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DADOS DE ODINRIGHT

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Michele Prado

Tempestade

Ideológica
Bolsonarismo
A Alt-Right e o
Populismo Iliberal no Brasil

São Paulo – 2021


Créditos

Copyright © 2021 por Michele Prado

Tempestade Ideológica – Bolsonarismo – A Alt-Right e o Populismo


Iliberal no Brasil
Michele Prado
a a
1 Edição: 1 tiragem – junho de 2021

Edição: Editora Lux
Revisão:: Marcia Moreira
Diagramação:: Landim

Capa:: Fernanda Antoszczuk

ISBN – 978-65-5913-104-4

CIP – (Cataloguing-in-Publication) – Brasil – Catalogação na Publicação

Ficha Catalográfica feita na editora

___________________________________________________

P896t

Prado, Michele

Tempestade ideológica : Bolsonarismo : a alt-right e o populismo iliberal

no Brasil / Michele Prado. – São Paulo, SP: Ed. Lux, 2021.

Formato e-pub. Inclui bibliografia

ISBN 978-65-5913-104-4

1. Política. 2. Bolsonarismo. 3. Direita alternativa. 4. Alt-Right.

5. Populismo iliberal. 6. Brasil. I. Título

CDU: 32(81)
CDD: 320.981
___________________________________________________
Bibliotecária responsável – Simone da Rocha Bittencourt – 10/1171

As afirmações e os conceitos emitidos neste livro são de absoluta e

exclusiva responsabilidade da autora, não expressando,

necessariamente, a opinião da Editora Lux, bem como a exatidão e a

procedência das citações.

Editora Lux
Endereço: Avenida Conceição, 130, São Paulo – SP – CEP: 02072-000
Tel.: 11 4213-0401 | WhatsApp.: 11 95916-6965
E-mail: contato@editoralux.com.br
Dedicatória

Para Beatriz, aquela pela qual eu atravesso

– sem medo – qualquer inferno.


.

Para Sabina, viver significa ver.

A visão encontra-se limitada por duas fronteiras:


Uma luz de tal modo que nos cega e

uma obscuridade total.


Talvez seja daí que lhe vem a repugnância

por todos os extremismos.


Os extremos marcam a fronteira para lá da qual

não há vida, e, tanto em arte como em política,

a paixão do extremismo é um desejo de morte


disfarçado.

Milan Kundera – A insustentável leveza do ser


|

Prefácio

Conheci a Michele Prado nas minhas andanças pelo Facebook.


Uma vez, há tempos, ela comentou uma postagem minha e, a partir daí,

começou uma amizade que já dura muitos anos. Amizade feita de

muitas conversas e comentários nas redes sociais, sobre os temas da

política, da esquerda, da direita e, finalmente, sobre o governo

Bolsonaro e a escalada autoritária que se delineou desde os primeiros

momentos em que esse “capitão” foi elevado ao comando do país.

O que mais me chamou a atenção em Michele não foi somente sua

inteligência aguda e perspicaz, mas uma irrefreável vontade de aprender,

de compreender. Uma vontade firmemente alicerçada na busca da

verdade. Em 2018, ela estava empenhada em entender como a “Direita”

estava sendo manipulada e conduzida à fatídica escolha de Bolsonaro

como seu candidato, em detrimento de outros candidatos, que eram

inegavelmente melhores, da perspectiva da Direita. A partir da eleição

de Bolsonaro ficou claro que estava em curso a implementação de uma

espécie de nacional-populismo autoritário, com certos matizes

“fascistas”, que usava, conforme as conveniências, um discurso liberal

ou conservador, e que acabou sendo o candidato preferido pela maior

parte do eleitorado de “Direita”.

Foi nessa época em que comecei a enviar para Michele muitos livros,

que encontrava na internet, os quais eu julgava interessantes ou úteis à


sua pesquisa e que pudessem ajudá-la nas leituras e estudos que ela

iniciava com bastante afinco. Era um tema que também me interessava

muito, com o qual tinha bastante afinidade, pois eu tinha uma predileção

pelos estudos relativos à história dos regimes totalitários, em especial, a

história do fascismo, nazismo e comunismo. Nesse sentido, a minha


experiência de livreiro e bibliógrafo, que já possuía em seu acervo uma

grande coleção de títulos voltados para esses assuntos, ajudou muito

nessa empreitada.

Este livro é o resultado desse esforço. Eu forneci a maior parte dos

livros, mas Michele, incansavelmente, inclusive nas madrugadas, pedia

mais e mais livros que, sempre que possível, eu procurava encontrar e

enviar. Michele leu a maior parte das obras mais relevantes sobre os

temas da Direita, Conservadorismo, Liberalismo, direita radical e

extrema-direita, “far-right”, “alt-right”, fascismo, populismo e, aos

poucos, ela começou a traçar, uma “genealogia das ideias”, mesmo que

provisória, por meio da qual é possível compreender o sentido, o alcance

e a complexidade do que historicamente se convencionou chamar de

Direita, remontando uma evolução rica em nuances, desde as tendências

ideologicamente mais reacionárias ou tradicionalistas, passando pelos

agrupamentos estritamente conservadores e liberais, para, então,

concentrar-se nas tendências mais radicais e, inclusive, as mais

extremistas.

Embora tenha conversado muito com a Michele, até em sábados e

domingos pela madrugada, incentivando-a sempre a continuar as leituras

e pesquisas, este livro é uma obra de sua autoria. Foi o resultado de seu

esforço incansável, em noites insones, que finalmente vem à luz, para o

maior esclarecimento desses importantes temas e conceitos que,

indubitavelmente, dizem respeito a uma realidade cada vez mais

premente.

Já em 2010 eu tinha percebido que havia uma importante mudança

em curso na política brasileira, com a emergência das redes e mídias

sociais, que passaram a ser mais intensivamente utilizadas desde a

campanha da Dilma. Já naquele tempo pude perceber que vigorava

plenamente um processo sistemático de assassinato de reputações, com

o surgimento de grupos de militância virtual que se ocupavam

precisamente de inventar ou replicar à exaustão uma série de ataques


pessoais contra os adversários do projeto hegemônico petista. Mas,

como se veria depois, isso era só o começo.

Na eleição de 2014, pudemos observar uma aguda polarização entre

as candidaturas do PT e do PSDB, e o país entrou numa crise política da

qual ainda não conseguimos sair. Foi na esteira do impeachment que

começou a ser urdido por forças políticas que se autodenominavam “de

Direita” um projeto de poder que, no entanto, ainda não tinha um chefe,

alguém para pôr na cabeça do “movimento”. E foi precisamente nessa

época, após a eleição da Dilma e no alvoroço do impeachment que

começou a ser insuflado e mitificado nas mídias sociais o nome de

Bolsonaro, o qual acabou se tornando a cara da “nova Direita”.

Tanto Michele quanto eu percebemos que algo muito grave estava

ocorrendo na política brasileira. Que grande parte do eleitorado

conservador e liberal havia sido manipulado e até enganado, para

possibilitar a implementação de um projeto populista de poder, um

projeto de extrema direita, com ranços fascistas, tradicionalistas e

autocráticos. Compreendemos que o bolsonarismo era um movimento

populista, com algumas características extremistas e até fascistas. E foi

essa vontade de compreender o que havia ocorrido que motivou esta

pesquisa de três anos, que finalmente poderá ser apreciada pelos leitores.

Evidentemente, o tema é muito complexo para ser inteiramente

exposto ou compreendido em algumas centenas de páginas. Há milhares

de livros a conferir e pesquisar sobre esses assuntos, uma imensa teia de

livros e autores, versando sobre temas os mais variados da política, mas

grande parte deles orbitando em torno dos projetos de poder antiliberais,

que constituíram, cada um na sua época, uma reação contra a

modernidade e a tentativa de se opor ou até suplantar o caminho da

democracia liberal, a qual tem sido uma marca registrada do Ocidente

há séculos.

Este livro, que os leitores têm em mão, é um choque de realidade e

um choque de verdade, que põe por terra as ilusões fabricadas e os mitos


inventados sobre a era Bolsonaro. Michele, com este livro, prova que a

ascensão ao poder de um líder messiânico e populista com verniz

fascista e autocrático não é algo fortuito, que as origens desse fenômeno

devem ser buscadas muitas décadas atrás e cuja abrangência no espaço

político é internacional. Reitero que há uma imensidão de leituras a

fazer, de pesquisas a desenvolver sobre esses temas tão mal estudados

pela nossa “intelligentsia” liberal e conservadora, a qual foi quase

completamente, de forma aberta ou enviesada, cooptada pelo projeto de

poder bolsonarista. Michele Prado apenas conseguiu dar uma primeira e

grande pincelada, mas é inegável que novos estudos precisam ser feitos,

inclusive, por outros pesquisadores, para que se possa ter uma

compreensão mais diversificada e profunda sobre os temas abordados no

livro.

No estrangeiro, esses temas já são, há muitas décadas, objeto de

muitos estudos acadêmicos e geram profícuos debates entre os

pesquisadores a aficionados, gerando discussões acaloradas na opinião

pública. No Brasil, porém, talvez devido à nossa histórica preguiça,

observa-se muita acomodação e até indiferença, havendo um grande

vazio intelectual e uma colossal ignorância. Se este livro permitir

críticas construtivas, que alavanquem uma compreensão mais

aprofundada do espírito populista e antiliberal que tomou conta de

parcela significativa da Direita mundial, em especial, da “nova direita

brasileira”, ou se puder estimular novas e diligentes pesquisas efetuadas

por pessoas compromissadas eticamente com a busca da verdade, penso

que já terá cumprido um importante papel, absolutamente necessário

nestes tempos em que nossa nação vê o seu futuro e o seu

desenvolvimento cada vez mais como quimeras distantes.

Mesmo que o livro possa conter algumas falhas e lacunas, é um

monumento à honestidade intelectual. A minha singela participação se

resumiu ao suporte bibliográfico, mas sinto que nele também está um

pouco de mim, pois é um livro que eu gostaria de ter escrito. E já disse à


minha amiga Michele Prado, que se tivéssemos dez pessoas iguais a ela,

o impacto seria tremendo, e eu faria exatamente o que fiz, a minha

especialidade, encontrar livros interessantes e colocá-los na mão de

leitores inteligentes e compromissados com a busca do bem, da justiça e

da verdade.

Fortaleza, 3 de fevereiro de 2021.


Josesito Moura do Amaral Padilha Junior

Livreiro e bibliógrafo, Diretor Financeiro do

Instituto Liberal do Nordeste – ILIN.


|

Agradecimentos

É um clichê, porém verdadeiro: em algumas situações, palavras são

insuficientes para descrever o sentimento de gratidão.

Do momento em que, por curiosidade intelectual própria e sem

pretensões, iniciei as minhas pesquisas para compreender melhor o que

era o bolsonarismo e aquela radicalização que eu via ocorrer e aumentar

contra a qual eu sempre fiz oposição pública, até a decisão de escrever

um livro a respeito desse entendimento, foram dezenas de obstáculos e

adversários.

O primeiro adversário era o mais crítico e difícil: eu mesma. Além

d’eu ter que encarar o fato de também ter sido correia de transmissão de

uma corrente ideológica radical, e extremista – por razão de um

desconhecimento profundo a respeito de dezenas de assuntos -, observei

que esse vasto sistema de crenças do qual compartilhei chocava-se

contra o que eu sempre realmente acreditei e defendi: a Declaração

Universal dos Direitos dos Homens, o respeito à dignidade humana, a

moderação, a busca pelo consenso, os avanços sociais e conquistas

liberais em geral. Somam-se ao desencanto as condições que a pandemia

trouxe: com quase nenhum trabalho no meu ramo profissional, busquei

alternativas que garantissem minha subsistência (como cozinhar e

vender minhas produções). Enquanto cozinhava, fazia as minhas

pesquisas.

Conforme eu avançava nas pesquisas e tentava explicar àqueles que

estavam nas minhas redes sociais, outros adversários, alguns bastante

cruéis, surgiram às centenas e centenas, visto que eu denunciava a bolha

da qual eu fazia parte.


Felizmente, nesse período, encontrei apoio em centenas de amigos

que me ajudaram, de diversas formas, a atravessar a tormenta. Sem o

apoio deles, esse livro jamais teria sido escrito.

Ao meu amigo Josesito Padilha, toda a minha gratidão. Trouxe para

mim, sem se importar com os horários em que eu lhe importunava,

pedindo mais e mais livros, praticamente toda a bibliografia que me

ajudou a compreender o que é o bolsonarismo, e assim, compartilhar

com vocês, leitores. Foram muitas noites e dias, muitas conversas,

muitos insights compartilhados e uma generosidade em difundir

conhecimento que poucas vezes vi na minha vida inteira. Este livro,

Josesito, também é seu, meu amigo.

Ao meu grande amigo, meu anjo para todas as horas, Toni Araújo, a

gratidão é na mesma intensidade.

Sem minha amiga Fernanda Antoszczuk, essa empreitada não teria

rosto e nem capa. Acreditou em mim quando a maioria me chamava de

histérica, maluca, vagabunda e outras coisas medonhas. Amo você,

minha amiga, e lhe dedico este livro também.

Aos amigos Leo Filho, Lucia Saad, Ju Fraguetti, Otávio Gouveia (o

primeiro amigo que me mandou escrever um livro, há 20 anos), Daniel

Valente, Madeleine Lacsko, Chechi Jr., Emanuel de Hollanda (aka

Joselito Muller), Carlos Andreazza, Wilson Oliveira, Dora Oliveira,

Victor Grinbaum, Carlos Augusto Affonso (aka Luciano Ayan), David

Magalhães, Rodrigo Jungmann, Vera Magalhães, Alex Brum, meu afeto

sempre e a minha gratidão.

Aos meus amigos virtuais que sempre me apoiaram e me

defenderam, muito obrigada. Sem o apoio de vocês, eu não me

convenceria de que seria capaz de enfrentar as turbas virtuais: Ellen

Wolfram, Malu Patalnin, Maria Alice, Ked, Poupee, Zaíra Azevedo,

Alessandra Pinho, Joana Santana, João Henrique (que me indicou para

um artigo a respeito do antissemitismo no livro Antissemitismo –


Uma Obsessão), e que todos os outros amigos virtuais se sintam

representados nestes nomes que citei.

Outras pessoas surgiram nos últimos meses em minha vida e estendo

minha gratidão a eles: Zeca Martins, Pedro Dória, F. L., Pérsio Bider,

Eliane Pszczol e Danilo Gentili.

Por fim, sem o amor e suporte de minha família, nada seria possível.

À minha mainha, Zilá, agradeço pela vida e ensinamentos de sempre

e a cada instante respeitarmos o próximo e afastarmos de nossas vidas o

preconceito; tento retribuir com todo o amor que houver nessa vida.

Agradeço a paciência e amor imenso de minha irmã, Jaqueline

Prado; meu sobrinho Patric e meus primos amados João Victor, Eliane

Filadelfo, Prissila Lorena, Ana Paula, Paulo Ricardo, meu irmão

Edmilson Silva, meu compadre Nilton DiCarmo e seu marido, Santiago.

A gente tropeça mas não cai, pois um ampara o outro.

À minha filha, Beatriz Prado, agradeço o amor imenso que ela me

faz sentir. E aproveito para dizer que esse livro é para você, Beatriz.

Nunca deixe que alguém lhe diga que você não pode ser quem você

é, que você é inferior ou que você não consegue alcançar seus objetivos.

Você é quem você quiser. Você pode.

E eu te amo. Muito e bastante.

Michele Prado
|

Introdução

“A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente,

de forma tão mais natural quanto mais inconscientemente eu

me entregar a ela. O que acontece se a língua culta tiver sido

constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras

podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas

de maneira despercebida e aparentam ser inofensivas; passado

um tempo, o efeito do veneno se faz notar.”

Victor Kemplerer – LTI

1
“Sou Messias, mas não faço milagre ”, disse o Presidente da

República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, no dia 28 de abril de

2020, ao ser questionado sobre as cinco mil e dezessete mortes no Brasil

por Covid-19. Antes de sua admissão em não ser o “salvador”, que a sua

própria campanha e militância tanto propagaram ao longo dos anos de

campanha velada e mitificação deliberada, ele proferiu um “E daí?”.

Quase um ano depois, as mortes no Brasil por Covid-19

ultrapassaram a mórbida marca de duzentos e trinta mil pessoas, índice

quase trezentas vezes maior do que o número de vítimas previsto por

2
Jair Bolsonaro em uma de suas lives , ainda no início da pandemia.

A “Nova Era” do governo Bolsonaro não trouxe apenas muitas

centenas de milhares de mortes que uma boa condução política durante

a pandemia poderia ter evitado; além do aumento no esgarçamento do

tecido social que já estava deteriorado após anos de petismo versus


3
antipetismo numa sociedade recém-redemocratizada , houve a perigosa

introdução de ideias e conceitos que até então pareciam muito distantes

do cenário e do debate público brasileiro; ideias que sustentam as


correntes de direita radical, seus subgrupos transnacionais e a quarta

onda mundial da extrema-direita.

Negacionista, subversivo, ofensivo, populista,


tudo isso é mencionado  a respeito do governo Bolsonaro, mas pouco é

falado sobre a genealogia das ideias que baseiam os seus principais

agentes e de onde surge a inspiração que permeia o universo mental

bolsonarista. 

É um raio X dessas ideias o objetivo do meu livro. 

Observei tudo acontecer de dentro da bolha virtual da direita: o

radicalismo crescer de forma exponencial, os pilares da democracia

liberal sofrerem ataques sistemáticos e, diante do abismo, optei por me

aprofundar no assunto realizando uma ampla pesquisa que se iniciou em

2018 – logo após as eleições.

Centenas de livros, artigos acadêmicos, observação atenta dos discursos

nas redes sociais e o fato de ter sido não apenas espectadora, mas

também, em certos momentos, coadjuvante no processo de sequestro do

debate público pela direita radical e extremista, auxiliaram-me a

compreender, com clareza, o que é o bolsonarismo. 

Seu surgimento, seus conceitos, métodos, inspirações, suas relações com

outros agentes de direita radical da Europa e dos EUA, seus objetivos –

que são romper com a ordem liberal do pós-guerra, com as conquistas

do estado de direito, proteção de minorias e a imprensa livre – e o que é

a  alt-right (direita alternativa), eu conto para vocês, leitores. 


A pesquisa não termina com este livro. O assunto é amplo,

complexo, e é preciso que nossas inclinações ideológicas não se

sobreponham à verdade factual, pois o fenômeno – a quarta onda de

extrema-direita que ocorre – é global. E suas consequências interferem

no nosso cotidiano e na condução das políticas públicas muito mais do

que possa aparentar.


Ao discorrer sobre o processo de radicalização ocorrido dentro da

direita, incialmente apenas no universo on-line, mas, a posteriori,


invadindo o espaço físico, desfaço alguns mitos e convido você, leitor, a

percorrer comigo a trajetória deste movimento – o bolsonarismo – cujo

termo “Tempestade Ideológica” melhor define a sua essência.

1. Ver https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento-quer-
que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-mortes-por-coronavirus-no-
brasil.ghtml.
2. Ver https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
estado/2020/03/22/previsao-e-que-coronavirus-tenha-menos-mortes-que-a-
h1n1-diz-bolsonaro.htm.
3. O Brasil passou por duas redemocratizações: a primeira em 1945 após a destituição de

Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo; e em 1988, com a promulgação da nova Carta Magna –

A Constituição da República Federativa do Brasil.


|

Parte I
Cumulonimbus4

4. Um cúmulo-nimbo, ou em latim cumulonimbus, é um tipo de nuvem caracterizada por um


grande desenvolvimento vertical, considerado a fonte primária da ocorrência de raios na

atmosfera. Fonte: Wikipédia.


Capítulo 1

“Contra a maré vermelha”:

o surgimento da

nova direita brasileira

História não é bula de remédio nem produz


efeitos rápidos de curta ou longa duração, ajuda,
porém a retirar o véu do espanto e a produzir uma
discussão mais crítica sobre nosso passado, nosso
presente e sonho de futuro.

Lilia Moritz Schwarcz

Sobre o Autoritarismo Brasileiro

Após quinze anos de governo petista, a eleição em 2018 para o cargo

de Chefe do Executivo da República Federativa do Brasil trouxe um

resultado inesperado: venceu um nome que passou longe do radar dos

principais analistas políticos do país.

5
Com 57.796.896 votos no segundo turno, o então deputado federal

Jair Bolsonaro, concorrendo contra o candidato do Partido dos

Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, foi eleito Presidente da

República. O espanto estava em todas as capas dos principais jornais

brasileiros. Analistas, cientistas políticos, jornalistas, comentaristas,

6
todos eles olharam direto para as manifestações de junho de 2013 em

busca de um marco simbólico e das origens daquela vitória inesperada.

Mas, apesar das vastas análises interessantes que observaram como

ponto de partida para a eleição de Jair Bolsonaro as Jornadas de Junho e

os subsequentes acontecimentos como a Operação Lava-Jato e as


manifestações pelo impeachment de Dilma Roussef, o Zeitgeist7
que permitiu um político de extrema-direita chegar ao posto máximo da

administração pública do Brasil, gerado muitos anos antes das primeiras

passeatas pelas ruas da capital do Estado de São Paulo, e através das

redes sociais.

Luís Inácio Lula da Silva foi eleito em 2002, antes do advento das

redes sociais de grande alcance. O Orkut foi criado somente no ano

2004 e, até então, a oposição e as críticas ao Partido dos Trabalhadores

se concentravam em poucos veículos de imprensa através de também

poucos jornalistas e colunistas – e já sem a presença de Paulo Francis,

crítico mordaz desde sempre ao PT – como Diogo Mainardi (via sua

8
coluna semanal na Veja), Reinaldo Azevedo (revista Primeira Leitura ),

Marco Antonio Villa (historiador), Lucia Hippolito (Rádio CBN), Olavo

9
de Carvalho (em diversos veículos ), Merval Pereira (O Globo) dentre

outros. E era preciso coragem para tecer críticas, pois, para grande parte

da imprensa e dos intelectuais no debate público, a vitória do ex-

metalúrgico e sindicalista, Lula, era quase uma experiência sobrenatural.

Logo nos primeiros meses de mandato, o governo Lula colocou em

pauta reformas da previdência e tributária – encontrando resistência até

10
mesmo dentro do próprio partido – e num discurso para a

Confederação Nacional da Indústria (CNI), criou atritos com o poder

Judiciário e Legislativo e expôs sua tendência messiânica.

Pode ficar certo que não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia,

não tem um Congresso Nacional, não tem um Poder Judiciário – só Deus será capaz de

impedir que a gente faça esse país ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria ter

deixado de ocupar. Eu acredito nisso e vou trabalhar para isso.

11
Isso causou respostas imediatas do então presidente do Supremo

Tribunal Federal (STF), Maurício Correia, e do presidente do Tribunal

Superior do Trabalho, Francisco Fausto, que solicitaram respeito à

Constituição e lembraram a demarcação de responsabilidade de cada um

dos poderes. O episódio também suscitou respostas de parte da

imprensa, como de Lucia Hippolito na Rádio CBN, e do jornalista e


analista político Merval Pereira que, nas páginas de O Globo, escreveu,

no dia 26/06/2003:

Por um momento, o pior dos pesadelos parecia ter se materializado: um presidente

voluntarista, fiado em uma popularidade alta, desafiava os demais poderes da República na

defesa de reformas que enviou ao Congresso. E, apesar das explicações do dia seguinte, não

de todo improcedentes, mas também não de todo satisfatórias, ainda fica pairando no ar a

impressão de que o presidente Lula está imbuído da certeza que tudo pode, pois está do

lado certo e tem o povo a apoiá-lo. É o fantasma do dirigente messiânico a nos rondar, e

temos motivos para temê-lo, pois sempre que se materializou acabou nos levando a crises

instiucionais graves.

Mas as críticas não eram bem toleradas e sempre causavam reações

ferozes da militância petista.

A dificuldade em se poder tecer críticas ao governo Lula e ao Partido

dos Trabalhadores não se limitava ao ambiente jornalístico e

institucional, estava presente também no dia a dia das pessoas. Nas

universidades, nas rodas de amigos, em qualquer lugar, parecia haver

uma proibição invisível: “Não se pode criticar Lula e/ou o PT. Caso um

incauto cometesse este ‘pecado’, era imediatamente caracterizado como

‘fascista’, ‘nazista’ ou que fazia parte da ‘elite que não gosta de pobre’,

mesmo que o emissor da crítica fosse pobre”.

Todo o ambiente cultural denotava aquilo que o renomado cientista

12
político, José de Souza Martins , chamou de “Reavivamento do

Sebastianismo”. Em seu livro Do PT das Lutas Sociais ao PT no


Poder, Martins verifica que:
13
Foi a Igreja , e não as esquerdas, que criou a figura poderosamente simbólica que, na

pessoa de Lula, cumpre a promessa do advento do ungido. Na verdade, um reavivamento

do sebastianismo, a espera messiânica no retorno do rei Dom Sebastião para libertar o

Reino.

Dias menciona também que, já nas vésperas das eleições de


2002, ele começou a observar:
novas evidências de uma crença messiânica em torno de Lula: pessoas querendo tocá-lo”, e

que “o episódio da visita do menino Bruno, imobilizado numa cadeira de rodas por uma

bala perdida, também vai nessa direção. Menos por uma explícita crença religiosa e mais
pela concepção implícita de que Lula é o presidente dos desvalidos, dos injustiçados, dos

fisicamente impossibilitados de serem eles próprios.

E diante tal “crença” que mobilizava a militância petista, nenhuma

crítica era tolerada.

Nem mesmo quando, nos jardins do Palácio da Alvorada, a primeira-

14
dama, Marisa Letícia, mandou plantar flores vermelhas para que

formassem uma estrela (símbolo do partido), as críticas contra a

15
imiscuidade entre o público e o privado foram bem aceitas, e os

jornalistas que as fizeram foram atacados com chuvas de cartas às

reda ções.
Em 2004, a maior parte da população brasileira não tinha acesso à

internet (ou mesmo um computador dentro de casa), de forma que o

debate público ficava restrito aos jornais, revistas e academia, e, desta

forma, distante da opinião de parte considerável dos cidadãos

brasileiros; a impressão que se formava era que a alta popularidade de

Lula seria sempre imbatível e que o governo petista era aprovado por

uma ampla maioria. Mas a verdade não era bem esta e, em 2005, a

chegada da rede social Orkut ao Brasil, pouco antes de uma entrevista

bomba que abalaria a República, mudaria radicalmente a forma do

debate público nacional.

No dia 06/06/2005, a jornalista Renata Lo Prete fez uma entrevista

com o então deputado federal Roberto Jefferson, do PTB (Partido

16
Trabalhista Brasileiro) para o jornal Folha de São Paulo , e as

denúncias incendiárias do deputado trouxeram à tona, em minúncias, o

processo de compra de apoio parlamentar pelo governo Lula: o

17
mensalão . Era uma bomba que atingia em cheio o Palácio do Planalto,

mas o assunto já estava nos jornais e revistas há meses, e também nas

comunidades da nova rede social, o Orkut, na qual discutíamos as mais

recentes colunas do Diogo Mainardi a respeito do episódio. Dois meses

após ele se despedir publicamente de Lula com o texto nomeado “Adeus,

Lula”, uma matéria na Veja denunciou que Maurício Maurinho, à época,


diretor da Agência de Correios e Telégrafos, ligado ao PTB, recebia

propinas em nome do partido e, a partir dali, as colunas de Diogo

18
Mainardi seriam dedicadas – por muitos anos – a destrinchar o

mensalão petista e nas comunidades do Orkut, competindo com outras

como “Eu acredito no Lula”, pessoas de todas as regiões do país

passaram a se reunir para falarem sobre o assunto sem risco de ser

taxado como “fascista”. Outro jornalista que também era muito lido e

comentado nas comunidades do Orkut era Reinaldo Azevedo. Seu

19
blog na Veja se tornou uma referência. Era o início dos encontros

virtuais que mais tarde virariam a chamada “bolha da direita”. E foi no

Orkut que um nome começou a ganhar muito mais relevância do que

seus artigos em jornais lhe proporcionavam: Olavo de Carvalho. Nas

comunidades dedicadas ao filósofo, já se lia conceitos que futuramente

iriam permear todo o debate da direita nas redes sociais. Em “Olavo nos

Odeia”, comunidade criada dia 09 de junho de 2004, os seguintes

20
tópicos já estavam presentes na descrição da comunidade :

VOCÊ SABIA:

- A ONU apoia o terrorismo?

- Há uma conspiração comunista global e o movimento gay é parte dela?

- A Lei da Inércia é falsa e Isaac Newton era burro?

- Há livros ensinando crianças a fazer sexo oral com elefantes?

- O Brasil hoje é uma ditadura comunista?

- A mídia apoia os gays para promover o controle populacional?

- O marxismo nasceu do satanismo?

- Darwin é o pai do nazismo?

- A web foi criada para combater o ateísmo?

- O ser humano não precisa de cérebro para viver?

- O nazismo e FMI são de esquerda?

- Bill Clinton era um agente de Pequim?

- Os EUA entraram no Vietnã para perder?


- Há 40 milhões de comunistas no Brasil?

- Não há diferença genética entre humanos e chimpanzés na gestação?

- O empresariado nunca se organizou politicamente?

- A ditadura foi branda e tinha eleições democráticas?

- Che Guevara invadiu Angola oito anos após a sua morte?

- O PT é responsável pela morte de 50 mil pessoas por ano?

- O general Geisel era comunista?

- Bush manteve seu país totalmente a salvo de ataques terroristas por

oito anos?

Esses assuntos ainda estavam restritos aos nichos dessas

comunidades em 2006, ano do lançamento da rede social que iria

revolucionar a forma de comunicação e interconectar o mundo inteiro: o

Twitter. Também em 2006, o crime da compra de parlamentares – o

mensalão – apesar de denunciado, não causou o possível


processo de impeachment que muitos esperavam, e Lula foi

releeito nas eleições daquele ano.

Com a chegada do Twitter no Brasil, muitos usuários do Orkut

migraram para a nova rede, e outras conexões entre pessoas que faziam

oposição ao PT foram sendo criadas cada vez mais. Mas era muito

difícil fazer oposição e não sofrer assédio virtual. A mínima crítica ao

Lula e ao PT era o estopim para seu espaço ser invadido por dezenas de

militantes com ameaças, xingamentos e mentiras a respeito do emissor.

De anônimos a famosos, quem se posicionava contra Luís Inácio e as

políticas do Partido dos Trabalhadores sofria ataques virtuais. Sem

dúvida, esse assédio on-line foi fundamental para o processo de

aglutinação de pessoas contrárias ao PT, não necessariamente à


esquerda. Até então, os debates se concentravam contra políticas

ecônomicas intervencionistas, casos de corrupção, aparelhamento da

máquina pública e o estilo populista do presidente Lula. Por

“populismo”, a autora refere-se ao sentido correto do termo nas


definições de Cas Mudde, Duncan Mcdonald e outros estudiosos do

21
tema .

Quando a plataforma Facebook foi inaugurada no Brasil, já havia no

Twitter uma quantidade muito relevante de pessoas insatisfeitas com o

governo do PT, com o assédio on-line e com o chamado “politicamente

correto”, termo que posteriormente seria muito divulgado dentro da

22
direita brasileira e serviria de álibi para comportamentos ofensivos de

muitas pessoas realmente racistas, xenofóbicas, misóginas e antissociais.

A migração para o Facebook foi natural. A nova rede oferecia um

espaço no qual você podia controlar melhor quem escreveria nos seus

posts, quem veria suas publicações, a possibilidade de edição, de

apagar comentários e, principalmente, espaço para textos maiores (o

Twitter limita a 140 caracteres), facilitando a divulgação de ideias e

conceitos que não circulavam com frequência no debate público. Todo o

patrulhamento que ocorria no Twitter era respondido no Facebook com

publicações que traziam desde artigos da mídia americana – como o

texto do filósofo americano Richard J. Bernstein, The Rise of


Hegemonny of the Politically Correct23 (A Ascensão da

Hegemonia do Politicamente Correto) e a indicações de livros com o

mesmo tema. Mas o fio que conectava as pessoas era, ainda, o

antipetismo e a explosão de “blogs sujos” aumentaram ainda mais o

24
sentimento anti-PT. Assuntos como o “Foro de São Paulo” eram

25
comentados por poucas pessoas, como Olavo de Carvalho (que ainda

não tinha se tornado celebridade nas redes), Heitor de Paola em seu livro

de 2008, O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem


Mundial – que também ainda não havia se tornado “febre” na bolha da
26
direita, mas que era conhecido pelos alunos de Olavo , e Reinaldo

27
Azevedo em algumas de suas colunas no blog de Veja, por exemplo .

Mas, de forma geral, não era pauta do debate ainda. A rejeição ao PT era

o principal elo de conexão e tema principal dos debates nas redes.


Desde o início de seu governo, Lula atacava a imprensa livre em

muitos de seus discursos e, com os escândalos de corrupção do seu

governo, e com a subsequente cobertura jornalística, a imprensa

tradicional (chamada por petistas de “grande imprensa” e “PIG” –

28
Partido da Imprensa Golpista ) passou a ser mais alvo de ataques. Luís

Inácio chegou a sugerir, num discurso em Quixadá/CE, dia 26/08/2005,

que “a imprensa dá as notícias, mas que seria melhor o povo ouvi-las

29
diretamente do presidente” . Ele ainda disse:

Eu acho que é importante lembrar alguns números porque os números vão ficar na cabeça

de vocês que serão mensageiros de boas notícias para aqueles que não vieram aqui ou serão

mensageiros para aquelas aves de mau agouro que não querem enxergar um dedo na frente

do nariz, as coisas que acontecem neste país. Estas pessoas que aqui precisam saber, e eu

faço questão de dizer em todo lugar, a imprensa não escreve mais, de tanto que eu já falei,

mas eu vou continuar falando porque vocês não leem a maioria dos jornais publicados

30
neste país. Então, vou ser a “Rádio Peão” e vou dar a informação para vocês .

Ele não precisou ser “Rádio Peão”, pois, no universo on-line,

surgiram dezenas de blogs pró-governo. “O fenômeno de proliferação de

blogs foi impulsionado no Brasil em paralelo à crise política de 2005,

quando blogs de política, especialmente os de jornalistas já conhecidos,

tornaram-se lugar de discussões e tomada de posição pública” (Aldé et

al., 2007, p. 29), informa a doutora em comunicação pela UFF

(Universidade Federal Fluminense), Eleonora de Magalhães Carvalho,

em seu artigo A Blogosfera Progressista Ampliada –


Categorização dos Blogueiros de Esquerda e Sua
Organização no Facebook31.
Denominados de “blogs sujos” pelos próprios blogueiros após uma

crítica do político, então candidato à presidência da República José

Serra (PSDB), durante um discurso no 8º Congresso Brasileiro de

32
Jornais em 2010 , a rede de mídia alternativa, formada por jornalistas,

historiadores, militantes e analistas progressistas, atuava com matérias e

artigos sensacionalistas pró-PT, atacava outros jornalistas e a “grande

imprensa”, pedia uma “democratização das redes sociais”, defendia


ferozmente Hugo Chávez e seus avanços sobre a imprensa venezuelana e

empresas privadas e praticava assédio virtual contra famosos e anônimos

que fizessem oposição pública ao Partido dos Trabalhadores. Nem o

filho de Diogo Mainardi, uma criança à época, foi poupado da fúria dos

blogueiros sujos. Durante anos, foi recorrente nos blogs sujos eles

injuriarem a criança e o jornalista escarnecendo da condição física do

33
menino , e muitas pessoas repreendiam e rejeitavam esses

comportamentos execráveis que já estavam se tornando práticas

generalizadas.

Reinaldo Azevedo, um dos principais alvos, em 25/03/2008,

34
escreveu : “Houve um tempo em que a imprensa vigiava o governo.

Hoje, parte da imprensa vigia a Veja para que a Veja pare de vigiar o

governo”.

Em 2010, a migração para o Facebook continuou, e a proximidade

de eleições já altamente polarizadas (PT versus qualquer um) ajudou a


aglutinar ainda mais pessoas dentro da rede. Dilma Roussef (ex-PDT,

mas candidata já filiada ao PT), sucessora de Lula, venceu, mas, apesar

de ela ter um perfil não populista como o seu antecessor, a polarização

na sociedade não apenas continuou como aumentou. O julgamento a

Ação Penal 470 (mensalão) foi televisionado. Dezenas de políticos e

empresários e seus grandes crimes de roubo do dinheiro público foram

transmitidos ao vivo, e o Brasil inteiro assistiu, estupefato, à condenação


dos envolvidos no maior esquema de corrupção da história do Brasil até

35
então. O episódio virou série, livro e, naquele momento, se posicionar

contra o Partido dos Trabalhadores passou a ser um requisito implícito

para muitas pessoas formarem ou não laços de amizades através das

redes sociais (Importante salientar que não foi um fenômeno unilateral.

Assim como ser contra o PT incidia na formação de laços sociais

virtuais, ser a favor do PT produzia o mesmo efeito nas bolhas das redes

sociais, mas em sentido oposto).


O ambiente virtual, que já estava muito tóxico, piorou muito mais

quando, em 2011, o Partido dos Trabalhadores anunciou a criação de

uma cartilha para treinar a Militância em Ambientes Virtuais, a MAV.

No 4 º Congresso do partido, em setembro de 2011, dirigentes do PT

lançaram a ideia da Militância em Ambientes Virtuais e foi notícia no

jornal Folha de São Paulo – 18/10/2011 -, com a manchete PT treina


“patrulha virtual” para atuar em redes sociais:
O PT vai montar uma “patrulha virtual” e treinar militantes para fazer propaganda e

criticar a mídia em sites de notícias e redes sociais como Twitter e Facebook. O partido

quer promover cursos e editar um “manual do tuiteiro petista”, com táticas para a guerrilha

na internet. A ideia é recrutar a tropa a tempo de atuar nas eleições municipais de 2012.

36
“Vamos espalhar núcleos de militantes virtuais por todo o país”, promete o petista

Adolfo Pinheiro, 36, encarregado de apresentar um plano de ação amanhã ao presidente da

legenda, Rui Falcão.

A atuação da MAV foi muito forte nas campanhas municipais do ano

seguinte e afastou muitos da rede social Twitter, levando-os a encontrar

37
novos “amigos” no Facebook. A MAV , sem dúvida, antecedeu a

prática de assédio on-line que, anos depois, os bolsonaristas iriam

executar nas redes sociais e que seria um vetor relevante na eleição de

Jair Bolsonaro.

Mas a Militância em Ambientes Virtuais não foi capaz nem de

prever e nem de evitar os protestos contra um aumento da tarifa dos

ônibus na capital de São Paulo e que depois se intensificariam e

chegariam a quase todos os Estados do Brasil, mas agora com bandeiras

não apenas contra aumento das tarifas: a insatisfação com o PT era

latente também dentro das esquerdas, e a dimensão dos protestos trouxe

um banho de realidade aos dirigentes petistas encastelados no Palácio do

38
Planalto. No mês de junho de 2013 , mais de 1,25 milhão de pessoas

ocuparam as ruas de mais de 130 cidades do país, e os protestos não

foram sempre pacíficos. O Brasil passou a conhecer o que significava

Black Bloc39, houve depredação do espaço público, de propriedades

privadas e o assassinato do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da TV


Bandeirantes, que teve morte cerebral após ser atingido por um rojão

jogado pelos manifestantes.

Com os eventos violentos (e repressão idem) nas manifestações de

2013, a aprovação ao governo Dilma Roussef caiu de 55% para 31%, e a

oposição ao PT deixou de ser feita por apenas uma minoria.

Todos os eventos relatados acima são importantes para compreender

o ânimo e a trajetória da direita dentro do ambiente virtual brasileiro,

pois, a partir dessa sucessão de fatores e eventos, os debates que

formariam o imaginário da direita brasileira deixaram de ser apenas uma

oposição ao governo petista e passaram a abranger conceitos que, hoje

eu sei, são, em grande parte, provenientes de correntes de direita radical

e da extrema-direita não apenas americana, mas também europeia.

Essa inoculação, a conta-gotas, de retóricas e conceitos radicais

levou alguns anos (não foi do dia para a noite) e contou com muitos

agentes e eventos que atuavam de forma deliberada e/ou sem saberem

que eram engrenagens na transmissão e propagação desses conceitos.

Nos próximos capítulos, escrevo a respeito.

Bibliografia – Capítulo 1
FRANCIS, Paulo. O Diário da Corte. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2012.
HIPPOLITO, Lucia. Gafe de Lula provoca mal-estar. Por Dentro do Governo Lula.
Birigui-SP: Editora Futura, 2005.

KAMEL, Ali. Dicionário Lula – Um presidente exposto por suas


próprias palavras. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009.
MAINARDI, Diogo. A Queda. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012.

MAINARDI, Diogo. A Tapas e Pontapés. Rio de Janeiro: Editora Record, 2004.


MAINARDI, Diogo. Lula é Minha Anta. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.

MARTINS, José de Souza. Lula Reaviva o Sebastianismo. Do PT das Lutas Sociais ao


PT no Poder. São Paulo: Editora Contexto, 2016.

PAOLA, Heitor de. O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem


Mundial. São Paulo: Observatório Latino, 2015.
PEREIRA, Merval. Tentações Perigosas. O Lulismo no Poder. Rio de Janeiro: Editora

Record, 2010.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo:


Companhia das Letras, 2019.
SECCO, Lincoln. História do PT. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2018.
SPEKTOR, Matias. 18 Dias: Quando FHC e Lula se uniram para
conquistar o apoio de Bush. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
VILLA, Marco Antônio. Mensalão – O Julgamento do Maior Caso de
Corrupção da História Política do Brasil. São Paulo: Editora Leya. 2012.

5. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/com-100-
Fonte:

das-urnas-apuradas-bolsonaro-teve-577-milhoes-de-votos.
6. “Jornadas de Junho” foram manifestações populares iniciadas na cidade de São Paulo – contra

um aumento de vinte centavos na tarifa dos ônibus – e que posterioremente se ramificaram para

o resto do país, com protestos também violentos.

7. “ Zeitgeist” é um termo alemão cuja tradução significa “espírito da época” ou “espírito do

tempo”. O conjunto do clima intelectual, sociológico e cultural de uma região em certa época

da história. Fonte: Wikipédia.

8. A revista Primeira Leitura sucedeu a revista República. Sua última edição circulou em 2006.

9. Olavo de Carvalho publicou artigos em O Globo, Folha de São Paulo, Zero Hora, Diário do

Comércio, Jornal A Tarde e Folha de Londrina. Em 2013, alguns artigos foram reunidos pelo

jornalista Felipe Moura Brasil e lançado pela editora Record com o título O Mínimo que
Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota.
10. Discurso proferido no dia 24/06/2003 para a CNI.

11. Maurício Correia divulgou nota oficial na qual consta o trecho: “Todavia, no que diz respeito

aos demais Poderes, a Constituição deve ser respeitada e, como tal, cada um deles tem seus

limites demarcados clara e expressamente”.

12. Ver https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u42041.shtml.


13. Por “Igreja”, José de Souza Martins refere-se à rede política das Comunidades Eclesiais de

Base. Segundo o autor, as CEBs foram “fundamentais para fazer do nome de Lula um nome

nacional, de esquerda, mas abençoado pela Igreja”.

14. Ver https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1604200414.htm.


15. Em 16 de abril de 2004, o Jornal Folha de São Paulo denunciou que flores vermelhas

(sálvias) havia sido plantadas, seis meses antes, em formato de estrela nos jardins do Palácio da

Alvorada.

16. Ver https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0606200504.htm.


17. “Mensalão” é uma variante da palavra “mensalidade”, usada para se referir a uma mesada

paga a deputados para votarem a favor de projetos de lei de interesse do Poder Executivo.

Fonte: Wikipédia. 

18. Parte das colunas do jornalista Diogo Mainardi para a revista Veja foram lançadas reunidas
em livros em, respectivamente, 2004 e 2007 (Editora Record): A Tapas e Pontapés e Lula
é Minha Anta.
19. O jornalista Reinaldo Azevedo teve um blog hospedado na revista digital Veja de 2005 a

2017.

20. Ver arquivo da comunidade em

https://web.archive.org/web/20160828051240/http://orkut.google.com/c87
091.html.
21. Definições no capítulo 7 deste livro.

22. A pesquisadora Moira Weigel (Universidade Harvard) publicou em setembro de 2018 um

artigo muito interessante sobre o uso do termo “politicamente correto” como álibi para a direita

https://www.revistaserrote.com.br/2018/10/um-alibi-para-
radical e extrema. Ver

o-autoritarismo-por-moira-weigel/.
23. Ver arquivo New York Times:

https://www.nytimes.com/1990/10/28/weekinreview/ideas-trends-the-rising-
hegemony-of-the-politically-correct.htm.
24. O  Foro de São Paulo  (FSP) é uma organização que reúne  partidos políticos  e

organizações esquerda, criada em  1990, a partir de um seminário internacional


de 

promovido pelo  Partido dos Trabalhadores  (PT), do  Brasil,  que convidou outros

partidos e organizações da  América Latina  e do  Caribe  para promover alternativas às

políticas dominantes na região durante a  década de 1990, chamadas de “neoliberais”  e

para promover a  integração latino-americana  no âmbito econômico, político e cultural.

Fonte: Wikipédia.

25. Olavo, em muitos artigos, já havia mencionado o Foro de São Paulo, mas a discussão ficava

restrita aos seus alunos. Ver https://olavodecarvalho.org/o-foro-de-sao-paulo-


versao-anestesica/.
26. Olavo de Carvalho prefaciou o livro O Eixo do Mal Latino-Americano de Heitor de

Paola, da editora É Realizações. Em 2015, o livro foi reeditado pela editora Observatório

Latino.

27. Ver “O Congresso do PT”, de 22/08/2007 – Publicado em livro O País dos Petralhas –

volume I – editora Record.

28. Partido da Imprensa Golpista  (comumente abreviado para  PIG  ou  PiG) é uma expressão

criada pelo finado jornalista  Paulo Henrique Amorim e usada por apoiadores do Partido dos

Trabalhadores, entre outros, para descrever um conjunto de veículos midiáticos que, segundo

eles, teriam em comum valores conservadores  e fariam oposição ao Partido dos Trabalhadores

e à esquerda política. Fonte: Wikipédia.

29. Ver Ali Kamel, Dicionário Lula – editora Nova Imprensa – verbete “Imprensa”.
30. Discurso proferido no lançamento do Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do

Banco do Brasil e inauguração do Centro de Comercialização da Agricultura Familiar de

Quixadá/CE, no dia 26/08/2005.

31. Link para download do artigo de Eleonora de Magalhães Carvalho:

https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro/st-10/st17-8/10309-
a-blogosfera-progressista-ampliada-categorizacao-dos-blogueiros-de-
esquerda-e-sua-organizacao-no-facebook/file.
32. “Blogueiros sujos”, expressão que surgiu a partir de uma crítica do então candidato do PSDB

à presidência, José Serra, quando este acusou o governo federal de financiar “blogs sujos”,

durante um discurso ao 8º Congresso Brasileiro de Jornais em 2010. Fonte: Artigo A


Blogosfera Progressista Ampliada, de Eleonora de Magalhães Carvalho.
33. Tito Mainardi, filho de Diogo Mainardi, sofreu uma condição de paralisia cerebral provocada

por erros médicos durante o processo do parto. O hospital em Veneza perdeu o processo e

indenizou a família. Tito segue saudável, feliz e amado.

34. Trecho em “Ó Tempos, Ó Costumes”, publicado no livro O País dos Petralhas, editora

Record.

35. O historiador Marco Antonio Villa lançou, em 2012, pela editora Leya, toda a trajetória do

julgamento da Ação Mensalão – O Julgamento do Maior Caso de


Penal 470:

Corrupção da História Política Brasileira.


36. Ver https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1810201110.htm.
37. Ver artigo de Álvaro Lorencetti – Universidade Federal de São Carlos –

http://www.semacip.ufscar.br/wp-content/uploads/2014/12/Campanhas-
eleitorais-na-internet-o-surgimento-do-MAV-PTSP.pdf.
38. No livro Amanhã vai ser Maior – editora Planeta -, da antropóloga Rosana Pinheiro-

Machado, um capítulo inteiro é dedicado ao tema: “A Revolta dos 20 centavos”.

39. Black Bloc  é uma  tática  de  ação direta, de corte  anarquista, empreendida
por grupos de afinidade que se reúnem, mascarados e vestidos de preto, para protestar em

manifestações de rua, utilizando-se da  propaganda pela ação  para desafiar


o establishment e as forças da ordem. Fonte: Wikipédia.
Capítulo 2

“Fantasias de salvação”:

o olavismo na formação

do zeitgeist

Mercadorias intelectuais não deixam de ser


mercadorias, mas pelo menos dão

a ilusão de uma certa grandeza.

Gonçalo M. Tavares
Uma Viagem à Índia
40
Uma pesquisa produzida pelo Instituto Datafolha em 2013 sobre o

comportamento ideológico do brasileiro revelou que “48% dos

brasileiros tende a ser de direita, dentro de um espectro que vai da

direita (11%) a centro-direita (38%)”. A metodologia utilizada na

pesquisa foi uma série de perguntas relacionadas a questões envolvendo,

superficialmente, concepções políticas e sociais como posse de armas,

migração, homossexualidade, pena de morte, criminalidade, religião,

sindicatos e outros temas. Muitas perguntas e respostas simples para

temas complexos, mas que exemplificaram um panorama pouco

reconhecido pelas esquerdas nacionais: a tendência de parte relevante do

eleitorado brasileiro era conservadora apesar de não terem noções mais

aprofundadas sobre o que significava ter a disposição conservadora e

nem representação política estabelecida. A pesquisa, coincidentemente,

refletiu aquilo que estava acontecendo dentro da bolha virtual da direita

a partir – com mais frequência – de 2012/2013: as discussões nas redes,

em especial no Facebook, deixaram de ser apenas contra o PT e se

ampliaram para outros temas. Foi o período no qual conceitos sobre


“esquerda x direita”, teorias sobre “globalismo”, “revolução cultural

gramsciana”, “birtherismo”, George Soros, “gayzismo”, “Nova Ordem

Mundial”, “Guerra Cultural”, “Marxismo Cultural” e outras ideias –

veremos mais tarde suas origens partindo da direita radical e extrema

estrangeira – passaram a ser introduzidos no debate público desta bolha.

41
O “olavismo ” havia saído do gueto.

A paisagem intelectual brasileira nunca foi – conforme argumentam

os intelectuais ressentidos – um deserto de ideias ligadas ao pensamento

conservador e liberal. Grandes nomes foram reverenciados até por

opositores ideológicos, cito alguns como José Bonifácio, José

Guilherme Merquior e Nelson Rodrigues. Já na década de 2000,

comunidades no Orkut, algumas revistas, blogs e livros (poucos

lançamentos) ofereciam conteúdos àqueles que se posicionavam mais à

direita do espectro político. Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho e

Denis Rosenfield lançaram, em 2012, o pequeno livreto Por Que Virei


à Direita42 que encontrou público relevante. O que não havia ainda era
o conservadorismo radical e a extrema-direita dentro do mainstream.

A partir de 2013, a ascensão do grupo de alunos e ex-alunos de Olavo de

Carvalho – com suas fantasias de salvação – e a amplificação do

processo de mitificação do filósofo (já presente entre seus alunos)

resolveria essa questão.

Olavo de Carvalho, ensaísta e filósofo autodidata nascido em

Campinas e desde 2005 radicado em Richmond, Virgínia, EUA, trazia

explicações para tudo. Autor de uma vasta obra, seus escritos abarcam

temas diversos: vocação, espiritualidade, linguagem, religião,

geopolítica, educação, aborto. Antes restrito a pequenos grupos de

alunos, em 2013, Olavo tornou-se um popstar. Seus alunos

mimetizavam o mestre, opinando a respeito de todos os assuntos com

longos textos (o Facebook facilita muito o compartilhamento de grandes

artigos por não haver restrição de caracteres), gramaticalmente bem


escritos e que causavam a impressão de alta erudição, “a ilusão de uma

certa grandeza”.

Para explicar a falta de representatividade de “direitistas” no debate

público e no Congresso, dos principais argumentos utilizados por Olavo

de Carvalho, dois estão sempre presentes em seus milhares de artigos: a

“hegemonia cultural marxista” e a “Estratégia das Tesouras”. Imprensa,

academia, instituições, segundo Olavo, foram totalmente dominadas

pelo “marxismo cultural”:

O sucesso de quarenta anos de ‘revolução cultural gramsciana’ foi tão avassalador – dada a

completa falta de resistência – que os valores, critérios e até cacoetes mentais do

movimento comunista internacional se incorporaram no ‘senso comum’ brasileiro e já não

são reconhecidos como tais: são aceitos passivamente pela sociedade, sem consciência de

43
suas implicações ideológicas .

E complementa afirmando que a não existência de partidos políticos

de direita no Brasil era resultado de

uma obra de engenharia social criada pela própria esquerda com três objetivos finais: (1)

ocultar sua hegemonia e seu poder monopolístico sob uma aparência de disputa

democrática normal; (2) neutralizar quaisquer tendências direitistas, canalizando-as para

uma direita pré-fabricada; (3) dominar todo espaço político por meio do jogo de duas

correntes partidárias fiéis ao mesmo esquema ideológico, só separadas por disputas de

44
cargos. Essas três linhas de ação definem exatamente o que Lênin chamava ‘estratégia

45 46
das tesouras’ , termo inspirado na ideia de cortar com duas lâminas.

Argumentações baseadas nessas explicações de Olavo eram

compartilhadas no Facebook com uma velocidade impressionante. A

oposição pontual ao Partido dos Trabalhadores deixaria de ser o foco do

debate público e temas como “guerra cultural” e “marxismo cultural”

passaram a preponderantes nas discussões. Em pouco tempo, a maior

parte dos usuários estariam utilizando esses termos e conceitos e ser

47
“olavete ” era considerado sinônimo de prestígio.

Antes de seguir com a trajetória dos acontecimentos, é preciso abrir

um parentêse para falar sobre o olavismo.

Olavo de Carvalho já era conhecido, conforme mencionado

anteriormente, por alguns intelectuais, jornalistas, por pequenos grupos


que o acompanhavam desde a época na qual ele ministrava pequenos

cursos heterodoxos de filosofia e por aqueles que frequentavam

comunidades no Orkut dedicadas a ele (e nas quais ele também

participava com comentários esporádicos), além do seu site Mídia Sem

Máscara (MSM), criado em 2002. Porém, foi com o True Outspeak, seu

programa de rádio lançado em 2006, que ele foi angariando mais fãs e

seguidores. Em seguida, o seu curso on-line de filosofia, o COF

(Seminário de Filosofia), ampliou sobremaneira a sua influência.

Olavo nunca escondeu que se propunha a criar uma “elite cultural”

no Brasil. No artigo publicado pelo Diário do Comércio em fevereiro de

2018 (e posteriormente reproduzido na edição revista e atualizada de

A Nova Era e a Revolução Cultural: Frijot Capa &


seu livro

Antônio Gramsci, Vide Editorial), ele afirma:


Fora dos círculos do liberalismo oficial, noto com satisfação algumas iniciativas novas

destinadas a formar uma intelectualidade conservadora e liberal apta a oferecer uma

resistência séria à ‘revolução cultural’. Essas iniciativas partem de estudantes, de

intelectuais isolados, e não têm nenhum apoio dos partidos ‘de direita’, nem muito menos

do empresariado. Mas é delas que dependerá o futuro do país, se algum houver.

Ele se referia aos grupos de brasileiros que viajavam para a sua

residência na Virgínia (EUA), a fim de realizarem o curso de filosofia

que ele oferecia e que depois se tornou um curso on-line. Esses

primeiros alunos do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho

postavam, em 2013, as fotos de suas viagens como se fossem relíquias

valiosas.

Olavo de Carvalho parecia realizar algo muito original aos olhos de

48
muitos, e a própria descrição do curso denotava esse sentimento:

O Seminário é, em primeiro lugar, um curso de filosofia (o único que pode ajudar você

a praticar a filosofia em vez de apenas repetir o que outras pessoas, ilustres o quanto se

queira, disseram a respeito dela).

Mas, pela sua própria natureza, a filosofia não é um saber especializado sobre uma

determinada classe de objetos: é uma atividade integral da inteligência que se volta sobre

todos os campos do saber e da experiência em busca de sua unidade, de seu fundamento e

de sua significação última para a consciência humana.


Não há limites, portanto, para os conhecimentos especializados que possam se tornar

necessários, como subsídios auxiliares ao aprendizado e exercício da filosofia: a formação

filosófica é, também e inseparavelmente, a abertura da inteligência à totalidade sistêmica

dos conhecimentos humanos.

Por essa razão,  o  Seminário  é também um sistema de educação integral, com abertura

para os seguintes campos de estudos, além da filosofia  stricto sensu:


- Religião comparada;

- Letras e artes;

- Ciências humanas;

- Ciências da natureza;

- Comunicação e expressão.

Essa abrangência torna o Seminário uma espécie de introdução geral aos estudos

superiores em sua totalidade.

Mas isso não é tudo.

Como a filosofia consiste, sobretudo, em unidade do conhecimento na unidade da

consciência, os vários campos do saber abrangidos no  Seminário  não constituem uma

somatória de elementos inconexos, e sim a visão sintética da unidade orgânica do

conhecimento humano.

Graças a esse enfoque, o  Seminário  torna-se ainda  teoria e prática do conhecimento

interdisciplinar.

No entanto, a filosofia nunca pode constituir mera atividade profissional e universitária,

desligada da intimidade pessoal daquele que a exerce. Ela é, por definição,  exercício da

autoconsciência, que busca sistematicamente os nexos entre o saber, o ser e o agir, na

unidade da consciência individual do filósofo.

A unidade do saber, do ser e do agir é a meta de toda filosofia: é a conquista

da sabedoria.

Buscando constantemente o nexo entre conhecimento e autoconsciência, o filósofo (ou,

o que é exatamente o mesmo: o estudante) submete-se à  disciplina da sinceridade, que se

torna, de maneira lenta, gradual e segura,  um caminho de ascese espiritual: o

desenvolvimento do senso pessoal da verdade.

Como, ademais, a inteligência humana não se desenvolve em mais ou em menos

segundo as taxas fictícias de algum QI inato ou segundo tais ou quais determinações

ambientais supostamente invencíveis, mas apenas segundo a maior ou menor determinação

de cada homem no sentido de buscar a verdade e integrá-la nas estruturas de sua

personalidade e nas linhas de seu modo de agir, o seminário torna-se também  um método

de desenvolvimento da inteligência pessoal.

Eis aí o que é o seminário de Filosofia:

- Um curso de filosofia;

- Um sistema de educação integral;

- Uma introdução geral aos estudos superiores;

- Uma teoria e prática da interdisciplinar;


- Um caminho de ascese espiritual;

- Um método de desenvolvimento da inteligência pessoal.

Caso esses seis objetivos lhe pareçam grandes demais para poderem ser atingidos todos

de uma vez, o próprio Seminário lhe mostrará que não é possível atingir nenhum deles

separadamente:  filosofia,  educação integral,  ampliação do horizonte cognitivo,  unidade do

conhecimento,  ascese espiritual fundada na autoconsciência  e  desenvolvimento da

inteligência humana são, apenas, seis nomes de uma só e mesma coisa.

O Seminário não promete dar a você nenhuma delas, porque nenhuma delas é coisa que

se possa receber de presente. Promete apenas mostrar-lhe o caminho para conquistá-las e

torná-las suas para sempre.

De você, ele só exigirá duas coisas: sinceridade e esforço tranquilo.

Olavo de Carvalho

Parecia original, mas não era.

Olavo de Carvalho pôs em prática uma proposta de “renascimento

cultural e espiritual” do Brasil através da criação de um “grupo de elite

intelectual” sob sua mentoria, que muitas décadas antes já havia existido

com objetivos similares, na Romênia: o grupo Criterion. As

semelhanças entre o “olavismo” e o grupo romeno do período entre

guerras se estendem também a um dos seus principais influenciadores, o

filosófo Nae Ionescu.

49
O Criterion, nas palavras de Vladimir Tismaneanu , “foi uma

constelação de filósofos, sociólogos, escritores e artistas brilhantemente

criativos, todos convencidos de que tinham a missão de regenerar a

cultura romena, posicionando-se iconoclasticamente em oposição a seus

50
predecessores” .

Mircea Eliade, Emil Cioran, Eugène Ionesco (o criador do “teatro do

absurdo”) e Constantin Noica foram alguns dos nomes de intelectuais

romenos ilustres que participaram do grupo. E a evolução deste grupo

coincidiu com a ascensão do fascismo na Romênia, informa a

historiadora, artista teatral e poetisa, Cristina A. Bejan, autora de

Intellectuals and Fascism in Interwar Romania: The


Criterion Association (2019):
Quando a Criterion começou a se desintegrar, seu grupo de amizade e a Criterion se

desfizeram em favor de um coletivo alternativo: o Movimento Legionário. Cioran, Eliade,

Noica e Sadova tornaram-se fascistas; Comarnescu, Ionesco e Sebastian, que era judeu,

não. Este foi um período doloroso para todos. O coletivo aparece novamente em duas

instâncias que representam o extremismo político: a advertência de Ionesco a sua geração

contra a ameaça de rinocerização (conversão ao extremismo) e o pensamento político

coletivo, e o lamento de Sebastian de que Nae Ionescu incentivava seus alunos a se

juntarem ao coletivo político e rejeitar o individualismo (...) Eliade nunca se desculpou por

seu erro juvenil, enquanto Cioran expressou arrependimento durante seus últimos anos em

Paris. Muitos criterionistas sucumbiram à traição que Julien Benda criticou em seu estudo

de 1927, A Traição dos Intelectuais. Os intelectuais, les clercs, desviaram-se de sua

verdadeira e única vocação de pensamento e, em vez disso, deixaram que as paixões

51
políticas se tornassem parte de sua missão .

A principal influência intelectual sobre aqueles jovens romenos (que

posteriormente tornaram-se fascistas) foi o filósofo Nae Ionescu.

Assim como Olavo de Carvalho, Nae Ionescu angariou discípulos

fiéis a partir de seu trabalho como editor de jornal e professor de

filosofia “fora do comum”. Testemunhos dos alunos de Nae Ionescu

parecem reproduções dos testemunhos de alunos e/ou ex-alunos do

52
Olavo (eles fazem muitos testemunhos públicos – com submissão

religiosa – e cada vez mais):

Em 1925, seu primeiro ano na universidade, participando do seminário de Ionescu sobre a

história da lógica sobre o tema 'Fausto e o problema da salvação', Eliade escreveu: 'Quando

[Ionescu] olhou para o auditório, parecia que um raio atingiu o corredor. Eliade observou

que Ionescu não falava para toda a sala de aula dos alunos como outros professores faziam.

Ele não estava dando “uma lição nem uma palestra”. Ele apresentou os fatos, com um fluxo

de informações e então esperou seus comentários, interpretações e respostas. Ele deu a

impressão de falar diretamente com cada aluno. Você tinha a impressão de que toda a

palestra foi apenas parte de um diálogo contínuo, que cada um de nós foi convidado a

participar da discussão, a dar sua opinião no final da hora. Você sentiu que o que Nae

Ionescu tinha a dizer não podia ser encontrado em nenhum livro. Foi algo novo, recém-

concebido e organizado bem na sua frente. Era um tipo de pensamento original e, se esse

tipo de pensamento interessasse a você, você sabia que não poderia encontrá-lo em lugar

nenhum, exceto aqui, em sua fonte. O homem falava diretamente com você: revelando

53
problemas, ensinando-o a resolvê-los e forçando-o a pensar.”

Eliade também declarou que Ionesco foi “um professor que sempre

nos encorajou ir às fontes, para não nos contentarmos com livro sobre,

mas para lermos, sempre que possível, um texto no original”. Olavo de


Carvalho faz o mesmo em seus videoaulas. O “estilo de Ionescu

significou uma ruptura frente à academia tradiconal romena. O ato de

filosofar em matérias de jornal, até então só havia sido feito por

54 55
Unamuno e Ortega Y Gasset” .

56
Com um estilo “paideico ” como o de Nae Ionescu, o fascínio que

Olavo de Carvalho exercia sobre seus alunos estava explícito nas redes

sociais no ano de 2013.

E esse fascínio era, parcialmente, explicável: além do sentimento de

pertencimento a um grupo que se considerava uma elite intelectual que

iria executar um “resgate da alta cultura no Brasil”, Olavo fazia

sentirem-se muito especiais, muito acima de todos aqueles que não eram

seus alunos. Com sua vasta bagagem cultural e intelectual,

conhecimento em programação neurolinguística e, o mais importante, as

centenas de humilhações públicas que ele e outros alunos executavam

contra aqueles que não aceitavam ser completamente submissos e

devotos à sua autoridade, Olavo introduzia nos seus alunos um enorme

sentimento de orgulho, superioridade e invencibilidade que, tornando-os

fanáticos em prol de sua figura, resultaria em pessoas sem limites

morais conforme testemunhamos.

O Curso Online de Filosofia, Seminário de Filosofia de Olavo de

Carvalho, iniciado em 2009, compreende quase quinhentas videoaulas,

cursos avulsos, podcasts e não tem data fixa de término. Nas

primeiras aulas do curso, Olavo solicita que o aluno escreva o próprio

57
necrológio , um exercício de autoglorificação no qual o aluno presume-

se morto e – escrevendo em terceira pessoa – enaltece sua suposta vida

pregressa sem fracassos, pois é baseada na sua visão ideal de si mesmo.

O impacto do exercício “Necrológio” ainda hoje produz testemunhos

públicos dos seus alunos. Em 2017, uma aluna (que posteriormente

58
seria lotada no Ministério da Educação e Cultura), escreveu :

Não sou capaz de descrever o impacto disso tudo em mim. Saber quem você é, e quem

deseja ser, muda tudo. Gera segurança, mas também entendimento do que é preciso fazer.
Cria responsabilidades, e faz com que fique mais claro o quanto me prejudico quando

tenho preguiça, procrastino, ou fujo do que é a minha essência. Esse é apenas um dos

muitos exercícios que o prof. Olavo de Carvalho recomenda no COF, e cada um deles nos

torna pessoas mais autoconscientes e melhores. É o tipo de coisa que repórteres da Folha e

da Veja jamais serão capazes de entender, e que faculdade nenhuma jamais vai ensinar.

Esse é um tesouro reservado aos seus alunos, e eu fui agraciada por poder estar entre eles.

Além de introduzir na mente de seus alunos uma ideia de grandeza

acerca de si próprios, o necrológio servia também a Olavo de Carvalho

para escarnecer dos alunos que ousassem contestá-lo. Em 2016,

59
publicou o exercício de um ex-aluno, Carlos Velasco, para

desmoralizá-lo publicamente:

Quando o Carlos Velasco começou a espalhar maledicências pela internet, reclamei e ele

respondeu que tinha autoridade para testemunhar, pois tinha sido meu aluno. Não acreditei

e pedi ao Sílvio Grimaldo para averiguar nos registros de alunos. Ele confirnou que o

sujeito estivera inscrito no curso durante uns meses, e como prova me enviou o exercício do

necrológio do cidadão. Aí lembrei que tinha guardado o documento anos antes, porque me

parecera coisa de doente mental.

A partir de ataques públicos de Olavo contra alunos ou

personalidades públicas que o constestavam, seguiam-se dezenas de

testemunhos de outros alunos em defesa do professor. Em seus

aniversários, os textos eram similares a testemunhos de conversão

religiosa. A imagem que criavam de Olavo era sempre de salvação,

60
quase um santo , de acordo com o aluno Silvio Grimaldo (que também

receberia um cargo no governo Bolsonaro e depois seria exonerado):

É justamente por isso, por conta do coração sem igual do nosso professor, que para cada

dois Velascos que surgem de uma nuvem de enxofre com historinhas fantasiosas, levantam-

se dois mil desconhecidos, anônimos, com uma história real de como o Olavo mudou suas

vidas, de como os salvou da degradação em que estavam e lhes ajudou a encontrar um

caminho para Deus e para a verdade. Todos nós que recebemos a vida de volta graças ao

Olavo somos também seus filhos. E estamos muito agradecidos por isso tudo.

Outro aluno dizia que “O Olavo foi instrumento de Deus que trouxe

de volta para os templos pessoas das mais variadas denominações. Essa

variedade já é uma prova da importância dele. Que Deus abençoe este

homem”.
Demonstrações públicas de gratidão e devoção ao professor eram

incentivadas pelos principais formadores de opinião da bolha da direita.

61
O jornalista Alexandre Borges escreveu em 29 de abril de 2017,

aniversário de Olavo, convocando seus seguidores a fazerem

homenagens relacionando gratidão à salvação:

Hoje o mestre Olavo de Carvalho faz 70 anos. Faça sua homenagem, sem gratidão não há

salvação. Descobri o True Outspeak há 10 anos quando buscava podcasts para ouvir na

Dutra. Morava em São Paulo e vinha regularmente ao Rio de carro, uma viagem de seis a

oito horas dependendo do trânsito. Já no primeiro programa baixado, Olavo falava de

política, filosofia, cultura e religião em termos totalmente desconhecidos por mim. Ele

citava autores que nunca havia ouvido sequer o nome. Resolvi investir e ouvir programas

anteriores, ler os livros mencionados no programa, e o resto é história. Sem o True

Outspeak, eu não estaria aqui, não seria analista político e não teria o privilégio de uma

comunidade com mais de 120 mil seguidores que cresce a cada dia. Obrigado, mestre

Olavo! Vida longa e feliz aniversário!

O Facebook foi tomado pelos alunos de Olavo. Com textos extensos,

reproduziam os temas que o filósofo publicara em seus livros. Com o

lançamento do livro O Mínimo Que Você Precisa Saber Para


Não Ser Um Idiota (organizado pelo jornalista Felipe Moura

62
Brasil e publicado pela Editora Record), Olavo transformou-se num

fenômeno pop. O livro que reunia seus artigos, sob os vários temas, logo

entrou na lista dos mais vendidos. Note-se que o título denota o

sentimento de superioridade intelectual sempre presente entre os alunos

do Seminário de Filosofia.

Os algoritmos da plataforma e a coesão do grupo “olavete”

amplificaram a camâra de eco dentro da bolha da direita. Os alunos

principais compartilhavam os artigos com tópicos como “globalismo”,

“gayzismo”, “guerra cultural” e, em poucos minutos, com o

compartilhamento entre eles próprios – um indicando o texto do outro –

a publicação alcançava dezenas de milhares de usuários. Saía o

antipetismo e entrava na órbita do debate público as teorias da extrema-

direita internacional, mas camufladas como “conservadorismo

tradicional” e “liberalismo”.
De repente, se posicionar como conservador e liberal era legal e

desejado. E ser aluno de Olavo de Carvalho, sinônimo de status. Fora

dessa categoria, todos eram considerados inimigos a serem combatidos.

Muitos daqueles alunos que conseguiam angariar dezenas de

milhares de seguidores e transformaram-se em formadores de opinião da

nova direita brasileira já eram alunos de Olavo de Carvalho há longa

data. O curso on-line já durava quatro anos, e a coesão do grupo era

mais evidenciada quando ocorria mais um dos inúmeros episódios de

escrachos públicos que Olavo executava contra aqueles que discordavam

de uma opinião sua ou o contestavam. Os alunos mais famosos, em

geral, participavam do linchamento virtual. Na melhor das hipóteses,

ficavam calados e não defendiam o alvo nem mesmo se fosse um amigo.

A regra implícita, que depois viraria bordão e apareceria em cartazes

nas manifestações, era que Olavo tinha sempre razão, por mais errado

que estivesse e não importando o seu comportamento execrável e em

desacordo evidente com os preceitos cristãos alegados por ele. O

sectarismo seria uma marca registrada tanto dos olavetes quanto de

muitos ex-olavetes, assim como a devoção quase religiosa ao professor.

63
Várias características de seita estavam presentes:

1. Organização com uma estrutura simples e pouco burocratizada, quase sempre sem a

distinção entre clérigos e laicos.

2. Associação voluntária, mas exclusivista, ou seja, os membros da seita não podem

pertencer a uma outra organização.

3. A seita, que nasce normalmente no seio de um movimento religioso mais amplo,

reivindica a exclusividade, o monopólio da “verdade” religiosa.

4. O líder religioso é o mensageiro da “verdade suprema”; quase todos os fundadores de

Igrejas e outras confissões religiosas, legam aos seus fiéis, de uma forma oral ou escrita,

as suas experiências marcantes do contacto com o sagrado.

5. Os seus membros, que renascem numa nova espiritualidade, consideram-se os eleitos, ou

seja, que foram escolhidos por Deus, pelo líder (o guru) ou outra entidade religiosa, para

desempenhar um importante papel no mundo.

6. O proselitismo é seletivo, ou seja, a tentativa de conversão incide apenas sobre um

número reduzido de pessoas.

7. Apoia-se na conversão pessoal, que implica mudanças radicais no modo de vida e uma

forte componente emocional.


8. Adotam ideias e comportamentos muito próprios e exclusivos.

9. Todos os seus membros tendem a uma perfeição “holística como ser humano”.

10. Propaga a idéia que pertencer a ela é um prêmio aos méritos pessoais do pretendente,

tais como: conhecimento da doutrina, experiência de conversão, recomendação de um

membro mais antigo.

11. Há grande participação dos laicos nas cerimônias religiosas.

12. Durante os cultos os membros devem expressar a sua total fidelidade ao líder.

13. É pouco dialogante e defende energicamente a sua ideologia, provocando, quase

64
sempre, um enorme isolamento do mundo.

Donizete Rodrigues, Novos movimentos religiosos

O rompimento de eventuais alunos com Olavo de Carvalho sempre

era traumático. Em geral, o indivíduo era hostilizado pelo grupo,

escrachado publicamente e considerado inimigo. Ao mesmo tempo, a

lealdade do grupo “olavetes” ao mentor era total. O sentimento de

superioridade por fazer parte do grupo de alunos era incentivado por

Olavo desde a primeira aula. A ideia de que aqueles alunos eram

especiais e tinham nas mãos o destino da cultura de um país inteiro e

que ele próprio era o único educador que existe no Brasil capaz de criar

uma elite espiritual e cultural para a salvação da nação é textualmente

mencionada pelo professor na aula 01.

O estilo de escrita hiperbólica de Olavo de Carvalho, seus truques

linguísticos para forjar a imagem de grandeza intelectual e também

excluir os contrassensos passaram a ser mimetizados por seus alunos

(em muitos casos, a mimetização incluía o vestuário, os bordões e até

mesmo fumar cigarros da mesma marca do mentor). As hipérboles,

constantes, misturavam-se a uma pretensa superioridade intelectual, e a

não aceitação de suas afirmações trariam, como resultado, punições

imateriais, como uma suposta miséria moral e definhamento intelectual:

65
Quando a obra de um único autor é mais rica e poderosa que a cultura inteira do seu

país, das duas uma: ou o país consente em aprender com ele ou recusa o presente dos céus

e inflige a si próprio o merecido castigo pelo pecado da soberba, condenando-se ao

definhamento intelectual e a todo o cortejo de misérias morais que necessariamente o

acompanham.
De tempos em tempos, Olavo realizava testes para verificar o seu

grau de influência e a submissão devota de seus alunos. Introduzia nas

discussões teorias delirantes como Terra plana e, desta forma, ampliava

os limites de aceitação de seus alunos perante qualquer absurdo que ele

proferisse. Mesmo diante do absurdo de suas afirmações, seus alunos

procuravam defendê-lo e argumentavam a respeito da teoria como se de

fato houvesse legitimidade naquilo proposto por Olavo. Parte dessa

devoção era proveniente de outra teoria de Olavo de Carvalho, a teoria

das 12 camadas da personalidade. De acordo esta teoria, motivações

inconscientes e/ou conscientes dos indivíduos formam sua personalidade

e há uma hierarquia, sendo as últimas camadas aquelas nas quais o

indivíduo atinge o estágio máximo de superioridade espiritual, pois age

de forma consciente para modificar o rumo da história e alcançar a

transcendência, a redenção diante de Deus. Olavo situa-se na décima-

primeira, uma camada anterior ao podium, no qual a teoria indica,

como exemplos, Jesus, Maomé, Moisés, Sidartha Gautama e Gandhi.

Entre seus alunos, não é incomum declarações nas quais consideram

Olavo de Carvalho um homem santo e competem entre si de acordo às

66
suas supostas posições na hierarquia da teoria das 12 camadas .

Em 2013, o Brasil fervia, as Jornadas de Junho tomaram grandes

proporções, mas o episódio definidor foi a chegada de Olavo e seus

alunos ao debate público que ocorria nas redes sociais.

Quando, em 2014, Dilma Roussef foi reeleita, houve o início da

operação Lava-Jato e o MBL (Movimento Brasil Livre) surgiu, o

ambiente cultural nas redes sociais era majoritariamente pautado pelas

teorias (especialmente as conspiratórias) publicadas por Olavo e seus

67
alunos. E, até então, com exceção do evento “Os 20 do Masp ” em

janeiro de 2013, manifestações de rua eram sempre convocadas pelos

movimentos ligados às esquerdas. Somente ao final de 2014, com o

avanço da operação Lava-Jato e as denúncias do maior esquema de

68
corrupção da história do país – que envolveu grandes empresas
privadas e estatais e o poder público – a direita tomou conta das ruas em

manifestações que começaram tímidas e pequenas, mas que, no ano

seguinte, se tornariam as maiores já registradas no Brasil.

O primeiro grupo a se descartar na convocação de manifestações

69
contra a corrupção foi o “Vem Pra Rua” , uma associação civil

suprapartidária criada em outubro de 2014. No mês seguinte, surgiu o

MBL com pautas que contavam, além de anticorrupção e anti-PT do

“Vem Pra Rua”, com a defesa de conceitos do liberalismo – mais foco

no liberalismo econômico – e pautas reproduzidas pelos seguidores de

Olavo como “Fim do Foro de São Paulo” e impeachment de

ministros do STF. Criado por Renan Santos, Kim Kataguiri (hoje

deputado federal), Gabriel Calamari, Frederico Rauh e Alexandre Santos

– todos jovens abaixo dos trinta anos –, o MBL trouxe para o debate

70
público a forma “memética” de se fazer política (oriunda do

movimento alt-right americano, que será explanado em capítulo a

seguir) e os sites de mídia com linguagem sensacionalista e beligerante –

71
um dos mais famosos e compartilhados era o Ceticismo Político , de

Carlos Afonso Augusto (que atuava com o pseudônimo “Luciano

Ayan”). Rapidamente os movimentos ganharam centenas de milhares de

seguidores e em breve as manifestações de rua se tornariam as maiores

já registradas no Brasil.

O movimento de direita no universo virtual era uma realidade.

Dezenas de hangouts72 aconteciam mensalmente (o cantor Lobão


73

iniciou com esse formato os vídeos anti-PT e obtinha números

impressionantes de visualizações) cujo formato foi copiado por muitos

outros formadores de opinião. Ser compartilhado por algum “formador

de opinião” garantia centenas de seguidores imediatamente (esta autora

teve um texto viralizado e, em pouco mais de uma hora, havia mais de

quatro mil pessoas seguindo o meu perfil) e os mais diversos tipos de

pessoas – de intervencionistas a democratas – participariam das

manifestações que tomaram conta das ruas nos anos seguintes.


Olavo de Carvalho, que surfava numa enorme onda de popularidade,

sairia dos limites do debate virtual, e menções ao seu nome seriam

vistas dezenas de vezes, nas manifestações a partir de 2014. O bordão

“Olavo tem razão” havia surgido e viralizado nas redes após o jornalista

74
e analista político Alexandre Borges compartilhar uma foto tirada por

um leitor na qual se lia – em poltrona de um ônibus comercial do Rio de

Janeiro – a frase que viralizaria a ponto de estampar camisetas e

acessórios (xícaras, cadernos etc.). O olavismo não estava mais restrito à

bolha virtual da direita, agora estava nas ruas, e outro nome começaria a

aparecer, através do próprio Olavo de Carvalho e seus alunos: a família

Bolsonaro.

Desde as primeiras manifestações, Eduardo Bolsonaro – filho de Jair

Bolsonaro – participava subindo em trios elétricos de alguns

movimentos, enquanto Jair Bolsonaro ainda exibia alta rejeição (o então

deputado foi vaiado em várias manifestações). Mas a família Bolsonaro

tinha um nome de peso ao seu lado, Olavo de Carvalho, que já em 2014

75
apoiava abertamente Bolsonaro como um nome para representar a

direita e a criação de uma militância.

Se Bolsonaro era vaiado nas manifestações, no mundo virtual,

começava ocorrer o contrário. No Facebook, surgiram páginas com

linguagem memética, ofensiva, irônica com ataques à imprensa e às

pessoas ligadas ao PT. Essas páginas foram as pioneiras em promover a

mitificação em torno do nome de Bolsonaro – Bolsonaro Opressor 2.0.

76
Criada por um rapaz de Campina Grande/PB, Tercio Arnaud Tomaz ,

“Bolsonaro Opressor 2.0”, rapidamente, angariou milhares de

seguidores. Memes que emulavam a foto em preto e branco do “Olavo

tem razão” agora exibiam Bolsonaro e o epíteto “mito”.

Concomitante à “olavização” nas redes sociais, à explosão de

hangouts, movimentos político-sociais anti-PT e anticorrupção,

páginas com linguagem memética, sites de mídia sensacionalistas que

77
exibiam pequenas verdades recheadas de mentiras (o Terça Livre foi
criado em 2014), prisões de políticos envolvidos em esquemas de

corrupção pela operação Lava-Jato, a crise fiscal e econômica – em

2015 o Brasil já apresentava queda no crescimento colocando o país em

recessão – o mercado editorial brasileiro passou a publicar dezenas de

livros de autores nacionais e internacionais ligados não apenas ao

conservadorismo e liberalismo tradicionais, mas também à direita

radical e extrema, embora esses conteúdos radicais fossem vendidos

como exemplos do pensamento conservador e liberal moderados.

Aos vetores acima mencionados, acrescenta-se o crescimento dos

movimentos identitários radicais da esquerda que, literalmente,

interditavam qualquer possibilidade de debate fora do que eles

consideravam “politicamente correto” (em 2013, durante a Feira

78
Literária Internacional de Cachoeira / Bahia, protestos marcaram a

oitava mesa da FLICA no último sábado, 26. Um grupo composto por

militantes de movimentos sociais e ativistas autônomos ocupou o espaço

de debate do Festival, por volta das 11h30 da manhã, impossibilitando a

continuidade de algumas mesas de discussão previstas para o dia. O

protesto exigia que os convidados Demétrio Magnoli e Luiz Felipe

Pondé não participassem das atividades da FLICA, além da exigência de

uma leitura pública de nota de repúdio à organização do evento. Os

manifestantes jogaram uma cabeça de porco ensaguentada e aos gritos

de “racistas” impediram a participação dos dois debatores. Demétrio

Magnoli havia lançado, anteriormente, o livro Uma Gota de


Sangue e despertou a fúria de alguns movimentos identitários79).
O caldo cultural estava em ebulição e o zeitgeist formado. Por um

lado, havia um grupo de pessoas dentro da direita “demonstrando a

força das ideias clássicas do Iluminismo”, no entanto, com uma força

ainda maior, havia outros grupos que “detestam o Iluminismo e rejeitam

a razão como um valor universal” e que “se opõem aos direitos

individuais, à democracia liberal ocidental e à construção de uma

sociedade civil independente, pois é (uma corrente) coletivista,


chauvinista e, em muitas situações, explicitamente racista no que diz

80
respeito a minorias ).”

Muito em breve, o processo de “rinocerização” iria começar e levar

ao poder um grupo de direita radical e extrema.

A tempestade chegaria.

Bibliografia – Capítulo 02
BEJAN, Cristina A. Intellectuals and Fascim in Interwar Romania: The
Criterion Association. Cham: Palgrave Macmillan, 2019.

CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjot Capra &
Antônio Gramsci. Campinas-SP: Vide Editorial, 2014.
CARVALHO, Olavo de. O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser
Um Idiota. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013.
COSTANTINO, Rodrigo. Esquerda: A hipocrisia dos artistas e intelectuais
progressistas no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013.
COUTINHO, João Pereira. As Ideias Conservadoras Explicadas a
Revolucionários e Reacionários. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2015.
COUTINHO, João Pereira; PONDÉ, Luiz Felipe; ROSENFIELD, Dennis. Por que Virei À
Direita. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2012.

GARSHAGEN, Bruno. Pare de Acreditar no Governo. Rio de Janeiro: Editora

Record, 2015.

GOLITSYN, Anatoliy. New Lies For Old: The Communist Strategy of


Deception and Disinformation. Createspace Independent Pub, 2016.

NARLOCH, Leandro. O guia politicamente incorreto da história do Brasil.


São Paulo: Editora Leya, 2011.

RODRIGUES, Donizete. Novos movimentos religiosos: Realidade e perspectiva sociológica.

Revista Anthropológicas. Ano 12, volume 19(1): 17-42 (2008). Disponível em:

https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaanthropologicas/article/viewFile/23660/19316.

Acesso em: 10 out. 2020.

TISMANEANU, Vladimir. Fantasies of Salvation. New Jersey: Princeton University

Press , 1998.

40. Sobre a pesquisa, ver

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/10/1358017-48-dos-
brasileiros-se-identificam-com-valores-ideologicos-de-direita.shtml.
41. Referente ao movimento com características de seita em torno do filósofo Olavo de Carvalho.

42. Por Que Virei à Direita – Três Intelectuais Explicam Sua Opção Pelo Conservadorismo

– Editora Três Estrelas – 2012

43. CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e A Revolução Cultural: Frijot Capa &
Antônio Gramsci. Campinas-SP: Vide Editorial, 2014, p. 195 (artigo inicialmente

publicado no jornal Zero Hora em 2006).

44. Não há documento que comprove a relação entre Lênin e a “Estratégia das Tesouras”. O

New
termo foi utilizado como uma chave interpretativa criada por Anatoliy Golitsyn no livro

Lies For Old – The Communist Strategy of Deception and Disinformation


(edição brasileira: Meias Verdades, Velhas Mentiras, Vide Editorial).

45. O termo “Estratégia das Tesouras”, utilizado pelo autor Anatoliy Golitsyn, refere-se ao

conflito sino-sovíetico: “Subjacente a todas essas estratégias está a quinta delas, a saber, a do

próprio programa de desinformação. Seu elemento mais fundamental é o cisma sino-soviético,

que tem permitido às duas potências um engajamento bem sucedido na estratégia das tesouras,

isto é, a manutenção de políticas externas duplas e complementares, cuja íntima coordenação

ainda escapa aos radares ocidentais. Essa estratégia das tesouras tem contribuído de maneira

significativa com todas as outras estratégias” ( Meias Verdades, Velhas Mentiras, Vide

Editorial, p. 274).

46. CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e A Revolução Cultural: Frijot Capa &
Antônio Gramsci. Campinas-SP: Vide Editorial, 2014, p. 195 (artigo inicialmente

publicado no jornal Zero Hora em 2006).

47. “Olavete” é um neologismo utilizado pelo próprio Olavo de Carvalho para se referir aos seus

alunos. Olavo + tiete = olavete.

48. Ver https://olavodecarvalho.org/o-seminario-de-filosofia/.


49. Vladimir Tismaneanu é um brilhante cientista político nascido na Romênia. O título deste

livro, e este artigo, foram inspirados em duas Fantasies of


estupendas obras dele:

Salvation: Democracy, Nationalism, and Myth in Post-Communist Europe e


Ideological Storms: Intellectuals, Dictators, and the Totalitarian Temptation.

Intellectuals and Fascim in Interwar Romania: The


50. BEJAN, Cristina A.

Criterion Association. Cham: Palgrave Macmillan, 2019.


51. Ibidem.

52. Em 8 de outubro de 2018, uma aluna de Olavo de Carvalho recém-eleita Deputada Federal –

Caroline de Toni – deu seu testemunho em sua página no Facebook: “Sou olavete com muito

orgulho e honrarei cada ensinamento, levando a luz do professor ao congresso, para dissipar as

trevas da ignorância que hoje reina no nosso país”. Ver em:

https://www.facebook.com/carolinerdetoni/posts/sou-olavete-com-muito-orgulho-e-honrarei-

cada-ensinamento-levando-a-luz-do-profe/1912619495474010/.

53. Ibidem, p. 28.

54. Miguel de Unamuno y Jugo (Bilbau, 29 de setembro  de  1864  –  Salamanca,  31 de

dezembro de 1936) foi um ensaísta, romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol.

55. José Ortega y Gasset  ( Madrid,  9 de maio  de  1883  — Madrid,  18 de


outubro  de  1955) foi um  ensaísta,  jornalista  e  ativista  político, fundador da  Escola
de Madrid. Ortega é amplamente considerado o maior filósofo espanhol do século XX.
56. “Paideia”  é a denominação do sistema de educação e formação  ética  da  Grécia Antiga,
que incluía temas

Ginástica,  Gramática,  Retórica,  Música,  Matemática,  Geografia,  História


como 

Natural e  Filosofia, objetivando a formação de um  cidadão  perfeito e completo, capaz de


liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. O conceito surgiu nos

tempos  homéricos  e permaneceu em sua essência inalterado ao longo dos séculos, embora

variando suas formas de aplicação e as disciplinas envolvidas, e continua a interessar muitos

educadores e pensadores contemporâneos.

57. Necrológio. Elogio, oral ou escrito e publicado em periódico, a respeito de alguém

falecido.

58. Ver em: https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2019/06/24/necrologio/.


59. Ver em:

https://www.facebook.com/carvalho.olavo/posts/590125757806169/.
60. Ver em: https://olavodecarvalho.org/depoimentos/.
61. Ver em: https://olavodecarvalho.org/depoimentos/.
62. Felipe Moura Brasil é um jornalista carioca – foi colunista da revista Veja, chefe de

jornalismo da Rádio Jovem Pan, colunista na revista Crusoé e âncora no programa Papo

Antagonista do site O Antagonista. Atualmente, é âncora na rádio Bandnews e faz oposição ao

governo Bolsonaro.

63. A jornalista Madeleine Lackso e o escritor Carlos Augusto Afonso produziram uma série

bastante abrangente a respeito de seitas políticas. Ver em: “A arte da seita política” –

https://www.youtube.com/watch?v=uqFoOuzckrw&list=PLHxUxIczsxPy5IV-
A9FVHQBixh-wR7HuR.
64. Rodrigues, Donizete – Novos movimentos religiosos: Realidade e perspectiva sociológica -

Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 12, volume 19(1): 17-42 (2008) –

https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaanthropologicas/article/viewFile/23660/19316

65. SANTOS, Mario Ferreira dos. “Olavo de Carvalho – Dicta & Contradita” 03/06/2009.

Disponível em: https://olavodecarvalho.org/tag/dicta-contradicta/.

66. Ver em: http://olavodecarvalho.org/wp-content/uploads/2017/06/As-12-Camadas-da-

Personalidade.pdf.

67. “Os 20 do Masp” foi a primeira manifestação de rua contra o Partido dos Trabalhadores.

Lançada no Facebook, teve presença confirmada por mais de duas mil pessoas, mas somente

vinte compareceram, e a mídia ligada ao PT respondeu que a oposição no Brasil não encheria

“duas kombis”. Nasceu desta expressão outro termo utilizado nas redes sociais para se referir

àqueles na direita que não apoiariam Bolsonaro, os “kombistas”. Parte do grupo “Os 20 do

Masp” se tornaria bolsonarista a partir de 2017, algumas exceções foram Silvia Soares e Paula

Rosiska.

68. O melhor livro publicado a respeito do esquema de corrupção entre a construtora Odebrecht

e agente públicos do Brasil foi lançado pela editora Companhia das Letras - 2020 – Trata-se do

livro da jornalista Malu Gaspar: “A organização: A Odebrecht e o Esquema de Corrupção Que

Chocou o Mundo”

69. O movimento “Vem Pra Rua” é um  movimento político-social brasileiro fundado em


Rogério Chequer, como uma tentativa de organizar e
outubro de 2014. Seu principal líder é 

captar pessoas em razão da  crise política e econômica no país  durante o  governo

Dilma, tendo como alvo o próprio governo da ex-presidente, o combate à  corrupção,


o impeachment de Dilma e a aprovação das 10 Medidas contra Corrupção, projeto

de lei do Ministério Público Federal.

70. Os memes podem ser  ideias  ou partes de ideias,  línguas, sons, desenhos, capacidades,

valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e

transmitida como unidade autônoma.

71. Após o assassinato (investigação ainda sem desfecho) da vereadora carioca Marielle Franco,

em 2018, o site Ceticismo Político foi acusado de espalhar fake news – notícia falsa – a

respeito da vereadora. Luciano Ayan havia compartilhado um post de uma desembargadora que

afirmava haver ligação entre Marielle Franco e bandidos. A publicação foi compartilhada pelo

MBL e, até ser retirada do ar, havia sido reproduzida mais de 360 mil vezes. Ayan e o MBL se

desculparam na época.

72. O Google Hangouts é uma plataforma de comunicação com capacidade para enviar

mensagens instantâneas, chat de vídeo, SMS e VoIP (chamadas telefônica por internet). Foi

criado em 2013 e, desde então, é usado para viabilizar conversas de  textos  e vídeos entre

duas ou mais pessoas que estão distantes.

73. O cantor e compositor Lobão rompeu com o apoio ao Bolsonaro logo no início do mandato e

também com o filósofo Olavo de Carvalho.

74. Alexandre Borges é jornalista, analista político e publicitário. Atualmente é colunista da

Gazeta do Povo após passar por outros veículos de mídia como o site Senso Incomum, rádio

Jovem Pan e Revista Oeste.

75. Em fevereiro daquele mesmo ano, Olavo fez um hangout com a família Bolsonaro e
Denise Abreu, que foi pré-candidata do  Partido Ecológico Nacional  (PEN) para a

presidência do Brasil em 2014, tendo  Romeu Tuma Júnior  como vice em sua chapa, mas

desistiu da candidatura para apoiar Aécio Neves. Ver em

https://www.youtube.com/watch?v=noFkOP2hSuY.
76. Tercio Arnaud Tomaz hoje é assessor da Presidência da República e acusado de ser um dos

líderes do chamado “gabinete do ódio” – grupo ligado ao presidente que age de dentro do

Palácio do Planalto praticando assédio on-line contra pessoas que fazem oposição ao governo e

às intituições democráticas.

77. O Portal Terça Livre foi criado pelo jornalista e aluno de Olavo de Carvalho Allan dos

Santos. Atualmente, a plataforma YouTube suspendeu sua conta, e Allan dos Santos está sendo

investigado na CPI das Fake News.

78. Ver em https://www.agendartecultura.com.br/noticias/flica-palco-protestos-penultimo-dia-

evento/

79. A respeito da tendência autoritária em movimentos identitários, ver o livro de Antônio

RisérioSobre o Relativismo Pós-Moderno e a Fantasia Fascista da Esquerda


Identitária (Editora TopBooks, 2020).
80. TISMANEANU, Vladimir. Fantasies of Salvation. New Jersey: Princeton

University Press , 1998.


Capítulo 3

“Por trás das máscaras”:

a alt-right e a extrema-direita

chegam ao mainstream

Portanto, não os temais; porque nada há


encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto
que não haja de saber-se.
Mateus 10:26

“Há exatos cinco anos, morria Andrew Breitbart, um


dos maiores responsáveis pela revolução
antiestablishment que está ocorrendo hoje nos EUA.
Quem imaginaria que, em um período tão curto, seu site
se tornaria um dos mais importantes do mundo, e seu
amigo e braço direito, Steve Bannon, estaria na Casa
Branca e no topo do mundo?  Caminhe através do fogo.
Não dê a mínima para o que falam sobre você. Todos os
ataques que você sofre são tentativas de fazer com que
você pare, mas se você não parar, se você continuar
avançando, você enviará uma mensagem a todos os que
te acompanham, a todos os que concordam com o que
você defende e torcem para que você vença; e essa
mensagem é muito clara: eles também podem fazer o
que você está fazendo.”
81
Esta publicação do dia 01 de Março de 2017 foi feita por Filipe G.

Martins, aluno de Olavo de Carvalho que, posteriormente, seria

nomeado assessor para assuntos internacionais da Presidência da

República no governo de Jair Bolsonaro. Andrew Breitbart, seu site de

notícias fundado em 2007 – o Breitbart News – e o movimento

ideológico de direita radical que ele ajudou ser amplificado e ganhar o

mundo (além de eleições) – a alt-right – já era introduzido na bolha da


direita virtual desde 2013 através dos principais influenciadores da

direita, o grupo ligado ao seminário de filosofia on-line (COF).

A “revolta populista“ de Steve Bannon e Andrew Breitbart, o foco

em metapolítica
82
, conceitos da Nouvelle Droite (Nova Direita

Francesa), a ação memética, a mídia alternativa com notícias recheadas

de meias verdades (uma pequena verdade envolta de grandes mentiras) e

o uso massivo de clickbait83, pouco a pouco, tomaram espaço nas

discussões e foram transformados em modelos ideais a serem seguidos

pela nova direita brasileira.

O Breitbart News compartilhava artigos com diversas teorias da

conspiração e, segundo seu próprio criador, o objetivo do site era

destruir aquilo que ele denominava “O complexo”: uma teoria

conspiratória na qual afirmava que a mídia era controlada por um

conglomerado alinhado ao Partido Democrata, e que, portanto, as

notícias da mídia tradicional (eles utilizam a sigla MSM) seriam todas

de viés esquerdista e teriam o objetivo de destruir a civilização ocidental

ao defender o multiculturalismo, igualdade de gênero, imigração e

globalização.

Righteous Indignation: Excuse Me While I


Em seu livro

Save The World (2011), Andrew Breitbart anuncia seu “Grande


Plano” e pede que seus seguidores não se preocupem em serem

chamados de racistas, homofóbicos ou sociopatas, induzindo-os ao

desengajamento moral que caracteriza o ethos da alt-right:


Agora você conhece o Complexo e sabe que podemos combatê-lo se apenas usarmos as

táticas certas, entendermos nossos oponentes e caminharmos em direção à ira. Caminhe

em direção à ira. Não se preocupe em ser chamado de racista, homófobo, sociopata, um

xenófobo heteronormativo violento com impulsos fascistas. Eles dizem todas essas coisas

sobre você porque estão mantendo você dentro do Complexo, forçando você a responder ao

manual deles. Eles querem pará-lo em suas trilhas. Mas, se você continuar, se disser a eles

que pode parar com as balas verbais e continuar andando, você enviará mensagens para as

pessoas que estão torcendo por você, que concordam com você. É assim que você constrói

um movimento invencível disposto a jogar de acordo com suas próprias regras.

84
Em 2014, formadores de opinião relembravam e enalteciam o

movimento populista radical Tea Party ocorrido anos antes nos EUA e,

logo mais, o nome de Jair Bolsonaro começaria a ser indicado como o

representante ideal para aqueles que ansiavam por uma “revolta

populista” brasileira. Dessa maneira, a alt-right, que reúne ideias da

direita radical e também da extrema-direita internacionais, encontrou

caminho pavimentado no Brasil, visto que os principais conceitos, há

muito tempo, já eram introduzidos no Brasil através dos livros e artigos

de Olavo de Carvalho e de seu entorno.

Enquanto a direita alternativa (alt-right) ganhou corpo

essencialmente on-line, seus predecessores exibem longo histórico

anterior à revolução da comunicação causada pela chegada da internet e

WWW (World Wide Web), bem como o próprio movimento radical.

A primeira metade do século XX foi devastada por duas grandes

guerras; no pós-guerra (1945), havia um saldo de dezenas de milhões de

mortos, ordens político-sociais substituídas por novos arranjos políticos

e a terrível visão da capacidade dos homens em infligirem o mal a outras

pessoas e grupos que não deixava margem alguma de dúvida a respeito

da propensão destrutiva inerente à natureza humana.

Para o Ocidente, o fim da Segunda Guerra Mundial marcou a fundação de uma nova ordem

mundial. Embora os parâmetros externos da era pós-guerra tenham sido moldados pelo

sistema global da Guerra Fria, o Ocidente se uniu internamente em torno de uma nova

construção política: a democracia liberal de estados independentes dentro de uma vasta

arquitetura internacional. Essa nova ordem substituiria o modelo caído de Estados-nação

soberanos e isolados, que em duas guerras mundiais deixaram a Europa em ruínas

(BERGMANN, 2020).
E a partir de 1945, a primeira onda da extrema-direita – após a

devastação das duas guerras mundiais – teve início.

Para uma melhor compreensão dos leitores, a terminologia far-


right – que compreende a direita radical e a extrema-direita – utilizada
neste livro, é a definida pelo cientista político holandês Cas Mudde. O

conservadorismo convencional burkeano, a corrente liberal-

85
conservative e o liberalismo clássico não estão inseridos dentro desta

vertente far-right. A alt-right (abreviação, em inglês, da expressão

direita alternativa) se insere em direita radical.

Os termos direita e esquerda provêm da Revolução Francesa (1789) e

se referem às posições que partidários e oponentes ao rei Luís XVI

ocupavam em relação ao presidente do parlamento francês (partidários à

direita e oponentes à esquerda), mas – grifos meus – após a Revolução

Industrial, a divisão esquerda-direita passou a ser definida

principalmente em termos de políticas socioeconômicas, com a direita

apoiando um mercado livre e a esquerda um papel mais ativo do Estado

sobre a economia, embora significados alternativos continuassem

populares – como religiosos (direita) versus secular (esquerda). Nas

décadas mais recentes, esquerda-direita tornou-se mais definida em

termos socioculturais (Mudde, 2019).

A far-right compreende as correntes radicais que são

“antiestablishment” (antissistema). Mudde as define como correntes

hostis à democracia liberal, sendo que a extrema-direita, propriamente

dita, rejeita completamente a ordem democrática e princípios liberais

(preferem modelos autocráticos) enquanto a direita radical

aceita a essência da democracia mas se opõe aos elementos principais de uma democracia

liberal, especialmente os direitos das minorias, o Estado de Direito e a separação de

poderes. Ambos os subgrupos se opõem ao consenso democrático liberal do pós-guerra

mas de maneiras fundamentalmente diferentes. Enquanto a extrema-direita é

revolucionária, a direita radical é mais reformista (Ibidem).


O entendimento geral a respeito do espectro ideológico “extrema-

direita” usualmente limita-se à sua relação com o fascismo histórico,

porém, a extrema-direita, a partir do pós-guerra, assumiu muitas formas

e abrange diversos grupos – inclusive discordantes em muitos aspectos.

Há grupos seculares e antisseculares (por exemplo, a Nouvelle


Droite), alguns defensores do racismo biológico, do “etnopluralismo”,

enquanto outros grupos não apoiam esses conceitos racialistas,

libertários radicais versus intervencionistas, monarquistas versus


republicanos, protecionistas versus defensores do livre-comércio; é

consenso na literatura acadêmica que existe uma gama de partidos e

movimentos de extrema-direita com conceitos e objetivos distintos.

A banalização que o termo sofreu ao longo dos anos pelos

adversários político-ideológicos – generalizam toda a direita, incluindo

no espectro de extrema-direita também a democrata e a liberal – e a

diversidade dos grupos que compõem a extrema-direita, prejudicam a

identificação correta destes movimentos quando eles chegam ao

mainstream86, além de auxiliar os radicais em sua tomada de espaço


87
no debate público e chegada ao poder, e a quarta onda é um exemplo

didático.

A partir de 1945, na primeira onda de extrema-direita após o término

da segunda grande guerra, devido à derrota do fascismo e a divulgação

dos seus crimes, formas de extrema-direita não desapareceram, mas o

quadro geral era de marginalização (HAINSWORTH, 2008). Teorias

raciais pseudocientíficas entraram em descrédito, e o nacionalismo

passou a ser evitado na maioria dos países da Europa Ocidental. A

maior parte dos europeus, que apoiaram ideologicamente ou

colaboraram com os regimes fascistas, se adaptou à nova realidade

democrática, tornando-se apolíticos ou trabalhando dentro dos partidos

e sistema democráticos (MUDDE, 2019). Entre 1945 e 1955, o

Neofascismo encontrara mais obstáculos do que seus predecessores para


participarem dos parlamentos, em alguns países, foram proibidos

partidos de extrema-direita (na Alemanha, ainda são proibidos

hodiernos) e não havia apoio popular, visto que as memórias dos

genocídios perpetrados pelos fascistas ainda eram recentes. No entanto,

em países que receberam muitos fugitivos fascistas, como na América

Latina, o neofascismo prosperou por determinado período, influenciado

pelos regimes de extrema-direita do Estado Novo de Antonio Salazar em

Portugal e, em particular, pela falange de Francisco Franco na Espanha

(Ibidem).

O mundo estava dividido em dois blocos (Guerra Fria), e a parte

ocidental da Europa passava pelo seu segundo processo de

democratização – exceção dos Estados Bálticos que haviam sido

anexados pela União Soviética em 1940 (BEYME, 1996), Portugal e

Espanha, com regimes fascistas – respectivamente o salazarista, que

durou até 1974 e franquista que foi derrotado no ano seguinte.

As duas grandes guerras que devastaram o continente e derrubaram

os modelos de Estado-Nações completamente isolados levaram a um

novo arranjo político: a democracia liberal de independência dos

Estados, mas regulamentados pelo direito internacional e autoridades

externas que, em algumas instâncias, ultrapassaram a autonomia

nacional interna (BERGMANN 2020).

Diversas organizações supranacionais foram criadas com o intuito de

aumentar a integração – de forma econômica e também cultural – para

além das fronteiras e, desta forma, tornar qualquer possibilidade de

invasão militar muito mais custosa e prejudicial aos interesses de cada

país. A Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE)

surgiu em 16 de abril de 1948 e buscava estabelecer uma organização

para um programa de recuperação conjunto. No ano seguinte, foram

fundadas a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização do

Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Todas essas organizações virariam

alvos dos radicais e extremistas (à esquerda e à direita).


88
O Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), criado por Otto

89
Von Bismark na Alemanha durante a década de 1880, numa tentativa

de impedir o crescimento do movimento social democrata, fora

implementado pela maior parte dos países da Europa ocidental (com

diferenças de abordagem e métodos) reabilitado no pós-guerra,

tornando-se política consensual na reconstrução da Europa ocidental.

Nos EUA, já estava em andamento com o New Deal de Franklin Delano

Roosevelt desde 1933, e a partir de 1945, a resistência ao New Deal

produziria movimentos na direita – muitos radicais – que permanecem

até os dias de hoje. Neste contexto histórico, a segunda onda de extrema-

direita teve início.

Neofascistas não encontravam mais espaço, pois estavam

marginalizados do debate público. Houve, então, um reposicionamento:

não mais propagavam os conceitos basilares do fascismo, substituíram

por uma oposição às elites, ao Welfare State e à ordem liberal-

democrática do pós-guerra.

A segunda onda da extrema-direita abrange o período entre 1955 e

1980, no qual os primeiros partidos populistas de direita radical

surgiram com mais força e se estabeleceram. Os principais analistas

políticos – à direita, principalmente – no Brasil caracterizam como

marco zero o Brexit e a eleição de Trump, porém, o populismo de direita

radical inicia a sua ascensão na segunda onda da far-right


(1955/1980). Os primeiros partidos a ganhar apoio eleitoral significativo

sob uma bandeira populista de extrema-direita foram os partidos

Progresso dinamarquês e norueguês, como explica o estudioso suíço

Hans-Georg Betz. Em Radical Right-Wing Populism In


Western Europe (1994), Betz traça a trajetória do advogado

tributarista e milionário Mogens Glistrup, que, ao fornecer uma

entrevista para uma rede de televisão dinamarquesa, numa noite de

janeiro de 1971, declarou não ter intenção alguma de pagar qualquer

imposto de renda e que essa negação era legal. Ele chegou a elogiar os
sonegadores de impostos como heróis comparáveis aos grupos que

resistiram à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (Jair

90
Bolsonaro, em 1999, deu entrevista à TV Bandeirantes com conteúdo

semelhante ao de Glistrup: “sonego tudo o que possível”, ele disse).

A declaração de Glistrup transformou-o numa celebridade

instantânea e, em 1972, fundou seu próprio partido, o Progress. Ao

receber 15,9% dos votos, tornou-se o segundo maior partido no

parlamento dinamarquês, informa Betz. Na Noruega, Anders Lange

(editor de uma revista) que, no passado, já havia atraído grupos de

extrema-direita com seus comentários políticos, seguiu os passos do

“glistrupismo” e lançou, em 1973, o “Partido de Anders Lange para uma

forte redução de impostos, contribuições sociais e intervenção

91
pública” .

Nos EUA, o anticomunismo (representado pela John Birch Society

92 93
e o senador Joseph McCarthy ) era a tônica. O movimento

macarthista não encontrava apoio irrestrito do Partido Republicano.

Conservadores de renome, como Peter Viereck, “argumentava que o

método de ação do macarthismo era não apenas contraproducente à

causa do anticomunismo, mas igualmente uma ideologia radical,

populista e anticonservadora” (TRIGUEIRO, 2017).

94
Mudde informa que a campanha presidencial do senador

republicano Barry Goldwater, que terminou desastrosamente, forneceu o

germe para o nascimento de uma nova subcultura conservadora mais

radical e que o momento radical mais significativo, entretanto, foi a

corrida presidencial de 1968 do governador do Alabama, George

Wallace, sob o título de Partido Independente Americano. Seguindo

uma agenda explicitamente racista, defendendo veementemente a

segregação racial, Wallace foi o único candidato de um terceiro partido

a ganhar estados na era do pós-guerra – na verdade, ele ganhou nada

menos que cinco, todos no ex-confederado Sul.


Ainda nesta segunda onda, o Front National – FN (hoje renomeado

para Rassemblement National e presidido por Marine Le Pen ) foi

fundado na França pelo ex-paraquedista Jean-Marie Le Pen em 1972.

Jean-Marie havia sido paraquedista na Argélia e apoiador leal do

movimento anti-independência e anteriormente líder no movimento

Poujadist (1956). O FN foi considerado o «maior e mais influente

movimento neofascista na Europa Ocidental” (DAVIES, 2002). Poucos

anos antes, a França foi berço do movimento intelectual de extrema-

direita que iria influenciar a maior parte dos movimentos radicais

contemporâneos em todo o mundo: A Nouvelle Droite (Nova Direita


Francesa).

Fundado em 1968 por um grupo de militantes de direita nacionalista

e antiliberal, com destaque para Alain de Benoist, o GRECE

Groupement
( de Recherche et d’Études Pour la
Civilisation Européenne – Agrupamento de Pesquisa e Estudos

Para a Civilização Europeia) agrupava intelectuais moldados pelos

desafios da ordem do pós-guerra que pretendiam lutar contra “as forças

deseuropeizantes da americanização, do consumismo e dos regimes

capitalistas liberais estabelecidos pelos EUA depois de 1945”

(O’MEARA, 2013) e afirmavam que a direita antiliberal

nunca teria sucesso enquanto a cultura permanecesse impregnada de crenças liberais. O

GRECE foi estabelecido como uma escola de pensamento para contestar a ideologia

dominante e resgatar a alma da cultura e identidade europeias. Sua decisão de fundar

periódicos, organizar grupos de estudo, promover projetos de pesquisa e patrocinar

95
conferências em prol de seu Kulturkampf antiliberal emprestou-lhe, ironicamente, uma

certa semelhança com a Escola de Pesquisa Social de Frankfurt (Ibidem).

Com a Nouvelle Droite, o termo Guerra Cultural seria reabilitado


– alguns estudiosos chamam a Nouvelle Droite de gramscismo de

direita, em referência ao filósofo marxista Antonio Gramsci e sua

revolução passiva – e, poucos anos após sua fundação, as publicações do

GRECE
alcançariam um número cada vez maior de leitores franceses e depois europeus. O

crescimento de sua reputação internacional no final dos anos 1970 e início dos anos 1980

culminaria na formação de tendências semelhantes em outros países europeus,

principalmente na Itália, Bélgica e Alemanha. Na época de sua descoberta na mídia, ela

havia se estabelecido como a força intelectual mais influente na direita europeia (Ibidem).

Na Alemanha, a fundação em 1972 do grupo Aktion Neue


Rechte (New Right Action ou Neue Rechte) seguiu os passos do
GRECE e se filiou à Nouvelle Droite francesa , posicionando-se

contra os princípios do iluminismo, tais como o pluralismo e igualdade

social. O racismo biológico também fora substituído, numa tentativa de

amenizar e camuflar o teor racialista do movimento, pelo conceito

96
criado por Benoist: o etnopluralismo .

Os objetivos políticos da nova direita podem ser resumidos por dois

conceitos centrais:

a intelectualização do extremismo de direita por meio da formulação de uma metapolítica

intelectual e a busca por uma hegemonia cultural ao assumir o controle dos debates

públicos, moldando-os em um meta-nível teórico, criando ideias, termos e significados

97
específicos: uma metapolítica que busca uma “revolução cultural conservadora ”,

assemelhando-se à ideologia fascista em seu apelo à regeneração cultural (SALZBORN,

2016).

Apesar de a Nouvelle Droite diferir em alguns aspectos da nova

direita brasileira, que surgiria com o olavismo décadas depois

(especialmente, em relação à posição ateísta e secularista da escola

francesa de pensamento, mas também ao anti-americanismo presente na

ND), grande parte do arcabouço teórico olavista traz conceitos

influenciados diretamente dos pensamentos de Alain de Benoist,

Dominique Venner  e Guilherme Faye – os intelectuais expoentes da

corrente europeia extremista – tais como a tomada do debate público

através do foco em metapolítica, a visão apocalíptica (o declínio da

civilização ocidental), a guerra cultural e a oposição ao

multiculturalismo. A Nouvelle Droite viria influenciar também

pensadores do paleoconservadorismo (e, futuramente, o movimento

radical alt-right), o filósofo russo Aleksandr Dugin – conselheiro do


presidente autocrata da Rússia, Vladimir Putin – e o grupo brasileiro

98
duginista – e antissemita – Nova Resistência (NR), além de

movimentos e partidos identitários europeus racialistas contemporâneos

(GI – Génération Identitaire99 e partidos eurocéticos).


A terceira onda (1980/2000) apresentaria o estabelecimento dos

partidos populistas de direita radical e, segundo Mudde (2019),

representaria a “primeira onda significativa de política de extrema

direita na Europa Ocidental, ganhando força real apenas nos anos 1990”.

Com a queda do muro de Berlim, em 1989, e o colapso da União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a oposição ao sistema

(radicais chamam de establishment) estabelecido do pós-guerra –

democracias liberais – foi intensificado. Vários países do leste europeu

100
foram democratizados, mas a previsão de Francis Fukuyama a

respeito do “Fim da História” e uma onda irrefreável de democracias

101
liberais como sistema consensual foi otimista demais.

Por democracia liberal, compreende-se aqui a definição apresentada

por Cristóbal Rovira Kaltwassere Cas Mudde em Populism in


Europe and the Americas -Threat or Corrective for
Democracy? (2012): democracias liberais – ou constitucionais –
compreendem uma série de garantias institucionais, tais como liberdade

de formar e aderir a organizações, liberdade de expressão, direito ao

voto, direito dos líderes políticos de competir por votos, elegibilidade

para cargo público, fontes alternativas de informação, eleições livres e

justas. Para resumir, a democracia liberal é essencialmente um sistema

caracterizado não apenas por eleições livres e justas, soberania popular e

governo da maioria, mas também pela proteção constitucional dos

direitos das minorias.

A direita radical ganharia mais espaço através de partidos populistas

com bandeiras como anti-imigração e antiestablishment. Nas décadas de

1960 e 70, a Europa havia recebido milhares de migrantes oriundos da

Í Á
Turquia, Índia, Paquistão, norte da África e Caribe, e os EUA receberam

muitos refugiados do regime comunista no leste europeu após a queda

do muro. Líderes carismáticos com uma retórica que explorava o medo,

ressentimentos nacionalistas contra imigrantes e ódio pelas elites

políticas se estabeleceram em diversos países em ambos os continentes,

além de novos movimentos de reação à ordem liberal do pós-guerra.

A partir dos anos 2000 até os dias atuais, vivemos a quarta onda da

far-right. Os partidos populistas de direita radical não apenas

cresceram em número como chegaram aos parlamentos (incluindo o

parlamento europeu) e ao poder em dezenas de países. Em 2020, três

das maiores democracias do mundo estavam sob governos de direita

102
radical e/ou extrema-direita (Brasil, EUA e Índia ), e os grupos de

extrema-direita atuam de forma transnacional.

Uma série de fatores, desde econômicos (crise mundial em 2008 e

efeitos reversos da globalização que alienou parcelas da população) a

culturais (crescimento do sentimento antiliberal), imigração em massa

de refugiados da guerra na Síria, a jihad islâmica produzindo, com

atentados terroristas, milhares de vítimas, todos somados à revolução da

comunicação com o advento da internet, propiciaram a proliferação de

conceitos da far-right e sua aceitação no debate público mundial,

reverberando também no Brasil.

A caricatura que nos remetia à extrema-direita – homens brancos

carecas, musculosos, com suásticas tatuadas – não faz mais sentido. No

lugar dos abertamente neonazistas, temos profissionais de mídia,

filósofos, historiadores e produtores de conteúdos digitais. Em comum,

os diversos grupos da far-right visam minar as democracias liberais e

seus pilares desde dentro, interferindo em eleições livres e justas (as

eleições nos EUA em 2020 e a recusa do então presidente Donald

Trump em aceitar o resultado, além de sua interferência em vários

estados através de coação a membros do Partido Republicano, por


exemplo), alimentando a desconfiança dos cidadãos nos sistemas de

freios e contrapesos, atacando a liberdade de imprensa, instituindo uma

única religião como expressão máxima de todo um povo (a Índia com

Narendra Modi e o nacionalismo hindu é um exemplo didático, além do

Brasil com o governo Bolsonaro que institui como slogan a expressão

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”), e promovendo

sistemáticas críticas aos limites legais impostos aos governantes dentro

da democracia liberal.

A hierarquia, que pode ser relacionada à raça, etnia, condição sexual,

posicionamento político, está sempre presente nas ideologias de

extrema-direita, e a radicalização, quando levada ao extremo, produz um

ambiente de perseguição contra aqueles que, dentro de suas crenças, são

humanos inferiores e que não deveriam gozar dos mesmos direitos e

proteções das liberdades individuais. Geralmente, a retórica da far-


right deixa explícita a tendência à desumanização dos grupos que

consideram inferiores. Adjetivos como “ratos”, “criminosos” (em

relação a imigrantes), “escória”, “vermes” são frequentemente usados

103
nos discursos da extrema-direita. Soma-se a isso a retórica e a crença

em ameaças existenciais e visões apocalíticas como o “fim da

civilização ocidental”.

Dentre os pensadores que comungam desta visão apocalíptica que

influencia diretamente a mentalidade dos grupos da far-right, os

principais são Oswald Spengler, Julius Evola e Renè Guénon.

Spengler “muitas vezes se considerava um dos últimos

representantes da burguesia sociedade dos séculos XVIII e XIX, e se

sentiu profundamente infeliz com o século XX” (ENGELS in

SEDGWICK , 2019). Seu livro A Decadência do Ocidente (2016),


publicado no período entre guerras, na Alemanha em 1918/1922, tentou

interpretar a história e os rumos da cultura e da civilização europeia.

Segundo o filósofo alemão, toda a história e cultura de uma sociedade


refletia a alma deste povo. Acusado de ter fornecido bases intelectuais

para o nazismo, o pensamento de Spengler tem sido reabilitado ao longo

das décadas. Sua noção heroica de destino e suas críticas à


sociedade moderna representam aquilo que o historiador
americano Jeffrey C. Herf  caracterizou como modernismo

reacionário. De Steve Bannon ao chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, os

escritos de Spengler exercem grande influência, cujo pensamento é

responsável por duas ideias importantes da direita radical: a visão

apocalíptica de um declínio do ocidente e o foco em cultura e civilização

em detrimento de nações e sistemas políticos liberais.

104
No artigo chamado “Trump e o Ocidente” , em seu blog

105
Metapolítica 17 Contra o Globalismo , o chanceler Ernesto Araújo

não esconde a influência de Spengler sobre sua mentalidade: “Trump

propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na

democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da

história e da cultura das nações ocidentais”, e conclui com a afirmação

de que

A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental que vai de

Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do

Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por

Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de

expansionismo ocidental, mas de um pan-nacionalismo.

No mesmo artigo, Araújo defende que as ideias de Spengler nada

106
têm de racistas, apesar de sua argumentação ir em sentido contrário,

ao afirmar que ele “apenas sustenta que a vida de cada ser humano só

faz sentido dentro de uma determinada civilização, de uma comunidade

cultural ou – poderíamos acrescentar aqui – dentro de uma nação”. Se a

vida de cada ser humano só faz sentido dentro de uma determinada

civilização ou cultura, transformar imigrantes em alienígenas da “cultura

da nação” e assim desumanizá-los é perfeitamente caracterizado como

racismo, pois estabelece uma hierarquia entre as raças, entre as etnias.


As ideias de Julius Evola e René Guénon são ainda mais importantes

sobre a mentalidade da extrema-direita. Da escola filosófica

107 108
tradicionalista (perenialista ), Evola e Guénon exercem fascínio

desde o início do século XX, e exerceram forte base intelectual para os

regimes fascistas que devastaram a Europa. Segundo os tradicionalistas,

há uma crise espiritual no ocidente, fruto da modernidade e da busca

desenfreada pela individualidade, além da perda da transmissão da

tradição. Para evitar tal declínio apocalíptico (a crise do mundo

moderno), Guénon sugere a criação de uma “elite intelectual”:

“intelectual” sendo usado em um sentido guenoniano especial de espiritual, metafísico –

para receber “ensino tradicional” por “uma assimilação de doutrinas orientais de modo a

empurrar o Ocidente em direção à restauração de uma civilização tradicional”

(SEDGWICK, 2004).

Julius Evola, seu discípulo, levaria essa radical aversão ao mundo

moderno para dentro da esfera política. No livro Guerra pela


Eternidade (2020), o etnógrafo americano Benjamin R. Teitelbaum

explica que

além de uma hierarquia com espiritualidade no topo e materialismo no fundo, Evola

propôs que a raça também ordenou os seres humanos, o povo ariano, mais branco,

constituindo um ideal histórico acima dos de pele mais escura -, africanos e outros não-

arianos e outras hierarquias que incluíam aquelas que colocavam a masculinidade acima da

feminilidade, o norte geográfico sobre o sul global, até mesmo as posturas corporais e

olhares de uma pessoa, com aqueles que olham para cima e adoram o sol sendo mais

virtuosos do que aqueles orientados para o solo.

109
Abertamente antissemita, Evola admirava Heinrich Himmler , um

dos principais líderes do NSDAP (Partido Nazista), e seu pensamento é

considerado pelo pesquisador Franco Ferraresi “um dos sistemas anti-

igualitários, anti-liberais, anti-democráticos e anti-populares mais

radicais e consistentes do séc. XX”.

No seu artigo “Trump e o Ocidente”, Ernesto Araújo cita e indica as

110
obras de Guénon e Evola, e a essência de todo o texto é, de fato,

baseada no pensamento desses filósofos tradicionalistas. Não poderia ser

diferente, visto que Araújo é discípulo de Olavo de Carvalho.


Olavo introduziu o pensamento de Guénon no Brasil. Na década de

111
1980, escreveu um artigo para a Revista Planeta denominado “René

Guénon: o mestre da tradição contra o reino da deturpação”, no qual

descreve, com admiração, a obra de Guénon. Segundo Carvalho,

Guénon era “um baluarte do pensamento tradicional resistindo, isolado,

às tormentas de um Ocidente moderno que já falava outra língua e não

queria entender a sua”. E logo no começo, ele admite que Guénon era

praticamente desconhecido no Brasil. Um ex-colaborador dele no site

112
Mídia Sem Máscara (Júlio Severo), denuncia que, há décadas, Olavo

promove Guénon no Brasil citando positivamente em artigos e também

indicando aos seus alunos. Steve Bannon também já declarou diversas

vezes sua admiração pelos filósofos tradicionalistas. Na biografia não

autorizada do ex-assessor de Donald Trump – Devil’s Bargain:


Steve Bannon, Donald Trump, and the Nationalist
Uprising (2017) -, o autor Joshua Green afirma que
Os temas comuns do colapso da civilização ocidental e a perda do espírito transcendente

em livros como “A crise do Mundo Moderno” de Guénon (1927) e “A Revolta contra o

Mundo Moderno” (1934) de Evola atraíram o interesse de Bannon para o tradicionalismo.

Estes são apenas alguns dos pensadores (categorizados como os

pensadores clássicos) que fornecem base intelectual para a far-right. São

variadas correntes, algumas com mais propensão a uma ou outra

filosofia. Há, por exemplo, os aceleracionistas que procuram acelerar o

caos como melhor forma de causar uma ruptura, e assim, sobre os

escombros, criar uma nova ordem político social (o assessor da

Presidência da República, Filipe G. Martin, assemelha-se aos adeptos do

aceleracionismo vide sua liderança e fomento à greve dos

caminhoneiros em 2018 que paralisou o Brasil e trouxe enormes

prejuízos econômicos, políticos e sociais ao país. No capítulo

“Rinocerização”, falarei a respeito deste episódio). E, de certa forma, o

tradicionalismo também é aceleracionista, posto que sua crença, na

divisão do tempo histórico em ciclos (idade do ouro, prata, bronze e


trevas – sendo este último ciclo classificado como Kali Yuga e

considerado pelos tradicionalista o ciclo atual na qual a humanidade se

encontra) motiva a aceleração do caos para a mudança de ciclo. Ao

longo dos anos, pensadores da extrema-direita foram modificando a

abordagem. Havia a necessidade de camuflarem suas ideias, em especial,

as de teor racial, diante da rejeição do mundo ocidental a tais conceitos

após a Segunda Guerra. A Nouvelle Droite, a Nova Direita Francesa,


surgiu no final dos anos de 1960 como um grupo de estudos disposto a

modificar o combate político. O conceito de “guerra cultural” ressurge e

influenciará outros pensadores. Para os intelectuais da Nouvelle


Droite, a batalha pela conquista do poder deve ocorrer no campo

cultural, não no político, ocupando os canais culturais (imprensa,

academia, teatro, cinema etc.). Inspirados em vários pensadores da

Revolução Conservadora (República de Weimar), como Carl Schmitt

(jurista nazista), Ernst Jünger, Arthur Moeller van den Bruck e Spengler,

nessa batalha cultural, aquele que não concorda com suas ideias é um

inimigo. Os três principais nomes desta corrente, Allain de Benoist,

Guillaume Faye e Dominique Venner (nacionalistas mas com diferenças

em outros aspectos) influenciaram desde a extrema-direita mundial, até

mesmo, a extrema-esquerda (em especial, seu antiamericanismo e

antiliberalismo). Benoist é um antiliberal ferrenho. Considera o

liberalismo iluminista e as democracias liberais como principais

causadores da perda de identidade europeia (este pensamento produziu

ecos no paleoconservadorismo, mas com a substituição de “identidade

europeia” por identidade americana e o esvaziamento dos ideais dos

“pais fundadores”), mas, ao contrário dos paleoconservadores, Benoist é

pagão. Dentro desta rejeição ao liberalismo e às suas conquistas, Benoist

afirma que o embate político não é dentro da dicotomia esquerda

versus direita, mas entre as elites liberais e o povo soberano (principal


retórica dos populistas). Sua teoria de etnopluralismo – o entendimento

de que não há igualdade entre humanos e que as diferenças étnicas,


resultantes tanto da genética quanto da própria cultura, são

irreconciliáveis – alimenta a extrema-direita supremacista (está na base

de teorias surgidas nos anos 2000 como a “Grande Substituição” que

113
veremos no capítulo “Crer e Destruir”) e influi em conceitos dos

paleoconservadores que propõem comunidades homogêneas

autogovernáveis. A obra de Benoist (produziu mais de 106 livros e

milhares de artigos) vem sendo traduzida para o inglês e lançada pela

114
editora de extrema-direita Arktos (que também publica a obra do

115
russo Aleksandr Dugin). Em sua página , a Arktos descreve Benoist

como um

Defensor etnopluralista da singularidade e integridade culturais, ele defendeu o direito dos

europeus de reter sua identidade em face do multiculturalismo e se opôs à imigração,

embora ainda preferisse a preservação das culturas nativas à assimilação forçada de grupos

de imigrantes.

Guillaume Faye, um jornalista e escritor francês fundador do

GRECE (grupo de estudos da Nouvelle Droite) e colaborador dos

diversos semanários que o grupo produziu, concentrava suas ideias na

questão racial com muito mais intensidade que os outros pensadores da

escola, o que causou seu rompimento com figuras como Benoist na

década de 1980. Dentre suas principais ideias, criou o conceito de

archeofuturismo , um retorno à mentalidade pré-moderna, não

igualitária e não humanista. Faye considera que as sociedades de

mercado promovem uma aniquilação da identidade europeia, pois, em

sua interpretação, reduzem todos a uma mercadoria e afirma que é

necessária a busca pela “essência original de sua identidade”

(O’MEARA, 2004). Conceito semelhante encontramos em Por que o


Liberalismo Fracassou? (2020), do filósofo e escritor

paleoconservador Patrick Deneen (muito compartilhado no Brasil pela

ala da direita “moderada” antibolsonarista). Sua rejeição ao Islã e à

migração muçulmana encontrou público amplo nos EUA e na Europa

116
após os anos 2000 e os sucessivos ataques jihadistas , amplificando
seus conceitos e servindo de base intelectual para muitos movimentos de

direita radicais (como a alt-right e os movimentos europeus

identitários). Todas essas correntes rejeitam o liberalismo e também o

conservadorismo convencional e acreditam que o multiculturalismo, a

tolerância e o pluralismo se opõem à sobrevivência da “raça europeia”.

Faye também criou, em seu livro Why We Fight: Manifesto of


The Europe Resistance (2001/2011), um dicionário de

metapolítica, posto que a Nouvelle Droite se concentra na busca

pelo poder através das ideias e da ocupação de espaços no debate

público. Para Faye, a concepção de mundo é criada a partir de palavras-

chave e conceitos. Em relação aos imigrantes, a palavra “ alien” é

descrita em seu dicionário como “aqueles que são cultural e

biologicamente de origem não indígena” e justifica que a assimilação

traz a destruição da identidade europeia utilizando conceitos de

pensadores gregos:

Desde a Antiguidade, como Aristóteles, Tucídides e Xenofonte notaram, sabe-se que toda

nação que acolhe um grande número de alienígenas está destinada a perecer, pois esses

alienígenas substituem progressivamente os nativos e, cultural ou fisicamente os destroem.

Os conceitos da Nouvelle Droite permeiam toda a mentalidade da


far-right mundial.
Dominique Venner, historiador e ensaísta francês, foi um

ultranacionalista que compartilhava a rejeição ao liberalismo e,

principalmente, à imigração. Em 2013, cometeu suicídio na catedral de

Notre Dame. Antes de se matar, enviou carta afirmando a colegas na

Rádio Courtoisie que sua decisão de tirar a própria a vida era um ato

contra “os desejos individuais generalizados que destroem as âncoras de

nossa identidade, particularmente a família, a base íntima de nossa

sociedade”. Pouco antes de seu suicídio, a França havia legalizado o

casamento entre pessoas do mesmo sexo. Venner, ao cometer suicídio e

publicar suas motivações, tornou-se uma espécie de mártir para a

extrema-direita.
Ideias não são estáticas. Mesmo antes da comunicação em tempo

real com a chegada da internet, os conceitos produzidos pela Nouvelle


Droite foram debatidos e assimilados pelos mais diversos grupos de

pensadores da extrema-direita no mundo e influenciaram movimentos

radicais e teorias idem.

O paleoconservadorismo, cujo entendimento é fundamental para

compreendermos de Donald Trump à direita brasileira e Jair Bolsonaro,

por exemplo, foi amplamente influenciado pelos pensadores citados

anteriormente, mesmo sendo um movimento de conservadorismo

radical americano.

117
A história do conservadorismo americano é mais jovem do que a

europeia e exibe diferenças sólidas (principalmente pelo fato de a

própria fundação da república ter sido amparada em conceitos liberais

da Revolução Americana). No entanto, em grande parte, foi diretamente

influenciada pelos acontecimentos na Europa e as ideias produzidas pela

Nouvelle Droite no pós-guerra. Em 1955, foi fundada a revista

National Review, por William Frank Buckley Jr., levando a direita

americana (que não é uniforme) – através de comentários políticos e

culturais – para o debate público. Desde seu início, Buckley fez

expurgos recorrentes, afastando do mainstream os pensadores

abertamente racistas, radicais ou que tinham profundas diferenças

ideológicas com a corrente conservadora dominante. Procurava, desta

forma, policiar as fronteiras de pensamento de direita aceitável nos

Estados Unidos. David Frum, por exemplo, afirmou que “a epopéia do

conservadorismo na América desde 1945 foi o expurgo de Buckley do

movimento conservador de elementos indesejáveis” (HAWLEY, 2016).

A questão racial sempre foi central no movimento conservador

americano. Até a década de 1960, ainda havia muita oposição dentro do

Partido Republicano à Lei de Direitos Civis que buscava o fim da

segregação, mas, a partir de 1980, o Partido Republicano foi expulsando


do debate público figuras como David Duke (gran-mago da Klu Klux

Klan). A ascendência do grupo de inclinações mais liberais, os

neoconservadores (intelectuais conservadores ligados à ascensão de

Ronald Reagan e dos Bush), ajudou neste processo e produziu, ao

mesmo tempo, ressentimento nos conservadores mais radicais.

Conforme explico no artigo para o livro Antissemitismo- Uma


Obsessão (2020):

a partir da queda do muro de Berlim, em 1989, e o subsequente colapso da União

Soviética, o anticomunismo, que era a costura do tecido que mantinha a frágil coalisão

entre diversas correntes ideológicas da direita (Libertários, Conservadores do mainstream,

Paleoconservadores, Neoconservadores, Objetivistas e Liberais clássicos) arrefeceu esse

agrupamento e as diferenças entre essas correntes ficaram mais explícitas e, em

determinados casos, irreconciliáveis. Um dos elementos que causavam fissuras no bloco

conservador era o caráter judeu dos neoconservadores. A maior parte dos primeiros

neocons eram judeus de Nova York (Norman Podhoretz, Nathan Glazer, Irving Kristoll e

Sidney Hook, para citar alguns exemplos) e os conservadores tradicionalistas receavam que

neocons fossem mais leais a Israel do que aos EUA.

Muitos dos principais paleoconservadores foram, corretamente,

acusados de antissemitismo, como Pat Buchanan, Kevin MacDonald e

Samuel T. Francis.

Entretanto, as diferenças não eram apenas nas questões de cunho

racial. Os autodenominados “paleoconservadores” – termo criado por

um de seus principais pensadores, Paul Gottfried – se identificavam com

um pensamento de direita pré-segunda guerra, oposicionista ao New

Deal, tradicionalista (não exatamente no sentido guenoniano, mas sim

nostálgica), oposição à política externa americana no período da Guerra

Fria que exportava o modelo de democracia liberal para outras partes do

globo e atuava, militarmente, em vários países (os paleos são contra a

intervenção militar americana), se posicionavam também contra a

industrialização em larga escala e contra a interferência dos órgãos

supranacionais criados no pós-guerra. Para os paleoconservadores, “os

problemas da América não eram necessariamente econômicos ou

políticos, mas, principalmente de natureza cultural” (SCOTCHIE,


1999). A crítica ao liberalismo e ao conservadorismo convencional é

recorrente no paleoconservadorismo.

Em 1992, o paleo Pat Buchanan disputou as primárias do Partido

Republicano, e sua plataforma de governo era semelhante àquela que

viria ser vitoriosa com a candidatura de Donald Trump décadas depois:

um forte nacionalismo e nativismo (American First), retórica beligerante

anti-imigração, políticas econômicas protecionistas, política externa

isolacionista, a visão apocalíptica de declínio do ocidente e uma defesa

radical de valores cristãos. Apesar de Pat Buchanan ser o nome mais

famoso mundialmente, foram as ideias, principalmente, de Samuel T.

Francis e Paul Gottfried que forneceriam, junto com a Nouvelle


Droite, as bases intelectuais para o movimento radical que surgiria

anos seguintes, a alt-right (direita alternativa).


Paul Edward Gottfried é um filósofo, historiador e colunista

paleoconservador americano que teve como orientador no doutorado o

filósofo alemão (naturalizado americano) pertencente à Escola de

Frankfurt, Hebert Marcuse. Professor acadêmico, produziu uma vasta

obra, desde análise (condescendente) do fascismo, amenizando o

fascismo histórico italiano – de Mussolini – ao multiculturalismo. Sua

obra é substancialmente crítica às democracias liberais e o liberalismo

per se. Na década de 1980, Gotffried


estudou com Marcuse e outros teóricos críticos associados ao jornal de teoria política

radical, o Telos e compartilha da ideia de transformação radical e até revolucionária

exibida por Marcuse e outros da escola de Teoria Crítica (MAIN, 2018).

Em 2008, no The H. L. Mencken Club, Paul Gottfried proferiu uma

palestra para um pequeno grupo de intelectuais na qual afirmou:

Somos parte de uma tentativa de construir uma direita intelectual independente, que existe

sem financiamento do establishment do movimento conservador com o qual nossos

oponentes ficariam encantados em não ter que lidar. Nosso grupo também está cheio de

jovens pensadores e ativistas, e se houver uma direita independente, nosso grupo terá que

se tornar líder (WENDLING, 2018).

E completou:
Uma pergunta que foi feita nesta sala é por que não tentamos nos juntar ao movimento

conservador oficial. Esse movimento controla centenas de milhões de dólares, redes de tv,

séries de jornais, revistas, inúmeras fundações e institutos e um bando de loiras reais e

descoloridas na Fox News (Ibidem).

Nesta palestra, surgiu o termo “direita alternativa” ( alt-right).


Gottfried e outros membros do The H. L. Mencken Club (Richard

Spencer, Pat Buchanan, Patrick Deneen dentre outros) estavam dispostos

a destronar o conservadorismo convencional. Ao ser afastado do

mainstream conservador, se associou, junto com Christopher Lasch –


um crítico social, autodeclarado populista e antiliberal radical, que é

amplamente divulgado no Brasil por formadores de opinião da direita

bolsonarista e da direita “moderada”; sua obra Revolta das Elites é


118
a mais compartilhada pelos influenciadores – ao grupo Telos e, nesta

época, produziu sua trilogia repleta de críticas tanto ao liberalismo

quanto ao conservadorismo.

EmAfter Liberalism: Mass Democracy in the


Managerial State (1999), ele faz uma releitura da obra de James

Burnham The Managerial Revolution,


( 1941) – no qual este

argumentou que o ocidente teria uma novo tipo de sociedade,

comandada por uma elite tecnocrática que exerceria o poder sobre

economia, cultura e política através da burocracia de um Estado

gerencial- e propõe o populismo como forma adequada de governo.

Ratifica seu amigo Christopher Lasch nas críticas às elites gerenciais

que, segundo eles, exercem uma liderança

política com uma cultura liberal degenerada. Uma coleção de empreendedores motivados e

desenraizados, fixados em recompensas financeiras e bem-estar físico e mental, a Nova

Classe de Lasch é vista como incorporando a mentalidade materialista de uma sociedade

capitalista tardia. Resiste à comunidade ou a qualquer identidade fixa, seja ela étnica,

religiosa ou de gênero, que não ofereça recompensa material ou sensual. Também despreza

qualquer apelo ao bem coletivo que não beneficie o interesse individual (GOTTFRIED,

1999).

As ideias de Gottfried ecoam no Brasil através de Olavo de Carvalho

119
e seus alunos há muitos anos. No artigo “A ditadura anestésica”, de
2007, Olavo diz que não há como discordar da tese do livro de Paul

Gotffried – The Strange Death of Marxism: The European


Left in the New Millennium (2005) – a respeito de uma hipotética
dominação de elites marxistas gerenciais que produzem uma espécie de

engenharia social:

Não vejo como discordar da sua tese central, de que o objetivo da esquerda hoje em dia é

“um gerenciamento político que no fim se aproxima do controle total, mas com uma

necessidade cada vez menor de empregar a força física. Vemos isso todos os dias no palco

da tragicomédia nacional. Por toda parte a rede de controles vai se estendendo, lenta e

inexoravelmente, abrangendo desde a economia até os últimos recintos da vida privada, ao

mesmo tempo que os mecanismos formais da democracia continuam em vigor, apenas sem

a mínima possibilidade de ser usados contra a máquina ideológica que nos esmaga.

E complementou sobrepondo à tese do marxismo cultural :


Caracteristicamente, a rede não é toda estatal. Como preconizava Gramsci, está espalhada

pela sociedade civil, que se transforma assim na corda com que ela própria se enforca.

ONGs, escolas públicas e privadas, casas editoras e a grande mídia fazem a sua parte,

submetendo-se docilmente às categorias de pensamento impostas pelo  establishment,


tão abrangentes e onipresentes que a mera possibilidade de conhecer alguma coisa para

fora de seus limites se tornou inconcebível, e pequenas divergências dentro do acordo geral

têm de ser convocadas às pressas para dar a impressão de que existe ainda uma oposição

ideológica, uma “direita”.

Em 2012, Olavo de Carvalho afirma sua preferência por Paul

Gottfried em detrimento dos neoconservadores no artigo para o Diário

120
do Comércio, “Meus Caros Críticos” :

A hipótese mais recente, posta em circulação por alguns  libertarians, é a que faz de mim
um porta-voz dos neocons, não se sabe se pago a peso de ouro ou a preço de banana. O
que me perguntei, ao ler isso, foi por que, com tanto amor aos  neocons no meu coração,

121
não convidei um só deles para membro do Inter-American Institute , preferindo, em vez

disso, o mais feroz dos seus críticos, o prof. Paul Gottfried.

É também de Paul Gottfried o bordão (adaptado) de abertura do

podcast Guten Morgen, produzido por um aluno de Olavo de

Carvalho. No início de seus programas, ele afirma: “Eu sou Flavio

Morgenstern e você não é. Neste podcast estamos certos e, se você

discorda, você está errado”. Em uma das reuniões do The Mencken

Club, em 2008, o filósofo Paul Gottfried disse: “We are convinced


that we are right in our historical and cultural
observations while those who have quarantined us are
wrong” (WARING, 2018) – “Estamos convencidos de que estamos

certos em nossas observações históricas e culturais, enquanto aqueles

que nos colocaram em quarentena estão errados”.

“As questões culturais sempre entusiasmaram os paleoconservadores

mais do que a economia” (SCOTCHIE, 1999) e a busca pela

descentralização das funções do governo uniria libertários (como

Rothbard) e tradicionalistas (paleoconservadores). A tese de que elites

gerenciais dominam todos os aspectos da vida e as questões culturais –

especialmente a questão de raça – são temas constantes no

conservadorismo radical e são sobrepostas a outras teorias como as

antiglobalistas. Uma revisão mais radical da revolução gerencial

encontramos no livro de outro paleoconservador que é citado por todos

os altrighters: Sam T. Francis.


Leviathan & Its Enemies: Mass Organization And
Managerial Power In Twentieth-century America, de Francis,
foi finalizado em 1995, mas lançado póstumo em 2016 por uma editora

criada pelo supremacista branco Richard Spencer, a Radix. Em mais de

setecentas páginas, ele descreve o que seria a dominação das elites

gerenciais (produzidas pelo liberalismo que ele julga um modelo

totalitário, assim como Patrick Deneen) e sugere que a nova elite

gerencial destrói comunidades fundadas em raça, etnia e religião

(MAIN, 2018) .
Nas palavras de Francis (2006) ,
negros e outros alvos tradicionais de preconceito são beneficiários de políticas sociais e,

portanto, formam uma aliança com a elite em oposição aos interesses dos pós-burgueses ou

122
dos MARs (Radicais da América central) que são principalmente gentios e brancos. Os

interesses da elite gerencial, em outras palavras, são antagônicos à sobrevivência da

tradição racial e identidade institucional da sociedade que domina. O surgimento da elite

gerencial promove a expropriação e até a destruição de brancos nos Estados Unidos.


As questões raciais, travestidas de preocupação cultural como o

argumento de “perda de identidade” permeiam toda a mentalidade do

paleoconservadorismo e, futuramente, da alt-right.


A alt-right (abreviação para alternative right, ou direita

alternativa) surgiu numa das reuniões do The H. L. Mencken Club

fundado por Gottfried (2008). Sua proposta era agrupar intelectuais

dissidentes do mainstream republicano para destruir o

conservadorismo convencional, que, na sua visão, havia sido

sequestrado pelos neoconservadores e estes eram muito liberais.

Dois anos após o primeiro uso do termo direita alternativa, um dos

discípulos de Gottfried, o supremacista branco (autodeclarado) Richard

Spencer lançaria um site, o AltRight.com, no qual aglutinava artigos que

defendiam o nacionalismo, etnopluralismo e um tradicionalismo radical.

O propósito de Spencer era formar uma elite intelectual fora do Partido

Republicano convencional. Quando mais jovem, Spencer trabalhou na

revista fundada pelo populista radical paleoconservador, Pat Buchanan,

The American Conservative – que no Brasil é tratada pelos formadores

de opinião como uma revista conservadora convencional, não radical

como de fato é. Seus artigos racistas o fizeram ser demitido, e então, ele

foi para outra revista on-line radical, a Taki’s Magazine (na qual

Gottfried também publicava artigos). Na sua AltRight.com, Spencer

trouxe colaboradores que passaram a divulgar os conceitos da

Nouvelle Droite.
Há muitos anos, desde o início dos anos de 1990, a extrema-direita

utiliza a internet para amplificar seu alcance e atrair mais adeptos. Um

dos primeiros sites foi o fórum Stormfront, de supremacia branca e

abertamente neonazista. A facilidade de comunicação com a internet fez

proliferar sites semelhantes. Conceitos cuja divulgação precisava ser

feita às sombras, agora não mais; racistas do mundo inteiro poderiam se

encontrar, como de fato o fizeram).


Richard Spencer nunca escondeu suas motivações. Em entrevista ao

autor George Hawley ( Make Sense Of The Alt-right), Spencer

disse que

Quando eu estava pensando sobre esse novo ponto de vista, ele tinha uma base filosófica

diferente do conservadorismo anglo-americano descrito em, digamos, The Conservative

Mind, de Russell Kirk. Eu estava pensando em algo como a Nouvelle Droite [Nova Direita

Francesa] e em algo como o tradicionalismo de Julius Evola e o idealismo alemão de

Nietzsche e Heidegger.

123
Em 2012 , Spencer fechou o AltRight.com e passou a administrar

uma editora que publica livros sob uma perspectiva nacionalista branca e

lançou um novo site, o Radix Journal 124


. Paul Gottfried procurou

então desfazer a conexão entre sua obra e a alt-right. O movimento

ressurgiria anos depois, nos chans (fóruns de discussão on-line com

pouca ou nenhuma moderação sobre os posts e comentários,

inicialmente ligado à cultura gamer e fãs de mangás e animes

orientais, mas logo depois transformado em fóruns free space contra


o chamado “politicamente correto”).

Paralelo ao site de Spencer, surgiu na internet outro movimento que

se agregava à alt-right, o Neo-reactionary (NRx), idealizado pelo

programador do Vale do Silício, Curtis Yarvin. No blog, Yarvin escrevia

sob o pseudônimo “Mencius Moldbug” e combatia os movimentos de

“justiça social”, cada vez mais presentes nas universidades e no debate

público e era um crítico ferrenho da democracia. Yarvin forneceu uma

das metáforas mais utilizadas pela alt-right, a “Red Pill


125
”, num de

seus posts no qual ataca a democracia liberal, o “The Case Against

126
Democracy: Ten Red Pills” e também tornou popular o conceito da

“Janela de Overton” (teoria de Joseph P. Overton, também conhecida

como “janela do discurso”). A teoria indica que “conversar sobre o que

antes era impensável moverá a Janela de Overton e as ideias que antes

eram radicais, eventualmente, mudarão para a corrente principal”. Dessa

forma, os limites do discurso público aceitável vão sendo expandidos


gradativamente. Negacionistas do Holocausto e grupos neonazistas

aumentaram, então, a frequência de seus discursos em chans e outras

plataformas digitais a fim de normalizar seus conceitos extremistas.

A alt-right, que é essencialmente on-line e cuja liderança é

pulverizada em dezenas de influenciadores digitais, blogs e sites de

mídia alternativa, é mais um movimento político que aglutina

pensadores e ideologias radicais e extremistas sobrepostas do que uma

ideologia única per se. Reúne ativistas de direita no mundo inteiro

(que vão de mais ou menos radicais à extrema-direita) e foca na guerra

político-cultural através da metapolítica, memes e comentários

deliberadamente ofensivos com o intuito de capturar a atenção da mídia

e, desta forma, amplificar seu alcance. A crença central da alt-right é

baseada no argumento de que

a “identidade branca” está sob ataque de elites pró-multiculturais e liberais e dos chamados

“guerreiros da justiça social” (SJW) que supostamente usam o “politicamente correto” para

minar a civlização ocidental (leia-se os direitos dos homens brancos). É extrema direita,

antiglobalista e um agrupamento que oferece uma “alternativa” radical para o

conservadorismo tradicional / estabelecido. Todos rejeitam o que acreditam ser de esquerda

e repudiam a ordem liberal democrática do pós-guerra (MULHALL, LAWRENCE e

MURDOCH, 2020).

Por ter encontrado nos chans (em especial, o 4chan) um ambiente

livre de moderação sobre os dicursos, a alt-right conseguiu atrair

muitos jovens – majoritariamente homens e muitos com disfunções nos

relacionamentos sociais – que utilizavam uma comunicação irônica,

subversiva e com uso sistemático de assédio on-line.

Sua maior plataforma foi, sem dúvida, o site de mídia alternativa

Breitbart News. Steve Bannon, administrador do site após a morte do

seu fundador, Andrew Breitbart, afirmou que o Breitbart era a mídia

porta-voz da alt-right, e Andrew acreditava que a política está abaixo

da cultura (influenciado pelo pensamento da Nouvelle Droite), então,

deu espaço em sua revista eletrônica aos jovens transgressores que

estavam desafiando o establishment e queria destruí-lo. Ben Shapiro


(que posteriormente se desligou do site ao observar o conteúdo

antissemita recorrente nele), Paul Joseph Watson (um youtuber ligado ao

site de conspiração Infowars.com) e Milo Yiannopoulos foram os

principais nomes da alt-right aceitável (denominada alt-lite por

muitos estudiosos pelo fato de apresentarem conteúdos com menos teor

racial e misógino do que os altrighters mais radicais e extremistas) e

ficaram mundialmente conhecidos.

No Brasil, seus artigos e vídeos eram compartilhados

incessantemente pelos alunos de Olavo de Carvalho, os influenciadores

da nova direita brasileira. Seu texto publicado na Breitbart News, “An

Establishment Conservative’s Guide To The Alt-Right”, foi amplamente

divulgado aqui no Brasil. Milo explicava que a alt-right “tem uma

energia jovem e uma retórica chocante e desafiadora de tabus que

127
aumentaram seu número de membros e tornaram impossível ignorar” .

De fato, o trolling (uso deliberado de ataques ofensivos para provocar

reação pública e assim pautar o debate após a amplificação do alcance

da mensagem) e os memes que procuravam chocar a opinião pública

seriam as marcas registradas da alt-right e de movimentos inspirados

na direita alternativa mundo afora, incluindo o bolsonarismo.

A alt-right, por não ter liderança centralizada e ser essencialmente

on-line – contando com o anonimato que a internet possibilita – reuniu

em suas fileiras desde libertários a neonazistas, paleoconservadores,

supremacistas, grupos declaradamente misóginos, usuários de chans e


partidos políticos radicais que visavam avançar sobre os parlamentos e

ampliar a aceitação de suas pautas anti-imigração e antiliberais. Dentre

os principais grupos que formam a alt-right, encontramos:


- A manosfera – Sites e blogs de mídia alternativa que se concentram

em conteúdos antifeministas e de afirmação da própria masculinidade.

Inclui ativistas dos “direitos dos homens”, incels (jovens garotos que

são celibatários involuntários e culpam as mulheres por esse celibato);


os MGTOWS (uma abreviação para “Homens Seguindo o Próprio

Caminho” – Men Going Their Own Way) que praticam celibato

voluntário como forma de rejeitar a interação com mulheres. Eles

acreditam que mulheres exercem má influência sobre os homens.

Realizam, constantemente, uma prática chamada NoFap (evitar a

masturba ção por período determinado). No Brasil, alguns alunos


de Olavo divulgaram esta prática; o fundador do site Terça Livre, e

Allan dos Santos, disse em vídeo que a masturbação eliminava

128
neurônios . Dentro da manosfera, há também os paleomasculinistas,

que defendem a dominação masculina sobre as mulheres baseando-se no

argumento de que a submissão feminina é biologicamente natural.

- Os paleolibertários – Trata-se de uma corrente política

desenvolvida pelos teóricos anarcocapitalistas americanos Murray

Rothbard e Lew Rockwell, que não rejeitam os valores conservadores

tradicionais e se posicionam contra a intervenção estatal sob uma visão

libertária. São inspirados em pensadores como Ludwig Von Mises.

Rothbard e Mises são os dois pensadores paleolibertários mais

divulgados no Brasil, com a fundação de institutos e muitos livros e

artigos sendo traduzidos e publicados. Rothbard é um defensor de um

populismo de direita radical e coaduna com os paleoconservadores em

muitos aspectos (o que ajuda a explicar tantos “liberais” terem apoiado o

bolsonarismo). Segundo Rothbard, em seu artigo “Populismo de

direita”:

O insight básico do populista de direita é que vivemos em um país estatista e em um

mundo estatista dominado por uma elite que consiste de uma coalizão do Estado Gigante,

Grandes Empresas e diversos grupos de interesses especiais influentes. Sendo mais

específico, o velho Estados Unidos da liberdade individual, propriedade privada e estado

mínimo foi substituído por uma coalizão de políticos e burocratas aliados com (ou

dominados por) poderosas elites corporativas e elites financeiras dos tradicionais

banqueiros (e.g., os Rockefellers, os trilateralistas); e a Nova Classe de tecnocratas e

intelectuais, que inclui as elites acadêmicas e midiáticas da Liga Ivy, que constituem a

129
classe formadora de opinião da sociedade .
Nota-se, portanto, na tese de Rothbard uma sobreposição às teorias

antiglobalistas e das elites gerenciais defendidas por paleoconservadores

e pela Nouvelle Droite. As relações entre Rothbard e

paeloconservadores datam dos expurgos praticados pelo

conservadorismo convencional (especialmente a National Review) em

afastar as correntes radicais do mainstream. Rothbard apontava que o


klansman David Duke e o senador Joseph McCarthy seriam os

modelos ideias para formar uma coalizão com os paleolibertários a fim

de capturar o voto das classes de trabalhadores insatisfeitos (os MARs).

Futuramente, apoiou a candidatura de Pat Buchanan e também as teses

do livro The Bell Curve de Charles Murray, no qual o autor defende

que há diferenças de QI (quoficiente de inteligência) entre as raças. Essa

teoria pseudocientífica seria divulgada no Brasil através do youtuber que

teve amplo compartilhamento nas redes sociais da bolha da direita –

Stefan Molyneaux.

Molyneaux produziu hangouts com influenciadores da direita

130
brasileira, como Olavo de Carvalho e o atual Ministro do Meio

131
Ambiente, Ricardo Salles . Em que pesem as acusações – corretas –

de racismo sobre o yotuber americano, não podemos afirmar que os

convidados tinham consciência do contéudo promovido por Molyneaux

no momento de suas participações nas entrevistas. O nome de

Molyneaux era muito divulgado especialmente por libertários e, na

maior parte dos contéudos, focava-se nas questões econômicas e contra

o multiculturalismo, não exatamente no racismo científico defendido

pelo youtuber. Molyneaux teve suas contas nas plataformas de mídias

sociais supensas em 2020 junto a outros supremacistas como David

Duke. Cabe frisar que o paleolibertarianismo, assim como o

paleoconservadorismo e a Nouvelle Droite , foram as correntes

principais que deram base intelectual tanto à alt-right americana

quanto ao bolsonarismo.
A alt-right sairia das sombras e se tornaria mundialmente

conhecida durante o período pré-eleitoral nos EUA, em 2016. Durante a

campanha, a candidata pelo Partido Democrata, Hillary Clinton,

denunciou o movimento. Em discurso, ela disse que “Sendo

grosseiramente generalista, você pode colocar metade dos apoiadores de

Trump no que eu chamo de ‘grupo de deploráveis’. Infelizmente, há

pessoas assim. E ele as trouxe à tona”. O discurso de Hillary foi

entendido como uma vitória para os altrighters, pois haviam saído

das margens do debate público para o mainstream. No Brasil, o

discurso foi divulgado pelos principais formadores de opinião da direita

como se Hillary houvesse chamado todos os eleitores de Trump como

deploráveis, e essa afirmação equivocada fez aumentar, na bolha da

direita, a rejeição a Hillary e também o apoio à candidatura de Trump.

Ainda hoje, alguns insistem na mentira de que ela se referia a todo o

eleitorado de Donald Trump, não especificamente aos altrighters.


A vitória de Trump levou a alt-right direto para dentro da Casa

Branca (e aqui no Brasil, a vitória de Jair Bolsonaro fez o mesmo). O

presidente dos EUA contratou como conselheiro o tradicionalista Steve

Bannon, e o movimento iria inspirar eleições em outras partes do

mundo.

No Brasil, outros conceitos defendidos pela alt-right virariam

temas constantes nas redes sociais. A ideia de inferioridade (tentavam

amenizar com o eufemismo “diferenças biológicas”) das mulheres – que

as mulheres deveriam retornar às funções de mãe/esposa e cuidadora do

lar, fora da esfera pública – se tornaram comuns. A defesa da ideia de

tradwives – mulheres que preferem assumir um papel tradicional no

casamento, esposas tradicionais do “macho alfa” como mantenedor

tornou-se corriqueira, e alguns alunos de Olavo ainda defendem estes

conceitos em cursos que vendem pela internet. O teor misógino da alt-


right e do bolsonarismo são latentes. E mulheres sempre foram seus

alvos preferenciais no assédio on-line.

As questões de imigração também viraram pauta nos debates, apesar

de o Brasil não ter histórico recente de grandes contingentes migratórios

(exceto a entrada de refugiados vindos da Venezuela fugindo do regime

ditatorial de Nicolás Maduro), mas o tema da islamização do ocidente e

as pautas da extrema-direita americana e europeia eram inspiração para

os influenciadores da direita. Assim como os discursos

antiestablishment de Trump e de outros populistas radicais da Europa de

que o governo, os partidos políticos tradicionais, as elites gerenciais não

ouviam o “povo” sobre suas preocupações a respeito de imigração,

violência, corrupção, perda da identidade, questões culturais e

religiosas, e também que as elites liberais cosmopolitas (globalistas)

criavam agendas contra os valores e os impunha de cima para baixo

através de órgãos supranacionais e da sua hegemonia cultural nas

academias, mídia etc.

Todas essas teorias vinham embaladas em teorias conspiratórias (a

respeito das quais falarei no capítulo “Crer e Destruir”).

A partir de 2014, a alt-right foi o principal movimento radical

copiado pelos influenciadores da bolha virtual da direita brasileira – em

sua maior parte, ligados ao Olavo de Carvalho – e essa mimetização

criaria e alimentaria o bolsonarismo nos anos subsequentes.

A tempestade ideológica começou.

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81. Publicação completa no link https://bit.ly/3dpkmjJ.

82. Segundo um dos principais ideólogos da extrema-direita francesa, Alain de Benoist, a

metapolítica “se baseia na compreensão de que as ideias desempenham um papel fundamental

na consciência coletiva e, de modo mais geral, em toda a história humana”, porém o conceito

de metapolítica exibe alguns séculos de tradição e denota não uma ideia antissecular proposta

por Benoist, mas também a fusão entre política e religião, a transcendência como política

pública. Joseph de Maistre, no século XVIII, defendia o conceito de metapolítica afirmando

cristã, implícita nos costumes e instituições


que “apenas os governos baseados na constituição 

de todas as  sociedades europeias, mas especialmente

nas  monarquias  católicas  europeias, poderiam evitar as desordens e as


matanças que se seguem à implementação de programas políticos  racionalistas”; e

em 1941, o poeta e historiador americano Peter Viereck traçou a evolução ideológica do

romantismo alemão a Hitler, e afirmou que “O círculo de nacionalistas do compositor Richard

Wagner foi o primeiro a usar esta palavra  Metapolitik como o ideal político da Alemanha”.

No Brasil, o blog do atual chanceler, Ernesto Araújo, chama-se Metapolítica.

83. Tática que utiliza iscas através de anúncios enganosos e sensacionalistas para gerar tráfego

on-line na publicação.

84. Ver artigo de 2014 Que venha o Tea Party Brasileiro do jornalista Alexandre Borges

em https://aluizioamorim.blogspot.com/2014/11/que-venha-o-tea-party-brasileiro.html.

85. Combina políticas conservadoras com elementos liberais.

86. Corrente de pensamento mais comum ou generalizada no contexto de determinada cultura. 

87. A cronologia das ondas não é consenso na academia. Mudde utiliza o modelo do cientista

político alemão Klaus von Beyme, contando como primeira onda o neofascismo no período

imediato do pós-guerra. No entanto, outros especialistas caracterizam a primeira onda a partir

do surgimento dos primeiros partidos populistas, como Eiriuk Bergaman (sob uma ótica do

populismo nativista).

88. O Estado de Bem-Estar Social, ou  Estado-Providência,  ou  Estado Social, é um tipo de

organização política, econômica e sociocultural que coloca o Estado como agente da promoção

social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador.

89. Otto von Bismarck, o chanceler de ferro, foi o estadista mais importante da

Alemanha do século XIX. Coube a ele lançar as bases do Segundo Império, ou 2º Reich (1871-

1918).

90. Ver em https://www.oantagonista.com/brasil/bolsonaro-sonego-tudo-que-possivel/.

91. Andres Lange’s Party for a Strong Reduction of Taxes, Social Contributions and Public

Intervention, 1973 (abreviação usual: ALP).

92. A  John Birch Society – fundada em 1958 –   é um grupo de pressão política de direita que

apoia o anticomunismo, governo limitado e liberdade pessoal irrestrita.

93. O senador Joseph McCarthy nomeou o movimento “macarthismo”: perseguição aos

comunistas através de discursos inflamados, listas públicas de acusação contra possíveis

simpatizantes do comunismo e diversos projetos de lei para limitar as atividades desses

suspeitos.

94. MUDDE, Cas. Right-Wing Populism, 1955/80. In: The Far Right Today. Polity Press.
2019.

95. “ Kulturkampf” é um termo alemão que se refere às lutas de poder entre Estados-Nação

democráticos constitucionais emergentes e a Igreja Católica Romana sobre o lugar e o papel da

religião na política moderna. Nas discussões contemporâneas, usa-se o termo Guerra Cultural,

conflito entre tradicionalistas e conservadores radicais  versus progressistas ou valores sociais


liberais.  

96. O etnopluralismo “seria uma estratégia defensiva contra a imigração e a incompatibilidade

cultural, a partir da construção de uma filiação nacional, na qual critérios étnicos, culturais ou

religiosos são acentuados e condensados em ideias de homogeneidade coletiva, ligados a

modelos políticos autoritários” (M. Minkenberg). Ele acredita que a direita radical recente não

quer voltar a regimes pré-democráticos, tais como a monarquia ou feudalismo, mas jogar com

os antagonismos da democracia para disputar poder e reforçar sua ideia de Estado autoritário,
repressivo, fechado e minimamente plural (M. Minkenberg). Veja: DALMONTE,

  La droite radicale de Jair Bolsonaro: de


Edson Dalmonte; DIBAI, Priscilla.

l’aporophobie à la défense de la mémoire des régimes d›exception.


Disponível em: https://doi.org/10.4000/ideas.6895.

97. The Conservative Revolution In The Weimar Republic – A revolução

conservadora foi um movimento contrarrevolucionário ocorrido na República de Weimar que

rejeitava o liberalismo, o socialismo, a democracia e o internacionalismo. Estudiosos citam

como um movimento intelectual que forneceu bases teóricas ao nazismo.

98. A Nova Resistência (NR) é uma organização política de orientação nacional-revolucionária,

composta por trabalhistas, distributistas, tradicionalistas, nacionalistas de diversas vertentes e

adeptos da Quarta Teoria Política que defende uma resistência ampla e, em vários níveis, às

políticas econômicas neoliberais, ao imperialismo atlantista, à agenda globalista e ao lobby

sionista nas mídias e nos governos. Fundada em 2015 no Rio de Janeiro, a NR já conta com

células espalhadas por diversos estados e cidades do Brasil. Ver

http://novaresistencia.org/sobre/.

99. O movimento identitário europeu se opõe à globalização, ao multiculturalismo e à imigração.

Relatório da comissão parlamentar da Nova Zelândia a respeito do terrorista de extrema-direita

australiano, Brenton Tarrant, que cometeu o massacre em Christchurch NZ, em 2019, afirma

que o assassino doou grandes quantias ao GI francês – Génération Identitaire .


100. Francis Fukuyama é um filósofo americano de origem japonesa que ficou mundialmente

famoso com seu artigo The End of History and The Last Man, posteriormente

transformado em livro homônimo. Ver artigo em http://www.wesjones.com/eoh.htm.

101.Importante frisar que movimentos de oposição à democracia liberal


partiram tanto da direita radical e extremista quanto das esquerdas. Um
excelente livro que cobre o pensamento de contestação à democracia é a
obra de Jan-Werner Müller, Contesting Democracy.
102. Brasil: Jair Bolsonaro; EUA: Donald Trump; e Índia: Narendra Modi.

103. O excelente livro de João César de Castro Rocha, Guerra Cultural e a Retórica do
Ódio (Editora Caminhos, 2021) faz uma análise espetacular da retórica bolsonarista.
104. Artigo completo em https://segundasfilosoficas.org/trump-e-o-ocidente/.

105. Ver https://www.metapoliticabrasil.com/post/por-um-reset-conservador-liberal.

106. Artigo “Trump e o Ocidente”.

107. A Escola Perenialista  é composta por um grupo de pensadores dos séculos XX e XXI

preocupados com o que eles consideram ser o fim das formas tradicionais de conhecimento,

tanto estéticas quanto espirituais, nas sociedades ocidentais. Esta corrente é caracterizada por

uma rejeição fundamental ao iluminismo, materialismo e à modernidade.

108. O principal estudo do perenialismo é o livro de Mark Sedgwick cuja tradução foi lançada

Contra o Mundo Moderno: O Tradicionalismo


em 2020 no Brasil pela editora Ayné:

e a História Intelectual Secreta do Século XX.


109. Himmler cometeu suicídio, com uma cápsula de cianureto de potássio, após ser capturado

em 1945. Foi um dos maiores carrascos da história da humanidade.

110. O chanceler Ernesto Araújo indica como bibliografia as seguintes obras: EVOLA,

J.  Metaphysics of War.  London: Arktos, 2001; GUÉNON, R.  The Crisis of the
Modern World. New York: Sophia Perennis, 2001.
111. Para baixar o artigo completo, de agosto de 1981, acessar: https://wiac.info/doc-viewer.

112. Uma ótima explicação da relação de Olavo, Bannon e o chanceler Ernesto com a escola

tradicionalista em: https://juliosevero.blogspot.com/2020/06/olavo-de-carvalho-e-julius-

evola.html?fbclid=IwAR3V5_-7C-

4A7D1wXmuX7s5R2i5vggjFiU_4lXL4EMZakJKV68zV_J7Q6fo.

113. Um dos livros mais festejados pelos paleoconservadores e grande parte da direita

“moderada” no Brasil traz ecos das ideias de Benoist, desde o antiliberalismo latente à

sugestão nostálgica de comunidades homogêneas. Trata-se de Por que o Liberalismo


Fracassou? de Patrick Deneen – Editora Ayné, 2020.
114. A editora Arktos é especializada em publicações de extrema-direita e direita radical. Sede

atual em Budapeste, na Hungria, foi fundada em 2010 pelo editor americano John B. Morgan e

o sueco Daniel Fribegr. O objetivo era criar, na Europa, um movimento similar à alt-right
americana. Especializaram-se em traduzir para o inglês obras de pensadores ligados à extrema-

direita (Julius Evola, Alain de Benoist, Aleksander Dugin etc.).

115. Ver https://arktos.com/people/alain-de-benoist/.

116. “Jihad” é entendido como “guerra santa” travada contra os inimigos da religião muçulmana.

117. O mais abrangente estudo sobre a história do conservadorismo, apesar de ser um livro

antigo, é o do historiador americano George H. Nash: The Conservative Intellectual


Movement in America Since 1945 – Editora Intercollegiate Studies Institute –

1976/2004.

118. Olavo de Carvalho analisa a obra de Christopher Lasch no artigo “Christopher Lasch, a

nova elite e as velhas massa” (In: O Imbecil Coletivo. Editora Record, reimpresso em

2018). O jornalista e publicitário Alexandre Borges e o jornalista e escritor Martim Vasques da

Cunha comentam a obra de Lasch neste vídeo de 2018: https://www.youtube.com/watch?

v=X0jtfD2g8K8. 

119. Ver https://olavodecarvalho.org/a-ditadura-anestesica/.

120. Ver em https://olavodecarvalho.org/meus-caros-criticos/.

121. Segundo Heloísa de Carvalho, filha do filósofo Olavo de Carvalho, o Inter-American

Institute foi criado e presidido por seu pai. Ver informação em

https://catracalivre.com.br/cidadania/o-fim-misterioso-da-entidade-da-olavo-de-carvalho-nos-

eua/.

122. O conceito de MARs, abreviação para Middle American Radicals (Radicais da América

central, numa referência à região central dos EUA, não o continente) foi criado pelo sociólogo

The Radical Center: Middle Americans and the Politics


Donald Warren, no livro

of Alienation (1976) e refere-se aos eleitores que não tinham preferência ideológica
definida, mas apesar de não serem declaradamente conservadores, mantinham posições

conservadoras em vários temas, especialmente nas questões raciais e sobre o bem-estar social;

ocupavam empregos semiqualificados; não possuíam educação universitária; vivenciaram

perdas salarias no processo de globalização e compartilhavam a ideia de que sua classe, média,

estaria sendo “esmagada por cima e por baixo”. Seria a chamada “maioria silenciosa”,

posteriormente capitalizada pelos movimentos populistas radicais e convertida na base da

eleição de Donald Trump .


123. Trecho de meu artigo “A Alt-Right e a Far-Right” – Vetores no Crescimento Exponencial do
Antissemitismo, foi originalmente publicado no livro Antissemitismo: uma obsessão
(Numa Editora, 2020).

124. Imagens de rabanetes radish)


( são utilizados pelos altrighters, uma referência à

“radical”. O assessor do presidente, Filipe G. Martins, já postou em seu Twitter esse símbolo.

125. Falaremos sobre a Red Pill no capítulo “Crer e Destruir”.

126. Ver no site https://www.unqualified-reservations.org/2007/04/case-against-democracy-ten-

red-pills/.

127. Ver em https://www.breitbart.com/tech/2016/03/29/an-establishment-conservatives-guide-

to-the-alt-right/.

128. Ver vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=2VL8NjXDj6s.

129. Ver em https://rothbardbrasil.com/populismo-de-direita/ e o artigo original, publicado em

1992, está disponível para download neste site: http://rothbard.altervista.org/articles/right-wing-

populism.pdf.

130. Hangout Olavo de Carvalho e Stefan Molyneaux disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=4qMSWlTDUKc.

131. Hangout ministro Ricardo Salles e Stefan Molyneaux disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=zeyQ5oxyMF8.
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Parte II
A Tempestade
Capítulo 4

A rinocerização:

a radicalização via redes sociais e


discursos disruptivos

Bérenger (a Jean) – Era um rinoceronte, e daí? Era


um rinoceronte! Já está longe… Já passou…
Jean – Mas, vejamos, vejamos… É espantoso! Um
rinoceronte à solta na cidade, isso  não
surpreende? Não devia ser permitido! (Bérenger
boceja) Ponha a mão na frente da boca!
Bérenger – Sim… Sim… Não deviam permitir. É
perigoso. Não tinha pensado nisso. Não se
preocupe, nós estamos fora de seu alcance.
Jean – Deveríamos ir protestar junto às autoridades
municipais! Afinal, para que  servem as
autoridades municipais?
Bérenger (bocejando, pondo rapidamente a mão na
frente da boca) – Oh, perdão… Talvez o
rinoceronte tenha fugido do jardim zoológico!
Eugène Ionesco – O Rinoceronte

Amigos conversam numa mercearia quando um rinoceronte é visto

correndo pelas ruas. A visão atinge todos, mas alguns resistem a

enxergar aquilo que seus olhos veem. Aos poucos, as pessoas do vilarejo
se transformam, uma a uma, no animal selvagem e sobra apenas

Bèrenger, o personagem principal, a permanecer humano.

A peça O Rinoceronte (2015) foi criada por um dos inventores do


teatro do absurdo, Eugène Ionesco. A analogia é inspirada na sua

vivência dentro do Criterion Association – mencionado no Capítulo 2 –

132
durante a fascistização da Romênia e do grupo de intelectuais do qual

ele fazia parte. Muitos daqueles que se denominavam elite intelectual

para o resgate da alta cultura romena, alguns como se estivessem numa

batalha espiritual (Mircea Eliade, por exemplo), passaram a fazer parte

e/ou apoiar o Movimento Legionário – a Guarda de Ferro romena, uma

organização religiosa/militar ultranacionalista, antissemita e fascista – e

Ionesco retratou a conversão em rinocerontes de cada um em sua peça,

133 134
como a de Emil Cioran e Eliade .

A desumanização, a selvageria, a perda de princípios em nome de

um suposto resgate do país, “indivíduos criando uma ideologia que não

deixa espaço para intelectuais ou críticos, a mentalidade de rebanho”

(BEJAN, 2019), retratados na peça O Rinoceronte, se encaixam

135
perfeitamente ao processo de rinocerização que o Brasil tem vivido

desde o surgimento e a ascensão do bolsonarismo ao poder.

A partir de 2013, os conceitos de extrema-direita e direita radical

(Capítulo 3) – introduzidos por Olavo de Carvalho e replicados por seus

alunos – no debate público brasileiro começavam a substituir as pautas

que antes eram exclusivamente focadas nas críticas ao governo do

Partido dos Trabalhadores. Após o início da Operação Lava-Jato e as

subsequentes manifestações populares organizadas por diversos grupos

como o MBL (Movimento Brasil Livre), Vem pra Rua, Revoltados

Online e NasRuas, em trios elétricos e carros de som, a única pauta era

contra corrupção, o PT e pelo impeachment, mas, no final de 2014,

isso mudou. Discursos e placas sobre Foro de São Paulo, antiglobalismo,


contra George Soros, a favor de intervenção militar e a mitificação da

figura de Olavo de Carvalho tornaram-se cada vez mais comuns.

As ideias que dominavam as discussões nas redes sociais da bolha da

direita saíam do mundo virtual e chegavam ao físico. O nome de

Bolsonaro como candidato para representar a direita começou a ser

sugerido ainda em 2014, num hangout136 entre Olavo de Carvalho, o

deputado e seus filhos, mas o processo de rinocerização ainda estava no

início.

A forma de comunicação sofreu modificações. Os memes passaram a

ser utilizados com mais frequência assim como artigos com manchetes

sensacionalistas, misturando pequenas verdades a grandes mentiras, e a

imprensa tradicional começou a ser atacada e desacreditada pelos

principais influenciadores (um método de transferência da confiança das

pessoas na imprensa – que atuava como um filtro das ideias públicas –

para si próprios). As notícias do Breitbart News eram compartilhadas

como referência de verdadeiro jornalismo, assim como suas ideias

radicais.

A dinâmica nas redes sociais pulveriza lideranças e, ao mesmo

tempo, facilita a criação de microcomunidades que podem atuar – ou

não – no processo de desengajamento moral e radicalização. Em torno

da figura de Olavo de Carvalho, por exemplo, surgiu um grupo coeso (de

alunos e/ou admiradores) que divulgavam sua obra, compartilhavam os

próprios artigos entre si e indicavam-se mutuamente, criando uma

câmara de eco que levaria várias figuras a alcançar um status de

“grandes pensadores” dentro das redes. As ideias trazidas das correntes

radicais nos chegavam, através desses influenciadores digitais, como se

fossem excelentes exemplos de ideias políticas, modificando lentamente

os parâmetros daqueles que os liam e de muitos que não tinham

conhecimento a respeito dos assuntos.


137
Hangouts, cursos e institutos (como o Instituto Sophia Perennis )

ligados aos alunos de Olavo surgiam sem parar, amplificando seu

alcance. Entre 2013 e 2016, ao observar uma demanda por livros ligados

ao conservadorismo e liberalismo, o jornalista e editor Carlos

Andreazza lançaria – pela editora Record – muitos desses “pensadores”

surgidos nas redes sociais (e logo Andreazza seria um dos primeiros a

ser atacado pelos “rinocerontes”). A rinocerização se inicia a partir de

2014. Conforme os alunos de Olavo (incluindo Carlos Bolsonaro e seus

futuros assessores que operavam as páginas de culto ao Jair) foram

introduzindo o nome de Bolsonaro como candidato ideal e outros

influenciadores discordavam, os linchamentos virtuais iniciaram. Neste

período, a influência de Olavo era tamanha que uma pessoa saía

imediatamente do anonimato apenas por ter sido compartilhada por ele.

E vários se utilizaram deste método, marcando o filósofo em todos os

posts em busca de visibilidade. O grupo, por exemplo, que ganhou

relevância nacional ao protagonizar as maiores manifestações de rua

desde o processo de redemocratização do país com uma retórica

138
beligerante, o MBL , apostou na guerra memética e nas notícias

sensacionalistas, além da espetacularização da política, e apesar da

autodenominação como liberal, incluíam e replicavam todas as pautas da

direita radical olavista (que eram cópias da alt-right e da extrema-

direita estrangeira) junto às pautas dos paleolibertários, mesmo diante

do caráter essencialmente antiliberal de ambos. Provavelmente, o motivo

deste evidente paradoxo está no fato de que as redes eram dominadas

pelos discursos daqueles que queriam que ocorresse no Brasil uma

revolução populista aos moldes do Tea Party americano e também

porque falar sobre aquelas pautas trazia audiência.

Inicialmente, o método era esvaziar a credibilidade dos opositores ao

nome de Bolsonaro através de sugestionamentos e elogios ao anti-

intelectualismo. Sugeriam que o formador de opinião guardava

interesses pessoais relacionados a determinados partidos, como o PSDB,


e inventavam apelidos para transformar a intelectualidade em algo

antipopular e em desacordo com os anseios e a realidade do “povo”.

Apelidos como “clube do livro” e “direita limpinha” se tornaram

frequentes nos escritos do grupo olavete. Os nomes não eram citados

diretamente, mas o público compreendia quem eram os alvos.

Após esse processo, outro método se tornou corriqueiro: alguém que

era relativamente anônimo escrevia – sempre com uma retórica raivosa

sugerindo “desmascarar” o influenciador – nas postagens da pessoa,

printava o próprio comentário e compartilhava em seu espaço. Essa

tática visava esvaziar a credibilidade daquele que era seguido por muitas

pessoas, angariar o público deste, criar rejeição contra o formador de

opinião e ocupar o seu espaço. E funcionava.

Como explica Gustave Le Bon em As Opiniões e as Crenças


(2006):

a grande maioria das nossas opiniões e das nossas crenças políticas, religiosas e sociais,

são o resultado de sugestões. A sugestão é o poder de persuasão exercido não somente

pelas ideias, como também por uma causa qualquer: afirmação, prestígio, etc. Os modos de

sugestão são muito variados: livros, jornais, discursos, ação individual, etc. A palavra

representa um dos mais ativos. Falar já é sugerir; afirmar é sugerir mais, repetir a afirmação

com ardor, é levar ao seu máximo a ação sugestiva.

No início da rinocerização, o primeiro alvo foi o jornalista Reinaldo

139
Azevedo. Em seu blog na revista Veja, Reinaldo publicou um texto

no qual criticava a fala absurda de Jair Bolsonaro contra a também

deputada Maria do Rosário: — Eu jamais iria estuprar você


porque você não merece. Reinaldo finaliza a coluna afirmando

que

O lixo dito por Bolsonaro não é “de direita”. É apenas, repito, uma boçalidade. Se seus

seguidores nunca mais quiserem ler meu blog, paciência. Eu não combato o lixo moral da

esquerda porque aceite agressões à ordem constitucional, aos fundamentos da democracia

e à civilização. Eu o combato justamente porque não as aceito. E não seria Bolsonaro a me

fazer mudar de ideia.

A partir daí, pelo fato de ter criticado Bolsonaro, Reinaldo Azevedo

sofreria um dos maiores linchamentos virtuais ocorridos dentro da


direita e que partia, como sempre, do grupo de alunos de Olavo de

Carvalho.

A regra seria replicada milhares de vezes até os dias atuais: críticas a

Bolsonaro não são permitidas. E as pessoas, com medo, foram

gradativamente se calando ou evitando tecer críticas contra o deputado.

Logo depois do processo de assédio on-line sofrido por Reinaldo

Azevedo (que na época era o jornalista mais lido pela direita, com

acessos diários que ultrapassavam a casa dos milhões), o jornalista e

editor Carlos Andreazza virou alvo por suas críticas a Bolsonaro. A

covardia e a condescendência daqueles que até mesmo se tornaram

escritores contratados pela editora Record, na qual Andreazza exercia o

cargo de editor, eram gigantescas: nem saíam em defesa de Andreazza e

muito menos condenavam os processos de linchamentos virtuais que

começavam a se tornar cotidianos. Mantinham um silêncio cúmplice,

produzindo no público uma sensação de normalidade diante de

comportamentos grotescos.

Logo, os ataques seriam ampliados a todo e qualquer opositor de

Bolsonaro, de historiadores e jornalistas como Marco Antonio Villa e

Rachel Sheherazade (que sofreu ataques misóginos brutais sob a

complacência dos principais formadores de opinião) àquelas pessoas

que ousassem criticar o político Jair Bolsonaro.

O desengajamento moral seria a regra.

Em 2015, Olavo de Carvalho passou a discordar, publicamente, da

estratégia – democrática e amparada na Constituição – dos grupos que

mobilizavam as pessoas pelo impeachment. Olavo sugeria que o

caminho deveria ser uma ruptura total com a ordem democrática.

Poucos influenciadores condenaram a proposta de Olavo, e esses foram

140
vítimas da fúria selvagem dos bolsolavistas . Reinaldo Azevedo, mais

uma vez, saiu em defesa da Constituição e contra a sugestão de ruptura

(traço típico da extrema-direita) e foi o suficiente para que, em ataques

coordenados, os principais alunos do filósofo publicassem dezenas de


textos atacando Reinaldo e tentando esvaziar sua credibilidade. Porém,

os textos desses radicais – hoje vistos à distância – revelam a natureza do

pensamento e métodos da far-right na manipulação da opinião pública:


"É essa escolha de Reinaldo que explica seu desprezo pela
realidade da vida popular e por todos aqueles que ousam
dar expressão aos modos e aos valores do
brasileiro médio, como fazem o Olavo, o Bolsonaro
ou mesmo um grupo como o Revoltados Online, que, devido à sua

indiferença às convenções da elite bela, limpa e


boazinha, é sempre deixado de fora da narrativa do blogueiro sobre

as manifestações antipetistas realizadas de 2014 para cá. Mesmo


sendo católico e, diz ele, conservador, Reinaldo prefere a

companhia do “beautiful people”, sempre adornando sua religião ou seu

posicionamento político de modo a torná-los mais


aceitáveis para a elite falante – “sou católico, mas, vejam

só, sou favorável ao casamento gay, contrário ao


celibato e ao que mais for necessário para vocês gostarem de mim”,

“também sou conservador, mas não se assustem, sou democrático, só

voto no PSDB e no PPS, falo mal do Sérgio Moro e defendo o

141
Odebrecht” escreveu Filipe G. Martins no início de 2016."

Num único texto, encontramos o exemplo de

como a extrema direita se infiltra estrategicamente nas iniciativas dos cidadãos,

inicialmente adotando suas preocupações, e em seguida, ocupando posições de liderança e

revelando mais de sua própria agenda, uma estratégia que funcionou para eles na

Alemanha, França, Bélgica e muitos outros países europeus (CAMUS e LEBOURG,

2017).

A retórica populista “povo versus elite” na qual Bolsonaro e Olavo

seriam os legítimos representantes da voz do povo ( Vox Populi Vox


Dei), as tentativas de tornar comportamentos ofensivos em aceitáveis e

dignos de orgulho (como a sugestão de Bannon e Breitbart: “Não dê a


mínima para o que falam sobre você”), o discurso que julga e sugere ser

cristão somente aqueles que não aceitam os princípios liberais de

respeito à dignidade humana e defesa das liberdades individuais (a

aceitação da legitimidade do casamento gay, por exemplo), a teoria das

elites, a sugestão de que o interlocutor tem interesses e relações escusas

com partidos políticos, a colocação de partidos social-democratas dentro

de um espectro de extrema-esquerda e o uso instrumental da Lava-Jato

estão todos presentes no texto do aluno de Olavo.

O nome de Bolsonaro estava, portanto, sendo gradativamente

imposto desde 2014 como aquele para representar a direita. Os métodos

de assédio on-line, discursos disruptivos repletos de conceitos radicais

da alt-right e da extrema-direita e a mitopoese


142
, aliados ao

comportamento dos seres humanos quando em processos de multidão e

ao zeitgeist de revolta contra a classe política (amplificado pelos

discursos antissistema) foram fundamentais na rinocerização da

sociedade brasileira e na eleição de Jair Bolsonaro.

Gustave Le Bon, em A Psicologia das Multidões (2008),

corretamente afirma a respeito do que ele denomina como contágio

mental:

Numa multidão, todos os sentimentos, todos os atos são contagiosos e são-no a ponto de

indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.

Trata-se de uma aptidão que é contrária à natureza do homem e de que ele só é capaz

quando faz parte de uma multidão.

...

Só pelo fato de pertencer a uma multidão, o homem desce vários degraus na escala da

civilização. Isolado seria talvez um indivíduo culto; em multidão é um ser instintivo, por

consequência, um bárbaro.

Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo

dos seres primitivos e a eles se assemelha ainda pela facilidade com que se deixa

impressionar pelas palavras e pelas imagens e se deixa arrastar a atos contrários aos seus

interesses mais elementares.

O indivíduo em multidão é um grão de areia no meio de outros grãos que o vento arrasta a

seu bel-prazer.
Essas características foram presentes em todos os momentos da

ascensão do bolsonarismo.

Diversos interesses pessoais e comportamentos contribuíram para tal

143
situação. O especialista em extremismo, J. M. Berger , explica que

os movimentos de identidade são orientados para estabelecer a legitimidade de um grupo

coletivo (organizado com base na geografia, religião, etnia), crenças e que os movimentos

tornam-se extremos quando a demanda do grupo por legitimidade aumenta ao ponto de só

poder ser satisfeito às custas de um grupo externo.

E complementa com a informação de que os grupos internos se veem

cada vez mais vulneráveis e consideram os grupos externos cada vez

mais ameaçadores. 

Então, a definição do grupo torna-se dramaticamente mais expansivo ou restritivo.  No

144
primeiro caso, o in-group é ampliado para maximizar a marginalização do out-group.

No último, as pessoas que foram definidas como parte do grupo em estágios anteriores são

reclassificados como fora do grupo (por exemplo, como “traidores de raça” ou “apóstatas”)

se eles não conseguem acompanhar as crescentes demandas de legitimidade do grupo

(BERGER, 2016).

Além desta dinâmica encontrada nos processos de radicalização, a

criação dessas microcomunidades dentro do ecossistema virtual da

direita formou laços de amizades e aumentou o sentimento de

pertencimento e validação ao grupo e às microcomunidades, produzindo

a legitimidade da radicalização (o que também induzia as pessoas a não

repreenderem atos execráveis em nome da suposta amizade). Há

também o fato de as redes sociais proporcionarem uma saída do

anonimato: ser amigo virtual e/ou compartilhado por determinadas

figuras que agregam muitos seguidores fornecem às pessoas uma espécie

de status. Esta suposta “fama” foi utilizada por muitos,

145
posteriormente, para ser capitalizada , seja através da criação de

blogs, sites de mídia alternativa, canais em plataformas de vídeo, criação

de cursos ou cargos na imprensa tradicional. A partir de 2015, passou a

ser recompensável fechar os olhos frente à feroz rinocerização, justificar

padrões inaceitáveis de comportamentos e apoiar a criação do mito

Bolsonaro.
Outro fator importante era de muitos dos formadores de opinião

serem colaboradores de institutos financiados por empresários que

estavam apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro. A maioria deles

optou por realizar uma perversão do liberalismo colando em Bolsonaro

– de forma totalmente paradoxal – a imagem de um liberal.

A mitopoese foi uma constante. Durante anos, a construção de

narrativas desprezou a verdade factual.

Figuras políticas radicais e de extrema-direita dos EUA e da Europa

eram amenizadas no discurso público – através de fábulas criando mitos

– dos influenciadores e apresentadas como o ideal de política.

Nigel Farage (Reino Unido), Viktor Orbán (Hungria), Trump (EUA),

Erdogan (Turquia), Marine Le Pen (França), Geert Wilders (Holanda),

Renzi e Salvini (Itália) e Putin (Rússia) passaram a formar o imaginário

da direita no Brasil. Cada qual sendo mitificado de acordo aos aspectos

que melhor fosse adequada às narrativas dos mercadores intelectuais.

O Brexit, de Farage, e o Front National, de Le Pen, eram utilizados

para reforçar as crenças nas teorias de elites gerenciais e globalistas que,

supostamente, pretendem dominar o mundo e na teoria de islamização

do ocidente. A União Europeia (UE) foi simbolizada como um “monstro

burocrático” que deveria ser aniquilado. Mas esses “intelectuais” que

(ainda) defendem a destruição do órgão supranacional jamais entravam

em detalhes a respeito do histórico e das funções da UE para evitar

conflitos como as duas grandes guerras, suprimir nacionalismos e

nativismos, integrar países da região e recuperar o continente após a

devastação ocorrida na primeira metade do século XX.

Erdogan, Orbán e Putin se tornaram modelos por serem autocratas e

por reafirmarem as crenças antisseculares da extrema-direita brasileira.

Olavo de Carvalho escreveu em 2015 que

Vladimir Putin parece que descobriu a fórmula do sucesso: a esquerda internacional o

aplaude porque é antiamericano, a direita porque vê nele a esperança de um renascimento

espiritual do mundo. Ele me parece muito mais inteligente do que seu mestre Duguin. O

simples fato de falar mais como um nacionalista russo de velho estilo do que como um
“eurasiano” poupa a ele muitos inconvenientes. Só falta agora ele alisar um pouco mais

diretamente as cabeças dos conservadores americanos para se tornar mesmo o queridinho

146
do planeta. Aonde isso vai dar, ninguém sabe.

Mas os formadores de opinião – ardentes no desejo de metafísica na

política – esqueciam-se sempre de mencionar aos leitores e seguidores

que suas propostas de guerra cultural, transcendência e seus supostos

valores cristãos transformados em regras constitucionais apenas são

possíveis desprezando procedimentos democráticos e os princípios

liberais de respeito à dignidade humana e defesa das liberdades

individuais. Nos três países comandados pelos exemplos de estadistas

que idolatram, minorias religiosas são perseguidas e a perseguição às

comunidades LGBTQ+ são constantes. Esses influenciadores também

falsificavam o conceito de democracia cristã (assim como Orbán e

Bolsonaro o fazem), posto que é pluralista, rejeita o nacionalismo e é

defensora do humanismo econômico. Angela Merkel (Alemanha), por

exemplo, do CDU – Partido Democrata-Cristão fundado pelo

conservador alemão Konrad Adenauer, que foi fundamental na

reconstrução da Europa e da ordem liberal do pós-guerra – foi

categorizada pelos bolsolavistas como dentro do espectro da esquerda e

até extrema-esquerda, uma brutal falsificação da verdade para mover a

Janela de Overton mais à extrema-direita.

E, por fim, Renzi, Salvini, Wilders e Trump eram enaltecidos pelos

influenciadores que alimentavam o imaginário da bolha da direita pelo

fato de essas figuras formarem um pacote completo para a desejada

revolução populista, abrangendo desde as teorias conspiratórias, o

nativismo, nacionalismo, chauvinismo, captura de correntes religiosas

(como cristãs e evangélicas) como base de apoio, isolacionismo,

desprezo pela democracia liberal e do populismo e tendências à

autocratização.

Em 2016, por exemplo, no seu Facebook, Filipe G. Martins

147
publicou um texto exortando apoio às tentativas de reformas
propostas por Matteo Renzi que concentraria nas mãos do primeiro-

ministro um poder excepcional, tais como o Senado perder poder de veto

e a diminuição drástica do número de senadores (315 para 100). Num

único parágrafo, todos os conceitos e argumentação da extrema-direita

europeia e americana seriam observados:

Além de mostrar o dedo do meio para o establishment italiano e para os burocratas da

União Europeia, os italianos podem fortalecer o movimento euro-cético nacional, dar o

primeiro passo rumo à reafirmação de sua soberania, humilhar e castrar politicamente o

Partido Democrático (herdeiro do PCI de Antonio Gramsci) e desencadear um processo

que pode resultar não apenas na saída da Itália da Zona do Euro e da União Europeia, mas

também na dissolução desta última — um cenário apocalíptico para o consórcio das elites

globalistas e uma vitória para todos que se opõem ao avanço do globalismo e à dissolução

das culturas locais.

Em 2018, os mesmos discursos seriam apresentados por ele para

148
angariar apoio ao locaute dos caminhoneiros . A mitopoese que

tentava transmutar a greve dos caminhoneiros na Festa do Chá de

149
Boston (1773 – EUA) obteve resultados e grande parte da direita,

numa reação de manada, apoiou a paralisação dos caminhoneiros. Cabe

lembrar que, nesta época, o atual assessor do presidente da República

apresentava-se como “analista conservador isento”, mas já era lotado no

quadro do PSL (partido pelo qual Bolsonaro lançaria sua chapa). Ao ser

desmascarado por um leitor (Alex Brum), que printou o seu nome no

site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e compartilhou, Filipe Martins

respondeu que aquele não era o seu nome – no Diário Oficial da União

do dia 28/11/2018 consta a comprovação do nome completo.

No episódio da greve dos caminhoneiros, causador de milionários

prejuízos e até mortes, quem tecia críticas e posicionava-se contra a

paralisação também era ferozmente atacado nas redes sociais. E, mais

uma vez, a maioria se calava.

Processos de radicalização não ocorrem do dia para a noite. Uma

conjunção de fatores e comportamentos é necessária para uma

radicalização em larga escala como ocorre com o bolsonarismo.


Segundo o especialista em extremismo J. M. Berger (2018), antes da

radicalização, o indivíduo passa por alguns estágios:

• Associação a uma identidade dominante. No bolsonarismo,

observamos associação à trilogia cristã, patriota e conservador.

• Visões negativas em relação a um grupo externo. No bolsonarismo, as

visões negativas a diversos grupos – esquerda, centro, gays, políticos

de oposição, imprensa, movimentos sociais (como o movimento negro)

e principalmente à própria direita democrata e liberal.

• Percepção de crise. Os indivíduos acreditam que uma crise iminente

acontecerá junto à sensação de perseguição ao próprio grupo.

Exemplos: perseguem conservadores e cristãos, as teorias

antiglobalistas etc.

Os discursos que denotam percepção de crise e perseguição

aumentaram a frequência após o impeachment de Dilma Rousseff.

Algumas pessoas passaram a utilizar uma tática de reiteradas vezes

anunciar que o Facebook havia bloqueado sua conta e que isso era

evidência do “esquerdismo” da plataforma e “perseguição aos

conservadores”. Essa estratégia também era utilizada por aqueles que

tinham o objetivo de criar uma falsa importância, uma imagem a

respeito de si: falavam coisas muito importantes e que o “sistema” não

queria que outros soubessem. Por isso o Facebook estava bloqueando as

contas, diziam. Muitos que utilizavam essa tática posteriormente

passaram a ser convidados para os blogs da mídia bolsonarista

alternativa.

Reiterados discursos de perseguição aos cristãos exerciam uma

150
grande influência sobre o público – apesar de os dados no Brasil

comprovarem que religiões de matriz africana são os maiores alvos de

intolerância religiosa – e a narrativa era associada ao conceito de

“salvação da civilização judaico-cristã” e transformada numa espécie de

“batalha espiritual”.
Durante a campanha presidencial de Donald Trump, as redes sociais

do Brasil foram invadidas pelos influenciadores da alt-right (e alt-


lite) americanas e europeias. A abordagem do movimento radical foi

completamente copiada pelos formadores de opinião da bolha da direita:

a abordagem com posições extremas a respeito de temas como

imigração, feminismo, contra o politicamente correto, teorias

conspiratórias e o foco em mover a Janela de Overton mais ao extremo

da direita.

De Alex Jones – do site de teorias conspiratórias Infowar – e Paul

Joseph Watson, veio o termo soy boy (homens criados a leite de soja),
que estaria presente em dezenas de artigos e discussões da direita

brasileira. De acordo com Jones, há um complô dos globalistas da Nova

Ordem Mundial para “emascular os homens da civilização judaico-

cristã” através do consumo de alimentos à base de soja que, segundo ele,

produzem estrogênio e torna os homens afeminados. Watson

complementou em vídeo (Soy Boys) que “O que há na soja que

transforma os homens em tão covardes?  A soja contém grandes

quantidades de  fitoestrogênios: compostos orgânicos que imitam o

hormônio feminino estrogênio no corpo humano.  Isso reduz a

testosterona e diminui a contagem de espermatozoides masculinos”; e

que  “Homens com alto estrogênio assumem traços femininos.  Eles

acham mais difícil lidar com o estresse.  Eles se tornam menos

assertivos. Eles se tornam de baixa energia. Suas vozes ficam mais altas,

seus órgãos genitais encolhem”.

A partir de então, também no Brasil, a expressão “homem leite de

soja” seria utilizada sistematicamente para atacar aqueles que defendem

posições mais à esquerda, alimentar a teoria conspiratória e reafirmar as

frustações sexuais dos masculinistas. A questão da masculinidade e o

inegável componente misógino exercem forte influência sobre a direita

radical e extrema, sobrepondo-se a outros conceitos como “a mensagem

que os homens europeus são fortes e inteligentes, capazes de prodigiosa


realização artística e grande escultura civilizações” (MULHALL,

LAWRENCE e MURDOCH, 2020), e que, portanto, são uma espécie de

novos cavaleiros templários, guerreiros imbuídos na luta para salvar a

“civilização judaico-cristã” e a honra do sistema patriarcal (que,

segundo eles, também é uma conquista ocidental). A atração exercida

por essas teorias seria verificada na proporção de homens ( jovens, em

sua maioria) que lotavam aeroportos para recepcionar o deputado Jair

Bolsonaro – que já estava em campanha desde 2015, viajando o Brasil

inteiro, utilizando-se de verbas de gabinete, 139 viagens entre 2015 e

151
2018 segundo reportagem da Gazeta do Povo – que formariam o

contigente maior de seu eleitorado e de sua militância nas redes sociais.

No livro O Brasil Dobrou à Direita (2020), o cientista político

Jairo Nicolau, especializado em sistemas eleitorais, informa que “de

acordo com os dados da pesquisa do Eseb-2018, Bolsonaro recebeu no

segundo turno cerca de 53% dos votos das mulheres e 64% dos homens,

enquanto Haddad obteve cerca de 47% entre as mulheres e apenas 36%

entre os homens (o total é calculado sobre o voto válido)”; e que “a

assimetria nos votos de homens e mulheres é uma singularidade da

disputa de 2018. Desde as eleições de 1989 todos os candidatos

competitivos à presidência obtiveram níveis de apoio semelhantes entre

os dois gêneros”.

A hipotética hierarquia entre homens e mulheres seria ainda mais

compartilhada a partir da popularização dos livros e vídeos do psicólogo

canadense, Jordan Peterson. No seu livro 12 Regras Para a Vida:


Um Antítodo para o caos, ele escreve que “Os homens tem que

endurecer”, “Outros homens exigem-no, e as mulheres o querem”, e

ainda que “a consciência é simbolicamente masculina e o é desde os

primórdios”, além de justificar que não existe misoginia (um


sentimento de aversão patológico pelo feminino) mas uma questão

biológica de hierarquia entre os gêneros – justamente um argumento


que alimenta a misoginia – Jair Bolsonaro, por exemplo, disse ao

programa Superpop (Rede TV), 2016, que “Não empregaria


[homens e mulheres] com o mesmo salário. Mas
tem muita mulher que é competente”. Peterson vocifera

também contra a “frouxidão” dos homens, e afirma que existe pressão

para que eles se tornem afeminados.   O psicólogo se tornou um pop


star no Brasil ao ser indicado por praticamente todos os influenciadores
da direita.

Paradoxalmente, mas nem tanto, quando visto de perto, ao mesmo

tempo em que divulgavam teorias de feminilização dos homens, também

utilizavam gays como símbolos de que não haveria componente

homofóbico na candidatura de Jair e na Nova Direita em geral. O

152
tokenismo foi muito utilizado para criar uma aparência de que não

havia racismo, misoginia ou homofobia no movimento, em especial,

após trechos de uma entrevista do deputado ao programa CQC (2011) e

à revista Playboy (2011) voltar a circular nas redes sociais, nas quais ele

afirmava, em relação à pergunta da cantora Preta Gil a respeito do que

ele faria caso um filho se apaixonasse por uma negra, que ele não

correria esse risco:

Ô Preta [Gil], eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que
seja. Não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem
educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o
teu”. Posteriormente ele afirmou que a resposta era em relação a um
filho se apaixonar por outro homem. E que “Seria incapaz de amar um
filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui. Prefiro que um
filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.

O mais famoso nome utilizado como tokenismo na direita brasileira

foi o do britânico da alt-lite (articulista do site Breitbart News) Milo

Yiannopoulos – depois surgiria no Brasil jovens gays que seriam

utilizados como tokens, sendo o maquiador uruguaio Agustin

Fernandez o mais famoso.


Milo construiu sua carreira na mídia alternativa atuando como um

provocador, deliberadamente ofensivo troll)


( e focado em criticar

liberais e a esquerda, em especial, as questões de gênero, o islamismo e

as ações afirmativas. Milo foi um dos principais promotores do

movimento misógino coordenado de assédio on-line nomeado

Gamergate, que supostamente queria combater a corrupção jornalística

no ecossistema gamer. Três dos maiores alvos do assédio eram

mulheres envolvidas na cultura gamer: Anita Sarkeesian, Zoe Quinn e

Brianna Wu. Seus conteúdos eram reproduzidos no Brasil e utilizados

como símbolo de que gays também poderiam ser conservadores.

153
Em artigo para o jornal Extra , em 2016, o historiador Bruno

Garschagen apresentou Milo para um público mais amplo:

Há personagens que bagunçam todo um esquema de pensamento e de preconceito que se

possa ter. E anulam a narrativa das pessoas que anulam-se voluntariamente na “cultura do

espírito crítico” ou na “cultura dos coletivos” ideológicos acéfalos.

E complementou:

Neste 2016, muita gente tem conhecido e se surpreendido com  Milo Yiannopoulos,

jornalista e editor-associado do site Breitbart que botou fogo na internet e agora está

incendiando as universidades dos Estados Unidos com uma série de palestras contra o

feminismo batizada de Turnê da Bicha Perigosa (YouTube).

É possível ver o tamanho do estrago que ele tem causado.

Milo, que largou a Universidade de Cambridge depois de dois anos

estudando literatura inglesa, fez carreira brilhante como jornalista

especializado em tecnologia até se transformar em disputado

comentarista político e social. No mesmo artigo, Garschagen afirma que,

para ele “o fato de os dois serem gays é irrelevante. Aquilo que pensam e

defendem é relevante”. Porém, ao mesmo tempo, também afirma o

tokenismo:

Mas acredito que muita gente torça o nariz para a combinação gay + católico +

conservador. A começar pelo esquerdista, que perderia o tipo de “minoria” que adora

tomar para si como se dona fosse porque isto é politicamente conveniente.


Milo, em 2016, seria banido para sempre do Twitter após incentivar

uma série de ataques on-line racistas contra a atriz Leslie Jones

(personagem da regravação do filme “Os Caça-Fantasma” e única negra

do elenco). Leslie foi chamada de macaca diversas vezes, além de ter

recebido fotos de bundas, pênis e montagens de fotos suas com esperma

sobre seu rosto.

No ano seguinte, 2017, Milo seria proibido (por grupos antifascistas)

de palestrar na Universidade da Califórnia em Berkeley. O episódio

mobilizou o grupo de influenciadores, e a maior parte escreveu artigos,

fez podcasts e vídeos a respeito e em defesa de Milo. Flávio

154
Azambuja (utiliza o pseudônimo Flávio Morgenstern) escreveu no

seu blog de mídia alternativa, Senso Incomum, em 02/02/2017:

Milo Yiannopoulos foi sensação nas últimas eleições por apresentar princípios

conservadores através de linguagem acessível ao público jovem, sobretudo a  geração


meme  da internet. Seu livro é um dos maiores sucessos da Amazon, sendo que ainda

nem foi lançado. Milo se tornou editor do hoje aclamado site Breitbart.com. Gay,

católico, de mãe judia, imigrante e opositor de todo o inventário da esquerda moderna

(feminismo da “terceira onda”, islamismo, linguajar politicamente correto e os  social


justice warriors), Milo foi uma pedra no sapato da esquerda, sobretudo em sua

roupagem Hillary Clinton, por apontar suas incoerências sem poder ser acusado do que

geralmente se acusa a direita  – um suposto “privilegiado” por ser branco, heterossexual,

americano ou “cis”.

O comentarista Rodrigo Constantino também escreveu em defesa de

155
Milo em artigo na Gazeta do Povo :

Mais constrangedor do que alguém ser impedido de expor suas opiniões numa

universidade, um lugar onde a disseminação das ideias deveria ser um valor sagrado, é ver

parte da mídia, tanto lá quanto aqui, jogar a culpa pelo ocorrido na vítima, aquele que teve

seu direito de livre expressão cassado por ser supostamente um “direitista radical” ou um

“ultraconservador.

156
O MBL também compartilhou em seus canais sobre Milo:

Milo Yiannopoulos é um conservador gay que está deixando a esquerda sem rumo. Ontem,

ele ia para mais uma de suas palestras em universidades, mas um bando de mascarados

destruiu parte do campus da universidade, além de uma loja da Starbucks, tudo isso para

impedir Milo de falar. Afinal, qual o problema da esquerda com Milo?


Seguindo a dinâmica de microcomunidades e a câmara de eco nas

redes sociais, os posts foram reproduzidos pela maioria dos

influenciadores. A alt-right era colocada como exemplo a ser seguido.


No site Breitbart, Milo Yiannopoulos permaneceu até 2017 quando

foi demitido após um artigo no qual sugeria que não haveria problemas

relações sexuais entre adultos e menores gays.

Em 2019, seria a vez de a plataforma Facebook desativar sua conta

(e também a do conspiracionista Alex Jones) e alguns formadores de

opinião da direita brasileira se manifestaram contra o banimento. Na

157
rádio Jovem Pan, o jornalista Alexandre Borges disse :

Enquanto Nicolás Maduro usa seus blindados para esmagar opositores na Venezuela, a

ditadura virtual de Mark Zukerberg deu mais um passo em direção ao obscurantismo ao

anunciar que baniu os perfis de ativistas de direita como Milo Yiannopoulos e Alex Jones.

E complementou afirmando que

O banimento aberto destes usuários é a face mais evidente da ditadura do pensamento e do

controle com mão de ferro da liberdade de expressão que um punhado de corporações

pretende impor ao mundo, mas a perseguição aos opositores ideológicos dos bilionários do

Vale do Silício ocorre também de maneira muito mais sorrateira e dissimulada, com

usuários tendo seu alcance diminuído sem qualquer aviso e apenas baseado em

justiciamentos virtuais realizados a portas fechadas e utilizando critérios arbitrários.

Milo não seria o único da alt-lite (a liga antidifamação, ADLdefine,


a alt-lite como um “movimento vagamente conectado de ativistas de

direita que rejeitam a ideologia supremacista abertamente branca do alt-


right, mas cujo impacto odioso é mais significativo do que seu nome

“lite” sugere), compartilhado à exaustão no Brasil. Durante a campanha

de Trump, as teorias conspiratórias produzidas por influenciadores

estrangeiros e seus nomes foram – de forma incessante – divulgados

pelos formadores de opinião da direita brasileiros. De Mike Cernovich,

158
vieram o “Pizzagate” e o “deep state ”- a existência de um estado

paralelo, um “estado profundo” dentro do estabecimento político – que

futuramente alimentaria a teoria QAnon, a respeito da qual falaremos no

capítulo “Crer e Destruir”.


159
Filipe G. Martins anunciava Mike Cernovich como um “jornalista

investigativo” no blog Senso Incomum (2017):

O genial Steve Bannon, que comandou a campanha do Presidente Donald Trump em sua

etapa final e trabalhou como estrategista-chefe da presidência nos últimos sete meses, está

fora da Casa Branca. Na manhã desta sexta-feira, o ativista e jornalista investigativo Mike
Cernovich já havia anunciado no Twitter que este provavelmente seria o último dia de

Bannon como estrategista-chefe. 

Cernovich passou a ficar conhecido nos EUA a partir de seu blog,

Danger and Play, repleto de conteúdo misógino e de ativismo pelo

direito dos homens. Após o evento no qual membros da alt-right,


como o supremacista Richard Spencer, fizeram gestos nazistas e

gritaram “Heil, Trump” (2016), ele passou a tentar desvincular sua

imagem do movimento alt-right. Em 2018, Filipe G. Martins

pediria
160
ajuda a Mike Cernovich e outro influenciador da alt-lite
(Jack Posobiec) a respeito de uma suposta perseguição das plataformas

de mídia contra a direita brasileira:

O Facebook está retirando páginas vinculadas a grupos de direita e políticos brasileiros à

medida que nos encaminhamos para a nossa Eleição Geral. Isso conta como intervenção

eleitoral e intromissão de um agente estrangeiro ou só conta quando a Rússia está

envolvida? O que você pensa, @cernovich ‘n @posobiec?

Jack Posobiec é um ativista da alt-right ainda muito


compartilhado no Brasil por toda a direita
(incluindo a antibolsonarista). É um fervoroso
apoiador de Trump, amplificou a teoria
conspiratória Pizzagate e, segundo o Southern
Poverty Law Center161, ele é um colaborador de
sites neonazistas e grupos supremacistas:
Posobiec usou o Twitter para destacar repórteres judeus ou figuras da mídia com ódio anti-

semita pelo menos três vezes; participou e promoveu no Twitter um evento realizado pelo

líder nacionalista branco Richard Spencer no Willard Hotel em Washington, DC, em

setembro de 2016; segurou uma placa que dizia “Blacks Are Superpredators” fora da

abertura do Museu Afro-Americano de História e Cultura em Washington, DC, em

setembro de 2016 e promoveu uma transmissão ao vivo do evento no Twitter; Posobiec

liderou um protesto em apoio ao conselheiro de Trump, Steve Bannon, que incluía


nacionalistas brancos e neonazistas em abril de 2017; o presidente Trump retuitou a versão

de Posobiec após o mortal “Unite the Right” comício em Charlottesville, Virgínia.

O evento United The Right, em Charlottesville (Virgínia, EUA) em

2017 reunia grupos da alt-right, além de supremacistas e neonazistas

contra a remoção de um monumento do confederado Robert E. Lee.


Na marcha, era possível observar símbolos nazistas, placas a favor de

Trump e seu vice e slogans antissemitas e baseados na teoria da

“Grande Substituição”. Grupos antifascistas entraram em confronto. Um

supremacista acelerou o carro e atropelou mais de quarenta pessoas de

forma deliberada. Matou uma mulher, Heather Heyer, dois policiais e

deixou 34 feridos. O assassino foi condenado a 419 anos de prisão e ao

pagamento de uma multa no valor de 480 mil dólares. O então

presidente dos EUA, Donald Trump, condenou o atentado de terrorismo

doméstico, mas sem condenar explicitamente os grupos supremacistas.

No Brasil, a maior parte dos influenciadores da direita escreveram

artigos e gravaram vídeos para descolar da alt-right, do trumpismo – e


da nova direita como um todo – o atentado terrorista executado por um

extremista de direita. O principal argumento que utilizavam era a

respeito da “liberdade de expressão”. Este método vem sendo utilizado

por toda a direita radical e extrema-direita internacional desde, pelo

162
menos, a década de 1990, quando o político austríaco Jörg Haider

lançava no debate público tópicos antissemitas, capturava a reação da

opinião pública e a atenção da mídia mainstream e então acusava

estar sendo censurado e sob cerceamento de sua liberdade de expressão.

A fórmula de se utilizarem dos “direitos liberais para promover o que é

163
ostensivamente uma agenda antiliberal” seria copiada por partidos e

movimentos da far-right a nível mundial: o uso de defesas de liberdade


de expressão para justificar a divulgação de discursos incompatíveis com

os princípios liberais na esfera pública. 

A alt-right estava, definitivamente, no Brasil e com dezenas de

porta-vozes.
As fake news permeadas de teorias conspiratórias tornaram-se

recorrentes para atingir possíveis adversários de Jair Bolsonaro na

disputa que ocorreria em 2018. O esvaziamento dos nomes que

poderiam ser os candidatos para representar a direita começou ainda em

2015 com a formalização do Partido Novo no Tribunal Superior

Eleitoral. Os argumentos que utilizavam variavam desde um ataque

frontal ao liberalismo (afirmavam que era uma guerra cultural, espiritual

e que reformas econômicas não resolveriam a suposta decadência do

país e da “civilização judaico-cristã”), ataques pessoais a João Amoedo

e às teorias conspiratórias (“Agenda ONU 2030”). O blog bolsonarista

Terça Livre
164
e todo o ecossistema da far-right compartilhavam no

período eleitoral, de forma sistemática, uma sobreposição de teorias

conspiratórias contra o Partido Novo, replicadas por outros

influenciadores:

A vereadora Janaina Lima, do Partido Novo, votou favorável para a implantação da

Agenda 2030 das Organizações das Nações Unidas (ONU) em São Paulo. Com isso, se

levanta uma questão que deve ser direcionada ao partido: O Novo apoia ou não a tal agenda

do mecanismo internacional que é mais um braço do globalismo.

Na prática, o partido subscreve a agenda da ONU na maior capital do país. O projeto

passou com o apoio da legenda em São Paulo, ao lado de outros partidos como PSDB e

PSB, por exemplo. A ONU tem apoiado ideologia de gênero, aborto e ainda prestado apoio

a regimes autoritários do Oriente Médio. Em relação à Agenda 2030, tem 17 objetivos e

169 metas concretas que devem ser seguidas à risca; sendo lei em São Paulo, é uma

influência direta de um mecanismo internacional dentro de uma democracia, fraudando o

conceito de representatividade.

Nenhum partido e/ou candidato ficaria incólume perante os ataques

dos bolsonaristas com fake news e conspiracionismo. O modelo

copiado dos radicais e extremistas de direita estrangeiros seria a regra.

A conversão em rinocerontes também garantia likes, a aprovação do


restante do grupo e, após a eleição, cargos no governo federal. A

conversão compreendia uma mimetização, de vários aspectos, dos

principais nomes do bolsonarismo: as pessoas passaram a repetir

bordões de Olavo (“Ora, porra” era um dos mais utilizados), agir de


forma parecida (alguns até fumavam em seus vídeos, um processo total

de mimetização), e o estilo de escrita passou a ser de forma semelhante

a dele e de seus alunos, assim como as execrações públicas de desafetos.

Com a eleição, a patrulha e linchamentos aumentaram

vertiginosamente. Os ataques virtuais, registre-se, eram aprovados pelos

principais propagandistas do governo. Esta autora esteve em grupo de

WhatsApp no qual participavam desde futuros parlamentares (como Bia

Kicis do PSL), a comentaristas (Caio Coppola, Rodrigo Constantino),

membros do MBL (Renan Santos) e influenciadores em geral (como

Leandro Ruschel). Por mais de uma vez, a autora discutiu com muitos

deles por não aceitar a prática de linchamentos e não concordar com

posturas, comentários (como pedir ruptura) e idolatria a Bolsonaro.

Bajular e defender Bolsonaro a qualquer custo, criar justificavas para

todos os erros, apoiar as interferências dos filhos do presidente na

condução do governo (um completo desprezo pelo respeito à coisa

pública) se tornaram um passaporte para ser nomeado ao governo. Dois

casos emblemáticos: a nomeação da atual presidente da Fundação Casa

165
de Rui Barbosa, Letícia Dornelles . A escritora foi nomeada após seu

texto em defesa do governo Bolsonaro viralizar depois de ter sido

166
compartilhado pelo vereador, e filho do presidente, Carlos Bolsonaro .

Porém, não seria a única. O Diário Oficial da União viraria Diário

Oficial Bolsonarista. Ministérios foram aparelhados, em especial, o

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e o Ministério da

Educação. O segundo caso emblemático foi do dramaturgo Roberto

167
Alvim, nomeado após desferir ataques contra a atriz Fernanda

Montenegro e a selvageria ter agradado Jair Bolsonaro. Alvim, à frente

168
da Secretaria da Cultura, produziu um vídeo institucional no qual

reproduziu a estética nazista e três trechos de discursos do Ministro da

Propaganda e Cultura do Terceiro Reich nazista, Joseph Goebbels, que

estão descritos na sua biografia do autor Peter Longerich (2014).

Os trechos plagiados foram:


uma arte que no fim cria a sua própria qualidade a partir da nacionalidade plena [...] e tem

significado para o povo para o qual é criada;

tampouco o cinema pode ficar alheio às imensas transformações intelectuais e políticas.

a arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e

livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e

169
vinculante, ou então não será nada.

A exoneração não foi imediata, e Alvim chegou a publicar em seu

Facebook que a reação era uma tentativa de a esquerda desacreditar o

Prêmio Nacional das Artes e que havia apenas uma fala de Goebbels

(foram três). Os argumentos do secretário foram replicados pelos

bolsonaristas.

A rinocerização provocada pelo bolsonarismo assemelha-se à

descrição das características do fascismo feita pelo historiador e

cientista político, Robert O. Paxton, no livro A Anatomia do


Fascismo (2008):
O sentimento de uma crise catastrófica, além do alcance de qualquer das soluções

tradicionais; a primazia de um grupo, com relação ao qual as pessoas têm deveres

superiores a quaisquer direitos, sejam eles individuais ou universais, e a subordinação do

indivíduo a este grupo; a crença de que o próprio grupo é uma vítima, sentimento esse que

serve como justificativa para qualquer ação, sem limites legais ou morais contra seus

inimigos, tanto externos quanto internos; o pavor da decadência do grupo sob os efeitos do

Liberalismo, do conflito de classes e das demais influências alienígenas ao pregado pelo

grupo; a necessidade da maior integração de uma comunidade mais “pura”, se possível, por

meio de consentimento ou da violência excludente, se necessário; a necessidade da

autoridade de líderes naturais, culminando num chefe nacional que é o único capaz de

encarnar o destino do grupo; a superioridade dos instintos desse líder sobre a razão

abstrata e universal; a beleza da violência e a eficácia da vontade, quando voltadas para o

êxito deste grupo; o direito do povo eleito de dominar os demais sem limitações de

qualquer natureza.

As paixões mobilizadoras estavam em curso e, no início do mandato,

2019, criticar o governo Bolsonaro era implicitamente proibido, visto

que o assédio on-line ficou cada vez mais frequente, feroz e coordenado

170
por bolsonaristas influentes nas redes sociais e, segundo a reportagem

“Os Blogueiros de Crachá” (revista Crusoé) do jornalista Felipe Moura

Brasil, por membros do governo direto do Palácio do Planalto.


As justificativas para os erros de Bolsonaro e seus filhos escalavam

no delírio. No dia do desfile da posse, o vereador Carlos Bolsonaro

estava no fundo do carro presidencial e quem criticava a mistura do

público com o privado, como esta autora criticou, era sumariamente

linchado virtualmente. Dentre os vários delírios para argumentar a

presença do filho do presidente no desfile, o mais estapafúrdio e que

demonstrava o descolamento total da realidade que acometia os

bolsonaristas era o argumento de que Carlos estava protegendo o

presidente de possíveis atentados contra a sua vida. Bolsonaristas

pareciam ainda presos à catarse coletiva que foi vista quando o então

candidato sofreu uma tentativa de assassinato, no período eleitoral em

2018. No episódio, a facada fez com que milhares de pessoas (que na

verdade já tinham propensão em votar no candidato, mas não

publicavam) declarassem voto, mas sempre com enormes textos de

justificativas como se fossem desculpas antecipadas. A mitificação que

já ocorria desde 2014 com proposições totalmente ilógicas – como a

afirmação de que o parlamentar que já somava quase trinta anos na vida

política, e que colocou seus dois filhos e ex-mulher em cargos eletivos,

era antissistema – e que somente ele poderia derrotar o PT, ganhou ares

messiânicos.

Bolsonaro passou a ser retratado como “enviado de Deus” e as

eleições como uma “guerra espiritual”. A questão religiosa passou a ser

utilizada com muito mais frequência, a fusão de pautas antiliberais com

aspectos religiosos, em especial, o apoio de lideranças religiosas como

Silas Malafaia e Edir Macedo, agregou ao eleitorado mais parcelas

neopentecostais da população (Bolsonaro já havia sido batizado, mesmo

antes se declarando católico, durante uma viagem a Israel em 2016).

Assim como ser totalmente submisso e bajulador ao Bolsonaro nas

redes sociais levava a cargos no governo federal, para se manter neles,

era preciso quintuplicar a subserviência.


O até então braço direito do presidente, o ministro Gustavo

Bebbiano, foi publicamente desmoralizado pelo filho de Jair, Carlos

Bolsonaro, e Bebbiano seria o primeiro do alto escalão a sofrer

linchamentos virtuais e a fúria dos rinocerontes. O método tornou-se

praxe, e ao longo do primeiro ano, ninguém foi poupado, nem mesmo o

chamado “superministro” Sergio Moro, juiz que trabalhou na operação

lava-jato e que largou a magistratura para se aliar ao governo.

O primeiro ano do governo Bolsonaro foi marcado pelas

dissidências. Figuras que haviam apoiado o presidente – e até

participado ou ajudado nos processos de linchamentos virtuais (esta

autora sofreu dezenas de ataques dos vaporwaves171 após

influenciadores como o cartunista André Guedes, e muitos outros,

republicarem minhas críticas ao governo Bolsonaro) passaram também a

sofrer assédio on-line brutais e, aos poucos, foram rompendo com o

bolsonarismo.

No início da pandemia da COVID-19, em março de 2020, o processo

de rinocerização se completaria.

Em momento algum, até o presente, o presidente da República agiu

172
como o cargo que ocupa exige. Primeiro, negou a gravidade do vírus;

173
depois, minimizou , sabotou medidas preventivas de combate à

174
pandemia que governadores e prefeitos tentavam implementar , culpou

175
a imprensa , incentivou o uso de remédio sem comprovação de

176 177
eficácia , participou de manifestações governistas , reproduziu

178
teorias conspiratórias da extrema-direita internacional , demitiu dois

ministros da saúde, não providenciou testagem em massa e tampouco

vacinação.

Seus apoiadores levaram o processo de rinocerização adiante.

As micaretas governistas ao estilo chavista já eram frequentes desde

o início do mandato. No início da pandemia, mesmo após a necessidade

de medidas de distanciamento social, bolsonaristas convocaram


manifestações. Influenciadores digitais corroboraram as afirmações

negacionistas do presidente a respeito da gravidade do vírus e muitos

tentaram justificar e apoiar as aglomerações marcadas para o dia

15/03/2020.

Os principais influenciadores, desde então, viralizam teorias

conspiratórias, remédios ineficazes, informações falsas a respeito das

vacinas, mobilizam o público contra medidas de distanciamento social e

tornaram-se, assim como o presidente da República e seu governo,

cúmplices do vírus que – até este momento – já matou mais de 200 mil

cidadãos brasileiros.

Bérenger – Olhe para mim! Você parece que nem me vê, nem me
compreende!
Jean – Compreendo-o muito bem! E vejo-o muito bem! (Investe para
Bérenger, cabeça baixa; Bérenger esquiva-se)
Bérenger – Cuidado!
Bérenger – Acalme-se, Jean! Você é ridículo. Oh! Seu corno está
crescendo a olhos vistos! Você é rinoceronte!
Jean – Eu te esmagarei! Te esmagarei!
Bérenger – Ele é rinoceronte! É rinoceronte!
É um mar de rinocerontes! E diziam que era um animal solitário!
Falso! É preciso modificar essa concepção! Eles destruíram  todos os
bancos da avenida.
Que fazer? (Dirige-se novamente  para as diversas saídas, mas não
consegue sair devido às aparições de cabeças de rinocerontes. Quando
ele se acha novamente diante da porta do banheiro, esta ameaça ceder.
Berenger atira-se contra a parede do fundo que desmorona; vê-se a rua
ao fundo e ele foge gritando) Rinocerontes! Rinocerontes!
Eugène Ionesco – O Rinoceronte

No Brasil, rinocerontes por toda parte.

Bibliografia – Capítulo 4
BEJAN, Cristina A. Intellectuals and Fascim in Interwar Romania: The
Criterion Association. Cham: Palgrave Macmillan, 2019.
BERGER, J. M. Extremism. Cambridge, MA: The MIT Press, 2018.
BERGER, J. M. Making CVE Work: A Focused Approach Based on Process Disruption. ICCT
Research Paper. Maio de 2016. Disponível em: https://icct.nl/app/uploads/2016/05/J.-

M.-Berger-Making-CVE-Work-A-Focused-Approach-Based-on-Process-Disruption-.pdf .

Acesso em: 10/10/2020.

CAMUS, Jean-Yves; LEBOURG, Nicolas. Far-Right Politics in Europe. Cambridge,

MA: Harvard University Press, 2017.

IONESCO, Eugène. O Rinoceronte. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015.


LE BON, Gustave. A Psicologia das Multidões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

LE BON, Gustave. As Opiniões e as Crenças. São Paulo: Ícone, 2006.


LONGERICH, Peter. Joseph Goebbels: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Editora

Objetiva, 2014.

MULHALL, Joe; LAWRENCE, David; MURDOCH, Simon. The International


Alternative Right: From Charlottesville to the White House. London:

Hope Not Hate Ltd., 2020.

NICOLAU, Jairo. O Brasil Dobrou à Direita. São Paulo: Editora Zahar, 2020.
PAXTON, Robert O. A Anatomia do Fascismo. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2008.

132. “Fascistização” é o processo pelo qual um regime, uma sociedade, uma doutrina, um

partido, um líder etc. se fascistizam, isto é, adquirem caraterísticas fascistas. Ação de tornar

fascista algo ou alguém.

133. Emil Cioran foi um filósofo e escritor romeno que apoiou o nazismo e o fascismo italiano.

Somente anos mais tarde, em 1972, ele renunciou à sua fé na Guarda de Ferro e no fascismo.

Em entrevista, disse que descobriu “o que significa ser levado por uma corrente sem o menor

traço de convicção. […]. Hoje estou imune a esse tipo de coisa”.

134. Mircea Eliade, romeno, foi um filósofo, escritor e cientista das religiões. De corrente

tradicionalista (tinha ligações com Julius Evola e Renè Guénon), antissemita declarado, apoiava

o nazismo e a Guarda de Ferro romena. Procurava uma “revolução espiritual”.

135. O título do capítulo foi inspirado no livro da doutora romena Cristina A. Bejan,

Intellectuals and Fascim in Interwar Romania: The Criterion Association


(Palgrave Macmillan, 2019).

136. Hangout no dia 13/02/2014 disponível em https://www.youtube.com/watch?

v=PK2TTzk2aLw.

137. “Instituto Sophia Perennis” é constituído por pais e professores católicos que buscam,

através do estudo e da divulgação de cursos de formação, resgatar e atualizar os princípios da

Educação Patrística, baseada principalmente na Pedagogia Vitorin, informa o site. No quadro

de professores, diversos alunos de Olavo de Carvalho como Allan dos Santos e Dante

Mantovani (este último chegou a ser nomeado para a presidência da Funarte).

138. Em julho de 2019, o coordenador do MBL, Renan Santos, em entrevista publicada no

jornal Folha de S. Paulo, se desculpou e admitiu que o MBL foi agente direto no processo de
polarização do país. Ver em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/mbl-admite-culpa-

por-polarizacao-no-pais-e-exagero-em-sua-agressividade-retorica.shtml.

139. Texto completo ver em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/e-chegada-a-hora-de-dar-

um-basta-as-bocalidades-de-bolsonaro-hoje-o-mais-importante-aliado-da-esquerda-bocal-

ambos-se-alimentam-e-se-merecem/.

140. “Bolsolavista” é um neologismo criado pelo jornalista e escritor Martim Vasques da Cunha,

referindo-se à junção de bolsonaristas e olavistas.

141. Texto completo em https://www.facebook.com/filgmartin/posts/831928216951530.

142. Do grego mythopoiesis, significa criação de mitos e fábulas. Criação de narrativas

históricas reformuladas para legitimar comportamentos e ações incompatíveis com a

democracia liberal.

143. J. M. Berger é associate fellow no ICCT (International Centre for Counter-

Terrorism). Ele é pesquisador, analista e consultor, com foco especial em atividades extremistas

nos Estados Unidos e uso de mídia social.

144. “ In-group” – pertencente ao grupo; “out-group” – fora do grupo.


145. Esta autora quer deixar registrado que sempre recusou todos os convites que recebeu ao

longo dos anos para escrever em blogs, sites, participar de hangouts, programas de rádio (fui
convidada para o “Mulheres Na Pan” da rádio Jovem Pan e também recusei o convite) e/ou

assessoria a políticos ou partidos políticos. Tampouco foi filiada a qualquer movimento ou

partido em toda a sua vida.

146. Disponível em https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2015/06/28/putin/.

147. “A Revolta Anti-globalista chega a Roma”. Disponível em:

https://www.facebook.com/filgmartin/posts/959269667550717.

148. Texto disponível em https://bit.ly/3rh8O61.

149. O Boston Tea Party, 1773, foi uma ação de protesto executada pelos colonos ingleses na

América contra o governo britânico.

150. Ver em https://www.brasildefato.com.br/2020/01/21/denuncias-de-intolerancia-religiosa-

aumentaram-56-no-brasil-em-2019.

151. VAZ, Lucio. Bolsonaro viaja em campanha presidencial com dinheiro da Câmara. Pode

isso, Arnaldo? Gazeta do Povo. Disponível em:

https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/lucio-vaz/bolsonaro-viaja-em-campanha-para-

presidente-com-dinheiro-da-camara-pode-isso-arnaldo/.

152. “Tokenismo” é a prática de fazer apenas um esforço superficial ou simbólico para ser

inclusivo para membros de minorias, especialmente recrutando um pequeno número de pessoas

de grupos sub-representados para dar a aparência de igualdade racial ou sexual dentro de uma

força de trabalho. A expressão foi utilizada por Martin Luther King e refere-se à palavra token

(símbolo).

153. Artigo completo “Gay, Católico e Conservador”, de Bruno Garschagen, a respeito de Milo,

ver em https://extra.globo.com/noticias/brasil/sem-mimimi/gay-catolico-conservador-

19439088.html.

154. MORGENETERN, Flávio. Jornalista conservador, Milo Yiannopoulos é ameaçado por

grupo antifascista em Berkeley. Senso Incomum. Artigo completo em

https://sensoincomum.org/2017/02/02/milo-yiannopoulos-anti-fascista/

155. CONSTANTIVO, Rodrigo. Sobre liberdade de expressão e tolerância: o caso de Milo


Yiannopoulos em Berkeley. Gazeta do Povo. 02/02/2017. Disponível em:

https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/sobre-liberdade-de-expressao-e-

tolerancia-o-caso-de-milo-yiannopoulos-em-berkeley/.

156. Ver em: https://www.facebook.com/watch/?v=527274477396700.

157. BORGES, Alexandre. Admirável mundo novo não terá nada de admirável. Rádio Jovem
Pan. 03/05/2019. Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-

manha/alexandre-borges-admiravel-mundo-novo-nao-tera-nada-de-admiravel.html.

158. Em 04/11/2016, o influenciador Flávio Morgenstern compartilhou no Facebook: “Hillary:

ritual satânico, avião da pedofilia com o marido e assessor, grana da ditadura e benghazi.

Trump: falou pussy em privado há 10 anos”. Ver em

https://m.facebook.com/flaviomorg/posts/712252185616930.

159. MARTINS, Filipe G. Steve Bannon fora da Casa Branca. Senso Incomum. 18/08/2017. Ver

em: https://sensoincomum.org/2017/08/18/steve-bannon-fora-da-casa-branca/.

160. Ver post original em https://twitter.com/filgmartin/status/1022218457914327040.

161. Artigo completo em https://www.splcenter.org/hatewatch/2020/09/09/neo-nazi-

collaborator-jack-posobiec-crosses-one-million-twitter-followers.

162. Jörg Haider liderou o FPÖ – partido austríaco que flutua entra a direita radical e a extrema

direita. Morreu num acidente automobilístico em 11/10/2008. Político populista de direita

radical, conseguiu levar ao mainstream o nacionalismo, nativismo e contra a União

Europeia.

163. ALLCHORN, William. “Free Speech Defenses and the Far Right: The Cases of Tommy

Robinson, Geert Wilders and Milo Yiannopoulos”. Artigo completo em:

https://www.europenowjournal.org/2020/01/15/free-speech-defences-and-the-far-right-the-

cases-of-tommy-robinson-geert-wilders-and-milo-yiannopoulos/ .

164. Novo e a Agenda 2030 da ONU: partido presta apoio ao braço globalista em São Paulo.

Terça Livre. 05/06/2018. Disponível em: https://tercalivre.com.br/novo-e-a-agenda-2030-

da-onu-partido-presta-apoio-ao-braco-globalista-em-sao-paulo/ .

165. Sobre Letícia Dornelles, ver em https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/afilhada-de-

marco-feliciano-autora-de-novelas-do-sbt-vai-comandar-casa-de-rui-barbosa-apos-ter-texto-

tuitado-por-carlos-bolsonaro/.

166. Compartilhamento do texto de Letícia Dornelles por Carlos Bolsonaro:

https://twitter.com/carlosbolsonaro/status/1089248653586386946.

167. Ver reportagem sobre os ataques selvagens de Roberto Alvim à atriz Fernanda Montenegro

neste link: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/09/apoiador-de-bolsonaro-

dramaturgo-roberto-alvim-critica-fernanda-montenegro-e-fala-em-desprezo-pela-atriz.shtml

168. O vídeo completo foi retirado do canal do YouTube da Secretaria de Cultura após

denúncias. Trecho do vídeo neste link: https://www.youtube.com/watch?v=61-99HUGbAs

169. Todas as frases e seus respectivos contextos, quando proferidas pelo nazista Joseph

Goebbels, estão no livro Joseph Goebbels: Uma Biografia, de Peter Longerich.


170. Matéria completa na qual Felipe Moura Brasil traça todas as conexões entre os

linchamentos virtuais da oposição, o Palácio do Planalto e funcionários dos gabinetes de

parlamentares bolsonaristas: https://crusoe.com.br/edicoes/76/os-blogueiros-de-cracha/.

171. Grupo on-line de bolsonaristas que praticavam assédio virtual sistematicamente. Será

comentado a respeito deles no próximo capítulo.


172. “Tem a questão do coronavírus também que, no meu entender, está superdimensionado, o

poder destruidor desse vírus” – Jair Bolsonaro em 9 de março de 2020.

173. “Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho” – Jair

Bolsonaro em 24 de março de 2020.

174. “O que estão fazendo no Brasil alguns poucos governadores e alguns poucos prefeitos é um

crime. Estão arrebentando com o Brasil, estão destruindo os empregos” – Jair Bolsonaro em 25

de março de 2020.

175. “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a

sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio de um grande número de vítimas na

Itália, um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse

pelo nosso país” – Jair Bolsonaro em 24 de março de 2020.

176. “Aplica logo [a hidroxicloroquina], pô. Sabe quando esse remédio começou a ser produzido

no Brasil? Ele começou a ser usado no Brasil quando eu nasci, em 1955. Medicado

corretamente, não tem efeito colateral” – Jair Bolsonaro em 26 de março de 2020.

177. Ver em:

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/03/15/interna_politica,1129039/bolsonaro-

participa-de-manifestacao-em-brasilia-e-atende-apoiadores.shtml.

178. “O Lockdown matou 2 pessoas para cada 3 de Covid no Reino Unido. No Brasil, mesmo

ainda sem dados oficiais, os números não seriam muito diferentes” – Jair Bolsonaro em 9 de

agosto de 2020.
Capítulo 5

“Tá em shock?”:

O assédio on-line anônimo

e governamental das

milícias virtuais

Você pode influenciar mais rápido mil homens


se apelar para os seus preconceitos do que se
tentar convencer apenas um pela lógica.
Robert A. Heinlein

Imagem anônima da internet referente ao palhaço personagem do canal no Youtube

“Brasileirinhos”. Meme utilizado no Twitter. Sem direitos autorais verificados.

“A maior maldição que pode se abater sobre uma criança é mãe

piranha e pai covarde”, “é a piranha do Danilo Gentili”, “essa baiana

vagabunda é prostituta e macumbeira” são alguns exemplos de ataques

(além de ameaças de violência física) – sempre com fotos de um


palhaço sinistro – que essa autora recebia em 2019 conforme criticava o

governo Bolsonaro. Nos anos anteriores, os xingamentos e ameaças não

eram diferentes, mas, a partir de 2019, havia o elemento dos memes com

o personagem de um canal de extrema-direita do YouTube que passou a

179 180
ser compartilhado e indicado por membros do governo , deputados

181
bolsonaristas e até pelo próprio presidente da República , o canal

182
Brasileirinhos .

O canal é uma miscelânea de imagens e textos grotescos, com

trechos frenéticos, apresentados por dois homens mascarados: um

maquiado de palhaço inspirado nos clowns americanos (palhaços

assustadores); e um com máscara de gato. Distorções nas vozes,

referências de jogos e filmes dos anos de 1980, manifestações

disruptivas com menções a golpes de Estado, culto a Olavo de Carvalho

e a Jair Bolsonaro e assassinatos de reputação dos críticos a Bolsonaro,

em especial, quando mulheres compõem os vídeos do canal. A estética

fascistoide chegaria às redes sociais e inundaria o Twitter com assédio

on-line coordenado através de, na maioria das vezes, contas anônimas

cujas fotos de perfis eram utilizadas sob o efeito visual vaporwave.


Era o bolsonarismo mais uma vez copiando métodos da alt-right

americana para poluir e perverter o debate público e tentar calar a

oposição (impondo uma espécie de autocensura). O humorista e

apresentador Danilo Gentili foi um dos principais alvos da milícia

vaporwave após criticar Bolsonaro e o bolsonarismo em suas redes

sociais. Os ataques com memes grotescos, montagens e mentiras

ultrapassavam milhares de tweets, diariamente.


O vaporwave é um subgênero de música eletrônica criado em

2010 que, junto a outro subgênero, synthwave – um gênero que

revive com o uso de sintetizadores as trilhas sonoras dos primeiros

videogames e filmes dos anos de 1980 – foi capturado pelos grupos

neonazistas da web e renomeado como fashwave (“fascismo” e


“onda” ). Dentre algumas faixas disponíveis deste estilo musical, há

títulos como “Demographic Decline” (demografia em declínio, em

relação aos homens brancos), “Team White” (time branco, uma

referência aos movimentos White People Power) e “Death to

Traitors” (morte aos traidores) – esta última referência foi muito

utilizada nos vídeos e memes do canal Brasileirinho com frases do tipo

“traidor da pátria não sobra” e a imagem do palhaço. A alt-right


passou a utilizar a música e os efeitos visuais (tons neons e referências à

estética retrô dos anos de 1980) como marca registrada do movimento a

partir de 2015 durante o período de campanha eleitoral do candidato

Donald Trump.

Andrew Anglin, fundador de um dos principais sites neonazistas da

web, o Daily Stormer, disse que o fashwave era a “trilha sonora da

direita alternativa, e o supremacista Richard Spencer popularizou o

estilo. Memes com Trump (chamados de trumpwave) em tons neon e


arte gráfica que remetia aos games dos anos de 1980 tornaram-se usuais

e, em muitos deles, havia a sobreposição de símbolos antissemitas e

abertamente nazistas, como a cruz de ferro, lemas como “Sangue e

Solo” e slogans do tipo “Rejeitar a modernidade, abraçar a tradição”.

Quando confrontados e acusados de espalhar símbolos fascistas, os

usuários forneciam a mesma desculpa sempre utilizada pelos marginais

virtuais: que era ironia, apenas uma brincadeira (Lei de Poe, sobre a

qual falarei neste capítulo).

Em 2019, bolsonaristas, quase todos os influenciadores e até mesmo

ministros de Estado – o então Ministro da Educação colocou o efeito na

sua foto de perfil e o assessor do presidente, Filipe G. Martins, ainda

hoje exibe em sua capa de perfil no Twitter uma imagem sob o efeito

criado por grupos supremacistas e neonazistas dos EUA – passaram a

utilizar a estética fascista fashwave e os ataques de assédio on-line


geralmente partiam dessas contas com avatares

vaporwave/fashwaves.
O uso do filtro vaporwave fornecia aos assediadores um senso de
comunidade (assim como a utilização de outros símbolos para atestar a

participação e identidade do grupo como as bandeiras do Brasil, EUA e

Israel e o copo de leite), de pertencimento ao grupo e o anonimato

garantia-lhes a impunidade perante seus crimes de injúria, difamação e

calúnia contra opositores do governo.

Um ataque deles chegava a reunir milhares de posts – ao mesmo

tempo – contra uma única pessoa. A dinâmica das redes sociais – que

pulveriza as lideranças – tornava impossível comprovar de onde saía a

coordenação dos ataques, mas a observação dos eventos deixava

explícito que, em geral, o assédio on-line coordenado começava sempre

que algum membro do governo (incluindo o presidente) e/ou os

principais influenciadores digitais bolsonaristas compartilhavam algo

contra o alvo. Essa autora, por exemplo, foi atacada diversas vezes (fui a

primeira pessoa na bolha da direita a denunciar os linchamentos virtuais

183
recorrentes, a gangue que apelidei como “Gang da Vovó Mafalda ” e

seus métodos), no entanto, a semana de maior frequência e volume de

ataques ocorreu a partir do dia em que o assessor do presidente, Filipe

G. Martins, enviou mensagem privada para uma então influenciadora

bolsonarista, Raphaela Avena, tentando colocá-la contra a minha pessoa.

Semanas depois do assédio em massa que recebi, que incluía ameaças de

agressão física e ataques à minha filha pré-adolescente, a influenciadora

rompeu com o bolsonarismo e me enviou o print da mensagem, que

coincidia com o período no qual as contas vaporwaves me atacaram


com mais frequência, selvageria e ferocidade.

A CPMI das Fake News e o inquérito que tramita no Supremo

Tribunal Federal ainda investigam a coordenação dos ataques e há

184
elementos que ligam o assédio on-line coordenado direto a gabinetes
no Palácio do Planalto e foi durante a CPMI que o Brasil assistiu a um

dos maiores assédios on-line que já houve e que teve participação de

parlamentares ligados a Jair Bolsonaro: os ataques contra a jornalista da

Folha de São Paulo, Patrícia Campos Mello.

Durante o período eleitoral em 2018, a jornalista investigativa

185
Patrícia Campos Mello fez uma reportagem na qual denunciava a

compra de disparos em massa de mensagens contra o PT, via aplicativo

WhatsApp, por empresários apoiadores da candidatura de Jair

Bolsonaro. Ainda na época da matéria, a jornalista foi covardemente

agredida pelas hordas de marginais virtuais bolsonaristas em ataques

chulos como eram de praxe ocorrerem contra alvos mulheres, mas ela

receberia ataques ainda piores após a convocação para depoimento, na

CPMI, de uma de suas fontes, Hans River, o ex-funcionário da Yacows,

agência responsável por fazer disparos de mensagens em massa

por WhatsApp . O depoente mentiu


186
e insinuou que a jornalista havia

oferecido favores sexuais em troca das informações. Imediatamente, as

milícias virtuais bolsonaristas inundaram as redes sociais com acusações

gravíssimas contra a honra de Patrícia Campos Mello. Em um vídeo

produzido pelo canal bolsonarista “Hipócritas”, a jornalista é retratada

como uma prostituta.

Campos Mello conta em seu livro A Máquina do Ódio (2020) a

respeito do vídeo:

O vídeo se chama “Jornalista da Folha”.

Uma prostituta se aproxima de um carro e se debruça na janela do passageiro para abordar

o motorista.

“Bora se divertir, gato?”, ela diz.

“Quanto é que você está cobrando?”, o motorista pergunta.

“Depende do que você quiser, meu amor.”

“Você faz serviço completo?”

“Experimenta, depois você me fala.”

“Tá ótimo… Eu só preciso de um furo… Um furinho pra mim tá bom.”

“Eu tenho três, meu amor, escolhe o que você quiser.”

“Sou eu que escolho, é, sua safada?”

É
“É… Fala aí, qual dos furos você vai querer, hein?”

“Eu quero um furo de reportagem, sua safada… Um furinho bem gostoso… Você só

manipula notícia ou você também cria notícia falsa do zero? Uma outra coisa que eu

também estou precisando é de uma fonte falsa, aquela que inventa história mesmo e se for

preciso ela até vai depor se for intimada.”

A prostituta faz cara de ofendida.

“Como é que é?”

“Furo de reportagem, fake news, quanto é que você está cobrando?”

“Eu não faço esse tipo de coisa.”

“Você não é jornalista da Folha?”

A prostituta fica ultrajada.

“Do que é que você me chamou?”

“Jornalista da Folha.”

“Olha aqui, eu sou prostituta, seu babaca. Jornalista da Folha? Era só o que me faltava. O

meu trabalho é um trabalho digno, eu não destruo a vida das pessoas! Serviço completo,

né? Agora eu estou entendendo, serviço completo. Eu faço, sim, serviço completo, mas isso

eu não faço, porque eu tenho dignidade, seu idiota! Sai daqui!”

E complementa com informações a respeito do alcance do vídeo e as conexões de um dono

do canal bolsonarista com parlamentares bolsonaristas:

“Esse vídeo, postado em fevereiro de 2020, teve mais de 278 mil visualizações no canal

Hipócritas do YouTube, com 803 mil inscritos. Em uma das dezenas de páginas

bolsonaristas no Facebook, a do Movimento Conservador, foram 615 mil visualizações.

Um dos donos do Hipócritas, Augusto Pires Pacheco, foi secretário parlamentar da

deputada Carla Zambelli, uma das mais ferrenhas defensoras do governo Bolsonaro.”

O filho do presidente Jair Bolsonaro, deputado federal pelo Estado

de São Paulo, Eduardo Bolsonaro, compartilharia as calúnias a respeito

da jornalista assim como toda a rede de blogs, influenciadores, sites de

mídia e os outros marginais virtuais bolsonaristas como os

vaporwaves: “Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello,

jornalista da  Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o

senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha

do presidente Jair Bolsonaro.  Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava:

187
fazer o diabo pelo poder”, ele afirmou .

Em decisão da 11ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo, 21/01/2021, Eduardo Bolsonaro  foi condenado a


188
indenizar em 30 mil reais a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha

de S. Paulo, por danos morais.

Assédio virtual com calúnias, difamação e injúrias de teor sexual são

práticas recorrentes da extrema-direita. A jornalista Madeleine

189
Lackso é alvo de ataques há anos. Recentemente, ganhou processos

por danos morais ao conseguir quebrar, via justiça, o sigilo de

identidade dos perfis anônimos que praticam esse crime cibernético. Os

réus compartilharam calúnias e crimes contra sua honra, disseram “ela

ter se valido de favores sexuais para  ascensão profissional e que ela

estaria participando  de uma conspiração internacional para tornar  o

abuso sexual infantil uma conduta socialmente aceita”. Os três réus

190
foram condenados ao pagamento de multa no valor de 10 mil reais, e

a magistrada entendeu que

a liberdade de expressão, a oposição política ou qualquer manifestação de indignação, não

é sinônimo de permissão para a violação de direitos alheios, ainda mais quando falsa,

portanto injusta. Não é uma autorização para se inventar e dizer o que bem entende sem

qualquer consequência. Entre as liberdades aqui em conflito constatou-se que houve abuso

no exercício de uma delas (liberdade de opinião) e que esse abuso atingiu a honra e a

dignidade da autora, o que é passível de reparação.

191
Contra a jornalista Vera Magalhães , os crimes virtuais não foram

diferentes. Quase sempre com calúnias de teor sexual e cunho misógino,

a jornalista é alvo do presidente da República – Jair Bolsonaro -, seus

filhos e de todo o ecossistema digital bolsonarista. O presidente a cita

nominalmente em publicações nas suas redes sociais e discursos,

disparando o sinal para que as hordas de marginais virtuais a ataquem.

No dia 18/03/2020, ele afirmou em entrevista coletiva:

A jornalista Vera Magalhães, que foi uma mentirosa sem qualquer compromisso com a

verdade, está divulgando que eu faria um movimento dia 31 de março na frente dos

quartéis. Esse tipo de profissional não merece respeito por parte nossa aqui no Brasil.

Lamento a jornalista Vera Magalhães estar divulgando fake news. Ela poderia ser

convocada, se tivesse uma maioria consciente na CPI das Fake News, para falar sobre isso

daí.

192
Mas a jornalista não havia mentido e comprovou que o presidente

da República havia disparado vídeo convocando para as manifestações


do dia 01/03/2020 (início da pandemia da COVID-19 no Brasil) da qual

ele participou, sem máscara.

O assédio on-line, que já se tornou recorrente e prática

governamental (institucionalizado por membros do governo) não é

liberdade de expressão e os métodos utilizados têm como objetivo

principal a manipulação da opinião pública, através da coação de

críticos do governo.

Durante muitos anos, a imprensa, movimentos e partidos políticos

tradicionais atuavam como filtros das ideias públicas. Certos consensos

eram implicitamente admitidos sem a necessidade de regras escritas,

como não publicar detalhes a respeito de suicídios para não causar o

193
Efeito Werther  e/ou pautas com conteúdos racistas e nativistas que

promovessem incentivos para ações violentas contra outros indivíduos,

por exemplo. Com a chegada da internet e a comunicação em tempo

real, de forma global e sem algum tipo de moderação (filtro),

movimentos radicais/extremistas dos mais variados espectros

ideológicos chegaram ao mainstream, ao debate na esfera pública e,

apesar de antidemocráticos e com ideias e comportamentos antiliberais,

que desrespeitam princípios liberais basilares como a preservação da

dignidade humana e as liberdades individuais, cada vez mais esses

movimentos vêm sendo considerados players lícitos em sociedades

democráticas.

Através de mecanismos de manipulação digital da opinião pública –

a partir das plataformas de mídia -, radicais e extremistas interferem em

eleições, criam movimentos coesos também no espaço físico, movem a

Janela de Overton para os extremos ideológicos e praticam assédio on-

line com o intuito de conseguirem calar opositores e monopolizar o

debate com suas pautas – uma espécie de censura não estatal, mas sim

comportamental, pois, conforme mais pessoas são alvos dos ataques

com assédio on-line, menos cidadãos se tornam predispostos a publicar


suas opiniões com medo de serem alvos dos mesmos crimes

194
(cibernéticos) previstos no Código Penal .

A manipulação on-line foi transformada em arma por grupos

políticos e movimentos radicais e extremistas para modificar os

parâmetros – nas sociedades – de aceitação das pautas e

comportamentos que estão em desacordo com premissas fundamentais

da Declaração Universal dos Direitos Humanos (adotada pela

Organização das Nações Unidas, ONU, em 1948) e da ordem liberal do

pós-guerra em geral (o sistema de democracias liberais, especialmente).

Os métodos utilizados são diversos, e vão desde o compartilhamento de

“iscas” ( dog whistle195) ao uso de bots, perfis anônimos, notícias

falsas, sugestionamento e ataques nominais.

Na noite de 11 de junho de 2020, em live publicada no seu canal

oficial na plataforma Facebook, o presidente da República Jair

Bolsonaro incitou a população a entrar em hospitais e filmar, pois,

segundo ele, a imprensa é quem estava criando pânico e aumentando a

gravidade da pandemia da COVID-19, sugeriu que os leitos não estavam

ocupados e admitiu que usaria da máquina estatal (especificamente a

Polícia Federal e a Agência Nacional de Inteligência) para perseguir a

imprensa que publicava a respeito da evolução da pandemia e do número

de óbitos e infectados no Brasil.

196
Ele disse :

Seria bom você fazer... na ponta da linha, se tem um hospital de campanha perto de você,

se tem um hospital público… arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tem feito

isso, mas mais gente tem que fazer pra mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os

gastos são compatíveis ou não. Isso ajuda. Tudo o que chega para mim nas redes sociais a

gente faz um filtro e eu encaminho para a Polícia Federal ou Abin (Agência Brasileira de

Inteligência).

No dia seguinte à fala de Jair Bolsonaro, um grupo com seis pessoas

197
invadiu alas da UTI (Unidade de Terapia Intensiva), de acesso restrito

a médicos e pacientes do hospital municipal Ronaldo Gazolla, unidade

de referência no tratamento da  COVID-19  no  Rio de Janeiro , e


publicou o vídeo nas redes sociais (que foi imediatamente replicado por

influenciadores, parlamentares e todo o ecossistema de mídia

bolsonarista).

Anos antes, em 2016, uma teoria conspiratória (Pizzagate),

publicada sistematicamente nos chans, blogs e sites de mídia da alt-


right, por influenciadores digitais da direita radical e extrema no

mundo inteiro – incluindo o Brasil – e também pelo então recém-eleito

presidente dos EUA, Donald Trump, levaria um rapaz munido de um

rifle automático a invadir uma pizzaria e atirar em busca do porão

secreto na pizzaria no qual “eram realizados rituais satânicos e de

pedofilia praticados por membros do Partido Democrata”, segundo a

teoria conspiratória compartilhada pela extrema-direita. Ele foi

198
condenado a quatro anos de prisão.

Os dois exemplos supracitados demonstram o quanto a manipulação

da opinião pública via plataformas digitais está cada vez mais presente

no cotidiano de todas as sociedades inseridas na World Wide Web

(inclusive aquelas com regimes autocráticos). O Brexit e a eleição de

populistas autoritários radicais e extremistas em vários países a partir

dos anos de 1990 e 2000 (não começou com o Brexit e a eleição de

Donald Trump conforme muitos analistas da direita brasileira afirmam)

também passam diretamente pela revolução tecnológica e o

aprimoramento de técnicas de manipulação em massa a partir dos

ambientes digitais.

Brittany Kaiser, ex-executiva da Cambridge Analytica, afirma em seu

livro Manipulados (2020) sobre a manipulação executada nos dois

processos e demonstra arrependimento:

As descobertas sombrias que fiz ao longo do passeio na montanha-russa da Cambridge

Analytica me deixaram mais do que enojada. Olhando para o país que eu estava deixando

para trás, meu lar, não pude deixar de me perguntar como chegamos aqui. Eu estava

deixando para trás um país em que o discurso polarizado se tornara lugar-comum, e onde o

decoro político, que costumava proteger o público do extremismo, do sexismo e do


racismo, estava começando a desmoronar. Como fui acabar desempenhando um papel na

degradação da nossa sociedade e do nosso discurso?

199
Em entrevista à revista Veja, ao ser questionada sobre a

participação da Cambridge Analytica no Brasil, Brittany disse que

possivelmente a campanha de Jair Bolsonaro havia se utilizado dos

métodos :
Pela minha experiência e fatores que não vou participar, é óbvio que o presidente Jair

Bolsonaro se apoiou nessa estratégia para se eleger.  A Cambridge Analytica, depois de

todos os escândalos, teve dificuldade para operar em solo brasileiro.  Todavia, muitas

empresas feitas fazem isso em favor de Bolsonaro.  A campanha dele publicou a internet

para espalhar desinformação, viralizar notícias mentirosas, persuadir

eleitores.  Diferentemente de Trump, ele recorreu mais ao WhatsApp, e não ao

Facebook. De resto, foi muito parecido.

Com os métodos de manipulação que o ambiente virtual possibilita,

as táticas clássicas de desinformação vistas em regimes autoritários

emergiram em países ocidentais e, aliadas a essas táticas, problemas

econômicos e conceitos extremistas e radicais (à direita e à esquerda,

mas atualmente muito mais frequente do primeiro espectro ideológico)

ajudam a alimentar um crescente descontentamento com a política e o

sistema de governo vigente em quase todo o ocidente, a democracia

liberal.

Duas reportagens em jornais de grande circulação mundial – The

Guardian e The New York Times – revelaram, em 2018, que a empresa

Cambridge Analytica (ligada ao estrategista tradicionalista Steve

Bannon) obteve ilegalmente dados de cerca de 50 milhões de perfis de

usuários do Facebook nos EUA. Os dados eram usados para traçar um

perfil psicográfico das sociedades, traços comportamentais, preferências,

questões que causavam mais medo nos cidadãos e, com a análise dos

dados, a publicidade era distribuída de forma direcionada para capturar

a atenção do cidadão.

Existe uma variedade de métodos para a manipulação da opinião

pública a partir das plataformas digitais (propaganda computacional) e

nem sempre são visíveis para a maior parte da população.


a. Trolling
O troll surgiu junto com a internet. São usuários que,

deliberadamente, compartilhavam comentários e/ou imagens ofensivas

para obter uma resposta emocional das pessoas e capturar a atenção da

opinião pública. “Durante os anos 2000, essa motivação tornou-se

conhecida como o ‘lulz’: encontrar humor (ou LOLs) em semear

discórdia e causar reações” (MARWICK e LEWIS, 2020).

Os alvos são, em sua maior parte, figuras públicas e jornalistas. O

troll busca atenção para a amplificação da própria mensagem dentro da


esfera pública de notícias.

Usam discursos e/ou memes deliberadamente ofensivos e

transgressivos, atacam a mídia tradicional, procuram esvaziar a

credibilidade, buscam atingir seus alvos provocando impactos

emocionais e, em questões que poderiam causar problemas judiciais e

uma reação maior da opinião pública, como postagens antissemitas ou

200
em alusão ao nazismo, valem-se da Lei de Poe . “A Lei de Poe diz

aproximadamente que paródias online de extremismo religioso são

indistinguíveis de casos de extremismo sincero.”

Geralmente, utilizam expressões com ambiguidades para, quando

houver reação, argumentarem que foi somente ironia ou brincadeira.

A ambiguidade nos discursos é feita de forma intencional para que o

público não possa afirmar e ter certeza de que o comentário era sério ou

brincadeira. Este método é muito utilizado em tropos antissemitas,

racistas em geral e por negadores do Holocausto.

O trolling está presente em todo o bolsonarismo (assim como na

alt-right em geral). As declarações sem decoro do presidente

pretendem capturar a imprensa, pautar a agenda da mídia e amplificar

sua mensagem no debate público.


Trolls procuram gerar respostas emocionais negativas nos seus alvos
e zombam daqueles que, ao serem assediados, reclamam do

comportamente abusivo. Em suas argumentações, justificam dizendo

que “internet não é vida real”, que o alvo está se vitimizando e que se

trata de liberdade expressão. Os vapporwaves bolsonaristas criaram

a expressão “aguenta a pilha”, que utilizavam, junto a imagens do

palhaço, quando os alvos protestavam contra o abuso.

A sensação de pertencimento ao grupo é recorrente nos trolls.


Geralmente, atuam em bando (e, muitas vezes, combinam previamente

via mensagens privadas ou grupos de WhatsApp) para provocar no alvo

o máximo possível de respostas negativas. Na dinâmica interna do

grupo, aqueles que conseguem praticar o assédio de forma mais brutal

aumentam o status dentro do grupo. Práticas como o doxxing –

compartilhamento de informações privadas – e ataques aos familiares

dos alvos são recorrentes (atingir o emocional da vítima é um dos

objetivos prinicpais dos trolls).

Do trolling, surgiu outro comportamento, o shitstorm, uma

“tempestade de indignação em um meio de comunicação da Internet

acompanhada, em parte, por comentários ofensivos” (PEREIRA e

CALDAS, 2017), que é muito praticado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O ritmo frenético de suas declarações ofensivas busca causar

indignação dos meios de imprensa, e assim, capturar a atenção e pautar

a agenda mídia mainstream. Também reforça, como se fosse uma

assinatura, a sua identidade perante o seu grupo de apoio.

b. Bots
Os bots são contas automatizadas – acionadas por software –

criadas para passarem a imagem de que são pessoas reais e assim

interferir no debate público, criando consensos e apoios fictícios (ou

rejeição). “Na esfera da mídia social, as estimativas sugerem que mais de


um terço dos usuários do Twitter são, na verdade, bots” (WOOLLEY e

HOWARD, 2019).

201
Em um estudo produzido pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São

Paulo (FESPSP), as pesquisadoras Isabela Kalil e Rose Marie Santini

demonstraram que 55% das interações pró-Bolsonaro na plataforma

Twitter eram produzidas por contas automatizadas, não pessoas reais.

Existe uma indústria de vendas de “fazendas de robôs”, ou bot farms,


com as quais é possível operar milhares de contas falsas com poucos

comandos.

Além dos bots, há também os perfis falsos, que podem ser criados

por qualquer pessoa, dificultando a verificação da veracidade da conta.

Bots e perfis falsos podem ajudar a criar o bandwagon effect


(efeito manada), e assim, conseguem construir tendências (criando

hashtags) e suprimir discursos da oposição através do assédio on-line.


O aumento no volume do tráfego de determinados temas, como o

apoio a um candidato, produzido por bots e perfis falsos cria uma

ilusão de que aquela pauta ou apoio é legítimo.

No Brasil, durante o período anterior às eleições em 2018, contas

fakes surgiram aos milhares no Facebook e todas com características

semelhantes: a imagem de alguém mais velho, bandeira do Brasil ou

imagens ligadas ao catolicismo nos perfis, a caracterização do usuário

como “conservador(a)” e a informação de que apoiavam o “mito

2028”(uma referência ao candidato Jair Bolsonaro).

Estes perfis falsos entravam nos murais dos opositores ao nome de

Bolsonaro e/ou utilizavam a técnica do troll e/ou sugestionavam

mentiras a respeito da pessoa.

c. O algoritmo e a câmara de eco


Os algoritmos utilizados pelas plataformas de mídia, em especial o

Facebook, tenta prever, a partir do seu nível de interação, quais posts o


usuário gostaria de ver e/ou chamam mais a sua atenção e organizam de

forma que aqueles conteúdos sempre apareçam primeiro. Cria-se, então,

uma bolha, ou uma câmara de eco, na qual as informações que o usuário

receberá estarão sempre de acordo às suas próprias preferências,

produzindo um viés de confirmação – uma reafirmação das próprias

crenças – e não necessariamente uma troca de opiniões mais plural. “O

algoritmo recompensa, de certa forma, os sites clickbaits” (BENKLER,

FARIS e ROBERTS, 2018) – que atuam com manchetes do tipo “iscas”,

para o usuário clicar e, desta forma, monetizar o site.

d. Influenciadores digitais
Indivíduos que, a partir das plataformas de mídia digital,

compartilham conteúdos que influenciam crenças, comportamentos e

opiniões. O uso do trolling pela extrema-direita ajudou a criar muitos

influenciadores e eles exercem uma autoridade moral sobre seus

seguidores. No contexto político, um influenciador digital visa sempre

capturar a atenção da mídia mainstream para amplificar seu alcance e


mensagem. A câmara de eco potencializa essa amplificação.

Esta influência atua também em microcomunidades digitais. Um

tema, quando proposto por alguém que é considerado um influenciador,

acaba sendo compartilhado por semanas pelos outros influenciadores

daquela microcomunidade. No episódio de Charlottesville, essa

dinâmica foi mito perceptível; após um influenciador da bolha da direita

publicar artigo sobre o tema, dezenas de outros fizeram o mesmo, e o

assunto ficou sendo debatido por semanas no ecossistema digital (com

os mesmos pontos de vistas e reafirmações das próprias crenças). Outro

exemplo foi durante o lançamento no Brasil do livro Como as


Democracias Morrem (2018), de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt:

apesar de o livro trazer pertinentes informações a respeito do processo


de destruição das democracias liberais a partir de dentro dos sistemas

democráticos, o livro foi criticado de maneira negativa por todos os

principais influenciadores da direita (bolsonaristas e antibolsonaristas).

Em pouco tempo, na câmara de eco, outros influenciadores com menos

seguidores passavam a fazer as mesmas críticas para esvaziar o interesse

das pessoas naquele conteúdo. Método semelhante foi utilizado também

contra os livros, ambos excelentes, O Povo Contra a Democracia


(2019) de Yascha Mounk e Na Contramão da liberdade (2019) de
Timothy Snyder. Conforme esses influenciadores e seu círculo mais

próximo criticavam negativamente os livros, a percepção de sua

influência como um sinônimo de autoridade moral amplificava as

reações negativas e as pessoas não se interessavam em ler os livros.

Da mesma forma que esses influenciadores desmereciam livros,

artigos e opiniões contrárias, eles também introduziam os conceitos da

far-right na bolha virtual da direita para que fossem utilizados como

exemplos a serem seguidos. Em 2017, o publicitário e jornalista

Alexandre Borges, fazendo coro aos outros olavetes como Filipe G.

202
Martins, disse : “Minha escola é David Horowitz, Ann Coulter e

Andrew Breitbart. Eleição é guerra e é lutar pra vencer. Ponto”.

A “escola” desses influenciadores produziu centenas de milhares de

alunos no Brasil. Ann Coulter, por exemplo, que se tornou modelo de

referência para a nova direita brasileira através dos influenciadores

digitais ligados ao Olavo de Carvalho, é uma colunista e escritora

americana da direita radical cujo histórico de declarações misóginas e

racistas é extenso. Declarações contrárias ao direito do voto para

mulheres são frequentes:

Seria um país muito melhor se as mulheres não votassem. Isto é um facto. Na realidade, em

todas as eleições presidenciais desde 1950 – exceto Goldwater em ‘64 – os Republicanos

203
teriam ganho, se apenas votassem os homens .

204
A respeito de raça e imigração, suas declarações animam os

grupos e movimentos de nacionalistas brancos e supremacistas. Jared


Taylor
205
, um altrighter do site supremacista American Renaissance

(AR), declarou que o livro de Coulter fez com que ela se estabelecesse

“como a principal defensora da sanidade imigratória na América – se

206
não no mundo”. No Brasil, o livro e a escritora foram defendidos por

Alexandre Borges:

é uma das mentes mais brilhantes e corajosas da política americana atual... Basta ler o livro

para saber que Ann é tudo menos racista, pelo contrário, ela sabe que uma nação (e a

América em especial) é uma idéia e só é possível pensar em imigração com assimilação

dentro de uma política que possa garantir que os novos cidadãos aprendam a língua, os

costumes e tradições da nação que escolheram, que façam do “Pledge of Allegiance” não

apenas palavras ao vento mas que incorporem suas palavras na alma.

As declarações antissemitas de Ann Coulter são muitas, desde a

década de 2000. Extremista religiosa, já chegou a declarar que “nós

207
apenas queremos que os judeus sejam aperfeiçoados” . Filipe G.

Martins também sempre foi um fã confesso de Ann Coulter, e em 2016,

208
explicou que suas análises a respeito da vitória de Donald Trump

foram influenciadas pelas análises demográficas de Coulter:

Como vocês sabem, já há algum tempo, fundamento minha confiança na vitória do Trump

em uma análise estatística que toma como ponto de partida o “modelo das primárias” do

Professor Norpoth, a análise demográfica feita pela Ann Coulter e a minha própria intuição

(comprovada nas primárias) de que o Trump atrai um eleitorado que normalmente prefere

permanecer à margem do processo eleitoral — um grupo que ultrapassa os 100 milhões.

As análises demográficas de Ann Coulter reverberam a teoria

conspiratória de supremacistas e nacionalistas brancos, a teoria do

“Genocídio Branco”, a respeito da qual falaremos no capítulo “Crer e

Destruir”.

Todo esse conteúdo viralizava na bolha virtual da direita e como os

influenciadores – em especial, o grupo ligado ao Olavo de Carvalho –

passaram a ser considerados pelo público como autoridades morais no

assunto, a aceitação de suas sugestões era imediata. Em pouco tempo,

todo o lixo da alt-right e da extrema-direita internacional eram

compartilhados sem parar dentro do ecossistema digital da nova direita

brasileira. Trechos de vídeos e artigos de Ann Coulter, Jack Posobiec,


Jared Taylor, Stefan Molyneux, Ben Shapiro (que se afastou da alt-
right após perceber o teor antissemita e racial), Paul Joseph Watson,

Dinesh Souza, Milo Yiannopoulos, Brittany Pettibone, Andrew

Breitbart, Steve Bannon, Lauren Southern etc., eram traduzidos e

propagandeados por influenciadores e páginas como a do grupo

“Tradutores de Direita”. O público, que, em sua maioria, não conhecia

nem o histórico daquelas personalidades e nem o cerne de suas ideias,

era facilmente capturado.

Comentaristas políticos, colunistas, escritores e youtubers ligados


ao Olavo de Carvalho criaram um sistema de mídia alternativa. Através

dele, introduziram no debate público brasileiro e levaram ao

mainstream os conceitos, métodos e teorias da alt-right e da

extrema-direita internacional. Memes repletos de ambiguidades, o

trolling, o politicamente incorreto, a dissimulação dos conceitos e a

estética e linguagem voltadas às dinâmicas das redes sociais atraíram o

público jovem e ajudaram a esvaziar a imagem caricatural da extrema-

direita que estava presente no imaginário público: pessoas mais velhas

e/ou skinheads com tatuagens de suástica. Criaram uma Rede

Alternativa de Influência – RAI (Alternative Influence Network – AIN),

assim como radicais e extremistas de direita de outros países também o

fizeram.

Nessa RAI , apesar da aparente variedade e independência de seus

membros, os conceitos da far-right são conectados e divulgados

através de vídeos, referências e convidados – estes últimos para

amplificar o alcance. Esses influenciadores sempre afirmam fornecer

uma fonte alternativa e verdadeira de mídia para notícias e comentários

políticos fora dos meios de comunicação tradicionais, pois – segundo

eles – a imprensa é mentirosa e comandada por elites liberais e

progressistas (a far-right internacional também inclui judeus como

pertencentes de um complô mundial de manipulação – uma recriação,


mais uma vez, da teoria antissemita Os Protocolos dos Sábios de Sião.

Os influenciadores criam, então, microcomunidades que se expandem

através das menções e convites a outros influenciadores (cada um com o

seu público cativo) e, desta forma, conseguem fortalecer um senso de

lealdade e comunidade no público. Conforme estudo empírico que

analisou interações e o ecossistema de oitenta influenciadores da alt-


right americanos, “o consumo de informação tem menos a ver com

informações factualmente corretas ou incorretas do que com reunir o

público em torno uma  identidade social  coletiva” (LEWIS, 2018).

Esses vínculos fornecem uma sensação de família e pertencimento ao

grupo e, desta forma, qualquer crítico àquele sistema de crenças será

visto com desconfiança e/ou se tornará alvo de tentativas de

desmerecimento e esvaziamento da credibilidade pelos membros do

grupo. Esta autora, por exemplo, desde que começou a pesquisar a alt-
right e a far-right e a denunciar o processo de manipulação executado
pelos influenciadores da direita, vem sendo atacada nas redes sociais de

forma sistemática e recorrente por figuras relevantes do ecossistema

digital da “direita moderada” e que foram fundamentais na formação do

bolsonarismo. Mesmo tendo cultivado amizade com muitos outros de

dentro do grupo, nenhum influenciador que faz parte da órbita de

influência criticaram o processo de linchamento virtual que a autora vem

sofrendo. Exemplo límpido do poder da RAI.

Enquanto isso, as consequências das ideias da direita radical e

extrema que esses influenciadores trouxeram e defendem no debate

público resultam em milhares de vítimas.

Os conceitos de direita radical e extrema internacionais, introduzidos

no debate público brasileiro, conseguiram com sucesso chegar ao

mainstream como resultados de mecanismos de manipulação que as

redes sociais facilitam aos seus propagandistas. E também com a

covardia daqueles que, mesmo diante do erro, permanecem calados.


e. Fake news
Desinformação e notícias falsas são disseminadas por aqueles que

procuram manipular a esfera pública on-line para capitalizar e aumentar

o nível de confiança nas intituições (MORGAN, 2018).

A tática consiste em utilizar pequenas informações verdadeiras, mas

complementadas por grandes mentiras. A socióloga turca Zeynep

Tüfekçi afirma que

na esfera pública em rede, o objetivo dos poderosos muitas vezes não é convencer as

pessoas da veracidade de determinada narrativa ou impedir que certa informação seja

divulgada (o que é cada vez mais difícil), mas produzir resignação, cinismo e uma sensação

de impotência nas pessoas (In: KAKUTANI, 2018).

Inundar o público com informações; produzir distrações para diluir a

atenção e o foco deslegitimando a imprensa que fornece informações

corretas; semear a confusão, o medo e a dúvida deliberadamente; criar

rumores ou alegar que determinadas informações são boatos; e incitar

campanhas persecutórias destinadas a dificultar o funcionamento de

209
canais confiáveis de informação como a imprensa tradicional (no

caso do Brasil, os institutos de pesquisa a respeito de desmatamento na

Amazônia sofreram esse processo de esvaziamento da credibilidade a

partir das dúvidas lançadas pelo presidente Jair Bolsonaro sobre os

institutos) são métodos utilizados por aqueles que pretendem

implementar suas agendas e perverter as discussões no debate público,

segundo Tüfekçi.

f. Conspiracionistas
Atualmente, enquanto o mundo enfrenta uma pandemia mortal, os

conspiracionistas se tornaram um problema de saúde pública além de

influenciarem diretamente na radicalização on-line ao extremo da ação

violenta. Este grupo abrange um grande ecossistema de mídia: trolls,


bots, influenciadores, blogs e sites de mídia alternativa. Desmentir uma
teoria conspiratória que foi muito amplificada é tarefa árdua, pois as
câmaras de eco funcionam como uma prisão para o usuário que está

imerso nelas . Ver capítulo “Crer e Destruir”.

g. Blogs e sites de mídia alternativa


Ao mesmo tempo em que a internet amplificou a possibilidade da

troca de informações e democratizou a comunicação, sites e blogs de

mídia da far-right e de outros grupos radicais utilizam o espaço para

aumentar a desconfiança das pessoas na imprensa tradicional,

instituições e para implementar suas agendas sociopolíticas, utilizando

todos os mecanismos existentes para a manipulação da opinião pública.

h. Bandwagon effect
É relativo ao hábito humano de adotar certos comportamentos ou

crenças porque muitas outras pessoas o adotam. No jargão popular,

refere-se ao “efeito manada”.

É um viés cognitivo (efeito adesão) no qual um indivíduo faz ou

toma decisões guiado pela maioria, e é muito frequente no uso de

plataformas digitais para a criação de falsos consensos, apoios fictícios e

para espalhar desinformação.

Fake news, trolls, disparos no WhatsApp, bots farms criam a

ilusão de que um grande número de pessoas acredita naquelas

mensagens (o clássico “eu vi no ‘zap’ então é verdade”), e assim, ocorre

a adesão.

Durante o bandwagon effect, o senso crítico individual é

obliterado. Em regimes totalitários (fascismo, nazismo e comunismo), o

bandwagon effect é amplamente verificado. Não aderir ao

comportamento da maioria ou àquela crença adotada pela maior parte

do grupo cria um sentimento de não pertencimento e, em geral, dentro

do próprio grupo que já está sob o efeito onda, o indivíduo que não

adere é considerado inimigo.


Influenciadores digitais e personalidades públicas, quando

submergem no bandwagon effect, tendem em amplificar o

processo, pois emitem a mensagem de que aquela crença e/ou

comportamento compartilhados pela maioria é legítima.

Diversos países vêm sendo afetados pela propaganda computacional

e a manipulação da opinião pública através de mecanismos acima

citados.

As motivações para tamanha manipulação são diversas, incluem a

promoção de suas crenças e visões de mundo, monetização dos

conteúdos, adquirir status dentro do grupo e até mesmo interferir em

processos eleitorais (nacionais ou estrangeiros). Filipe G. Martins,

assessor do presidente da República, afirmou


210
, durante um podcast,
em 2017, que alt-rights americanos seriam um fator importante nas

eleições da França (Macron versus Le Pen no segundo turno):


As forças que atuaram para dar a vitória ao Trump, na internet por exemplo, estão se

alistando. Esses moleques que fazem memes nos Estados Unidos, por exemplo, estão

estudando francês para poder atuar durante as eleições francesas para ajudar a Le Pen.

Você tem americanos e pessoas de outros países que estão fazendo esse movimento, pra

tentar fortalecer a candidatura dela. Então a gente vai ter algo bem interessante, lembrando

um pouco o que a gente viveu em 2016 com a candidatura do Trump.

O apresentador do podcast, Flávio Azambuja, complementa com a


informação de que o Breitbart, site de notícias da alt-right ligado a

Steve Bannon, estaria abrindo sedes em outros países com o intuito de

interferir nas eleições:

O Breitbart que muita gente considera que é um dos principais veículos de influência nos

eleitores americanos a favor do Trump já declarou que está indo pra Alemanha, abrindo

filial na Alemanha e na França, com o nítido caráter de influenciar a eleição de Marine Le

Pen e da AFD na Alemanha.

No Brasil, ocorreu o mesmo processo de manipulação da opinião

para o projeto ideológico e de poder do bolsonarismo.

Bibliografia – Capítulo 5
BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. Network Propaganda:
Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American
Politics. Oxford: Oxford University Press, 2018.
KAISER, Brittany. Manipulados. Rio de Janeiro: HapperCollins Brasil, 2020.
KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de

Janeiro: Zahar, 2018.

LEWIS, Rebecca. Alternative Influence: Broadcasting the Reactionary Right on YouTube.

Data & Society. 09/2018. Disponível em: https://datasociety.net/wp-

content/uploads/2018/09/DS_Alternative_Influence.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.

MARWICK, Alice; LEWIS, Rebecca. Media Manipulation and Desinformation Online.

Washington, D.C.: Data & Society, 2020.

MELLO, Patrícia Campos. A Máquina do Ódio: Notas de uma repórter sobre Fake News
e violência digital. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

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democracy. Journal of Cyber Policy. Volume 3, issue 1, pp. 39-43. 2018. Disponível

em: https://doi.org/10.1080/23738871.2018.1462395. Acesso em: 10 out. 2020.

MOUNK, Yacha. O Povo Contra a Democracia. Rio de Janeiro: Companhia das

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PEREIRA, Luiz Ismael; CALDAS, Camilo Onoda Luiz. O Fenômeno Shitstorm: internet,

intolerância e violação de direitos humanos. Interfaces Científicas – Humanas e


Sociais. 2017 . Disponível em: https://doi.org/10.17564/2316-3801.2017v6n1p123-134.

Acesso em: 10 out. 2020.

SNYDER, Timothy. Na Contramão da Liberdade. Rio de Janeiro: Companhia das

Letras, 2019.

WOOLLEY, Samuel C.; HOWARD, Philip N. Computational Propaganda: political


parties, politicians, and political manipulation on social media.
Oxford: Oxford University Press, 2019.

179. Filipe G. Martins, assessor da presidência da República, indicava frequentemente o canal

Brasileirinhos. “Se vocês ainda não o fazem, sigam o canal @_brasileirinhos agora mesmo.

Não tenhais medo!”. Ver em https://twitter.com/filgmartin/status/1191808591747047425.

180. O deputado federal Eduardo Bolsonaro indicou o canal em sua conta oficial no Twitter:

“Brasileirinhos! Sigam no YouTube. Os caras são o terror da esquerda liberal, isentosfera,

esquerda fruta!”. Ver postagem do deputado em

https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1194436061088436229.

181. Em 19 de julho de 2019, o presidente da República, Jair Bolsonaro, publicou em seu

Twitter oficial frase e frame retirados de um vídeo do canal Brasileirinhos e apagou o tweet

logo depois: “Quando o homem não tem mais ambição deve comprar um lote no cemitério”.
182. O canal surgiu em 2018 e foi amplamente divulgado pelo Filipe G. Martins, olavetes e os

filhos de Jair Bolsonaro. Atualmente, a conta do canal no Twitter está restrita por ordem

judicial, pois são investigados na CPMI das Fake News.

183. Vovó Mafalda foi um personagem dos anos de 1980, um homem vestido ridiculamente de

palhaço com traços da estética kitsch, do programa infantil Bozo (SBT).


184. “Decisão do Supremo cita ‘gabinete do ódio’ do Planalto e indica possível associação

criminosa”. Folha de S. Paulo. Ver em

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/decisao-de-moraes-para-operacao-contra-fake-

news-cita-gabinete-do-odio-e-assessores-de-bolsonaro.shtml.

185. MELLO, Patrícia Campos. Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp.

Folha de S. Paulo. 18/10/2018. Ver em

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-

pelo-whatsapp.shtml.

186. A troca de mensagens entre a jornalista e a fonte foi publicada pelo jornal Folha de São

Paulo e comprova que o depoente mentiu em seu depoimento à CPMI das Fake News. Ver em:

https://www.poder360.com.br/congresso/folha-mostra-mensagens-e-afirma-que-hans-river-

mentiu-a-cpmi-das-fake-news/.

187. Ver em https://diogoschelp.blogosfera.uol.com.br/2020/02/12/eduardo-bolsonaro-confia-

em-imunidade-parlamentar-para-difamar-jornalista/.

188. Ver em https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/eduardo-

bolsonaro-patricia-campos-mello-21012021.

189. Madeleine Lackso é jornalista e escritora de São Paulo e atualmente colunista do jornal A

Gazeta do Povo. Uma das principais vozes contra o assédio on-line, hoje estuda a radicalização

on-line e atua em palestras para empresas a respeito do tema.

190. “Juíza condena três pessoas por ataques à jornalista Madeleine Lacsko nas redes”. Ver em

https://www.conjur.com.br/2020-nov-25/juiza-condena-tres-pessoas-ataques-jornalista-

madeleine-lacsko.

191. Vera Magalhães é uma jornalista, radialista, comentarista de política e apresentadora

brasileira cujo excelente trabalho já faz parte da história do jornalismo nacional. Seu currículo

abrange trabalhos na rádio Jovem Pan,  Estadão,  Veja,  Folha de S. Paulo,  Primeira

Leitura, Diário do Grande ABC, CBN, O Globo e atualmente é âncora do programa Roda Viva

na TV Cultura.

192. “Bolsonaro compartilha vídeo sobre ato convocado contra Congresso e STF e provoca

repúdio”. O Globo. 25/02/2020. Ver em

https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-compartilha-video-sobre-ato-
convocado-contra-congresso-stf-provoca-repudio-24272047.
193. “Efeito Werther” se  refere a um pico de emulações de suicídios depois de um suicídio

amplamente divulgado. O nome se deve ao romance  Os Sofrimentos do Jovem


Werther do alemão Johann Wolfgang von Goethe.
194. O  Código  Penal  (Lei nº 2.848/1940,  artigos  138,  139  e 140) considera crime a violação da

honra de uma pessoa. Calúnia, difamação e injúria são crimes contra a honra.

195. O dog whistle é o chamado “apito de cachorro”. Na política e na manipulação on-line da

opinião pública, ele atua como uma mensagem codificada para que um determinado grupo ou

indivíduo sofra ataques.


196. “Bolsonaro pede a apoiadores que entrem em hospitais para filmar leitos”. O Globo.

11/06/2020. Ver em: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/bolsonaro-pede-

apoiadores-que-entrem-em-hospitais-para-filmar-leitos-24475348.

197. “Grupo invade ala da covid-19 em hospital no RJ e exige ‘checar leitos’. Exame. Ver em:

https://exame.com/brasil/grupo-invade-ala-da-covid-19-em-hospital-no-rj-e-exige-checar-

leitos/.

198. Ver em https://www.washingtonpost.com/local/public-safety/man-who-set-fire-at-comet-

ping-pong-pizza-shop-sentenced-to-four-years-in-prison/2020/04/23/2e107676-8496-11ea-

a3eb-e9fc93160703_story.htmler.

199. “Brittany Kaiser: ‘Campanha de Bolsonaro usou internet para desinformação’”. Ver em:

https://veja.abril.com.br/paginas-amarelas/brittany-kaiser-campanha-de-bolsonaro-usou-

internet-para-desinformacao/.

200. AIKIN, Scott F. Poe’s Law, Group Polarization, and the Epistemology of Online Religious

Discourse . Western Kentucky University and Vanderbilt University.


2009. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1332169. Acesso em: 10 out. 2020.

201. “55% de publicações pró-Bolsonaro são feitas por robôs”. Jornal O Valor. Ver em:

https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/03/55-de-publicacoes-pro-bolsonaro-sao-

feitas-por-robos.ghtml.

202. Disponível em: https://twitter.com/alex_borges/status/8732191521185

13664 – acesso em 10/10/2020.

203. Disponível em: “An appalling magic” –

https://www.theguardian.com/media/2003/may/17/pressandpublishing.usnews. Acesso em: 10

out. 2020.

204. Jared Taylor é um nacionalista e supremacista branco editor do site American Renaissance.

Dentre suas declarações racistas explícitas: “Negros e brancos são diferentes.  Quando os

negros são deixados inteiramente à sua própria sorte, a civilização ocidental – qualquer tipo de

civilização – desaparece”. Disponível em: https://www.splcenter.org/fighting-hate/extremist-

files/individual/jared-taylor.

205. Disponível em: https://www.adl.org/news/article/ann-coulter-admiration-grows-among-

white-supremacists. Acesso em: 10 out. 2020.

206. “ As mulheres de Trump” – disponível em https://alexborges.medium.com/as-mulheres-de-

trump-8dd4b2dc560e

207. “Coulter Wants to FedEx Jews to Perfection-ville”. Disponível em

https://www.memphisflyer.com/coulter-wants-to-fedex-jews-to-perfection-ville .

208. Disponível em: https://pt-br.facebook.com/photo.php?fbid=93839576

6304774&set=a.103961786414847&type=3&theater

Twitter and Tear Gas: The Power and Fragility of


209. TÜFEKÇI, Zeynep.

Networked Protest. New Haven, Connecticut: Yale University Press, 2017.


210. “Guten Morgen 31: Eleições Europeias 2017. 28:40’ a 30:08’”. Ver em:

https://www.youtube.com/watch?v=1b2gx-ADn-U.
Capítulo 6

“Deus vult”:

a iconografia e a linguagem da alt-right


e far-right

Todo mito é uma procura do tempo perdido.


Claude Lévi-Strauss

“A nova era chegou. É tudo nosso! Deus Vult!”. Foi a publicação do

assessor da Presidência da República, Filipe G. Martins, no dia primeiro

de janeiro de 2019, dia da posse de Jair Bolsonaro.

As duas referências, “Deus Vult” e “A Nova Era” ainda não eram

conhecidas do público brasileiro em geral, mas há anos já eram

compartilhadas na bolha virtual da direita. Durante a quarta onda da

far-right, a extrema direita procura meios mais sofisticados para

ampliar seus conceitos e mensagens e para se dissociar da imagem

reacionária e racista. Símbolos e slogans específicos são utilizados

com mais frequência do que discursos que deixem em evidência suas

reais intenções e visões de mundo.

A Dra. Cynthia Miller-Idriss (2018) explica que

o uso de códigos globais e referências é onipresente em cenas e subculturas de extrema

direita, e a própria natureza de compartilhamento online ajudou a facilitar esse uso.  Mas

comunidades online também ajudaram a criar símbolos completamente novos.

Sendo a alt-right um movimento essencialmente on-line, há

códigos e linguagem específica que muitas vezes parecem confusos para

os observadores. Os símbolos também atuam como formas de assinatura

para reafirmação das identidades, de pertencimento aos grupos.


Com a proliferação do uso de memes, a facilidade de

compartilhamento de forma anônima e a camada de ironia impregnada

neles que se espalhou por todo o movimento alt-right – que visam

criar ambiguidade e evitar acusações de racismo ou nazismo -, os novos

símbolos são compartilhados com muito mais velocidade e atingem um

alcance maior. Na maior parte das vezes, as pessoas compartilham sem

terem noção do conteúdo que estão divulgando.

Enquanto alguns símbolos e slogans são apropriados pela far-


right para denotar ironia, sarcasmo e transgressão, outros expressam

seus conceitos e crenças de forma dissimulada e estão relacionados a

uma sobreposição de teorias conspiratórias e racialistas.

A propagação de símbolos nazistas (como a suástica nazista no sapo

Pepe, símbolo muito utilizado pelos alt-righters), o uso de epítetos

raciais, quer sejam sinceros ou irônicos, trazem como resultado uma

normalização do anormal, além de reverberar conceitos dos movimentos

da far-right que são fascistas e nacionalistas supremacistas. E, não

raro, saem do campo virtual para o físico.

Deus Vult
A apropriação de símbolos e mitos medievais é recorrente na direita

radical e extrema .
Seus membros romantizam o período medieval porque eles se

enxergam dentro de uma batalha espiritual contra o “mundo moderno”,

contra a modernidade (na visão de mundo deles, a partir do

Renascimento, a civilização ocidental atravessa um período de declínio

moral, cultural e espiritual desde então) e suas consequências

(globalização, secularismo, igualitarismo etc.).

Matthew Goodwin, em artigo (2019) a respeito da apropriação de

temas do período medieval pela extrema-direita mundial, descreve que a

adoção desses símbolos tem como objetivo.


vitalizar sua concepção de como o mundo deveria ser em oposição a como eles o

veem. Eles veem o período medieval como uma época de pureza racial, onde a Europa era

habitada em grande parte ou apenas por europeus de etnia branca.  Este período é

nostalgicamente mitificado como uma “idade de ouro” que foi perdida devido a décadas de

políticas liberais de imigração, implementadas em grande parte por elites de esquerda e

globalistas, incluindo neoconservadores.

Além do elemento étnico e nativista, há o componente religioso, a

reafirmação da masculinidade e o mito do herói. “Deus Vult” – Deus

quer – faz referência ao grito do povo em resposta ao papa Urbano II

quando foi anunciado o início da Primeira Cruzada pelo pontífice (1095)

e agrega, para os extremistas, noções de defesa do Cristianismo contra

ameaças externas (o islamismo, por exemplo), o culto à força, virilidade

e propensão à guerra do ser masculino.

Dentro deste pensamento místico, membros da extrema-direita se

211
enxergam como novos Cavaleiros Templários - e acreditam que suas

ações (consequentemente os resultados delas, não importando os meios

utilizados) estão conectadas com a vontade de Deus e, desta forma, são,

segundo eles, moralmente superiores aos seus opositores. Sociedades

esotéricas do século XIX e XX também utilizaram esses símbolos e

lemas, como a Sociedade Thule, que formou a doutrina mística racista

subjacente do partido nazista.

Rabanetes (radish)
Imagens de rabanetes (em inglês, radish) são utilizadas para

reafirmar a identidade, com orgulho, de ser um radical e, na maioria das

vezes, racista. Do latim  radix, que significa “raiz”, muitos

supremacistas utilizam o “rabanete” para enviarem suas mensagens de

212
forma codificada. No site Radish Mag , o autor faz revisionismo

213
histórico da escravidão (Slavery Reconsidered ), indica pensadores

reacionários e as teorias da Nouvelle Droite (Metapolitical

214 215
Dictionary ), de Julius Evola (Men among the ruins ) e justifica o

massacre cometido pelo terrorista de extrema-direita norueguês Andrew


216
Breivik (Breivik’s Norway ). Outro supremacista, o criador do site

Alternativeright.com, também utiliza o radix para nomear seu blog217.


No Brasil, Filipe G. Martins, membro do núcleo do governo já

compartilhou imagem de rabanetes (só a imagem e sem texto algum) em

218
suas redes sociais .

Red Pill
Metáfora retirada do filme Matrix, a red pill – pílula vermelha – se
refere “ao processo de alguém despertar para a verdade de algum

aspecto da realidade”. Criada pelo neorreacionário Mencius Moldbug, a

metáfora ganhou maior destaque no movimento “Manosphere and Men’s

Rights”, notavelmente após o lançamento de “r/TheRedPill” em outubro

de 2012, um subfórum no site Reddit.com que tem um grau de

sobreposição com a alt-right. O processo de ser “redipilado” desde

então se tornou um termo altamente popular em toda a direita

alternativa para se referir ao processo de suposto esclarecimento sobre

questões como o islã, judaísmo, ou que uma suposta elite de esquerda

liberal pretende dominar e escravizar o mundo.

Sinal de OK com as mãos


Em 2017, um usuário de um chan anunciou uma “Operação O-

KKK”, pedindo a outros membros para inundarem as redes sociais,

alegando que o sinal de OK era um símbolo da supremacia branca.

Chegaram a criar um gráfico indicando que três dedos levantados seriam

relativos à letra W, e a junção do polegar com o dedo indicador seria

relativa à letra P. Era uma trollagem. Porém, grupos realmente

supremacistas brancos se apropriaram do símbolo. Hoje em dia, para

analisarmos se o gesto remete a supremacistas ou não, o ideal é

verificarmos o histórico dos indivíduos que fazem o gesto.

88
O símbolo 88 refere-se a “Heil, Hitler” (HH), sendo a letra H a

oitava letra do alfabeto.

Bandeira Confederada
A bandeira utilizada pelos estados do sul dos EUA durante a Guerra

Civil foi apropriada principalmente por grupos supremacistas e se refere

ao conceito de supremacia branca e a herança do sul, além de celebrar o

passado de escravidão e racismo.

Blut und Boden


A expressão faz referência, em alemão, ao slogan “sangue e solo”,

denotando a mensagem de que os brancos são mais conectados ao “solo

americano”.

Snowflake
Retirado de um  monólogo do  filme Clube da Luta  («Você não é

especial. Você não é um lindo e único floco de neve»), sugere que o

interlocutor tem uma noção equivocada de se achar singular, é

excessivamente emocional e que se sente ofendido com tudo, sendo

incapaz de lidar com opiniões contrárias. É bastante utilizado pelos

influenciadores praticantes do trolling, que lançam suas mensagens

ofensivas para capturar a atenção e amplificar o alcance com as reações

e depois argumentam que as pessoas se ofendem com qualquer coisa.

São “flocos de neve”.

Valknut
219
É um antigo símbolo nórdico que frequentemente representava a

vida após a morte em esculturas e desenhos (imagem de três triângulos

entrelaçados). Regularmente, eles usam isso como um sinal de que estão

dispostos a dar suas vidas a Odin, geralmente na batalha.

109/110
O número 109 é uma abreviatura numérica da supremacia branca

para o número de países dos quais os antissemitas afirmam que os

judeus foram expulsos.  Ao pedir a expulsão dos judeus dos EUA, eles

costumam se referir aos país americano como o 110º (ADL).

Beta
220
O termo “beta” – oriundo de estudos da etologia – foi cooptado

pela alt-right e extremistas e passou a ser utilizado como um termo

para caracterizar, de forma pejorativa, qualquer homem que não seja um

“macho alfa”, assertivo e autoritário, seja com mulheres ou na vida em

sociedade. A manosfera popularizou o termo.

13/52 e 13/90
São códigos numéricos racistas usados por supremacistas brancos

para retratar os afro-americanos como selvagens e criminosos.  Os

supremacistas brancos afirmam que os negros representam apenas 13%

da população dos Estados Unidos, mas cometem 52% de todos os

assassinatos e 90% de todos os crimes inter-raciais violentos (ADL).

Sharia branca
A “sharia branca” defende a submissão das mulheres aos moldes da

sharia islâmica. Segundo os propagandistas altrighters como Andrew

221
Anglin , “as mulheres não têm o conceito de raça pois é muito

abstrato para seus cérebros simples.  Elas têm o conceito de serem

engravidadas pelo macho dominante”. A sharia branca se sobrepõe a

outros conceitos e teorias do ecossistema da far-right, nos quais

misturam teorias como “genocídio branco”, demografia e a aversão às

pautas ligadas ao feminismo: “Temos que privar as mulheres do sufrágio

222
e da maioria, senão de todo o poder político, jurídico e econômico” .

14
É uma abreviação numérica para o slogan da supremacia branca

conhecido como as “14 Palavras”: “Devemos assegurar a existência de

nosso povo e um futuro para as crianças brancas” (ADL).

18
É um código alfanumérico de supremacia branca para Adolf Hitler (1

= A e 8 = H).  É mais comumente associado ao grupo da supremacia

branca britânica Combat 18 (ADL).

Antirracista
Antirracista é uma palavra-código para o “antibranco”, um slogan
racista que se tornou popular entre os supremacistas brancos em meados

dos anos 2000.  Representa uma tentativa de refutar as acusações de

racismo (ADL).

ZOG
ZOG é um acrônimo da supremacia branca para “Governo Ocupado

por Sionista”, que reflete a crença comum da supremacia branca de que

o governo dos EUA é controlado por judeus. Isso resultou em slogans


da supremacia branca como “Smash ZOG”, “Kill ZOG” ou “Death to

ZOG” (ADL).

(((Eco)))
Três parênteses ao redor do nome de uma pessoa para indicar que ela

é judia ou, quando usado em torno de uma frase ou termo, como

(((banqueiro))), para implicar que a palavra “judeu” deve ser adicionada

a ele (ADL).

Laço
O laço do carrasco, um símbolo conectado ao linchamento, é uma

das marcas utilizadas pelos racistas dirigidos principalmente aos negros

(ADL).
Pepe, the Frog
Pepe, o Sapo, era um personagem de quadrinhos de Matt Furie, e

desde 2015, os últimos anos, foi apropriado pela alt-right e também

por supremacistas brancos, particularmente aqueles que o usam em

contextos racistas e antissemitas (colocam suásticas no sapo, por

exemplo) (ADL).

6MWE
Utilizado por grupos neonazistas e supremacistas (alguns invasores

do Capitólio como os membros do grupo terrorista Proud Boys

portavam camisetas com este símbolo) é uma referência antissemita aos

judeus mortos no Holocausto. Significa “6 milhões não foram

suficientes ”.

SJW
Abreviação para “Guerreiros da Justiça Social” (Social Justice

Warrior), termo pejorativo utilizado pelos altrighters contra

indivíduos, leis e propostas que visam garantir e ampliar a manutenção

de princípios liberais basilares como respeito à dignidade humana,

proteção de minorias, Estado de Direito, separação de poderes e

liberdade de imprensa. Tentam atingir aqueles que defendem os

princípios liberais, acusando-os de estarem apenas preocupados com

validação pessoal e uma suposta sinalização de virtude.

Cuckservative
Uma definição de cuckservative é alguém que é de direita e se

opõe à supremacia branca de acordo com  Richard Spencer,  enquanto

que parte da alt-rigth utiliza o termo para expressar desprezo pelos

conservadores convencionais.

Happy Merchant
The Happy Merchant é um meme antissemita muito comum

popularizado pela direita alternativa, representando uma pessoa com

características exageradas de estereótipos judaicos (nariz e mãos

agudas), destinado a transmitir um “judeu ganancioso” (ADL).

PC
Abreviação para o termo “politicamente correto”.

Honey badger don’t care


O texugo de mel, ou ratel, é um animal conhecido por sua ferocidade

e temperamento destemido. Em 2011, um vídeo no YouTube chamado

“The Crazy Nastyass Honey Badger” viralizou no canal (quase 100

milhões de visualizações), no qual há imagens do animal enfrentando

serpentes, leões e outros animais. “O texugo de mel não dá a mínima” se

tornou slogan da alt-right através de Steve Bannon e o Breitbart. O

assessor do presidente, Filipe G. Martins, compartilha em suas redes

sociais o slogan e imagens do animal – atacando outros – de forma

recorrente.

Nas redes sociais e em manifestações públicas (como, por exemplo,

na recente invasão ao Capitólio por grupos extremistas apoiadores do

candidato perdedor do pleito, Donald Trump), a frequência e o uso

desses símbolos variam de intensidade, e a maior parte dos usuários das

redes não percebem as referências e o real significado deste. Ao mesmo

tempo, extremistas e radicais reforçam a identidade de grupo e

conseguem atrair mais jovens para a radicalização. Alguns jovens

passam a compartilhar a linguagem memética e os símbolos e slogans


porque querem transgredir, mas acabam sendo radicalizados conforme

passam a pesquisar sobre os conceitos divulgados pelos grupos. A

presença de símbolos nórdicos e narrativas heroicas também é constante.

De acordo com uma das pesquisas da Dra. Cynthia Miller-Idriss

denominada The Extreme Gone Mainstream:


Commercialization and Far Right Youth Culture in
Germany (2018), “mitos e ideias míticas são utilizados para ajudar os
indivíduos a navegar na incerteza e na imprevisibilidade da vida

moderna. Mas também ajudam a motivar e mobilizar os nacionalistas

em potencial”. As mensagens dos extremistas chegam, de forma

dissimulada, a todas as partes do mundo. A empresa de vendas on-line,

223
Amazon, precisou retirar de seu site artigos com estampas do

símbolo “6MWE”. Além disso, quando há a denúncia dos símbolos

utilizados, os extremistas justificam com o argumento de que era uma

ironia ou que estavam apenas brincando.

Porém, às vezes um rabanete não significa apenas um rabanete.

Bibliografia – Capítulo 6
ANDERSON, Ken. Hitler and the Occult. Amherst, New York-USA: Prometheus Books,
1995.

EXTREME Right Wing symbols, numbers and acronyms. North West Counter
Terrorism Unit. Disponível em:

https://www.trafford.gov.uk/residents/community/community-safety/docs/extreme-right-wing-

symbols.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.

GOODWIN, Matthew. Mythologizing the Medieval: Ethnonational symbolism by far-right

extremists. The Partnership for Conflict, Crime and Security Research.


Novembro de 2019. Disponível em: https://www.paccsresearch.org.uk/blog/mythologizing-

the-medieval-ethnonational-symbolism-by-far-right-extremists/. Acesso em: 10 out. 2020.

MILLER-IDRISS, Cynthia. What Makes a Symbol Far Right? Co-opted and Missed Meanings

in Far-Right Iconography: Online Actions and Offline Consequences in Europe and the US.

Research Gate. Dezembro de 2018. Disponível em: DOI 10.14361 / 9783839446706-

009. Acesso em: 10 out. 2020.

MILLER-IDRISS, Cynthia. The Extreme Gone Mainstream:


Commercialization and Far Right Youth Culture in Germany. New

Jersey: Princeton University Press, 2018.

WENDLING, Mike. Alt Right: From 4chan to the White House, London: Pluto
Press, 2018.
211. Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, conhecida

como  Cavaleiros Templários,  Ordem do Templo, foi uma  ordem militar  de  Cavalaria. A

organização existiu durante cerca de dois séculos na  Idade Média  (1118-1312), tendo sido

fundada no rescaldo da  Primeira Cruzada  de 1095, com o propósito original de proteger

os cristãos que voltaram a fazer a peregrinação a Jerusalém após a sua conquista.

212. Disponível em: https://radishmag.wordpress.com/about/.

213. Disponível em: https://radishmag.wordpress.com/2013/01/25/slavery-reconsidered/.

214. Disponível em: https://radishmag.wordpress.com/2013/01/18/metapolitical-dictionary/

215. Disponível em: https://radishmag.wordpress.com/2013/05/10/men-among-the-ruins/

216. Disponível em: https://radishmag.wordpress.com/2013/07/05/breiviks-norway/

217. Radix Journal. Disponível em: https://radixjournal.com/.

218. Disponível em: https://twitter.com/filgmartin/status/113588533207811

2774/photo/1

219. A fonte para a maior parte da iconografia explicada neste capítulo foi o site da liga

antidifamação Hate on Display™ Hate Symbols Database (ADL).

220. Etologia é o estudo científico a respeito do comportamento de animais.


221. “White Sharia and militante White Nationalism”. Disponível em:

https://www.splcenter.org/fighting-hate/extremist-files/individual/andrew-anglin.

222. Sacco Vandal é um supremacista branco editor do site VandalVoid e que colabora em

diversos outros sites da alt-right.


223. “Neo-Nazi Shirts Worn by Proud Boys Supporters Sold on Amazon”. Ver em:

https://www.newsweek.com/nazi-amazon-proud-boys-holocaust-1555192.
Capítulo 7

Crer e destruir:

as teorias da conspiração e a erosão da


confiança nas instituições liberais

A experiência pessoal do forte sentimento de


verdade, da convicção inabalável, da experiência
radical de que vale muito a pena lutar – e até
matar e morrer – por algo maior do que nossa
miséria política, muitas vezes faz com que
transgridamos o âmbito dessa experiência pessoal
para nos lançarmos firmemente em uma
expectativa de caráter totalizante e de exclusão
de tudo aquilo que atrapalha a realização no
nosso projeto mental no mundo. Pode até dar a
impressão de um caráter heroico e maduro, mas
pode também revelar nossas piores e profundas
fraquezas.
De todo modo, uma coisa é certa: esse tipo de
dogmatismo não escolhe ideologias.

Francisco Razzo

Andrine Johansen, uma jovem de 17 anos, estava tomando seu café

com outros amigos no chalé do acampamento do qual participavam

dezenas de outros jovens entre 14 e 21 anos. De repente, o som de

muitos tiros e gritos ecoou pelo local de paisagem idílica.


Ela e muitos outros fugiram pela encosta íngreme até uma casa de

bombas ainda sem entenderem o que ocorria. Aqueles que buscaram

refúgio no local ligaram para casa, mas muitos não conseguiram falar –

as linhas telefônicas estavam congestionadas.  Apesar de alguns minutos

sem estouro de tiros, ela achou que a casa da bomba se tornou um

esconderijo pior. Então, se afastou um pouco mais, em direção a uma

rocha. Minutos depois, um homem se apresentou como policial:

- Alguém o viu? Sou um policial, o autor do crime ainda está

foragido, mas tenho um bote salva-vidas por perto.

Alguns jovens responderam e pediram evidências.

Anders Breivik, então, reiniciou o massacre. E, como se estivesse

numa caçada, procurou e atirou em todos aqueles jovens que ele nunca

havia visto anteriormente.

A jovem Andrine Johansen levou um tiro no peito e caiu no lago.

Segundo seu próprio depoimento: “senti uma pressão de ar no peito e

percebi que havia levado um tiro.  O sangue subiu por minha garganta e

tive medo de me afogar em meu próprio sangue”. Enquanto ainda estava

na água, viu Breivik assassinar mais 13 amigos; um deles, ela conta, teve

a arma afastada apenas 25 cm de sua cabeça. O último amigo que ela

veria ser assassinado foi aquele que lhe salvou a vida. O terrorista de

extrema-direita atirou mais duas vezes em Andrine. Na primeira, a bala

atingiu seu suéter de raspão, mas, na segunda vez, o seu amigo Henrik

Rasmussen (18 anos) se jogou em sua frente e recebeu os projéteis,

morrendo em seus braços enquanto Breivik sorria. Pouco antes de ser

resgatada, ela rastejou até os mortos perto da casa da bomba.  Procurou

por outro amigo, seu melhor amigo. Eles combinaram, enquanto

corriam, que se fingiriam de mortos se o perpetrador do massacre os

descobrisse.

– Eu disse a ele que ele poderia parar de se fingir de morto agora.

Que o perpetrador se foi e que estávamos seguros.

Mas seu melhor amigo também estava morto.


Andrine foi uma das poucas vítimas sobreviventes do atentado

ocorrido na Noruega (Oslo) em 2011, executado por um terrorista de

extrema-direita, Anders Breivik, que matou 77 pessoas e deixou dezenas

de feridos.

Em 22 de julho de 2011, o norueguês de 32 anos detonou um carro-

bomba em Oslo, nas proximidades de prédios do governo e do gabinete

do primeiro-ministro, matando oito pessoas. Em seguida, dirigiu até um

acampamento de verão da juventude do Partido Trabalhista norueguês

no poder e fuzilou 69 jovens (a maioria, filhos e parentes de políticos

ligados ao Partido Trabalhista). Antes de cometer o massacre, Breivik

compartilhou em redes sociais um longo manifesto, com mais de 1.500

páginas, intitulado “2083 – a European Declation of Independence”

(2083 – Uma declaração de independência da Europa).

Durante o período de incertezas a respeito do atentado terrorista,

blogs e sites de mídia de extrema-direita chegaram a exultar o

acontecimento, sugerindo que o assassinato em massa havia sido

224
executado por algum jihadista salafita . Seria, desta forma, uma

comprovação dos conceitos e conteúdos compartilhados nesses espaços,

como, por exemplo, no blog holandês (de alcance internacional) Gates

225 226
Of Vienna . Nomeado em referência à Batalha de Viena (1683) ,

quando forças polaco-austro-alemães impediram o avanço do exército do

Império Otomano e reforçaram a hegemonia política da dinastia dos

227
Habsburgos, o blog concentra textos dos principais contrajihadistas

da far-right mundial e um dos blogueiros (que escrevia sob o

pseudônimo Fjordman) foi citado dezenas de vezes no manifesto do

assassino norueguês Anders Breivik.

Quando houve a prisão do terrorista, a confirmação de que se tratava

de um norueguês de extrema-direita causou surpresa no mundo inteiro

pelo fato de toda a atenção em relação a ataques terroristas estar, desde o

11 de Setembro, focada em grupos islâmicos (jihadistas). Porém, após o

atentado em Oklahoma City (1995), centros de pesquisa e


228
monitoramento de extremismo e terrorismo já apontavam para o

crescimento exponencial de ataques terroristas oriundos de “lobos

solitários” ou de grupos ligados à extrema-direita.

229
Nos EUA, desde 2014, o maior índice de atentados terroristas é

executado por grupos de extrema-direita (supremacistas e

antigovernamentais em especial). Em comum nos atentados, a

motivação: uma vasta sobreposição de conceitos radicais e extremistas

de direita e teorias conspiratórias.

Massacre em Charleston (2015 – Carolina do


Sul/EUA (tradicional igreja de afro-americanos)
• Idade do assassino: 21 anos;

• Mortos: 9;

• O assassino era administrador de um site supremacista e neonazista,

escreveu manifesto contra negros e outras etnias e confessou que queria

iniciar uma guerra racial. Foi considerado culpado e recebeu pena de

morte além de nove perpétuas.

Atentado à Sinagoga (2017 – Pittsburg –


Pensilvânia/EUA)
• Idade do assassino: 46 anos;

• Mortos: 11;

• O assassino era antissemita e chamava imigrantes de “invasores”,

acreditava na teoria da conspiração “The Great Replacement” (A

Grande Substituição).

Atentado em Gilroy (2019 – Califórnia/EUA)


• Idade do assassino: 19 anos;

• Mortos: 3;

• O assassino é declaradamente supremacista branco;


• O livro Might Is Right230 – banido em vários países – era

constantemente celebrado por ele.

Atentado em Dayton – Ohio – EUA -2019


• Idade : 24 anos.

• Mortos : 9

• O assassino postou manifesto supremacista, no qual defende a teoria

conspiratória “Great Replacement” divulgada pela far-right e PRRP

(Populists Radicals Right Parties – Partidos Populistas de Direita

Radical), e ainda critica a invasão hispânica nos EUA.

Massacre em El Paso (03/08/2019 – Texas/EUA)


• Idade do assassino: 21 anos;

• Mortos: 22;

• O assassino postou manifesto supremacista, defende a teoria

conspiratória “Great Replacement” e fez elogios ao assassino da Nova

Zelândia.

Na Nova Zelândia, em 2011, o mundo assistiu ao vivo o australiano

Brenton Tarrant assassinar 51 pessoas que oravam em mesquitas ou nas

proximidades em Christchurch. Tarrant filmou a execução – imitava um

jogo de videogame e posicionou câmeras nos canos dos fuzis que

utilizou – e compartilhou como live em seu Facebook. O assassino

também publicou um manifesto que compartilhava das mesmas teorias e

conceitos do compêndio do terrorista norueguês. Em suas armas –

metralhadoras e fuzis -, a polícia encontrou inscrições que remetiam a

batalhas históricas (como a Batalha de Viena) e referências ao exército

sérvio que comandou o massacre de bósnios muçulmanos em

231
Srebrenica , na antiga Iugoslávia, em 1995.

Tropos e conceitos semelhantes são encontrados nas motivações e

manifestos da maior parte dos terroristas de extrema-direita: Anders

Breivik, por exemplo ,


criou sua própria Cruzada, em pleno século XXI e se autodenominava o Comandante dos

Cavaleiros Templários da Europa e um dos muitos líderes do Movimento de Resistência

Patriótica da Europa Nacionalista (MEDEIROS e VALENTE, 2011).

Segundo Ramon Spaaij (2009), “muitos terroristas ‘lobos solitários’

recorrem a comunidades de crenças e ideologias de validação geradas e

transmitidas por movimentos extremistas”.

Essas pessoas, em geral, sofreram processos de radicalização a partir

de um conjunto de crenças que lhes forneciam recompensas

psicológicas, sentimento de pertencimento ao grupo, a impressão de

obter respostas simples para questões complexas (mas, na verdade, uma

espécie de pensamento mágico) e para aflições e frustrações pessoais

perante o processo de modernização das sociedades (como a

globalização), conceitos teóricos com visões apocalípticas, além de

discursos que introduzem um sentido de urgência.

Bartlett e Miller (2011), dois estudiosos do tema, afirmam que esses

“lobos solitários”, na verdade, são parte de um “ecossistema digital” no

qual há influência reversa – tanto são influenciados pelos conceitos

compartilhados como influenciam grupos mais amplos, produzindo

também fenômenos de mimetização, como foi o caso do ataque em Oslo

que produziu efeito cópia em diversas partes do mundo.

Conforme mencionado anteriormente, conceitos da extrema-direita

vêm, desde os anos de 1990, passando por uma suavização da retórica

de forma a dissimular o teor radical e extremista e esvaziar a

estigmatização. Com a internet, esses conceitos eufemizados e

camuflados tiveram alcance ampliado de forma transnacional.

Nessa comunidade de crenças, funde-se e há a sobreposição de

conceitos mais antigos – que povoam o imaginário da extrema-direita

desde o iluminismo – com teorias e proposições mais recentes de reação

à ordem liberal vigente desde o fim da Segunda Guerra Mundial,

produzindo centenas de teorias conspiratórias que sofrem adequação

conforme os fatos contemporâneos ocorrem.


Nos manifestos de Breivik e Tarrant, por exemplo, há um

conglomerado de posições antimulticulturalistas, anti-islã,

antiglobalistas e antielitistas colados por pensamento de conspiração

junto a conceitos do etnopluralismo – criado pela Nouvelle Droite (e


reutilizado pela direita radical do mundo inteiro, como pelos

paleoconservadores e paleolibertários).

O etnopluralismo é, segundo Minkenberg (2002):

uma estratégia defensiva contra a imigração e a incompatibilidade cultural, a partir

da construção de uma filiação nacional, na qual critérios étnicos, culturais ou religiosos são

acentuados e condensados em ideias de homogeneidade coletiva, ligados a modelos

políticos autoritários.

Isso serve como um disfarce para discursos racistas, xenofóbicos e

antiliberais, além de reforçar conceitos reacionários da direita radical e

extrema que expressam um retorno à tradição, às comunidades

homogêneas e aos valores culturais (sistemas patriarcas e hierárquicos)

que foram destruídos, segundo seus crentes, pelo liberalismo.

232
Segundo um site extremista de um grupo defensor da tese,

o etnopluralismo é uma teoria diferente, uma que não se submete às mentiras do grande

“caldeirão” (ou crisol de culturas) que o establishment tenta nos enganar a acreditar. O

princípio fundamental dessa ideologia mais realista é o entendimento de que não há

igualdade entre humanos. Um alemão e um inglês não podem ser embutidos nas mesmas

categorias de um africano subsaariano ou um chinês. Isto se deve por grupos étnicos terem

diferentes elementos genéticos e características resultantes de milhares de anos de

desenvolvimento segregado. Até mesmo entre europeus, há substanciais diferenças entre,

por exemplo, um sueco e um grego nativo. Estas diferenças por sua vez, explicam, em certa

medida, as grandes disparidades entre culturas de diferentes grupos étnicos. A antiga

cultura japonesa não poderia ter sido fundada senão por nativos japoneses, assim como a

cultura francesa e alemã não poderia ter sido criada senão por europeus étnicos.

O etnopluralismo é uma teoria utilizada tanto por grupos

expressamente supremacistas (movimento identitário da Europa e

influenciadores da alt-right como Richard Spencer) neonazistas como

por políticos populistas de direita radical (Marine Le Pen e Geert

Wilders), Aleksandr Dugin e pensadores paleoconservadores (Sam

Francis).
Posicionar-se como um defensor do etnopluralismo cria uma falsa

ilusão de que não há conteúdo e motivação racial e/ou nacionalista, que

seus defensores são apenas indivíduos protegendo valores, tradições,

soberania e cultura de seus povos frente à suposta ofensiva das elites

liberais globais que pretendem, com o multiculturalismo, aniquilar

valores supostamente não ocidentais e homogeneizar sociedades (o que

é um paradoxo visto que estes grupos sustentam a defesa de

comunidades homogêneas e condenam a introdução de indivíduos

étnico-culturais distintos do grupo).

Junto ao etnopluralismo, a far-right utiliza os conceitos de

metapolítica da Nouvelle Droite, a “primazia da cultura sobre a

política como premissa para uma revolução no espírito do Gramscismo

de direita”  (Griffin, 2010) que posteriormente alimentaria a ideia de

“Guerra Cultural” ao afirmar que Gramsci executou uma estratégia de

terrorismo e dominação cultural de esquerda marxista e que a única

forma de combater a degeneração da civilização ocidental, causada pelo

marxismo e o liberalismo, seria através da criação de uma

contrarrevolução cultural ampla – ideológica,  simbólica e linguística.

Para os “guerreiros culturais” da direita radical e parte da extrema-

direita, a hegemonia cultural deve preceder a hegemonia política, e esta

batalha (contra o marxismo cultural), para eles, ganha contornos

metafísicos, sendo uma guerra espiritual. Eles buscam hegemonizar uma

ideologia tradicionalista, nacionalista e hierárquica norteadas por

preceitos religiosos. Segundo o cientista político Samuel Salzborn

(2016), essa ideologia expressa muito da “revolução conservadora da

República de Weimar” (que forneceu bases ideológicas para o nazismo).

Em 1992, o paleoconservador Pat Buchanan proferiu um discurso na

Convenção Nacional Republicana no qual afirmou que:

Há uma guerra religiosa acontecendo em nosso país pela alma da América. É uma guerra

cultural, tão crítica para a nação que um dia será como a própria Guerra Fria.
Avanços nos direitos e liberdades individuais frutos do liberalismo e

da própria modernização da sociedade – como o casamento gay, lei dos

direitos civis e questões ligadas à proibição ou não da prática do aborto

– entram em conflito com as crenças religiosas e os valores morais

(supostamente superiores de acordo aos tradicionalistas) dos cidadãos

cristãos. É um conflito de visões de mundo entre “aqueles para quem a

religião tornou-se a força mais poderosa em suas vidas e aqueles cuja

visão do mundo é principalmente secular” (HUNTER e WOLFE, 2006).

Para Buchanan (2001),

A última consequência de um Cristianismo moribundo é um povo moribundo.  Nenhuma

nação pós-cristã tem uma taxa de natalidade suficiente para mantê-la viva... A morte do

cristianismo europeu significa o desaparecimento da tribo europeia, uma perspectiva visível

nas estatísticas demográficas de todas as nações ocidentais.

Percebe-se, portanto, em seus discursos que, apesar da proposição

tentar forjar uma nobreza moral e espiritual, o cerne de suas ideias é

muito mais uma questão racial do que uma busca pela transcendência

tão cara aos conservadores tradicionalistas radicais.

A guerra cultural é também uma resposta a outra teoria

conspiratória, a do marxismo cultural – que faz intercâmbio com a

proposição da Nouvelle Droite a respeito do “gramscismo cultural”.

Segundo essa teoria, além de Gramsci, a Escola de Frankfurt, formada

por filósofos neomarxistas – maioria judeus, o que demonstra o cunho

antissemita da teoria (Adorno, Marcuse e outros) – pretendiam, através

da infiltração de suas teorias em meios acadêmicos e culturais,

escravizar e dominar a mente das pessoas de forma sutil e introduzir

ideias que minam – segundo eles – a civilização ocidental judaico-cristã,

como, por exemplo, o homossexualismo e o multiculturalismo. A partir

desta premissa, afirmam que o marxismo cultural produziu o

“politicamente correto”, que seria outra forma de domínio e

homogeneização do pensamento. Essas elites intelectuais seriam,

portanto, os agentes da “degradação moral” das sociedades. E apesar de

algumas considerações dos pensadores da Escola de Frankfurt, em


especial, aquelas relativas à cultura de massa e consequente atomização

da sociedade, estarem presentes no cerne das alegações e argumentos

dos próprios divulgadores da teoria conspiratória “marxismo cultural”,

isso não os impede de propagandear a tese conspiratória.

As primeiras propagações – com amplo alcance – dessa teoria

ocorreram a partir do conspiracionista americano de extrema-direita,

Lyndon LaRouche, ainda nos anos de 1970. Em 1974, LaRouche

mencionou a Escola de Frankfurt pela primeira vez (King, 1989), e em

1989, afirmou que ele próprio seria um defensor da civilização ocidental

que “estava prestes a entrar numa nova Idade das Trevas”. Um membro

de seu instituto, Michael J. Minnicino, publicou, em 1992, um artigo

baseado nas teses compartilhadas por LaRouche, A Nova Idade das


Trevas: A Escola de Frankfurt e a Correção Política233, que

paleoconservadores como Pat Buchanan,   Paul Weyrich e William S.

Lind  iriam popularizar nos EUA, e o filósofo Olavo de Carvalho – com

seus alunos – repetiriam o feito no Brasil.

Segundo Minnicino, que após os atentados terroristas ocorridos na

Noruega se desculpou publicamente, uma conspiração política formal

popularizou teorias que haviam sido feitas de forma deliberada para

destruir a alma da civilização ocidental judaico-cristã (que encontrara

sua “idade de ouro”, seu ápice, na Renascença), afastando os indivíduos

da “verdade universal” e afirma que

essa conspiração foi decisiva para planejar e desenvolver, como meio de manipulação

social, as novas e vastas indústrias irmãs de rádio, televisão, cinema, música gravada,

publicidade e pesquisas de opinião pública.  O domínio psicológico generalizado da mídia

foi propositalmente fomentado para criar a passividade e o pessimismo que afligem nossas

populações hoje.  Tão bem sucedida foi esta conspiração,  que se tornou incorporado em

234
nossa cultura; não precisa mais ser uma “conspiração”, pois ganhou vida própria .

Os principais culpados por essa trama malévola, diz Minnicino,

seriam os membros do think tank ISR:


O único e mais importante componente organizacional dessa conspiração foi um thinktank

comunista chamado Instituto de Pesquisa Social (ISR), mas popularmente conhecido como
235
Escola de Frankfurt .

A solução proposta por Minnicino seria uma oposição ao mundo

moderno e um retorno para um tipo de sociedade pré-iluminista:

Os princípios pelos quais a civilização ocidental judaico-cristã foi construída não são mais

dominantes em nossa sociedade;  eles existem apenas como uma espécie de movimento de

resistência subterrâneo. Se essa resistência for finalmente submersa, então a civilização não

sobreviverá – e, em nossa era de doenças pandêmicas incuráveis e armas nucleares, o

colapso da civilização ocidental muito provavelmente levará o resto do mundo com ele para

o Inferno. A saída é criar um Renascimento.  Se isso soa grandioso, é, no entanto, o que é

necessário.  Um renascimento significa começar de novo;  descartar o mal, e desumano, e

simplesmente estúpido, e voltar, centenas ou milhares de anos, às ideias que permitem que

a humanidade cresça em liberdade e bondade. Depois de identificar essas crenças centrais,

podemos começar a reconstruir a civilização. Em última análise, uma nova Renascença

dependerá de cientistas, artistas e compositores, mas no primeiro momento, depende de

pessoas aparentemente comuns que defenderão a centelha divina da razão em si mesmas e

não tolerarão menos nos outros.  Dados os sucessos da Escola de Frankfurt e de seus

patrocinadores da Nova Era das Trevas, esses indivíduos comuns, com sua crença na razão

236
e na diferença entre o certo e o errado, serão “impopulares” .

Apesar de críticas públicas contra as ideias de LaRouche e membros

de seu instituto, Olavo de Carvalho foi o principal propagandista da

teoria conspiratória do marxismo cultural no Brasil e, em 2019, ela

chegou, através de um seguidor de Olavo de Carvalho, ao alto escalão do

governo Bolsonaro. O economista Murilo Resende foi nomeado pelo

presidente da República para o cargo de Diretor de Avaliação de Ensino

237
Básico do INEP , no entanto, ocupou o cargo por apenas 24 horas.

Pouco antes, Resende havia publicado trechos traduzidos do artigo de

Minnicino em um site
238
bolsonarista e incluído em seu lattes como

239
publicação própria. Acusado de plágio , foi exonerado no dia seguinte.

Um propagandista da teoria conspiratória saiu do governo, no entanto, a

crença no “marxismo cultural” persiste e alimenta a mentalidade do

núcleo principal que acredita estar numa missão divina executando a

“guerra cultural” que salvará a civilização ocidental judaico-cristã.

Esta crença permeia também o imaginário do terrorista norueguês,

Anders Breivik. Em seu manifesto, a teoria do marxismo cultural

compreende todo o primeiro capítulo. Para Breivik, a civilização


ocidental (leia-se brancos) está sendo exterminada pelo

multiculturalismo, imigração, miscigenação e o “marxismo cultural” é o

causador desse suposto “genocídio branco”. Não por acaso, os alvos do

massacre executado pelo terrorista foram prédios governamentais e os

filhos de membros do partido trabalhista norueguês, os “marxistas”.

Como na maior parte do imaginário da extrema-direita, a teoria

conspiratória do “genocídio branco” também encontra raízes na

sobreposição entre a teoria do marxismo cultural e conceitos racistas. A

240
partir de uma célula terrorista denominada A Ordem , que surgiu nos

EUA inspirada no livro infame The Turner Diaries241, um dos seus

membros publicou diversos tratados ideológicos racistas e antiliberais,

tendo conseguido longo alcance com o “Manifesto do Genocídio

Branco” no qual ele afirmava que integração racial era um eufemismo

para “genocídio branco”. Lane depois resumiu seu manifesto em uma

frase que até hoje é utilizada por indivíduos e grupos de extrema-direita

supremacistas brancos e que foi transformada em símbolo para camuflar

seu teor racista, as “14 palavras”: “Devemos assegurar a existência de

nosso povo e um futuro para as crianças brancas”.

A ação do assassino e a defesa da teoria conspiratória “marxismo

cultural” foi compreendida, e imitada, por outros terroristas de extrema-

direita do mundo inteiro, além de ideólogos ultrarreacionários que

amplificam e propagam não apenas a respeito do marxismo cultural

como produzem suas próprias versões da teoria. Mencius Moldbug,

pseudônimo de Curtis Yarvin, é um deles.

No dia 23 de julho de 2011, em seu blog Unqualified Reservations,

Moldbug começa seu artigo “Terrorismo de direita como ativismo

242
popular” , informando que não iria

perder tempo condenando  Breivik  por ser um assassino político.  Nossa sociedade, de

direita ou de esquerda, não tem qualquer legitimidade para condenar o assassinato político.

Che assassinou o dobro de seus inimigos políticos. Ele é um herói para milhões.


No mesmo artigo, Moldbug afirma que “o terrorismo, à esquerda ou

à direita, é uma tática militar legítima” e ao mesmo tempo, numa clara

dissonância cognitiva, repreende o terrorismo de direita, baseando suas

argumentações em Carl Schmitt:

Por que o terrorismo de esquerda funciona e o terrorismo de direita não? Como Carl

Schmitt explicou em  Teoria do Partidário  , a guerra terrorista, de guerrilha ou

partidária nunca  é  eficaz por si só.  Embora seja uma estratégia militar eficaz, só é eficaz

como um ataque de pinça. O terrorista tem sucesso quando, e somente quando, ele é aliado

do que Schmitt chamou de  terceiro interessado - uma força militar ou política.
Engenheiro de software radicado em San Francisco (EUA), Curtis

Yarvin assumiu o pseudônimo Mencius Moldbug e criou, em 2007, o

seu blog “Reservas não qualificadas” disposto a produzir uma nova

ideologia reacionária, anti-humanista, anti-igualitária e autoritária: a

243
neorreação, ou NRx , que – junto ao paleoconservadorismo –

influencia fortemente a alt-right.


Libertário radical e admirador de Ludwig von Mises, Hans-Hermann

Hoppe, Murray Rothbard, além dos tradicionalistas Thomas Carlyle e

James Burnham, Moldbug propõe uma privatização total do estado e a

liquidação da democracia para a restauração da monarquia, porém os

monarcas deveriam ser diretores executivos (CEOs) – e o autoritarismo

não deveria ser descartado.

Sua aversão ao conservadorismo e liberalismo é tão grande ou maior

quanto aquela que ele devota ao progressismo. Despreza a moderação –

“A moderação não é uma ideologia.  Não é uma opinião.  Não é um

244
pensamento. É uma ausência de pensamento” – e acredita que toda a

história americana foi um experimento social progressista.

Sob influência direta das teorias das elites gerenciais revisitadas por

James Burhamm, Mencius Moldbug defende a tese de que elites liberais

promovem uma universalização do pensamento, um totalitarismo

insidioso que controla toda a opinião pública e, desta forma, a cultura de

toda a sociedade (uma repaginação, portanto, da teoria do marxismo

cultural).
Segundo o neorreacionário, essas elites progressistas não teriam um

comando central, porém, ele denomina essa “casta” imaginária que atua

no controle do pensamento e cultura da população de “a Catedral”.

Para Moldbug, democracia e igualdade política, valores comuns à

esquerda e à direita americanas, são produções fraudulentas da Catedral

(Joshua Tait in SEDGWICK, 2019) e ela – sem rostos ou nomes

definidos – seria o establishment liberal (progressistas e/ou liberais

clássicos), os intelectuais da academia, a imprensa e todos aqueles que

não defendem suas visões reacionárias e autoritárias, pois são devotos

de uma hipot ética “igreja” do politicamente correto. A Catedral é a

verdadeira dona do poder mundial, segundo Moldbug, pois seria aquela

que controla o que nós temos permissão de pensar. Destruir e

desmoralizar “a Catedral” é um dos principais objetivos dos

neorreacionários (isso explica em parte a fixação em esvaziar a

credibilidade da imprensa que os radicais exibem).

No Brasil, a teoria de Mencius Moldbug – A Catedral – é

reproduzida não apenas pelos autodeclarados neorreacionários, mas

também por intelectuais caracterizados por muitos como dentro do

espectro de direita moderada.

No livro A Tirania dos Especialistas, o autor Martim Vasques

da Cunha utiliza a Catedral para reforçar a sua própria repaginação

da teoria conspiratória do marxismo cultural (homônima ao título do

livro):

A diferença essencial entre os guardiães de Platão e os modernos é que os primeiros

pretendiam libertar o homem interiormente enquanto os outros usavam do conhecimento e

da inteligência individual para a construção de um projeto de poder que dominaria e —

mais — alteraria a natureza humana. Atualmente, na nossa era repleta de tecnologia

interconectada e de intervencionismo estatal (...) este projeto de poder se transformou em

uma fortaleza integrada dedicada à expansão das forças progressistas, uma catedral (de

acordo com a terminologia de Mencius Moldbug), que controla absolutamente todas as

instâncias do saber, como as universidades, a imprensa, a cultura e as instituições

governamentais — tudo em função dessa mentalidade totalitária que pretende controlar o

homem a qualquer custo. As consequências disso são terríveis.


A presunção de teóricos neorreacionários como Mencius Moldbug –

que se consideram libertadores do interior dos homens e verdadeiros

conhecedores da natureza humana –, não por acidente, originou a

metáfora do red pill, a pílula vermelha. Escreveu


245
Moldbug em

2009:

Tome um de nossos comprimidos vermelhos – diabos, divida um ao meio – e você estará

em um mundo completamente diferente. 

Infelizmente, nossa pílula vermelha genuína não está pronta para o mercado de massa. É do

tamanho de uma bola de golfe, embora nem de longe tão lisa, e no meio do caminho ela se

divide ao meio e expõe um núcleo de metal de sódio, que queimará sua garganta como um

carvão vivo.  Haverá cicatrizes.  O que podemos dizer?  Isso é o que você ganha por ser um

dos primeiros a adotar.

Quando pensamos em pílulas vermelhas e azuis no mundo real, obviamente, estamos

pensando no estado orwelliano de controle da mente. Não vamos curar  todo


o  seu  cérebro.  Depois do tratamento, por exemplo, você ainda pode ser um fã do Celtics.

Nosso interesse químico está apenas no lobo  político,


Os “redpillados” – aqueles que tomaram a pílula vermelha –

acreditam que estão fora do controle da Catedral e, por isso, enxergam a

“realidade”, entendem aquilo que todos os outros não conseguem

compreender. Cria-se, portanto, uma realidade paralela particular. Essa

crença em imaginar-se sabedor de algo que ninguém mais consegue

compreender e/ou ver atua como um vetor no processo de radicalização

se, por exemplo, essa “realidade redpillada” solicitar que se aniquile

avanços civilizatórios. Se o redpillado tem a sua “verdade” própria,

regras e normas sociais não lhes serão relevantes ou merecerão respeito.

Pensadores e propagandistas da extrema-direita adequam as teorias

conforme desejam; sobrepõem a outras (como a teoria das elites

gerenciais) e criam arcabouços teóricos que levam, inevitavelmente, à

radicalização.

No cerne de todas essas teorias, duas obsessões: a questão racial e

uma rejeição aos princípios liberais. Essas teorias se expandem e se

aglutinam, e cada grupo as utiliza de forma que lhes seja mais

conveniente para reafirmar suas próprias crenças.


A teoria do antiglobalismo está sempre presente nos grupos

radicais e extremistas de direita (também existem correntes de extrema-

esquerda que a utilizam) e, ironicamente, a globalização facilita a

ampliação de suas ideias.

Críticas às consequências do processo de globalização não são

novas. Nos anos de 1980 e 1990, provinham majoritariamente da

esquerda. Argumentavam que

a lógica capitalista subjacente à globalização resulta em relações de poder assimétricas

(tanto interna quanto mundialmente) e no tratamento de todos os aspectos da vida –

incluindo saúde, educação e cultura – como uma mercadoria (FUCHS, 2015).

Em 1999, os protestos em Seattle, que interrompeu a conferência da

OMC (Organização Mundial do Comércio) “são frequentemente vistos

como a inauguração do movimento  antiglobalização” (CASEY-

SAWICKI, 2020). Porém, no ecossistema da direita radical e extrema, as

críticas aos efeitos (bons e ruins) da globalização ganham outros

elementos: ultranacionalismo, racialismo, nativismo e conspiracionismo.

As teorias conspiratórias a respeito da globalização têm raízes na

extrema-direita europeia, no entanto, foi a subcultura radical e

extremista da direita nos EUA, em especial, a alt-right, quem

amplificou mundialmente as retóricas antiglobalização como uma teoria

conspiratória, o globalismo.

O teórico da conspiração Alex Jones, que comandava o

conglomerado de mídia alternativa de direita radical Infowar,

246
publicou em 2014 um vídeo no qual afirmava que o globalismo era

247
um “sistema de controle panóptico digital global projetado por

sombrias elites políticas e corporativas, uma forma total de escravidão; o

Breitbart News – administrado por Steve Bannon – e muitos outros

influenciadores da alt-right também foram agentes propagadores e

alcançaram o mundo inteiro.

Segundo os radicais, o processo de globalização (trocas comerciais,

culturais, econômicas e a diluição de fronteiras) enfraquece o Estado-


Nação e promove um processo de alienação dos povos em relação às

suas culturas, valores ancestrais, perda de identidade, e afirmam que por

trás dessa “destruição da civilização judaico-cristã” estão elites liberais,

elites gerenciais (os globalistas, a Catedral, uma cabala judaica etc.) que

pretendem escravizar de forma sutil as populações, dominar os

pensamentos das pessoas para que aceitem determinados temas (na

verdade, os avanços civilizatórios que protegem minorias e defendem o

respeito à dignidade humana e às liberdades individuais) e usurpar a

soberania das nações e povos.

Caracterizam os globalistas como os marxistas, os banqueiros – mais

uma vez relacionados aos judeus – as big techs, intelectuais da

academia e empresas e profissionais da mídia mainstream.


De forma dissimulada, é uma recriação da antiga teoria da

conspiração “Os Protocolos dos Sábios de Sião” sobreposta ao

nacionalismo, nativismo, à outras teorias como o etnopluralismo e ideias

do tradicionalismo.

O globalismo, portanto, seria uma espécie de marxismo


cultural, porém, ao invés de estar personificado na Escola de

Frankfurt, é simbolizado pelas agências e órgãos supranacionais da

ordem liberal do pós-guerra, o mercado financeiro global e as empresas

proprietárias de grandes plataformas de mídia (como o Facebook e o

Twitter) que pretendem estabelecer uma Nova Ordem Mundial


(utilizam a abreviação NOM no Brasil e NWO em inglês, um sinônimo

para o deep state, o “estado profundo” utilizado por Donald Trump

em seus discursos e em várias outras teorias conspiratórias).

Desde o início dos anos 2000, o globalismo e “as questões sociais

relacionadas tornaram-se novas questões de campanha e propaganda

para extremistas de direita, eles se veem como executores da vontade do

povo” (GRUMKE, 2013) e como os salvadores da soberania e da


cultura que foi “desprezada pelas elites globalistas e destruída pelo

Liberalismo”.

Todos os propagandistas dessa conspiração se esforçam para dar ares

de credibilidade às suas teses e um dos principais argumentos utilizados

é a diferenciação que sempre repetem entre “globalização” e

“globalismo” (como se um conceito fosse independente do outro, pois a

globalização exige, inevitavelmente, acordos, leis em comum e regras

multilaterais, além da defesa dos princípios soberanos da Declaração

Universal dos Direitos Humanos).

A influencer altrighter do site alternativo canadense The Rebel

248
Media, Lauren Southern, em setembro de 2019, postou um vídeo no

qual ela afirmava que globalismo era diferente de globalização, sendo o

primeiro um sinônimo de governança de “autocratas” – exemplificando

com os ex-presidentes dos EUA, Barack Obama e George W. Bush, e as

Organizações das Nações Unidas (ONU) – que, segundo eles, valorizam

“a falsa bandeira da diversidade” e “imigração desenfreada do terceiro

mundo”. Complementou afirmando que

os globalistas quase sempre zombam da tradição, desdenham a cultura nacional, riem da

religião e geralmente desprezam o Ocidente, enquanto mantêm uma afeição assustadora

pelo terceiro mundo. Eles querem fronteiras abertas, mão de obra barata e

antinacionalismo para beneficiar seus negócios e visões políticas, e estão todos muito

dispostos a atrair os pequenos para alcançá-los.

A insistência nessa distinção é mascarar a essência real:

conspiratória, ultranacionalista e étnico-racial, reacionária e antiliberal.

As universidades e órgãos supranacionais ligados à educação (como

a Unesco) também são alvos da teoria assim como partidos políticos

tradicionais. Propagandistas da teoria do antiglobalismo insistem que os

globalistas manipulam conteúdo e propõem reformas para tornar

estudantes mais simpáticos aos temas que – segundo eles – levam ao

“declínio da civilização ocidental”. Um dos livros mais indicados e

aclamados por Olavo, seus alunos e ex-alunos, por exemplo, é o

Maquiavel Pedagogo (BERNARDIN, 2012), no qual o autor afirma


que organizações como a Unesco e a OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estão realizando “uma

revolução pedagógica baseada nos resultados da pesquisa

psicopedagógica”, com o objetivo de modificar valores e

comportamentos nas sociedades através de mecanismos de manipulação

psicológica presentes nas diretrizes desses órgãos.

Em contraposição a essa suposta revolução pedagógica, a direita

radical e extrema defende, com ardor, o homeschooling, rejeita

normas e sugestões das agências supranacionais e tenta criar suas

próprias “academias”. Em artigo de Christopher Minnix (2017) ele

informa que

Fundações importantes como a Heritage Foundation e a John Birch Society têm buscado

seus próprios esforços de educação anti-global.  Esses esforços também são apoiados por

várias organizações de acadêmicos conservadores, alguns dos quais têm conexões com

fontes de notícias de extrema direita.  Um exemplo é o  Dissident Prof, fundado por Mary

Grabar, uma PhD em inglês que escreveu vários artigos para o  Breitbart  sobre educação

global em faculdades e universidades e no Common Core. No entanto, argumentos contra a

educação global também podem ser encontrados em sites conservadores de ensino superior

que apresentam escritos de acadêmicos mais estabelecidos, como o Minding the Campus.

O discurso “antiglobalismo” em âmbito local tem seus alvos

principalmente na esfera política. Personificado nos partidos, nas

instituições de Estado – judiciário e legislativo – e na imprensa livre, o

discurso antiestablishment dos teóricos da conspiração encontram no

antiglobalismo justificativas para intensificarem os assassinatos de

reputação contra a oposição, jornalistas e contra as instituições e seus

agentes responsáveis pelos freios e contrapesos necessários à saúde de

uma democracia liberal.

No Brasil, partidos da esquerda em geral são os denominados como

“globalistas” pelos bolsonaristas, e candidatos de partidos da direita fora

da esfera do bolsonarismo, idem.

João Amoêdo, candidato à presidência da República em 2018 pelo

Partido Novo, foi um dos alvos dessa retórica. Diversos artigos e textos

foram compartilhados na bolha da direita com a afirmação de que


Amoêdo seria um globalista e, portanto, na luta contra

establishment, apenas Bolsonaro seria o nome ideal na disputa

eleitoral:

Como agente da  Desinformatsiya, passa a não ser estranho notar como o “candidato

laranja” tornou-se o queridinho da grande mídia, notoriamente aparelhada pela agenda

globalista mundial. Também faz todo sentido perceber que esquerdistas envergonhados,

isentões e os indecisos da  beautiful people  passaram a se derramar em simpatias pelo

“engomadinho” de fala bonita, que provavelmente nunca pegou um ônibus na vida e não

conhece absolutamente nada do Brasil real. Ora, o esquerdismo/globalismo é um prato

servido exclusivamente para a “elite da bolha”. É evidente o pânico do  establishment  com

249
o fenômeno Bolsonaro .

A nível mundial, a extrema-direita elegeu o filantropo húngaro

George Soros como a encarnação do mal, a face humana do

“globalismo”.

Sobrevivente do Holocausto, o húngaro judeu se exilou em Londres

para fugir do regime comunista, e em 1979, passou a doar bolsas a

250
estudantes negros na África do Sul (vigorava o Apartheid ) e

dissidentes dos regimes comunistas da Europa Oriental. Em 1984, Soros

fundou a organização sem fins lucrativos Open Society Foundations

(OSF), que apoia financeiramente, desde então, projetos e iniciativas em

prol da democracia liberal e direitos humanos e tem o objetivo declarado

de promover a justiça, a educação, a saúde pública e a mídia

independente. O apoio da instituição se estendia a legendas políticas que

lutavam pelo fim do regime comunista na Europa Oriental. Na Hungria,

seu país natal, a OSF patrocinou a legenda Fidesz – partido criado

inicialmente com uma proposta liberal – e muitos membros que

recebiam inclusive bolsas para estudarem no ocidente.

Viktor Orbán, atual primeiro-ministro da Hungria, um dos

fundadores do Fidesz e um nacional-populista autoritário, ganhou uma

bolsa para estudar em Oxford (prestigiada instituição britânica). Após a

queda do regime comunista na Hungria, 1989, George Soros passou a

ser acusado por ultranacionalistas de ter apoiado forças liberais. Neste

período, Orbán e o Fidesz ainda defendiam o filantropo das difamações.


Soros e sua agenda em prol da democracia e dos direitos e liberdades

individuais atraíam inimigos antiliberais à esquerda e à direita:

nacionalistas dos Bálcãs eram contra seu apoio à oposição democrática;

Putin (Rússia), um convicto antiliberal, o demonizava por seu

engajamento pró-democracia na Geórgia e Ucrânia e a possibilidade das

revoluções coloridas se expandirem a outros países da órbita de Moscou.

Nos EUA, Soros era demonizado por parte do Partido Republicano

devido à sua defesa do liberalismo, a doações ao Partido Democrata e a

causas ambientais e outras questões socioculturais caras aos

republicanos (aborto, liberação de drogas, imigração etc.).

Em 2003, após perder a reeleição ao cargo de primeiro-ministro,

Orbán executou uma guinada radical no partido que ajudara a fundar, e

em 2013, realizou uma enorme campanha de difamação contra George

Soros, com outdoors espalhados em todo o país. Tropos antissemitas

eram frequentes nos discursos e propagandas do primeiro-ministro

húngaro.

Porém, o processo de demonização de George Soros foi iniciado

anos antes – na esteira do colapso do comunismo – e pela extrema-

direita americana: através do conspiracionista e antissemita Lyndon

LaRouche.

LaRouche, um ex-marxista que posteriormente se tornou fascista,

concorreu à presidência dos EUA por oito vezes e foi condenado em

1989 por acusações de conspiração nos país americano. Um dos

principais propagandistas da teoria conspiratória “marxismo cultural”,

foi também um dos primeiros inimigos públicos de George Soros e o

principal agente de divulgação das teorias conspiratórias contra o

ativista liberal húngaro. Foram dois artigos publicados na Executive

Intelligence Review (EIR) – revista do seu instituto –, os criadores das

teorias conspiratórias e mentiras a respeito de George Soros que

perduram até hoje.


O primeiro dossiê anti-Soros publicado por LaRouche foi o “Your

251
Enemy, George Soros ” em 1996. Em 1997, na edição de agosto da

252
EIR, o artigo “George Soros: The Queen’s drug pusher” (As rainhas

traficantes de drogas), escrito por Jeffrey Steinberg, reafirmava a

acusação antiga (1984) de LaRouche contra a rainha do Reino Unido

(numa entrevista à NBC TV, ele sugeriu que a coroa britânica apoiava o

comércio ilegal internacional de drogas), relacionando-a ao investidor

George Soros: “Além disso, o especulador pessoal da Rainha, George

Soros, (...) está liderando uma campanha multimilionária para a

produção e o consumo de drogas em toda a América”.

O artigo afirmava que a rainha era viciada em drogas e que a Open

Society Foundation financiava uma ONG defensora da legalização de

drogas, como a Drug Policy Foundation, chamando Soros de “o

papaizinho da Drug Policy Foundation”.

Na mesma edição da revista, o artigo “George Soros: a golem made

253
in Britain ”, de Scott Thompson, criaria a mentira sobre Soros ser

254
nazista. Uma entrevista do investidor foi deliberadamente deturpada

para forjar a ideia de que Soros, adolescente, havia sido um funcionário

nazista:

Nessa entrevista, Soros contou que, durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto ele era

um adolescente, ele ajudou os nazistas a saquear as propriedades rurais de judeus húngaros

ricos. Soros assim escapou do Holocausto e isso acabou levando à morte de 500.000 judeus

255
húngaros .

Na verdade, Soros relatou que, para fugir dos nazistas, seu pai havia

conseguido documentos falsos (não apenas para a própria família, mas

muitos outros judeus) a fim de se passarem por cristãos, e o jovem

Soros, já com o nome falso Sandor Kiss, foi para a casa de um oficial

húngaro – se passando por seu afilhado – que ajudava judeus a

escaparem da perseguição nazista. Uma vez apenas ele foi levado, junto

com o oficial, para participar dos inventários que o governo realizava

dos bens confiscados de famílias judias. O jovem observava ao mesmo


tempo tanto o horror quanto o heroísmo do seu pai que conseguiu salvar

não apenas a vida deles próprios, como de outros judeus, conseguindo

identidades falsas. O episódio, porém, foi propagandeado pelos

conspiracionistas de forma a transformar Soros em um adolescente

insensível, colaboracionista de nazistas e ele próprio um nazista.

A mentira criada pelos larouchistas correu o mundo e foi reverberada

em muitos outros panfletos da instituição de LaRouche como no artigo

256
“Dope Czar Soros Bids to Buy Up The Democratic Party ”. Em 2007,

David Horowitz e Richard Poe lançaram o livro The Shadow Party e


a teoria conspiratória contra Soros chegou, de forma definitiva, ao

mainstream. No Brasil, teorias conspiratórias larouchistas foram

257
compartilhadas pelo político Enéas Carneiro e Olavo de Carvalho

258
ainda na década de 1990. No artigo “Pensando com a cabeça de

George Soros” para o Jornal do Brasil  (Caderno de Domingo), 1o  de

outubro, Olavo diz:

O maior financiador da campanha pela liberação das drogas é George Soros, que também

subsidia organizações pró-terroristas e desarmamentistas (uma combinação maravilhosa) e

nutre a modesta ambição de tornar-se o presidente informal do mundo. Já comprou terras

na Bolívia, onde, uma vez retirados os entraves legais, terá tudo para ser o maior

fornecedor de matéria-prima para as Farc. As idéias de um sujeito tão importante merecem

atenção, porque, além de manda-chuva, ele é filósofo e orgulha-se de ter sido aluno de Karl

Popper.

Alunos e seguidores de Olavo também reverberaram as teorias anti-

Soros com bastante frequência, incluindo o sugestionamento a respeito

259
de Soros ter sido nazista. Em “O dono do mundo ”, artigo do

jornalista Alexandre Borges, todas as teorias e distorções a respeito do

filantropo húngaro foram compartilhadas:

Em 1940, o país entrou formalmente no Eixo, permanecendo até o fim da Segunda Guerra.

Temendo que a família fosse perseguida e eventualmente morta, o pai de George Soros

subornou um oficial húngaro para que ele hospedasse George dentro de sua casa e

apresentasse o rapaz como seu afilhado cristão. A função deste funcionário do governo

húngaro, de nome Baumbach, era encontrar judeus, denunciar para as autoridades

responsáveis pelas deportações para campos de concentração e confiscar seus bens. Em

muitas dessas ações, o jovem George, rebatizado como Sandor Kiss, acompanhava o

padrinho. Sobre isso, numa entrevista para a CBS em 1998, Soros disse que era um mero
espectador e não sentia qualquer remorso, além de revelar que foi o período mais feliz da

sua vida porque, mesmo com tanto sofrimento em volta, ele se sentia protegido.

260
O historiador Bruno Garschagen também fez um longo artigo

anti-Soros e, no final, afirmou que “Não se enganem: hoje, em qualquer

canto onde haja um projeto revolucionário, George Soros está lá”.

Ideias têm consequências. No Brasil, a esquerda acusa Soros por sua

atuação como especulador em moedas internacionais. A far-right


afirma que ele é um “esquerdista” por financiar ONGs de defesa de

direitos humanos (Sou da Paz e o Instituo Igarapé, por exemplo). A

rejeição patológica às Organizações Não Governamentais que a direita

brasileira exibe é, em grande parte, proveniente dessas teorias

conspiratórias.

A teoria da conspiração contra George Soros agrega muitas outras

presentes no imaginário da far-right. É uma amálgama entre o panfleto


antissemita “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, “marxismo cultural”,

“guerra cultural”, “a Catedral” e “globalismo”.

Essa combinação de teorias conspiratórias contra o filantropo liberal

produziu um aumento no antissemitismo, conforme monitoramento da

Liga Antidifamação (ADL):

A linguagem agressiva em relação a Soros explodiu em sites de mídia social como o

Twitter, onde uma amostra de avaliação mostrou que os tweets negativos sobre Soros

aumentaram de 20.000 por dia em 26 de maio para mais de 500.000 por dia em 30 de

261
maio .

Produziu também atentados terroristas.

Durante o ano de 2018, o então presidente dos EUA sugeriu (e até

262
mesmo afirmou ) que George Soros pagava manifestantes contrários

ao seu governo e era financiador das caravanas de imigrantes que

chegavam aos EUA. No dia 27 de outubro de 2018, um extremista abriu

fogo durante um serviço sabático na sinagoga Árvore da Vida na cidade

263
de Pittsburgh , nos EUA, e assassinou 11 pessoas. O terrorista
chamava, em suas redes sociais, imigrantes de invasores e, durante o

massacre, segundo testemunhas, gritou frases antissemitas.

Também em 2018, George Soros recebeu uma carta bomba em sua

residência que foi desativada pelas autoridades. Dias depois, o serviço

de inteligência americano anunciou que tinha interceptado artigos

semelhantes aos escritórios do ex-presidente Barack Obama e da ex-

Secretária de Estado Hillary Clinton. O filho de George Soros chegou a

264
publicar um artigo mencionando o episódio e lembrou que a

A Fundação de Sociedade Aberta teve um papel fundamental apoio à  transição do

comunismo  para sociedades mais democráticas em partes da antiga União Soviética e

depois se expandiu à proteção das práticas nas democracias já existentes.  Meu pai

reconhece que seu trabalho, embora não seja partidário, é “político” em um sentido mais

amplo, pois procura defender aqueles que promovem sociedade onde todos podem se

manifestar.

265
No Brasil, em 2020, o site de extrema-direita Terça Livre

galvanizou uma campanha criada pelo MBC (Movimento Brasil

Conservador) contra George Soros:

Hoje é o Dia Internacional de Combate a George Soros. Desde a manhã desta quarta-feira

 trending topics, os assuntos mais comentados


(12), a hashtag #StopSoros já ocupa os

do Twitter. A tag faz parte da campanha  antiglobalista  promovida pelo Movimento

Brasil Conservador (MBC): “O maior financiador da esquerda no mundo,

responsável por derrubar governos e desestabilizar nações. Com uma


agenda que vai desde a destruição da cultura judaico-cristã, legalização
do aborto, ideologia de gênero, até a censura da internet. Chegou a
hora de lutarmos unidos contra a personificação do globalismo”. Iniciada
em 22 de julho, a ação tem objetivo de se tornar uma campanha internacional e fixar o dia

12 de agosto como o Dia Internacional de combate à influência de Soros.

e agosto é o dia do aniversário de George Soros).

Da junção das diversas teorias conspiratórias supracitadas, surgem

diversos outros subgrupos de teorias que alimentam a direita radical e

extrema: antiambientalismo, gayzismo, antivacina, antifeminismo,

antilockdown, soberanismo e contrajihadismo.

Conforme afirma Van Buuren (2013):

este suprimento eclético de ideias, pensamentos, ideologias e construções de conspiração

torna-os mais capazes de construir suas próprias “ideologias de copiar e colar”,


combinando ideologias políticas, religiosas ou sociais mais amplas a frustrações e aversões

pessoais e, dessa forma, transcendem categorias e classificações existentes enquanto

remexem uma narrativa que lhes convém.

Na teoria da Eurábia, popularizada pela escritora Gisèle Littman,

que utilizava o pseudônimo Bat Ye’or (Filha do Nilo), através do livro

Eurabia: The Euro-Arab Axis and  Europe, Globalization and


the Coming Universal Califhate, por exemplo, há a sobreposição

de conspirações. Segundo a autora (in SEDGWICK, 2019), existe uma

conspiração secreta em curso comandada pela União Europeia e líderes

de países árabes de maioria muçulmana no Norte da África e no Oriente

Médio cujo objetivo é estabelecer o controle muçulmano sobre uma

futura região que passaria ser a Eurábia, uma fusão da Europa com

países árabes. Seus propagandistas também afirmam que a entrada da

Turquia na União Europeia, as poucas menções a respeito das raízes

cristãs da Europa e os esforços que visam criar compatibilidade entre o

islã e a democracia seriam provas inequívocas da conspiração dos

globalistas.

Bat Ye’or é considerada uma das principais teóricas para os grupos

contrajihadistas, como o Pegida (europeus patriotas contra a islamização

do ocidente) e para altrighters do mundo inteiro. A teoria da Eurábia

inspirou, de forma fundamental, o ataque terrorista de Anders Breivik

(ele a cita centenas de vezes em seu manifesto) e o de Brenton Tarrant.

Um neologismo criado por ela, “dhimmitude’’, se refere a um tipo de

sujeição cultural dos não muçulmanos, de cristãos e judeus; uma suposta

submissão sutil que ocorre a partir da assimilação de pessoas

muçulmanas em países europeus – o termo serviu de inspiração para o

romance do escritor francês Michel Houellebecq, Submissão.


Bat Ye’or também inspirou outra teoria da conspiração, a “The Great

Replacement”, que anima a direita radical e extrema, especialmente a

europeia e americana.
The Great Replacement

A Grande Substituição
Propagandistas da chamada “Grande Substituição” argumentam que

existe uma deliberada substituição das populações brancas e suas

culturas através de políticas de imigração e assimilação cultural

propostas por “elites globalistas”.

A teoria da Grande Substituição está intimamente ligada a outras teorias que são populares

em círculos supremacistas, etnonacionalistas e nativistas, nacionalista e neonazistas,

incluindo as idéias do genocídio branco e da Eurábia – com esses conceitos

frequentemente usados de forma intercambiável (DAVEY e EBNER, 2019).

Em 2011, o filósofo e escritor francês Renaud Camus publicou o

livro que daria nome à amálgama de teorias racialistas e conspiratórias

utilizadas por grupos e movimentos da far-right, Le Grand


Remplacement. Logo, os movimentos identitários da Europa,

partidos populistas de direita radical, teóricos e todo o ecossistema

digital da far-right popularizaria as teses do francês. Utilizando-se de

dados demográficos que indicam uma menor taxa de natalidade e

argumentos como “degeneração cultural da civilização judaico-cristã”, a

grande substituição sugere que elites globalistas (sempre há o

componente antissemita nessas teorias conspiratórias, registre-se)

desejam uma mudança na composição étnica dos países e a principal

“arma” utilizada são as leis de imigração e a proteção a essas minorias

em detrimento dos direitos dos nativos. Neste escopo, entra a aversão

desses grupos às políticas sociais que atendem esses imigrantes e aos

próprios princípios liberais de respeito à dignidade humana.

Em seus discursos, evocam um senso de urgência proclamando que a

“A Grande Substituição” está ocorrendo de forma sutil, mas sistemática,

que em breve não haverá mais a cultura da civilização judaico-cristã

(entende-se, na mentalidade desses extremistas, como civilização

judaico-cristã somente brancos europeus ou descendentes; estão

excluídos judeus, asiáticos e africanos, além de latinos), que as mulheres


estão sendo ou estupradas por esses “alienígenas” ou se relacionando

com eles em detrimento dos brancos (e desta forma, diminuindo a taxa

de natalidade dos brancos), e que imigrantes são culpados por índices de

violência e perda de empregos dos nativos. Suas propostas passam por

ações extremas ao afirmarem que a

assimilação e coabitação são impossíveis e apenas resolvível por meio de ação extrema,

como segregação forçada, deportação ou mesmo genocídio. Isso foi observado várias vezes

nos últimos anos, como na Bulgária, onde os ativistas se formaram em estruturas

paramilitares para securitizar pessoalmente suas fronteiras, ou onde ativistas identitários na

Europa fretaram um navio para evitar que os refugiados atinjam solo europeu (Ibidem).

Anos antes, em 1973, foi lançado o livro racista The Camp of the
Saints do também francês Jean Raspail, e que foi uma das principais

inspirações para “The Great Replacement” e continua a animar

nacionalistas, supremacistas étnicos, brancos e/ou religiosos (há várias

correntes supremacistas) mundo afora. O romance distópico detalha um

grande número de imigrantes indianos chegando – em barcos – à costa

da França, e as elites políticas são retratadas como inertes perante “a

invasão”. No livro, a descrição dos migrantes os retrata de forma

escatológica, doentes e que comem fezes humanas.

Em 2015, durante a crise migratória, quando centenas de milhares de

refugiados da África e do Oriente Médio começaram a chegar à Europa,

The Campo Of The Saints virou uma espécie de bíblia entre a alt-
right e a extrema-direita internacional. Em seu programa de rádio,

266
Steve Bannon, então chefe da Breitbart News, citou “uma  invasão do

tipo  Acampamento dos Santos” ao comentar sobre a chegada de

refugiados na Europa.

Um mês antes do comentário de Bannon, Stephen Miller (que

posteriormente tornou-se assessor especial de Donald Trump e escritor

267
de seus discursos), teve alguns e-mails seus publicados , e um deles

mostrava a sugestão de Miller ao site Breitbart para que escrevessem um

artigo a respeito do livro racista: “…  Você vê o Papa dizendo que o


oeste deve, de fato, se livrar das fronteiras.  Alguém deveria apontar os

paralelos com o Acampamento dos Santos”. Dias depois, a sugestão de

Miller foi publicada


268
no Breitbart News com o título: “O Papa

Francisco está exortando a América a abrir suas fronteiras para milhares

de migrantes empobrecidos, em parte para expiar os ‘pecados’ da era

colonial”.

Stephen Miller iniciou seu trabalho no comitê de campanha do então

candidato Donald Trump em janeiro de 2016. Após a vitória, tornou-se

conselheiro sênior de política  do presidente e principal conselheiro a

respeito de questões ligadas à imigração. Nas fileiras da alt-right e

supremacistas, Miller já era cultuado antes de se tornar conselheiro

presidencial. Em 2019, os e-mails que ele enviou ao site conservador

Breitbart News entre 2015 e 2016 foram publicados, e o conteúdo das

mensagens revelaram que Miller é um extremista supremacista branco e

ultranacionalista. Indicava temas e sites nacionalistas brancos, o livro

The Camp Of The Saints e teorias de conspiração xenófobas. Entre


os mais de 900 e-mails analisados, 80% se referem a assuntos como raça

e imigração e, em alguns, indicava links de sites da far-right como o

VDARE, que publica artigos de conhecidos   nacionalistas

brancos,  cientistas raciais   e  antissemitas; em geral, artigos de

paleoconservadores como Pat Buchanan, Samuel T. Francis, Steve Sailer

(este último criou a teoria “biodiversidade humana” para eufemizar o

269
racismo e atualmente escreve para um blog altrighter que publica

inclusive negação do Holocausto). Em outro e-mail, uma das suas

fixações apareceria: relacionar “raça” aos índices de crimes. Miller

sugeriu que o jornalista da Breitbart extraísse informações de um artigo

da American Renaissance, cujo título era “Novas estatísticas sobre raça e

270
crimes violentos ”, e na abertura, mencionava: “Os números

finalmente incluem os hispânicos como uma categoria de infratores”.


O tema é recorrente na extrema-direita. Em 2020, no Brasil, uma

271
comentarista bolsonarista da rádio Jovem Pan, Ana Paula Henkel ,

trouxe o tópico caro aos supremacistas e nacionalistas da extrema-direita

para o debate público durante uma discussão a respeito de violência

policial contra negros: “12% negros. 62% dos roubos. 56% dos

272
assassinatos. Do your math.”, ela escreveu .

Quando os e-mails de Miller vieram a público, no final de 2019,

mais de cem congressistas americanos pediram publicamente a

demissão de Stephen Miller. Dentre ele, um grupo de 25 congressistas

judeus: “Enquanto membros judeus do Congresso, exigimos-vos que

demitam imediatamente Stephen Miller das suas funções”. Miller é

judeu, mas, para os congressistas, o fato de o próprio Miller ser judeu

não alterava a razão de que o conteúdo das mensagens e o cerne de suas

ideias eram centradas em nacionalismo branco supremacia étnica: “O

seu apoio bem documentado aos temas centrais do nacionalismo branco

e violentamente anti-imigrantes é absolutamente inaceitável”, disse a

congressista Kim Schrier.

Stephen Miller também criava dezenas de contranarrativas para

alimentar sites da far-right, além de impulsionar teorias conspiratórias.


No Brasil, um fã incondicional de Stephen Miller que – assim como

ele – trabalhou como estrategista da campanha (sem mencionar publicar

que pertencia ao quadro do PSL) de Jair Bolsonaro, também foi

nomeado ao cargo assessor da presidência da República: Filipe G.

Martins.

Em 2017, quando foi veiculado que Stephen Bannon seria afastado

da Casa Branca, Filipe escreveu271 um longo texto enaltecendo Bannon,

afirmando sua total admiração por Stephen Miller e pedindo que os

leitores do blog Senso Incomum torcessem por Miller:

Portanto, aqueles  que simpatizam com a agenda anti-establishment e anti-globalista do

presidente americano e querem vê-la implementada, devem torcer não apenas para que

Steve Bannon consiga mobilizar a base conservadora,  mas também para que Steve Miller

(um sujeito ainda mais genial do que Bannon)  seja promovido ao cargo de
estrategista-chefe ou, ao menos, que ele e os aliados remanescentes de Bannon  continuem

na Casa Branca tempo suficiente para ajudar o presidente a converter a pressão das bases

em vitórias políticas e estratégicas.

Não é possível afirmar que todo o público de Filipe G. Martins tenha

conhecimento de que aquele conselheiro considerado “genial” pelo

assessor do presidente do Brasil é, na verdade, um supremacista branco

e ultranacionalista. O mais provável é que a maioria não tenha noção,

pois uma das marcas registradas da alt-right e desta quarta onda da

extrema-direita é o uso sistemático de contranarrativas que dissimulam o

real teor e propósito de suas ideias.

Estudos (BULL e SIMON-VANDENBERGEN, 2014) identificam o

uso crescente de equívocos nas mensagens de partidos e movimentos de

extrema direita.

Em geral, eles tendem a empregar linguagem ambígua, contraditória, tangencial, obscura

ou mesmo evasiva para retratar sua agenda ideológica de uma maneira mais moderada e

menos ofensiva. Os “direitos” e queixas dos brancos são enfatizados, em vez de

explicitarem o desejo de discriminação ou marginalização de grupos externos

(PERLIGER, 2020).

O livro cultuado por Stephen Miller também é apreciado por Marine

Le Pen. A política francesa de extrema-direita é mais uma fã confessa do

273
livro e mantém um exemplar sobre a mesa de seu escritório. Jared

Taylor, outro notório supremacista branco e fundador do site

ultrarreacionário e racista American Renaissance e fã do livro, foi um

dos seus maiores propagandistas:

A ficção, incluindo praticamente tudo emitido por Hollywood, geralmente esteve a serviço

da esquerda, mas ocasionalmente um autor declara sua fidelidade à cultura e à tradição. Em

‘O Acampamento dos Santos’, Jean Raspail vai além e declara sua lealdade à sua raça –

274
embora seja uma lealdade tingida de amargura pela fraqueza do homem branco .

Conforme mencionado anteriormente, a teoria “The Great

Replacement” (que se inspirou no livro The Camp Of The Saints)


motivou alguns atentados terroristas. Citada em manifestos ou proferidas

pelos terroristas, a teoria exerce um grande poder de radicalização, pois,

275
de acordo com Counter Extremism Project ,
Se esses grupos realmente acreditam que estão enfrentando uma substituição em nível de

extinção, os membros individuais também podem decidir que as demonstrações não são

suficientes para salvar a raça e uma ação direta deve ser tomada. Em 3 de agosto de 2019,

Patrick Crusius matou 21 pessoas em um Wal-Mart em El Paso, Texas.  Crusius não

pertencia a esses grupos, mas subscreveu a teoria da Grande Substituição, escrevendo em

seu manifesto que apoiava o atirador de Christchurch e alertava sobre um genocídio dos

brancos.

Uma sobreposição a outras teorias conspiratórias e argumentos

antiliberais fundidos a uma suposta “salvação cultural da civilização

judaico-cristã” são frequentes na literatura da extrema-direita e muitas

vezes utilizam frases chave como “islamização do ocidente” para

camuflarem o radicalismo de seus textos.

Em artigo de Olavo de Carvalho, “O Ocidente Islamizado”, 2007, ele

diz:

A fraqueza incurável daquilo que um dia foi “o Ocidente” provém do fato de que,

esvaziados do conteúdo vital que recebiam da tradição judaico-cristã, os princípios

mesmos que induzem os intelectuais europeus a defender seus países contra a tirania

islâmica – a modernidade, a razão científica, a democracia, o progresso capitalista, a

liberdade de expressão, o primado do consumidor e os confortos da previdência social – se

tornam instrumentos de corrosão das identidades nacionais e da capacidade de autodefesa

cultural. E de há muito os estrategistas islâmicos já perceberam isso, senão não teriam

podido conceber a “guerra assimétrica” nem o uso maciço da imigração como arma de

combate.

A maior parte de seus alunos, e ex-alunos, compartilham essas teses

na bolha da direita e afirmam que liberais e secularistas tendem a

descartar a importância das questões demográficas e culturais – o que

influenciou tantos apoiarem o tratamento de Donald Trump aos

imigrantes, à construção do muro na fronteira com o México e todos os

tropos racistas que o então presidente dos EUA despejava no Twitter até

ser banido em 2021 após a invasão do Capitólio por grupos extremistas

que o apoiavam e formam parcela considerável de sua base social de

apoio.

Dentro do ecossistema da far-right, diversos grupos vão adequando


e sobrepondo conceitos raciais e diversas teorias aos seus objetivos. O

Proud Boys, por exemplo, que participou ativamente da tentativa de


golpe nos EUA, foi criado pelo altrighter Gavin McInnes e defende

teorias como The Great Replacement, antiglobalismo, “direito dos

homens” e o aceleracionismo (pretendem acelerar o caos). É um grupo

essencialmente misógino – mulheres são proibidas de participar e seus

conteúdos nas redes sociais e sites alternativos são repletos de

afirmações de que mulheres são inferiores, inclusive intelectualmente –

radical e tem em suas fileiras neonazistas e supremacistas convictos.

Recentemente, foi categorizado como grupo terrorista de extrema-

direita. No entanto, pelo fato de utilizarem do tokenismo (o líder é negro

e latino, Enrique Tarrio), apoiarem abertamente Donald Trump e

utilizarem memes ambíguos e irônicos para não serem acusados por

seus comportamentos em desacordo com a civilidade, o grupo ganhou

adeptos e defensores no mundo inteiro.

No Brasil, um episódio ocorrido com esta autora durante as eleições

americanas comprovou o quanto há desinformação a respeito tanto das

teorias da direita radical e extrema e como ocorre condescendência da

276
direita brasileira antibolsonarista perante elas. No artigo “Trump é

racista?”, do então meu amigo, professor de filosofia Paulo Cruz, ele

argumenta – utilizando como fonte uma entrevista com membro do

Proud Boys – que o “Proud Boys  não é  um grupo supremacista.  Pelo

menos é o que diz um de seus principais líderes, Enrique Tarrio, um

cubano radicado nos EUA, que é negro!”, e afirma que o grupo formado

pelo troll supremacista começou apenas “por pura brincadeira”.


Conforme evidenciado neste livro em capítulo anterior, o trolling
que a alt-right e a extrema-direita utilizam sempre não é uma

brincadeira, mas um método.

Esta autora – que pesquisa o tema desde 2018 – chamou o autor do

artigo no WhatsApp e mencionou que as afirmações no artigo estavam

equivocadas, mas só obteve do autor uma resposta: “Agora já foi ”. Dois

meses depois, as informações da autora que não foram levadas a sério


pelo autor do artigo se comprovaram durante a invasão do capitólio nos

EUA e o envolvimento direto dos Proud Boys – que estavam com

slogans antissemitas – no evento caracterizado como terrorismo

doméstico.

Este episódio demonstrou para a autora o quanto a alt-right e a

far-right em geral, seus métodos e teorias, entronizaram na direita

brasileira (e não apenas na bolsonarista).

Teorias da conspiração têm desempenhado um papel significativo na

história da humanidade.

Nem todas são falsas, como, por exemplo, os casos Watergate e Irã-

contras. Há dezenas de estudos (sociológicos e psicológicos) a respeito

da influência das teorias conspiratórias sobre a sociedade, e as pesquisas

continuam. No estudo “As consequências sociais do conspiracionismo: a

exposição a teorias da conspiração diminui as intenções de se envolver

na política e de reduzir a pegada de carbono” (JOLLEY e DOUGLAS,

2013), os participantes foram expostos a uma série de teorias da

conspiração sobre o envolvimento do governo em eventos significativos,

como a morte de Diana, Princesa de Gales. Os resultados revelaram que

a exposição a informações que apoiam as teorias da conspiração reduziu

as intenções dos participantes de se envolverem na política, em relação

aos participantes que receberam informações que refutam as teorias da

conspiração.  Esse efeito foi mediado por sentimentos de impotência

política. 

Em outra etapa deste mesmo estudo, os participantes foram expostos

a teorias da conspiração sobre a questão das mudanças climáticas.  Os

resultados revelaram que a exposição a informações que apoiam as

teorias da conspiração reduziu as intenções dos participantes em

diminuir suas emissões.  A exposição às teorias de conspiração das

mudanças climáticas também influenciou as intenções políticas, um

efeito mediado pela impotência política.  Os resultados atuais sugerem


que as teorias da conspiração podem ter consequências sociais

potencialmente significativas e destacam a necessidade de mais

pesquisas sobre a psicologia social do conspiracionismo (ibidem).

As teorias da conspiração também podem ajudar a reforçar um senso

de individualidade ou identidade de grupo, para melhor ou para pior. No

entanto, elas também podem fornecer um prazer inofensivo para muitos,

que são atraídos pelo seu status como narrativas “alternativas”

conhecidas apenas por poucos esclarecidos, enquanto a massa

“ignorante” acredita na versão ortodoxa dos eventos (ibidem).

Berger (2016), em seu estudo sobre a influência do panfleto distópico

e racista, “The Turner Diaries”, lembra que

se um leitor pode ser levado a sentir que um desastre de toda a sociedade é iminente, então

empreender a ação extrema para evitar esse resultado torna-se uma escolha racional e que

uma premissa distópica, se vista como plausível, pode simular a intensidade e o caráter de

crenças apocalípticas religiosas, invocando um “mito de combate” arquetípico, imbuindo-o

de apostas existenciais absolutas.

Para o estudioso Benjamin Lee (2020), o ponto mais claro de

cruzamento entre radicalização e teoria da conspiração está na criação e

estruturação de relatos narrativos do mundo.  Teorias da conspiração

representam explicações simples para os eventos, atribuindo desastres

reais ou imaginários a um pequeno grupo de atores malignos

secretos.  Para muitas pessoas, a incerteza diante de eventos como a

globalização leva a um aumento na busca por explicações

confortavelmente simples.  E estas mesmas incertezas levam também à

dissensões e rompimentos com aqueles que não compartilham da crença

em teorias conspiratórias, levando-os à possibilidade de engajamento

com grupos e ideias que prometem uma alternativa radical.

A amálgama de crenças conspiratórias que permeiam o imaginário

da far-right costuma se apoiar mutuamente. 


Quando os indivíduos acreditam numa teoria da conspiração, eles

são mais propensos a endossar outras.  Alguns estudos indicam que há


um tipo de mentalidade em que o pensamento conspiratório

retroalimenta-se (GOERTZEL, 1994).

O historiador americano Richard Hofstadter, que escreveu um dos

primeiros estudos (2012) a respeito da influência das teorias da

conspiração na mentalidade americana, a denominou como “estilo

277
paranoico”. Em 1964, no ensaio que depois viraria livro, ele

mencionou a instrumentalização das teorias conspiratórias para fins

políticos:

Nos últimos anos, vimos mentes raivosas trabalhando principalmente entre os extremistas

de direita, que agora demonstraram no movimento Goldwater quanta política pode ser

obtida das animosidades e paixões de uma pequena minoria.  Mas, por trás disso, acredito

que há um estilo de mente que está longe de ser novo e que não é necessariamente à

direita. Eu o chamo de estilo paranóico simplesmente porque nenhuma outra palavra evoca

a sensação de exagero acalorado, desconfiança e fantasia conspiratória que tenho em

mente... É o uso de modos de expressão paranóicos por pessoas mais ou menos normais

que torna o fenômeno significativo.

Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, Donald Trump e outros nacional-

populistas autoritários normalizam o absurdo e executam –

sistematicamente – os “modos de expressão paranoicos” em seus

respectivos governos.

Teorias da conspiração, apesar de não amparadas em evidências que

resistam ao escrutínio, resistem ao tempo e podem provocar resultados

fatais, como, por exemplo, o descontrole da pandemia COVID-19

especialmente nos países, como o Brasil e os EUA, que têm, em seus

postos máximos do poder executivo, indivíduos crédulos nessas teorias.

Enquanto as pessoas não capturadas pelas teorias conspiratórias

mantêm um ceticismo saudável diante dos eventos (realiza escrutínio das

evidências, esforça-se em buscar coerência, responde às provas

empíricas), aqueles com pensamento conspiratório ignoram as suspeitas

de fraude, interpretam evidências, não buscam coerência apenas o

contraditório, apresentam um grau extremo de suspeita que impede a

crença em qualquer coisa que não se encaixa na teoria da conspiração e

desconfiam das provas empíricas (LEWANDOWSKY e COOK, 2020).


Na era das redes sociais, conteúdos são retransmitidos entre os

usuários sem algum tipo de filtragem, verificação de fatos ou julgamento

editorial.  Um usuário individual sem histórico ou reputação pode, em

alguns casos, atingir tantos leitores quanto a Fox News, a CNN ou o The

New York Times (ALLCOTT e GENTZKOW, 2017).

No caso do Brasil, a analogia de alcance do público pode ser feita em

relação à Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e outros

veículos de imprensa com grande audiência.

Olavo de Carvalho possui, somadas suas redes, mais de três milhões

de seguidores. Diversos alunos e seguidores também produzem cursos

baseados em conteúdo repleto de teorias conspiratórias nos seus canais

virtuais e que viralizam em progressão geométrica. Apesar de muitos

acreditarem, de fato, naqueles conteúdos que compartilham, o fator

monetização não é irrelevante. Produzir conteúdo desse tipo gera

dinheiro.

Em 2018, após uma série de vídeos nos quais sugeria haver uma

conspiração dentro da Igreja Católica a partir da “Teologia da

Libertação”, um aluno de Olavo de Carvalho, Bernardo Kuster, lançou

uma campanha de doações on-line para a produção de um filme, “Eles

estão no meio de nós”, a ser lançado em 2019. Na primeira etapa de

arrecadação, angariou quase meio milhão de reais.

Em 2020, o filme ainda não havia sido lançado e uma nova etapa da

278
campanha foi anunciada. De acordo com o site , mais de quinhentos

mil reais (de uma meta de 752 mil – mais de duas vezes do valor inicial

proposto na primeira etapa da campanha) havia sido angariado.

No ecossistema dos principais influenciadores da extrema-direita

279
bolsonarista, há canais que mantêm uma média de 800 mil

visualizações de cada vídeo. A plataforma YouTube desmonetizou

alguns, porém a maioria continua sendo monetizada.


Nas “câmaras de eco”, esses conteúdos não sofrem escrutínio e

passam a alcançar mais e mais pessoas, e a falta de vozes na sociedade

política e civil – em especial, dentro da própria bolha da direita – que

condenem esses conteúdos e métodos deixa o caminho pavimentado

para que a rede de desinformação avance.

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em Como as Democracias


Morrem (2018), demonstraram o sucesso das experiências em países

(Bélgica, por exemplo, onde o termo “cordão sanitário” passou a ser

utilizado não somente relativo à saúde sanitária, mas também no âmbito

político) nos quais partidos conservadores e liberais rejeitaram alianças

com grupos da extrema-direita, fizeram oposição e assim foram capazes

de resistir ao contágio, enquanto nos países onde liberais e

conservadores toleraram ideias e métodos dos radicais e extremistas e

formaram coalizões não somente ajudaram em aumentar o alcance da

extrema-direita como eles próprios sucumbiram.

Quando chefes de governo aderem às teorias conspiratórias e/ou

utilizam as mídias de massa para retóricas beligerantes, apocalípticas,

exclusivistas e ameaçadoras, esses líderes produzem o chamado

“terrorismo estocástico”.

280
O terrorismo estocástico é a retórica que, embora hostil, não diz

explicitamente a alguém para realizar um ato de violência contra um

grupo, local ou instituição, mas uma pessoa, sentindo-se ameaçada pode

ser motivada a praticá-lo. Essa retórica incita, portanto, a violência

aleatória.

É importante salientar que nem todas as pessoas de um grupo que

estão sofrendo um processo de radicalização se tornarão extremistas e,

em último estágio, terroristas (extremo com ação violenta a outros

grupos, instituições, locais). Uma minoria é quem chega às vias de fato.

Porém, a devoção cultista a um líder deixa os seguidores menos capazes

de tomar suas próprias decisões morais ou com menos intenção de


consultar outras fontes de raciocínio. Se esse líder é emocionalmente ou

totalmente instável, as ramificações podem ser catastróficas (MORGAN,

2004).

Para esclarecimento do leitor, alguns pontos a respeito da

conceituação de terrorismo:

O especialista Bruce Hoffman (2006) conceitua que o terrorismo é o

uso, de forma deliberada e premeditada, de ações violentas e/ou

ameaças para desencadear “repercussões psicológicas de longo alcance

além da vítima imediata ou alvo”.

No entanto, outros estudiosos argumentam que ataques espontâneos

podem ser qualificados como terrorismo se promoverem objetivos

políticos, utilizando a violência para gerar medo e ansiedade em alguns

grupos alvos, ampliando, desta forma, o conceito de terrorismo

(RAVNDAL e BJØRGO, 2018).

Um levantamento do Center For Strategic & International Studies

(CSIS) demonstrou que, entre 1994 e 2020, ocorreram 893 ataques

terroristas nos Estados Unidos. Deste total, terroristas de extrema-direita

perpetraram a maioria – 57% – de todos os ataques, 25% por terroristas

de esquerda, 15% por terroristas religiosos, 2,3% por etnonacionalistas e

0,7% por terroristas com outros motivos (JONES, DOXSEE e

HARRINGTON, 2020).

Uma das maiores dificuldades frente ao crescimento do terrorismo

281
doméstico de extrema-direita é o fato de a maioria dos atentados ser

executado por indivíduos, não por grupos organizados.  Não existe uma

organização ou coordenação central e, desta forma, na maioria dos

países, não há uma legislação específica para monitoramento do

terrorismo que esteja fora de organizações terroristas formais (como

Hamas, AlQaeda, Hezbollah, FARC e Estado Islâmico).

Um episódio emblemático que comprova a conexão entre retóricas

conspiracionistas: a falta de categorização correta do terrorismo de


extrema-direita por causa da sua pulverização em lobos solitários (não

em organizações formais) e o aumento do terrorismo doméstico

ocorreram em abril de 2020 quando Elizabeth Neumann pediu demissão

do cargo que ocupou – de 2017 a abril de 2020 – como conselheira

sênior e vice-chefe da equipe do  Departamento de Segurança

Interna  (DHS) do governo Trump (que supervisiona o combate ao

terrorismo violento).

Neumann, em uma entrevista, afirmou que viu sinais de aumento do

extremismo doméstico logo depois de chegar ao DHS em fevereiro de

2017:

Tivemos uma onda de vandalismo de cemitérios judeus em alguns lugares do país que

virou notícia nacional, o suficiente para que pensássemos: “Isso é interessante. Do que se

trata?”  E então começamos a ouvir de nossos parceiros de aplicação da lei que eles

estavam vendo um aumento nos crimes de ódio, particularmente crimes de ódio

antissemitas. E achamos isso um pouco intrigante porque não havia nenhum grupo

reivindicando o crédito por isso.

Na denúncia de Elisabeth Neumman, ela afirmou que não havia

esforço do governo Trump para combater os extremistas violentos de

direita:

Se você tivesse uma voz muito clara no topo, do presidente, e de outros líderes do Partido

Republicano denunciando isso e alertando os conservadores – alertando os republicanos –

de que esses grupos estão tentando recrutá-lo com base em coisas que podem soar como

um crença conservadora típica, mas por trás disso está essa coisa insidiosa, feia e perversa,

se tivéssemos vozes mais claras falando sobre isso – isso de certa forma inocularia as

pessoas desse recrutamento e dessa radicalização. Mas, em vez disso, temos o efeito

oposto. Temos o presidente não apenas se recusando a condenar, mas jogando lenha no

fogo, criando oportunidades para mais recrutamento por meio de sua retórica.

E lembrou o atentado terrorista ocorrido em El Paso mencionado

anteriormente neste capítulo:

Quando você vê o atacante de El Paso, seu manifesto citava a linguagem e a retórica que

vêm dos comícios de campanha do presidente sobre uma invasão do México e como temos

282
que proteger nosso país .

Enquanto isso, no Brasil, já observamos atos de terrorismo

283
doméstico apesar de o país não ter histórico recente relevante desse

tipo de crime. Em 2020, ataques ao prédio do Supremo Tribunal Federal


foram praticados pelo grupo extremista bolsonarista “300 do Brasil”, e

essa autora não tem dúvidas de que a tendência é ocorrerem muitos mais

episódios de terrorismo doméstico, incluindo o componente “lobo

solitário”, no Brasil.

O grupo de extrema-direita “300 do Brasil” foi criado e liderado por

uma aluna de Olavo de Carvalho, Sara Giromini, que utiliza o

pseudônimo Sara Winter. Ativista radical desde a adolescência, passou

pelo grupo Femen e, anos depois, foi alçada à condição de pensadora

pela bolha virtual da direita brasileira. Sara Winter tornou-se ativista

“pró-vida” e foi convidada para escrever a orelha do livro do professor

de filosofia Francisco Razzo, Contra o Aborto (2017). Como a maior

parte dos alunos de Olavo, a extremista de direita tornou-se bolsonarista

e, por alguns meses, ocupou cargo no governo federal, no Ministério da

Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado pela ministra

Damares Alves. O grupo foi dissolvido, porém, teorias conspiratórias

são frequentes nos compartilhamentos de Sara Winter em suas redes

sociais.

Teorias conspiratórias da extrema-direita reproduzidas por Olavo de

Carvalho, seus alunos e seguidores influenciam decisivamente o governo

Bolsonaro e sua militância da mesma forma que Steve Bannon (seja

como gerente de campanha, estrategista chefe ou comentarista externo)

influenciou muito as tendências apocalípticas de Trump em relação às

principais instituições democráticas americanas (LIFTON, 2019).

Até o início da pandemia, a teoria QAnon, por exemplo, não havia

efetivamente entrado no debate público do Brasil apesar do tropo “deep

state x Trump” ter sido amplamente compartilhado desde 2016 na bolha

virtual da direita e reutilizado pelos bolsonaristas que o transformaram

em “ establishment x Bolsonaro”.
A teoria conspiratória QAnon surgiu em 2017 após um usuário

anônimo (autodenominado Q) do quadro de mensagens 4chan postar

uma mensagem dizendo que era um funcionário do alto escalão do


governo Trump e que Hillary Clinton seria presa no dia seguinte. A esta

mensagem, seguiram-se outras 4.800 (cada mensagem é denominada

como Qdrops), todas enigmáticas e sugerindo que havia uma grande

conspiração liderada por agentes ocultos satânicos que comandam todos

os eventos mundiais. Os “anons” (autodenominação dos usuários de

chans e daí surgiu o nome QAnon) passaram a compartilhar a teoria em

outras redes digitais.

A teoria, que é uma sobreposição de dezenas de outras

conspiratórias, afirma que Donald Trump é o escolhido para destruir a

“cabala” ( deep state) que, segundo eles, pratica rituais satânicos,

pedofilia, em busca de um elixir da juventude, enquanto comandam o

mundo. Como sempre presente nessas teorias repaginadas da extrema-

direita, judeus são os alvos preferenciais: George Soros, a família

Rothschild, Bill Gates e celebridades seriam membros dessa “cabala”.

Os rituais com crianças seriam para retirar uma substância, o

adrenocromo (um produto químico de ocorrência natural produzido pela

oxidação de adrenalina) que lhes daria o poder da juventude (nota-se a

referência à infame teoria antissemita “libelo de sangue”).

Com a pandemia da COVID-19, várias outras teorias foram

agregadas à QAnon, como a mentira de que a vacina traria um

microchip para rastrear e controlar a população mundial, que

284
provocaria mutações nos indivíduos (Jair Bolsonaro verbalizou a

teoria quando mencionou que as pessoas vacinadas poderiam

eventualmente virar jacaré), e que a pandemia havia sido criada de

forma intencional pelos globalistas para interferir nas eleições

presidenciais dos EUA e/ou colocar em prática (outra teoria

conspiratória) a Nova Ordem Mundial.

Segundo relatório (LAWRENCE e DAVIS, 2020) divulgado pelo

Hope Not Hate,

a visão de mundo QAnon está impregnada de violência retórica, construída sobre a ideia

285
de que o prometido O Grande Despertar global será precedido pela “A Tempestade”,
com julgamentos em massa e a execução de políticos liberais, celebridades e outras figuras

Alinhadas com a cabala.

A teoria QAnon vem sendo utilizada e readequada também por

antivaxxers (indivíduos e grupos antivacina) para amplificarem a

desconfiança das pessoas a respeito dos benefícios da vacinação e

também a todas as instituições. Em dezembro de 2020 , por exemplo ,


286
um farmacêutico da região de Milwaukee (EUA) tentou destruir mais

de quinhentas doses da vacina contra o coronavírus  porque temia que a

vacina Moderna alterasse o DNA do receptor.

Em 2020, aos antivaxxer’s e QAnons, juntaram-se grupos

extremistas soberanistas, que são radicalmente contra qualquer tipo de

intervenção estatal e compartilham de teorias conspiratórias como a do

“globalismo”, por exemplo as milícias americanas Three Percenters

(3%), Boogaloo e Oath Keepers.

O termo “milícia“ no Brasil refere-se, usualmente, aos grupos de

policiais, paramilitares e civis armados (em especial, no Rio de Janeiro)

que agem fora da lei, de forma criminosa, e criam sistemas fechados de

domínio territorial, competindo área e influência com outros criminosos,

como traficantes de drogas. É um poder paralelo que, além de disputar

com traficantes (que também exercem um poder paralelo), disputam

com o Estado e agem sob suas próprias regras intragrupos. Uma

287
pesquisa do GENI (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da

Universidade Federal Fluminense, revelou que milícias cariocas

controlam 25,5% dos bairros do Rio de Janeiro, em um total de 57,5%

do território da cidade, e as três principais facções criminosas do tráfico

de drogas possuem juntas o domínio de outros 34,2% dos bairros e

15,4% do território. Ao todo, 3,7 milhões de pessoas vivem em local

controlado por algum grupo criminoso. Apesar de essas milícias

conseguirem ampliar seu alcance através dos processos eleitorais e, desta

forma, colocarem representantes de seus interesses e objetivos

criminosos em cargos e funções do poder público, as milícias de


extrema-direita – como as supracitadas – diferem na forma e no

conteúdo das milícias que, infelizmente, o Brasil conhece há décadas.

As milícias de extrema-direita não possuem, na maior parte das

vezes, comandos centralizados. Em geral, são pulverizadas e são

verificadas em vários territórios distintos. São motivadas,

essencialmente, pela credulidade em teorias conspiratórias de que existe

uma tentativa de dominação global praticada e planejada por atores

ocultos que comandam governos de todos os países, cujo objetivo último

é escravizar as populações e restringir liberdades individuais. Projetos de

lei, propostas para resolver problemas mundiais, uma simples manchete

num jornal são, para seus crentes, indícios e comprovação de que

governos, mídia, academia e imprensa fazem parte dessa elite oculta que

pretende instalar o comunismo e/ou restringir liberdades individuais. É,

portanto, mais uma ramificação da teoria antissemita “Os Protocolos dos

Sábios de Sião” e suas variações como “marxismo cultural”, “Nova

Ordem Mundial”, “globalismo” e “Plano Kalergi” (que afirma existir um

complô de elites judaicas e liberais para substituir a população branca

através de leis de imigração que, por sua vez, incentivariam a

miscigenação).

Nos EUA, conforme detalhamento das milícias do movimento

patriota americano apresentado no livro The Silent Brotherhood,


essas milícias de extrema-direita

apontam suas armas contra indivíduos e instituições que acreditam estar conspirando

contra a verdadeira América e sua sagrada Constituição. Para se preparar para uma possível

batalha com um governo que eles veem como seu inimigo, cidadãos aparentemente comuns

se alistaram em treinamento paramilitar. Um desses grupos era a Irmandade do Silêncio,

um exército guerrilheiro privado com o objetivo de lançar uma campanha de terror e

sabotagem contra o que eles chamavam de Governo de Ocupação Sionista (ZOG – uma

teoria da conspiração proveniente também dos “Protocolos dos Sábios de Sião”).

Cidadãos aparentemente comuns foram atraídos por seus apelos ao orgulho de raça, família

e religião e sua missão de salvar a América cristã branca de uma conspiração

comunista”(FLYNN e GERHARDT, 1990.)


Os conceitos que motivam e alimentam milícias políticas de

extrema-direita são provenientes de teorias da conspiração

compartilhadas, especialmente, por correntes radicais como

paleoconservadorismo (consequentemente pela alt-right) e

paleolibertários, e ambas as correntes comungam de crenças nas teorias

conspiratórias larouchistas.

Nos EUA, atualmente, existem 169 milícias de extrema-direita do

“movimento patriota” que estão sob atenção de estudiosos e serviços de

inteligência federal, sendo os mais numerosos e com potencial de ação

violenta:

3% – Three Percenters
Essa milícia defende direitos de posse e porte de armas  e resistência

ao  governo federal dos EUA  . “A referência 3% deriva da duvidosa

afirmação histórica de que apenas 3% dos colonos americanos lutaram

288
contra os britânicos durante a Guerra da Independência” .

Oath Keepers
É um dos maiores grupos antigovernamentais radicais nos Estados

Unidos, o qual argumenta que está apenas defendendo a Constituição.

Porém, todas as retóricas da milícia se baseiam em teorias conspiratórias

que sugerem haver um complô de membros do governo para restringir as

liberdades individuais dos cidadãos. Retórica semelhante, temos

observado no Brasil a partir do governo federal, Jair Bolsonaro, seus

filhos, como o parlamentar Eduardo Bolsonaro, propagandistas do

governo, que conseguiram espaço na imprensa convencional, lobistas

pró-armas e a militância bolsonarista em geral.

Boogaloo
O movimento Boogaloo surgiu em 2019 a partir de um fórum pró-

armas no 4chan. Alude a uma possível guerra civil por causa da questão
de armas e cooptou título, estética e vestuário (camisas floridas) de um

filme trash dos anos de 1980, o “Breakin’ 2: Electric Boogaloo”. Em

suas fileiras, há tanto supremacistas brancos, que utilizam o termo

Boogaloo incentivando uma guerra racial, quanto lobistas e entusiastas

de armas, oponentes radicais de qualquer proposta de lei relativa ao

controle de posse e porte de armamentos.

289
A Liga Antidifamação (ADL) informa que correntes radicais

como o libertarismo (que promove as liberdades individuais e busca um

governo mínimo), o anarcocapitalismo (que busca a remoção dos

governos centrais, mas enfatiza a propriedade privada e o mercado

livre), o voluntariado (que defende que todas as relações sejam baseadas

no consentimento mútuo) e o minarquismo (que busca um governo

mínimo que desempenhe apenas certas funções especificadas) são as

principais influências neste grupo.

Importante destacar que, no grupo terrorista de extrema-direita

Proud Boys, há membros de todos os grupos citados acima, os quais

estiveram envolvidos na invasão do Capitólio dos EUA no dia 06 de

janeiro de 2021.

A fetichização de armas praticada pela direita brasileira, bolsonarista

ou não, é mais uma pauta copiada da direita radical e extrema

americana.

A relação entre o lobby da indústria armamentista e a extrema-

direita é antiga. Desde os anos de 1990, conforme exposto acima, os

EUA enfrentam o aumento do índice de milícias de extrema-direita,

supremacistas e antigovernamentais. As crenças dos membros dessas

milícias políticas são baseadas em diversas teorias conspiratórias

sobrepostas, e o lobby armamentista incentiva essas teorias.


A NRA (National Rifle Association) compartilha com frequência as

teorias conspiratórias, incluindo aquelas a respeito de George Soros. O

maior atentado de terrorismo doméstico nos EUA foi executado por um


extremista de direita ligado às milícias antigovernamentais e pró-armas

(Oklahoma City – 168 mortes). Segundo censos de monitoramento do

terrorismo, extremistas e radicais armados aumentam a probabilidade de

violência política.

Não por acaso, o governo Bolsonaro tem entre suas principais pautas

a ampliação do porte e posse de armas. Não se trata de defesa de

liberdades individuais, mas sim produzir suas próprias milícias políticas

aos moldes daquelas que existem na extrema-direita americana.

290
Em 2019, Olavo de Carvalho anunciou , em suas redes sociais,

que o seu curso seria gratuito para militares. Com a apresentação da

carteira de registro, o militar tem acesso às suas aulas repletas de teorias

conspiratórias e conteúdos da far-right internacional. Sem dúvida

alguma, o processo de radicalização atingirá instituições de Estado como

as forças militares do país.

Expliquei, anteriormente neste mesmo capítulo, que as narrativas e

teorias da conspiração da extrema-direita se sobrepõem a várias outras.

Pouco depois da teoria QAnon se espalhar mundialmente nas franjas

extremistas da direita internacional, mais uma teoria conspiratória

chegou ao mainstream: a teoria “The Great Reset”.


291
“The Great Reset” foi um artigo que depois virou um livro, escrito

e publicado pelo presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus

Schwab.

Trata-se apenas de mais uma das várias propostas que o Fórum

Econômico Mundial sugere, de tempos em tempos, em busca de

soluções para tornar o capitalismo e a globalização menos excludentes e

com mais foco nas questões sociais e ambientais. É usual o Fórum

Econômico Mundial propor algumas mudanças e convidar líderes dos

países livres para pensarem, juntos, em formas melhores de capitalismo.

Porém, em junho de 2020, o príncipe Charles mencionou a respeito

da proposta The Great Reset e, logo depois, o primeiro-ministro


britânico, Boris Johnson, também concordou publicamente.

Após o discurso de do primeiro-ministro da Grã-Bretanha, um site

americano antiambientalista radical – Heartland Institute – produziu um

292 293
texto a respeito da proposta e, logo depois, um artigo da Fox

Business disse que tratava-se da destruição do capitalismo:

Se essas citações não o assustam, elas deveriam.  Aqui temos algumas das pessoas mais

influentes do mundo clamando pela destruição do capitalismo global, enquanto as cidades

americanas queimam, as estátuas dos pais fundadores são demolidas e a economia mundial

luta para se recuperar de seu pior colapso em um século. As mudanças revolucionárias são

sempre mais prováveis de ocorrer no meio do caos.

A teoria apresenta a proposta “The Great Reset” como um grande

complô dos globalistas, as elites liberais, que estariam se aproveitando

da pandemia da COVID-19 para transformar o capitalismo em

294
socialismo e introduzir um novo New Deal , porém verde. A teoria

ganhou proporção após a apresentadora da Fox News, Laura Ingraham,

295
comentar sobre The Great Reset com tons apocalípticos em

novembro de 2020:  “Você conhece a ideia, ‹nunca deixe uma crise ir

para o lixo›”, disse Ingraham em 13 de novembro. “Bem, com o

coronavírus, essa ideia se tornou global. E desde a primavera passada,

pessoas poderosas começaram a usar esta pandemia como uma forma de

forçar mudanças sociais e econômicas radicais em todos os

continentes”.

O alcance de Laura Ingraham fez a teoria viralizar e, em pouco

tempo, seria compartilhada pela far-right internacional, chegando ao

Brasil. Em novembro, poucos dias depois do vídeo apresentado pela

296
âncora da Fox News, o blog bolsonarista Senso Incomum lançou seu

próprio vídeo a respeito da teoria. No início de dezembro de 2020, seria

a vez do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, verbalizar a respeito da

teoria durante a Conferência da ONU e, depois, em seu Twitter

297
pessoal :

A pandemia não pode ser pretexto p/ controle social totalitário violando inclusive os

princípios das Nações Unidas. As liberdades fundamentais não podem ser vítimas da

Covid. Liberdade não é ideologia. Nada de Great Reset.


A proposta The Great Reset virou livro e, apesar das pretensões

pouco realistas, vide a rejeição de muitos países à globalização e a mais

interação e interdependência, as sugestões apresentadas não mostram

nada que possa ser considerado uma grande conspiração global

conforme afirma a far-right.


O livro apresenta sua proposta dividindo em três âmbitos: – macro,

micro e individual – e busca soluções para o mundo pós-COVID de

forma que o capitalismo argumente mais sobre questões sociais e

climáticas além de maior necessidade de interação e interdependência

entre os países:

Se apenas uma palavra tivesse que destilar a essência do século 21, teria que ser

“interdependência”. Subproduto da globalização e do progresso tecnológico, pode ser

definido essencialmente como a dinâmica da dependência recíproca entre os elementos que

compõem um sistema. O fato de a globalização e o progresso tecnológico terem avançado

tanto nas últimas décadas levou alguns especialistas a declarar que o mundo agora está

“hiperconectado” – uma variante da interdependência dos esteroides! O que essa

interdependência significa na prática? Simplesmente que o mundo é “concatenado”:

interligado (SCHWAB e MALLERET, 2020).

Para nacionalistas, nativistas e radicais em geral, a proposta se torna

um grande complô das elites liberais.

Não é a primeira teoria conspiratória e nem será a última.

Desradicalização
O processo de desradicalização enfrenta muitos obstáculos. A Dra.

Karen Stenner, em seu estudo (2005) sobre a dinâmica autoritária,

explica que certas visões de mundo estão inerentemente ligadas a

processos cognitivos dos seres humanos e “que algumas pessoas nunca

viverão confortavelmente em uma democracia liberal moderna”.

O desejo por uniformidade versus diversidade está presente em

30% das sociedades.

A intolerância se manifesta mais comumente em demandas por

ampla conformidade, geralmente incluindo


discriminação legal contra minorias e restrições à imigração;  limites à liberdade de

expressão, reunião e associação;  e a regulamentação do comportamento moral, por

exemplo, por meio de políticas relativas à oração escolar, aborto, censura e

homossexualidade e sua aplicação punitiva.

A respeito de questões religiosas, Stenner indica que tendências ao

autoritarismo estarão presentes quando, nesta parcela que busca por

uniformidade, houver a junção de códigos religiosos rígidos e demanda

por coerção do Estado para a adesão de outros a este. 

Não trata-se apenas de fé pessoal e códigos individuais de conduta, mas também a

compulsão em controlar a diversidade e complexidade do ambiente de alguém, isto é, a

necessidade de regular o ambiente e comportamento de outras pessoas.

E complementa lembrando que

essas compulsões encontram expressão e pesam sobre a política em sociedades religiosas e

irreligiosas; elas persistem nos últimos mesmo apesar da secularização diminuir a demanda

pública por regulamentação moral.

E, o mais importante, que essa compulsão “estende suas garras sobre

todos os domínios do comportamento social, buscando restrições sobre

todo tipo de diferença”.

Para Stenner, essa “dinâmica autoritária” fornece uma explicação

mais ampla a respeito dos conflitos políticos do que somente sob uma

perspectiva de racismo, e uma possível solução seria, em vez de chamá-

los de racistas e intolerantes, demonstrar e fazê-los entender que, apesar

de culturas e comportamentos distintos, todos os humanos têm mais em

comum do que distinções irreconciliáveis. Amam, choram, exercem

senso de comunidade, formam suas famílias e também sofrem diante

dos problemas pessoais que os afligem. Independente de suas afiliações

políticas, religiosas, cor da pele e orientação sexual.

Um dos primeiros estudos de desradicalização foi lançado em 1988 e

focado em indivíduos que partiram e renunciaram seus laços com o

neonazismo nos EUA. A desradicalização requer desligamento e

desengajamento, pois apenas o desligamento não significa que houve

abandono das crenças radicais e extremistas (DAUGHERTY, 2020).


Um dos problemas é que a alt-right é essencialmente cínica.

Contranarrativas solitárias exercem poucos efeitos e costumam oxigenar

seus membros. Andrew Anglin (fundador de um dos principais sites

neonazistas), por exemplo, já deixou claro seu desejo de “transformar a

cultura da Internet em uma arma”. A cultura troll potencializa a entrada


de pessoas cada vez mais jovens no processo de radicalização. Centros

de monitoramento de radicalização e contraterrorismo apostam na

necessidade de uma interação global, agregando mídia, pesquisadores

independentes, laboratórios acadêmicos, governos e plataformas digitais

para que as campanhas ajudem a explicar o ecossistema da extrema-

direita, suas crenças, linguagem e iconografia de forma a estourar as

bolhas e as câmaras de eco:

Campanhas eficazes terão que se basear em um completo compreensão da cultura da

Internet, incluindo o vocabulário da extrema direita, referências da cultura pop, piadas

internas e dinâmica de contra-cultura.  Também encorajar um debate aberto e oferecer

narrativas alternativas às fornecidas por extremistas.

Um melhor compreensão dos ecossistemas e estratégias de redes de extrema direita serão

necessárias para prever tendências futuras e evitar um atraso na resposta às novas táticas

extremistas.”(DAVEY e EBNER, 2017).

Outro obstáculo é a incidência de variadas teorias conspiratórias no

imaginário da far-right. Teorias como a QAnon e Nova Ordem

Mundial criam um processo de gamificação, em que as pessoas se

sentem participando de um jogo no qual cada novo QDrops ou evento

(como a COVID-19) é uma pista nova que comprovaria suas próprias

suspeitas.

O ideal é inocular mensagens aos poucos, desmascarando as teorias:

Se as pessoas forem informadas preventivamente de que podem ser enganadas, eles podem

desenvolver resiliência a mensagens conspiratórias.  Este processo é conhecido

como  inoculação  ou  prebunking  .  Existem dois elementos para uma inoculação: um aviso

explícito de uma ameaça iminente de ser enganado e refutação dos argumentos da

desinformação.  Prebunkings de anti-teorias de conspiração de vacinação foram

consideradas mais eficazes do que desmascarar simplesmente os propagadores das teorias

conspiratórias (LEWANDOWSKY e COOK, 2020).


Outra sugestão são contranarrativas feitas por ex-membros de grupos

radicais, pois exercem efeito maior sobre os conspiracionistas, já que a

questão “empatia” auxilia no processo. Em vez de simplesmente

ridicularizar, o ideal é tentar levar a pessoa a exercer pensamento crítico,

para que ela própria perceba as pontas soltas e incongruentes de suas

crenças. Sites de verificação dos fatos também ajudam a interromper a

rede de desinformação, além de campanhas institucionais a partir de

governos, pois, para a maior parte da população, governos exercem certa

“autoridade moral”.

Teorias da conspiração podem prejudicar a sociedade de diversas

maneiras. Atualmente, o Brasil enfrenta a pior crise sanitária de sua

história, com centenas de milhares de mortos. Parte considerável da

terrível e irresponsável condução do governo federal (Jair Bolsonaro)

frente à pandemia é resultado da crença do núcleo do governo e sua

militância em teorias conspiratórias, em especial, aquelas que criam

rejeição às sugestões de órgãos e agências supranacionais.

A terra não é plana e – infelizmente – o fenômeno é global.

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224. O salafismo,  ou  movimento salafista,  é um

movimento  ortodoxo,  internacionalista  e  ultraconservador dentro do  islamismo  sunita. A

doutrina pode ser resumida por ter “uma abordagem  fundamentalista  do Islã, emulando o

profeta Maomé e seus primeiros seguidores». Eles apoiam a aplicação da xaria (lei islâmica). O

movimento é frequentemente dividido em três categorias: o maior grupo são os puristas, que

evitam a política; o segundo maior grupo são os ativistas, que se envolvem na política; o menor

grupo é o dos jihadistas. Fonte: Wikipédia.

225. Ver em https://gatesofvienna.net/.

226. O chanceler Ernesto Araújo se refere à Batalha de Viena com frequência. Em 11/05/2019,

compartilhou em seu Twitter foto sua à frente de um quadro: “Ontem, no castelo de Varsóvia,

com o retrato do rei polonês Jan Sobieski, vencedor da batalha dos portões de Viena em 1683”.

Ver em https://twitter.com/ernestofaraujo/status/1127292127522762754.

227. Segundo o Hope Not Hate, os principais contrajihadistas são: Pamela Geller –

Blogueira americana, autora e ativista política e uma das principais líderes do movimento

internacional de contrajihad. Foi citada 12 vezes pelo terrorista norueguês; Edward May
(pseudônimos Ned May e Baron Bodissey) – Criador do Gates Of Viena, foi citado mais de

cem vezes por Breivik; David Horowitz – Ex-radical da nova esquerda, mas agora é um

importante comentarista conservador americano. Ele é o fundador do David Horowitz Freedom

Center (DHFC), um proeminente think tank que ajuda a financiar e coordenar atividades

contra a jihad, incluindo o financiamento da Jihad Watch. David e seu instituto foi citado pelo

autor do massacre na Noruega.

228. O  Atentado de Oklahoma City  foi um ato de  terrorismo doméstico  perpetrado

contra o Edifício Federal Alfred P. Murrah, no centro de Oklahoma City, Oklahoma,  EUA, em

19 de abril de 1995. Orquestrado por Timothy McVeigh e Terry Nichols, o ato ocorreu às 9h02,

matou, pelo menos, 168 pessoas,  feriu mais de 680 e destruiu um terço do prédio. Os

terroristas participavam de grupos de extrema-direita com crenças antigovernamentais e

raciais.

229. A ADL (Liga Antidifamação) produz relatórios e estudos de monitoramento do extremismo

e terrorismo. Existem relatórios anuais e também específicos de ataques perpetrados com

A Dark & Constant – Rage 25 Years of Right-Wing


motivação à extrema-direita. Em

Terrorism in the United State, o relatório abrange 25 anos (1993/2017) de terrorismo de


extrema-direita nos EUA. Ver em:

https://www.adl.org/sites/default/files/documents/CR_5154_25YRS%20RightWing%20Terrori

sm_V5.pdf.

230. Might Is Right  ou  The Survival of the Fittest  é um livro do autor Ragnar

Redbeard, geralmente considerado um pseudônimo de  Arthur Desmond.  Publicado pela

primeira vez em 1896, ele defende amoralidade, consequencialismo e hedonismo psicológico  . 

Redbeard rejeita ideias convencionais, como a defesa dos direitos  humanos  e  naturais  e

argumenta, além disso, que apenas a força ou o poder físico podem estabelecer o direito

moral.  O livro também ataca o  cristianismo  e a democracia  .  As teorias de  Friedrich


Nietzsche  sobre  moralidade senhor-escravo  e  mentalidade de rebanho  serviram de inspiração

para o livro de Redbeard. Fonte: Wikipédia.

231. Massacre de Srebrenica foi o maior massacre cometido na Europa desde o fim da
Segunda Guerra Mundial. Em apenas uma semana, entre os dias 11 e 15 de julho de 1995,

8.373 bósnios muçulmanos foram mortos por tropas sérvias.

232. Ver em: https://www.legiaoidentitaria.com/post/2017/12/08/etnopluralismo.

233. Ver em: https://archive.schillerinstitute.com/fid_91-96/921_frankfurt.html.

234. Ibidem.

235. Ibidem.

236. Artigo completo em: https://archive.schillerinstitute.com/fid_91-96/921_frankfurt.html.

237. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) responsável

pelo ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

238. “A Escola de Frankfurt: Satanismo, feiúra e devoção”. Ver em:

https://www.estudosnacionais.com/5847/escola-de-franfkurt-satanismo-feiura-e-revolucao/?

fbclid=IwAR2VwRRqPvlQHMyPtjn59lGICFkZXy_4sr-iMERY-2nQTmJBY4SUjMuQX5E.

239. O doutor em filosofia Eduardo Wolf publicou um excelente artigo a respeito do episódio.

“Plágio, politicamente correto e a paranoia do Inep”. Ver em:

https://www.eusoulivres.org/artigos/plagio-politicamente-correto-e-paranoia-no-inep-de-

bolsonaro/.

240. Grupo autodenominado nacionalista branco revolucionário e que perdurou de 1983 a 1984.

O grupo ficou famoso pelo assassinato do radialista  Alan Berg  em 18 de junho de 1984. “A

Ordem matou três pessoas e roubou milhões de dólares, muitos dos quais foram distribuídos a

líderes nacionalistas brancos e nunca foram recuperados” – J. M. Berger. Ver em:

https://www.theatlantic.com/politics/archive/2016/09/how-the-turner-diaries-changed-white-

nationalism/500039/.

241. Ficção distópica escrita pelo neonazista William Pierce (cujo pseudônimo é Andrew

Macdonald), líder da Aliança Nacional Neonazista, The Turner Diaries influenciou mais de
duzentos atentados terroristas desde sua publicação em 1978.

242. MOLDBUG, Mencius. Right-Wing Terrorism as Folk Activism. Ver em:

https://www.unqualified-reservations.org/2011/07/right-wing-terrorism-as-folk-activism/ .

243. NRx – Neo-reactionary. Essa corrente radical e ultrarreacionária se propõe a ser um


“iluminismo reacionário”. Também conhecida como “iluminismo das trevas”.

244. MOLDBUG, Mencius. “A Formalist Manifesto”.   April 23, 2007. Ver em:

https://www.unqualified-reservations.org/2007/04/formalist-manifesto-originally-posted/.

245. Idem. “The Red Pill’. January 8, 2009. Ver em: https://www.unqualified-

reservations.org/2009/01/gentle-introduction-to-unqualified/.

246. Também chamados de  Batalha de Seattle  - 28 de novembro a 3 de dezembro de

1999.

247. Panóptico é um termo utilizado para designar uma penitenciária ideal, concebida pelo

filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785, que permite a um único vigilante observar

todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. Organiza

espaços que permitem ver, sem ser vistos, portanto, uma garantia de ordem. Assim, a vigilância

torna-se permanente nos seus efeitos, mesmo que não fosse na sua ação. Mais importante do

que vigiar o prisioneiro o tempo inteiro era que este se soubesse vigiado.
248. SOUTHERN, Lauren. “What Is a Globalist?”. 16/09/2016. Ver em:

https://www.youtube.com/watch?v=XumrD3ET3Sg.

249. “O Partido Novo e a velha desinformação globalista”. Ver em:

https://medium.com/@leopiro/o-partido-novo-e-a-velha-desinforma%C3%A7%C3%A3o-

globalista-78d4ae7270fc

250. O Apartheid foi um regime de  segregação racial  implementado na  África do Sul  em

1948 e adotado até 1994.

251. Ver em: https://www.larouchepac.com/061608/your-enemy-george-soros.

252. Artigo completo disponível para download em:

https://larouchepub.com/eiw/public/1997/eirv24n35-19970829/eirv24n35-19970829_022-

george_soros_the_queens_drug_pus.pdf.

253. Ibidem.

254. Entrevista de George Soros em 1993 à afiliada da PBS de Nova York, WNET-TV.

255. THOMPSON, Scott. George Soros: a golem made in Britain. PDF

disponível em: https://larouchepub.com/eiw/public/1997/eirv24n35-19970829/eirv24n35-

19970829_022-george_soros_the_queens_drug_pus.pdf.

256. STEINBERG, Michele; THOMPSON, Scott. Dope Czar Soros Bids to Buy Up
The Democratic Party. EIR. Edição de janeiro de 2004. PDF disponível em:

https://larouchepub.com/eiw/public/2004/eirv31n02-20040116/eirv31n02-20040116_031-

dope_czar_soros_bids_to_buy_up_d.pdf.

257. Após a morte de Enéas Carneiro, a EIR publicou um longo artigo enaltecendo o político

brasileiro. Ver em: https://larouchepub.com/eiw/public/2007/eirv34n21-20070525/32-

35_21_carneiro.pdf.

258. Artigo disponível em: https://olavodecarvalho.org/2006/page/13/.

259. BORGES, Alexandre. O Dono do Mundo. Ver em: https://alexborges.medium.com/o-


dono-do-mundo-36624a44a676.

260. “George Soros, o financiador das esquerdas brasileiras” . Ver em:

https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/bruno-garschagen/george-soros-o-financiador-da-

esquerda-brasileira/.

261. “Soros Conspiracy Theories and The Protests: A Gateway to Antisemitism – ADL”. Ver

em: https://www.adl.org/blog/soros-conspiracy-theories-and-the-protests-a-gateway-to-

antisemitism.

262. A conta de Donald Trump na plataforma Twitter foi banida indefinidamente. Desta forma,

não é mais possível recuperar seus tweets conspiracionistas.

263. Ver em: https://es.wikipedia.org/wiki/Tiroteo_de_la_sinagoga_de_Pittsburgh.

264. “Alexander Soros: The Hate That Is Consuming Us”. Ver em:

https://www.nytimes.com/2018/10/24/opinion/george-soros-mailbox-bomb.html.

265. #StopSoros: Dia Internacional de Combate a George Soros. Disponível em:

https://tercalivre.com.br/stopsoros-dia-internacional-de-combate-a-george-soros/.

266. “This Stunningly Racist French Novel Is How Steve Bannon Explains The World”. Ver em:

https://www.huffpost.com/entry/steve-bannon-camp-of-the-saints-

immigration_n_58b75206e4b0284854b3dc03.

267. “White House senior policy adviser Stephen Miller recommended an explicitly racist novel
to Breitbart News at a time when the book was obscure outside white nationalist circles,  a

Hatewatch investigation revealed”. Ver em:

https://www.splcenter.org/hatewatch/2019/11/12/miller-pushed-racist-camp-saints-beloved-far-

right.

268. “Pope Francis is urging America to throw open her borders  to thousands of impoverished

migrants, in part to atone for the ‘sins’ of the colonial era ”. Disponível em:

http://archive.li/TLE7z#selection-477.0-477.148.

269. “The Unz review”. Ver em: https://www.unz.com/article/tucker-carlson-doubles-down-on-

replacement-explicitly-mentions-white-replacement-and-targets-the-adls-hypocrisy/ .

270. “New DOJ Statistics on Race and Violent Crime”. Ver em:

http://archive.li/OxcWO#selection-315.0-315.44.

271. “Ex-jogadora de vôlei Ana Paula associa negros a números de crimes nos EUA e é rebatida

por colega”. Ver em: https://blogs.ne10.uol.com.br/social1/2020/06/07/ex-jogadora-de-volei-

ana-paula-associa-negros-a-numeros-de-crimes-nos-eua-e-e-rebatida-por-colega/.

272. Ver tweet em: https://twitter.com/AnaPaulaVolei/status/1268278135600017408?s=20.

273. “What a 1973 French Novel Tells Us About Marine Le Pen, Steve Bannon and the Rise of

the Populist Right”. Ver em: https://www.politico.com/magazine/story/2017/04/23/what-a-

1973-french-novel-tells-us-about-marine-le-pen-steve-bannon-and-the-rise-of-the-populist-

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274. “Jean Raspail, autor de Camp of the Saints: Our Civilization Is Disappearing”. Ver em:

http://archive.li/JObME#selection-647.0-647.77.

275. Disponível em: https://www.counterextremism.com/blog/reflections-anniversary-

christchurch-and-great-replacement.

276. CRUZ, Paulo. Trump é Racista? 03/11/2020. Ver em:

https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/donald-trump-racista/.

277. “The Paranoid Style in American Politics”. Novembro 9 de 1964. Harper’s magazine.

Disponível em: https://harpers.org/archive/1964/11/the-paranoid-style-in-american-politics/.

278. “Eles estão no meio de nós”. Ver em: http://elesestaonomeiodenos.com/.

279. Por exemplo, o canal “Te Atualizei”.

280. “What Is ‘Stochastic Terrorism’, And Why Is It Trending?”. Ver em:

https://www.dictionary.com/e/what-is-stochastic-terrorism/.

281.Terrorismo doméstico. Quando os atentados terroristas são  cometidos por


cidadãos ou residentes permanentes de um Estado contra o seu próprio
povo ou governo. Exemplo: Anders Breivik no atentado em Oslo – Noruega.
282. “Right-Wing Embrace Of Conspiracy Is ‘Mass Radicalization,’ Experts Warn”. Ver em:

https://www.npr.org/2020/12/15/946381523/right-wing-embrace-of-conspiracy-is-mass-

radicalization-experts-warn.

283. Durante o período da ditadura militar, ocorreram episódios de terrorismo doméstico

praticados por grupos extremistas de esquerda e, em 2019, a sede do grupo humorístico “Porta

dos Fundos” foi alvo de um ataque à bomba após a publicação de um episódio no qual a figura

de Jesus Cristo era ridicularizada.

284. “Se você virar jacaré é problema de você”. Ver em: https://istoe.com.br/bolsonaro-sobre-

vacina-de-pfizer-se-voce-virar-um-jacare-e-problema-de-voce/ .

285. TGA. O grande despertar refere-se, dentro da teoria QAnon, ao período após a
“Tempestade” quando a humanidade estará liberta dos muitos males da cabala, inaugurando

um novo período de prosperidade global. Assemelha-se às crenças dos perenialistas de que,

após a Idade das Trevas, haverá a Idade do Ouro.

286. “Farmacêutico que tentou destruir 500 doses de vacina armazenada nos EUA acreditava em

teoria da conspiração”. Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/farmac%C3%AAutico-

que-tentou-destruir-500-163802507.html.

287. Apresentação ao mapa dos grupos armados do Rio de Janeiro – GENI:

https://atualprodutora.com/wp-content/uploads/2020/10/apresentacao-16.10.2020.pdf.

288. “Antigovernament Moviments – Southern Poverty Law Center”. Ver em:

https://www.splcenter.org/fighting-hate/extremist-files/ideology/antigovernment.

289. The Boogaloo Movement Report – ADL. Ver em: https://www.adl.org/boogaloo.

290. “Olavo de Carvalho anuncia curso grátis para Polícia Militar”. Ver em:

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291. “What Kind of Capitalism Do We Want?”. Ver em: https://time.com/5742066/klaus-

schwab-stakeholder-capitalism-davos/.

292. “Global Elites Announce ‘Great Reset’ Plan — And It’s Even More Radical Than the Green

New Dealmentar”. Ver em: https://stoppingsocialism.com/2020/06/global-reset-climate-

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293. “Al Gore, UN Secretary-General, others now demanding ‘Great Reset’ of global

capitalismo”. Verhttps://www.foxbusiness.com/markets/al-gore-un-
em:

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294. O New Deal foi uma série de programas implementados nos EUA entre 1933 e 1937,

sob o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar

a economia americana, além de auxiliar os prejudicados pela Grande Depressão. Fonte:

Wikipédia.

295. “Ingraham: ‘Biden and the global reset’ threaten economy, liberty”. Vídeo disponível em:

https://video.foxnews.com/v/6209546305001#sp=show-clips.

296. “Guten Morgen 109: Pós-capitalismo – The great reset”. Ver em:

https://sensoincomum.org/2020/11/20/guten-morgen-109-pos-capitalismo-the-great-reset-2/ .
297. Ver em: https://twitter.com/ernestofaraujo/status/1334918898509082639.
Capítulo 8

“A política do medo”:

o Populismo Iliberal no Brasil


Eu sou, realmente, a Constituição.
Jair Bolsonaro

Nem Jair Bolsonaro é a Constituição e nem o populismo começou a

partir do Brexit e a eleição de Trump.

O uso instrumental de medos e ressentimentos para colocar em

prática projetos de poder, porém, camuflados como vontade geral do

povo data desde o século XIX – o Partido Popular da década de 1890


nos EUA e o  narodnichestvo  de intelectuais russos (CANOVAN,

1981).

Não há consenso na academia a respeito da definição do populismo,

porém, não há dissenso na definição de que o populismo é camaleônico,

adequa-se onde quer que “haja uma ideologia de ressentimento contra a

ordem imposta à sociedade” (TAGGART, 2000).

Para o estudioso do fascismo Federico Finchelstein, o populismo

deriva de uma longa tradição antiliberal, que reformulou os legados do

anti-iluminismo (FINCHELSTEIN, 2017) e, sendo uma forma

autoritária de democracia, surgiu originalmente como uma reformulação

do fascismo no pós-guerra.

Diferentemente da definição produzida pelo senso comum da opinião

pública no Brasil – que o confunde com políticas assistencialistas –, o

populismo é uma forma de se fazer política na qual o líder opõe o povo a

uma suposta elite maléfica; esse povo seria virtuoso e o líder, aquele que
realmente escuta a voz do povo e o representa (ALBERTAZZI e

MCDONNELL, 2008).

Políticas econômicas e ideologias não o definem e não o limitam. “O

populismo tem sido uma ferramenta de progressistas, de reacionários, de

democratas, de autocratas, de esquerda e de direita” (TAGGART, 2000).

Em comum, populistas – por mais díspares que sejam em suas

ideologias – operam a “política do medo”, criando bodes expiatórios,

polarizando a sociedade, alimentando ressentimentos e

instrumentalizando as reações para concentrar poder e solapar

democracias representativas, constitucionais (democracias liberais),

propondo uma democracia direta na qual o líder é o messias, o salvador

e representante do “povo verdadeiro”, o “povo virtuoso” que foi

esquecido pelas elites.

O populismo é, portanto, retórica, forma e conteúdo, de forma que o

último é adaptado aos interesses daquele que acredita – e/ou sugere –

personificar a volonté générale – a vontade geral do povo.


Com frequência, populistas conseguem instrumentalizar movimentos

populares que já apresentam retórica populista (nós x eles), por exemplo,

o bolsonarismo e – anterior ao fenômeno que nos é contemporâneo – o

Occupy Wall Street e o Tea Party.

De acordo com a especialista em pensamento político moderno e

contemporâneo e tradições democráticas/antidemocráticas, Nadia

Urbinati, o Occupy Wall Street apresentava um slogan que se enquadra


no discurso formal do populismo: nós somos 99% (polarização entre

muitos e poucos e contestação da representatividade), porém era mais

um movimento popular de contestação do que propriamente um projeto

de poder populista. Enquanto o Tea Party era um movimento populista

em busca de um líder que questionasse o status quo do Partido

Republicano – (re)surgiu com Trump – para conquistar as instituições


representativas e ganhar a maioria com o intuito de modelar toda a

sociedade à sua ideologia (URBINATI, 2014).

O populismo tem um longo histórico e exerce fascínio aos críticos do

liberalismo, à esquerda e à direita. Na América Latina, produziu líderes,

autocratas ou não, no Peru (Fujimori), Venezuela (Hugo Chávez e

Nicolás Maduro), Brasil (Getúlio Vargas, Collor, Lula e Bolsonaro),

Nicarágua (Daniel Ortega), Argentina (Juan Domingo Perón, os


Kirchners), Equador (Rafael Correa) e Bolívia (Evo Morales),

enquanto na América do Norte, estava em gestação há décadas (desde

1960) a partir de teóricos ligados às correntes radicais da direita

(paleoconservadorismo e paleolibertarianismo), além das correntes

radicais ligadas ao Partido Democrata (um exemplo contemporâneo é o

político Bernie Sanders).

Na Europa, palco das duas maiores guerras mundiais e do fascismo

histórico, figuras e partidos populistas de direita ascenderam ao

mainstream desde os anos de 1980, e com mais intensidade a partir

dos anos 2000. As mudanças sociais e culturais do pós-guerra, a

estruturação das democracias liberais como sistema preferível e eficaz

para salvaguardar as liberdades individuais, proteger minorias e

estabelecer o Estado de Direito como condição sine qua non às

sociedades democráticas saudáveis, deram aos movimentos e partidos

populistas elementos que iriam alimentar sua retórica até os dias atuais:

“o mito de uma nação homogênea, um romântico e populista ultra-

nacionalismo que é dirigido contra o conceito de liberal e democracia

pluralista e seus princípios básicos de individualismo e universalismo”

(HAINSWORTH, 2008).

O partido de Jean-Marie Le Pen (Front National – FN, atualmente

denominado como Rassemblement National), nos anos de 1990, já

verbalizava a respeito da Nova Ordem Mundial, congruente com os


paleoconservadores americanos, apesar da mudança de posição do FN

para anti-EUA:

É considerando esta construção da Nova Ordem Mundial que nossa mudança de atitude

sobre as políticas dos Estados Unidos deve ser entendido. Quando a Guerra Fria estava no

seu pior, e o Exército Vermelho era ameaçador, a OTAN tinha sua razão de ser. A presença

americana contribuiu para conter o expansionismo soviético e para assegurar nossa

liberdade. Agora, as coisas mudaram.  A OTAN está sendo reconvertida no punho armado

da Nova Ordem Mundial. Longe de ser ‘europeizado’... impõe-se às nações da Europa uma

americanização de seus conceitos diplomáticos e militares... Na verdade, o problema de

hoje... [deve ser visto] em termos de clivagem entre as tesouras de poda da Nova Ordem

Mundial e defensores de identidades, isto é, defensores de nações... Este é o sentido de meu

grito de guerra: ‹Nacionalistas de todos os países, uni-vos!›... A Casa Branca tornou-se o

Cavalo de Tróia da globalização”, disse Jean Marie Le Pen (Ibidem).

Na Áustria, o FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria), já sob a

liderança do populista de direita radical Jörg Haider  – que, com

frequência, lançava tropos antissemitas na mídia para causar reação e

assim amplificar suas mensagens – em pouco mais de uma década,

triplicou os índices de votos do partido (Haider morreu em 2008 num

acidente automobilístico). Do outro lado do Oceano Atlântico, uma

gama de pensadores – que ficavam às margens do mainstream


republicano – apelavam à radicalização e a uma ruptura com o

liberalismo e conservadorismo convencionais a partir do uso

instrumental de parcelas da população que, em 1976, o cientista político

Donald Warren (1976) denominou como MARS (Middle American

Radicals) pessoas da classe média, sem ideologia definida, que tinham a

sensação de terem sido negligenciadas e esmagadas por forças opostas

porém centrífugas, de um lado, condenavam políticas de bem-estar

social aos pobres e negros e que não chegavam a eles, e por outro,

culpavam as elites por essa alienação, pois, de acordo com as suas

visões, Favoreciam ricos e pobres e se esqueciam da classe média.

Essa parcela representava, nos anos de 1970, um quarto do eleitorado

e foi sobre ela que radicais populistas da direita operaram ao longo dos

anos, formulando propostas e conceitos nas quais incluíam elementos

raciais (ponto central do paleoconservadorismo em geral), de gênero –


as mudanças dos padrões tradicionais de comportamento do masculino

com a entrada de mulheres no mercado de trabalho e reestruturação da

vida doméstica (NEWTON in HAINSWORTH, 2008) -, étnicos e

culturais.

Paul Gottfried, Samuel Francis, Christopher Lasch, para citar alguns

nomes, já pediam por uma revolução populista no início dos anos de

1990. Em seu livroAfter The Liberalism, no trecho em resposta ao


livro The Anatomy Of Antiliberalism de Stephen Holmes – no
qual, corretamente, este autor estuda as teses dos teóricos não marxistas,

porém antiliberais, como Carl Schmitt, Leo Strauss e Christopher

298
Lasch , – Gotffried (1999) lamenta que existisse uma demonização

dos movimentos populistas de direita e afirma que

299
pedidos de controle comunitário ou local em questões morais e sociais provavelmente

levantarão suspeitas de jornalistas e da mídia. Tais demandas normalmente trazem ataques

prejudiciais à mentalidade fascista.

E que

como Christopher Lasch corretamente observa, apesar do gosto de Wolfe por tropas

populistas, ele não se opõe ao estabelecimento político, exceto na medida em que tolera um

mercado quase livre. Em qualquer caso, os apelos a uma herança moral tornaram-se

divisivos em nossa sociedade.

Os MARs seriam o eleitorado de políticos dissidentes e populistas da

direita radical como Ross Perot, George Wallace e Pat Buchanan e,

ainda em 1982, Samuel Francis (que, nos anos de 1990, escreveria a

chamada “bíblia da alt-right300”) afirmava que


a Nova Direita não será a ponta de lança da revolução do americano médio se estiver

preocupada apenas com a política em um sentido formal estrito. Deve ir além das táticas de

coalizões eleitorais e votações nominais e desenvolver uma estratégia para a tomada do

poder social real, para a derrubada do chamado “estado gerencial”, o establishment.

Complementando com a proposta de

sintetizar seu apelo à identidade de grupo (racial ou nacional) por meio de uma imagem de

‘nós contra eles’ com uma demanda pela reparação do sofrimento econômico.

Paleoconservadores e paleolibertários assimilaram as ideias da

Nouvelle Droite, praticando um “gramscismo de direita” utilizando


linguagem com apelo às questões raciais, étnicas, religiosas e,

eventualmente, econômicas.

301
Disse Francis em 1996 na revista Chronicles :

Mais cedo ou mais tarde, conforme as elites globalistas buscam arrastar o país para

conflitos e compromissos globais, presidir a pastoralização econômica dos Estados Unidos,

administrar a deslegitimação de nossa própria cultura e a expropriação de nosso povo e

desconsiderar ou diminuir nossos interesses nacionais e soberania nacional, uma reação

nacionalista é quase inevitável e provavelmente assumirá forma populista quando

chegar. Quanto mais cedo acontecer, melhor.

Para Pat Buchanan, ele já havia sugerido o slogan “American

First”, depois, reutilizado por Donald Trump.

Os escritos de Francis, Gottfried, Lasch e outros, antes de serem uma

previsão à vitória de Trump, eram propostas incessantemente

compartilhada por esses pensadores paleoconservadores e que foram

levadas à risca pelos fomentadores do populismo radical de direita

mundo afora.

Conquistas liberais como a separação de poderes, eleições justas,

imprensa livre, tolerância religiosa, Estado de Direito, proteção às

minorias, respeito à dignidade humana, segundo esses iliberais,

destroem os “laços comunitários” e causam uma suposta decadência

cultural e desintegração moral.

302
Em 2009, Bannon e Andrews Breitbart iriam juntos exercer força

motriz para a ascensão do movimento populista de direita radical Tea

Party. Em 2010, o documentário de Steve Bannon “Battle for America”

animava fileiras da direita radical no mundo inteiro. Neste período,

Bannon ampliava seus contatos com a extrema-direita europeia,

aproximando-se de Nigel Farage (UKIP – Partido da Independência do

Reino Unido), um ultranacionalista anti-imigração e anti-União

Europeia. Era a gestação do Brexit (a saída do Reino Unido do órgão

supranacional).

As bases da alt-right estavam formadas. A internet conectaria os

agentes da far-right de forma transnacional.


Aqui no Brasil, Olavo de Carvalho já compartilhava a teoria

conspiratória do birtherism (a informação falsa de que Obama havia

nascido no Quênia e sua certidão de nascimento como amerciano era

falsa). Em um artigo publicado originalmente no Diário do

303
Comércio , em 2008, Olavo publicava a teoria:

Para que se instaure o processo, basta o fato bruto de que o documento nunca apareceu, de

que portanto não existe uma única prova de que Obama tem cidadania legal. Acontece que,

a essa afirmação líquida e certa, Berg acrescentou alguns fortes indícios de que (1) A cópia

eletrônica exibida pela campanha de Obama é falsa; (2) Obama nasceu no Quênia. Os

defensores de Obama, alegando a insuficiência destes argumentos suplementares, procuram

apenas esquivar-se de responder ao ponto central: Cadê a certidão impressa? Se Obama

tivesse uma, bastaria apresentá-la e seria inocentado no ato. O que seus advogados fizeram

foi dar a entender que ele não tem mesmo nenhuma.

Na Hungria, Viktor Orbán, completando uma guinada antiliberal que

levou quase uma década, se tornaria presidente e implementaria o

conceito de “democracia iliberal” que, anos antes, 1997, o cientista

político Fareed Zakaria havia observado em artigo para a revista Foreign

Affairs.

Questionado pelo diplomata americano Richard Holbrooke às vésperas das eleições de

1996 na Bósnia: o que dizer quando uma eleição ocorre de modo livre e justo, mas o povo

termina por escolher racistas, fascistas, separatistas e outros agentes publicamente

contrários à paz e à integração? Zakaria notou que a preocupação de Holbrooke com a ex-

Iugoslávia poderia ser transposta para vários outros locais do mundo, onde governos eleitos

ou referendados legitimamente (às vezes de maneira repetida) costumam ignorar os limites

constitucionais e privar a população que o elegeu ou aceitou de direitos fundamentais, e

que a maior parte dos países que se situam em algum ponto do espectro entre as ditaduras

reconhecidas e as democracias consolidadas (países em democratização) são democracias

iliberais, onde o povo possui maior proteção às liberdades políticas (existem eleições), e

304
menor às liberdades civis .

Há o voto, eleições (nem sempre limpas e justas), porém os

princípios liberais e a democracia constitucional não estão garantidos.

O populismo, per se, é iliberal, visto que antagoniza a sociedade

entre “nós x eles” e ancora-se na superioridade numérica eleitoral para

subjugar minorias (no extremo, perseguir) às suas agendas e diretrizes

morais.
Conforme descrito anteriormente neste livro, o processo de

radicalização da direita brasileira foi longo. Se desde 2014 o nome de

Jair Bolsonaro para comandar essa “revolta populista” era ventilado, foi

a partir de 2016, com a alt-right como modelo de fazer política dentro


da bolha da direita, que a imposição de seu nome iria se intensificar.

Guerra cultural, teorias conspiratórias, fake news, assédio virtual e

todos os métodos da alt-right inundariam as redes, e das redes

chegariam ao âmbito físico com a vitória do populista autoritário de

extrema-direita.

Em 2016, Rodrigo Duterte, nas Filipinas, venceu a eleição

majoritária a partir de um processo de manipulação da opinião pública

com o uso de plataformas de mídia digital (POMERANTSEV, 2019)

semelhante ao processo do bolsonarismo.

Assim como Bolsonaro, Duterte tinha mais de trinta anos na carreira

política (foi prefeito de uma cidade por sete mandatos não consecutivos)

quando ascendeu ao poder, e os dois, mesmo diante da longa trajetória

dentro do status quo político, se basearam na retórica

“antiestablishment” durante suas campanhas. Ambos também formaram

clãs políticos, com seus filhos foram eleitos em diferentes cargos

legislativos. Um dos temas principais da campanha (e retórica atual) de

Duterte era o combate à criminalidade ligada ao tráfico de drogas.

Usuários e traficantes não têm diferença para ele. O bordão “bandido

bom é bandido morto” poderia ter sido dele.

Assim como ocorre no Brasil e em outros países, a população das

Filipinas parece viver uma “nostalgia autocrática”, acreditando que um

líder forte e autoritário é o ideal.

Tanto Bolsonaro quanto o presidente filipino tiveram nas redes

sociais um vetor decisivo para a vitória, e as semelhanças incluem o

assédio virtual que bots políticos e a militância real faziam contra os

críticos, gerando uma coerção velada. Foi o primeiro candidato à


presidência a se utilizar desse expediente com eficácia, antes de Trump

nos EUA e Bolsonaro aqui no Brasil. O sucesso dos dois foi construído

em três fatores principais: as fraquezas de seus oponentes; a força de sua

estratégia de mídia social com manipulação da opinião pública e a

capacidade de se retratarem como a única esperança para a salvação

nacional (retórica populista). Os dois também exibem uma relação

paternalista com as forças militares: promessas de melhorias salariais,

benefícios, inimputabilidade para crimes cometidos por agentes de

segurança (o chamado excludente de ilicitude) e loteamento de postos no

governo para a classe. Neste último ponto, o governo Bolsonaro já

ultrapassou o de Duterte na questão de militarização no governo. Até o

final de 2017, as Filipinas eram consideradas a democracia com mais

militares em altos postos do poder no mundo, porém, o Brasil, sob o

governo Bolsonaro, já ocupou esse posto no ranking.


O apelo dessa geração de líderes, nas palavras do ensaísta indiano

Pankaj Mishra (in HEYDARIAN, 2017), está em “oferecer tanto

autoridade despótica quanto um novo relacionamento – via mídias

sociais, uma comunicação direta – entre os governantes e os

governados”. É, na verdade, o populismo por ele mesmo.

Entre as dezenas de retóricas beligerantes de Duterte, a semelhança

com Bolsonaro também é cristalina:

Esqueçam as leis dos direitos humanos. Se eu chegar ao palácio presidencial, vou continuar

a fazer o que fazia quando era prefeito. Seus traficantes de droga, bandidos, homens que

não fazem nada, é melhor deixarem-se disso, senão vou matá-los. Vou deitar todos os

305
traficantes à baia de Manila e engordar os peixes .

Ou ainda:

Eu vi a cara dela e pensei: “Que pena, eles violaram-na. Fiquei louco por ela ser violada,

era tão bonita. Pensei que o presidente da Câmara devia ter sido o primeiro” (Rodrigo

Duterte falava sobre a violação de uma missionária australiana durante um motim numa

306
prisão, em Davao) .

Apesar da far-right atuar de forma transnacional, os populistas

autoritários que chegaram ao poder e líderes de partidos não são


uniformes. Le Pen (França), por exemplo, não é antissecular, é estatista;

e o FN é antiamericanismo desde a década de 1990 após a Guerra do

Golfo (apoiaram Saddam Hussein), enquanto os populistas do Brasil,

Hungria, Polônia, Índia, Eslovênia, EUA, Turquia e Itália utilizam-se de

apelos como identidade cristã/muçulmana e/ou hindu para angariarem

adeptos e transformarem suas crenças religiosas em políticas de Estado.

O bolsonarismo inspira-se fortemente nas políticas que observam

serem executadas por Trump (EUA), Andrzej Duda (Polônia / Partido de

Lei e Justiça – PiS) e Viktor Orbán (Hungria / União Cívica Húngara –

Fidesz). Eduardo Bolsonaro e sites bolsonaristas compartilham com

frequência blogueiros e políticos ligados ao PiS.

Em janeiro de 2021, um comentário em uma publicação do deputado

federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, dizia que

Pinochet tinha “antibióticos” para a esquerda (alusão ao assassinato de

opositores praticados durante o regime ditatorial de Pinochet). O

307
comentário foi feito pelo @BasedBrazil . Este perfil, criado em 2020,

foi inspirado no perfil polonês @BasedPoland, e Eduardo foi o primeiro

no ecossistema digital bolsonarista a indicar o BasedBrasil. Adam

Starzyński, comentarista criador do BasedPoland, criou uma conta pró-

governo Duda escrevendo não em polonês, mas em inglês, para ampliar

o alcance da extrema-direita polonesa. Existem perfis semelhantes na

Hungria, Bélgica, Espanha e agora no Brasil.

Na ascensão da far-right e do populismo de direita radical, a Rússia


não pode ser esquecida. O autocrata Vladimir Putin e oligarcas russos,

completamente antiliberais, exibem um longo histórico de financiamento

e relações com movimentos da extrema-direita ocidentais :


O papel do presidente Putin como patrono da convergência da extrema-direita precede as

vitórias de Brexit ou de Trump, mas esses eventos serviram para encorajar o que era uma

308
estratégia existente para construir um soft power. (Iliberal).  Em 2017 , por exemplo, ele

procurou intervir nas eleições francesas, fornecendo fundos para a candidatura de Marine

Le Pen, um presente que ela deveria reconhecer viajando para encontrá-lo quatro semanas

antes da eleição (RENTON, 2019).


As relações da Rússia com a extrema-direita ocidental intensificaram

a partir do colapso da URSS. Os vínculos entre atores russos e ativistas,

publicitários, ideólogos e políticos ocidentais de extrema-direita são

detalhados pelo escritor ucraniano Anton Shekhovtsov. Desde os anos

de 1990, utilizam movimentos e partidos de extrema-direita para

criarem legitimidade às políticas e ações – iliberais – da Rússia em

âmbito doméstico e também internacional e, principalmente, aumentar a

desconfiança e minar o consenso liberal-democrático do pós-guerra no

ocidente.

Shekhovtsov informa que “antigos e novos atores estiveram

envolvidos em sediar conferências internacionais de extrema direita

desde 2005”. O ideólogo extremista Aleksandr Dugin, que realiza

cooperação internacional com extremistas de direita do ocidente desde a

década de 1990,

manteve sua posição como o advogado russo mais ativo da extrema direita internacional.

Em 2008, Dugin foi nomeado por Putin ao cargo de professor do Departamento de

Sociologia da Universidade Estadual de Moscou e criou o “Centro de Pesquisa

Conservadora”, um think-tank que promove a agenda da Nouvelle Droite. Na palestra

“Contra o Mundo Pós-Moderno” que foi realizada em 2011, o evento teve uma agenda

claramente política refletindo a abordagem da Nova Direita ao Tradicionalismo Integral,

que implica o uso do vocabulário tradicionalista como camuflagem para ideias de extrema

direita. Membros do Front National estavam presentes (SHEKHOVTSOV, 2018).

309
Olavo de Carvalho afirmou , em artigo do dia 27 de abril de 2017,

que ele próprio foi o primeiro a mencionar o nome do ideólogo de

extrema-direita, perenialista russo, na mídia brasileira e que já o

acompanhava desde 2003:

Aceitei o debate porque já acompanhava o desenvolvimento das ideias do professor Duguin

desde pelo menos 2003, tendo sido o primeiro a mencionar-lhe o nome na mídia nacional,

num tempo em que até nos Estados Unidos ele era praticamente ignorado. Naquela época a

doutrina que ele compartilhava com o escritor Eduard Limonov ainda era conhecida como

“nacional-bolchevismo”.

O debate foi transformado em livro, Os EUA e a Nova Ordem


Mundial 310
e, segundo o próprio Olavo,
As idéias do prof. Duguin eram uma síntese complexa dos seguintes elementos: o

marxismo-leninismo-stalinismo, a geopolítica de Halford J. Mackinder e Karl Haushoffer,

o messianismo russo de Aleksei Khomiakov, Nicolai Danilevski, Fiodor Dostoiévski e

Vladimir Soloviev, o islamismo, o esoterismo de René Guénon e Julius Evola, bem como o

pensamento “revolucionário conservador” (protonazista) de Moeller van den Bruck e

Edgar Julius Jung.

Também afirmou que

não existia ninguém, nos meios jornalísticos e acadêmicos deste país, que conhecesse todas

essas áreas do pensamento pelo menos o suficiente para entender do que o prof. Duguin

está falando. Não existia em 2003, não existia em 2011 e não existe agora.

Além dele, claro.

De fato, não havia, pois a extrema-direita e o tradicionalismo no

Brasil foram, sem dúvida, introduzidos pelo próprio Olavo e seus alunos

no debate público. Não por jornalistas e acadêmicos.

Segundo Dugin, tanto o liberalismo quanto o comunismo e o

fascismo feneceram, e seria preciso uma nova teoria política para a

geopolítica mundial: a “quarta teoria política” (que agrega elementos do

nazismo, bolchevismo e tradicionalismo), que ele considera ser uma

alternativa ao “pós-liberalismo”. Sua quarta teoria seria uma espécie de

cruzada contra a “pós-modernidade”.

Não com o mesmo nome, mas com o mesmo cerne de ideias, a

“cruzada contra o mundo moderno” e contra o consenso liberal do pós-

guerra anima a far-right ocidental. Ainda na década de 1990, Lyndon

311
LaRouche havia estabelecido relações com a Rússia . Décadas depois,

a ex-esposa, de nacionalidade russa, de um dos principais altrighters

312 313
(Richard Spencer) – Nina Kouprianova – seria tradutora das obras

de Dugin para a língua inglesa.

Também o ultranacionalista de extrema-direita, o britânico Nigel

Farage, que seria sugerido como “grande estadista” pelos principais

formadores de opinião da bolha virtual da direita ao longo de anos –

especialmente após o episódio do Brexit -, nunca escondeu sua

314
admiração e relações com a Rússia e Putin. Em entrevista , Farage

confirmou sua admiração por Vladimir Putin e afirmou:


Eu quero que a UE seja destruída e não importa se Deus ou o Dalai Lama querem que tudo

esteja bem.  A UE é uma estrutura antidemocrática e fracassada.  Você sabe, você é a

primeira pessoa que me perguntou se a Rússia me apoiou.  Talvez você tenha uma

mentalidade alemã especial. Nenhum outro jornalista no mundo fez essas perguntas.

Ao ser questionado se ele havia se encontrado com o subchefe da

missão da embaixada russa em Londres, Farage inicialmente respondeu

que não, mas, ao ser confrontado, verbalizou que sim e seus motivos:

Ah, espere.  Ele veio ao escritório do EP.  Ou eu me encontrei com ele em Londres.  E

daí?... Eu acho que você é um maluco! Você é realmente um maluco!. 

O Brexit é a melhor coisa que já aconteceu: pela Rússia, pela América, pela Alemanha e

pela democracia. E esse é o ponto chave.

Farage é um líder populista de extrema-direita que julga falar não

apenas em nome do “povo” da nação da qual ele faz parte, mas também

de outras nações.

Populistas são, essencialmente, presunçosos e narcisistas.

Escandalização x Oxigenação
Por ser uma política do medo, o populista atua com uma dinâmica de

criar inimigos, imaginários ou reais, todo o tempo. Daniele Albertazzi

rotula como “dramatização” a “necessidade de gerar tensão para

construir um apoio denunciando hipotéticas tragédias que aconteceriam

à comunidade se ela fosse privada de suas defesas” (in WODAK, 2015).

A escandalização é um método dos populistas da direita radical e

extrema para a captura da atenção e ampliação de suas pautas, para que

elas cheguem ao debate público e se normalizem. Uma “normalidade

maligna”. E está presente desde nas afirmações antissemitas e racistas

de Buchanan, Le Pen e Haider como também nas de diversos

negacionistas do Holocausto.

Está presente na retórica de Trump, Bolsonaro, Erdoğan (Turquia),

André Ventura (do partido Chega – Portugal), Janez Janša (Eslovênia),

Santiago Abascal (do partido Vox – Espanha), Salvini (Itália), Orbán


(Hungria) e Duda (Polônia). Com o advento da WWW e com a alt-
right, a “escandalização” foi aprimorada com o “trolling”.
O objetivo último é que as normas do discurso público aceitável

sejam modificadas, ampliadas para a aceitação e a normalização do

absurdo, do intolerável.

É a movimentação da “Janela de Overton” o intuito principal da

metapolítica da extrema-direita, que também se utiliza hoje do trolling


e da fomentação às “ shitstorms” (em tradução vulgar, tempestade de

merda) – o assédio on-line com uma tempestade de merda. É essencial

frisar que o uso do trolling e a incitação às shitstorms não é

exclusividade dos radicais e extremistas de direita, pois radicais e

extremistas de esquerda também se utilizam dos mesmos métodos (os

nefastos “cancelamentos”).

Muito mais importante do que vencer uma eleição, para a extrema-

direita e seus líderes populistas, é pautar o debate e conseguir

engajamento para suas ideias.

O trabalho da imprensa fica, desta forma, entre duas escolhas

difíceis: informar o público a respeito das ações e discursos dos líderes

radicais e/ou figuras proeminentes de seu governo e militância; ou

ignorá-los, e, desta forma, desprezar a cobertura jornalística sobre fatos

que interferem na sociedade.

Fazer uma cobertura maximizada do trolling executado pela

extrema-direita traz como resultados, informa o relatório The Oxygen


of Amplification (PHILIPS, 2020):
• Aumentar a probabilidade de desinformação e táticas
de assédio que serão usadas no futuro. Os agentes de

desinformação escolhem como alvos, preferencialmente, jornalistas e

personalidades públicas que possam amplificar seus alcances. O alvo


do ataque, ao respondê-los, alimenta mídia espontânea para o troll e

coloca em pauta a mensagem do indivíduo.

• A amplificação lhes fornece visibilidade que de outra


forma não seria possível, pois ficariam restritos à sua
bolha virtual.
• A amplificação geralmente beneficia aqueles que
pretendem manipular jornalistas e personalidades
públicas.
• Com a amplificação, a tendência é ocorrer
dessensibilização e normalização de visões incivilizadas.
A linguagem beligerante, quando amplificada diariamente, torna as

pessoas mais resilientes e com menos propensão de denunciar as

mensagens violentas e de ameaças a grupos e indivíduos.

• A amplificação aumenta a probabilidade de viralizar


notícias falsas e teorias conspiratórias.
• A amplificação fornece o controle da narrativa e, desta
forma, eles pautam a agenda do debate público.
Por outro lado, não oxigenar de forma alguma fornece aos maus

atores espaço aberto para suas narrativas. O ideal é:

• não compartilhar links ou perfis que levem direto aos


radicais;
• atuar com linguagem clara para desmentir falsas
narrativas, porém sem conectar aos maus atores;
• evitar em seus espaços indivíduos que pretendem
somente o sugestionamento, confronto e pautar o
debate com suas narrativas (bloquear ou moderar
comentários de radicais é o mais indicado).
Especificamente para imprensa, é necessária prudência no

í
compartilhamento de not cias cujas fontes são provenientes do governo

populista. Em geral, a alt-right utiliza a imprensa em seu próprio

benefício, plantando notas e notícias falsas para a posteriori


desmentir e assim capitalizar com uma contranarrativa de ataque à

imprensa tradicional.

Também é preferível que descrevam os comportamentos que vão

contra as regras não escritas de civilidade: é mais eficaz descrever com

linguagem precisa do que apenas mencionar de forma genérica “ trolls


atacaram jornalista”. Eufemismos e generaliza ções esvaziam a
responsabilidade dos agentes desses atos de violência
virtual.
Pontuar histórias individuais em vez de generalizações também

exerce efeito educativo para a cidadania digital, e ainda promove

empatia, pois, de acordo com a professora de jornalismo e defensora do

antiassédio Michelle Ferrier ,


o registro de histórias que apresentam descrições claras e precisas de danos e que destacam

a injustiça e a violência não perdem de vista o impacto visceral nos alvos vítimas do

315
assédio .

É fundamental ter cautela no compartilhamento de denúncias

com imagens meméticas que são desumanizantes e preconceituosas,

pois amplifica a mensagem dos agentes.

Os agentes que procuram minar a democracia constitucional e poluir

ativamente o debate na esfera pública utilizam a imprensa para

amplificarem o alcance de suas mensagens, aumentando o score


intragrupo e normalizando suas narrativas.

Populistas e radicais buscam por palanques.

Populismo versus Democracia


316 317
Para alguns estudiosos , defensores e ativistas do populismo,

este modelo de governança seria um corretivo para as democracias,

porém, conforme mencionado anteriormente, o populismo baseia-se

numa maioria eleitoral, não cobrindo, portanto, os anseios de qualquer

sociedade não homogênea.

O Brasil é um país de proporções continentais com população

318
estimada em 211.755.692 milhões de habitantes dispersos em 5.570

municípios.  Jair Bolsonaro venceu a eleição majoritária, em 2018, uma

319
quantidade de votos equivalente a um quarto do total de habitantes do

país. Desta forma, o líder populista Bolsonaro representa a voz de ¼ do

povo.

Democracias liberais executam uma dispersão de poder. Instituições

democráticas independentes e a separação de poderes atuam para a

manutenção dos freios e contrapesos e também para a observação das

regras não escritas de uma democracia.

Imprensa livre, proteção às minorias, respeito à dignidade humana e

ao Estado de Direito são instituições imateriais que garantem tanto uma

democracia pluralista – resguardando a chance para as pessoas

executarem revisões de suas opiniões, contestar, controlar o regime sem

receio de sofrer represálias dos ocupantes do poder – quanto também

protegem a sociedade de demagogos e projetos de poder autocráticos.

Diante de avanços autoritários desses líderes, seus apoiadores

argumentam que desejavam mesmo a liderança de um homem “forte”.

Porém, um líder forte não significa líder autoritário. Ângela Merkel

(Alemanha) é uma líder forte e não autoritária. Jair Bolsonaro é apenas

um populista autoritário que precisa se ancorar em retórica beligerante e

ataques às instituições para camuflar sua fraqueza e mobilizar sua

militância.

É fraco e não é respeitado.

Um líder forte inspira respeito. E admiração. Não o oposto.


Primeiro o medo é criado e depois a culpa é atribuída. O medo é usado para legitimar seus

meios de proteger o povo, de colocar barreiras, fechar fronteiras, expulsar imigrantes, sair

de instituições internacionais, castrar a elite e assim por diante. (NORRIS e INGLEHART,

2019).

Populistas de direita radical utilizam a religião para mobilização de

forma recorrente. Narendra Modi, Índia, persegue muçulmanos. Já na

Turquia, Recep Tayyip Erdoğan utiliza as minorias não muçulmanas

como bode expiatório.

Na Hungria e Polônia, enfatizando os valores cristãos – a despeito de

suas ações em desacordo com preceitos cristãos – Orbán e Duda

demonizam muçulmanos e a comunidade LGBTQ+.

Jair Bolsonaro, também ancorado em uma retórica que

instrumentaliza supostos valores cristãos, ainda no primeiro ano de

governo, orientou secretária de Cultura, a atriz Regina Duarte, a não

320
incluir projetos com temática LGBTQ+ para recebimento de

incentivos via Lei Rouanet. A relação entre populismo e liberalismo é

precária (Ibidem) e alguns fenômenos chamam atenção de observadores.

Por exemplo, o apoio relevante da comunidade LGBTQ+ ao partido de

Marine Le Pen.

Esse apoio decorre da oposição feroz de Le Pen à imigração de

muçulmanos. Muitos países islâmicos que aplicam a lei da Sharia

condenam práticas homossexuais como crimes (em alguns países,

aplicam pena capital). Alguns partidos populistas de direita radical

passaram então a se posicionar como protetores do liberalismo

ocidental, principalmente no que diz respeito aos direitos dos

321
homossexuais e igualdade de gênero. Pim Fortuyn , da Holanda, foi

um pioneiro nesse sentido, posicionando-se como um aliado da

comunidade LGBTQ+ (BERGMANN, 2020). Porém, em grande parte

dos países da Europa com lideranças populistas, a comunidade

LGBTQ+ é perseguida e mudanças na Constituição, muitas vezes

respaldadas em um suposto respeito aos valores cristãos, são efetuadas


322
para restringir direitos individuais como casamento, adoção de filhos

e participação em licitações públicas.

Hungria e Polônia promovem a chamada “democracia iliberal”,

produzindo um legalismo autocrático.

O termo criado por Fareed Zakaria ganhou o mundo e inspirou

323
outros líderes populistas a partir de um discurso de Viktor Orbán, em

2014, no qual ele criticava o modelo de democracia liberal e afirmava

que

o que está acontecendo hoje na Hungria pode ser interpretado como uma tentativa das

respectivas lideranças políticas de harmonizar a relação entre os interesses e realizações

dos indivíduos – que precisa ser reconhecida – com os interesses e realizações da

comunidade e da nação.  Ou seja, aquela nação húngara não é uma simples soma de

indivíduos, mas uma comunidade que precisa ser organizada, fortalecida e desenvolvida e,

nesse sentido, o novo estado que estamos construindo é um estado iliberal, um estado não

liberal. Não nega os valores fundamentais do liberalismo, como liberdade, etc. Mas não faz

dessa ideologia um elemento central da organização do Estado, aplica uma abordagem

específica, nacional e particular em seu lugar.

Desta forma, usam a lei como uma ferramenta para a mudança

política e justificam esse processo com argumentos de proteção dos

interesses nacionais e/ou um hipotético respeito aos valores cristãos.  No

entanto, conforme estudo “The Rise of Illiberal Democracy and the

Remedies of Multi-Level Constitutionalism” (PAP e ŚLEDZIŃSKA-

SIMON, 2019):

as reformas legislativas que oficialmente visam melhorar a eficácia das autoridades

públicas atendem ao interesse político da maioria governante e ajudam seus membros ou

simpatizantes a ocupar posições relevantes de autoridade e poder.  Em particular, novas

regras sobre a nomeação e poder de remoção na mídia pública, no Ministério Público, no

serviço público e no Judiciário garantiram que o governo tenha controle sobre estes,

esvaziando a independência das instituições.

Os alvos preferenciais desses populistas autoritários são: o poder

judiciário, o sistema político pluralista e justo, a imprensa independente

e a sociedade civil aberta.

Conforme explicam Polyakova et al (2020) no relatório “Iliberal

States”:
através de referendos constitucionais e emendas esses populistas tentam controlar as

nomeações para tribunais superiores. Para minimizar políticas viáveis da oposição, eles

usam recursos do estado para inclinar o campo de jogo para seus próprios interesses;

assediam figuras da oposição – e de seu próprio campo – e abusam de medidas

anticorrupção como uma fachada para remover adversários políticos. Para enfraquecer a

imprensa independente, atores iliberais consolidam a mídia “paisagem” (mídia que atua

somente como reforço governista, mídia chapa-branca), comprando plataformas de

comunicação, abusando do sistema tributário, legislando leis de censura em nome da

segurança nacional e asfixiando financeiramente a imprensa independente. Usando afiliado

ou meios de comunicação amigáveis, eles demonizam grupos da sociedade civil, incluindo

ONGs e outras iniciativas da sociedade civil. Essas táticas raramente são usadas

isoladamente, e os líderes iliberais também capacitam classes oligárquicas leais e elites

empresariais por meio de incentivos financeiros e clientelismo.

Tanto esses populistas com tendências autocráticas quanto seus

apoiadores e propagandistas antiliberais subvertem conceitos basilares

do liberalismo, o qual rejeita a exclusão de indivíduos de sua cidadania

por motivos étnicos, políticos e/ou religiosos e defende o pluralismo,

enquanto populistas categorizam aqueles que se opõem ao partido e/ou

governo como “inimigos da nação” e cidadãos de “segunda classe”,

restringindo seus direitos e demonizando-os.

Krastev (2017) observa que populistas iliberais “atraem aqueles que

veem a separação de poderes não como uma forma de manter os que

estão no poder responsáveis, mas como uma forma de as elites fugirem

de suas promessas eleitorais”.

Os novos “golpes de Estado” substituíram coturnos, armas e aparato

militar por ações – muitas vezes, legais – sistemáticas de esvaziamento

das instituições e seus mecanismos de freios e contrapesos. Criam um

“constitucionalismo autocrático” que geralmente passa desapercebido

em seu início devido ao uso de normas legais (emendas, referendos e

leis que, a princípio, não ferem a Constituição dos respectivos países).

Scheppele (2018) informa que um dos primeiros sinais de um líder

legalista autocrático é quando ele  lança ou incentiva ataques contra

instituições cujo trabalho é efetuado para verificar suas ações, com

regras que lhe limitam a concentração de poder excessivo. E lembra que,


mesmo quando ele faz isso em nome de seu mandato democrático, essa

insistência em desfazer os laços das restrições constitucionais ao poder

executivo por meio de reformas jurídicas é o primeiro sinal do legalista

autocrático.

Tribunais constitucionais e outras instituições independentes são preenchidas com

partidários leais, aniquilando a independência desses agentes. Viktor Orbán, por exemplo,

removeu nomes da oposição e especialistas neutros das instituições públicas, ampliou a

duração dos mandatos de seus sucessores para que eles exercessem sua influência além do

mandato usual de um governo democrático.

Na América Latina (Venezuela), Hugo Chávez, através de leis e

referendos ao longo dos anos, concentrou poder no executivo e eliminou

o Senado. O próximo passo foi escrever nova Constituição que

concentraria ainda mais poder, culminando numa autocracia ainda

vigente através de seu sucessor, Nicolás Maduro.

Chávez, Correa (Equador) e Orbán mudaram suas constituições

totalmente assim que chegaram ao poder, enquanto Erdoğan e Putin

passaram alguns anos no cargo antes de iniciarem mudanças estruturais

na organização de seus governos para colocar a democracia

constitucional liberal em perigo (SCHEPPELE, 2018).

Apesar dos exemplos empíricos que comprovam o esfacelamento do

modelo de democracia liberal quando populistas chegam ao poder,

muitos propagandistas e defensores do populismo produzem suas

justificavas e argumentações para respaldarem seus apoios.

As justificativas vão desde críticas apocalípticas ao liberalismo (vide

Deneen em Por que o Liberalismo Falhou?) a argumentações

baseadas em conceitos étnicos, religiosos, culturais e/ou raciais que,

segundo eles, definem a identidade nacional dos indivíduos.

O cientista político húngaro-canadense Frank Furedi (2020), por

exemplo, em defesa ao populismo iliberal de Viktor Orbán, argumenta

que a “democracia liberal carece do normativo base para inspirar a

lealdade e o afeto dos cidadãos comuns” (congruente com a perspectiva

do paleoconservador americano Deneen e de muitos intelectuais da


direita “moderada” brasileira). Em suas críticas à União Europeia e

órgãos supranacionais (como os tribunais constitucionais), argumenta

que os críticos do populismo falham “em reconhecer é que esta

instituição foi criada em sua forma original precisamente para restringir

o exercício da democracia e da democracia parlamentar”, ou seja, contra

o “povo”, a soberania popular.

Furedi utiliza um trecho de um ensaio do historiador Müller para

referendar sua argumentação:

Embora Jan-Werner Müller tenha apelado à UE para intervir na Hungria assuntos internos,

a fim de “salvaguardar” a democracia, ele pelo menos reconheceu que a fundação de

tribunais constitucionais pouco tem a ver com o objetivo de expansão democracia.  Ele

escreveu que na Europa Ocidental do pós-guerra, os tribunais constitucionais eram

adotados a fim de isolar as instituições do estado da pressão de baixo:

Os arquitetos da ordem da Europa Ocidental do pós-guerra viam o ideal de soberania

popular com muita desconfiança.  Afinal, como alguém poderia confiar povos que

trouxeram fascistas ao poder ou colaboraram extensivamente com ocupantes

fascistas? Menos obviamente, as elites também tinham profundas reservas sobre o ideal de

soberania parlamentar.

Porém, em What is Populism? (2017) – excelente livro a respeito


do tema -, Jan-Werner Müller contextualiza corretamente a criação das

agências e órgãos na Europa do pós-guerra, pois, nos episódios de

“soberania popular irrestrita”, o continente foi devastado por duas

grandes guerras e catástrofes humanitárias, desta forma, no novo arranjo

político ,
os “parlamentos na Europa do pós-guerra foram sistematicamente enfraquecidos, porém,

os freios e contrapesos fortalecidos e as instituições sem responsabilidade eleitoral (mais

uma vez, os tribunais constitucionais servindo como o principal exemplo) incumbidas não

apenas de defender os direitos individuais, mas de garantir a democracia como um todo.

E afirma que essa nova ordem política construída sobre a

desconfiança da soberania popular é, na verdade ,


uma ordem explicitamente antitotalitária e implicitamente antipopulista – e que sempre

será particularmente vulnerável aos atores políticos que falam no nome do povo como um

todo contra um sistema que parece projetado para minimizar a participação popular.

Corretamente, Müller também observa que


populistas sempre podem jogar com as “pessoas reais” ou “maioria silenciosa” contra os

representantes eleitos e o resultado oficial de uma votação e que os populistas

simplesmente desejam ser confirmados naquilo que eles já determinaram que seja a

vontade das pessoas reais. O populismo não é um caminho para mais participação na

política pois populistas possuem a ideia de que somente eles representam o povo.

Nos países onde a democracia liberal teve seu poder discricionário

reduzido para funcionários eleitos do governo, que dentro da democracia

constitucional são obrigados a agir dentro da lei, houve relevante erosão

democrática.

Um estudo (KYLE e MOUNK, 2018) empírico informa que, nas 47

vezes que um líder populista assumiu o cargo entre 1990 e 2014, em

apenas oito casos (17%), o líder saiu do cargo de maneira pacífica após

perder eleições livres e justas; 23% foram forçados a renunciar ou

cassados; e 30% não deixaram o cargo e permanecem no poder. O que

demonstra o fato de que

os populistas nacionais-autoritários acreditam que seu mandato eleitoral lhes dá um tipo de

poder plenipotenciário para substituir juízes, funcionários públicos, ONGs e outros que

eles descartam como “não eleitos” (WALSHE, 2020).

E até mesmo os eleitos.

Ainda no mesmo estudo, as análises apontam que um governo

populista é quatro vezes mais propenso do que um não populista a

prejudicar o sistema democrático e instituições. Outro dado relevante

revela que

50% dos líderes populistas emendam ou reescrevem as constituições de seus países, e

muitas destas mudanças estendem os limites de mandato ou enfraquecem as verificações

do executivo por outros poderes e instituições. 

Ataques dos populistas ao estado de direito abre caminho para uma maior corrupção: 40%

dos líderes populistas são indiciados por acusações de corrupção (um processo natural em

consequência do esvaziamento das instituições corretivas, aparelhamento da máquina

pública). E, por fim, sob um governo populista, a liberdade da imprensa cai cerca de 7%, as

liberdades civis em 8% e direitos políticos em 13%.

Inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal do país examina

as correntes radicais e extremistas aliadas ao governo que promovem e

incentivam ataques às instituições democráticas do país. A retórica que


estimula a desconfiança da população perante a ordem de democracia

liberal parte, muitas vezes, do populista, atual presidente da república,

Jair Bolsonaro.

No entanto, a instrumentalização de liberais (na verdade, liberistas,

pois reducionistas do liberalismo somente às questões econômicas)

continua angariando apoio (que incluem tanto indivíduos quanto think


tanks e empresários). Uma perversão do liberalismo e que já apresenta
suas graves consequências com crises constitucionais quase que diárias.

Reitero, portanto, a obviedade: o populismo é, per se, iliberal.

Bibliografia – Capítulo 8
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298. Holmes discorre a respeito de Lasch no capítulo “Anti-Prometheanism: The case of

Christopher Lasch”.

299. O localismo – comunitarismo – é frequentemente desejado por paleoconservadores e

antiliberais em geral.
300. FRANCIS, 2016.

301. FRANCIS, Samuel. From Household to Nation The Middle American Populism of Pat

Buchanan. Chronicles. Ver em: https://www.unz.com/print/Chronicles-1996mar-00012.


302. Trecho de palestra de Steve Bannon, movimento Tea Party – 2010 – disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=Jf_Yj5XxUE0.

303. CARVALHO, Olavo de. Obama foge do processo. Diário do Comércio. 26 de

setembro de 2008. Disponível em: https://olavodecarvalho.org/obama-foge-do-processo/.

304. DONIN, Douglas. Democracia Iliberal: De Hungria e Rússia a Europa e América. Com
Ciência. Setembro de 2019. Ver em: https://www.comciencia.br/democracia-

iliberal-da-hungria-e-russia-europa-e-america/.

305. “Dez frases do Presidente das Filipinas que chocaram o mundo”. Disponível em:

https://rr.sapo.pt/2016/12/30/mundo/dez-frases-do-presidente-das-filipinas-que-chocaram-o-

mundo/noticia/72270/.

306. Idem.

307. Ver https://twitter.com/based_brasil. A conta foi recentemente suspensa pela plataforma

Twitter por violar as regras.

308. “Putin recebe Marine Le Pen no Kremlin”. Disponível em: https://www.dw.com/pt-

br/putin-recebe-le-pen-no-kremlin-em-reuni%C3%A3o-surpresa/a-38112641.

309. CARVALHO, Olavo de. “Duguinismo e ignorância”. 27/04/2017. Disponível em:

https://olavodecarvalho.org/duguinismo-e-ignorancia/.

Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um Debate entre Alexandre


310.

Dugin e Olavo de Carvalho. 2012. Vide Editorial.


311. “Sergey Glazyev foi eleito para a Duma Estatal em 1994 e tornou-se o Presidente do

Comitê Parlamentar de Assuntos Econômicos. Nessa época, Glazyev estabeleceu relações com

Lyndon LaRouche, um ativista político com sede nos Estados Unidos e fundador de um

movimento que agora é conhecido como movimento LaRouche” (SHEKHOVTSOV, 2018).

312. Também atende pelo pseudônimo Nina Byzantina.

313. Disponível em: https://about.me/NinaByzantina.

314. “They Will Always Hate Me”. Disponível em: https://www.zeit.de/politik/ausland/2017-

05/nigel-farage-brexit-ukip-russia-contacts/seite-3?

utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F.

315. “The Ambivalence of Journalistic Amplification”. In: PHILIPS, op. cit.


316. Christopher Lasch, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, por exemplo.

317. Steve Bannon, por exemplo.

318. Dados provenientes do IBGE 2020 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

319. Dados do TSE – Tribunal Superior Eleitoral: 57.797.847 de votos.

320. “Bolsonaro orientou Regina Duarte a não financiar pauta LGBT na Cultura”. Disponível

em: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-orientou-regina-duarte-a-nao-dar-

financiar-pauta-lgbt-na-cultura/.

321. Pim Fortuyn foi um político populista de direita, holandês, homossexual assumido e

que defendia pautas anti-imigração, em especial, aquelas ligadas à migração de muçulmanos.

Em maio de 2002, ele foi assassinado por um esquerdista radical, ativista dos direitos dos

animais.
322. “Parlamento da Hungria aprova lei que impede adoção por casais gays”. Disponível em:

https://oglobo.globo.com/mundo/parlamento-da-hungria-aprova-lei-que-impede-adocao-por-

casais-gays-24797746.

323. Texto completo do discurso de Viktor Orbán em Băile Tuşnad de 26 de julho de 2014

disponível em: https://budapestbeacon.com/full-text-of-viktor-orbans-speech-at-baile-tusnad-

tusnadfurdo-of-26-july-2014/.
|

Conclusão

O fim do mandato de Jair Bolsonaro, não necessariamente, garantirá

o fim do bolsonarismo.

Conforme apresentado neste livro, mesmo que com muitas lacunas, a

nova direita brasileira – longe de ser calcada nos conceitos do liberal-

conservadorismo – abrange, na verdade, diversas correntes de direita

radical e extrema e uma rede de desinformação ampla e cada vez mais

estabelecida.

Meu intuito primeiro, ao iniciar minhas pesquisas de forma

independente, era somente compreender com mais profundidade o que

era aquele movimento de massa radical que eu vi surgir – e em muitos

momentos ajudei a alimentar -, mas, ao longo da pesquisa, percebi que a

primeira e mais urgente maneira de interromper essa radicalização seria

apresentando a forma e, principalmente, o conteúdo que rege o

imaginário do bolsonarismo e correntes simpáticas a ele. Afirmo que as

informações contidas são de minha inteira responsabilidade.

Espero ter conseguido, de alguma maneira, ajudá-los na

compreensão do fenômeno e que assim possamos evitar um retrocesso

democrático.

O progresso não é um mito e a história não é estática. Ela avança.

Assim como as conquistas civilizatórias que o liberalismo trouxe.

Há pouco tempo, na tal “idade de ouro” que antiliberais enaltecem,

negros eram escravizados, mulheres não tinham direitos, minorias eram

perseguidas e dizimadas sem algum tipo de pressão contrária, repúdio

ou punição. A mentalidade nostálgica e seus discursos reacionários se

esquecem – deliberadamente – de avaliar isso.


Soluções autocráticas que erodem os princípios liberais – respeito à

dignidade humana, separação de poderes, imprensa livre, liberdades

individuais, uma imprensa livre e independente – não são benéficas

mesmo que baseadas em argumentações que tentam criar uma suposta

superioridade moral, virtuosa – como quando ligadas às questões

religiosas (que é de foro íntimo), étnicas etc.

Eu, portanto, fico com Primo Levi:

Melhor não governar o destino dos outros,

pois já é difícil e incerto orientar o seu próprio.


|

Sobre a autora

Michele Prado, 42 anos, baiana de Vitória da Conquista, é graduanda


em Ciências Políticas, pesquisadora e tem dedicado parte da sua

pesquisa a compreender o fenômeno da alt-right e da far-right, assim

como o radicalismo e o extremismo da direita no Brasil e no mundo.

Este livro é o resultado de muito estudo e da compreensão do

comportamento radical de direita que se revela das mais variadas

formas, escrito e publicado de forma autônoma, o que lhe dá um caráter

mais independente. A obra é também o início de uma jornada, em que a

autora pretende se especializar de forma acadêmica, ainda mais no

radicalismo e extremismo politico/ideológico.

Desde o começo da pandemia, a autora divide o seu tempo entre a

pesquisa e as áreas de decoração e gastronomia.

Ela acredita no progresso e nos avanços civilizatórios e luta por isso.


Em memória das vítimas da Covid-19.

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