Jornalismo Ambiental da chamada
Comunicação Ambiental. O jornalismo de meio ambiente,
segundo ele, caracteriza-se por produtos decorrentes do
trabalho realizado por profissionais da imprensa, enquanto a
Comunicação Ambiental enquadra-se em toda e qualquer forma
de comunicação gerada por ONGs ou quaisquer organizações
dedicadas à veiculação de temas ambientais. Trata-se de uma
diferenciação entre a instância que levanta as informações e as
organiza e aquela que a midiatiza, isto é, torna pauta pública.
Essa Comunicação Ambiental, antecedente do
ambientalismo jornalístico, é produto de uma evolução que
pode ser entendida em duas fases distintas, conforme
contextualização histórica escrita por John McCormick[34]: a
primeira começa com o surgimento da ciência ecológica, fruto
de uma mudança de paradigmas que ocorre no âmbito
científico já no século XIX. Esta primeira fase vai da ciência
biológica até o início do seu relacionamento com as ciências
sociais e dos efeitos da cultura humana no ambiente físico; a
segunda, inicia-se com a popularização e midiatização da
mudança na forma de ver a relação entre natureza e sociedade
e o apontamento da necessidade de ir além da simples
conservação e estudo dos recursos naturais, alcançando assim,
com as contribuições das ciências sociais, a busca por ações
práticas de modificação dos paradigmas culturais ou
conscientização.
Segundo McCormick: “A mudança mais ampla nas
atitudes humanas começou com a era das descobertas
científicas, quando os sinais de deterioração tornaram-se
evidentes para mais pessoas, e não apenas para uns poucos
observadores perspicazes da condição da natureza”. Algo
parecido com o que chamamos hoje de movimento
ambientalista começou a aparecer por volta da metade do
século XIX, na Grâ-Bretanha e, mais tarde, nos Estados
Unidos.
Mas a ecologia só passou a fazer parte das
preocupações da sociedade ocidental a partir do que os
ecólogos chamam “explosão informativa”, ocorrida no início da
década de 1960. Iniciava-se a preocupação midiática com os
riscos ambientais nos EUA, motivados por eventos de grande
cobertura como o vazamento de petróleo de Santa Bárbara,
simultâneo ao lançamento de livros e estudos que chamavam a
atenção para os perigos do uso de agrotóxicos. Ao longo
daquela década, a poluição industrial era vista como uma
consequência inevitável ou um alto preço a ser pago pelos
benefícios da modernização. Esta noção foi uma consequência
do esforço de campanhas de grupos corporativos e suas
agências de relações públicas.
Intelectuais de esquerda perceberam o potencial do
ambientalismo e passaram a infiltrar-se nos seus movimentos.
O fundador do Greenpeace, certa vez, em entrevista, afirmou
que saiu do grupo porque a ONG se tornou algo bem diverso do
que ele criara. Outros setores da esquerda fizeram o seu
trabalho na imprensa e passaram a questionar fontes e critérios
jornalísticos.
É preciso fazer justiça a este período: muito do que se
estudou sobre o jornalismo e a função da imprensa, veio pelas
mãos de esquerdistas que questionavam o monopólio de
grandes empresas e do próprio sistema de comunicação.
Ironicamente, hoje muitos desses estudos podem ser úteis para
compreender a estrutura da qual os próprios esquerdistas se
apropriaram para uso revolucionário. Se o principal e mais cruel
instrumento do comunismo é o Estado, a grande ironia é que
quando se apropriam dele, estes militantes não costumam
livrar-se muito fácil dos instrumentos institucionais que outrora
os fariam chamá-lo de “estado-burguês”. Burguês é apenas o
estado que não os financia.
Os jornalistas passaram a olhar com mais atenção às
suas fontes de informação e a contratar especialistas para lidar
com assuntos científicos que eles pouco dominavam, de modo
a dar maior abrangência à cobertura destes temas. Isso porque
percebeu-se o risco que o jornalismo corria em manter-se
dependente das afirmações feitas por grupos de interesse como
as corporações e governos.
A primeira lei de amplo espectro contra a poluição do
ar no mundo havia sido aprovada na Grã-Bretanha, em 1863,
onde criou-se o primeiro órgão de controle da poluição. De
acordo com os dados de McCormick, até 1971 existiam um total
de 12 órgãos ambientais nacionais no mundo. Hoje, eles já são
140. O primeiro grupo ambientalista privado do mundo foi o
Commons, Foot-paths, and Open Spaces Preservation Society,
fundado na Inglaterra, em 1865. O mundo conta com mais de
15 mil desses grupos, um terço dos quais fundados depois de
1972. O primeiro acordo internacional sobre meio ambiente foi
assinado em 1886. Hoje, são mais de 250, três quartos dos
quais assinados após 1960.
Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia,
apontava pela primeira vez para a necessidade de se traçarem
outras metas de ação para a solução do que passou a se
chamar “crise ecológica”. Quase 20 anos depois, quase todas
as organizações internacionais mais importantes, desde o
Banco Mundial até a Comunidade Europeia e a Organização
para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica, haviam
tomado posições relativas às políticas de meio ambiente.
A grande preocupação destes eventos internacionais
era mobilizar governos e cidadãos como militantes, tornar a
pauta ambiental um objetivo de todos, um dever que fosse
análogo à cidadania. A pressão por ação política, econômica e
cidadã crescia pelo mundo inteiro.
Mas após a década de 1970, percebeu-se uma súbita
perda do interesse do público sobre as notícias ambientais.
Vários fatores possíveis podem ter contribuído para esse
declínio, como uma eventual percepção de institucionalização
da preocupação ambiental junto ao meio político, dando a
impressão geral de que os problemas e riscos estavam sendo
resolvidos. Ou seja, uma espécie de transferência de
responsabilidade do indivíduo para a esfera institucional.
A presença do tema ambiental nos noticiários das
décadas de 1970 e 1980, permaneceu como assunto político e
científico, sem uma relação muito clara ou aprofundada com os
fundamentos econômicos e sociais que tivessem impacto no
comportamento das pessoas.
Essa perda de interesse do público e dos cidadãos
pelos assuntos ambientais poderia ser explicada, conforme os
estudos da época, pelo pressuposto de que a preocupação com
as questões ambientais estavam relacionadas com a
quantidade relativa da cobertura gerada pelas organizações
noticiosas. A atenção da mídia é tida como um fator
determinante na legitimação do tema meio ambiente como
questão política. Mas percebia-se que faltava alguma coisa
para que o tema ganhasse efetivamente a preocupação pública.
A institucionalização da preocupação ambiental nos EUA foi
representada pela criação da Agência de Proteção Ambiental e
do Conselho de Qualidade Ambiental. A criação destes órgãos
trilhou novos parâmetros para o critério de legitimidade das
fontes jornalísticas, já que estes organismos governamentais
passaram a ser tratados como fontes de autoridade pelos
jornalistas. O problema é que a questão estava dependente
demais das demandas governamentais e políticas daqueles que
estivessem no poder. Portanto, embora aferissem credibilidade
às notícias sobre questões ecológicas, os jornalistas não
sentiam necessidade de buscar novas informações e, por isso,
novas pautas não surgiam sem que houvesse iniciativa de
órgãos nacionais ou internacionais.
Esta situação permaneceu durante muito tempo e é
uma das causas da imagem negativa do ambientalismo no
início de sua militância, nas décadas de 1970 e 80. A coisa só
começou a mudar após o surgimento de ameaças alarmantes
que poriam em risco a vida na Terra. Não havia dúvidas de que
isso afetava a todos os aspectos da sociedade e por isso se
tornou um tema carregado em noticiabilidade, isto é, interesse
jornalístico.
Existem muitos episódios na história do movimento
ambientalista que mostram como certos objetivos estratégicos
dos movimentos revolucionários servem de critério para a
seleção de pautas para jornais, livros, revistas, para orientar a
pauta pública. Nem que para fechar as informações seja
necessário recorrer, literalmente, à ficção. Uma preocupação
ecológica pode esconder, na verdade, um objetivo oculto de
natureza estratégica. Um bom exemplo foi a energia nuclear e
os agrotóxicos.
Um dos pontos chave que teria iniciado grande parte
da preocupação ambiental era o perigo de uma guerra nuclear.
Este medo motivou a criação de acordos de desarmamento
internacionais que foram assinados já na década de 1960. Os
testes com armamento nuclear provocavam, na visão da
comunidade internacional, um clima de tensão que era preciso
atenuar. Em 1961, foi criada a Agência de Controle e
Desarmamento, por Kennedy, para aliviar a tensão mundial em
torno do assunto. Mas a conferência sobre desarmamento em
Genebra foi adiada para ser retomada em julho de 1963, depois
de contatos bilaterais entre os Estados Unidos e a URSS.
Estava claro, então. que havia uma oposição internacional
crescente aos testes atmosféricos, motivada em parte por
aumentos significativos de precipitação em consequência de
uma série de testes em 1962.
Além disso, os estoques de armas nucleares
americanos haviam atingido, naquele ano, um nível tão alto que
houve grande apreensão a respeito de problemas de comando
que ocasionassem uma guerra acidental. Em agosto, porém, o
Tratado de Proibição Parcial de Testes foi finalmente assinado
em Moscou pelos Estados Unidos, União Soviética e Grã-
Bretanha, proibindo os testes no ar, acima da atmosfera ou no
mar (mas não no subsolo). O tratado final – para desânimo de
Kennedy – só pode ser parcial, uma vez que os Estados Unidos
e a URSS foram incapazes de chegar a um acordo quanto aos
métodos de verificar seu cumprimento no tocante aos testes
subterrâneos. Na época, o ativista ecossocialista Barry
Commoner argumentou que um dos benefícios do tratado foi ter
estabelecido que as armas nucleares eram um fracasso
científico, na medida em que, a despeito do resultado da guerra
nuclear, nenhuma das duas potências principais sobreviveria ao
holocausto – o fracasso da "defesa" nuclear reside, assim, nos
desastres ecológicos que a mesma desencadearia.
Para a maioria dos ambientalistas, é possível
considerar que o Tratado de Proibição Parcial de Testes foi o
primeiro acordo ambiental internacional. A questão da
segurança global poderia ter sido motivo suficiente, mas, por
algum motivo, a questão ambiental se sobrepôs. A exigência do
tratado era a de um “desarmamento geral e completo” para pôr
fim definitivo à corrida armamentista. O texto do tratado para o
desarmamento de nada menos que dezessete nações, não
fazia menção ao chamado “perigo de precipitação” (guerra),
mas sim em “pôr termo à contaminação do meio ambiente
humano por substâncias radioativas”. Este pode ter sido o
primeiro resultado de grande escala do lobby verde para
influenciar questões nacionais de vários países. Mas a questão
mais importante vem a seguir.
O perigo de guerra nuclear alertou muitas pessoas
para a ideia de que a tecnologia poderia causar contaminação
ambiental irrestrita e, com isso, todos poderiam ser afetados.
Foi a primeira alusão ao conceito de um meio ambiente global e
a problemas ambientais universais. Esse conceito foi, então,
reforçado naquele mesmo ano com a publicação de um livro:
Silent Spring, de Rachel Carson.
Rachel Carson era uma bióloga pouco conhecida que
decidiu publicar um livro de ficção que denunciasse o perigo
dos pesticidas usados na agricultura e pecuária. Apesar de os
ambientalistas recorrerem, em geral, à credibilidade científica
de suas teses, foi o livro ficcional de Carson que se tornou um
clássico do ambientalismo. O livro, publicado em 1962, exerceu
uma influência poderosa sobre vários governos, o que levou à
proibição mundial do uso do DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano,
o primeiro pesticida moderno) já no início da década de 1970.
Antes da proibição, em resposta ao livro e à polêmica
iniciada por Carson, porém, a Academia Nacional de Ciências
dos EUA declarou que o DDT havia salvado mais de 500
milhões de vidas humanas ao longo das últimas três décadas
ao erradicar os mosquitos transmissores da malária[35]. O
relatório da Academia dizia: "Se tivéssemos de eleger alguns
produtos químicos aos quais a humanidade deve muito, o DDT
certamente seria um deles. ...Em pouco mais de duas décadas,
o DDT evitou que 500 milhões de seres humanos morressem
de malária, algo que sem o DDT seria inevitável". Afinal, a
malária estava prestes a ser extinta em alguns países antes da
proibição.
Sem qualquer evidência científica além de um livro de
ficção, o DDT foi proibido no mundo todo. John Berlau,
pesquisador do Center for Investors and Entrepreneurs do
Competitive Enterprise Institute, em seu livro Eco-Freaks:
Environmentalism is Hazardous to Your Health, escreveu: "Nem
um único estudo mostrando o elo entre exposição ao DDT e
contaminação humana já foi replicado".
O Dr. Henry Miller, membro sênior da Hoover
Institution, disse no artigo intitulado Rachel Carson's Deadly
Fantasies[36], que o banimento do DDT foi responsável pela
perda de "dezenas de milhões de vidas humanas,
majoritariamente crianças em países pobres e tropicais. Tudo
isso em troca da possibilidade de uma pequena melhoria na
fertilidade das aves de rapina. Essa continua sendo uma das
mais monumentais tragédias humanas do século passado."
Inúmeras colheitas foram destruídas, pois os insetos
combatidos pelo DDT continuaram a se proliferar. “Mesmo se
as estimativas da Academia Nacional de Ciências em relação
às vidas salvas pelo DDT estivessem exageradas por um fator
de dois, Rachel Carson e sua cruzada contra o pesticida ainda
seriam responsáveis por mais mortes humanas do que a
maioria dos piores tiranos da história do mundo”, diz Walter
Williams.
Na África, Sudeste Asiático, América do Sul, na Índia,
as mortes por malária voltaram a aparecer quando já estavam
praticamente erradicadas antes da proibição do DDT. A grande
pergunta que se faz diante da obviedade do desastre causado
pela proibição é: porque ela não é revogada? A resposta pode
ser tão absurda quanto monstruosa:

Na Guiana, em menos de dois anos, o DDT já havia


praticamente aniquilado a malária; porém, isso levou a
uma duplicação das taxas de fecundidade. Portanto, meu
maior problema com o DDT, olhando em retrospecto, é
que ele ajudou a intensificar o problema da explosão
demográfica[37].

A frase acima é de Alexander King, co-fundador do


Clube de Roma. Isso mesmo. O controle populacional, causa
tão cara aos ambientalistas, é um dos motivos por trás do
morticínio provocado principalmente nos países
subdesenvolvidos.
Em 1968, pouco tempo depois da publicação de Silent
Spring, de Carson, o biólogo Paul R. Ehrlich deixou militantes
de esquerda e de direita horrorizados lançando um polêmico
livro que acrescentava outro importante elemento ao
ambientalismo: o controle populacional. O livro se chamava
Population Bomb. Políticos e ativistas de esquerda o acusavam
de nazismo por querer matar metade da população pobre e os
de direita por violar os direitos individuais e desvalorizar a vida
humana. O livro foi um importante divisor de águas no reforço
científico à crença que tornava o homem dispensável ao
planeta.
Mais tarde, em 1977, Ehrlich publicou junto de outros
dois autores, outro livro, Ecosciencie: population, ressources,
environment, com a mesma ideia de controle populacional, mas
servindo-se de um maior aporte de dados científicos e apoio de
cientistas engajados na causa ecológica. A defesa do meio
ambiente ganhava um impulso a mais e passava a se unir aos
militantes do controle populacional que aliciavam as Nações
Unidas para incluir a meta na sua agenda de ações imediatas.
As propostas de controle de natalidade estão
intimamente ligadas à conquista do direito ao aborto defendido
por gente como Margareth Sanger (1879-1966), com ideias
eugenistas e evolucionistas nas quais os nascimentos de
pessoas consideradas mais aptas eram preferíveis optando-se
pelo aborto e esterilização em massa em populações pobres e
consideradas geneticamente inferiores. Após a Segunda Guerra
Mundial, porém, essa retórica eugenista passou a ser mal vista
por motivos óbvios. Mas, no barco da ecologia, nas décadas
seguintes, o controle populacional pôde voltar ao debate público
e navegar tranquilamente pela agenda pública, agora com a
desculpa do fim dos recursos naturais e trazendo consigo a
cativante proposta da salvação da humanidade. Na verdade,
em nome dessa pretensa tese da escassez futura, muitas
populações são privadas hoje desses recursos e obrigadas a
integrar-se a agendas que demandam consideráveis restrições
econômicas. Países da África são ameaçados de terem suas
ajudas internacionais cortadas se não aderirem a programas de
esterilização e descriminalização do aborto, além da nefasta
agenda de gênero das Nações Unidas.
O livro Ecoscience: population, ressorces, enviroment,
é um verdadeiro clássico do ambientalismo. Nele é sugerido de
modo explícito: a melhor solução para a escassez de recursos é
a diminuição da taxa de crescimento da população. Como
primeira e mais relevante medida, os autores sugerem a
limitação da taxa de natalidade, o que deve ser implementado
por meio de campanhas de planejamento familiar, legalização
do aborto e estímulo de uso de contraceptivos, ou seja, uma
conscientização para o voluntarismo em prol dessa causa. A
segunda alternativa, caso a população não opte
voluntariamente pela diminuição da taxa de natalidade, os
autores explicam:

Presumivelmente, a maioria das pessoas concorda que o


único meio de atingir estes objetivos em um nível mundial
é através da taxa de natalidade. A alternativa a isso é
permitir o aumento da taxa de mortalidade, o que
naturalmente vai acontecer caso a humanidade não optar
racionalmente por reduzir a sua taxa de natalidade a
tempo[38].

Programas de esterilização em massa já foram


desmascarados em vários países, todos eles com a
participação de órgãos das Nações Unidas como Unicef,
Unesco etc, cooperados com instituições locais ligadas a
governos e organizações não-governamentais. Estes
programas de eliminação humana, como vemos, ficam de fora
dos noticiários por serem considerados “teorias da conspiração”
ou tidos como teses paranoicas que carecem de evidências. De
fato alguns destes casos não passaram de suspeitas devido à
inacessibilidade dos dados e recursos utilizados pelas
instituições em jogo, mas os planos declarados em uma tão
evidente documentação bibliográfica, como temos visto, já seria
suficiente para investigações aprofundadas quanto às ações
destes grupos envolvidos. Outros casos foram amplamente
divulgados e desmascarados, mas a imprensa internacional
isolou-os dentro de limites das imprensas locais, não deixando
que fossem conhecidos do restante do mundo.
É claro que as evidências deste tipo ficam desprovidas
de interesse jornalístico pela comunidade internacional se
limitados a fronteiras regionais, pois ficam desvinculados dos
casos semelhantes ao redor do mundo e podem ser facilmente
entendidos como fatos isolados e singulares. A interpretação de
quaisquer fatos relevantes à sociedade depende do
entendimento público da questão, o que por sua vez depende
da circulação de informações a respeito. Distante de uma
cobertura permanente da mídia, torna-se mais fácil desenvolver
teorias bizarras como a da eliminação de seres humanos para a
salvação da humanidade, sem que perguntas inconvenientes
interfiram e atrapalhem a evolução da ideia ou, mais à frente, a
sua execução. Obviamente, quando o tema vem a público,
pode ser tarde demais para voltar atrás.
Graças à participação de intelectuais como Ehrlich
dentro das Nações Unidas, principalmente em instituições
ligadas à educação e cultura como a Unesco, nossos jovens e
crianças são educados com o pressuposto de que a
humanidade é a causadora dos grandes males terrestres. O
controle populacional passou a ser o consenso da opinião
pública, fazendo a população trabalhar para a própria
autodestruição. Do mesmo modo que se infiltram nos órgãos da
ONU, estes ativistas povoam as redações e agências de
publicidade em busca de difundir as teses ambientalistas e anti-
humanas. Pesquisadores de mídia, empenhados no controle da
interpretação das notícias, perceberam que o interesse
jornalístico está ligado mais a acontecimentos e menos em
temas específicos. Isso porque na tradição da profissão
permanece a máxima da necessidade de informar ao invés de
formar. Para transformar a sociedade, no entanto, foi preciso
modificar esta tradição ou até eliminá-la da prática profissional.
Nada melhor, para isso, do que criar acontecimentos e, a partir
daí, condicionar o público a debates sobre temas de evidente
interesse, como o faz o exemplo do risco civilizacional das
chamadas Mudanças Climáticas.
Em fevereiro de 2007, as Nações Unidas publicaram o
quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas), apresentado pelo órgão que reunia
cientistas de 150 países para analisar as mudanças no clima
terrestre. A publicação do documento mobilizou a imprensa do
mundo inteiro e o assunto se tornou amplamente debatido nos
diferentes âmbitos da sociedade. Como conclusões científicas,
o relatório apontava o preocupante cenário de um aquecimento
da atmosfera e enumerava consequências como o aumento do
nível do mar, extinção de espécies, além de mudanças
drásticas na geografia terrestre e, posteriormente, na economia
mundial. A principal causa que concorria para isso, segundo os
cientistas, foi a influência do homem no meio ambiente através
da emissão de gases de efeito estufa, fruto da crescente
industrialização.
Embora a opinião científica sobre essas causas não
formassem qualquer consenso dentro do campo da ciência, as
conclusões do IPCC foram interpretadas pela imprensa como
algo irreversível, decisivo e, portanto, consensual entre os
cientistas. Afinal, o relatório salientava que havia 90% de
chances do fenômeno ser causado pelo homem, ou seja, dos
prognósticos científicos estarem corretos. Na imprensa, porém,
chegou-se a dizer que esses 90% se referiam ao percentual de
culpa humana no fenômeno. Muitos cientistas vieram a público
chamando a atenção para as distorções da mídia e a pouca
divulgação da divergência que havia entre os próprios cientistas
responsáveis pelas pesquisas do relatório.
Alguns pesquisadores de mídia se interessaram por
esse fenômeno midiático gerador de reportagens alarmistas
com pouco ou nenhum espaço a ideias contrárias à tese do
chamado aquecimento antropogênico, de causas humanas. A
publicação do relatório do IPCC e sua divulgação deram grande
impulso à causa ambiental já existente há décadas, reforçando
a sua imagem como novo paradigma de desenvolvimento. O
ambientalismo se tornou rapidamente um emergente código
moral, com seus prognósticos técnicos e códigos de conduta
que iam além da vida social passando por responsabilidades
individuais e recomendando comportamentos sociais, políticos,
empresariais e governamentais ditos ecologicamente corretos.
Esta nova visão parecia basear-se na interpretação de
resultados de uma única comunidade científica cuja opinião era
tida como homogênea e consensual. Esse pensamento único,
registrado na mídia, chamou a atenção de pesquisadores como
James Painter, o qual observou a pouca presença da chamada
“opinião cética”, isto é, contrária à hipótese antropogênica, nas
páginas dos jornais.
A partir de uma análise de conteúdo nos jornais
brasileiros Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre
fevereiro e junho de 2007, o estudo de Painter revelou que de
1% a 3% dos artigos de opinião apresentavam o
posicionamento cético, bem diferente dos jornais de países
como o Reino Unido (de 4% a 23%) e EUA (de 13% a 40%). O
trabalho de Painter abrangia jornais de 50 países.
A publicação do relatório foi o gancho de
acontecimento usado para dar visibilidade ainda maior à causa
ambiental. Na verdade, tratava-se de uma nova fase de
implementação da agenda global: o controle dos recursos.
Nenhum governo pode almejar o controle sem alguma margem
de manipulação econômica, o que está submetido ao critério de
uso de recursos naturais. Muitos cientistas e jornalistas, pelo
mundo, criticaram o relatório, a cobertura midiática ao fato e a
pouca presença da opinião contrária. Ainda mais quando ações
políticas eram progressivamente propostas pela ONU e
governos assumiam a cada dia responsabilidades submetendo-
se à agenda globalista.
A ideologia ambientalista alia-se a expectativas
determinadas, embora utópicas, mas se define pela
necessidade do chamado a responsabilidades individuais,
políticas e governamentais em um paradigma, como diz Enrico
Leff, de uma “solidariedade global”. É neste contexto que se
torna possível o início da segunda fase do desenvolvimento
desta nova era que produziu o fenômeno de uma comunicação
ambiental inclinada não mais à divulgação científica mas à
difusão de uma causa vital a ser abraçada por toda a
humanidade.
A adesão à causa justa da sociedade perfeita e
paradoxalmente inevitável é parte de um fenômeno psicológico
regular na história humana. Eric Voegelin aproxima muitas
ideologias políticas modernas à noção teológica do gnosticismo.
Trata-se de uma postura de negação da realidade e afirmação
do papel ativo do homem como agente transformador e
aperfeiçoador da natureza. Embora o ambientalismo carregue
em si uma aparente crítica do paradigma controlador e
interventor da ciência e tecnologia moderna na natureza,
demonstra uma crença infalível no controle técnico da estrutura
natural por meio do conceito de “equilíbrio ecológico”. Essa
postura traz consigo elementos ligados a determinados
objetivos das elites globais, nomeadamente, o controle das
religiões por meio da influência em movimentos espirituais
alternativos e a mobilização das massas, a fim de esvaziar as
religiões tradicionais e marginalizá-las. As grandes tradições
espirituais, em particular a ocidental, oferecem às sociedades
um lastro moral para a ideia de liberdade, um obstáculo claro
para projetos de controle mundial.

Espiritualidade global da Nova Era

A nova religiosidade não apenas encontrou um nicho favorável na


cultura de massas espetacularizada da pós-modernidade, mas
também demonstrou ser capaz de conjugar polaridades
tradicionalmente tidas como inconciliáveis: corpo-espírito; visibilidade-
invisibilidade; misticismo-ciência. Não seria surpreendente, em vista
de tudo isso, descobrir figurações desta religiosidade nascente em
produtos da indústria cultural do entretenimento. (Erick Felinto – A
religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da
Cibercultura)

Não pretendo aventurar-me pelos labirintos do


imaginário cultural gerado no atual contexto de onipresença
tecnológica, nem aprofundar a relação disso com a
espiritualidade pós-moderna. Importante, porém, é notar a
predominância de um tipo de entendimento técnico que tenta
fugir dos modelos da Ciência Moderna em busca de dinâmicas
inovadoras neste início de século XXI. Importante percebermos,
igualmente, o aparecimento de espiritualidades ligadas a uma
imaginação tecnológica fruto da cultura de massa. Do mesmo
modo, o surgimento (ou ressurgimento) de pretensões
espirituais ligadas a movimentos anti-cristãos, anti-modernos,
anti-tradicionais, embora digam-se proponentes de um tipo de
retorno.
Os símbolos sagrados desta nova espiritualidade são
espirais, círculos, ciclos cósmicos, sistemas irracionais, fluxos
simultâneos e incontroláveis, isto é, o caos. A espiritualidade do
caos é a máxima da chamada Nova Era, apesar de nutrir-se de
uma busca essencial por orientação, ordem e unidade. A
unidade da Nova Era é obtida por meio do caos, que por sua
vez, é representado pela multiplicidade.
Fluxos de informação, dados de combinações infinitas
representam a busca por uma “unidade” estática baseada na lei
da transformação constante. O “nada se perde, tudo se
transforma” é entendido somente pela sua segunda parte. A
primeira desaparece, é perdida. O paradigma ecológico chega à
espiritualidade trazendo o que tem de mais caótico, simultânea
e paradoxalmente ordenado. Mas quem gerou isso? Quem são
as mentes por trás dessa transformação psicológica e cognitiva
a obstruir os caminhos para a compreensão da realidade e ao
mesmo tempo promete clarear tudo em um segundo?
Em outubro de 2010, em Florianópolis, aconteceu o
Seminário Internacional de Tecnologia para a Mudança Social,
promovido por diversas organizações nacionais e regionais,
entre elas o ICom (Instituto Comunitário Grande Florianópolis),
além de grandes empresas como o Grupo RBS, Fundação
Social Itaú, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, UN
Volunteers, entre outras. Sob o slogan “Together is better”, o
evento propunha-se a “construir uma presença digital relevante
e aproveitar os meios tecnológicos disponíveis para propagar
sua causa social”.

As organizações da sociedade civil devem utilizar as


tecnologias como um meio de mobilizar recursos, atrair e
gerenciar voluntários e prestar contas para todos os seus
públicos. A internet é hoje o meio mais rápido e efetivo de
estabelecer relacionamentos e formar redes sociais.

A causa social, neste caso, é o grande mote. A


mensagem do evento é um resultado da apropriação
empresarial da proposta da mudança social e promoção de
uma nova cidadania com ênfase na utilização da tecnologia
para melhorar as relações sociais e, com isso, angariar mais
negócios dinamizando a economia. Este é um perfeito exemplo
de ação positiva de empresas, ONGs e instituições públicas,
unidas para uma causa aparentemente única e benéfica para
todos. A mensagem principal da campanha, dessa forma,
aparenta não só uma proposta inofensiva mas algo natural e de
um elevado grau de boa intenção. É necessário, porém, que
analisemos profundamente as relações por trás de toda essa
benevolência apostolar.
Não há novidade alguma nesta retórica. Toda essa
argumentação está presente na maioria dos movimentos
sociais influenciados pela filosofia humanista e os seus
descendentes, mais precisamente pelo novo humanismo
promovido por intelectuais e políticos globalistas como
Salvatore Puledda e Michail Gorbachev.
O destaque do seminário foi a presença de um
palestrante internacional, o professor Emmet D. Carson,
presidente e fundador da Sillicon Valley Community Foundation,
considerado uma das principais lideranças do terceiro setor
(ongs) nos Estados Unidos. Carson é responsável pela gestão
de mais de 1500 fundos de investimento social de
empreendedores da área de tecnologia e de empresas como
eBay, Google e Sun Microsystems.
A Sillicon Valley Community tem publicado a lista das
doações que faz em seu Relatório Anual. Eis um dado
revelador, descoberto pelo jornalista americano Lee Penn: no
ano de 2000, consta a doação de cerca de US$1 milhão para
uma organização chamada United Religions Initiative (URI). A
Sillicon Valley Community não é a única organização
empresarial que faz doações à URI. Descendo ainda mais os
degraus do intrincado mundo oculto das finanças e ongs,
encontramos enfim, o fundo falso que há no subterrâneo das
relações institucionais vigentes, até nos depararmos com o
sinistro significado por trás das belas palavras ditas nas
palestras do Sr. Carson.
É possível que Emmett Carson nem desconfie, mas a
organização que ele preside faz anualmente doações
milionárias para uma organização com objetivos macabros e,
como mostrarei a seguir, realmente satânicos.
Muitos dizem que a URI busca ter o status da ONU.
Ora, mas ela é parte dessa grande rede de ongs que formam a
mais cara das ongs, nas palavras de Heitor de Paola. As ideias
difundidas pela URI vêm se espalhando pelo mundo desde o
século XIX, mas só na década de 1990 é que surgiu como
entidade jurídica. Desde então, a organização tem arrecadado
todos os anos somas milionárias por meio de 72 organizações
diretas e mais de 500 Círculos de Cooperação fixados em 167
países. No livro False Dawn, ainda não publicado no Brasil, o
jornalista Lee Penn desmembra toda a teia de relações
envolvendo essas grandes ONGs.
Essa organização gigantesca tem entre seus objetivos
públicos o relacionamento e a integração entre as várias
religiões a fim de criar uma “cultura de paz, justiça e igualdade
para todos os seres vivos”. Entre as ações propostas pelo
grupo para chegar a esse objetivo, Lee Penn lista as seguintes:

1. Limitar a evangelização cristã em nome da promoção


interreligiosa da paz;
2. Marginalizar os cristãos conservadores como
intolerantes e fundamentalistas;
3. Preparar o caminho para uma nova espiritualidade
global que possa acomodar formas mais domésticas das
atuais religiões e movimentos espirituais;
4. Promover uma nova “ética global” coletivista;
5. A ideia de que o principal objetivo da religião é a
reforma social a serviço de Deus;
6. A ideia de que todas as religiões e movimentos
espirituais são iguais, verdadeiros, e igualmente eficazes
como caminho para a comunhão com Deus;
7. Controle populacional – especialmente no Terceiro
Mundo;
8. Elevar a respeitabilidade de cultos como ocultismo,
bruxaria, teosofia e outras formas discriminadas de
religião.

A URI foi fundada pelo Bispo episcopal da Califórnia


William Swing, em 1995, e suas ideias têm atraído um número
gigantesco de grupos ativistas dos mais diversos. Por mais
diversos que sejam, entretanto, têm demonstrado uma
impressionante capacidade de desarmar conflitos entre eles em
prol de objetivos comuns. Por isso, entre os tipos de grupos que
apoiam a URI estão:

Dalai Lama e religiosos apoiadores do regime chinês;


pró-gay e anti-gay seguidores da Revolução Chinesa;
muçulmanos radicais e feministas radicais;
fundações capitalistas e partidos comunistas;
Entidades de George Soros e George W. Bush.

Não é preciso dizer que grupos como estes dificilmente


se entendem em suas zonas de influência. Mas a URI tem uma
estranha capacidade para agregar acólitos dos mais díspares.
Essa propensão à “diversidade para a unidade” demonstrada
pela URI, é fruto de uma articulação e conciliação entre
diferentes objetivos em comum. Trata-se de um grupo que vê a
multiplicidade de religiões como um fator de exclusão e de
divisão dos seres humanos. Para minimizar os efeitos nocivos
da separação entre as pessoas, a URI milita em uma causa
que, em última instância, promove uma religião internacional,
uma fé única e universalista a ser imposta para todo o Planeta.
A forma mais fácil de fazer isso, segundo a maioria dos
religiosos pertencentes a entidades ligadas a este grande
grupo, seria mesclar os conhecimentos adquiridos pelas várias
religiões de modo a criar um “conhecimento único”, uma “multi-
fé” sem dogmas e planetária. Em resumo, propiciar a união dos
homens em uma cultura de paz independente de denominações
religiosas. A URI não prega somente um sincretismo religioso
tal como o Brasil conhece, por exemplo, entre catolicismo e
umbanda. Busca uma mudança muito mais profunda no
entendimento sobre o fenômeno religioso. Mostraremos como
por diversos motivos a URI trabalha para a extinção de todas as
religiões atuais, mediante o esvaziamento do seu conteúdo
simbólico, descaracterização de dogmas e desvinculação das
almas aos seus lugares de origem, com a meta de criar dentro
do espírito humano uma necessidade vazia de fé, cuja forma
mais recorrente reside em uma crença relativista na
universalidade e multiplicidade do cosmos.
A origem, porém, deste pensamento, está longe de ter
motivações pacíficas e de união das religiões. Entre os
principais teóricos orientadores e fundadores de grupos
pertencentes a URI estão ocultistas e satanistas como Helena
Blavatsky, Alice Bailey, Aleister Crowley, entre muitos outros. E
seus continuadores têm relacionamentos tão promíscuos com
sociedades secretas (ou meramente discretas) que aliam-se
desde a poderosas organizações capitalistas a perigosos
grupos revolucionários e comunistas; em todos os países do
mundo, sua causa é compartilhada tanto entre partidos de
direita quanto de esquerda. Um claro exemplo dessa
multiplicidade unitária da URI e de seus tentáculos está na
relação próxima que têm com acionistas majoritários das
Organizações Ford e ex-dirigentes da KGB, políticos do partido
republicano dos EUA e militantes socialistas na América Latina.
Essa teia de relações, como veremos, é um emaranhado de
convivências tenebrosas entre o pior do conhecimento que o
homem já produziu e a tentativa de perpetuação dos maiores
erros da humanidade.
Importante sabermos que a United Religions Initiate foi
fundada oficialmente pelo bispo episcopal da Califórnia, William
Swing, em 1995. O projeto da organização já existia há cerca
de cinco anos e seus primeiros fundadores foram não mais do
que 55 pessoas. O evento que deu origem à URI ocorreu ainda
no século XIX. O Primeiro Parlamento Mundial das Religiões foi
um encontro sediado na cidade de Chicago, em setembro de
1893. O evento marcou o início do diálogo entre as religiões de
todo o mundo e inaugurou uma agenda que teria continuidade
pelos próximos séculos. Cem anos depois, em 1993, o
Parlamento reuniu-se novamente, também na cidade de
Chicago, quando já havia sido formado o Conselho do
Parlamento das Religiões. Em 1993, o evento contou com cerca
de 8 mil pessoas e tem sido organizado sem periodicidade
certa, em diversas cidades pelo mundo.
O principal objetivo desse parlamento foi a elaboração
da Declaração das Religiões para a Ética Global. Em uma
introdução explicativa à sua proposta para essa declaração, o
teólogo ecumênico holandês Hans Küng, autor do livro Projeto
de Ética Mundial, escreveu em 1992:

Depois de duas guerras mundiais, do colapso do


fascismo, nazismo, comunismo e colonialismo, e do fim da
guerra fria, a humanidade entrou numa nova fase de sua
história. Ela tem hoje suficientes recursos econômicos,
culturais e espirituais para instaurar uma ordem mundial
melhor. Mas novas tensões étnicas, nacionais, sociais e
religiosas ameaçam a construção pacífica de um mundo
assim. Nossa época experimentou um progresso
tecnológico nunca antes ocorrido, e, no entanto ainda
somos confrontados pelo fato de que a pobreza, a fome, a
mortalidade infantil, o desemprego, a miséria e a
destruição da natureza, em âmbito mundial, não
diminuíram, mas aumentaram. Muitas pessoas estão
ameaçadas pela ruína econômica, desordem social,
marginalização política e pelo colapso nacional.

Em outro ponto, ele sustenta ainda:

Nosso planeta continua a ser impiedosamente pilhado.


Um colapso dos ecossistemas nos ameaça.
Repetidamente, vemos líderes e membros de religiões
incitar a agressão, o fanatismo, o ódio e a xenofobia – e
até inspirar e legitimar conflitos violentos e sangrentos. A
religião é muitas vezes usada apenas para fins de poder
político, incluindo a guerra.

O Parlamento Mundial das Religiões, ou das Religiões


do Mundo, defendia, portanto, a co-existência entre as religiões
e uma cultura de paz. A proposta fundamentava-se em uma
nova era de prosperidade e de avanços científicos e
tecnológicos, a qual seria incompatível com antigas visões de
mundo. As cosmovisões tradicionais foram vistas como nocivas
e acusadas de fomentarem a desunião na humanidade. A partir
disso, as soluções para os novos problemas civilizacionais
deveriam ser, por sua vez, inovadoras.
Tais propostas trazem afirmações explicitamente bem
intencionadas e, em certa medida, acalentadoras para a
humanidade. Mas a verdadeira mensagem está implícita entre
verbos e adjetivos, dilemas e soluções. O parágrafo anterior
poderia ter sido escrito de outra forma, sem tantos agrados ao
gênero humano. No jargão acadêmico e científico de nosso
tempo, a expressão “mudança de paradigma”, possivelmente
tirada de Thomas Kuhn, ganhou uma nova feição, esotérica,
mística e existencial. Tal expressão cabe na crença alegada
pelos teóricos do Parlamento das Religiões, para os quais um
novo período se aproxima e as antigas soluções não podem
mais resolver os supostos novos impasses. Nem o mundo
empresarial ficou livre desse jargão que em toda parte ecoa,
como um mantra, nos corredores das corporações, órgãos
públicos, terceiro setor etc.
Poucos se atêm à origem do termo “mudança de
paradigmas”, ou ainda, à origem da ideia que enceta. Muitos
escritores admitem a gênese desse processo no esoterismo de
inspiração oriental, o qual tão rapidamente assaltou o mundo
cultural do Ocidente. O chamado Movimento Nova Era, cujo
conteúdo a URI se vale, constitui-se hoje de um emaranhado de
seitas e grupos esotéricos para os quais uma mudança astral
daria início à Era de Aquários. Esse novo período, segundo a
profecia astrológica, irá trazer paz e prosperidade à
humanidade como nunca houve. A Nova Era, e todas as suas
subdivisões, é uma fusão de crenças e teorias metafísicas que
mistura influência oriental, teológica, crenças espiritualistas,
animistas e paracientíficas. Sua proposta é a criação de um
modelo de consciência moral e social, mediante orientações
psicológicas, resultando no amálgama entre Natureza, Cosmos
e o Homem. Esse movimento partiu do impacto provocado pelo
livro A conspiração aquariana, de Marilyn Ferguson, lançado
em 1980[39].
Não é coincidência o fato de que muitos princípios dos
movimentos Nova Era tenham íntima concordância com as
ideias propostas pelo Parlamento das Religiões levando, por
sua vez, à fundação da URI. Ambos defendem uma nova ética
global e universalista. Além de reunir as principais religiões do
mundo, o Parlamento, assim como o Conselho das Religiões
formado por ele, integrou, desde sua origem, teóricos
fundadores das principais seitas esotéricas e ocultistas do
século XIX. Não podemos esquecer que muitas dessas seitas
orientam o Conselho das Religiões e a URI, os quais objetivam
a inversão das crenças cristãs, mediante a limitação da sua
liberdade e promovendo sincretismos em nome de uma cultura
do diálogo. Curioso o fato de os diálogos inter-religiosos
privilegiarem a liberdade de todos os tipos de crenças, exceto à
religião cristã, com a qual não há tolerância.
A URI não cessa de trabalhar para implantar a sua
religião global. Desde o início de suas atividades, tem
arrecadado dinheiro e acólitos no serviço que se propos. Já em
fevereiro de 1996, o bispo William Swing iniciou uma longa
jornada ao redor do mundo, onde se encontrou com lideranças
religiosas que incluem a Madre Teresa de Calcutá, o Dalai
Lama, o arcebispo anglicano de Canterbury, o arcebispo
Fittzgerald, o cardeal Arinze do Conselho Pontifício para o
Diálogo Inter-religioso e o próprio papa João Paulo II.

Vejamos então, o que mais diz a URI sobre si mesma:

Em junho de 1996, aconteceu a I Conferência Mundial da


URI, com 55 pessoas. A partir daí, seu crescimento tem
sido vertiginoso. Hoje, está presente em mais de 167
países. Um mutirão de líderes religiosos dos cinco
continentes escreveu sua Carta Fundacional. Em julho de
2000, a Carta da Iniciativa das Religiões Unidas foi
assinada, com peregrinações de caminhadas e
celebrações da paz entre as religiões, nas vilas, cidades e
metrópoles em todo o mundo, marcando o início oficial da
URI. A Iniciativa das Religiões Unidas é uma rede global
dedicada à promoção permanente da cooperação inter-
religiosa.

Seu objetivo é colocar um fim à violência por motivos


religiosos, cultivar culturas de paz e cura para a Terra e todos
os seres vivos. A cura da terra traz em si todo o desafio da
questão ecológica, da necessidade do uso sustentável dos
recursos do planeta, ameaçados pelo mau uso. Diz respeito,
também, às relações injustas entre países e povos e à
distribuição desigual das riquezas.
Sendo “uma iniciativa global por mudanças, a URI é
um convite à participação de todos, procurando trazer as
religiões e as tradições espirituais a uma mesa comum, a um
encontro global permanente e cotidiano, no qual, a partir das
peculiaridades de cada um, seja possível buscar a paz entre as
religiões e trabalhar juntos pelo bem de toda a vida e para a
cura do mundo”.
Ela não quer se tornar uma espécie de nova religião
mundial ou a porta-voz única das religiões. Faz parte de seus
princípios, estimular cada pessoa a enraizar-se profundamente
em sua própria identidade religiosa. O seu fundador argumenta
que, “da mesma forma que as Nações Unidas não são uma
nação, as Religiões Unidas não serão uma religião”.
Dela podem fazer parte todas as pessoas e grupos que
aceitam o Preâmbulo, o Propósito e os Princípios da Carta de
Fundação, assinada no Encontro Estadual de URI dia 01/06
2000, por meio um Círculo de Cooperação (CC) que a partir do
Preâmbulo, do Propósito e dos Princípios, tem autonomia e
responsabilidade de condução e escolha de atuação.
As condições de criação de um CC são, ao menos,
reunir sete membros, representando no mínimo três religiões,
expressões espirituais ou tradições indígenas. Como a URI é
auto-organizativa, cada CC pode escolher a forma de agir na
sociedade e determinar o que quer fazer. Há grupos que
trabalham das mais variadas formas e na mais diversas
atividades: AIDS, mulheres, direitos humanos, meio-ambiente,
justiça e paz… tudo o que contribua para a segurança, a
felicidade e o bem estar de toda a vida.
Uma das organizações associadas à URI, no Brasil, é
a ONG Viva Rio, que entre outras coisas, atuou ativamente na
Campanha pelo Desarmamento, em 2006. Em seu site oficial, a
ONG dispõe sobre sua missão e seus objetivos:

Integrar a cidade partida através da cultura de paz,


trabalhando com a sociedade civil, o setor privado e o
governo, com foco na promoção do desenvolvimento
social e na redução da violência urbana.

O Viva Rio é uma organização não-governamental, com sede


no Rio de Janeiro, engajada no trabalho de campo, na pesquisa
e na formulação de políticas públicas com o objetivo de
promover a cultura de paz e o desenvolvimento social.
Fundado em dezembro de 1993, por representantes de
vários setores da sociedade civil, como resposta à crescente
violência no Rio de Janeiro, o Viva Rio desenvolveu e
consolidou uma ampla gama de atividades e estratégias bem
sucedidas. Através de pesquisa, elaboração e teste, as
soluções propostas pelo Viva Rio são, inicialmente, realizadas
em pequena escala. Atingindo resultados positivos, essas
ações podem ganhar grandeza e se tornarem políticas públicas
reproduzidas pelo Estado, pelo mercado e por outras ONGs.
Apesar do trabalho do Viva Rio ter se iniciado em
resposta a problemas locais, com os quais permanece
profundamente comprometido, a natureza multifacetada da
segurança o conduziu ao envolvimento internacional. Assim, as
soluções precisam ser simultaneamente globais e locais.
Assim como diversas outras ONGs atuantes no Brasil
e no mundo, a Viva Rio possui uma série de parceiros
internacionais que financiam programas de assistência social
em diversos países do mundo. Muitas vezes, porém, estas
organizações se envolvem ativamente em campanhas de
âmbito nacional como é o caso do Desarmamento, uma das
principais bandeiras da Viva Rio. A lista de parceiros da Viva
Rio é dividida em dois grupos: Parceiros nas Ações
Comunitárias e Parceiros Institucionais. Dentre os primeiros,
como o próprio nome já diz, estão as organizações locais de
moradores etc.
Essas agendas ligadas à conscientização, cidadania e
paz, estão umbilicalmente firmadas como tentáculos de poucos
e poderosos grupos. A cooperação global que o ambientalismo
enseja, como vemos, colabora em muitas frentes, dentre elas
as propostas de “espiritualidades seculares”, como podemos
chamar o pacifismo, o culto à participação popular como um
meio de elevação social.
Assim como as ONGs ligadas à ONU, grupos como a
URI possuem vínculos reais com entidades políticas e
ideológicas – uma vez que a Nova Era não passa de uma
matriz agregadora de ideologias políticas modernas. A
influencia destas agendas vai além dos grupos e põe pessoas
como seus agentes. Pessoas como os jornalistas e
profissionais da mídia. Embora possamos focar muito mais no
aspecto do cinema e do entretenimento, é evidente a sincronia
cognitiva e imaginativa dos jornalista com estas mitologias.
Quem não lembra das capas dos jornais que anunciavam o fim
dos tempos diante do Aquecimento Global? Capas do Times,
por exemplo, traziam verdadeiros anúncios que imitam os
cartazes do cinema, com a força de convencimento de que
você não só vai ler uma matéria espetacular como vai adentrar
em um mundo fantástico. O fantástico show da vida.

Libido dominandi

Aqueles que desejam liberar o homem da ordem moral precisam


impor controles sociais tão logo eles o consigam, porque a libido
liberada conduz inevitavelmente à anarquia. No curso de dois
séculos, aquelas técnicas tornaram-se mais e mais refinadas,
resultando num mundo onde as pessoas fossem controladas, não por
forças militares, mas pelo controle técnico de suas paixões.

('Libido dominandi,sexual liberation and political control', de E. Michael


Jones).

Um dos aspectos da vida social que sofre influência


das mudanças globais que acompanhamos é o do
relacionamento entre os sexos. A transformação tem sido tão
profunda desde o início da Revolução Sexual, que os gêneros
comumente conhecidos já são desconstruídos sem o menor
constrangimento. O feminismo tornou a mulher algo para além
da competição pelo espaço do mercado de trabalho. Tornou-a
um homem mal acabado. Tornou-a um ser desumanizado que
contraria todas as tendências do ser do sexo feminino. A
feminista, como diz Julián Marías, é alguém que busca viver o
que pensa, ao invés de pensar o que vive. Se em situações
normais o ser humano busca coincidir suas ideias à realidade, a
feminista tenta fazer caber em seu cotidiano as ideias que
defende. Esta é a característica revolucionária mais evidente.
Mas nas últimas décadas do século XX, graças aos
relatórios fraudulentos de um certo sr. Alfred Kinsey, mudou-se
o entendimento do que seja a sexualidade humana por parte de
instituições do governo americano e, devido ao lobby
(ambientalistas chamariam advocacy) da pornografia iniciado
pelo crescimento de empreendimentos como a Playboy, a
indústria pornográfica ganhou status de entretenimento e
cultura. Era tudo uma questão de tempo para que a militância
homossexual ganhasse os palcos da esfera pública e, com isso,
um lugar de destaque nas páginas de jornais e no
entretenimento. As marchas do orgulho gay buscam
mobilização por meio de espetáculos, mas também adesão e
simpatia à causa gay. Com a ajuda da grande mídia do
entretenimento como novelas, filmes e programas de TV, foram
estabelecidas regras rígidas de opinião e conduta. Contrariar
alguém vinculado a estas militâncias se tornou um crime contra
os direitos humanos.
A militância LGBT hoje faz parte de um movimento
internacional que não pretende somente exigir suporte estatal
para suas próprias práticas ou desejos sexuais. Ela não age
apenas no intuito de modificar ou expandir o conceito de
normalidade às fronteiras dos seus próprios vícios. Não é este o
objetivo. Ela pretende estender a toda a sociedade o desejo de
lutar pela garantia das demandas mais torpes e primitivas,
visando legitimar a instauração de rígidos controles estatais,
tudo em nome dos "direitos humanos" e até mesmo da
moralidade, devidamente reconceituada conforme a atuação de
grupos de pressão como os gayzistas, feministas etc. Enquanto
o controle totalitário não é obtido, o desenvolvimento do
processo permite que se vá controlando as condutas mediante
ideias e promessas de realização, o que Santo Agostinho
chamou de libido dominandi.
Michael Jones, na obra Libido Dominandi: Sexual
Liberation and Political Control, usa do termo agostiniano para
afirmar que a liberdade humana não depende da natureza ou
das leis, mas é uma função do estado de moralidade em que
ele vive. O autor lembra do conhecido Marques de Sade, que já
em princípios do século XVIII, dera início à frutuosa parceria
entre revolução sexual e política, abrindo as portas do inferno
para a Revolução Francesa, iniciando o processo que culminou
em nossos dias. Depois dele, muitos intelectuais propagaram
essa ideia por verem nela o potencial que lhes propiciaria o
futuro controle social desejado.
A luta sexual gayzista é somente um meio útil aos
objetivos revolucionários. Não há diferença, para eles, se pelo
poder é preciso defender os direitos dos gays ou fuzilá-los em
praça pública, como fizeram e fazem as ditaduras
revolucionárias. Os cristãos que hoje são atacados pela
militância gayzista e vistos como inimigos do povo, serão os
únicos que continuarão a defender a vida quando a ira do
Grande Irmão voltar-se contra gays, feministas e todos os
idiotas úteis que trabalham sem saber pela sua própria
aniquilação[40].
Analisando os tópicos reivindicados pela militância
LGBT, o jornalista norte-americano Peter Heck chamou a
atenção para o fato da luta pela instituição das uniões civis
entre pessoas do mesmo sexo, não ter por objetivo criar uma
nova definição para o casamento. Para isso, deveria haver uma
definição alternativa sendo defendida. Ao contrário, segundo
ele, o que se está querendo é antes uma “indefinição” do
casamento. Outra forma de dizer destruição. “Uma tentativa
para obliterar qualquer parâmetro fundamental para o que é
percebido como comportamento sexual moral e imoral”, diz
Heck. Para quem acompanhou o desenvolvimento desse
assunto na grande mídia e na cultura pop, nas últimas duas
décadas, esse esforço não parece ser novidade.
Há um processo de injeção de assuntos no público que
gera uma indução de condutas. Estas condutas, por sua vez,
vão funcionar como motores de justificação daqueles temas. É
possível explicar parte importante deste processo cognitivo por
meio da teoria de Festinger (Dissonância Cognitiva) e também
de McCombs (Agendamento).
Na Dissonância, como o leitor deve lembrar, o
desconforto causado pelas contradições internas entre a prática
e os conhecimentos induzem a um rearranjo cognitivo que pode
se dirigir à mudança de comportamento ou justificação racional
do mesmo. O potencial de uso dessa teoria para a
determinação de comportamentos sociais, utilizada em conjunto
a outras técnicas como a do agendamento, favorece
imensamente a difusão de ideias justificadoras que viabilizam o
poder sobre o funcionamento da mente humana.
A dissonância coloca as duas opções ao indivíduo: ou
modifica a prática adequando-a à cognição que tem da coisa ou
modifica a cognição para justificar a ação. Para que isso
funcione de forma espontânea e em favor das mudanças
desejadas pelos engenheiros sociais, porém, é preciso gerar
um contexto em que o desejo de redução da dissonância se
torne uma condição psicológica para a convivência social, da
qual o cidadão dependa em alto grau. É fácil perceber que para
elevar o nível de desejo subjetivo de modo a torná-lo
necessário à realização pessoal, inicialmente é preciso associá-
lo a valores já existentes na sociedade. Vamos falar de dois
valores essenciais na democracia que pressupõem garantias do
estado como condições democráticas: os direitos e as opiniões.
Comecemos pelos direitos.
A regulamentação jurídica do casamento, por exemplo,
não surgiu na sociedade como atendimento a uma necessidade
subjetiva das duas partes ou direitos civis, mas como solução à
condição objetiva do problema da partilha de bens diante da
descendência. A lei civil do casamento existe em função da
potencial geração de filhos, o que fez com que se buscasse
instituir civilmente os costumes familiares que já existiam. O
feminismo foi a primeira luta política que condicionou a
conquista de direitos civis às modificações nos fundamentos da
moralidade vigente. Por meio da revolução cultural e sexual do
século XX, a progressiva conquista de direitos civis objetivos na
modernidade, como os direitos trabalhistas, foi associada às
lutas de caráter subjetivo como o feminismo. À medida que as
subjetividades ganhavam atenção de acadêmicos das ciências
sociais, eram paralelamente elevados a um patamar de direitos
políticos, culminando com a revolução sexual das décadas de
1960-70. Abriu-se o precedente para a mais inconsequente
subjetivação dos direitos políticos.
Edward Bernays, o mágico da propaganda, deu novo
impulso à sociedade americana, nas décadas de 1930-40, ao
motivar o consumo, que antes restringia-se ao campo da
necessidade material, ao desejo subjetivo mediante estímulos e
associações simbólicas e subliminares. A ascensão da
sociedade de consumo soube vazar as suas demandas
individuais também para a luta política. Hoje é comum que
jovens ansiosos busquem uma ideologia política usando a
lógica do consumo, já impressa neles, como quem procura um
produto no supermercado.
Outro valor essencial e propício a este tipo de
associação no mundo moderno são as opiniões e estas podem
ser facilmente associadas a direitos. Ora, as opiniões são
quase obrigatórias na sociedade democrática moderna e
gozam, por assim dizer, de uma posição de verdadeiras
virtudes. O indivíduo que não tem uma opinião formada sobre
cada um dos temas presentes no debate público é um
despolitizado e, consequentemente, não é cidadão. Ao menos é
assim para as classes letradas, das quais brota a chamada
"Opinião Pública" como um ente supremo e controlador.
O uso da teoria do agendamento como técnica de
formação da opinião pública foi percebido não só na prática
jornalística, orientada pelos donos da mídia, como já
observamos, mas por pesquisas acadêmicas que buscam
influenciar o processo pelo agendamento visando
admitidamente a modificação ou ampliação de debates que
gerem necessidades de mudança social. Antes, a opinião só
era associada a desejos subjetivos em caso de mal uso, de
imoralidade ou deficiência de caráter. Aos poucos, porém, o
fator subjetivo foi sendo tratado como uma condição inevitável
na formação da opinião e, mais tarde, desejável. Mas como
essa associação se transforma em automatismo na mente
contemporânea? A resposta está no controle do fluxo de
informações e, consequentemente, das emoções humanas por
meio da contrariedade. Expliquemos:
Um dos pesquisadores das opiniões da massa, o
francês e mentor globalista Gabriel Tarde, dizia que a opinião só
existe quando há contrariedade. Isso quer dizer que não há
opinião sobre temas que não são motivo de oposição, o que
Festinger chama de “relações irrelevantes”. A teoria do Agenda-
Setting – abordada como técnica – também ajuda a explicar
este fenômeno quando afirma que uma qualidade atribuída a
um elemento ou tema só pode existir quando o assunto se torna
debatível, ou seja, é elevado à pauta pública, tornado relevante.
Bernard Cohen havia dito que a mídia não tem grande
capacidade de definir como as pessoas pensam, mas pode com
certeza influenciar o que vão pensar, certo? O que Cohen não
disse é que, depois de definir “o que” pensar, fica fácil atribuir-
lhe qualidades desejadas. Para falar bem ou mal de alguém,
isto é, atribuir valor, é preciso primeiro tornar conhecida a sua
existência real, ressaltar o objeto.
Para tornar um tema relevante, justamente por isso,
vale tudo. O homossexualismo se tornou assunto público
quando das campanhas contra a pederastia, nos EUA, nas
décadas de 1940, que alertavam para o perigo destes
“elementos desordenados” da sociedade. Para fugir do
arquétipo criminoso, intelectuais trabalharam para transformar o
homossexualismo em doença diagnosticável e, portanto, livrá-
los da condenação pública. Uma vez chamados de doentes,
coube aos intelectuais relativizarem a loucura e a doença,
elevando aspectos doentios da própria sociedade. Foi então
que Alfred Kinsey ficou famoso por seus relatórios que traziam
dados (hoje sabidamente falsos) sobre a imoralidade sexual na
sociedade americana. Kinsey foi um dos pioneiros da
campanha pelos direitos gays nos EUA e ainda hoje é tido
como mestre inspirador do movimento internacional, embora
tenha sido condenado por crimes de pedofilia. O homossexual
se tornaria, então, uma vítima da sociedade preconceituosa.
Com a luta pela “união homoafetiva”, o que no passado foi
considerado doença transfigurou-se em direito civil ao ponto de
haverem leis que criminalizem a mera opinião contrária.
A pedofilia não poderia trilhar outro caminho. Entrou
em debate público como um problema, uma chaga social a ser
resolvida. A criança era a grande vítima do abuso. Iniciaram-se
campanhas contra a pedofilia, instigando o povo a denunciar.
Em virtude do aumento quantitativo de denúncias, os casos
tornam-se conhecidos e a sociedade habitua-se com o crime.
Hoje, há quem defenda a pedofilia como doença e acuse haver
discriminações. A primeira consequência da pedofilia ser
considerada uma doença é a de migrar da competência policial
para a médica. Com isso, formam-se associações de pedófilos
no mundo todo exigindo, por exemplo, direitos sexuais para
crianças e a diminuição da idade de consentimento para o ato
sexual.
Ora, Gabriel Tarde falava da contrariedade como
condição à existência de opinião, não é mesmo? Pois bem,
observando a história desses movimentos e das teorias que
dominam o campo da comunicação, concluímos ser bem
conhecido por engenheiros sociais o fato de que quando se diz
“não à pedofilia”, o “sim” surge como possibilidade lógica
(dialética) e ganha os campos da imaginação. Se há opiniões
contrárias à pedofilia, por que não haver as favoráveis? Desta
forma, podemos dizer sem medo de errar que o “legalize já”
jamais teria existido sem as décadas de “diga não às drogas”.
Isso não quer dizer, no entanto, que as campanhas iniciais
tenham sido feitas com este objetivo.
A normalização de uma prática ou fato é essencial
para a sua institucionalização, assim como o casamento
historicamente existente e praticado há séculos, acabou tendo
como resultado o seu reconhecimento civil na sociedade. A
pauta da união civil gay é uma tentativa de imitar essa
condição, a condição de prática existente a ser garantida
civilmente.
Do mesmo modo, uma das principais justificativas para
a legalização do aborto são os números de abortos. Então,
inflaciona-se, alardeia-se. Celebridades assumem a
homossexualidade para simular à opinião pública tratar-se de
uma realidade gritante a ser reconhecida. Embora seja uma
realidade, não há dados que apontem grande incidência de
parceiros reivindicando uniões civis. A exposição midiática de
casos isolados é utilizada para dar essa impressão. Como no
caso da cantora Cássia Eller, falecida em 2001, no qual houve
grande repercussão quanto à discussão da guarda de seu filho
de nove anos. O caso gerou debate público sobre questões de
direito de família envolvendo duplas homossexuais. Os direitos
baseados em práticas sexuais alternativas pautam-se pelo
desejo ilimitado, cuja imaginação não parece encontrar limites.
Diante de conquistas como estas, os proponentes sentem-se
mais aceitos na sociedade que os oprimia. Entortar o mundo
parece ser a melhor maneira de se parecer direito.
Assim, uniões civis gays, pedofilia, drogas, aborto,
uniões poliafetivas e o que mais a imaginação mandar, são
facilmente institucionalizados enquanto os direitos e opiniões
estiverem balizados pelos desejos. Porque os desejos existem
no campo da imaginação e, sem moral, não há limites para o
que se pode imaginar e desejar. Viveremos para ver o
surgimento de instituições que garantam direitos a canibais,
comedores de fezes, lunáticos de todo o tipo?
Mas quanto pior for o caos sexual e moral a que a
sociedade seja submetida, mais imoral será a reação, a solução
final desejada pelos verdadeiros financiadores das perversões
sexuais que virão, poderosos e triunfantes, deitar sobre o povo
a solução totalitária e controladora do governo mundial ao qual
as grandes massas clamarão, com suas opiniões devidamente
modeladas conforme o gosto dos gestores dos fluxos de
informação.

Aborto e a formação de opiniões

Margaret Sanger foi uma personalidade decisiva para a


conquista feminista do direito ao aborto na metade do século
XX. Sua história se confunde com a evolução do movimento
feminista pelo controle da natalidade. Seu nome, no entanto, é
solenemente omitido de relatórios e fundamentações que se
destinam a um público maior. Não é preciso dizer muito sobre
ela para entender esta omissão, basta expor um trecho de seu
principal livro The Pivit of Civilization (1919):

[os habitantes dos bairros pobres] que, devido a sua


natureza animal, reproduzem-se como coelhos e logo
poderiam ultrapassar os limites de seus bairros ou de
seus territórios, e contaminar então os melhores
elementos da sociedade com doenças e genes inferiores.

Ela resume, mais adiante, em um artigo na sua revista,


Birth Control Review, do mesmo ano:

...Mais nascimentos entre as pessoas aptas e menos entre as


não aptas, esse é o principal objetivo do controle da natalidade.

A banalização da vida, através do que podemos


chamar Cultura da Morte, começou no século passado, a partir
de 1917, com a Revolução Russa e mais tarde com o nazismo.
Na URSS, o aborto sem restrições foi legalizado em 1920. Era
permitido matar crianças até mesmo faltando poucos instantes
para o nascimento. Uma das responsáveis por esta formidável
conquista humanitária foi Margaret Sanger, que junto a grupos
feministas da época, advogou pela causa do aborto nas Nações
Unidas. Com a ajuda de fundações internacionais, o aborto
passou a fazer parte do programa oficial da ONU.
Quando o Conselho Federal de Medicina do Brasil
revelou a sua simpatia pela causa do aborto, o órgão deixou
claro que não estaria disposto a reconhecer a liberdade de
consciência aos seus membros como a que tiveram os médicos
uruguaios um ano antes ao se posicionarem contrários à lei que
descriminalizava o aborto no país. O que foi um inconveniente
para os abortistas do Uruguai, portanto, não o seria mais para o
governo brasileiro. Este fato provocou um retorno da temática
do aborto aos holofotes midiáticos o que oportunizou a
continuidade dessa campanha e nos dá a oportunidade de
exemplificar o modo como o uso da informação vai viabilizando
agendas internacionais pelo mundo a fora.
De modo geral, o aborto não é uma questão oriunda de
demanda popular ou solicitação lógica de algum problema real,
como podemos verificar pelo simples conhecimento dos dados
estatísticos divulgados pelos grupos pró-vida. Vejamos
rapidamente:
A ONU chamou a atenção do Brasil para as 200 mil
mortes de mulheres por causa de abortos inseguros.
Recorrendo aos dados verdadeiros, porém, temos no ano de
2010 os óbitos de mulheres em idade fértil – por todas as
causas – somando 66.323. Destes, os casos resultantes de
complicações na gravidez, parto ou aborto espontâneo, chegam
a um total de 1.162 mortes. Restringindo-nos apenas a
interrupções voluntárias da gravidez, temos 83 mortes. Daí,
para as 200 mil mortes alegadas pela ONU há uma distância
impressionante[41].
Há muito mais informações que demonstram a
falaciosa campanha pela legalização do aborto no mundo, mas
voltemos ao aspecto estrutural do fluxo de sugestões. Se é
necessário controlar este fluxo é porque parece ser igualmente
necessário implementar determinadas ações de modificação
social e política de interesse de quem está no centro ou acima
do centro decisório desse processo. E a natureza destas ações
não pode, obviamente, ser de conhecimento geral, pois
resultariam pouco ou nada persuasivas, ao menos no presente
momento. Ora, qual seria a reação da população se os
defensores de políticas abortistas declarassem abertamente
seus objetivos eugenistas e de controle populacional? No início,
suas causas eram abertas, mas circunstâncias históricas
acabaram impedindo a manifestação pública de seus objetivos,
porque após o nazismo, a palavra eugenia se tornou um
palavrão. Mesmo assim, os objetivos não mudaram. Toda ideia
de planificação social, como é o caso da eugenia, passa pela
crença de que os intelectuais sabem guiar melhor o destino das
massas.
Portanto, se a proposta do aborto não se justifica pelas
necessidades alegadas, só pode estar a serviço de objetivos
colocados para além do alcance da esfera pública, apoiados
por concepções não debatidas e tampouco expostas ao
questionamento. Ou seja, o aborto é uma pauta, mas as
crenças políticas com real peso para os seus propagandistas
nunca recebem atenção pela mídia. Aqui é necessário impor
uma distinção entre as duas fases do processo de
Agendamento: a diferença entre existência ou não do problema
no imaginário e os atributos ou valor associados a ele, as
opiniões a respeito. Por enquanto, estamos falando apenas do
primeiro aspecto, isto é, o que é ou não é assunto.
As motivações da engenharia social nem sempre
estiveram amparadas por dados estatísticos, mas sim por
concepções filosóficas que não podem ser debatidas
abertamente, pois acarretariam rejeições populares que
poderiam condenar a campanha e atrasar a sua realização.
Trata-se da diferença entre objetivo nominal, tema de debate
público, e objetivo real, aquele que fica longe da discussão. É a
imagem mental gerada sobre o tema contra o problema
empírico, real.
Portanto, sendo falsos os problemas apontados pelos
advogados da causa – isto é, a necessidade lógica segundo a
qual o aborto é solução para as mortes de mulheres causadas
pelo aborto, o que resultaria numa lógica circular – seria
igualmente falsa a demanda pelo assunto do qual depende a
própria classificação da prática como direito. A consideração de
tratar-se de um direito é tão somente uma artimanha retórica e
só pode existir após o tema ser colocado em debate, ser alçado
à posição de assunto. Um falso problema é facilmente
manipulável, uma vez que a sua existência mesma já é uma
ficção. Só então é possível atribuí-lo uma classificação
valorativa ligada a interesses sociais. Por exemplo, a de um
direito a ser garantido.
Sabemos que não pode haver atributo sem um objeto,
logo, há a necessidade de um objeto, assunto ou suposto fato,
para lhe aplicar o atributo ou qualidade desejados. Veremos
mais detalhadamente adiante.
Enquanto não há o clima de contrariedade, o que
Gabriel Tarde propõe como condição da opinião, há somente
uma “vigência”, como diria Julián Marías, uma crença comum
que não precisa ser discutida. As necessidades de discussão
normalmente são de ordem muito prática. O que é tabu em uma
sociedade pode não ser em outra, mas o fundo moral que
fundamenta essa posição de tabu é o mesmo: a existência de
um problema e as restrições sociais à sua discussão. O
pressuposto de romper-se o tabu, isto é, elevar um tema
obscuro, mas real, à condição de discutível socialmente, reside
na crença da solução pela discussão pública. Contudo, essa
solução não pode servir para todos os objetos, variando
conforme a natureza de cada um. O falso problema obviamente
gera uma falsa necessidade de resolução e, portanto, uma
discussão artificial. Mas não menos retoricamente convincente.
Assim, gera-se uma impressão coletiva, mais ou
menos inconsciente: quando algo se torna assunto foi devido a
um clima de contrariedade presente. Isso ocorre quase
automaticamente. Surge o assunto e as pessoas sentem-se
forçadas a defender ou atacar, muito embora não haja em um
objeto qualquer proposta. Não é necessária. Espalhe a notícia
de que um homem de um bairro afastado está se alimentando
de fezes humanas e logo o debate se instala e se organiza em
prós e contras. Afinal, a formação de opinião sobre assuntos é
necessidade da vida democrática e ninguém quer estar de fora,
sem exercer os seus direitos de cidadão, dos quais depende a
prática decisória tida como vital. Além disso, nossa
racionalidade é essencialmente dialética.
Se a sociedade em geral tem essa noção já
naturalizada – a de que quando há assunto há contrariedade
implícita e há que se formar uma opinião – é possível iniciar um
debate sobre um tema sem a presença de contrariedade
alguma. Rapidamente, induzirá à formação de opiniões
disputantes mesmo na mente de quem nunca havia pensado no
assunto. Quanto menos informado ou familiarizado o indivíduo
estiver com o assunto, mais suscetível estará para seguir a
visão carregada de maior verossimilhança ou mais persuasiva.
Para Noelle-Neumann, na sua teoria da Espiral do
Silêncio, a busca por adequar-se ao chamado clima de opinião,
faz o público especialmente sensível à opinião da maioria.
Anterior ao clima de opinião, no entanto, há o clima de
contrariedade. Quem tiver o controle dessas condições, ou da
simulação delas, terá o poder de fazer com que se formem
opiniões sobre os assuntos mais absurdos, dos quais ninguém
antes havia se dado conta ou pensado a respeito.
As justificativas para o início do debate sobre o aborto,
portanto, pouco importam. Se elas começaram como propostas
eugênicas, controle populacional ou saúde pública
(incrivelmente a mesma justificativa da histórica da eugenia), o
que importa é que o aborto se tornou um assunto e com isso
pode ser preenchido periodicamente com justificativas e
argumentos quaisquer.
Até mesmo as opiniões contrárias à legalização do
aborto funcionam a favor da causa. Isso porque toda
reivindicação ou opinião possui um lastro de crença, um
pressuposto fundamental, mesmo que secretamente. Ele está
sempre presente, pronto para assaltar os desavisados e
surpreender os ingênuos e idiotas úteis. Funcionam como um
“Cavalo de Tróia” dentro da argumentação e pode facilmente
ser usado. A defesa da vida humana, por exemplo, contra o
aborto, apela para o “direito à vida” sem se dar conta de que
este apelo, na verdade, leva consigo o pressuposto, segundo o
qual, a vida humana é uma concessão do Estado. Portanto, a
vida depende da aceitação pública para ser um direito, em uma
sociedade em que tanto direitos dos cidadãos quanto deveres
do estado têm sido cada vez mais relativizados. Basta que os
apoiantes do aborto apropriem-se do estado e relativizem estes
direitos para que este seja sumariamente revogado. Afinal,
todos os direitos são acertos convencionais construídos sob
uma base moral e uma suposta percepção ética. Modificados
esses padrões, tudo pode ser mudado. E como a mudança na
linguagem é tática usual das agendas revolucionárias globais,
parece sempre arriscado apegar-se a argumentações racionais
que necessitariam de boa fé para aceitá-los.
O único meio, portanto, de atacar estes avanços é a
denúncia frequente dos pressupostos macabros que estão por
trás destes planos. E o leitor pode apostar que há informações
suficientes para concluirmos que o atual plano de governo
global se trata de uma artimanha verdadeiramente diabólica.

A produção de signos na propaganda

É preciso insistir na distinção entre objeto e atributo,


termos que resumem etapas do processo de significação
pertencentes à estrutura da teoria do Agendamento e que, se
bem conhecidos e delimitados, possibilitam o seu uso não só
para a compreensão do processo mas para a construção de
estratégias de longo prazo para re-significações que vão servir
como meio de transformação social. Este foi o sentido tomado
pelos engenheiros sociais para implementar as suas mudanças.
Na verdade, essa estrutura nada mais é do que uma parte da
própria realidade, isto é, como ela se apresenta diante de nós
por meio da linguagem.
Se você quer difamar alguém para uma plateia, antes
de tudo é necessário que a plateia tenha conhecimento da
existência de quem você deseja difamar. Para isso, é preciso
assumir inicialmente um tom descritivo da pessoa, algo
transitório, para depois dirigir sobre ela os adjetivos devidos à
difamação. É claro que essa descrição só se resume ao tom,
porque ela já pode ser, em si, difamatória, enquanto enfatize
aspectos negativos, mas é mais importante torná-la uma pauta
do público do que denegri-la de antemão, pois sem a notícia
dela não há o que associar às qualidades desejadas e tornaria
a coisa inverossímil, por conseguinte sem efeito. É preciso
antes dar as condições e torná-la verossímil e difamável. Como
vimos, uma pessoa ou uma ideia, precisa ser assunto para
aplicar-se o atributo ou proposta reservado a ela. O mesmo
processo se aplica a qualquer campanha política, seja de
difamação ou de ascensão de pessoas ou ideias ao patamar de
consenso.
Todos nós conhecemos bem o funcionamento da
mentira nas relações interpessoais e na vida pública. Mas a
coisa se torna bastante complexa quando falamos de um
método eficazmente aplicado para a mentira em grande escala,
voluntária e involuntariamente, das técnicas sociais usadas pela
mídia em nossos dias.
Como já mencionamos, há o objeto real, empírico e
verificável, externo à mente humana; outra coisa bem diversa é
a imagem que geramos do objeto ao descrevê-lo, o que Sto.
Agostinho chamava de “nome” e Pierce chamou significante ou
signo.
Lembremos, novamente, de Lippmann: “A forma como
o mundo é imaginado determina num momento particular o que
os homens farão. Não determinará o que alcançarão. Este fato
determina seus esforços, seus sentimentos, suas esperanças,
não suas realizações e resultados. Exatamente os homens que
proclamam mais intensamente seu materialismo e seu desdém
por ideologias, os comunistas marxistas, colocam sua inteira
esperança em quê? Na formação pela propaganda de uma
consciência grupal de classe”.
Propaganda é exatamente isso. É o esforço de
alteração da imagem que as pessoas têm do mundo para assim
determinar suas ações em relação ao mundo real. A ação
esperada pela propaganda não é uma ação no mundo ideal
criado por elas, mas no mundo real. É preciso, então, manipular
os signos das coisas reais. Afinal é isso que Lippmann chama
de pseudo-ambientes.
Mas quais são as condições para que isso seja feito,
para que se tenha sucesso em gerar um pseudo-ambiente
capaz de determinar a ação humana para aquilo que se
pretende? Ora, parece necessário que o signo tenha
credibilidade perante o público alvo. Para que as pessoas
confiem no signo, quase como se ele fosse a própria coisa
representada, é preciso que haja uma real ou virtual distância
entre as pessoas e o objeto. A necessidade que fundamenta o
papel dos meios de comunicação, segundo Lippmann, é essa
distância que estamos dos fatos. Manter essa distância é
essencial para se garantir exclusividade na criação do pseudo-
ambiente.
Nas palavras dele:

Sem alguma forma de censura, propaganda no sentido


estrito da palavra é impossível. Para conduzir a
propaganda deve haver alguma barreira entre o público e
o evento. Acesso ao ambiente real precisa ser limitado,
antes que alguém crie um pseudo-ambiente que imagine
ser mais adequado ou desejável. Por certo tempo as
pessoas que têm acesso direto podem interpretá-lo mal, a
menos que se possa decidir onde eles podem olhar, e o
quê.

Lippmann chama a atenção para a mais clássica e


corriqueira forma de censura que nos separa dos fatos: quase
ninguém busca rastrear ou perguntar-se como obteve os fatos
nos quais se baseiam sua opinião. A dificuldade deste
processo, isto é, de investigar a origem por meio de uma
análise minuciosa de todos os canais de comunicação pelos
quais passaram aquelas informações, torna essa tarefa de certo
modo impossível e por isso indesejável. A recordação sobre o
que separa a sua opinião dos fatos em que ela se baseia é, em
si mesma, uma “proteção” e uma barreira natural.
No processo da formação das opiniões, outro valor
essencial para o sucesso da campanha é a credibilidade do
veículo ou canal de comunicação. Isto é claro, quando esse
canal é de fácil distinção na multiplicidade de circulação de
ideias. A credibilidade é base para a autoridade e é aí que se
garante a relação de dependência entre sociedade e meios
para a obtenção de informação.
Fiquemos no exemplo do aborto como objeto. Estando
assegurada a distância necessária entre o objeto e o público,
isto é, a baixa possibilidade das pessoas terem acesso às reais
informações ou experiências sobre o assunto, é possível
construir uma imagem conveniente do objeto para colocá-lo na
pauta e este processo deve ser feito repetidas vezes até que a
abordagem usada gere também um automatismo cognitivo no
julgamento do assunto.
É sabido que a descriminalização total do aborto é um
dos itens da agenda dos atuais governos mundiais, em
obediência à agenda global nas Nações Unidas. Então temos
um tema que pode ser fragmentado em dois aspectos,
respectivamente, um descritivo e outro propositivo:

1) o aborto com suas características reais, positivas ou


negativas (objeto);
2) a sua descriminalização (atributo desejável).

Para cada um desses dois há uma esfera da


sociedade que deve se encarregar para a melhor colocação do
assunto na pauta pública. No primeiro, à mídia jornalística cabe
divulgar informações sobre o tema no primeiro aspecto, em
princípio. Para o segundo aspecto, existem as instituições
públicas ou privadas e o governo que vão fazer campanhas
publicitárias ou mesmo implementar leis. Contudo, é comum
que estes papéis se interpenetrem conforme o estágio evolutivo
do entendimento do tema. Como ensina o método
revolucionário e dialético, muitas vezes estas etapas são postas
em prática simultaneamente de modo que os efeitos de uma e
de outra apoiam-se no progresso da campanha de
“conscientização”. Por isso, há sempre mais de um processo
em andamento e eles nunca apostam todas as fichas em uma
única via de ação. É fácil perceber isso quando vemos que
simultâneo aos processos informativos e meramente objetivos,
a crítica social está sempre presente.
Se há dificuldades culturais muito grandes, como
predominância de elementos religiosos que impeçam a
aceitação da ideia na população, caberá, também, a entidades
reivindicatórias um caráter mais informativo e a outras, mais
militantes, dependendo do público a que cada instância se
destina. A esfera informativa é básica, ou seja, suporte da etapa
formativa e transformadora.
A credibilidade da imprensa é um bem muito caro a um
sistema de engenharia social. Para assegurar essa
legitimidade, ela deve permanecer quase sempre na defensiva,
isto é, na função informativa, deixando às outras esferas da
sociedade o papel referente ao aspecto propositivo ou às
campanhas propriamente ditas.

Em 2007, quando da visita do Papa Bento XVI ao


Brasil, o jornal Diário Catarinense, do Grupo RBS, publicou em
seu editorial uma reflexão bastante cuidadosa sobre as funções
do estado e o relacionamento com a Igreja Católica que, como
um estado, merecia todo o respeito etc. O texto, provavelmente
compartilhado do jornal Zero Hora, o qual faz parte do mesmo
grupo, fazia menção ao estado laico, expressão pouco falada
na época – a não ser em círculos acadêmicos e militâncias de
esquerda. O editorial dizia que o estado brasileiro, embora
laico, devia imenso respeito à Igreja Católica por representar a
tradição em que o país fora construído. Dois dias depois, uma
notícia sobre o encontro entre o presidente Lula e o Papa
levava no título a frase do presidente: “O Brasil é um estado
laico”. Coincidência ou não, o editorial daquela mesma edição
titulava já no estilo de um protesto: “Por um estado laico”.
Este exemplo, que descobri enquanto pesquisava
jornais daquele ano para o mestrado em jornalismo, demonstra
uma importante condição para que as campanhas, sejam quais
forem, ganhem força persuasiva nas notícias. Quando o
presidente declarou um desejo que já existia entre militantes de
esquerda (entre eles tantos jornalistas!), de imediato, os
editorialistas dos grandes jornais sentiram-se à vontade para
externar seus desejos antes silenciados. A notícia da frase de
Lula teve aspecto meramente informativo. Mas só depois disso
é que foi possível utilizar a própria voz da imprensa para uma
opinião a partir da categoria ou do signo criado na instância
informativa. Embora a escolha da frase como título já sinalize a
opinião do jornal, isso só foi possível por meio de um discurso
noticioso, isto é, informativo. Antes de aparecer nas notícias,
dessa forma, as opiniões dos donos do jornal permaneceriam
ocultas ou obscuras sob o tecido discursivo meramente
noticioso.
Os jornais atuam, como vimos, reservadamente.
Apesar dos seus editoriais às vezes avançarem o sinal, é
comum que em grandes jornais eles se mantenham alinhados
às opiniões públicas mais comuns para dar a impressão de
apenas refletirem a realidade social sem o intuito de determiná-
la. O impulso de determinar a vontade popular, contudo,
aparece justamente na passagem do aspecto informativo para o
persuasivo – ou o que alguns chamam pedagógico e político.
Estes dois aspectos do tema são chamados, na teoria
do agendamento, de agendamento de objeto e agendamento
de atributos. Os aspectos como falamos até aqui, seguem-se,
mas quando apresentam exceções a essa regra, é o momento
no qual se tornam verdadeiramente ativos em mudanças de
paradigmas.
É como uma cobra que pega impulso para dar o bote.
Quanto maior o impulso, maior o bote. O jornalismo precisa de
seu funcionamento normal imparcial para ganhar em
credibilidade, nem que seja uma imparcialidade simulada, como
ocorre. É quando rompe essa tradição, ao noticiar algo de
forma gratuita e parcial, que este assunto se torna uma pauta
social e ganha capacidade de ser amplamente debatido pela
sociedade ao gerar contrariedade. Até mesmo o debate sobre a
péssima atuação da mídia num determinado assunto pode
resultar em sucesso da campanha, pois isso vai dar
oportunidade de algum segmento (por meio da própria mídia na
figura do ombudsman) sugerir formas mais convenientes de se
abordar os assuntos. Assim, com a ajuda dos jornais, TVs,
internet, levanta-se um assunto polêmico. Quanto mais for
possível a integração coordenada com outros elementos da
comunicação pública aliados ao jornalismo, como a
propaganda, institutos de pesquisa, meio acadêmico, governos
etc, é possível alcançar as pautas legislativas e jurídicas que
definirão o entendimento oficial sobre o tema.
Nas sociedades em que há, como dissemos,
obstáculos culturais ou religiosos muito grandes, o aborto (ou
outra causa semelhante) pode ser enquadrado, a princípio,
como uma chaga social, um mal a ser arrancado da sociedade.
Neste caso, parece ser útil uma verdadeira campanha de
demonização daquilo que se quer futuramente aprovar, como
aconteceu no caso das drogas, hoje em vias de serem
legalizadas, e a pedofilia. Essa dialética parece ter funcionado
em inúmeros casos históricos, pois uma abordagem qualquer
contém em si mesma o gérmen da sua oposição e contradição,
conforme ensina a técnica dialética. Mundialmente, vemos tanto
as drogas quanto a pedofilia passarem por esta fase de
abordagem, mas outras questões podem estar a surgir na
carona de militâncias diversas, inclusive impulsionadas por
segmentos conservadores em reação a propostas
revolucionárias.
As concessões a partidos conservadores em temas de
interesse dos movimentos que buscam o controle podem
ampliar a vantagem da perspectiva revolucionária se as
propostas conservadoras puderem ser enquadradas em
elementos previamente construídos como inimigos da
humanidade. Parece ser o caso da polêmica que envolveu o
pastor e deputado Marco Feliciano e da utilização das suas
frases isoladamente para vincular os evangélicos a crimes de
opinião que estavam em vias de aprovação pública como o
racismo e a homofobia. Embora esses delitos ainda não
existissem legislativamente, a imputação do crime leva a
fortalecer a proposta da criminalização da opinião mediante o
estereótipo, melhor forma de fornecer precedentes.
Os engenheiros sociais aliados a pesquisadores de
comunicação e psicologia social, há tempos perceberam que
uma real e efetiva mudança na mentalidade social é bastante
possível se não houver pressa na efetivação das mudanças. O
estudo dos efeitos de longo prazo motivaram uma série de
teorias, entre elas a Teoria do Agendamento ou Agenda-Setting.
Mas a atuação da mídia no meio cultural, isto é, na música, nos
espetáculos, cinema, igrejas etc, é visto como um processo
sempre paralelo e de grande eficácia.
A influência pela via cultural aumenta o controle dos
elementos que eventualmente escapam da zona dominada pela
grande mídia. A construção de imagens desejadas por vias
culturais ao longo do tempo evita que o público tenha uma
imagem indesejada quando, por algum motivo, a verdade
consiga ultrapassar os portões da grande mídia e ganhar os
boatos. Essa medida garante que, a longo prazo, alguns
objetivos da engenharia social apareçam de forma quase
espontânea bastando pequenos e cirúrgicos estímulos
midiáticos.

Relevância simulada e a participação popular

Agenda-setting diz respeito a uma relação de


dependência e determinação entre as opiniões do público e o
conteúdo dos meios de comunicação. É a relação de causa
entre notícias e opiniões. Embora se trate a teoria como mera
descrição de processos naturais na sociedade, não há como
afastar o seu uso como técnica. Conforme a natureza da mídia
e características, tanto das mensagens midiáticas quanto da
forma de compreensão usual pelo público, o agendamento
enquanto técnica possui muito mais potencialidades de uso e
pode influenciar no modo de funcionamento mental e
psicológico. Podem ser associados às pautas midiáticas e
confundi-las com questões vitais para o público.
A complexidade do agendamento quando usado como
técnica não se resume a agendar temas e atributos. Como já
falamos, uma importante parte do processo se caracteriza pela
simulação de relevância, uma variação da simulação de
contrariedade.
Isso significa que quando um tema não alcança
satisfatoriamente a preocupação da agenda pública, ele pode
ser tratado como se fosse uma questão de demanda da
sociedade mediante o simples uso da linguagem jornalística. As
declarações de celebridades são grandes instrumentos de
justificativas para o debate. Matérias que enfatizam
necessidades de discussão pública com reportagens que
chamam a atenção para uma suposta tendência atual, com
consequências nefastas ou benignas, são rapidamente
associadas ao tema que é objetivo trabalhar. Esta técnica tem
como base a própria autodefinição dos meios de comunicação
como aqueles que buscam refletir o mundo como um retrato ou
espelho da realidade. Embora a chamada “teoria do espelho”
seja combatida pelo meio acadêmico, a forma que os mesmos
pesquisadores utilizam para a compreensão do mundo em sua
volta é o velho acompanhamento das notícias, o que favorece o
papel de intermediários dos jornalistas e comunicadores,
ausentes e ignorantes das ações históricas das quais eles são
meios.
Os jornalistas, tanto acadêmicos quanto profissionais,
depositam a sua crença na eficácia da técnica e atribuem o seu
poder ao poder da representação social.
Do mesmo modo, o profissional jornalista ao divulgar
as opiniões de celebridades ou representantes de segmentos
sociais, sabe que vai influenciar na opinião pública.
Grande parte das bases que sustentam todo este
processo parecem ser os próprios pressupostos da democracia
representativa unida a uma certa mentalidade indutiva, por meio
dos quais é possível associar pequenas demandas de grupos e
indivíduos à ampla vontade popular como legitimação de
transformações sociais. O efeito esperado, porém, é o da
democracia direta, na qual o povo delibera diretamente o que
deseja à sociedade civil por meio da mídia e redes sociais.
Assim, a imprensa explora a legitimidade existente dos
representantes da sociedade para então gerar um consenso
entre os representados, que por sua vez vão exigir as
mudanças previstas. Ocorre mais ou menos como disse
Lippmann sobre a atuação dos comunistas marxistas para a
geração da consciência de classe. Ou seja, ela não existe até
que seja criada.

A modificação das proporções

Celebridades muitas vezes são utilizadas por


engenheiros sociais, por meio de causas cirurgicamente
colocadas diante de seus olhos, para agendar temas nas
mentes do público. Quando o ex-líder da banda The Smiths e
vegetariano ativista Morrissey declarou à imprensa que comer
carne é o mesmo que pedofilia, ele não estava somente dando
conotação excessivamente negativa à alimentação carnívora.
Ele estava possibilitando a equiparação entre duas coisas
completamente diferentes e dando margem a modificações
profundas nas proporções morais. Para quem come carne a
frase pode soar ofensiva, mas o objetivo é seu efeito
conscientizador. Afinal, pouca gente está pronta para perceber
que Morrissey transforma também a pedofilia em uma atividade
tão banal quanto comer carne.
Como dito antes, a modificação das categorias morais
pode ser condicionada pelo agendamento de assuntos sem
relevância com a preocupação pública ou não eram dignos de
discussão aberta devido o seu entendimento determinado,
cultural e historicamente consagrado. O passo seguinte ao
agendamento de questões polêmicas é a sua equiparação a
condutas, crimes ou comportamentos diversos, o que vai
gerando aos poucos a modificação no entendimento do tema e,
consequentemente, transforma categorias mentais usadas
normalmente para discriminar o certo e o errado em uma
sociedade. Parece evidente que a mera pauta de temas e a
comparação entre categorias muito destoantes não é suficiente
para uma transformação efetiva ao ponto de a considerarmos
parte das estratégias de subversão social referidas por
Bezmenov. É preciso que o fluxo de informações seja
direcionado aos objetivos maiores e de ampla relevância
ideológica. Mas é claro que um determinado controle de todas
as associações e condições psicológicas geradas por tantos
estímulos nunca vai gozar de plena efetividade. É por este
motivo que a significação social deve passar por um período de
“caos preparatório” que possibilite e torne natural todo tipo de
associação. A postura crítica dos intelectuais funcionou muito
bem para gerar este caos semântico e cognitivo, o que
começou por iniciativas como a Escola de Frankfurt.
Uma das constantes da Teoria Crítica era equiparar o
capitalismo ao totalitarismo, convertendo a livre iniciativa e o
consumo da sociedade moderna em coisas muito mais cruéis
do que os Gulag e as milhares de execuções diárias que
ocorriam na URSS, China, Coreia do Norte, Camboja etc. A
modificação das proporções sempre ocorre de modo
imperceptível, pois se fosse percebido seria rejeitado
imediatamente.

O poder do entretenimento e as ideologias

Há séculos que as narrativas são eficientes para a


transmissão de opiniões e crenças, como explicava Gustav
LeBon sobre o papel das histórias de cavalaria na Espanha. O
fato é que se tratava da percepção de um efeito mais ou menos
fortuito das narrativas e não uma deliberada busca por
mudança de padrões. Este potencial não poderia ficar de fora
das ambições dos reformadores. O Brasil é internacionalmente
conhecido pelas suas telenovelas e o seu potencial
transformador já foi há muito percebido pelos engenheiros
sociais.
Em 2009, dois estudos realizados pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) comprovaram que
nos últimos 40 anos as telenovelas tiveram um impacto
profundo nas famílias brasileiras. O resultado comprovou o
efeito delas no tocante à estrutura familiar: Menos filhos e mais
divórcios, apontou o estudo. A pesquisa coordenada pelo
economista Alberto Chong, analisou 115 novelas transmitidas
pela Rede Globo entre os anos de 1965 e 1999, nos horários
das 19 horas e das 20 horas. Nessa amostragem, 62% das
principais personagens femininas não tinham filhos e 26% delas
eram infiéis a seus parceiros, o que suavizou o tabu do
adultério. Para Chong, a telenovela é um excelente canal de
difusão de programas sociais, como prevenção à AIDS e
direitos das minorias. “A família está no centro dessas
transformações”, declarou Chong.
As novelas de hoje, porém, vão muito além do
adultério. As produções investem em todo tipo de causas
sociais visando a conscientização de modo que pouco das
tramas pode ser chamado de entretenimento em sentido estrito.
O padre Paulo Ricardo de Azevedo, em seu site[42],
chama atenção, em especial, para uma novela escrita nos anos
1970 e que bem representou o objetivo da mudança de
mentalidade da população sobre a questão do divórcio. A
novela Roque Santeiro foi censurada pelo governo militar da
época, devido o grande choque cultural que representaria. Mas
ficou evidente a luta do autor Dias Gomes, alinhado à luta
cultural do marxismo, contra o que acreditava ser o grande
entrave para o desenvolvimento do Brasil: o Cristianismo. A
trama que envolvia um amor impossível colocava a proibição do
divórcio como uma norma cruel da sociedade patriarcal e
antiga, ligada à Igreja, caracterizando o povo brasileiro como
um povo atrasado, preconceituoso e avesso às “novidades”. A
novela obteve autorização para ir ao ar na década seguinte,
quando o divórcio já havia sido, então, aprovado.
Não se trata aqui de condenar ou aprovar a
possibilidade do divórcio. O fato inegável é que a partir daquele
momento esta porta foi escancarada e a família como era
conhecida passou a ser modificada, dando origem a uma legião
de pessoas atomizadas e órfãs cada vez mais carentes de
atenção estatal. Como já dissemos, o alvo da família sempre foi
caro aos socialistas que a veem como berço por excelência da
exploração do homem pelo homem.
Se uma mudança nos padrões morais dessas
proporções foi levada a efeito em pouco mais de 40 anos,
calculemos o estrago feito pelo aumento à exposição de
conteúdos de entretenimento entre jovens entre 10 e 19 anos
observado nas últimas décadas. Desde as tradicionais formas
de diversão dos anos 80 e 90, resumidas a programas de TV,
novelas, filmes e seriados, a transformação ocorrida com
programas de incentivo governamental para as novas
produções cinematográficas ligadas à febre das séries
possibilitada por serviços como o Netflix, novas formas de
entretenimento estão mudando drasticamente a estrutura
social. Ferramentas tecnológicas que antes tinham simples
interesses lucrativos, hoje se transformaram em verdadeiras
máquinas de propaganda política, servindo a operações pouco
disfarçadas que se resumem à atividade do advocacy para
ideologias. Longe de representar uma abertura ao uso de
lobbys simplesmente, o advocacy direciona todo o poder em
uma única direção ideológica, não servindo meramente a quem
paga mais e sim aos já consagrados donos da hegemonia
cultural, algo bem mais sutil.
Em 2015, o Netflix estreou a série brasileira e norte-
americana Narcos, dirigida por José Padilha, famoso pelo
sucesso de Tropa de Elite. O ator Wagner Moura interpretou
ninguém menos que o narcoterrorista colombiano Pablo
Escobar em uma verdadeira epopeia sobre as relações entre
cartéis de drogas e os governos da América Latina. A série
perdeu a oportunidade de fazer uma verdadeira denúncia da
atividade comunista das Farc junto ao Foro de São Paulo para,
na verdade, empenhar-se na denúncia do suposto fracasso ou
hipocrisia inerente à guerra contra as drogas, com o claro
objetivo de mobilizar e conduzir a opinião pública na direção da
descriminalização de drogas hoje ilícitas. Os indícios deste
objetivo vão além da simples análise da trama. Basta lembrar
as clássicas produções cinematográficas sabida e
declaradamente financiadas pelo narcotráfico mexicano,
conhecidas como “narcos”, cujo intuito é o de glamourizar vida
e obra de chefes do crime organizado. É conhecido o culto
religioso prestado nestes países a traficantes famosos que
contam até mesmo com imagens, orações e capelas feitas em
sua homenagem. Pablo Escobar é um deles, conhecido na
Colômbia como Pablito. A série Narcos, além de homenagear o
estilo consagrado naqueles países, fortalece a narrativa
romantizada que põe a polícia e forças armadas dos países
como caricaturas ineficientes e por vezes más.
São incontáveis os esforços de conformação da
opinião por meio das narrativas ficcionais ou revisões históricas
e seria tedioso listar todos os empreendimentos neste sentido
nos últimos anos. As novelas brasileiras abordam, cada vez
mais, os temas sociais e com isso acumulam duvidosos
prêmios globalistas. A temática homossexual tem sido a mais
recorrente, o que providencialmente vem junto da defesa da
adesão da Ideologia de Gênero no sistema educacional, há
muito já hegemônica nos meios jornalísticos e midiáticos e na
prática da educação das famílias.
Junto da Ideologia de Gênero, o ambientalismo forma
uma poderosa corrente do novo transhumanismo globalista, o
qual ambiciona, respectivamente: controle populacional, por
meio da moralidade e reestruturação da família a estilos
politicamente amoldáveis; e da ecologia radical global que se
encarregará do controle econômico dos recursos globais.
Nenhum governo mundial que se preze poderá angariar poder
total sem essas duas armas de controle social. E nenhum
empreendimento desta envergadura terá sucesso se não
influenciar diretamente na matriz imaginativa das pessoas.
Assim, há um jogo de cooperação entre a ficção e o
jornalismo. Enquanto a ficção trata de alargar imaginariamente
as possibilidades, o jornalismo vai, aos poucos, difundindo
ideias já existentes no meio intelectual. Catástrofes climáticas
só puderam alcançar atenção mundial depois de
suficientemente temidas no campo da possibilidade por meio da
ficção.
IV

O DISCURSO
AMBIENTALISTA NOS JORNAIS

O caso do Diário Catarinense

Através do estudo que apresentei como dissertação de


mestrado em 2013, a respeito da cobertura jornalística feita em
2007 pelo Diário Catarinense sobre o Aquecimento Global, foi
possível levantar dados esclarecedores sobre a construção
discursiva no caso do ambientalismo na imprensa. Essa
construção parece ser comum em muitas outras agendas de
transformação social em nossos tempos, conforme temos
afirmado neste livro.
Antes de apresentarmos os resultados, porém, é
preciso esclarecer a respeito das categorias utilizadas na
análise que fizemos das matérias do referido jornal. Igualmente
importante é lembrarmos que uma pesquisa semelhante, de
abrangência nacional, chegou a resultados bastante parecidos
com os que serão demonstrados aqui. Trata-se do já
mencionado relatório da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos
da Infância). Coincidentemente ou não o relatório utilizou a
Teoria do Agendamento não só para a compreensão dos
fenômenos jornalísticos, mas para o uso desse conhecimento
para o trabalho, visto como indispensável, da conscientização
das massas para o problema da ecologia.
Para resumir os resultados da abrangente análise da
ANDI, que abrangeu cerca de dois anos e mais de 50 jornais, o
relatório conclui, em tom pessimista, que a abordagem das
mudanças climáticas na imprensa brasileira foi considerável
durante a primeira metade de 2007, mas “demasiadamente
informativa”, perdendo por deixar de lado o tom mais
pedagógico pretendido pelos pesquisadores. Como minha
pesquisa concentrou-se somente na primeira metade daquele
ano, um pouco da sua importância foi a de compreender como
aquela tendência percebida em toda a mídia nacional ocorreu
em um dos grandes jornais do Grupo RBS, em Santa Catarina.
Mas é claro que, antevendo alguns problemas, aproveitei para
analisar outras questões, o que acabou por revelar-nos dados
bastante curiosos.
Optei por três categorias discursivas ambientais, as
quais começarei por explicar: o discurso naturalista, o discurso
ecotecnocrático e o discurso ecossocial[43]. Falemos de cada
um deles.
Em linhas gerais, o discurso naturalista está ligado ao
ambientalismo mais primitivo, que foca no desmatamento,
extinção de espécies, etc. O foco da preocupação está na
conservação. É o discurso da primeira fase das pesquisas
ecológicas e da midiatização dessas preocupações. Toda
característica discursiva, portanto, que pareceu obedecer a esta
corrente ambientalista, categorizamos como naturalista.
Já o discurso ecotecnocrático, chamado também de
técnico, diz respeito ao arranjo discursivo entre naturalismo e
liberalismo econômico, o que, atualmente, chamamos de
sustentabilidade. Trata-se de uma tentativa de conciliar
conservação com o desenvolvimento econômico. Este discurso
normalmente foca na preocupação econômica, nos prejuízos
causados pela degradação do meio ambiente. É criticado pela
visão naturalista como um ponto de vista “neoliberal”, hipócrita
e economicista. Mas é parte de um grande esforço liberal para
agradar ambientalistas mais conciliadores. De fato, este
discurso pode ser usado para defender interesses políticos de
manutenção da estrutura de poder, seja de direita ou esquerda.
O terceiro tipo de discurso é o ecossocial. Este é um
arranjo entre discurso culturalista e o socialista. Parte do
princípio de que o problema da ecologia só tem solução social,
isto é, a partir de mudanças culturais, que levem à construção
de uma sociedade preocupada e engajada socialmente. Focado
na preocupação comportamental, essa corrente discursiva está
intimamente ligada ao que costumeiramente chamamos de
Marxismo Cultural.
Sabemos da imprecisão inerente ao uso de categorias
discursivas para “encaixar” deliberadamente textos jornalísticos.
Os tipos discursivos não são caixas nas quais se deposita
afirmações e frases totalizando-os àquela forma de discurso.
Muitas vezes eles se apresentam juntos, com elementos
combinados. Tudo pode depender da interpretação feita no
trabalho da categorização. O critério principal que utilizei,
portanto, foi o de considerar a tipificação principalmente na
parte inicial do texto, além dos elementos gráficos. Pela própria
essência do texto jornalístico, o título, subtítulo e o chamado
lead, resumem o tom da matéria inteira, embora ao longo do
texto possa haver elementos atenuadores. Além do mais, essa
característica do texto se dá pelo fato amplamente percebido de
que a esmagadora maioria dos leitores interpreta o valor da
matéria inteira conforme o tom dos elementos iniciais ou
principais. Sem contar, é claro, aquela parcela substancial que
só lê realmente estes elementos ou busca se informar somente
por elementos gráficos, o que ocorre tanto por pressa,
ansiedade, quanto por analfabetismo funcional. Mas o fato
importante é que a estrutura do texto jornalístico considera
agudamente estas características, que verdadeiramente
definem as normas de escrita jornalística.
Outro grupo de categorias é o das funções
pretendidas, esperadas ou imaginadas do jornalismo
ambiental[44]. Também três, estas categorias dizem respeito a
uma expectativa funcional e evidencia o caráter funcionalista e
normativo do jornalismo ecológico, como já ficou claro no
capítulo anterior. Entre as funções possíveis estão: função
informativa, função política e função pedagógica. É evidente a
relação de dependência entre as funções e os tipos de
discurso, como veremos mais adiante.
Embora seus nomes sejam auto evidentes quanto ao
que significam, vejamos algumas coisas a respeito delas. A
função política se caracteriza pelo chamado à ação humana por
via política ou econômica, o engajamento dos governos ou
pressão social a ações objetivas para a causa ambiental. A
função pedagógica tem a mesma característica, mas
relacionada ao indivíduo. Diz respeito ao aprendizado de
comportamentos e ambiciona mudanças culturais. Já a função
informativa relaciona-se com aquele tipo de jornalismo de
escola norte-americana que, mais focado na informação factual,
carrega como premissa um conceito muitas vezes
“academicamente incorreto” que é o da objetividade jornalística.
Relacionando os tipos discursivos com as funções do
jornalismo ambiental, chegamos a uma relação bastante
evidente entre o discurso naturalista e a função informativa, por
exemplo. Apesar do naturalismo discursivo conter em si uma
proposta objetiva de preservação do meio ambiente, ele não diz
como fazê-lo e prefere focar nas denúncias de agressões, o
que pressupõe a predominância de uma função informativa. Do
mesmo modo, articula-se com o discurso ecotecnocrático a
necessidade da função política a ser demandada. Sob o ponto
de vista técnico ou tecnocrático, cabem à política ou à
economia as decisões no universo macro da globalização. O
chamado à ação política em grande escala funciona, portanto,
por meio da pressão da informação de necessidades de
resolução de problemas técnicos ou científicos de grande
abrangência.
O discurso ecossocial, por sua vez, liga-se
intimamente à função pedagógica, consequência do seu uso
social na mídia. O convencimento da necessidade de
mudanças culturais ocorre por meio de um tipo de discurso
crente na relação causal quase exclusiva entre cultura e a
degradação ambiental.
Há outra categoria discursiva que estabeleci a partir da
percepção das matérias. É o alarmismo, arranjo discursivo com
claros fins de mobilização e causa de preocupações.
Encontramos toda vez que as informações são postas de modo
a causar pânico ou susto, juntando imagens impressionantes e
concentrando números alarmantes em uma única sentença,
dando a impressão de um apocalipse em curso. Não está claro
se o alarmismo pode ser considerado um discurso ou uma
função do jornalismo ambiental, já que parece ter se
consagrado neste tipo de prática. Mas a característica alarmista
está presente proximamente da função informativa à política
junto ao discurso naturalista.
Vistas essas categorias e suas relações, passemos ao
último grupo de categorias, o das fontes. Há uma tipificação de
fontes bem completa em livros como Fontes jornalísticas, de
Aldo Schmidt e Técnica da reportagem, de Nilson Lage. Mas
para fins da pesquisa, utilizei apenas três, resumidos de outros
subgrupos. Temos as fontes oficiais, que se ligam ao aspecto
nacional, estadual, municipal ou institutos ligados os governos;
fontes institucionais, ligadas a grupos e entidades com fins
ideológicos ou comerciais que tenham objetivos claros,
militâncias por causas ou venda de produtos e serviços; e há as
fontes especializadas. Esta última, bastante ambígua, refere-se
a órgãos oficiais, mas contratados para pesquisas específicas
não ligadas às causas em questão e, por isso, vistos como
imparciais. Normalmente, podemos classificar uma fonte oficial
como especializada quando ela aparece esclarecendo dados
técnicos e quando sua posição na matéria ignora o objetivo
para o qual está sendo usada.
Para o caso em questão, consideramos as Nações
Unidas um órgão institucional. Portanto, o IPCC é uma fonte
institucional e isso é o que importa saber para a nossa análise.
Importante também é lembrar da existência de duas outras
categorias maiores de fontes que podem ser aplicadas a estas
últimas. São as fontes primárias e secundárias. As fontes
oficiais do governo brasileiro, por exemplo, normalmente são
fontes secundárias quando o assunto é aquecimento global.
Isso porque a informação provém do IPCC que é fonte primária.
Uma fonte secundária, por seu aspecto regional e local, pode
ser o fornecedor de pressuposto ou intencionalidade por trás da
matéria que, para legitimar-se, utiliza fonte primária com maior
credibilidade.
De posse das categorias, vejamos agora como elas
apareceram nos seis primeiros meses de 2007, na cobertura
ambiental do Diário Catarinense.
A respeito da formação discursiva e conceito de
preservação do meio ambiente, a análise chegou à
porcentagem de 39% de discurso ecotecnocrático, 23% do
naturalista e somente 15% do ecossocial. Indo além da
quantificação, porém, percebemos o percurso dessas
tendências no tempo, o que facilmente leva a um caminho
discursivo cuja força persuasiva vai aumentando conforme o
grau de credibilidade e verossimilhança, dando,
gradativamente, mais poder à correspondência entre teorias
climáticas e sociológicas. Vejamos a progressão no tempo
destes tipos de discurso:
Figura 1: Tipos de discurso e o modo como apareceram ao longo dos seis
meses pesquisados

Quanto às funções pretendidas ao jornalismo


ambiental, vejamos os dados levantados. Do total de matérias
sobre Mudanças Climáticas publicadas entre fevereiro e julho, o
jornalismo ambiental praticado foi 43% pedagógico, 35%
político e 29% informativo. Mas a progressão ao longo do
tempo tendeu ao crescimento da função pedagógica mais ao
final do período, enquanto que inicialmente predominava o
informativo.

Figura 2: Percurso da função do jornalismo ao longo dos meses pesquisados

Conforme Maxwell McCombs, iniciador da Teoria do


Agendamento, o principal fator para se conhecer a agenda da
mídia é saber como se forma a sua rede de fontes. Mais do que
isso, é preciso entender dentre as fontes usuais, aquelas que
representam o papel de definidores primários dos tópicos a
serem tratados e do tipo de abordagem dada a esses temas. O
definidor primário, segundo Hall (1999) e McCombs (2009), não
é necessariamente aquele ator social mais presente no texto da
matéria, mas aquele que fornece os pressupostos com os quais
o jornalista constrói o discurso impresso na matéria ou mesmo
aquelas influências motivadoras da pauta.
Assim, do montante analisado das fontes, listamos três
categorias principais: fontes oficiais, institucionais e
especializadas. Essa classificação não deixa de fora as
individuais e documentais, mas as coloca dentro das primeiras,
já que uma fonte documental pode ser representante de uma
oficial, especializada ou institucional e assim por diante.
A quantidade de fontes oficiais durante todo o período
analisado apareceu em 18% das matérias, conforme tabela
abaixo. Já as especializadas, 22% e as institucionais lideraram
aparecendo em 60% das notícias sobre Mudanças Climáticas
naquele período.

Figura 3: Fontes consultadas pelo jornal segundo classificação

Os dados acima confirmam, de certa forma, as


conclusões de outros relatórios, como o da ANDI, que
tencionavam para uma proeminência do tema ecológico no
início do ano e depois perdem força. Mas chama a atenção
para o aparente sucesso dos objetivos do jornalismo ambiental
que parece ser, de longe, muito mais pedagógico do que
informativo. Considerando que grande parte daquele relatório
consistia em descrever o processo do Agendamento, fica claro
que o uso desta teoria para fomentar debates na esfera pública
tem tido um considerável sucesso. O funcionamento desta
teoria ficou muito claro a partir dos dados demonstrados, pois
vemos o andamento do processo discursivo e seu formidável
efeito persuasivo.
O processo inicia na função informativa no jornalismo
ambiental, que, ao divulgar informações básicas ao debate
utilizando do discurso naturalista, gera pressões por meio da
característica alarmista, o que implica conclusões sobre a
necessidade de ações administrativas e econômicas. Criadas
essas condições, impõe-se a possibilidade da função política no
jornalismo, conduzida por um discurso ecotecnocrático. Este
tipo de discurso, por sua vez, dado o seu caráter técnico e
determinista, propõe discutir relações com a cultura e a com a
sociedade, produzindo o ambiente para funções pedagógicas
que vão se expressar em um contexto de necessidades de
mudanças sociais.
A sequência funcional do jornalismo, portanto, articula-
se de forma colaborativa com o tipo de discurso, conforme o
esquema:

Figura 4: Diagrama discursivo-funcional da persuasão


Esse processo gera uma construção progressiva de
discurso na qual uma função depende da anterior e conta com
o auxílio de formações discursivas capazes de ampliar
paulatinamente o grau de influência das agendas construtoras
do discurso de modo a gerar uma certa hegemonia de ideias. A
etapa final deste processo culmina com o controle das
prioridades da agenda pública em consonância com agendas
políticas e ideológicas por meio da definição da agenda
midiática.
O segundo aspecto é o percurso dos critérios de
noticiabilidade que acompanha o processo descrito, enquanto
conjunto de motivações geradas e geradoras das condições
para cada etapa. O risco de extinção de espécies, típico valor-
notícia do jornalismo ambiental mais naturalista, somado às
mudanças geológicas e marítimas, dão às matérias o tom
alarmista e catastrófico que aos poucos se dirige à
preocupação com os prejuízos materiais e financeiros. O perigo
de mudanças na economia global e perdas nacionais, gerador
do clima de crise, tornam possíveis as sugestões de mudanças
no âmbito social e cultural dos cidadãos. A atenção às soluções
volta-se para o aspecto social e o enfoque pedagógico se faz
presente a partir da necessidade da conscientização. Enquanto
inicialmente as pautas buscavam informações sobre os efeitos
e perigos das Mudanças Climáticas, ao final deste processo o
jornalismo ambiental procurou exemplos de ações concretas e
condutas consideradas exemplares em vista do problema, fosse
por empresas, escolas, órgãos oficiais, governos ou indivíduos.
Deste modo, os critérios de noticiabilidade acompanharam a
função pretendida pelo jornalismo ambiental bem como a sua
articulação com as formações discursivas, além do critério de
escolha das fontes consultadas.
Acompanhando o processo dos critérios de valoração
das pautas ambientais, a escolha de fontes se completa a partir
do seu grau de credibilidade. Diante dos resultados, os quais
apontam uma predominância da fonte institucional nas
matérias, é possível sugerir a matiz de sua intencionalidade
considerando sua filiação a órgãos supranacionais como a
ONU. O IPCC como fonte mais consultada, representou o poder
simbólico de uma nomenklatura científica.
Minha pesquisa centrou-se na repercussão dos
relatórios divulgados em 2007, mas foi feita durante a
publicação de outro relatório do IPCC, já em 2013, que
anunciou um aumento no grau de certeza, de 90% para 95%. O
relatório de 2013 continua a destacar a existência de um
Aquecimento Global antropogênico e a recomendar ações
econômicas para contê-lo, mesmo após o escândalo do
Climategate, em 2009, no qual os dados apresentados em 2007
ficaram sob evidente suspeita.
O percurso funcional discursivo descrito caminha em
direção a estágios em que há cada vez menos possibilidade de
contestação ou discussão e transforma hipóteses científicas em
juízos incontestáveis. O privilégio da fonte científica no
jornalismo parece gerar uma concorrência pela representação
da ciência por parte de grupos políticos e econômicos,
governos, ONGs e até a própria mídia que, ao referir-se a
dados científicos, concede a eles um poder inquestionável.
Embora o conhecimento fornecido pela comunidade científica
tenha um caráter provisório e sempre insuficiente, a sua
posterior transformação em senso comum pela mídia acaba por
inseri-lo nas expectativas de objetividade que a racionalidade
moderna subscreve e o insere no âmbito da opinião pública.
Por meio da apropriação dessa crença no poder racional das
ciências, dá-se a transferência de credibilidade aos grupos que
dizem representar esse poder explicativo e simbólico.
O processo de engenharia opinativa passa por
complexas etapas e lentos programas de difusão, controle de
órgãos de pesquisa de opinião e sondagens das mais diversas.
Décadas de estudo nessa área parecem ter oferecido um
manancial de técnicas passíveis de serem usadas por
engenheiros sociais que têm à sua disposição grande parte dos
recursos. O controle mundial dos meios de comunicação de
massa, seja por meio de técnicas globais de agendamento, do
poder exercido pelos proprietários de mídia ou do controle
governamental sobre as concessões, tem o poder de direcionar
rumos geopolíticos e conduzir mudanças profundas. Ao mesmo
tempo, essas mudanças são tão imperceptíveis quanto
eficientes. Embora cresçam em semelhante proporção, as
chances de escapar desse poder, o poder sobre a mídia tornam
os meios cada vez menos confiáveis, restando-nos os
alternativos. Mas até estes já estão na mira dos engenheiros da
ONU, Unesco e outros grupos empenhados na elaboração dos
novos modelos de “governança global”.
V

O CONTROLE DA MÍDIA

Project Syndicate e os iluminados

Rui Barbosa, em seu livro A imprensa e o


dever da verdade, chama a atenção para a decadência moral
do jornalista e lembra: “todos os regimes que descaem para o
absolutismo vão entrando logo a contrair amizades suspeitas
entre os jornais”. Agencias de controle dos jornais parecem ser
uma prática bastante antiga de governos ditatoriais ou
absolutistas. No livro As revistas alemãs e a formação da
opinião pública (em tradução livre), o historiador prussiano
Heinrich Wuttke conta que com sua incrível Repartição da
Imprensa, o “chanceler de ferro” Otto Von Bismarck, estabelecia
a mais vasta fábrica de opinião pública até então conhecida, da
qual se espalhavam filiais pelo mundo. Imagine o que se pode
fazer com a tecnologia atual.
Se há tanto tempo John Locke já alertava que nenhum
governo poderia governar sem antes obter o controle da opinião
pública, isso nos dá alguma medida dos desafios a que se
impuseram os governos do século XX. Mais ainda, isso nos
indica claramente o desafio colocado àqueles que ambicionam
o poder global.
Não é possível estabelecer um governo mundial sem
uma espécie de opinião pública global, através do qual partem
as reivindicações e demandas das nações por meio de um falso
ambiente de livre opinião. E foi pensando nisso que o
megainvestidor globalista George Soros fundou a Open Society,
da qual faz parte a centralização da opinião batizada com o
nome de Project Syndicate, uma concretização do sonho de
Lippmann, no qual as opiniões seriam “organizadas para a
imprensa e não pela imprensa”. Muito mais: trata-se da
concretização de um velho sonho dos intelectuais que desde o
final do século XIX chamavam a atenção para a tamanha
imprudência de se deixar os rumos globais para as bocas
famintas e imprevisíveis das massas alienadas. A rede de
instituições midiáticas de Soros representam o fim da livre
opinião na imprensa.
Totalmente ausente dos estudos científicos de
comunicação e das acadêmicas análises de discurso, o Project
Syndicate é a maior associação de colunistas de opinião do
mundo, formada pelos donos do poder, o que inclui toda a elite
globalista da velha Sociedade Fabiana e outras lideranças
políticas e intelectuais. A influência desse órgão de propaganda
no conteúdo dos grandes jornais do mundo é evidente, já que
ele distribui artigos de opinião para veículos de comunicação de
mais de 59 línguas diferentes, em 154 países e nos 492 jornais
mais influentes do mundo, atingindo um total de tiragens de
mais de 78 milhões de exemplares.
O Project Syndicate foi fundado em 1994 em Praga,
República Tcheca, considerada a capital internacional da
espionagem. O projeto faz parte da Open Society, a rede de
ONG's criada por Soros logo após a queda do bloco socialista
no Leste Europeu. O apoio de Soros à organização Carta 77,
encabeçada pelo amigo e então dissidente do governo
comunista, Václav Havel, favoreceu a escolha da cidade como
quartel general de muitas organizações da Open Society.
Segundo o Media Research Center, o império midiático
de Soros atinge mensalmente cerca de 330 milhões de pessoas
pelo mundo. Talvez seja a maior rede de homogeneização de
opiniões de toda a história do jornalismo. A Fundação Open
Society fundou ao menos 180 organizações de mídia,
dedicadas a implantar a agenda globalista. Estima-se que
Soros gastou US$ 24 milhões para tentar derrubar o presidente
George W. Bush em 2004. Mas isso não é nada perto dos US$
8 bilhões já doados por Soros aos projetos da sua própria
“sociedade aberta” nas últimas décadas.
A fundação de Soros financia a criação e a
manutenção dos mais variados grupos esquerdistas ligados à
comunicação como a Free Press, uma ONG que pretende a
regulamentação da mídia e promoveu uma campanha contra o
colunista conservador Rush Limbaugh. As ligações de Soros
com os maiores meios de comunicação dos EUA, como The
New York Times, Washington Post, the Associated Press, CNN
e ABC, além de jornalistas de renome e influência na opinião
pública internacional, são mantidas por meio desta infindável
rede de comunicação.
Para se ter uma ideia da influência do Project
Syndicate na circulação de opiniões, basta citar alguns de seus
colunistas: o próprio Soros, Tony Blair, Peter Singer, Mikhail
Gorbachev, Ban-Ki-Moon, Kofi-Annan, Jimmy Carter, Richard
Haass, presidente do Council Foreign Relations (CFR), além
dos intelectuais Umberto Eco e economistas como Joseph E.
Stiglitz, Jeffrey D. Sachs e presidentes do Parlamento Europeu.
Entre os brasileiros, ninguém menos que o nosso garoto
propaganda da liberação das drogas, Fernando Henrique
Cardoso e o ministro das relações exteriores, Antônio Patriota.
Jürgen Habermas se referia à esfera pública como a
instância de legitimação da política, através da qual as ações
públicas se justificam e dizem representar. Isso torna o seu
controle uma necessidade para todo e qualquer movimento que
ambicione a hegemonia das consciências. Mas tanto
Habermas, enquanto membro da Escola de Frankfurt, quanto
os engenheiros sociais do seu tempo, já não acreditava tanto
nas potencialidades da democracia enquanto esfera de
decisões populares. Isso fez crescer nesses pensadores a
noção da necessidade do controle das consciências para levar
a sociedade aos rumos adequados conforme os melhores
ideais.
Essa democracia utópica permanece como símbolo
auto-justificador na mente das massas, enquanto os intelectuais
e políticos detém os meios que possibilitam as mudanças reais
e por eles planejadas. O filósofo Olavo de Carvalho chama a
atenção para a evidente uniformidade da mídia ocidental nas
últimas décadas. A opinião, segundo ele, aparece através das
notícias e não mais em editorias de opinião dos jornais. Isso
porque a verdadeira opinião, a única opinião realmente livre, é a
que vem de cima, dos próprios detentores dos meios de ação
que servem de oráculo à interpretação dos fatos noticiados.
Grande parte das notícias atuais almeja fornecer uma
base aparentemente factual às opiniões geradas por uma elite
iluminada que comanda os rumos do mundo por meio de suas
“opiniões sensatas”. É fácil percebermos o viés do jornalismo
presente na seleção dos fatos. Há hoje, porém, o fenômeno da
uniformização das abordagens das notícias, ditadas pelo que
Stuart Hall chama de “definidores primários”, isto é,
organizadores de critérios públicos, a orientarem o ângulo dos
fatos, gerando, eles próprios, acontecimentos e suas
abordagens pré-fabricadas.
O mais impressionante de tudo isso ainda é o fato de
ninguém mencionar a existência do Project Syndicate, nem na
mídia, nem em estudos acadêmicos ou pesquisas institucionais,
embora o Project seja simplesmente a fonte opinativa mais
consultada e mais influente do mundo. Pensando bem, há
motivos de sobra para este silêncio.
Em 2014, um ano depois que eu e o jornalista Alex
Pereira publicamos talvez o primeiro artigo em português sobre
o Project Syndicate, já alertávamos para o comprometimento da
mídia dita de direita no Brasil. A revista Veja, por exemplo,
considerada uma publicação conservadora e potencial esfera
de denúncias contra o governo petista, raramente dedicou
espaço à denúncia dos blocos de poder latino-americanos
como o Foro de São Paulo e durante quase 20 anos insistiu
neste silêncio acompanhando toda a grande mídia brasileira.
Mesmo diante de periódicos alertas dos artigos de Olavo de
Carvalho sobre esse grande esquema político estratégico
continental. Muito menos essa revista falou algo sobre o
comprometimento do governo com a elite globalista da ONU e
dos socialistas fabianos de George Soros etc. O motivo do
silêncio logo deu-se a conhecer: no início daquele ano, a revista
Veja criou uma editoria especial com o nome de Project
Syndicate, algo facilmente acessado e conferido, embora com
pouca atualização. Não bastasse a dependência opinativa já
consagrada, a mídia brasileira já não faz questão de esconder
que faz parte do esquema internacional, cujo principal objetivo é
o cerceamento da livre opinião na imprensa.
Assim como o Foro de São Paulo, que após anos de
silêncio em que se ignorava as palavras de Olavo de Carvalho
e outros, tornou a coisa pública como o assunto nunca tivesse
saído das páginas dos jornais, o Project Syndicate agora está lá
para quem quiser ver, diferente de quando falamos dele pela
primeira vez, quando mais parecia uma teoria da conspiração.
Conforme são denunciados os esquemas, eles vão sendo
divulgados disfarçadamente como quem diz que, “afinal, é
verdade sim e não há nada de mais nisso”[45].

Controle político da comunicação global

A discussão respeito do Marco Civil da internet, no


Brasil, encontrou suas justificativas no real problema da falta de
privacidade na rede e da carência de legislação para combater
os crimes de internet. O escândalo da NSA, que alarmou
governos como o do Brasil diante da possibilidade do acesso a
informações sigilosas por parte da agência norte-americana
ligada ao governo dos EUA, também serviu de desculpa para
reacender o debate. No entanto, em tempos de globalismo, as
Nações Unidas confirmam a cada dia o seu intento de ampliar
os meios de regulação das comunicações, mesmo que em
alguns momentos isso venha manifestado por meio da defesa
de políticas nacionais de comunicação.
O objetivo de grupos globalistas unidos à ONU, como a
Fundação Ford, Rockefeller e Comissão Trilateral é diminuir o
poder dos estados nacionais para a construção de um governo
mundial através da figura mitológica da globalização. Mas como
efetivar isso por meio das próprias instituições nacionais cuja
função é garantir suas independências? Um dos conceitos
chave para estes objetivos é o de “governança global”, que
busca ampliar a influência internacional dentro dos países. Para
isso, a criação de agencias reguladoras nacionais vem sendo
imprescindível.
O fomento de políticas nacionais de comunicação
sempre foi uma das bandeiras da Unesco, tal como a ampliação
do espaço para as manifestações culturais regionais nas
grandes mídias de massa. Aparentemente, isso pode parecer
contrário ao intento globalista que preconiza a unificação global
em regulamentos centralizadores. Esta é uma visão simplista
das estratégias de regulação totalitária. Hannah Arendt dizia
que a diferença entre um governo autoritário e um totalitário é
que no primeiro se utiliza da censura, do fechamento de jornais
e bloqueio de informações. O segundo, pelo contrário, depende
de grandes integrações e forte incentivo ao choque cultural – o
que gera a necessidade de uma arbitragem imparcial e portanto
superior – deixando as relações humanas tão complexas e
exigindo maior regulação, controle e demandando poder das
instituições que estejam à frente do processo.
Desde a década de 1970, a Unesco discute a suposta
descentralização das comunicações e um maior controle sobre
os meios de comunicação por parte dos governos nacionais e
regionais. O que soa como algo muito democrático, na verdade
faz parte de uma estratégia que parece desejar neutralizar o
controle comercial internacional, exercido hoje por poucas e
grandes empresas. Mas impõe um novo tipo de controle que
poderá permanecer nas mãos dos mesmos proprietários
globalistas. O importante aqui é notar que a modificação
proposta não visa trocar os detentores do poder sobre a mídia,
mas na forma como ele é exercido. O paradigma do controle
social é o que concorre para ser a matriz das políticas de
comunicação no mundo todo.
Em 1972, Frank Stanton, ex-vice-presidente da
Columbia Brodcasting System (CBS) criticou uma declaração
da Unesco de que “todos os governos têm o direito de
reivindicar o controle de seu próprio espaço de transmissão”.
Ele questionou o fato de que o órgão internacional pretendesse
dizer aos americanos como e com quem deveriam se
comunicar[46]. Este direito defendido aos governos não poderá
abranger as “sugestões” da própria Unesco sobre as políticas
nacionais de comunicação para todos os países, nem mesmo
ser usado para contestar os princípios estabelecidos pelo órgão
para todo o mundo. A ONU age das seguinte forma: ao
defender todo tipo de direitos às nações, submete todas as
liberdades globais às decisões do órgão.
A partir de 1973, em Tampere, na Finlândia, uma nova
concepção das comunicações internacionais passou a nortear
as políticas de comunicação como vemos hoje. Por sugestão da
ONU, o então presidente do país, Urho Kekkonen ressaltou que
o sistema econômico iniciado no século XIX seria irrelevante
para a vida moderna e estaria ajudando a esconder
mecanismos institucionais de supressão da liberdade. A
orientação então dominante, baseada na “liberdade de ação e
livre empresa, produziu um efeito que levou os fortes ao
sucesso enquanto os fracos sucumbiram, a despeito de sua
propalada liberdade”[47]. Dessa forma, Kekkonen defende que
o grande inimigo da verdadeira liberdade é o conceito de “livre
fluxo de informação”, por ter como base o princípio democrático
de livre expressão individual e, na prática, favorecer somente os
ricos.

O simpósio finlandês encerrou com as seguintes


declarações:

Não se deveria poupar esforços no sentido de corrigir o


desequilíbrio de recursos que, no presente, caracteriza o
fluxo internacional e a direção da informação entre as
nações, sobretudo em áreas incapazes de determinar seu
próprio destino cultural, sejam elas nações ou regiões de
nações. Aqueles (países) que têm poucas oportunidades
poderão necessitar assistência especial, subsídios ou
proteção que lhes permitam ampliar seu papel no
processo de comunicação. Todas as nações deveriam ter
a possibilidade de produzir seu próprio material de
comunicação cultural.

Cada nação tem o direito e o dever de determinar seu


próprio destino cultural dentro desse fluxo de informação
mais equilibrado entre as nações e dentro de cada uma. É
responsabilidade da comunidade mundial e obrigação das
instituições dos meios de comunicação fazer com que
esse direito seja respeitado. (Proceedings of the
symposium on the internacional flow of television
programmes, Tampere, Finlandia, Universidade de
Tampere, Maio de 1973).

A resolução coloca a “comunidade mundial” como


responsável por garantir a integridade do destino de cada país
quanto às suas políticas de comunicação internas. Além disso,
ergue essa mesma comunidade, representada obviamente pela
ONU, ao posto de árbitro e proponente de diretrizes de
comunicação universais. Novamente, em nome da liberdade,
propõe-se regular a liberdade. Diante disso, surge a pergunta: a
liberdade de informação e expressão é um fato ou um direito?
Teriam os organismos internacionais a legitimidade para legislar
e regular as políticas de comunicação nacionais? Obviamente o
que rege toda a possibilidade de auto regulação dos países
sobre seus sistemas de comunicação são as diretrizes expostas
mais acima, aquelas que demonizam o livre fluxo de informação
em nome de um fluxo que se propõe “livre do poder
econômico”. A proposta não se resume somente a retirar as
comunicações das mãos do poder econômico e transferi-las ao
poder político global, mas aumentar o poder de regulação
política daqueles que já detém o poder econômico. Isso mostra
o quanto o poder econômico nunca é o fim último das ações
humanas, mas sim o próprio poder de controlar o
comportamento humano.
No Brasil, em 1974, o debate sobre a chamada
“democratização da comunicação” surgiu com a criação do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília, com o curso de Comunicação e
Desenvolvimento. O que era uma área de concentração
demasiado técnica e considerada positivista, ligada ao
Ministério da Agricultura, rapidamente transformou-se em um
centro de debates mais conectado com as teses esquerdistas
internacionais. No fim da década de 1970, o mergulho teórico
na Escola de Frankfurt e os estudos da obra de Antônio
Gramsci motivaram a criação de estudos do Poder e áreas de
Comunicação e Política, com círculos de debates já conectados
com as discussões da Unesco, chamados de Políticas
Nacionais de Comunicação. Nos anos 1980, um núcleo inicial
de pesquisa foi transferido para Paris, abrigado pela própria
Unesco com a participação de pesquisadores brasileiros.
Com o fim do Regime Militar, estes estudos tiveram um
revés e, com o fim da URSS, enfraqueceu-se ainda mais o
entusiasmo dos pesquisadores. Mas o centro de pesquisas foi
recriado em 1999 e, agora com novo fôlego, reestruturou os
estudos e passou a contar, até hoje, com grandes apoios
internacionais. O chamado Laboratório de Políticas de
Comunicação (LapCom) da UnB, conta agora com objetivos de
longo prazo e fundamental para a retomada da sua agenda foi a
entrada em cena do financiamento da Fundação Ford[48].
O estudo de Gramsci quanto a um papel ativo da
chamada Sociedade Civil, e de Habermas, sobre a importância
política da esfera pública como instância legitimadora do poder
politico, deram a estes estudos o aspecto revolucionário
amplamente conectado com a agenda socialista internacional
por meio de órgãos como a Unesco. Um dos elementos
importantes para o processo de internacionalização das
políticas nacionais foi a criação de agências reguladoras locais,
levadas a cabo no Brasil por Fernando Henrique Cardoso,
membro da Comissão Trilateral criada em 1973 por David
Rockefeller.
A exemplo das políticas internacionais de educação
que a Unesco mantém para modificação do comportamento, tal
como explica Pascal Bernardin no livro Maquiavel Pedagogo, as
políticas nacionais de comunicação são levadas pelo paradigma
da função de mudança social dos meios de comunicação em
substituição às velhas funções informativas. Outro trecho das
resoluções do simpósio de Tampere diz:

...A adoção da ideia de uma política de comunicação


nacional (…) completa o processo que, iniciado com o
planejamento da educação há doze anos, tem
progressivamente orientado as várias partes do programa
para a tarefa de dirigir, de modo sistemático, os esforços
nacionais na área de competência da Unesco para
objetivos específicos, isto é, favorecendo uma política que
é, ela própria, parte integrante de um planejamento global
para um desenvolvimento global (…) O atual Programa
Preliminar não é, seguramente, mais do que um primeiro
passo nesta direção, e o processo será leto e difícil. Mas o
próprio fato de o primeiro passo ter sido dado merece
menção, porque representa uma inovação que pode ter
consequências de longo alcance.

A práxis destes debates se baseia em criticar o


predomínio da lógica de mercado no fluxo de informações e, ao
mesmo tempo, propor que as comunicações sejam submetidas
a um controle de qualidade usando como justificativa a própria
lógica comercial. Evidentemente este controle será exercido
pelo estado a exemplo de agências reguladoras estatais. É o
que está por trás da tal “neutralidade de rede”, proposta pelo
Marco Civil da Internet. Para quem teme o controle dos grandes
monopólios de comunicação, cartéis de prestação de serviços
de internet, há que se preocupar ainda mais com o monopólio
estatal do controle do fluxo de informação, que atuará não
exatamente no custo da prestação de serviços, mas na seleção
de informações disponíveis dentro do país, como já é feito em
muitos países ditatoriais. É bom lembrar que o governo
brasileiro já em 2010 foi recordista em pedidos de supressão de
conteúdo ao Google. O poder de atuar nas informações que
entram na internet nacional já é exercido com o aval
internacional baseado nas diretrizes da Unesco. O Marco Civil
foi mais um meio de regulação proposto por uma elite global
que odeia a liberdade e, por isso mesmo, diz agir em nome
dela.
Todas as medidas que visam proteger as
comunicações nacionais de interferências estrangeiras, se
baseadas nestes princípios, estarão fadadas a colaborar em
sentido contrário, isto é, produzir uma ainda maior dependência
das legislações e tratados vindos de fora. Quem quer que
defenda medidas protecionistas quando o assunto é
comunicação deve tomar muito cuidado nestes tempos de
tirania globalizada, em que grandes instituições supranacionais
querem controlar a visão de mundo e homogeneizar as
consciências. A complexidade de tudo isso vem do fato de que,
se de um lado muitas vezes por meio dos canais abertos ao
exterior é que ocorre a invasão de conteúdos transformadores
sutis e subliminares, é de fora que podem vir as informações
que são sonegadas pelas mídias locais. Isso quer dizer que
órgãos como a Unesco não devem estar à frente de processos
de democratização já que seu intuito é eliminar todas as
barreiras e gerar, como já vimos, consentimentos globais para
conformar o seu socialismo mundial. Pode-se dizer até que
qualquer boa ideia vinda daqueles órgãos deve ser rejeitada,
sob pena de o país tê-los como “definidores primários” de suas
prioridades e diretrizes de suas políticas internas.
Embora tenha planos claramente socialistas, não se
pode ficar preso nas definições ortodoxas das ideologias como
apareceram e ficaram conhecidas durante o século XX. O
socialismo nada mais é do que uma política do controle
totalitário e é só isso que busca. Mesmo assim, nunca ficará
satisfeito com o poder que eventualmente alcance. A ONU pode
defender privatizações, desestatizações e planos de
cooperação empresarial para viabilizar tecnicamente
determinadas condições, desde que seja tudo debaixo de suas
regras e resoluções.
Temos insistido aqui sobre a mudança de paradigma
da comunicação jornalística que vai desde a orientação para a
função informativa até o atual modelo baseado na pura
transformação social funcional. Somente tendo isso em conta
podemos compreender o sentido e objetivo dos estudos da
Unesco e de sua suspeita preocupação com a influência
externa de grandes grupos de mídia ocidentais e desenvolvidos
dentro das pobres sociedades emergentes. Mesmo segundo os
pesquisadores da Unesco, a concentração de poder midiático é
um fenômeno mundial preocupante.
Descobriu-se que a maior parte dos programas de
televisão é produzida por algumas sociedades desenvolvidas
industrialmente e que as nações menores e mais pobres
importam grande parte de suas programações diárias. Isso
parece ser um problema, segundo Jorge Werthein, autor do
livro Meios de Comunicação: realidade e mito, prefaciado por
Fernando Henrique Cardoso. Tudo isso é visto com muita
preocupação e a sugestão evidente dos estudiosos da Unesco
foi de que se deveria viabilizar programas especiais de
financiamento para treinamento de profissionais de mídia
naqueles países.
Evidentemente não se trata aqui somente de fomentar
a libertação dos povos das amarras imperialistas. Estes povos
não estavam somente livres da influência supostamente nefasta
dos países desenvolvidos. Primeiro, embora expostos ao
produto final da mídia dos países desenvolvidos, estavam
privados do treinamento que já se espalhava por aqueles
países, cujo paradigma técnico já estava inteiramente entregue
aos frankfurtianos e estudos culturais. Dito de modo mais
imaginativo, se deixados longe da influência ocidental, talvez
desenvolvessem um sistema de mídia meramente informativo,
que tivesse como princípio o do “livre fluxo de informação”, algo
visto como ultrapassado. Bom mesmo é o jornalismo
transformador vindo do ocidente.
Ao problematizar a dependência desses países aos
produtos culturais e informativos “dos ricos”, defendiam uma
dependência ainda mais profunda, no nível educacional e
formativo. O que chamam de “equilíbrio” para “áreas incapazes
de determinar seu próprio destino cultural”, é na verdade uma
deficiência na parte produtiva, que deveria ser sanada
ensinando-os a transformarem-se e se emanciparem dos
“colonialistas”. Na mesma medida, buscam livrar os países
pobres dos paradigmas importados do mundo desenvolvido
para injetá-los os clássicos paradigmas do subdesenvolvimento,
teorias de dependência econômica e reivindicações
internacionais, estimulando o conflito nas políticas externas.
Afinal, se a sociedade é luta de classes, o mundo precisa estar
em pé de guerra, tanto para gerar condições para a revolução
global quanto para justificar a existência de órgãos de
arbitragem internacional.
Como explicamos no início, a tradição norte-americana
de jornalismo foi a que predominou nas Américas por longo
tempo e está ligada ao papel informativo e à crença na
objetividade jornalística e o modelo de negócio das empresas
de comunicação. Diversamente, a ONU busca em muitos
países subdesenvolvidos estimular políticas inspiradas em outra
visão comunicativa, em que a orientação social dá ao
jornalismo funções de reportar as ideias correntes, isto é,
importando menos a objetividade dos fatos e mais a persuasão
para o debate público.
Com isso, porém, não estou buscando demonizar o
modelo europeu opinativo. Claro que o Brasil, tal como a
América Latina, possui grande influência também deste modelo
e há infindáveis discussões sobre um modelo latino-americano
de jornalismo, o que não é o caso de discutir aqui. Também não
é o caso de priorizar o modelo americano. O fato é que, no
âmbito dos fatos, estes modelos não são separáveis e nem
estão sozinhos na prática jornalística. Há inúmeros outros
modelos, mistos e compostos, originais ou tradicionais de
jornalismo que concorrem para um lugar na prática e teoria das
profissões da comunicação. Não obstante a isso, fica evidente a
existência de um antagonismo entre os demais modelos e o
norte-americano, no qual as entidades globalistas costumam
encarnar todo o mal. Apesar deste modelo estar muito longe de
ser ideal ou perfeito, parece-nos um dos poucos a defender um
entendimento do jornalismo ligado à noção de verdade, mesmo
que na prática ele possa servir à utilização deste conceito de
modo equivocado e insuficiente.
O livro de Werthein, como muitos outros, está
localizado ao lado do ponto de vista hegemônico dos estudos
de comunicação. Isto é, ao lado dos técnicos das Nações
Unidas e dos engenheiros sociais ligados à Sociedade Fabiana,
Open Society, Fundação Ford e demais entidades milionárias
financiadoras de ONGs por todo o mundo. Elas são inimigas do
livre fluxo de informação, paradigma norte-americano, e de todo
tipo de liberdade limitadora de poder no planeta. Seu intuito,
como sabemos, é o governo mundial, o controle dos recursos,
da economia e, consequentemente, da comunicação. Portanto,
diz Werthein: “o livre fluxo de informação, reforçado pelo poder
econômico, conduziu a uma situação mundial em que a
autonomia cultural de muitos países (senão da maioria) está
cada vez mais subordinada às produções e perspectivas das
comunicações de algumas poderosas economias de dominação
do mercado”.
Esquerdistas caricatos, idiotas úteis, ficariam confusos
e desnorteados diante do fato de instituições internacionais
milionárias estarem apoiando o fim do domínio das grandes
potências sobre a comunicação. Isso porque na mentalidade
destes esquerdistas, qualquer milionário está agindo a mando
do “grande capital” e, por isso, não detém a consciência das
verdadeiras necessidades das classes trabalhadoras dos
povos. Ora, como já vimos no início deste livro, a maioria
dessas entidades formaram-se sob o patrocínio de grandes
milionários individuais de crença pessoal claramente socialista.
De repente, muitos esquerdistas estão se dando conta
de que o velho monstro capitalista da globalização pode não ser
tão ruim assim. Este monstro do Capital parece estar
concedendo muito dinheiro às causas socialistas e voltando a
alimentar esperanças perdidas em alguns núcleos da esquerda
internacional. O antigo fato incontestável e até inevitável da
globalização se tornou uma agenda de esquerdistas pelo
mundo todo, o que movimenta tanto dinheiro e tropas de
militantes quanto jamais qualquer movimento de esquerda
sonhou. São ambientalistas, feministas, homossexuais ativistas,
defensores dos direitos dos animais, praticantes de Yoga e
seus gurus, profetas da Nova Era; de outro lado, neofascistas,
antissemitas e antissionistas, neoeurasianistas, libertários e
tantos outros rótulos ideológicos vestidos por pessoas reais que
renunciam à condição humana para abraçar uma causa, uma
proposta global de mundo e um paraíso na Terra. Todos eles
trabalham, em última análise, para a grande causa
revolucionária que quanto mais múltipla e caótica, mais produz
transformações profundas e incompreensíveis, gerando a
necessidade de mais mudanças, correções, compensações.
Além disso, uma comunicação essencialmente transformadora
da realidade implica em uma sucessão vertiginosa de
mudanças na linguagem que a comunicação humana parece
correr o risco de se extinguir. Um mundo assim está muito mais
próximo de um inferno do que de um paraíso na Terra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDI -Agência de notícias dos direitos da infância. Mudanças


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[1] BENSON, Robert Hugh. O senhor do mundo (1907): livro que prevê
com antecedência a destruição da Europa e a ascensão de ideologias
anticristãs no alvorecer do século seguinte. Edição brasileira pela
Ecclesiae (2013).
[2] “É muito provável que o aumento observado da concentração de gás
metano é devido às atividades antropogênicas, predominantemente a
agricultura e o uso de combustível fóssil. Mas contribuições relativas a
diferentes tipos de fontes não estão bem determinadas” (IPCC, 2007,
página 4). Na mesma página, o relatório esclarece que a expressão
“muito provável” (very likely) refere-se à porcentagem de 90%.
[3] https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/123134
[4] A primeira edição brasileira do livro Opinião Pública, de Lippmann, só
foi publicada em 2008.
[5] Não é o caso, aqui, de sondarmos as causas filosóficas desta crise,
sobre a qual pesa a profunda mudança na concepção do processo do
conhecimento. Quando alguns cientistas sociais transpuseram ao estudo da
sociedade o conceito de experiência científica utilizado nas ciências naturais,
no qual o experimento da alteração e modificação é o próprio método do
conhecer, estava aí o gérmen do anseio pela transformação social que
guiaria a sociedade ao caminho do esperado progresso. Embora este
método fosse logicamente oposto à concepção de um curso histórico
inevitável (do progresso ou da revolução), as duas coisas se combinaram
em um método dialético de construção da realidade, conforme propôs Hegel.
O principal resultado do método da dialética hegeliana passa a ser a
destruição, através do trabalho do negativo (tese, antítese e síntese).

[6] MANNHEIM, Karl. Diagnóstico de nosso tempo (1954)


[7] Esta história pode ser conferida em livros como Os intelectuais na
Idade Média (Jacques LeGoff), entre outros.
[8] É comum ouvirmos de professores universitários ou na imprensa, que
a Igreja Católica esteve sempre ao lado do poder político. Se assim o
fosse, não haveria o já evidente processo de secularização que deu
origem às ideologias modernas, versões laicas ou ateias da missão
cristã. Ao contrário, o poder político representou sempre as facções anti-
católicas que se formaram e fortaleceram com a criação dos estados-
nacionais que tentavam libertar-se da influência espiritual da Igreja,
influência esta que é e sempre foi vista como um autoritário controle das
paixões humanas.
[*] Dentro de correntes pós-modernas, autores como Michel
Maffesoli sugerem um processo de secularização essencial muito mais
amplo, que vai desde a transição de crenças míticas para sistemas
teológicos mais complexos, passando pela burocratização da Igreja
Católica e a criação de ideologias políticas baseadas em movimentos
messiânicos. Talvez esse processo esteja na raiz da sua manifestação
inversa, isto é, a transformação de doutrinas seculares em crenças
míticas e quase religiosas ou baseadas em antigas heresias gnósticas
como explica Eric Voegelin. Parece que quando uma ideologia estabiliza-
se e perde de de vista as poucas bases que tinha no real, mitifica-se e se
adequa à natural necessidade que o homem tem para a fé em alguma
coisa.
[*] HANEGRAAFF, Wouter J. Esoterism and Academy (2012);

[*] LE BON, Gustave. As opiniões e as crenças (1895).


[*] Lippmann, Walter. Opinião Pública, 1922, p.42 (2009).
[9] Sobre o Project Syndicate, ver Cap. IV.
[*] Steel, Ronald. Walter Lippmann and the american century
(1980).
Ver Harry C. McPherson, Jr. (Foreign Affairs)
Link: <http://www.foreignaffairs.com/articles/34278/harry-c-
mcpherson-jr/walter-lippmann-and-the-american-century> (acessado em
nov. 2013)
[10] Armand e Michèle Mattelart. História das teorias da
comunicação (2010, Edições Loyola)
[11] Paul Lazarsfeld.The people’s choice. How the voter makes
up his mind in a presidential campaign (1962).
[12] V. Travis, Carol; Aronson, Elliot – Mistakes were made (but
not by me) – why we justify foolish beliefs, bad decisions, and hurtful acts
– Harcourt books – 2007.
[13] BERNARDIN, Pascal. O Império Ecológico: ou A subversão da
ecologia pelo globalismo (1998).
[14] MATTELART, Armand e Michele. História das teorias da
comunicação.
[15] American National Biography, Oxford University Press.
Link: http://web.mit.edu/m-i-t/profiles/profile_ithiel.html
[*] Na última parte deste livro tratamos do debate global sobre as
políticas nacionais de comunicação que embasam os projetos de
regulamentação ou a chamada “democratização dos meios”. Como
tentamos demonstrar, estes debates fazem parte da agenda global pelo
total controle da comunicação de massa no mundo, muito além daquele
que já ocorre.
[16] Henry Jenkins. Cultura da convergência (2006)
[17] Ithiel de Sola Pool. Technology of freedom (1986), p.112;
Citado do livro Cultura da convergência, de Henry Jenkins (2006), p.35.
[18] Tim Wu. Impérios da comunicação, p.199
[19] Norbert Weiner. Mathematics to the Technologies of Life and
Death. Cambridge: MA MIT Press, 1980, p. 147-148
[20] Stephen Pfohl. O delírio cibernético de Norbert Weiner.
Revista Famecos, n.15. (2001)
[21] MCMEEKIN, Sean. The Red Millionaire: A Political
Biography of Willi Münzenberg, Moscow’s Secret Propaganda Tsar in the
West. (New Haven: Yale University Press, 2003).
[22] JAY, Martin. A imaginação dialética. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2008.
[23] Francisco Rüdiger. A escola de Frankfurt (capítulo de
Hohlfeldt, Antonio. Teorias da comunicação. ed. Vozes: Petrópolis, 2001,
p.138).
[*] O ex-agente da KGB Yuri Bezmenov concedeu uma série de
entrevistas no início dos anos 80, facilmente acessível pelo Youtube,
sobre as técnicas de subversão utilizadas pela URSS nos países do eixo
soviético. O ex-espião denuncia nessas entrevistas a operação em curso
em todo o Ocidente, principalmente nos Estados Unidos. O leitor poderá
encontrar facilmente estes vídeos buscando o nome do agente e a
palavra “subversão” para compreender do que se trata.
[24] Heitor De Paola. O Eixo do Mal Latino-Americano (2008,
p.119).
[25] Renata Borges Crispim. Estratégias singulares de
agendamento: o caso do Greenpeace (2003)
[26] Sorokin classifica dois grandes supersistemas sociais que vigoraram
na humanidade segundo a sua premissa de realidade-valor primordial: o
supersistema sensivo e o ideativo. O sensivo é aquele segundo o qual a
validade da verdade está nos sentidos, na apreensão por eles. Já o
ideativo dá este valor a um Deus supersensorial e supra-racional. A
Europa dos séculos XVI até XX apresenta-se como produto do modelo
sensivo. “A religião e a teologia declinaram em prestígio e influência.
Indiferente à religião e por vezes até irreligiosa, a ciência sensorial
converte-se na suprema verdade objetiva. A verdade real passa a ser a
verdade dos sentidos, empiricamente percebida e testada. (...) O tipo
mais comum de pessoas, o seu modo de vida e as suas instituições
também se tornaram predominantemente sensivos” (SOROKIN, P. A.
Novas Teorias Sociológicas. 1969).
[27] SÉVILLA, Jean. O terrorismo intelectual: de 1945 aos
nossos dias (1954).
[28] Informações do livro O eixo do mal latino americano e a Nova
Ordem Mundial, de Heitor De Paola (2008).
[29] Idem
[30] Idem
[31] Leszek Kolakowski. O espírito revolucionário e marxismo:
Utopia e antiutopia (1974).
[32] MORIN, Edgar. A cultura de massa do século XX: volume I:
neurose. Forense Universitária (2005).
[33] Wilson da Costa Bueno. Comunicação e jornalismo
ambiental (2007).
[34] John McCormick. Rumo ao paraíso: a história do movimento
ambientalista (1994).
[35] Walter Williams. Artigo Mídia Sem Máscara. Os
ambientalistas e sua agenda anti-humana nos fazem de idiotas. Link:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/ambientalismo/14161-os-
ambientalistas-e-sua-agenda-anti-humana-nos-fazem-de-idiotas.html
[36] http://www.forbes.com/sites/henrymiller/2012/09/05/rachel-
carsons-deadly-fantasies/
[37] Idem.
[38] Paul Ehrlich. Ecoscience: population, ressorces, enviroment
(1977).
[39] FERGUSON, Marilyn. A conspiração aquariana: transformações
pessoais e sociais nos anos 80. Rio de Janeiro: Record, 3ª Edição.
[40] Big Brother (grande irmão) é uma referência ao livro 1984, de
George Orwell, no qual um governo totalitário mundial observa e controla
a conduta de todos os cidadãos.
[41] Dados do Ministério da Saúde do ano de 2010.
[42] http://padrepauloricardo.org.
[43] Conceitos extraídos das obras: Francisco Roberto Caporal e
José Antônio Costabeber: Agroecologia e sustentabilidade: base
conceitual para uma nova extensão rural (2001); e A. Escobar. El
desarollo sostenible: dialogos de discursos (1995)

[44] As funções do jornalismo ambiental utilizadas foram as


elaboradas por Wilson da Costa Bueno.
[45] Embora o site do Project seja público e aberto a todos, há muito pouca
informação disponível a respeito. As informações que trazemos aqui foram
levantadas pelo jornalista Alex Pereira e eu durante o ano de 2012, com as
quais publicamos um artigo na revista eletrônica Mídia Sem Máscara
naquele ano. Além da observação do site e do levantamento da história da
Open Society e de George Soros que usamos para complementar, as únicas
fontes encontradas a respeito do Project foram uma pequena nota da Fox
News e um artigo do Media Research Center, sendo que nosso artigo
permaneceu como única fonte em português sobre o assunto.

[46] Tim Wu. Impérios da comunicação: do telefone à internet, da


AT&T ao Google (2012).
[47] Jorge Werthein. Meios de comunicação: realidade e mito
(1979)
[48] Murilo César Ramos; Suzy dos Santos (orgs.). Políticas de
comunicação: buscas teóricas e práticas (2007)

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