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“O FIM DAS NAÇÕES”


Episódio I - A Eleição do Voo 93

Escrito por Elton Mesquita e Lucas Ferrugem.


Copyright (Brasil Paralelo)®
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CENA 0 - PRELÚDIO

11 de setembro de 2001.

O voo 93 da United Airlines foi sequestrado pelo

grupo terrorista Al-Qaeda. Naquela manhã, três aviões já


haviam atingido o World Trade Center e o Pentágono.

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Quando a notícia dos atentados chegou aos

passageiros, eles se deram conta de que embarcaram em um

vôo suicida.

Não se sabe qual era o alvo do avião, mas iam em

direção ao centro do poder americano: o Capitólio e a Casa

Branca.

Os passageiros estavam em uma situação aterrorizante.

Se agissem, teriam chances baixas de sobreviver. Mas se não

agissem, não teriam nenhuma chance.

Depois de uma rápida votação, atacaram os

sequestradores.

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E foi assim que o Vôo 93 entrou para a história como

um episódio de heroísmo, sendo o símbolo de situações

decisivas e difíceis, em que a escolha de não fazer nada

pode ser fatal.

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THE BREAKDOWN OF AMERICA

Em 2016, os Estados Unidos eram como um homem de

meia-idade que, depois de décadas ignorando os problemas

em sua vida, foi finalmente forçado a se olhar no espelho, e

a imagem refletida era perturbadora.

Era a imagem de uma nação que ameaça sucumbir não

por seu fracasso, mas, ironicamente, pelo próprio sucesso.

Em momentos de crise, é comum nos perguntarmos

se uma jornada finalmente chegou ao fim. No caso dos

Estados Unidos, essa jornada começou de forma literal.

Colonos devotos, fugindo da perseguição religiosa,

atravessaram o Atlântico enfrentando o desconhecido para

plantar a semente do Novo Mundo.

Os Estados Unidos viraram sinônimo de

independência e de conquista, foram de gigantes isolados a

superpotência apelidada de “mundo livre”.


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Sua moeda virou sinônimo de confiança, e seus ícones

culturais conquistaram os corações e mentes do mundo todo.

Por gerações, o país pareceu cumprir o destino que

o primeiro grupo de colonos recebeu em um sermão antes

de partir para a América: a “Cidade Luminosa No Topo da

Colina”, vista pelo mundo todo, foi o destino dos Estados

Unidos.

Foi uma jornada de sucessos espantosos.

E decepções amargas.

Em que a euforia e o otimismo aos poucos deram

lugar ao sentimento de culpa e desconfiança.

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As palavras de Lincoln foram proféticas.

Em meio ao caos interno e aos desafios externos, os

Estados Unidos sofrem a maior crise de identidade de toda a

sua história, e se vêem diante da angustiante possibilidade de

que o longo “século americano” pode estar chegando ao fim.

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Ao longo da história, nações recorrem a dois

mecanismos para lidar com suas grandes crises: a guerra e

o voto.

Os Estados Unidos conhecem bem as duas opções,

foram fundados sobre uma revolução armada e uma

devoção a constituição e sua república.

Dos estados Confederados que votaram para se

separar da União, aos passageiros do vôo 93 que votaram

para impedir os terroristas, a democracia sempre esteve

presente nos grandes momentos do povo americano.

Quando uma população vai às urnas votar por um

presidente, isso reflete o futuro do seu próprio país.

No caso das eleições americanas, reflete o futuro do

mundo inteiro.

Eleger o presidente dos Estados Unidos pode significar


muitas coisas diferentes.

Colapsos. Riqueza.

Guerras. Paz.

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Não é a toa que o mundo inteiro pára para assisti-la.

E 2020, não é um ano diferente.

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Os Estados Unidos são a referência contemporânea

de democracia, lei, estabilidade, prosperidade e inovação.

Estar na vanguarda do mundo tem um preço: todos

querem o seu lugar.

Mas a ascensão de outros países não parece ameaçar

mais os Estados Unidos do que a sua própria implosão.

As últimas décadas foram marcadas por profundas

crises econômicas, perda de autoconfiança e de patriotismo,

queda na performance educacional e diminuição da


influência global.

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Para todos que pensam a política internacional, fica

a pergunta: esta seria a causa ou o sintoma dos tempos em

que vivemos?

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TIMES OF TROUBLES

Os Estados Unidos estão envolvidos em sete guerras

diferentes: Afeganistão, Síria, Iraque, Iêmen, Somália, Líbia

e Nigéria.

A presença militar até pode ser justificável, mas fez a

credibilidade americana sofrer duros golpes.

As campanhas que prometiam a paz desembocaram

em guerras nebulosas e insatisfatórias, que aparentavam

trazer cada vez mais instabilidade.

Ao derrubar Saddam Hussein, os Estados Unidos


transformaram o Iraque em território de disputa sangrenta,

e criaram as condições para o surgimento do ISIS.

Mesmo com esse desempenho questionável, o

orçamento do Departamento de Defesa já ultrapassou 500


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bilhões de dólares por ano, e continua precisando ser um

dos mais fortes do mundo.

A relação entre Forças Armadas, Congresso e o

conglomerado de empresas que vendem armamento militar

ganhou o apelido de “Triângulo de Ferro”: em um vértice, as

empresas fabricantes de armas formam o S.I.G., um grupo

que financia campanhas políticas.

Os políticos, financiados por essas empresas, declaram

guerras e aprovam orçamento para o Departamento de

Defesa, que firma mais contratos bilionários, com as

mesmas empresas, e recebe mais armas, para mais guerras.

Empresas como Lockheed Martin, Boeing, General


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Dynamics e Raytheon dependem desses contratos

bilionários para sobreviver. Tendo até 85% dos seus lucros

vindo da venda de armas para o governo.

Grande parte dessas guerras tendem a não significar

nada para o cidadão comum, fazendo desaparecer a crença

de que o governo privilegia os interesses do povo.

É mais um intensificador da instabilidade americana,

que segue aumentando, enquanto o cidadão se vê afetado

por problemas muito mais próximos e prementes.

CRISE DOS OPIOIDES

Uma droga tão poderosa que médicos e policiais usam


equipamento de proteção para seu manuseio.
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Esse é o Fentanyl, causador da crise de saúde mais

grave que os Estados Unidos já enfrentaram.

Nos anos 90, a indústria farmacêutica começou a

fazer propaganda agressiva de opióides como OxyCodin,

minimizando o seu alto risco de dependência.

Os números são alarmantes: uma em cada oito

crianças dos Estados Unidos tem um pai ou mãe que sofre

de dependência de opióides.

Mais de 140 americanos morrem de overdose todos

os dias.

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Em 2013, os opióides já eram um problema de saúde

nacional, e o acesso a esse tipo de medicamento passou a

ser restrito.

Os dependentes migraram para as drogas ilegais.

Passaram a consumir heroína, e criaram um problema

ainda maior:

O surgimento do Fentanyl.

Um opióide sintético mais barato e 100 vezes mais

potente que morfina, capaz de transformar uma crise de

saúde pública em uma epidemia.

Só em 2016, 68.000 americanos morreram de

overdose.
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O problema é tão grande, que já são comuns as

campanhas incentivando pessoas a carregarem diariamente

medicamentos que interrompem overdose.

O pesadelo não dá sinais de acabar tão cedo.

Já são reportadas overdoses pelo uso humano de

tranquilizante de elefantes.

Muitos jovens americanos olham com ressentimento

e frustração para o passado.

Ao lembrar que seus pais, na mesma faixa etária,

já tinham começado suas famílias, comprado suas casas

e carros e ainda economizado para uma aposentadoria

confortável.

Hoje em dia, a maioria dos jovens americanos já começa

a vida adulta com uma dívida de 30 a 100 mil dólares.

Essa dívida é contraída para financiar a universidade.

Mas a vida real já não garante que, ao final do curso, o

diploma significa um bom emprego.

Em 1970, cerca de 1% dos motoristas de táxi tinham

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o superior completo. Em 2016, esse número já ultrapassava

os 15%.

Metade dos diplomados estão trabalhando em

profissões que não pedem formação superior, como caixas,

garçons e vendedores.

Enquanto isso, o total da dívida estudantil já

ultrapassou um trilhão de dólares.

O retrato de uma cultura que atrelou a idéia de

prestígio e sucesso à educação universitária.

Pela primeira vez na era moderna, o número de

americanos entre os 18 e 34 anos vivendo com os pais

superou o número de americanos vivendo com o cônjuge.

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Conforme a vida conjugal vai desaparecendo, um

número cada vez maior de jovens americanos começa a

vender fotos e vídeos eróticos na internet, capitalizando o

próprio corpo em serviços de assinatura.

Os jovens cada vez mais despreparados, espremidos

pelo custo de vida cada vez mais alto, vem empregando

estratégias de sobrevivência que pareciam impossíveis em

um país de primeiro mundo.

ECONOMIA AMERICANA

A economia americana dá ao observador a idéia de

estabilidade e prosperidade contínua.

Quando olhamos para o PIB, os Estados Unidos ainda

são líderes no mercado global.

É comum esquecer que grandes índices econômicos


são formados por pequenas decisões individuais, e é nelas

que começamos a ver os sinais preocupantes.

A tendência de privilegiar operações financeiras

arriscadas, ficou evidente durante a crise das pontocom,


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em 2001, e a crise dos subprimes, em 2008.

Essas operações não demoram a cobrar seu preço em

desemprego, endividamento e falências. E arrastaram a

economia americana para a recessão econômica mais severa

desde a Grande Depressão de 29, fazendo com que milhões

de pessoas perdessem suas economias, seus empregos e

suas casas.

Nos últimos 4 meses de 2008, 2.6 milhões de

empregos foram extintos no país. Em vez de enfrentar a

crise, os Estados Unidos a colocaram na gaveta.

E dobraram a aposta.

Os índices econômicos contam apenas parte da

história, deixando de lado os problemas de infraestrutura

que começam a dificultar a recuperação do país.

Uma infraestrutura ineficiente e defasada age como


uma âncora, impedindo o avanço econômico e causando

desperdício.

Para enfrentar problemas como pontes caindo;

16.000 represas em estado de risco;


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48 estados americanos com a matriz elétrica

totalmente utilizada;

Estradas com avaliações abaixo da média;

E aeroportos obsoletos com mais de 40 anos,

O governo precisa emitir mais títulos, aumentando

ainda mais a dívida pública.

Em 2016, esse número já atingia os 19 trilhões de

dólares.

À medida que a dívida sobe, mais impostos são usados

para pagar os juros.

Em 2016, o déficit do orçamento já atingia 587 bilhões

de dólares.

Começou a haver um descompasso entre a produção

dos trabalhadores, que aumentou, e o nível dos salários, que

ficou estagnado.

Um quarto da força produtiva americana já trabalha

abaixo da linha da pobreza, recebendo menos de 10 dólares

por hora.

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A partir da década de 80, os salários da classe média

ficaram estagnados e os da classe baixa despencaram.

78% dos Americanos vivem de contracheque a

contracheque, sem dinheiro suficiente para poupar ou

pagar por serviços de saúde, educação e moradia.

Para tapar o buraco, o governo oferece cada vez mais

o auxílio de bolsas e empréstimos.

Em 2016, o total da dívida pessoal nos Estados Unidos

chegava a 12 trilhões e 600 bilhões de dólares.

O fato é que os Estados Unidos já não são mais uma

nação onde predomina a classe média.

Isso aumenta cada vez mais o abismo entre o topo

mais rico e a base mais pobre.

Com muitos lares não conseguindo pagar as suas

contas, a desigualdade econômica se fortalece como pauta

política.

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Comprando mais da China do que a China compra

dos Estados Unidos, os déficits comerciais crescentes são

acusados de eliminar mais de 3 milhões de empregos.

Esse cenário afeta muitos jovens americanos que

ingressam na vida adulta sem esperanças no futuro.

BARAK OBAMA

Foi com um apelo especial a todos esses anseios que,

em 2008, a esperança teve um novo nome para o povo


americano.

Uma população desiludida.


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Uma dinastia política desgastada.

E um jovem desconhecido prometendo renovar a

política.

A mensagem era clara: Barack Hussein Obama

sinalizava na cor de sua pele, as palavras esperança e

mudança.

Os temas eram arriscados, mas populares: promover

novos direitos aos gays, combater o racismo, cuidar do meio

ambiente, parar as guerras e cuidar dos mais pobres.

Barack Obama tornou-se um fenômeno midiático

avassalador, o político popstar que os Estados Unidos não

viam desde John Kennedy.


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O resultado não poderia ser outro.

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THE HOPE NEVER DIES

A eleição de Barack Obama foi um evento histórico,

que pareceu confirmar a promessa dos Estados Unidos

como a terra da oportunidade.

Era a superação final da escravidão e segregação

racial.

Barack Obama venceu duas eleições.

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Se a primeira foi um verdadeiro evento cultural, em

que ele obteve o maior número de votos da história dos

Estados Unidos, a segunda foi mais modesta.

A mudança prometida não ocorreu.

E os Estados Unidos continuaram com as pautas

tediosas e burocráticas ao cidadão comum.

A Grande Recessão, o orçamento federal, os programas

de seguridade social e as mudanças no sistema de saúde.

A euforia deu lugar à ressaca, e a política do mundo real

lembrou como funcionava: o jovem político carismático, na

verdade, era mais um político do sistema.

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As decepções não demoraram a se acumular.

Um dos grandes pontos da campanha de Obama

foi retirar as tropas do Iraque, e lidar de maneira mais

inteligente com o Oriente Médio.

Mas já na primeira semana do seu mandato, Obama

autorizou um ataque de drones com vítimas inocentes.

E 2010 acabou sendo o ano mais sangrento do conflito

no Paquistão.

Foram autorizados dez vezes mais ataques de drones


do que na administração de George Bush.

A retirada das tropas foi efetuada em 2011, mas três

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anos depois... um novo envio de tropas foi feito.

Barack Obama deixou a presidência em 2016, e os

Estados Unidos seguiram tão envolvidos nos conflitos do

Oriente Médio quanto antes.

Seu governo danificou a imagem que os Democratas

vendiam. E mostrou que direitos humanos podiam ser

negociados.

Sua administração socorreu bancos envolvidos

com a crise financeira, protegeu executivos envolvidos

nos escândalos de fraude, deportou mais de 2 milhões de

imigrantes ilegais, aumentou a dívida americana em mais

700 bilhões de dólares e fracassou na implementação de

um sistema público de saúde.

Mesmo com a lua-de-mel no fim, não havia dúvida de

que a próxima eleição elegeria o sucessor de Obama.

O partido representava todas as pautas da cultura

popular, e o caminho era óbvio.

Assim como os Democratas fizeram a jogada racial,

havia outra jogada identitária para ser feita.


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A primeira presidente mulher dos Estados Unidos.

Qualquer outra possibilidade seria impensável.

Em 2016, um analista viralizou na internet americana,

comparando as novas eleições ao vôo 93 da United Airlines.

O ensaio confirmava os medos de uma ala da direita

americana que começava a descobrir sua força na internet.


As redes sociais viraram campos de batalha, e as idéias

conservadoras, há muito tratadas como tabu pela mídia


mainstream, começaram a ganhar terreno no fórum da

discussão pública.

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Em meio a memes, podcasts e debates acalorados,

uma idéia sobressaía: Essa eleição seria a última chance de

retomar o controle dos Estados Unidos. E evitar que o país

despencasse.

O país não buscava mais uma nova esperança, mas

uma última tentativa.

Os passageiros do vôo 93 se tornaram heróis

americanos. A decisão de agir no momento crucial fez

a diferença, e o avião da United 93 não atingiu o alvo

programado.

No entanto, os passageiros não conseguiram pousar

o avião.

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A campanha de Donald Trump fez os Estados Unidos

confrontarem um novo risco.

Tirou esqueletos do armário.

E forçou o país a olhar no espelho, questionando a sua

verdadeira identidade.

A proposta era agressiva: tomar o avião dos democratas

e forçar o pouso em uma América grande novamente.

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E-book
“O FIM DAS NAÇÕES”
Episódio I - A Eleição do Voo 93

Este livro pertence ao acervo de materiais da Brasil Paralelo. É gratuito e


restrito aos cadastros de interesse no documentário “O Fim das Nações”. Fica
vetada a venda ou cópia do conteúdo deste livro, seja integral ou parcial.

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“O FIM DAS NAÇÕES”
Episódio I - A Eleição do Voo 93

Conteúdo Exclusivo | O Fim das Nações | Brasil Paralelo

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