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História, Historiografia e

Memória das Ditaduras e


Violências Políticas
Marcos Napolitano

Aula: A questão do Holocausto: historiografia e matriz de memória


Holocausto: Paradigma de Memória sobre
violências de Estado
• Holocausto e conceito de genocídio (ver ZAGNI & LOUREIRO, 2019)
• Holocausto: formas de lembrar e de narrar e seus impasses
• O “dever de memória” e o efeito disruptivo sobre o conhecimento
histórico contemporâneo - testemunho como acesso ao conhecimento;
história como trauma; crítica à objetividade distanciada do fato histórico
(dimensão metahistórica do Holocausto - ARENDT, FRIEDLANDER).
• Lugar do testemunho na consciência sobre o Holocausto: produção de
empatia emocional ou choque e estranhamento diante do evento?
• Holocausto como “memória cultural”
Holocausto: a construção do olhar historiográfico
• PROCESSOS JUDICIAIS: Processos de Nuremberg (1945-1946/1947-1948);
Caso Eichmann em Jerusalem (1961); Processos de Frankfurt-Auschwitz
(1963-1965) – 22 guardas SS imputados; Caso Klaus Barbie (1987, França)
• Em todos estes processos os elementos da cultura jurídica, historiográfica e
psicanalítica se encontraram para produzir um grande material de análise
do Holocausto em meios às tensões entre a história e a memória
• Dilema das fontes e importância do testemunho: «Quand auront disparu
les survivants de la déportation, les archivistes de l'avenir tiendront peut-
être en main quelques papiers aujourd'hui cachés; mais la principale source
leur fera défaut: je veux dire la mémoire vivante des témoins.» Boüard,
Michel de «Mauthausen», Revue d'histoire de la Duexième Guerre
mondiale, 15-16 juillet-septembre, 1954, p. 41-80.
Primeiros trabalhos de análise histórica
• Gerald Reitlinger - The Final Solution: the Attempt to Exterminate the
Jews of Europe 1939–1945, 1953, baseado na documentação produzida
pelos julgamento de Nuremberg, complementado por memórias e
testemunhos de sobreviventes.
• Leon Poliakov - Bréviaire de la Haine. Le troisième Reich et les juifs.
Paris,1951 / Nazism and the Extermination of the Jews in Europe (1954)
• Raoul Hilberg - The Destruction of the Jews of Europe (1961)- lança o
modelo de construção da perseguição aos judeus em 4 fases: definição,
confisco, concentração, extermínio; polêmica sobre a “passividade dos
judeus” e a falta de resistência.
• Hannah Arendt, Eichmann in Jerusalem (1963), foi a primeira a refletir
sobre a natureza “metahistórica” do Holocausto, defendendo a tese de que
o antissemitismo define a escolha da vítima, mas não define a natureza do
crime.
Holocausto: Produção Historiográfica
• Historiadores que assessoraram os Processos de Frankfurt contra os
guardas SS dos campos de extermínio (1963-1965): base dos
historiadores “funcionalistas” (ou estruturalistas): Hans Buchheim,
Helmut Krausnick, Hans-Adolf Jacobsen and Martin Broszat
• JACKEL, Eberhard . Hitlers Weltanschauung : Entwurf einer Herrschaft,
Stuttgart : Deutsche Verlags-Anstalt, 1969, traduzido para o inglês
como Hitler's World View : A Blueprint for Power, Cambridge, Mass. :
Harvard University Press, 1972; a partir dos escritos e discursos de Hitler,
a obra defende a articulação entre “antissemitismo eliminacionista” e
“Espaço Vital”, dois eixos da visão de mundo hitleriana.
• HILLGRUBER, Andreas, Die “Endlösung“ und das deutsche Ostimperium
als Kernstück des rassenideologischen Programms des
Nationalsozialismus. In: VfZ, 20 (1972), p. 133–153 – base da linhagem
“intencionalista” que explica o Holocausto como uma escolha consciente
na direção do extermínio dos judeus, coerente com a visão de mundo de
Hitler e da alta cúpula nazista.
Intencionalistas X Funcionalistas
• “O debate entre as duas linhagens analíticas sobre o Holocausto tem como
epicentro a natureza do Estado Nazista, o qual é interpretado ora como
uma estrutura relativamente monolítica, subordinada à vontade do líder
carismático (“intencionalistas”), ora como um organização “policrática”,
caracterizada pela sobreposição e entrecruzamentos de autoridades e
responsabilidades de uma série global de atores estatais, representantes
do Partido e líderes da SS (“funcionalistas” ou “estruturalistas”). Mesmo
para estes últimos, entretanto, Hitler ainda era a fonte suprema de
legitimidade e integração do sistema“ (CATARUZZA, Marina. The
Historiography of the Shoah – An Attempt at a Bibliographical Synthesis.
Totalitarismus und Demokratie, 3 (2006), 285–321, ISSN 1612–9008).
• BROSZAT, Martin. Hitler und die Genesis der Endlosung. Aus Anlass der
Thesen von David Irving“. Vierteljahreshefte fuur Zeitgeschichte, 25 (1977),
p. 739-75
• Outros nomes desta linhagem: Ian Kershaw; Hans Mommsen
Holocausto: Produção Historiográfica
• Conferência internacional em Stuttgart, 1984, reunindo historiadores
alemães, americanos e israelenses para discutir a morte dos judeus
na Segunda Guerra.
• Em 1986, surge um grande debate na República Federal da Alemanha
sobre o lugar do Holocausto na história e na memória nacional alemã,
conhecida como “querela dos historiadores”, debruçando-se sobre a
questão de como “historicizar o nazismo”
• Esta polêmica foi lançada por um artigo de Ernst Nolte intitulado Die
Vergangenheit, die nicht vergehen will (O passado que não quer
passar), em 6 de junho de 1986, no jornal Frankfurter Allgemeine
Zeitung
Culpa nacional, evento extraordinário e
memória – A polêmica de Ernst Nolte
• NOLTE: “In any case, it must be legitimate and even inevitable to ask
ourselves the following question: Did the Nazis, beginning with Hitler,
perhaps commit an act of ‘Asiatic ferocity’simply because they
considered themselves and other people of their kind inturn the real
or potential victims of an act of ‘Asiatic ferocity’? Wasn’t the Gulag
Archipelago more original than Auschwitz? Is it not true to say that
the Bolsheviks’ ‘class murder’ was the logical and factual antecedent
to the ‘race murder’ committed by the Nazis? Were not the most
secret actions of Hitler also more understandable on the basis of the
fact that he had not forgotten the ‘rat-trap’
Debate - Martin Broszat e Saul Friedlander
• Martin Broszat & Elke Fröhlich. “Bavaria at the time of the National
Socialists” (“Bavaria Project”, 1977-1983, 6 volumes) – trabalho que parte
da premissa da necessidade de “historicização do nazismo”
(distanciamento, objetividade, crítica documental, entrecruzamento de
fontes primárias) – explorar todas as “zonas cinzentas” da sociedade alemã
sob o III Reich, examinando a convivência entre “normalidade cotidiana” e
“barbárie”.
• Saul Friedländer questiona a premissa de Broszat, reafirmando o conceito
da natureza “excepcional” do Nazismo e do Holocausto, cuja compreensão
não reside no uso dos instrumentos teóricos e metodológicos usuais da
historiografia (herdeira do historicismo erudito alemão) ou mesmo aqueles
mais inovadores, como a “história do cotidiano”, foco do livro de Broszat.
• Friedlander enfatiza o problema do “limite de representação”, expressão
que retoma o debate ético, estético e epistemológico sobre a compreensão
da natureza deste crime de massa, e seus impasses teóricos.
Nazismo, Holocausto e o “homem comum”
• BROWNING, Christopher - Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101
and the Final Solution in Poland (1992)– estudo de microhistória
individualizado sobre reservistas alemães que praticaram massacre de
judeus em Lublin (“circunstâncias históricas” levaram ao extermínio)
• GOLDHAGEN, Daniel - Hitler’s Willing Executioners (1996) – tese de que o
conjunto da população alemã estava convencida da necessidade de
eliminar os Judeus europeus – comportamento genocida do “homem
comum” (“crenças coletivas” da sociedade alemã levaram ao extermínio)
• BROWNING, Christopher - The Origins of the Final Solution (2003) -
análise da “máquina de extermínio”, localizada nos massacres de
prisioneiros soviéticos a partir de julho de 1941.
• BERGERSON, Andrew. Ordinary Germans in Extraordinary Times: The Nazi
Revolution in Hildesheim (2004) – estudo do cotidiano de uma pequena
cidade alemã durante o nazismo
Holocausto e compreensão histórica
• VIDAL-NACQUET, Pierre. Assassinos da Memória (Um Eichmann de
Papel), publicado em 1987, base da crítica ao negacionismo histórico.
Autor propõe um roteiro para compreensão histórica objetiva e
crítica do Holocausto, inserindo-o:
• No conjunto da “política hitleriana”
• No contexto geral da Segunda Guerra (que não pode ser escrita
apenas pelos vencedores), através de “comparações honestas”
com outros eventos e sistemas de violência massiva
• No contexto do mundo contemporâneo “fértil em massacres”
• “Cabe aos historiadores retirar os fatos históricos das mãos dos
ideólogos que os exploram”
Holocausto e compreensão histórica
• RUSEN, Jorn. : “O holocausto não pode ser incorporado dentro dos limites
representacionais de um objeto de pesquisa usual para investigação histórica. Em
vez disso, exerce um impacto meta-histórico sobre o modo como os métodos e
categorias de pesquisa são constituídos” (The Logic of Historicization:
Metahistorical Reflections on the Debate between Friedländerand Broszat.
History and Memory, Vol. 9, No. 1/2, Passing into History: Nazism and
theHolocaust beyond Memory — In Honor of Saul Friedlander on His Sixty-Fifth
Birthday(Fall 1997), pp. 113-144) – Para RUSEN há duas ordens de questões:
1) Relação entre moralidade e historicidade: A indignação moral bloqueia o
conhecimento objetivo (Borszat)? Por outro lado, a moralidade opera na questão
do trauma dos sobreviventes [NOTA: e no tabu dos perpetradores?] e na
condenação moral do nazismo como antítese dos valores políticos que fundaram o
mundo contemporâneo. Para Rusen, se a primeira operação cognitiva aumenta o
fardo dos vivos, a segunda o alivia.
2) Como o “histórico” se constitui a partir da memória: em grande parte, categorias
como “lembrança” e “memória cultural” constituem uma relação com o passado
que contornam as lacunas da operação historiográfica consagradas pela disciplina:
racionalidade metódica, progresso no conhecimento por meio da pesquisa,
interpretações teoricamente consistentes. [NOTA: Eu incluiria lacuna de fontes
sistematizadas, organizadas e acessíveis, que constituem a base heurística do
conhecimento histórico objetivo]
Holocausto e compreensão histórica (bibliografia
de apoio)
• LACAPRA, Dominick. Writing history, writing trauma. Baltimore and
London: The Johns Hopkins University Press, 2001 (há versão em
espanhol).
• LACAPRA, Dominick. History and memory after auschwitz. Ithaca and
London: Cornell University Press, 1998.
• ROBIN, Régine. Memória Saturada. Campinas, Editora da Unicamp,
2017
• EVANS, Richard. O Terceiro Reich na memória e na história. São Paulo:
Planeta do Brasil, 2018. 496 p.
Síntese de questões
• Como historicizar o Holocausto? Impasses éticos, políticos e
teórico-metodológicos da tradição historicista (objetividade,
distanciamento)
• Compreensão histórica como perlaboração do trauma: a história lacunar e
irrepresentável em sua totalidade – o caráter metahistórico do Holocausto.
• O lugar da memória e da subjetividade na compreensão – testemunho e
experiência histórica
• Cotidiano: o lugar do “homem comum” em tempos de barbárie
“excepcional” – adesão e culpa coletiva sem consciência da culpabilidade
• Holocausto em perspectiva comparada a outros genocídios e violências em
massa: caráter único ou caráter singular?
• Padrão de memória crítica e pedagógica para superar legados de tempos
de violência extrema e terror de Estado (“Nunca Mais”)
Bibliografia de apoio
• CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. A nova historiografia do
Holocausto. (Bibliografia Comentada). In: Café História – história feita
com cliques. Disponível
em: https://www.cafehistoria.com.br/nova-historiografia-do-holoc
austo/. Publicado em: 27 jan. 2020. ISSN: 2674-5917. Acesso: 17 de
maio de 2020.
• SILVA, Francisco Carlos T., SCHURSTER, K. A historiografia dos
traumas coletivos e o Holocausto. Estudos Ibero-Americanos, Porto
Alegre, v. 42, n. 2, p. 744-772, maio-ago. 2016
• LIPSTAD, Deborah. Negação. Universo dos Livros, 2017

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