O documento discute a produção historiográfica sobre o Holocausto desde os julgamentos de Nuremberg até debates mais recentes. Apresenta os principais enfoques intencionalista e funcionalista e pensadores que influenciaram o estudo do assunto, como Arendt, Hillgruber e Broszat. Também reflete sobre os desafios em compreender historicamente eventos de tal magnitude e impacto meta-histórico.
O documento discute a produção historiográfica sobre o Holocausto desde os julgamentos de Nuremberg até debates mais recentes. Apresenta os principais enfoques intencionalista e funcionalista e pensadores que influenciaram o estudo do assunto, como Arendt, Hillgruber e Broszat. Também reflete sobre os desafios em compreender historicamente eventos de tal magnitude e impacto meta-histórico.
O documento discute a produção historiográfica sobre o Holocausto desde os julgamentos de Nuremberg até debates mais recentes. Apresenta os principais enfoques intencionalista e funcionalista e pensadores que influenciaram o estudo do assunto, como Arendt, Hillgruber e Broszat. Também reflete sobre os desafios em compreender historicamente eventos de tal magnitude e impacto meta-histórico.
Aula: A questão do Holocausto: historiografia e matriz de memória
Holocausto: Paradigma de Memória sobre violências de Estado • Holocausto e conceito de genocídio (ver ZAGNI & LOUREIRO, 2019) • Holocausto: formas de lembrar e de narrar e seus impasses • O “dever de memória” e o efeito disruptivo sobre o conhecimento histórico contemporâneo - testemunho como acesso ao conhecimento; história como trauma; crítica à objetividade distanciada do fato histórico (dimensão metahistórica do Holocausto - ARENDT, FRIEDLANDER). • Lugar do testemunho na consciência sobre o Holocausto: produção de empatia emocional ou choque e estranhamento diante do evento? • Holocausto como “memória cultural” Holocausto: a construção do olhar historiográfico • PROCESSOS JUDICIAIS: Processos de Nuremberg (1945-1946/1947-1948); Caso Eichmann em Jerusalem (1961); Processos de Frankfurt-Auschwitz (1963-1965) – 22 guardas SS imputados; Caso Klaus Barbie (1987, França) • Em todos estes processos os elementos da cultura jurídica, historiográfica e psicanalítica se encontraram para produzir um grande material de análise do Holocausto em meios às tensões entre a história e a memória • Dilema das fontes e importância do testemunho: «Quand auront disparu les survivants de la déportation, les archivistes de l'avenir tiendront peut- être en main quelques papiers aujourd'hui cachés; mais la principale source leur fera défaut: je veux dire la mémoire vivante des témoins.» Boüard, Michel de «Mauthausen», Revue d'histoire de la Duexième Guerre mondiale, 15-16 juillet-septembre, 1954, p. 41-80. Primeiros trabalhos de análise histórica • Gerald Reitlinger - The Final Solution: the Attempt to Exterminate the Jews of Europe 1939–1945, 1953, baseado na documentação produzida pelos julgamento de Nuremberg, complementado por memórias e testemunhos de sobreviventes. • Leon Poliakov - Bréviaire de la Haine. Le troisième Reich et les juifs. Paris,1951 / Nazism and the Extermination of the Jews in Europe (1954) • Raoul Hilberg - The Destruction of the Jews of Europe (1961)- lança o modelo de construção da perseguição aos judeus em 4 fases: definição, confisco, concentração, extermínio; polêmica sobre a “passividade dos judeus” e a falta de resistência. • Hannah Arendt, Eichmann in Jerusalem (1963), foi a primeira a refletir sobre a natureza “metahistórica” do Holocausto, defendendo a tese de que o antissemitismo define a escolha da vítima, mas não define a natureza do crime. Holocausto: Produção Historiográfica • Historiadores que assessoraram os Processos de Frankfurt contra os guardas SS dos campos de extermínio (1963-1965): base dos historiadores “funcionalistas” (ou estruturalistas): Hans Buchheim, Helmut Krausnick, Hans-Adolf Jacobsen and Martin Broszat • JACKEL, Eberhard . Hitlers Weltanschauung : Entwurf einer Herrschaft, Stuttgart : Deutsche Verlags-Anstalt, 1969, traduzido para o inglês como Hitler's World View : A Blueprint for Power, Cambridge, Mass. : Harvard University Press, 1972; a partir dos escritos e discursos de Hitler, a obra defende a articulação entre “antissemitismo eliminacionista” e “Espaço Vital”, dois eixos da visão de mundo hitleriana. • HILLGRUBER, Andreas, Die “Endlösung“ und das deutsche Ostimperium als Kernstück des rassenideologischen Programms des Nationalsozialismus. In: VfZ, 20 (1972), p. 133–153 – base da linhagem “intencionalista” que explica o Holocausto como uma escolha consciente na direção do extermínio dos judeus, coerente com a visão de mundo de Hitler e da alta cúpula nazista. Intencionalistas X Funcionalistas • “O debate entre as duas linhagens analíticas sobre o Holocausto tem como epicentro a natureza do Estado Nazista, o qual é interpretado ora como uma estrutura relativamente monolítica, subordinada à vontade do líder carismático (“intencionalistas”), ora como um organização “policrática”, caracterizada pela sobreposição e entrecruzamentos de autoridades e responsabilidades de uma série global de atores estatais, representantes do Partido e líderes da SS (“funcionalistas” ou “estruturalistas”). Mesmo para estes últimos, entretanto, Hitler ainda era a fonte suprema de legitimidade e integração do sistema“ (CATARUZZA, Marina. The Historiography of the Shoah – An Attempt at a Bibliographical Synthesis. Totalitarismus und Demokratie, 3 (2006), 285–321, ISSN 1612–9008). • BROSZAT, Martin. Hitler und die Genesis der Endlosung. Aus Anlass der Thesen von David Irving“. Vierteljahreshefte fuur Zeitgeschichte, 25 (1977), p. 739-75 • Outros nomes desta linhagem: Ian Kershaw; Hans Mommsen Holocausto: Produção Historiográfica • Conferência internacional em Stuttgart, 1984, reunindo historiadores alemães, americanos e israelenses para discutir a morte dos judeus na Segunda Guerra. • Em 1986, surge um grande debate na República Federal da Alemanha sobre o lugar do Holocausto na história e na memória nacional alemã, conhecida como “querela dos historiadores”, debruçando-se sobre a questão de como “historicizar o nazismo” • Esta polêmica foi lançada por um artigo de Ernst Nolte intitulado Die Vergangenheit, die nicht vergehen will (O passado que não quer passar), em 6 de junho de 1986, no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung Culpa nacional, evento extraordinário e memória – A polêmica de Ernst Nolte • NOLTE: “In any case, it must be legitimate and even inevitable to ask ourselves the following question: Did the Nazis, beginning with Hitler, perhaps commit an act of ‘Asiatic ferocity’simply because they considered themselves and other people of their kind inturn the real or potential victims of an act of ‘Asiatic ferocity’? Wasn’t the Gulag Archipelago more original than Auschwitz? Is it not true to say that the Bolsheviks’ ‘class murder’ was the logical and factual antecedent to the ‘race murder’ committed by the Nazis? Were not the most secret actions of Hitler also more understandable on the basis of the fact that he had not forgotten the ‘rat-trap’ Debate - Martin Broszat e Saul Friedlander • Martin Broszat & Elke Fröhlich. “Bavaria at the time of the National Socialists” (“Bavaria Project”, 1977-1983, 6 volumes) – trabalho que parte da premissa da necessidade de “historicização do nazismo” (distanciamento, objetividade, crítica documental, entrecruzamento de fontes primárias) – explorar todas as “zonas cinzentas” da sociedade alemã sob o III Reich, examinando a convivência entre “normalidade cotidiana” e “barbárie”. • Saul Friedländer questiona a premissa de Broszat, reafirmando o conceito da natureza “excepcional” do Nazismo e do Holocausto, cuja compreensão não reside no uso dos instrumentos teóricos e metodológicos usuais da historiografia (herdeira do historicismo erudito alemão) ou mesmo aqueles mais inovadores, como a “história do cotidiano”, foco do livro de Broszat. • Friedlander enfatiza o problema do “limite de representação”, expressão que retoma o debate ético, estético e epistemológico sobre a compreensão da natureza deste crime de massa, e seus impasses teóricos. Nazismo, Holocausto e o “homem comum” • BROWNING, Christopher - Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland (1992)– estudo de microhistória individualizado sobre reservistas alemães que praticaram massacre de judeus em Lublin (“circunstâncias históricas” levaram ao extermínio) • GOLDHAGEN, Daniel - Hitler’s Willing Executioners (1996) – tese de que o conjunto da população alemã estava convencida da necessidade de eliminar os Judeus europeus – comportamento genocida do “homem comum” (“crenças coletivas” da sociedade alemã levaram ao extermínio) • BROWNING, Christopher - The Origins of the Final Solution (2003) - análise da “máquina de extermínio”, localizada nos massacres de prisioneiros soviéticos a partir de julho de 1941. • BERGERSON, Andrew. Ordinary Germans in Extraordinary Times: The Nazi Revolution in Hildesheim (2004) – estudo do cotidiano de uma pequena cidade alemã durante o nazismo Holocausto e compreensão histórica • VIDAL-NACQUET, Pierre. Assassinos da Memória (Um Eichmann de Papel), publicado em 1987, base da crítica ao negacionismo histórico. Autor propõe um roteiro para compreensão histórica objetiva e crítica do Holocausto, inserindo-o: • No conjunto da “política hitleriana” • No contexto geral da Segunda Guerra (que não pode ser escrita apenas pelos vencedores), através de “comparações honestas” com outros eventos e sistemas de violência massiva • No contexto do mundo contemporâneo “fértil em massacres” • “Cabe aos historiadores retirar os fatos históricos das mãos dos ideólogos que os exploram” Holocausto e compreensão histórica • RUSEN, Jorn. : “O holocausto não pode ser incorporado dentro dos limites representacionais de um objeto de pesquisa usual para investigação histórica. Em vez disso, exerce um impacto meta-histórico sobre o modo como os métodos e categorias de pesquisa são constituídos” (The Logic of Historicization: Metahistorical Reflections on the Debate between Friedländerand Broszat. History and Memory, Vol. 9, No. 1/2, Passing into History: Nazism and theHolocaust beyond Memory — In Honor of Saul Friedlander on His Sixty-Fifth Birthday(Fall 1997), pp. 113-144) – Para RUSEN há duas ordens de questões: 1) Relação entre moralidade e historicidade: A indignação moral bloqueia o conhecimento objetivo (Borszat)? Por outro lado, a moralidade opera na questão do trauma dos sobreviventes [NOTA: e no tabu dos perpetradores?] e na condenação moral do nazismo como antítese dos valores políticos que fundaram o mundo contemporâneo. Para Rusen, se a primeira operação cognitiva aumenta o fardo dos vivos, a segunda o alivia. 2) Como o “histórico” se constitui a partir da memória: em grande parte, categorias como “lembrança” e “memória cultural” constituem uma relação com o passado que contornam as lacunas da operação historiográfica consagradas pela disciplina: racionalidade metódica, progresso no conhecimento por meio da pesquisa, interpretações teoricamente consistentes. [NOTA: Eu incluiria lacuna de fontes sistematizadas, organizadas e acessíveis, que constituem a base heurística do conhecimento histórico objetivo] Holocausto e compreensão histórica (bibliografia de apoio) • LACAPRA, Dominick. Writing history, writing trauma. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 2001 (há versão em espanhol). • LACAPRA, Dominick. History and memory after auschwitz. Ithaca and London: Cornell University Press, 1998. • ROBIN, Régine. Memória Saturada. Campinas, Editora da Unicamp, 2017 • EVANS, Richard. O Terceiro Reich na memória e na história. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018. 496 p. Síntese de questões • Como historicizar o Holocausto? Impasses éticos, políticos e teórico-metodológicos da tradição historicista (objetividade, distanciamento) • Compreensão histórica como perlaboração do trauma: a história lacunar e irrepresentável em sua totalidade – o caráter metahistórico do Holocausto. • O lugar da memória e da subjetividade na compreensão – testemunho e experiência histórica • Cotidiano: o lugar do “homem comum” em tempos de barbárie “excepcional” – adesão e culpa coletiva sem consciência da culpabilidade • Holocausto em perspectiva comparada a outros genocídios e violências em massa: caráter único ou caráter singular? • Padrão de memória crítica e pedagógica para superar legados de tempos de violência extrema e terror de Estado (“Nunca Mais”) Bibliografia de apoio • CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. A nova historiografia do Holocausto. (Bibliografia Comentada). In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/nova-historiografia-do-holoc austo/. Publicado em: 27 jan. 2020. ISSN: 2674-5917. Acesso: 17 de maio de 2020. • SILVA, Francisco Carlos T., SCHURSTER, K. A historiografia dos traumas coletivos e o Holocausto. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 744-772, maio-ago. 2016 • LIPSTAD, Deborah. Negação. Universo dos Livros, 2017