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QUILOMBOS

EM SAO PAULO
Al

Tradições, direitos e lutas

GOVERNO DO ESTADZ
DE SAO PAULO

SECRETARIA DA JUSTICA E DA DEFESA DA CIDADANIA


INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE S Á 0 PAULO
"JOSÉ GOMESDA SILVA"
Governo do Estado de São Paulo
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
Instituto de Tenas do Estado de São Paulo
"José Gomes da Silva"

Quilombos em São Paulo


Tradições, direitos e lutas

Vários autores

São Paulo
IMESP
1997
Quilombos em São Paulo
Tradições, direitos e lutas

Coordenação geral:

Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva"'


Tânia Andrade - Organizadora
Benedito Anstides Riciluca Matielo
Arlindo Gomes Miranda

Universidade de São Paulo


Renato da Silva Queiroz

Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra


Antônio Carlos Arruda da Silva

Fórum Estadual das Entidades Negras de São Paulo


Flávio Jorge Rodrigues da Silva

Comissão ~ró-Índiode São Paulo


Leinad Ayer de Oliveira

Maurício Pestana
Agradecimentos

Às várias pessoas e organizações que, de forma voluntária,


colaboraram com a organização deste livro.
Aos realizadores deste livro, digitadores, produtores, gráficos e
demais colaboradores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Q 59
Quilombos em São ~ a d o tradições,
: direitos e lutas 1 org.
-
Tânia Andrade. São Paulo: IMESP, 1997.

1. Quilombos 2. Quilombolas 3. Negros - Direitos


4. Terras de negros. constitucionais
I. Andrade, Tânia, org.

Tiragem: 5.000 exemplares CDD (20.ed) 305.8


Catalogação: Eunides do Vale CRBW - 1166

Arte: Maurício Pestana


Digitação: Maria Luíza Calixto Rios
Projeto gráfico: Tânia Andrade
Revisão: Mariana Cortez
Sumário

Apresentação - Mário Covas.............................................................................. 07


Parte I
Histórico - Benedito Aristides Riciluca Matielo e Leinad Ayer de Oliveira........... 13
Introdução a um Desafio - Belisário clos Santos Júnior........................................25
Direito de Propriedade dos Remanescentes das Comunidades de Quilombos - Gmpo
de Trabalho (Decreto no40.723/%). ....................................................................3 1
Apresentação............................................................................................ 35
Histórico de atuação do Grupo de Trabalho...............................................38
Caracterização do objeto de estudo............................................................38
FWsqmtos e procedimentos metodológicos adotacios
- F'ressupostos metodológicos
- Procedimentos adotados
Principais conceitos, definições e critérios eleitos pelo Grupo de Trabalho
para dirigir a intervenção pretendida..................... . .................................43
Critérios jurídicos
- A questão da autoaplicabilidadedo artigo 68 do ADCT
- A questão da competência
Critérios Antropológicos
- Identificação das comunidades benefíciárias
- Conceito de Quilombo
- Conceito de Território
Situaçõesjá identificadas........................................................................49
Comunidade São Pedro
Comunidade Nhunguara
Comunidade Praia Grande
Comunidade Ivaporunduva
Comunidade Maria Rosa
Comunidade Pilões
Comunidade Sapatu
Comunidade Cafundó
Propostas............................................................................................. 57
Audiência Pública................................................................................... 58
Glossário de Termos do Relatório Técnico.............................................59
Composição do Grupo de Trabalho.......................................................60
Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiária das Áreas Remanescentes
de Comunidades de Quilombos - Luciano de Souza Godoy..................................61
Parte I1
Herdeiros de Zumbi: Olhando o Futuro sem Esquecer o Passado - Sandra Santos73
A "Descoberta" do Cafundó - Carlos Vogt e Peter Fry .........................................8 1
Essa Terra é Santa, Essa Terra é Nossa - Renato da Silva Queiroz.....................103
Parte I11
Quilombos: Repertório Bibliográfico de uma Questão Redefinida - Alfredo Wagner
Berno de Almeida..................................,.. .. . . . . .... .... . .... . . .... . ...... . .... ... 121
Legislação Pertinente................................................................................... 141
Artigo 215 e 216 da Constituição da República Federativa do Brasil
Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Lei no 3.962, de 24 de julho de 1957
Artigo 11 da Lei no 4.925, de 19 de dezembro de 1985
Decreto no 40.723, de 21 de março de 1996
Decreto no 4 1.774, de 13 de maio de 1997
Lei no 9.757, de 15 de setembro de 1997
Documento................................ .... ...... . .... ...... ...... ...... . ....... ... . ...... . . .. . 161
Título de Reconhecimento de Domínio - União FederalDncra no 0 1/95
Para Ver e Ouvir: Depoimentos & Fotografias................................................ 167
Comunidade São Pedro
Comunidade Ivaporunduva
Comunidade André Lopes
Comunidade Castelhanos
Comunidade Cafundó
Comunidade Nhunguara
Comunidade Pilões
Comunidade Nhunguara
Encarte - Maurício Pestana
Apresentação

A sociedade brasileira constitui um verdadeiro iiiosaico de uiii seiii-iiúiiiero de


raças. povos e cplturas distintas que resultou iiuiiia das culturas iiiais ricas de que se
teiii notícia no mundo. E bem verdade que nem todas essas contribuições foram
legadas voluntariamente. Os africanos. retirados à força de sua terra natal. vieraiii e
aqui forani rnaiitidos a ferro e fogo tiunia das maiores \.iolêiicias que se pode
cometer contra o ser huiiiano. Prilados por séculos de seus direitos mais
eleiiieiitares. tratados coiiio "coisas'. e coiiiercializados como animais. seniram ao
jugo de seus seliliores e se viraiii despojados de qualquer eleiiieiito que llies
conferisse a mínima dignidade.
Aos fortes. contudo. nem niesiiio a chibata e a corrente aznedroiitani. A escravidão
não foi suficiente para fuc.er cessar aos povos negros a sede pela liberdade e pela
dignidade. Revoltados. niuitos arquitetaram escapadas fantásticas e. através de sua
força fisica e de caráter. os sobre~iventesestabeleceram marcos de resistência que
se toniaraiii pólos de disseminação da aspiração legítima daqueles guerreiros por
igualdade e respeito. Quilombo significa povoado. união. E foi essa solidariedade
que tornou possível escrever unia das páginas históricas que iiiais orgulliani o
Brasil. e cuja figura mais significati\a. Zuiiibi dos Palmares. receiiteriieiiie recebeu
o iiierecido stattís de Iierói nacional
Reconliece~idoessa luta. o legislador coiistituiiite. através do Ato liL' 68 das
Disposições Coiistitucioiiais Transitórias. deterniiiiou que os governos estaduais
outorgassem. em caráter definitivo. os títulos de propriedade para as comunidades
remanescentes dos antigos quilombos que ainda ocupasseili aqueles temtórios.
Assiiii. o Governo do Estado de São Paulo finaliiiente resgata uma divida liistórica
coiii essa população quilonibola. respeitando-lhes os costuiiies e as tradições e
dando-lhes garantias de desenvolvimento. Representantes das Secretarias e 6rgãos
do Estado, da comunidade negra e instituições de pesquisa compuseram um Grupo
de Trabalho que realizou minuciosos estudos, tornando possível a identificação
precisa das terras e das comunidades a serem contempladas. (A essas pessoas, nosso
reconhecimento e gratidão pela dedicação com que se d e b ~ ~ a r asobre
m uma causa
tão justa).
E, portanto, com grande orgulho que apresento a população paulista o resultado
desse esforço democrático. Que seja este mais um passo na direção da consoliáa@o
da cidadania e do reconhecimento legítimo da valiosa contribuição dos povos que.
de há muito, têm o Brasil como pátria e São Paulo como lar.

Mário Covas
Governador do Estado de São Paulo
Qnilombos em São Paulo

Parte I
- Andiara B. Automare - Itesp, junho 97
Comunidade I\~aporundui~a
Histórico

"...este livro traz a pziblico uma


coletânea de textos relatando as diversas
iniciativas implementadas, ou em
processo de impleme~~tação, pelo
Governo do Estado de São P d o
que visam o reconhecimento do direito
das comunidades quilombolm e a
titulação de seus territórios
a partir da promulgação da
ConstituiçãoFederal... "

Benedito Aristides Riciluca Matielo


Leinad Ayer de Oliveira
Histórico

Ao ser promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federai, no artigo 68


do ADCT. reconheceu a propriedade definitiva das terras ocupadas por
comunidades quilombolas, impondo ao Estado o dever de emitir-lhes os titulos
respectivos.
Artigo 68 -Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
dejinitiva, devendo o Estado emitir-lhes os titulos respectivos.
A Constituição Federai de 1988, nos artigos 215 e 216, impôs um conjunto de
conceitos e diretrizes objetivando a valorização e difusão das m a n i f m s
culturais materiais e imateriais. O reconhecimento da propriedade definitiva
associado a previsão de tombamento de todos os documentos e sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quiiombos, em função de se constituírem
patrimônio cultural brasileiro, como grupos formadores de nossa sociedade,
introduziu, pela primeira vez, o reconhecimento constitucional as comunidades
quilombolas.
Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso asfontes da cultura nacional, e apoiarú e
incentivará a valorização e a difusão das manifestaç8es culturais.
§ 19 O Estado protegerá as manifestaççõs das culturas populares,
indígenas e apo-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizat6rio nacional.
J 2". -4 lei disporá sobre ajxação de datas comemorativas de alta
signijcação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
Artigo 216 - Constituempatrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência a identidade. a ação, a memória
dos diferentes gruposformadores da sociedade brasileira, nos pais
se incluem:
I - asformas de expressão;
IZ - os modos de criar,fazer e viver;
ZZZ - as criações cientijcas, artisticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos e edificações e demais espaços
destinados as manifestações artistico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagistico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientíjco.
$ 19 O Poder Publico, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o paírimônio cultural brasileiro,por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outrasformas de acautelamento e preservação.
f 29 Cabem h adminisiração pública, na forma da lei, a gestdo da
documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.
$39 A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento
de bens e valores culturais.
f 49 Os danos e ameaças ao patrimbnio cultural serdo punidos, na
forma da lei.
f 59 Ficam tombados todos os documentos e os sitios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Estabelecido o direito, coube ao Estado criar os mecanismos neasdrios para a sua
aplicação. O cumprimento dos preceitos constitucionais impõe ao Poder PUblico a
superação de conceitos construídos pelo direito, que trata a propriedade de maneira
individual, exclusivamente. Faz-se necessário o estabelecimento de uma nova
concep@o do direito, acompanhada de uma refiexão de toda a sociedade, que
incorpore a propriedade coletiva e os componentes relativos às diferenças étnicas e
culturais no processo de regularização fundiária.
Várias iniciativas foram implementadas no âmbito do Governo Federal, através do
Incra e da Fundação Cultural Palmares, no sentido de promover o reconhecimento
do direito às comunidades quilombolas. Destacamos, também, as importantes
iniciativas do Ministério Público Federal no sentido de agilizar os processos de
regularização fundiaria e de patrocinar debates visando superar os entraves
Quiiornbos eni São Paulo

impostos pela legislação vigente. Cabe salientar, ainda, a existência de projetos de


lei, em tramitação no Congresso Nacional, que contribuem para o aperfeiçoamento
e detalhamento dos procedimentos administrativos referentes a regularização e
titulação das terras de quilombos.
Entre essas diversas experiências, destacamos a titulação através do Incra das áreas
das Comunidades Remanescentes de Quilombos Boa Vista, Água Fria e Pacoval. no
Estado do Pará, nos anos de 1995 e 19%. A emissão dos títulos de propriedade
coletiva para essas três comunidades estabeleceu um procedimento, na esfera do
Poder Público Federal, para o reconhecimento de áreas quilombolas incidentes em
terras devolutas da união.
O Governo do Estado de São Paulo, em 1995, sensível a questão e atendendo
solicitação das comunidades quilombolas, das organizações do movimento negro e
da sociedade civil, iniciou no âmbito da Secretaria da Justiça e da Defesa da
Cidadania e no Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva7',
um programa de equacionamento das questões relativas às áreas de quilombos no
Estado. Essa iniciativa culminou com a assinatura, pelo Governador Mário Covas,
do Decreto no 40.723196, criando um Grupo de Trabalho com o objetivo de fazer
proposições visando a plena aplicabilidacíe dos dispositivos constitucionais, que
conferem o direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de
quilombos em temtório paulista. Paralelamente, a Fundação Florestal, da
Secretaria Estadual do Meio Ambiente, elaborou um Plano de Gestão Emergencial
do Parque Estadual Intervales, em cujo teor foi desenvolvido um trabalho de
identificação e mapeamento cios territórios quilombolas que se encontram
absorvidos ou no entorno do referido Parque.
O Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto no 40.723/%, foi integrado por
representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Instituto de
Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva", Secretaria de Meio
Ambiente, Procuradoria Gerai do Estado, Secretaria de Governo e Gestão
Estratdgica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Subcomissão do
Negro, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil -
Sec@o São Paulo e Fónun Estadual de Entidades Negras.
Empossado em 14 de maio de 1996, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes.
presidida pelo Governador Mário Covas, o Grupo & Trabalho adotou três
procedimentos básicos para a condução dos trabalhos:
pesquisas bibliográficas e obtenção de pareceres técnicos;
divulgação dos trabalhos e chamamento a participa@o;
pesquisasdecampo.
Visando o enriquecimento dos debates e a ampliação do conhecimento sobre o
tema, o Grupo de Trabalho, recolheu documentação pertinente ao assunto. conw-idou
e teve a honra da participação de ilustres conhecedores da questão. a saber.
Elizabeth Kablukow Bonora Peinado, Isabel Cristina Groba Vieira e Débora Stuch,
do Ministério Público Federal; Sérgio Barros Leitão. do Instituto Sócioambiental;
Tereza Santos, da Comissão Afro da Secretaria da Cultura; Lúcia Andrade, da
Comissão pró-Índio de São Paulo e Carlos Vogt, da Unicamp, ambos indicados
pela Associação Brasileira de Antropologia: Carlos Maretti. Renato Sales e Katia
Pisciotta. da Fundação Florestal: Michael Mary Nolan. do escritório de advocacia
que patrocina a ação da comunidade de Ivaporunduva, contando ainda com parecer
do jurista Walter Ceneviva.
Conio forma de divulgação dos trabalhos, o Grupo oficiou todas às Prefeituras e
presidentes das Câmaras Municipais paulistas solicitando informações sobre a
existência em seus territórios, de remanescentes das comunidades de quilonibos.
Oficiou também. pessoas e entidades ligadas ao movimento negro, conforme
indicação oferecida pela Assessoria Afro da Secretaria da Cultura.
Promoveu. ainda. a visita de membros do Grupo às comuniáades quilombolas
localizadas nas Regiões de Sorocaba e Vale do Ribeira de Iguape, permitindo assim
o conhecimento de suas formas de organização. suas carèncias e suas riquezas
culturais.
Em atenção as competências específicas. determinadas pelo decreto, deliberou o
Grupo oferecer como propostas, para definir as comunidades a serem beneficiárias
do dispositivo constitucional. os critérios de auto-identificação do grupo/indivíduos
na condição de quilombolas, definição respaldada pela ciència da antropologia; pela
tradição; levantamentos históricos - materiais e orais e registros bibliográficos.
O Grupo procedeu assim também em relação a definição quanto aos critérios de
territorialidade: efetiva ocupação e a exploração agropecuária e florestal, inclusive
extrativista. respeitando-se ainda as práticas tradicionais de cultivo, como o rodízio
de terra, incluindo os espaços que se referem a recreação: a rnitos/simbologia: e as
áreas necessárias a perambulação entre as famílias do grupo.
O Grupo de Trabalho pode contar com a colaboração do Instituto de Terras do
Estado de São Paulo "José Gomes da Siiva". através do Departamento de
Regulafiação Fundiária, que efetivou um diagnóstico da situação dominial de
áreas ocupadas por comunidades, que abrangem toda a sorte de situações de
natureza quanto a posse e domínio, inclusive sobrepostas por Unidades de
Conserva@o, e recomendando ainda, o programa específico para atuação do Estado
de São Paulo em terras públicas estaduais. e parcerias com Prefeituras. para terras
devolutas niunicipais e distritais e parceria com a União para a atuação em terras
particulares.
Quilombos em São Paulo

Obteve, o Grupo informações da existência das seguintes comunidades: Cafimdó,


no Município de Salto de Pirapora; Pilões, Praia Grande, Maria Claudia, Bombas e
João Surrá. no Município de Iporanga; Poça, Bananal Pequeno, Aboboral, Pedro
Cubas, Sapatu, André Lopes, Nhunguara, Ivaporunduva, São Pedro e Galvão, no
Município da Estância Turística de Eldorado: Morro Seco, no Município de Juquiá;
Mandira, no Município de Cananéia; Cangume, no Município de Itaóca; Biguá
Preto, no Município de Miracatu e Aldeia de Jaó, no Município de Itapeva.
As ações aptas a compatibilizar a política ambiental em vigor com os objetivos do
dispositivo constitucional, tiveram como proposta a aceitação da ocupação das
comunidades e revisão dos limites das unidades de conservação, quando necessário
for, bem como planos de manejo sustentado e assessoria para produção de forma
conservacionista.
A par da questão fundiária e ambiental, entendeu que há de se atender, também, a
questão sócio-econômica e cultural das comunidades, para garantir aos quilombolas
o respeito aos seus direitos fundamentais e sua cidadania; garantir a melhora da
qualidade de vida de sua popuiação segundo seus padrões e valores, a partir do
fomento e da proteção das condições básicas a sua reprodução fisica e cultural. tais
como, base temtorial e projetos de desenvolvimento econômico adaptados a sua
raiz cultural e a capacidade regional.
O Grupo propôs, ainda, a outorga de permissões de uso, em áreas públicas
estaduais, aos remanescentes das comunidades de quilombos, como medida
preliminar no sentido da reguiarizaçãojurídica da situação de fato. nos termos do
artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Federal.
O referido Grupo elaborou minuta de anteprojeto de lei, posteriormente promulgada
como Lei no 9757, de 15 de setembro de 1997. adequando a legislação paulista de
legitimação de posse em terras devolutas a situação dos remanescentes de
comunidades de quilombos, e minuta de decreto criando programa específico.
atualmente Decreto no 41.774197, para atuação governamental nos moldes já
indicados, prevendo inclusive parcerias com o Governo Federal, Prefeituras e
demais segmentos da sociedade civil, que possam auxiliar nesse mister de resgate e
defesa da cidadania.
Cabe ainda destacar que todas as propostas enunciadas foram amplamente
discutidas em audiência pública realizada no dia 30 de novembro de 1996, na
Estância Turística de Eldorado, com a participação de aproximadamente 300
convidados. entre quilombolas, representantes dos órgãos públicos e ONGs.
Também é importante destacar a iniciativa impetrada pelo Ministério Público
Federal, em São Paulo. em cumprimento às funçks institucionais determinadas no
artigo 129 da Constituição Federal:
Artigo 129 - São funções institucionais do Ministério Publico:
111 -promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;
Em 6 de maio de 1996, através da Portaria no 5, o Ministério Phblico Federal, em
São Paulo, abriu inquérito civil visando adotar e fazer adotar pelos órgãos públicos
competentes, todas as medidas cabíveis para a identificação e demarcação física de
todas as comunidades remanescentes de quilombos da região do Vaie do Ribeira de
Iguape, quer conhecidas, quer as que venham a ser conhecidas, com ênfase para
aquelas que se encontram em áreas sobrepostas às Unidades de Conservação, tal
como o Parque Estadual Intervales, prevenindo responsabilidades e,
especificamente, visando o efetivo respeito às normas constitucionais. Para tanto,
foi instalado um Grupo de Trabalho composto por antropólogo pertencente ao corpo
tecnico daquela casa, por técnico requisitado no Itesp e por historiadores
pertencentes ao quadro do Iphan com missão de identifícar e localizar fisicamente
as comunidades remanescentes de quilombos no Vale do Ribeira de Iguape.
Ademais, o Conseiho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do
Estado de São Paulo colaborou com o avango no processo de reconhecimento dos
direitos das comunidades quilombolas, com a participação de seus membros no
Grupo de Trabalho. Essa atuação repercutiu não apenas no Estado de São Paulo,
mas serviu como experiência a ser repetida em todo o Brasil.
Destacamos, também, a importância das ações realizadas pelo Fórum Estadual de
Entidades Negras de São Paulo em apoio a luta dos quilombolas. Desde 1993, o
Fórum vem promovendo encontros, com as organizações do movimento negro
urbano, com o objetivo de dar visibilidade às questões referentes às comunidades
quilombolas.
Há que se destacar, ainda, iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção
São Paulo - através da Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos
que promoveu seminário sobre o tema em novembro de 1994.
Impossível omitir a efetiva participação dos próprios quilomboias no processo de
reconhecimento e consolidação dos seus direitos. As Comunidades Quilombolas do
Vale do Ribeira conhecedoras dos seus direitos constitucionais, passaram a se
reunir. com o apoio da Congregação de Jesus Bom Pastor - Pastorinhas, de
Eldorado e de organizações da sociedade civil, para refletirem sobre a sua
realidade. Foram realizadas inúmeras reuniões nas comunidades, nas igrejas, nos
bairros. nas escolas e cidades do Vale.
Na ocasião, dois grandes probiemas causavam preocupação e insegurança nas
comunidades e precisavam ser resolvidos. A primeira grande precmpação era
constituída pela ameaça de serem desalojados de suas terras, pela formação dos
lagos das Usinas Hidroelétricas de Tijuco Alto. Funil, Batatal e Itaóca. Assim de
Quilornhos ern São Punio

reunião em reunião, de conversa em conversa, de encontro em encontro, no ano de


1991 criam o Moab - Movimento dos Ameaçados pela Barragens do Vale do
Ribeira, com o metivo de organizar a resistência contra a construção das barragens
na bacia do Rio Ribeira de Iguape, norteados pelas paiavras de ordem "Terra sim,
Barragens não" e "Pela RegularizaçãoFundiária do Vale". A segunda preocupação.
interligada à primeira, era fazer com que os órgãos governamentais cumprissem os
preceitos constitucionais e promovessem a titulação &s terras que pertenceram a
seu ancestrais.
Novamente, senhores de suas vidas, os participantes do Moab, não esperam apenas
pela ação gmrnamental e decidem realizar, por conta, a demarcação de seus
territórios. Assim, constituíram uma equipe de trabalho para realizar um
levantamento das comunidades quilombolas no Vale. A equipe era formada pelas
Irmãs Angela Biagione e Maria Sueli Berlanga; pelos repmentantes da CPT -
Diocesana Maria nma do Nascimento, Sandra Inês Paulino, Yoshinori O. Miura,
Arenildo A. de Souza; por Silvani Cristina Alves, representando o Moab, e pelo
etnólogo Guilherme âos Santos Ba&osa. A equipe viajou às comunidades,
coletando informaç&s sobre a organização social e econômica, laços de parentescos
e vizinhança, referências sobre a origem do grupo, músicas, dados populacionais e
a área ocupada e utilizada para a reprodução fisica e cultural do grupo.
Fkrcorrendo, também, os cartórios e arquivos históricos da região para levantarem
as provas documentais da ocupação quilombola.
A Comunidade Ivaporunduva avança ainda mais no processo de consolidação dos
seus direitos e de construção de seu território, realizando vários mutiróes de
reconhecimento da terra ocupada por seus ancestrais e de posse permanente da
comunidade. Esses mutirõg que contavam com a particijmção de toda a
comunidade, identifícaram as áreas ocupadas e colocaram marcos identificando os
limites. Posteriormente, com a ajuda de um topógrafo, elaboram um mapa da área.
Finalmente, estavam defínidas as áreas de lavoura e de mata; as nascentes de água
e margens dos rios utilizadas pela comunidade. A Comunidade Ivaporunduva tinha
a posse da terra mas faltava-lhe garantir o domínio.
Assim, em agosto de 1994, a comunidade propôs junto a Justiça Federal de São
Paulo uma ação ordinária declaratória pedindo que a comunidade fosse declarada
como remanescente de quilombo e a condenação da União a delimitar e demarcar
as terras. Passaram a contar também com a assessoria judicial dos advogados Luís
Eduardo Greenhalgh, Michael Mary Nolan e outros.
Enquanto aguardavam a decisão judicial e o mnhecimento de seus direitos
temtoriais pelos órgãos de governo, continuavam realizando encontros onde
procuravam enfrentar os desafios do presente e do futuro.
Isto posto, determinou o !Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Belisário
dos Santos Júnior, em conjunto com a Coordenadora do Instituto de Terras do
Estado de !%o Paulo "José Gomes da S i W , Tânia Andrade, a organizaçao de um
livro que relatasse as eipriências governamentaisAj efetivadas e as propostas da
sociedade civil que corroboraram com a consolidação dos direitos das comunidades
remanescentes de quilombos no Estado de São Paulo. Este livro traz a público a real
possibilidade de se estabelecer um novo relacionamento entre o Governo do Estado
de São Paulo e as coniunidades quilombolas. baseado no respeito ao convívio de
diferentes e no resgate da cidadania de segmentos sociais historicamente
discriminados e alijados da ação governamental, construindo-se assim um projeto
de futuro democrático e solidário.
Assim, esse livro traz a público uma coletânea de textos relatando as diversas
iniciativas implementadas. ou em processo de implementação, pelo Governo do
Estado de São Paulo que visa o reconhecimento do direito das comunidades
quilombolas e a titulação de seus territórios. a partir da promulgação da
Constituição Federal (artigos 68 ADCT e 215 e 216). Apresenta também estudos
antropológicos realizados junto as comunidades quilomòolas do Estado. fornecendo
informações que nos permitem conhecer seus modos tradicionais de vida, suas
identidades étnicas e culturais construidas a partir de vivências e valores
partilhados e as diferentes formas de uso e ocupação da terra. Apresenta também,
instrumentos que permitem um aprofundamento sobre o tema em questão, citando
referências bibliográficas, fotos e mapa. E, finalmente, exibe um encarte dirigido ao
públicojovem, com o intuito de dar visibilidade ao tema.
A primeira parte do livro trata das iniciativas do Governo do Estado de São Paulo,
da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e do Instituto de Terras do Estado
de São Paulo "José Gomes da Silva7',após a criação do Grupo de Trabalho através
do Decreto no 40.723 de 21 de março de 1996, que além da outorga do direito de
propriedade às terras ocupadas pelas comunidades quilombolas, buscou garantir aos
quilombolas o respeito a seus direitos fundamentais e sua cidadania. Apresenta
também o artigo "Os Pressupostos Jurídicos para Regularização Fundiatia das
Áreas Remanescentes de Comunidades de Quilombos", de autoria de Luciano de
Souza Godoy, da Procuradoria Geral do Estado. que analisa, sob a Óptica da
legislação vigente, os entraves jurídicos a serem superados klsancio a expedição dos
títulos de propriedade às comunidades quilombolas em terras públicas estaduais.
A segunda parte, aparentemente desconexa da primeira, mas coerente com o
objetivo do livro de também fornecer suporte teórico às ações governamentais,
apresenta artigos de eminentes antropólogos das universidades paulistas. Esses
artigos, baseados em longas pesquisas acaáêmicas realizadas junto as comunidades
quilombolas, fornecem as informações necessárias que fundamentarão as políticas
públicas a serem implementadas num futuro próximo. O artigo "Herdeiros de
Zumbi: olhando o futuro, sem esquecer o passado", de autoria de Sandra Santos,
resgata o conceito histórico de quilombo inserindo-o numa perspectiva atual. Os
antropólogos Carlos Vogt e Peter Fry, em "A 'Descoberta' do Cafundó",
apresentam um relato da pesquisa realizada por dez anos, entre 1978 e 1988, na
Comunidade CWundÓ, Salto & Pirapora. E, finalmente, Renato da Silva Queiroz.
Quilornbos em São Paulo

professor de antropologia. no artigo "Essa terra é santa, essa terra e nossa" resgata
o trabalho acadêmico realizado junto a Comunidade Ivaporunduva. Vale do
Ribeira, entre os anos de 1977 e 1980.
A terceira parte fornece um inventário bibliográfico de títulos referentes aos
quilombos, fotos e mapa com a localização das comunidades quilombolas em nosso
Estado, que poderá auuiliar pesquisas futuras. Em "Quilombos: Repertório
bibliográfico de uma questão redefinida ( 1995 - 1996)", Auiedo Wagner Berno de
Almeida sugere, também, novos parâmetros que poáerão nortear a produção
intelectual e científica sobre o tema. A iconografia apresenta citações, fotos e mapa
que nos permitem visualizar a diversidade cultural e melhor conhecer esses atores
políticos. Anexamos cópia da legislação vigente que fundamentam as açiks
propostas.
E, com o intuito de despertar uma consciência solidária e anti-racista entre os
nossos jovens, incluímos no livro O encarte "Quilombos em São Paulo", elaborado
pelo cartunista Maurício Pestana, que com arte e simplicidade apresenta os eixos
centrais da questão.

Nossos agradecimentos ao Dr. Paulo Celso Fortes, assessor especial do Secretário


da Justiça e da Defesa da Cidadania; Maria Luíza Calixto Rios, Mana Ignez
Maricondi, Andiara Barbosa Automare e demais funcionários do Itesp sediados em
Sorocaba, Eldorado, Iporanga e Panquera-Açu.

Benedito Anstides Riciluca Matielo, advogado, coordenador do Grupo de Trabalho


(Decreto no40.723/96).
Leinad Ayer de Oliveira, antropóloga, diretora da Comissão pró-Índio de São Paulo.
Introdução a um Desafio

"Osquilombos, mais que redutos de


escravos, representavam muitas vezes
v e r ~ i r oEstados,
s com organizaaç8
trabalho, governo, história.
"

Belisário dos Santos Júnior


Introdução a um ~esafio'

"Escutao mundo branco


horrivelmente lasso de seu imenso esfoço
suas articulações rebeldes estalando sob estrelas duras
sua inflexibilidade d'aço azul varando a carne mística
escuta suas vitórias proditórias a tronibetear suas derrotas
escuta nos íílibis grandiosos seu misermjel estertor
Piedade para nossos vencedores oniscientes e ingênuos. "
Com essas palavras de Leopold Sedar Senghor, pretendo trazer a memória a mais
cruel violação do Último milênio, a mais grave, a mais longa: o tráfico de escravos,
a escravidão. Não foi o crime de uma nação ou de uma geração. Foi o crinie de uma
raça. A feição jurídica de comércio deu a face mais ímpia do processo. Nem a
condição humana era reconhecida ao negro, reduzindo-o a situação de objeto.
Bárbaro em si o crime, espanta a ausência de reação, espanta a omissão, espanta o
apoio institucional que recebe.
Reinos desaparecem, outros até crescem. Filhos são afastados dos pais. mulheres de
seus homens. Não era uma guerra. Nem essa dignidade havia. Era um processo de
corrupção. Tudo se escondia sob o manto da mercancia. Era um negócio. como
tantos outros...
No Brasil, muito antes que a dignidade do branco se movesse ante aquele horror, a
dignidade do negro já resistia a tentativa de matar sua cultura. sua música. sua
língua, seus costumes.
1
Discurso pmf&do na instituição do Grupo de Trabalho, para dar aplicabilidade ao
dispositivo constitucional que confere direito de propriedade aos quilombolas, eni 14.05.96.
Fala Solano Trindade:
Eu canto aos Palnrares
sem inveja de J Prgilio de Homero
e de Camões
porque o meu canto
é o grito de uma raça
em plena luta pela liberdade
Eu canto aos palnzares
odiando opressores
de todos os povos
de todas as raças
de mão fechada
contra as tiranias!
Meu poema é libertador
é cantado por todos,
até pelo no.
Meus irmãos que morreram
muitos jlhos deixaram
e todos sabem plantar
e ntanejar arcos;
muitas amadas morreram
mas muitasjcaranr vivas,
dispostas para amar
seus ventres crescem
e nascem novos seres.
E agora ouvimos um grito de guerra,
ao longe divisamos
as rochas acesas,
é a civilização sanguinária,
que se aproxima.
Mas não mataram meu poema.
hiais forte que todas as forças
é a liberdade
O opressor
não pôde fechar minha boca
nem maltratar meu corpo,
meu poema
é cantndo através dos séculos,
minha musa
esclarece as consciências
Zumbi foi redimido...
Quilomhos e n ~
São Paulo

Os quilombos, mais que redutos de escravos, representavam muitas vezes


verdadeiros Estados. com organização, trabalho, governo, história.
Era a possibilidade do exercício do direito à resistência.
Augusto Boa1 e Gianfimcesco Guarnieri sintetizaram magnincamente:
Quem esquece a própria vontade
Quem aceita não ter desejo
é tido por todos um sábio
é isso que eu sempre vejo
t? a isso que eu digo, não!

Ainda foram necessárias duas guerras mundiais para que se proclamasse, em 1948,
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que os direitos humanos devem ser
protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como
Último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão.
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que
"aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes o
titulo dejnitivo ".
O que se faz hoje aqui, Senhor Governador, mais que cumprir um programa de
governo, muito além de assegurar a íntegra da carta constitucional, significa um ato
de memória que o seu Governo consagra ao exemplo da resistência. um início de
reparação ao povo negro. É um começo. É um símbolo.
O preconceito segue. Ele marca como o ferro, ele castiga como o açoite. Ele ainda
existe, vivo, insinuante, ora disfarçado, ostensivo muitas vezes. Em nossas
atividades cotidianas na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, no Fórum
das Minorias, no Seminário contra o Preconceito, sentimos isto claramente.
Há outras políticas compensatórias a serem adotadas, mas este é um bom começo.
O primeiro grupo de trabdho no Brasil a cuidar da regularização fundiária que
dará a propriedade de terras aos remanescentes de quilombos está instalado. É um
exemplo para o resto do país. Constituído e trabalhando, no estilo deste Governo,
com participação ampla da sociedade civil. Nenhuma experiência será desprezada.
Os setores do Governo interessados no tema estão ali representados. O Instituto de
Terras, desta Secretaria,já havia cadastrado 12 comunidades de remanescentes das
ocupações de quilombos. Há setores não governamentais que reuniram importante
material a respeito. Tudo será considerado.
É uma tarefa difícil, esta do resgate da história, da reparação da violação.
Mas é um desafio. E este Governo. todos o sabem, não rejeita desafios.
Concluo.
Manoel Congo, tronco de árvore, barro do chão, pai e filho da natureza era líder de
quilombo. Conta a lenda, segundo João Luís Duboc Pinaud, em Malvados Mortos.
que a morte o colheu no meio da luta. Preso, foi imediatamente julgado, condenado.
executado pela justiça e pela lei do homem branco, pelo crime da esperança. Nada
lhe tiraria o sorriso dos lábios. Supõe o poeta carioca, supomos todos nós: pensava
em Mariana, pensava em sua casa, em seu leito, no roçado de plantio e criação que
faria quando a paz chegasse a serra da Taquara.
O depoimento de um remanescente daquele quilombo é sintomático:
"Manoel Congo, Mariana Crioula, Eu sempre soube dele...Dela
contavam muitas coisas, que tinha as costas riscadas de ferro quente
e andava sempre querendofugir. ..Mas isso tudo é igual ao vento, vai
passando, vai passando ... "
Não queremos que a história passe com o vento.
Temos a vontade e a necessidade de resgatar a esperança e o sorriso que nos
legaram tantos Manoel Congo, tantas Mariana Crioula e sua brava gente.
Obrigado.

Belisário dos Santos Júnior. advogado, e Secretário de Estado da Justiça e da Defesa da


Cidadania.
Direito de Propriedade dos
Remanescentes das Comunidades
de Quilombos
no Estado de São Paulo

". ..o trabalho ora apresentado assume


destaque, posto ter, de forma pioneira,
se constituído como um fómm de
conhecimento onde a participação da
comunidade técnico-científica, das
associações civis, organizações não
governamentais e das diversas instâncias
do poder público, responsáveis e
interessadas pela questão..."

Relatório Final do Grupo de Trabalho


criado pelo Decreto no 40.723 de 2 1/03/96
Qrtilor~ihoseri São Patrlo

Conrunidnde CafundO - -4ndinrn B. Autoninre - Itesp, junho 97


Direito de Propriedade dos Remanescentes das
Comunidades de Quilombos
no Estado de São Paulo

Apresentação
O presente relatório, elaborado com fùndamento nos estudos desenvolvidos pelo
Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto Estadual no 40.723, de 21.03.96,
consubstancia. como proctido final, os esforços intra-institucionais do Governo do
Estado de São Paulo de responder a demanda constitucional imposta pelos artigos
215 e 216 da Carta Magna, com ênfase para o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transit6rias. de conferir o direito de propriedade aos remanescentes
das comunidades de quilombos, impondo-se como um conjunto de conceitos,
diretrizes e medidas aptas não só a garantir a plena aplicabilidade dos dispositivos
constitucionais em temtório paulista, como também a promover o resgate e a defesa
da cidadania das comunidades quilombolas.
Nesse contexto, o trabalho ora apresentado assume destaque, posto ter, de forma
pioneira, se constituído como um fórum de conhecimento onde a participação da
comunidade técnicocientífica, das associaçb civis, organizações não
governamentais e das diversas instâncias do @r piiblico, responsáveis dou
interessadas pela questão, atingiu níveis de excelência, tornando-se base
fundamental para a eleição dos critérios aptos a definir as comunidades
quiiombolas e seus territ6rios, que serão beneficiárias do direito de propriedade,
diagnosticando sua situação, bem como das propostas metodológicas, jurídicas e
institucionais básicas a gestão e gerenciamento das ativiáades governamentais
necessárias a tal fim.
Nesse sentido, entende-se que a intervenção govemamental pretendida, qual seja a
da regularização fundiária e titula& da propriedade das terras às comunidades
quilombolas e da proteção das condições materiais e não materiais que permitam
sua reprodução fisica e cultural, sob o ponto de vista da defesa da cidadania, não
deverá constituir-se como uma aç%opontual e isolada, posto que demandará uma
série & trabalhos jurídicos e técnicos voltados a compatibilizar os diferentes
parâmetms de abordagem e inciâência das políticas ambientais, fundiária e
cultural, sob a ótica de um planejamento integrado e estratwco que respeite os
diferentes contextos regionais, mas deverá constituir-se sim, por essas mesmas
razões, em ação ampla e permanente de governo, cuja dimensão, embora tenha sido
observada e embrionariamente aqui proposta, extrapola o escopo do presente
estudo. Assim deve-se entender esse trabalho como portador de um duplo aspecto:
como instrumento técnico, de concreção imediata, no que tange a propositwa
dos criterios, diretrizes e ações para garantir a aplicabilidaáe dos dispositivos
constitucionais;
como uma contribuição para o início de um processo político permanente,
mediador, reflexivo e indutor de decisões que objetivem impuisionar todas as
ações necessárias a fomentar e proteger as condições de reprodução fisica e
cultural dos quilombolas, na condição de grupo étnico afro-brasileiro portador
de referências da formação e identiW da sociedade brasileira.
Sua realização só foi possível graças aos esforços de cada um dos integrantes do
Grupo de Trabalho em articular, no âmbito dos órgãos de governo ao qual
pertencem, e junto à sociedade civil, o levantamento e repasse de informações, bem
como de viabilizar tomadas de áecisões logisticas necedrias a caracterizar o
universo de estudo, penetranâo-o e diagnosticando-o.
Além disso, cumpre registrar que sua realização teve como mola propulsora a
vontade política e visão social do governo paulista de atender e interpretar o
mandamento constitucional, não só como obrigação estatal imposta pela lei, mas
principalmente como um ideal da democracia, de proteção aos direitos humanos e
respeito às minorias, a ser perseguido permanentemente, o que veio a permitir que
o Grupo de Trabalho fosse integrado por representantes de diversos órg%os
governamentais e não governamentais, enumerados no box a seguir.
Dessa forma, pretendendo contribuir com os debates proficuos que certamente
surgirão no seio da sociedade organizada junto aos órgãos & administração
pública, para a plena efetiva* dos direitos garantidos pela Constituição Federal
aos remanescentes das comunidades de quilombos, colaborando com a busca de
soluções para os impasses técnicos e políticos que possam surgir, segue essa versão
final dos estudos para os encaminhamentosque se fizerem pertinentes.
Quilombos em São Parilo

PARTICIPANTES
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania
Instituto de Terras do Estado de São Paulo "JoséGomes da Silva"
Secretaria do Meio Ambiente
Procumdoria Geml do Estado
Secretaria de Governo e GestãoEshatdgica
Secretaria da Cultum
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Arh'stico e Turístico do Estado
de São Paulo - Condephaat
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negm do Estado de S. ~aulo'
Ordem dos Advogados do Bmsil - Secção São ~ a u l o ~
m
F
' Estadual de Entidades Negras de São paulo3
Comunidade do Cafindó,pelo Sm. Maria Aparecida Rosa de Aguiar.
i

Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São


Paulo: e um Órgão governamental especifico para a adoção de políticas públicas para a
população afio-brasileira do Estado. Criado pelo Decreto no 22.184 de 11/05/1984, e
institucional~opela Lei no 5.466, de 24/12/1986, é composto por um colegiado, de caráter
deliberativo e consultivo, com 32 membros designados pelo Governador, sendo 22
representantes da sociedade civil e 10 da área social das Secretarias de Estado.
Entre as suas abibuições destacamos: formular diretrizes e promover, em todos os níveis da
administração direta e indireta, atividades que visem a defesa dos direitos da comunidade
negra, a eliminação das dimimimqões que a atingem, bem como a sua plena inserção na
vida sócioeconômica e político-cultural; assessorar o Poder Executivo, emitindo pareceres e
acompanhando a elaboração e execução de programas de Govemo, nos âmbitos Federal,
Estadual e Municipal, em questões relativas à problemática da comunidade negra.
Endereço: Rua Antônio Godoy, 122 - 9" andar - CEP 01034-000 - São Paulo - SP
Fones: (01 1) 223-8477 e 220-2946 - Fax: (01 1) 223-8688
Subcomissão do Negro, da Comissão de Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados
do Brasil - Secção São Paulo. Endereço: Praça da Sé, 385 - CEP 01001-000 - São Paulo -
SP - Fone: (01 1) 239-5 122
Fomm Estadual de Entidades Negras de São Paulo: é uma articulação das organizações
do movimento negro no Estado de São Paulo. Desde 1989 o Fórum vem realizando reuniões
e encontros para debater temas relacionados à questão do negro na sociedade paulista.
A coordenação do Fórum 6 composta pelas seguintes organizações: Soweto - Organização
Negra; U n e p - União de Negros pela Igualdade, da cidade de São Paulo; Movimento Negro
Raizes da Afica, de Diadema; Frente Negra da Baixada Santista e Feconezu - Festival
Comunitário Negro Zumbi, de Campinas. Entre as suas atividades destacamos a
organização, em 91, do I Encontro Nacional de Entidades Negras e, em 1995, do I Congresso
Continental dos Povos Negros das Américas. Em j d 9 7 , na cidade de Diadema, realizou o
Encontro Estadual de Entidades Negras, com a participação de cerca de 200 delegados e
delegadas, representando 75 entidades de várias cidades do nosso Estado, eni que constou
um painel referente a questão das Comunidades de Quilombos em São Paulo.
Endereço: Cx. Postal: 20397 - CEP 04412-990 - São Paulo - SP Fone/Fax - (011) 229-3937
Histórico de atuação do G ~ p de
o Trabalho
Empossado em 14 de maio de 1996. em cerin~ôniano Palácio dos Bandeirantes.
presidida pelo governador Mário Covas, com a incumbência de fazer proposições
visando garantir plena aplicabilidade aos dispositivos constitucionais que conferem
o direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos, ao
longo de sete meses o Grupo de Trabalho promoveu vinte e oito reuniões ordinárias
nas quais discutiu as formas de objetivação dos dispositivos constitucionais em
território paulista, alem de audiência pública e diversas reuniões extraordinárias.
por seus subgrupos, fonllados para apresentar estudos preliminares sobre a
identificação de comunidades de quilombos. bem como propostas de anteprojeto de
lei e minuta de decreto.

Caraterização do objeto do estudo


O ponto de partida para a compreensão dos objetivos do Grupo de Trabalho,
prende-se a principal ilação conceitual da tarefa em questão com o tema das
"comunidades tradicionais" (tais como índios. caiçaras, caboclos, seringueiros e
caipiras; suas formas de uso e apropriação do espaço e dos recursos naturais;
temtorialidade; organização social e econômica; sistemas de valores de uso e
~imbologia)~, seu reconhecimento pela ordem jurídico institucional vigente e sua
inserção nos planos públicos de ordenação e fomento do desenvolvimento regional.
Portanto, para realização de tal mister visando compreender, identificar e analisar o
objeto de estudo - qual seja, o temtório quilombola - fez-se necessário absorver e
equacionar, sob o ponto de vista da síntese interdisciplinar. as diferentes
metodologias e recortes de abordagem científicas do tema, pertinentes as ciências
da antropologia; do direito; da história; da sociologia; e do meio ambiente "vis a
vis" as formas existentes dou projetadas institucionalmente de ocupação e uso do
solo e dos recursos naturais, nas regiões nuais onde ocorrem os sítios ocupados
pelos remanescentes de comunidades de quilombos, indicando que as diretrizes
gerais a serem observadas. para muito além da outorga do direito de propriedade.
são: garantir aos quilombolas o respeito a seus direitos fundamentais e sua
cidadania; garantir a melhoria da qualidade de vida de sua população segundo seus
padrões e valores, a partir do fomento e da proteção das condições básicas a sua
reprodução física e cultural, tais como, base territorial, e projetos de
desenvolvimento econômico adaptados a sua raiz cultural e à capacidade regional.
Pressupostos e procedimentos metodológicos adotados
Assim. a partir das diretrizes gerais acima expostas. os trabalhos desenvolvidos
pelo Grupo de Trabalho pautaram-se pelos seguintes pressupostos e procedimentos:

A noção referida t a m b foi identificada no brilhante trabalho de Siglia Zambotti Dória: O


Estado Brasileiro Frente a Diversidade Social Que Reconhece: O Caso da Comunidade
Renta~reivcaitede Quilombo do Rio das Rãs.
@tilombos em São Paulo

de natureza le&: garantir o cumprimento do mandamento constitucional,


adequando, no âmbito do arcabouço jurídico-institucional vigente no Estado, as
diferentes normas jurídicas incidentes.
de natureza mlítico institucional: a obriga@o do Estado de provocar a
articulação de todos os segmentos, públicos ou privados, com responsabilidades
ou interesses específícos na questão, proporcionando um espaço permanente de
gestão para solução de problemas sociais e ambientais regionais que busque
conferir a máxima proreção e fomento às condições necessárias à reprodução
fisica e cultural dos grupos remanescentes.
de natureza arnbiental: garantir a preservação dos ecossisternas induzindo um
desenvolvimento em bases conservacionistas.
de natureza sócio-econômica: garantir a melhoria da qualidade de vida dos
quilombolas de acordo com seus padrões e valores, bem como o respeito aos
seus direitos fundamentais, identificando alternativaseconômicas adequadas aos
seus hábitos, usos e costumes, induzindo projetos econômicos e educacionaisein
face das possibilidades da regi30 e do mercado.
de natureza histórico cultural: garantir o registro, documentação e preservação
de áreas, documentos, edificações e atividades que contenham traços,
manifestações e características de sua cultura.

Procedimentos adotados
Três tipos de procedimentos básicos foram adotados pelo Grupo de Trabalho para a
condução dos trabalhos:
pesquisas bibliográficas e obtenção de pareceres técnicocientificos;
divulgação dos trabalhos e chamamento a participação;
pesquisas de campo.
O primeiro se deu em fontes históricas, antropológicas, etnográficas e jurídicas com
vistas a forma@o de uma visão geral sobre o tema objeto de estudo, e.
principalmente, para obter-se subsídios teóricos que permitissem sua abordagem.
Problemas especificas foram objeto de consultas e de pareceres técnicoxientííicos
de ilustres personalidadedentidades ligadas ao tema, tais como o jurista Walter
Ceneviva e o Incra. tendo em vista que esse Ultimo já procedeu a titulação das
Comunidades Quilombolas de Boa Vista, Fria e Pacoval, no Estado do F'ará, e
vem desenvolvendo trabalhos técnicos para a tituiação da Comunidade Quilombola
Rio das Rãs em Bom Jesus da Lapa. no Estado da Bahia.
O segundo, visando não só enriquecer os debates e ampliar o conhecimento de seus
membros, como também e principalmente, imprimir um caráter aberto e
participativo aos trabalhos, promovendo um espaço apto a somatória dos esforços
intra, inter e extra governamentais permitiu ao Grupo de Trabalho recolher farta
documentação e depoimentos pertinentes ao assunto. Colaboraram com os
trabalhos, ilustres conhecedores da questão5. Além disso, foi o Grupo de Trabalho
honrado pelas comunicações de diversas 0 ~ ~tendo s ~ ainda
; visitado diversas
comunidades quilombolas na região Vale do Ribeira e no município de Salto de
Pirapora, onde constatou suas diferentes formas de organização. suas carências e
suas riquezas culturais. Questões jurídicas específícas relativas a auto-
aplicabilidade do dispositivo constitucional, sua abrangência, competência para
executá-lo e demais procedimentos legais necessários a titulação foram objeto de
consulta e parecer formatado pelo ilustre jurista Walter Ceneviva, bem como objeto
de estudos entre o Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da
Silva" - Itesp e a Procuradoria Geral do Estado - PGE.
O terceiro, refere-se As pesquisas de campo que tiveram como pano de fundo três
ações desenvohidas por outros órgãos, que tangenciaram o desenvolvimento dos
estudos do Grupo de Trabalho, permitindo apropriação dos dados primários e que
foram:
a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público Federal, através da
Portaria no 05, de 06 de maio de 1996, visando adotar e fazer adotar pelos
órgãos públicos competentes, todas as medidas cabíveis para a identificaç%oe
demarcação física de todas as comunidades remanescentes de quilombos da
região do Vale do Ribeira, quer conhecidas, quer as que venham a ser
conhecidas, com ênfase para aquelas que se encontram em áreas sobrepostas às
Uniáades de Conservação, tal como o Parque Estaciuai Intervales, prevenindo
responsabilidades e, especificamente, visando o efetivo respeito As normas
constitucionais, onde foi instalado um Grupo de Trabalho composto por
antropólogo pertencente ao corpo técnico daquela casa, por técnico requisitado
ao Itesp e por historiaáores pertencentes ao quadro do M t u t o do Patrimônio

' S&go B m s Leitão do Instituto Sócioambiental; Ekabeth Kablukow Bonora Peinado,


Isabel Cristina Groba Vieira e Deborah Stuch, do Ministério Público Federal; T e m Santos,
da Assessoria A h da Secretaria da Cultura; Lúcia Andrade, da Comissão Pró fndio de São
Paulo e Carlos Voght da Unicamp, ambos indicados pela A s s o c ~ oBrasileira de
Antropologia; Cláudio Maretti, Renato Sales e Katia Pisciotta, da Fundação Florestal;
Michael Mary Nolan, do esCnti,rio de advocacia que patrocina a ação da comunidade de
Ivaponmduva; Denison de Oliveira, do Inua e José Milton -ia, da P r o c d r i a do
Patrimônio Imobiiiário da Procuradoria Gerai do Estado.
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Anai - AssociaçtioNacional de
Apoio ao Índio da Bahia e o Moab - Movimento dos Am&os por m e n s do Vale do
Ribeira.
Quiiornbos ein São Paulo

Histórico e Arquitetônico Nacional - Iphan - com missão de identificá-las e


localizá-las fisicamente.
a elaboração de um Plano de Gestão Emergencial do Parque Estadual Intervales
pela Fundação Florestal, vinculado a Secretaria do Meio Ambiente, em cujo teor
foi desenvolkldo um trabalho de identificação e mapeamento dos temtórios
quilombolas que se encontram absonidos ou no entorno dos limites da região de
Unidades de Conservação;
A existência de uma ação declaratória proposta junto a Justiça Federal pelos
advogados Luiz Eduardo Greenhalgh. Michael Mary Nolan e outros,
representando a Comunidade Qwlombola Ivaporunduva, que pretende ver
judicialmente reconhecidos seus direitos, como remanescentes de quilombos,
sobre as terras que ocupam, e que se impõe como um marco referencial no que
tange aos conceitos jurídicos e antropológicos adotados ao caso, espelhando, na
fase pericial, os critérios para definição da territorialidade quilombola.

Principais conceitos, definições e critérios eleitos pelo grupo de trabalho para


dirigir a intervençgo pretendida
Crit6riosjundicos
A auestão da auto-avlicabilidade do artino 68 do Ato das Disposicões
Constitucionais Transitórias.
O ceme do direito de propriedade dos remanescentes das comunidades quilombolas
tem assento no artigo 68 do ADCT, onde se lê:
"Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado, emitir-lhes os respectivos títulos."
Acatando parecer do ilustre jurista Walter Ceneviva, bem como posição da Ordem
do Advogados do Brasil, Secção São Paulo, Subcomissão do Negro, da Comissão de
Direitos Humanos, em seminário sobre o tema, realizado em novembro de 1994 e
posição de associações civis interessadas, tais como a Soweto - Organização Negra,
Unegro - União de Negros pela Igualdade, e Comissão Pr6-Índio de S2o Paulo -
CPVSP -, o Grupo de Trabalho reconhece a auto-aplicabilidade do dispositivo
constitucional, o que vale dizer que o reconhecimento do direito de propriedade
independe de lei posterior que regulamente a previsão feita pela norma
constitucional.
Trata-se de norma transitória, posto ter sido idealizada como de aplicação imediata,
como resulta da locução "é reconhecida".
Esse entendimento está contxhbnciado, por exemplo, não só na ação ordinária,
impetrada em 1993 pelo Ministério Público Feúeral contra a Unitlo Federal, para
que essa adotasse as medidas tendentes a delimitar e demarcar a área ocupada pela
Comunidade Remanescente de Quilombo Rio das Rãs, no Estado da Bahia. como
também na ação ordinária proposta pelos advogados Luiz Eduardo Greenhalgh e
Michael Mary Nolan e outros requerendo a titulação da área ocupada pela
Comunidade Remanescente de Quilombo Ivaporunduva, no Município de Eldorado
- Vale do Ribeira, Estado de São Paulo.
Ressalta, neste sentido, e como marco jurídico institucional que cravou
definitivamente tal entendimento, a titulação, levada a cabo pelo Incra, da
comunidade quilombola de Boa Vista no Município de Onximiná no Estado do
Pará.
Desse modo, deve-se compreender que os projetos de lei 129195, de autoria da
senadora Benedita da Silva e 627-Al95, de autoria do deputado Alcides Modesto e
outros, ora em trâmite no Congresso Nacional, têm o condão de contribuir para o
aperfeiçoamento e detaihamento dos procedimentos administrativos de
regularizaçãoltitulação, mas não de conferir aplicabilidade ao dispositivo
constitucional.
Deve-se observar, porém, que, muito embora se reconheça a auto-aplicabilidade do
dispositivo constitucional, esta não pode ser entendida como de concreção imediata
em face da necessidade de desapropriar áreas particulares dou legitimar as posses
existentes em terras devolutas quer federais, quer estaduais, "vis a visn a
necessidade de pautar o p m s s o jurídico institucional de identificação dos
benefíciários e dos temtórios a serem titulados e demardos, sob a ótica dos
estudos antropológicos que denotam graves conflitos entre as normas costumeiras
de ocupação territorial de caáa grupo social abrangido sob o conceito de
quilombola, e o ordenamento jurídico vigente.
"De fato, o Estado brasileiro ao longo de toda sua história de
formação, nunca se mostrou capaz de aceitar regras de um direito
consuetudinário ditadas por populações diferenciadas. A legislação
agrária do país, desde sua formação e especialmente após a Lei no
601 de 1850, reconhece a posse da terra como mercadoria,
atribuindo-lhe signijcados pertinentes a uma estratégia de
dominação, ao reconhecer o domínio e propriedade a poucos
privilegiados e obstá-10 a índios, mestiços, escravos e colonos de
baixa renda (grande maioria da populaçdo), de forma implícita nas
caras obrigações exigíveis em seus artigos como pré-requisitos aos
direitos sobre uma gleba de terra" (Pressburguer. T.M. " A história
da propriedade no Brasil" série "Socializando Conhecimentos" AJUP
- RJ - 1981.)
Deve-se lembrar, portanto, que o assunto não é novo, mas acena de forma pioneira
para uma necessária mudança na legislação, sendo certo que inúmeros juristas,
sociólogos e antropólogos ao criticarem os procedimentos estaduais de intervenção
agrária e instrumentos da legislação nos projetos de colonização e assentamentos
Quiiombos em São Paulo

têm reiteradamente chamado a atenção do poder público para as "d3rentesformas


de apropriação e utilização da terra e dos recursos naturais que não são as
ojcialmente reconhecidas e instituídas, e que compõem -formas - territórios -
espaços - absolutamente diferentes daquelas imaginadas pelo ordenamento legal"
(Almeida. A.B.W. "Estrutura Agrária Brasileira"- 1989).
A necessidade de reconhecer e reguiarizar a posse e a permanência nessas áreas das
populações remanescentes das comunidades de quilombos, bem como & outras
"comunidades tradicionais" permitindo-se a utilização do solo e dos recutsos
naturais em geral, de forma ecologicamente equilibrada, por interesse histórico,
cultural, científico, púólico, econômico, e p0rjUSti~asocial, impõe-se com urgência.
Conforme sugere o jurista, Luís Edson Fachin em seu artigo "Modaliáaâes
Jurídicas de Onipqão de Terra nos Assentamentos & Reforma m a ' ¶ - Revista
de Direito Agrário e Meio Ambiente - PR, 1987, áreas com diferentes usos, criadas
e recriadas sazonalmente pelas popuiações quilombolas, tais como, mangues,
cocoais, seringais, castanhais, ipapés, fundos de pasto, várzeas, terrenos de
marinha e florestas, em função das atividades econômico-produtivas e dos sistemas
de apropriação peculiares de cada grupo social, preexistem aos espaços que a
legislação quer impor, e são resultados de anos de adaptação do grupo a região,
estando a merecer extrema cautela antropológica, jurídica e ecológica ignorada
normalmente pelas intervenções governamentais no meio agrário e até mesmo pela
legislação agrária em vigor, requerendo com urgência novas práticas e revisão do
ordenamento legaí a elas pertinente, sendo essa uma das mod.ifíca@ks
fundamentais por que &ve passar a legislação atual.
Com efeito, o cadastro rural previsto pelo Incra ou mesmo o cadastro de terras do
patrimônio imobiliário estadual usado para a legitimaçáo & posse e para embasar
as ações discriminatórias são incapazes de detectar apropriações comunais extensas
que compõem temtórios tradicionais. São incapezes de traduzirem mapeamento as
diretrizes sociais que definem signincados e ativida&s diferenciadas aos distintos
espaços naturais, exprimindo as necessidades produtivas e repdutivas do grupo,
bem como a capacidade de suporte do meio às exigências da comunidade.
Nestas áreas, para definir-se um temt6ri0, faz-se necessário um diagnóstico sócio-
ambienta1de caráter multidisciplinar.
Além disso, percebeu o Grupo de Trabalho que t extremamente £alho definir o
sistema de apropriação da terra por parte de um grupo tradicional como c o m d ou
individua). Existem formas de divisão do trabalho, i n f o b pela antropologia,
bem como dos espaços onde esses trabalhos se realizam, que ora poderiam ser
exprimidos como de apropriação áe uma só pessoa ou de uma só famííia e em outra,
de todo o gnipo social, sugerindo o Wtuto do condomínio tal e qual configurado
em nossa legislação como o mais próximo das situa- obsendas, e fazendo
perceber que só mesmo um laudo antropológico para cada uma das comunidades
pocíerá espelhar as ctiferentes realidades existentes entre os próprios quilombolas.
Quilombos em São Paulo

Critérios antropológicos
Identificacão das comunidades beneficiárias
. Conceito de quilombo
Para as comunidades beneficiárias serem consideradas remanescentes de
quilombos, não é preciso que elas tenham sido constituídas por escravos fugidos.
"O conceito de quilombo mudou. Joel Rufino dos Santos, presidente da Fundação
Cultural Palmares, define quilombo como um modelo de sociedade alternativa a
sociedade colonial escravista e adota uma definição da Associação Brasileira de
-
Antropologia ABA:
"Toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos
vivendo da culttrra de subsistência e onde as manifestações culturais
têmforte vínculo com o passado."
O termo remanescente de quilombo, conforme deliberado pela ABA, em encontro
realizado nos dias 17/18 de outubro de 1994, no Rio de Janeiro, embora tenha um
conteúdo histórico, designa:
"...hoje a situação presente dos segmentos negros ent diferentes
regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma
herança cultural e material que lhe confere uma referência
presencia1 no sentimento de ser e pertencer a um lugar e a um grupo
especíjico." (Garcia, José Milton - PPVSP)"
Conforme ensina o professor João Pacheco de Oliveira. es-presidente da ABA:
"Contemporaneamente,portanto, o termo não se refere a resíduos ou
resquícios arqueológjcos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma
população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre
foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou
rebelados mas, sobretudo, consisten~em grupos que desenvol~~eram
práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos
de vida característicos num determinado lugar.
.4 identidade desses p p o s não se dejine pelo tamanho e numero de
seus membros, mas pela experiência vivida e as versões
compartilhadas de sua trajetória coniuni e da continuidade enquanto
grupo. Trata-se, portanto, de unia referência histórica comum,
construida a partir de vivências e valores partilhados.
Neste sentido, constituem grupos étnicos conceitualmente defnidos
pela antropologia como um tipo organizacional que confere
pertencin~entoatravés de normas e meios entpregados para indicar
ajliação ou exclusão." (Barth, Fredrik - 1969: (ed.) Ethnic Groups
and Boundaries, UniversitetsForlaget, Oslo).
"No que diz respeito a territorialidade desses grupos, a ocupação da
terra não é feita em termos de lotes individuais, predominando seu
uso comum. A utilização dessas áreas obedece a sazonalidade das
atividades sejam agrícolas, extrativistas e outras, caracterizando
diferentesformas de uso e ocupação do espaço que tomam por base
laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de
solidariedade e reciprocidade. "
A par destas definições cumpre apontar que o mais eficaz instrumento considerado
pela antropologia como apto a caracterização dos beneficiários, é a auto-
identificação do grupo/indivíduo na condição de qquilmbola.
"Na concepção antropológica, as comunidades remanescentes de
quilombos constituem grupos étnicos, e assim sendo, a auto-
identijcação é o elemento dejnidor essencial desta condição"
(Comissão pró-índio - SP/maio de 1996). rlNormatização do
Processo de Regularização Fundiária das Terras de Comunidades
Remanescentes de Quilombos" (Revista Teoria e Debate - no prelo).
Esse procedimento encontra respaldo nas técnicas metodológicas adotadas pela
ciência da antropologia que trata o depoimento oral com o mesmo valor dos
documentos históricos, da tradição e dos registros bibliográficos e demais formas de
comprovação idôneas.
Há de se ressaltar, porém, que a demonstração da condição quilombola de uma
comunidade a ser informada por um pertinente laudo antropológico, ainda que
amparado por diferentes documentos, terá como base fundamental a caracterização
da identidade do grupo a partir do ponto de vista & seus integrantes.
Conceito de território
"Na produção acadêmica recente sobre a identidade de negros com
condições de vida rural, em inúmeros autores, as representações
sobre etnia e identidade estão articuladas ff questão fundamental da
territorialidade. Esta subsistiria também como uma categoria
cognitiva na cultura, operacionalizando na prática o processo de
identijcação do direito dos diversos sujeitos ao território." (Dória,
Siglia Zambrotti - op. cit.).
Esse entendimento coloca a questão da temtorialidade dos grupos tradicionais,
entre eles os quilombolas, como fator fundamental de construção da própria
identidade do grupo. fazendo ver que sua trajetória & vida em face a sua
adaptabilidade ao meio circundante e as formas de apropriação dos espaços, ditadas
pelas oportunidades econômicas e de subsistência encontradas nos diferentes
Quiiomòos em São Paulo

ecossistemas e pelos seus usos, hábitos e costumes, moldam de forma particular e


Única tais espaços.
Isto quer dizer que o temtório, em todo seu perímetro, necessário reprodução
física e cultural de cada grupo étnioo/tra&cional, s6 pode ser dimensionado a luz da
interpretacão antropológica e, em faoe da capacidade suporte do meio ambiente
circundante, tendo em vista a necessidade de garantir a melhoria de qualidade de
vida de seus habitantes, atravds da implementaçáo de projetos econômicos
adequados, conservando-se os recursos naturais para as geraçõesvindouras.
Desse modo, pode-se afirmar que o critério & efetiva ocupa@o eleito pelo Grupo
de Trabalho, como básico, deve aglutinar, em sua concepção, de forma ampla, não
só os espaços de moradia ou de prociução aghIa/extrativista, mas também todos
aqueles que se referem a recreação, a mitos/simbologia e As áreas necessárias a
perambuiação entre as famílias do grupo e ao estoque dos recursos naturais.

Situaçües já identificadas
Tendo oficiado a todas as Prefeituras e Câmaras Municipais do Estado de São
Paulo, bem como levantado acervo já existente sobre o tema junto aos órgiios de
Governo e entidades civis, obteve o Grupo de Trabalho informaç3es da existência
das seguintes comunidades:

Cafundo - Município de Salto de Pirapora;


Pilões, Maria Rosa, Praia Grande, Maria ClBudia, Bombas, João Surrá - Munic. de Iporanga;
Poça, Bananal Pequeno, Aòoboral, Pedro Cubas, Sapatu, André Lopes, Nhunguara,
Ivapomduva, São Pedro e Galvão - Município da Estância Turística de Eldorado;
MOITOSeco - Município de Juquiá;
Mandira - Município de Cananéiti,
Cangume - Município de I t a h ;
Biguá Preto - Município de Miracatu
Aldeia de Jaó - Município de Itapeva.

Deve-se registrar, ainda, que o Grupo de Trabalho recebeu listagem feita pelo
etnólogo Guilherme dos Santos Barúosa e completada pela Equipe de Articulação
das Comunidades Negras da Diocese do Vale do Ribeira, que ratifica a existência
das comunidades acima descritas elencando outras que por sua vez deverão ser
objeto de estudosfuturos.
Sd, o ponto de vista da questão fundiária, algumas áreas já foram diagnosticadas
com base em informações solicitadas pelo Grupo de Trabaiho ao Instituto de Terras
do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp, através de seu Departamento
de Regularmçiio Fundiaria - DRF, podendo-se aiirmar que abrangem toda sorte de
situa@es de natureza quanto a posse e domínio, inclusive sobrepostas por Unidades
de C o n s e ~ o .
Comunidade São Pedm
Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e de Iporanga
Área reivindicada uela comunidade: 3.442,49 ha, incidentes em parte dos
perímetros 12" de Eldorado Paulista, 14' de Eldorado Paulista e 30' de Apiaí.
Situacão Fundiária:
12" Perímetro de Eldorado Paulista, julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitima@o de posses: foram consiatadas a época do levantamento de campo 09
ocupações (05 pertencentes a comuni&& quilombola) sem titulação.
14" Perímetro & Eldorado Paulista, julgado parcialmente &voluto, demarcado e
incorporado ao patrimô~opúblico.
Legitimação de posses: foram expedidas 08 permissões de uso individuais pela
PGE' a membros & comunidade, a época dos trabalhos de levantamento de
campo. Parte & área reivindicada pela comunidade está em terras julgadas
particulares, onde há conflito com os proprietários.
30" Perímetro & Apiaí, julgado parcialmente devoluto e demarcado.
Legitimação & posses: foram constatadas à época do levantamento de campo 42
o c u que~ não obtiveram titulação. Existem litígios entre os ocupantes.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade quilombola está
totalmente inseri& na APA - Área de Proteção Ambienta1 da Serra do Mar, sendo
que parte da mesma encontra-se em Zona Vida S i l v e . Na área reivindicada,
incidente no 12" Perímetro de Eldorado Paulista, há sobreposição com o Parque
Estadd Intervaies.

' Cumpre consignar que o artigo 2" do Decreto Estaduai 28.347, de 22 de abril de 1988,
dispõe que não será deferida a legitimação de posse de ocupantes de terras na Zona de Vida
Silvestre. Esse t o motivo pelo qual os membm da Comunidade São Pedro não receberam
tituios dominiais e sim permissões de uso.
Auida, segundo o artigo 225, parcigrafo 5O, da Constituição Federal, e artigo 203 da
Constituição Estadual, são indisponíveis as t e m devolutas necessárias a prot@io de
ecosistemasnaturais ou inseridas em unidades de preservação.
Essa situação não t especffica a Comunidade São Pedro e verifica-se t a m k nas demais
comunidades jB pré-identificadaspor outros órgãos de governo, revelando, conforme pode-se
notar pela descrição da situação fundiária das k a s acima referidas, uma série de
problemas, de ordem jurídica institucional, que se opõem a pretendida titulação das
comunidades remanescentes de quilomóos existentes em território paulista, com ênfase para
o arcaboup legal que disciplina o ordenamento fundiário do Estado e para os c d i t o s com
a legisla@o ambiental.
Quilombos em São Paulo

Comunidade Nhunguara
Localização: Municípios da Estância Turística de Eldorado e Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente
em parte do 55' Perímetro de Apiaí.
Situação Fundiária: O 55" Perímetro de Apiaí foi julgado devoluto. A demarcação
proposta em juízo antes de ser executada foi impugnada por recurso. Há trabalho de
campo em andamento.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está inserida na APA -
Área de Proteqão Ambiental da Serra do Mar.
Observações: A área reivindicada pela comunidade está sujeita às interferências do
projeto de barragem da Usina Hidroelétrica de Batatal, projetado pela Cesp.

Comunidade Praia Grande


Localização: Município de Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: 1.222,32 ha incidentes em parte dos
perímetros 24O e 40" de Apiaí.
Situação Fundiária:
24" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Toda a área foi objeto de titulação, sendo os títulos
expedidos entre 1969 e 1981. A área reivindicada pela comunidade quilombola
(%1,10 ha neste perímetro), foi portanto objeto de titulação o que confere a
mesma o caráter parti~ular.~
40' Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Não houve procedimento de legitimação de posse. A
área reivindicada pela comunidade quilombola (26 1,32 ha neste perímetro) está
na porção julgada devoluta.
Situação Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida
na APA - Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar.
Observ-: A área reivindicada pela comunidade está sujeita às interferências do
projeto de barragem da Usina Hidroelétrica do Funil, projetado pela Cesp.

Em tese, caso os títulos de domínio outorgados não tenham sido levados a registro poderá o
Estado revogá-los para posterior titulação a comunidade quilombola.

51
Comunidade Ivaporunduva
É a comunidade mais conhecida no Vale do Ribeira; tendo sido objeto de
reportagens no jornal "O São Paulo", e de dissertação de mestrado no
Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCWUSP - com titulo "Caipiras
Negros no Vale do Ribeira: um Estudo de Antropologia Econômica", apresentada
por Renato da Silva Queiroz, em 1983. A igreja local (N.S. do Rosário) é de 1791 e
está tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
-
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo Condephaat.
A comunidade propôs ação ordinária declaratória contra a União Federal, Fazenda
do Estado de São Paulo e Alagoinha Empreendimentos S/A., perante a 2' Vara da
Justiça Federal, intentando ver reconhecidos os seus direitos de propriedade
referidos no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Localização: Município da Estância Turística de Eldorado.
Área reivindicada pela comunidade: 3.158,ll ha incidentes em partes dos
perímetros 10°, 12O, 13' e 14' de Eldorado Paulista.
Situação Fundiária:
10' Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitimação de posses: Foi iniciado o procedimento de legitimação de posses,
encontrando-se paralisado em função de litígios entre os ocupantes. O
levantamento de campo, a época, constatou 10 ocupações (01 referente a
comunidade). A área reivindicada pela comunidade neste perímetro é de 276 ha.
12" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado totalmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público..
Legitimação de posses: Foram constatadas a época do levantamento de campo,
09 ocupações que não obtiveram titulação. A área reivindicada pela comunidade
quilombola neste perímetro é de 263,50 ha.
13" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto e
demarcado. A área reivindicada pela comunidade quilombola neste perímetro é
de 1.801,20 ha incidente na porção julgada de domínio particular.
14" Perímetro de Eldorado Paulista: julgacio parcialmente devoluto, demarcado
e incorporado ao patrimônio público. A área reivindicada pela comunidade
quilombola neste perímetro é de 301,63 ha, sendo 169,80 ha em terras julgadas
de domínio particular e 181,83 ha em terras julgadas devolutas.
Legitimação de posses: Na porção devoluta deste perímetro foram expedidas 09
permissões de uso individuais para membros da comunidade.
Quilombos em M o Paulo

Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade quilombola está


totalmente inserida em Zona de Vida Silvestre da APA - Área de Prot-o
Ambienta1 da Serra do Mar. Na área reivindicada, as poq&s referentes ao 10"
(totalmente) e 12" @arcialmente)perímetros de Eldorado Paulista, sobrepõem-se ao
Parque Estadual Intemales.
Observaç5es: A área reivindicada pela comunidade está parcialmente sujeita ias
interferências do projeto de barragem da Usina Hidroelétrica de Batatal, elaborado
pela Cesp.

Comunidade Maria Rosa


Wizacão: Município de Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: 3.912,38 ha incidentes em partes dos
perímetros 19", 28" e 35" de Apiaí.
Situado Fundiária:
19" Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto. A área reivindicada pela
comunidade quilombola, referente a 1.770,32 ha, é exatamente a porção que foi
julgada devoluta.
Legitimação de posses: A época do levantamento de campo, foram constataáas
19 ocupações, porém, só foram expecüdas 04 permissões de uso individuais a
membros da comunidade.
28" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Houve a outorga de 02 títulos de domínio ináividuais
para membros da comunidade, na área reivindicada pela mesma.
35" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Houve piocedimento de legitimação & posses, levado a
cabo em 1988, tendo sido comtakdas 13 ocupaç&s, sendo que 08 referem-se a
membros da comunidade e ex.pedida 01 permissão de uso individual para
membro da comunidade quilombola.
Situado Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida
MAPA-Áreade~roteção~mbientalda Serrado~ar.Partedaárease sobrepõe
ao Parque Estadual Intervales.

Comunidade Pilões
Localização: Município de Iporanga.
Área reivindicada uela comunidade: 8.180,88 ha incidentes em partes dos
perímetros 28", 31" e 35" de Apiai.
SituaMo Fundiária:
28" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Houve procedimento de legitimação de posses, tendo
sido expedidos 08 títulos de domínio na parte reivindicada pela comunidade.
Destes 08 títulos outorgados individualmente, 07 foram a membros da
comunidade e 0 1 a não integrante da mesma.
3 1"Perímetro de Apiaí: julgado parcialmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: Não houve aplicação de cadastro fundiário e
conseqüentemente não houve procedimento de legitimação de posses. A área
ocupada pela comunidade quilombola abrange integralmente a porção julgada
particular (2%,31 ha), e estende-se em sua maior parte na porção de terras
julgadas devolutas.
35" Perímetro de Apiaí: julgado totalmente devoluto e demarcado.
Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola
confronta com a porção de terras devolutas reivináicadas pela comunidade
Maria Rosa. Nesta porção do perímetro foram constatadas a época do
levantamento de campo, 19 ocupações tendo sido expedidos 03 títulos de
domínio e 02 permissões de uso individuais a membros da comunidade.
Situacão Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente inserida
em Zona de Vi& Silvestre da APA - Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar,
sendo que 2.529,40 ha estão sobrepostos ao Parque Estadual Intervales.

Comunidade Sapatu
Localização: Município da Estância Turística de Eldorado.
Área reivindicada pela comunidade: Em fase de levantamento de campo, incidente
em parte dos perímetros 2" e 27" de Eldorado Paulista.
Situação Fundiária:
2" Perímetro de Eldorado Paulista: julgado parcialmente devoluto, demarcado e
incorporado ao patrimônio público.
Legitimação de posses: A área reivindicada pela comunidade quilombola se
estende tanto na porção devoluta quanto na particular. Houve procedimento de
legitimação de posses tendo sido expedidos 08 títulos de domínio e 17
permissões de uso individuais a membros da comunidade.
27" Perímetro de Eldorado Paulista: está em curso a ação discriminatória.
Quilombos em São Paulo

Situação Ambiental: A área reivindicada pela comunidade está totalmente insexida


na APA - Área de Proteção Ambienta1 da Serra do Mar e parte sobrepõe-se ao
Parque Estadual Jacupiranga.

Comunidade Cafundb
É a comunidade mais famosa por ter elaborado uma língua própria (a "cupópia" ou
"falange") com paiavras de origem afiicma, sendo também estudada por
professores universitários.
Localização: Município de Salto de Pirapora.
Área reivindicada bela comunidade: A comunidade quilombola reivindica área
maior (80 alqueires) do que aquela que efetivamente já lhe pertence (7,75 alqueires)
por força de sentença prolatada em ação de usucapião.
Situacão Fundiária: Pende ação judicial movida pela comunidade através da
Procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria Geral do Estado para
conquista da área maior.
Observações: A área já efetivamente conquistada pela comunidade quilombola foi
tombada pelo Condephaat.

Propostas
Lançadas as bases para compreensão e dimensionamento do problema, tendo eleito
critérios essenciais para condução dos futuros trabalhos necessários a missão
imposta pelos dispositivos constitucionais, entendeu o Grupo de Trabalho oportuno
providenciar e propor o que se segue:
Outorga de uermissões de uso. em áreas Miblicas estaduais aos remanescentes
da comunidades de dlombos, conio medida preliminar e intermediária, no
sentido da regularizaçãojurídica da situação de fato, nos termos do artigo 68 do
ADCT da Constituição Federal. Tal proposta depende de parecer jurídico,
solicitado pelo Grupo de Trabalho a Procuradoria Geral do Estado. A outorga de
permissões de uso dependerá da aceitação prévia de cada comunidade
beneficiária.
Aceitacão das ocu~çõesdas comunidades auilombolas e revisão dos limites das
Unidades de Conservação, quando necessário for, bem como implementação de
planos de manejo sustentado e assessoria para produção econômica em bases
conservacionistas.
Alteração da legislacão fúndiária - em razão das limitações legais impostas a
tituiação de propriedades maiores que 100 ha (Lei 4925185, artigo 11) bem
como a limitação de titulação as pessoas jurídicas, (Lei 3962157, artigo 2",
inciso 11) entendeu o Grupo de Trabalho importante propor medidas capazes de
superar tais obstáculos legais. vislumbrando a oportunidade de se expedir títulos
às organkziç3es representativas das comunidaâes remanescentes de quilombos.
e por conseguinte, em áreas superiores a 100 ha.
Com tal propósito, apresentou minuta de anteprojeto de lei9, que após análise e
aprovação da Assessoria Técnico-Legislauva, foi aprovada pela Assembléia
Legislativa do Estado e promulgada pelo Sr. Governador.
Promma de desenvolvimento skioeconômico ambienta1 e cultural, instituindo
Grupo Gestor Interinstitucional - entenderam os membros do Grupo de
~rabalhooportuno apresentar sugestão de criação do programa em ep&rafe,
tendo em vista a complexidade e volume & trabalhos necessários a
compatibilizaçãodas diversas políticas setoriais, visando levar a efeito, não só o
cumprimento do dispositivo constitucional, como também de melhoria da
qualidade de vida das popula@edcomunidades remanescentes de qudombos.
Tal programa foi criado por demeto'' do Sr. Governador, conforme minuta
apresentada, envolvendo os mais diversos órgãos governamentais, bem como
entidades não-governamentais afetas a questão, prevendo parcerias com o
Governo Federal, Prefeituras e demais segmentos da sociedade civil, que
possam colaborar neste mister de resgate e defesa da cidadania viabilizando as
políticas fundiária, ambiental, culturai e social desenvolvidas pelo governo
estadual.

Audiência Pública
As propostas elencadas no item anterior foram objeto de ampla discussão em
audiência pública realizada no Centro Comunitário da Estância Turística de
Eldorado, no dia 30 de novembro de 1996, que contou com a presença dos membros
do Grupo de Trabalho, do Excelentíssimo Senhor Secretário da Justiça e da Defesa
da Cidadania, autoridades convidadas, lideranças e popuiação quilombola,
resultando no aperfeiçoamento e incorporação de sugestões ali apresentadas.

Lei no 9757, de 15/09/97, publicada no D.O.E. de 16/09/1997.


'O Decreto no 41.774, de 13/05/97, publicado no D.0.E de 14/05/1997
Qrtilornbos em São Paulo

Glossário de termos do relatório técnico

Acão Demarcatória - É o pmcedmento -


Posse - É a detenção fisica ou material de
judicial posterior ao reconhecimento da uma sorte de terras.
existência de taras devolutas (sentença
da Ação D i e t 6 r i a ) pelo qual se Pmxdimento de Legitimacão - E o
separam fisicamente as terras parhculares proccxlunento administmtivo para a
das terras públicas. legitimação das posses existentes em
terras devolutas.
Acão Discriminatória - É o procedimento
judicial pelo qual o Estado requer ao Remiiarimcão Fundiária - É a adoção,
poder judiciário a apuração da existência pelo poder público, de medidas
de t e m devolutas em determinada árra administrativas dou judiciais, visando a
previamente indicada (perímetro). legalização de terra? com situação
possessória, dominial ou danarcatóna
&
A - Mesmo que uma porção, parcela, indefinidas.
pedaço da superficie terrestre.
Terras Devolutas - São as taras julgadas
Área incomrada - I? a área já considerada como tal em Ação Discriminatória por
pelo Estado como eietivo patrimôruo ausêiicia de títulos de domúiio sobre as
piiblico. mesmas ou em função de os títulos
apresentados MO terem origem legal.
Direito Consuetudinário - É o conjunto de
regas que se estabeleceu pelo costume ou Terras Particulares (privadas) - São terras
pela badição. que pertencem iis pessoas fisicas ou as
pessoas juridicas não governamentais.
Donúnio - E o direito de propriedade que
se tem sobre bens imóveis. Terras Públicas - São as terras que
pertencem ao Estado (União, Estados
Legitimacão de Posses - É o procedimento
membros e Municípios) e estão
administrativo pelo qual o Estado
incorporadas ao seu patrirnanio com
transfere a propriedade da terra julgada destimção certa.
devoluta para o posseiro que a ocupa.
Território - É uma extensão de t m
Perímetro - É uma d e t e m i d a porção de
ocupadas por detenninada nação ou
terras, escoihida de acordo coni o comunidade que compõe e tambaii reflete
interesse cla Administração Pública, cuja sua própria identidade étnica e cultural.
área é submetida a apreciação judicial
para se apurar a existência de terras Titulacão da Terra - É o procedimento
devolutas. pelo qual o Estado expede o Titulo de
Domínio ao posseiro.
Permissão de Uso - E o documento pelo
qual o Estado autoriza o posseiro a ocupar Título de Domínio - É o doc~unentopelo
a terra publica, mas não lhe transfie a qual o Estado transfere a propriedade da
propriedade. terra ao particular (posseiro).
Composição do Grupo De ~rabalho':
Benedito Anstides Riciluca Matielo - Coordenador
Secretana da Justiça e da Defesa da Cidadania
Arlindo Gomes Miranda - Membro
Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva"
Sandra Maria Guanaes Soares - Membro
Secretaria do Meio Ambiente
Luciano de Souza Godoy - Membro
Procuradoria Geral do Estado
Hélio Rodrigues Lima - Membro
Secretaria de Goveriio e Gestão Estratdgica
Walter Roberto Siqueira Lazzarini - Membro
Secretaria da Cultura
Valquiria Abdo Ganeu - Menibro
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do
Estado de São Paulo - Condephaat
Jod Roberto Militão - Meinbro
Conselho de Participam e Deseiivolviinento da Comunidade Negra do Estado de
São Paulo
Maria da Penha Santos Lopes Guimarães - Membro
Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo. Subcomissão do Negro. da
Comissão de Direitos Humanos
Siiivaldo José Firnio - Membro
Fórum Estadual de Entidades Negras de São Paulo
-
Mário Gobbi Fiiho Secretário Executivo
João Roberto Cilento Wiiither - Relator

' Resolqão SGGE, de 24 de abril de 1996 e Resolução SJDC, de 02 de maio de 1996


60
Os Pressupostos Jurídicos
para Regularização Fundiária
das Áreas Remanescentes de
Comunidades de Quilombos

". .. na análise da questão das terras de


pilom bos, há dois problentas a
enfr.entar:a transmmissíi da posse e cr'a
propriedade da círecr em questão do
particzdar para o Poder Pzíblico e, ayós,
a íransmissão destas do Poder Público
para a Corn~uaidadeinteressada. "

Luciano de Souza Godoy


Os Pressupostos Jurídicos para Regularização
Fundiária das Áreas Remanescentes de
Comunidades de ~uilombos'

Ninguém contradi-La idéia predominante de que o Poder Público somente pode agir
na esfera da estrita legalidade, pódendo o governante, ou até qualquer servidor
público, ser responsabilizado se cometer um ato ilegal. Todavia os limites da
legalidade podem ser discutidos, e não raro. existem divergências quanto a aspectos
de interpretaçiio das leis. E isso pode ser e.uplicado pelo caráter dialético do Direito.
componente intrínseco da caracterização desse conio parte das ciências hunianas.
Muito embora, vánas vezes, a discussão quanto a aplicação de determinado
instituto jurídico existe pela divergência quanto à valoração (privilegialido certas
posições em detrimento de outras) de situações fáticas dada pelos operadores da
norma. Isto é cientifícamente aceitável. levando-se em conta inclusive a notória
teoria tridimensional do Direito (fato. valor e norma). de autoria do professor
Miguel Reale.
Este intróito é necessário para fixar algumas premissas em relação ao breve texto
que me propus a escrever sobre o assunto. Como membro do Gnipo de Trabalho
instituído pelo Decreto Estadual n. 40.723196, fui designado pelo Procurador-Geral
do Estado para representar nossa Instituição. Participei do Grupo não como um
conhecedor da questão dos quilombos, mas como representante de uma das
instituições do Estado, responsável pela guarda da Constituição e das leis.

' Trabalho elaboradoem julho de 1997.


Na sua missão constitucional. a Procuradoria Geral do Estado fixa limites e
estabelece parâmetros à atuação do Estado, tendo em vista as disposições legais. O
meu papel no Grupo de Trabalho se pautou por esse prisma, uma vez que questões
jurídicas foram debatidas, e as posições & Instituição foram destacadas. Quero
fiisar que certa posição jurídica, sendo o meu próprio, ou de outros integrantes da
instituição, sempre foi exposta como uma posição da Procuradoria Geral do Estado.
Foram determinados assim parâmetros com, evidentemente, plena observância da
legalidade, com os quais o relatório final do Grupo de Trabalho é coerente.
Proponho-me, nesse texto, a passar, em breves linhas, algumas idéias que
determinaram certas posturas, em relação a aplicação da Constituição e de outras
leis, as quais foram adotadas no relatório final do Grupo de Trabalho. Essas
posições foram explanadas e discutidas pelos seus integrantes, sendo que todos
aqueles com formação jurídica contribuíram decisivamente para se estabelecer um
consenso quanto a esses parâmetros jurídicos, sempre tendo em mente o estrito
cumprimento da lei e a efetivação do direito determinado na Constituição Federal.
A participação dos membros do Instituto de Terras do Estado, particularmente
Benedito Aristides Riciluca Matielo, que tem larga experiência no ramo, foi
fundamental para que o relatório fosse concluído com sucesso.
Primeiramente, tem-se como tormentosa a questão da competência para a
reguiarizacão fwidiária das áreas remanescentes de comunidades de quilombos. O
artigo 68 do ADCT (Ato das Disposigões Constitucionais Transitórias) atribui essa
competência ao Estado, entende-se aqui o Estado brasileiro (União, Estados-
membros e Municípios). Todos os entes & federação devem se dedicar a esta
questão. Muito bem explicitada está esse ponto no relatório do Grupo de Trabalho.
Para as áreas reconhecidas como particulares, e pretendidas por algum
remanescente de comunidade, adotou-se a postura que essa competência sexia da
União Federal, a qual tem os instrumentosjurídicos necessários, atinentes a Política
Agrária, para agir de modo mais eficaz. Poderia ser utilizada a desapropriação por
interesse social para fins de reforma agrária, promovida pelo Incra, como disposto
no artigo 184 da Constituição Federal, na Lei Complementar no 76193 e na Lei
Federal no 8629193. Aliás, esse instrumentojá foi utilizado para esse fim,conforme
relato do il- Pmumdor-Geral do Incra, em caso no Estado da Bahia.
Se os requisitos legais previstos para esse tipo de desapropriação não estiverem
presentes, pode ser utilizada a desapropriação por interesse social, disposta no
artigo 5: inciso XXIV, & Constituição Federal, e reguiamentada pela Lei Federal
no 4.132162, com indenização prévia, justa e em dinheiro. Aqui o Estado e o
Município, se tiverem interesse, poderão atuar supletivamente, realizando a
desapropriação de terras particulares para atender o disposto no artigo 68 do
ADCT.
Somente com a desapropriação direta, na hipótese da área pretendida ser de
domínio particular, pode-se alcançar, desde o primeiro momento, a posse pacífica
Quilombos em São Paulo

da área pleiteada pela comunidade quilombola. O Poder Público tem a faculdade de


exercer suas prerrogativas legais dentro do processo de desapropriação, e, a partir
do momento que se toma possuidor, pode transferir esta posse à comunidade. E esta
terá os meios legais para defendê-la. A desapropriação constitui a Única forma legal
e legítima, pelas disposições da Constituição Federal, para o Poder Público
desapossar e expropriar um particular dos imóveis que o ordenamentojurídico lhe
reconhecem a propriedade.
Não existe, na questão da titulação das áreas de quiiombos, a possibilidade de
apossamento administrativo, ou desapropriação indireta, na qual o particular, que
foi obrigado a sair & área que ocupava, poderia cobrar uma indenização da União.
Não é possível porque não há nenhuma determinação legal que obrigue o particular
a desocupar a área. Não haveria meio, dessa forma, de se dar a posse a comunidade
quilombola sem a desapropriação direta. A ocupação forçada poderia ser obstada
pela Justiça. O particular, que tivesse a posse e o domínio da área, poderia ingressar
com ações judiciais para barrar esta ocupação e, provavelmente, seria vitorioso.
Tem-se que diferenciar a questão de titulação das terras de quilombos da
demarcação de tenas indígenas. Constitui uma exceção, prevista na própria
-
Constituição Federal artigo 23 1, a questão da propriedade e da posse das terras
indígenas. Apesar dessa servir de parâmetro para a questão da regularização das
áreas remanescentes de comunidades de quilombos, particularmente no aspecto de
- -
ocupação histórica ou posse histórica existe uma diferença clara no tratamento
que a Constituição dá às terras de índios em comparação com as terras de
quilombos. Para aquelas, a Constituição confere a propriedade à União, declarando
nulos e extintos os títulos que existem em referência às áreas declaradas e
reconhecidas como terras de índios. Quanto às terras de quilombos, a Constituição
prescreve ao Poder Público uma obrigação de Ihes outorgar o título, reconhecendo a
propriedade.
Assim, na análise da questão das terras de quilombos, há dois problemas a
enfrentar: a transmissão da posse e da propriedade da área em questão do partinilar
para o Poder Público e, após, a transmissão destas do Poder Público para a
comunidade interessada.
Se a Constituição tivesse destinado a propriedade das terras de quiiombos a União,
ao Estado, ou a outro ente público, como fez quanto às terras indígenas, a questão
seria mais simples. O particuíar, que se sentisse prejudicado, poderia ingressar com
uma ação de indenização contra o Poder Público, mas a posse e a propriedade da
área já teria sido confkrida pela própria Constituição. Aqui caberia a hipótese da
desapropriação indireta. Se assim fosse não se precisana analisar a questão da
forma acima, isto é, levando em conta a necessidade de um instnunento jurídico
apto a transferir a posse e a propriedade da área a comunidade que a pleiteia.
Também se evitaria a discussão da posse coletiva, individual, ou por meio de
associação.
Ultrapassada a questão da competência para atuação, que se destaca principalmente
em relação 5s áreas reconhecidas como de domínio particular, trato do enfoque
dado pelo Grupo de Trabalho, e determinado no relatório final, para as áreas de
domínio público, mormente em terras devolutas. E, considerando que a maioria das
comunidades no Estado de São Paulo se situam em terras devolutas estaduais, a
análise ganha vuito. A competência aqui é do Estado, sem sombra de dúvida, tendo
em vista que t o titular do domínio dessas terras.
Não vejo possibilidade do Estado conferir o titulo sem que haja o trâmite legal
estabelecido para a discriminação, demarcação e legitimação de posse, em área de
terras devolutas estaduais.
O Poder Judiciário Estadual, por meio da Corregedoria Geral de Justiça, vem
entendendo que somente títulos oriundos de sentença judicial podem cancelar ou
abrir uma cadeia dominial, no Registro de Imóveis competente. Por esse motivo não
se cogita, pelo menos por enquanto, da realização de discriminatórias
administrativas no Estado de São Paulo. Por esse motivo, mesmo para as terras de
quilombos, visando a se atender o disposto no artigo 68 do ADCT, deve se seguir o
processo judicial relativo as terras devolutas. Um título, administrativamente
outorgado pelo Governador do Estado, não seria apto a abrir o registro imobiliário
de uma cadeia dominial, segundo o entendimento acima exposto.
Foi proposto pelo Grupo de Trabalho uma minuta de anteprojeto de lei, visando a
alterar a legislação estadual de terras, .para adaptá-la. Foi encaminhada ao
Legislativo Estadual com algumas alterações, que não modincaram sua essência.
Não foi ainda apreciado, mas, se aprovada nesses termos, possibilitará a titulação
das terras de quilombos por meio da legitimação de posse de terras devolutas
estaduais.
Outra questão pode ser posta, em relação a esse ponto. Se a área pretendida para
reconhecimento estiver em área de proteção ambiental, a titulação ficaria muito
dificultada, tendo em vista o disposto no artigo 225, 5 5 O , da Carta Constitucional,
que determina a indisponibilidade das terras devolutas em áreas de presewação
ambiental. Haveria, dessa forma, o choque de dois dispositivosda Constituição:um
que manda outorgar o título, e outro que atribui a indisponibilidade da área.
Apesar de existirem opiniões divergentes, a a u ver, e em breve estudo, entendo
que o título poderia ser outorgado, nos termos do artigo 68 do ADCT, por constituir
uma exceção a indisponibilidade das terras devolutas em áreas de preserva@o
ambiental. Entretanto e certo que essa área teria grandes Iimitaçiks no uso e na
explora@ econômica.
Se a área pretendida estiver contida no interior de um Parque Ecológico (espécie
mais restritiva, dentro do gênero de unidade de consexvação ambiental), há
necessidade de se rever os limites do Parque, excluindo a área destinada ao
Quilombos em Sbo Paulo

remanescente de quilombo. Tal exclusão deve ser feita por meio de lei ordinária,
como dispõe o artigo 225,g 1°, inciso 111, da ConstituiçãoFederal.
Propus ao Grupo de Trabalho uma alternativa a tituiação. Melhor dizendo, não
seria uma alternativa, porque d o iria substituir a tituiação, mas somente adiantar
uma providência, com cunho preliminar.
Poderiam ser outorgadas permissões de uso pelo Governo do Estado aos
remanescentes de comunidades de quilombos que pleiteiam áreas com natureza de
terras devolutas estaduais. Evidentemente não teria ocorrido o cumprimento do
disposto no artigo 68 do ADCT, porque não haveria tituiação, mas a outorga de
uma permissão de uso pode trazer alguns benefícios.
A temtorialidade estaria assegurada. Para a outorga da permissão de uso o Pader
PUblico deve realizar os trabaíhos técnicos, estabelecendo limites e c o n f r o n m
fisicas, da área pretendida pelo remanescente de comunidaáe de quilombo. E o
Estado cederia a posse direta da área, podendo as pessoas que ali vivem exercer a
defesa da área, judicialmente ou não, contra a invasão de terceiros estranhos.
Também seria um beneficio o fato do Estado, por meio & decreto do Governador,
reconhecer publicamente o caráter de remanescente de comunidade de quilomim,
podendo, desde já, estabelecer programas de aiirmação da cidadania,
particularmente quanto à educação, saúde, assistência técnica agrícola e pecuária,
entre outras.
E, pelo lado do Poder Público, haveria uma simplificação de procedimentos
administrativos e legais, o que acarretaria uma antecipação no tempo em relaç40 à
titdação. Por ser a permissão de uso um ato unilateral da Administração Pública, e
não transmitir domínio, pode ser realizada por meio de termo público, após a
autorização do Governador do Estado. Não se cogitaria da suposta
indisponiiilidade de terras devolutas em áreas de preservação ambiental, nem da
alteração dos limites dos Fbrques e Reservas Ecológicas. Não necessitaria também
de qualquer revisão da legislação estadual, ou mesmo de procedimentos que
envolvam providências no âmbito do Poder Judiciário.
Por esse motivo, propus, como medi& preliminar, a outorga de permissões de uso
aos remanescentes de comunidades de quilombos, antecipando a titulação, como
parte do cumprimento do artigo 68 do ADCT.
Essas são as oôserva@es que entendo que deveriam ser feitas, sob as posturas
jurídicas que fundamento o relatório final do G r u p de Trabeího instituído pelo
Decreto n. 40.7231%. Isso não quer dizer que tais posições sejam intocáveis ou não
discutíveis.
O Direito, como acima afirmado, tem o brilho & ciência que comporta constantes
discussões, podendo até aceitar conclusões diversas para a mesma hipótese.
Contudo exige argumentação e lógica, e, a meu ver, as posig8es acima acenam no
senti& de uma interpretação & Constituição Federal que leva em conta seus
diversos dispositivos, e, em especial, a legalidade pela qual deve se pautar o
administrador público.

Luciano de Souza Godoy c5 Procurador do Estado de São Paulo desde 1993 e representou a
Instituição no Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto 40.723196. Professor de Direito
Civil na Faculdade de Direito da Universidade São Judas, em São Paulo. Mestrando em
Direito Civil na Faculdade de Direito da USP.
Quilombos em São Paulo

Parte I1
Quilombos em São Paulo

Comunidade Pilões - A4ndiarnB. Automnre,, Iiiesp, junho/97

71
Herdeiros de Zumbi: olhando o
futuro, sem esquecer o passado

"O que se percebe andando pela região


é que a vida nessas comunidades
realmente mudou pouco no último
século. "

Sandra Santos
Herdeiros de Zumbi:
olhando o futuro, sem esquecer o passado

Refúgio de escravos. Este é o conceito histórico mais simples de quilombo. O que


todos conhecem, encontrado em qualquer livro didático, influenciado ainda pela
definição de 1740, dada pelo rei de Portugal ao Conselho Ultramarino, que dizia
que quilombo era:
"todahabitaçao de negrosfirgidos que passem de cinco, em parte
despovoada, ainda que não tenha ranchos levantados nem se achem
pilões nele. "I
Para muitos, também, quilombo é algo tão distante quanto a escravidão, que ficou
para trás há mais de cem anos.Esses sequer imaginam que acerca de 300 km da
cidade de São Pauloyna Estância Turística de Eldoradoyexistem aproximadamente
trinta povoações quilombolas, os denominados remanescentes de quilombos
Durante a história brasileira, muitos fatores levaram a emancipação do negro e a
sua organizaçCro e ida para redutos fortificados. A alforria, comprada pelo escravo
ou doada pelo senhor; a compra de terras ou cessão de espaço em vida ou através de
testamento; a conquista de terreno por serviços prestados em lutas oficiais (como a
Guerra do Paraguai) ou como capataz de grandes senhores em empreendimentos
parhculares; a fixação em locais ermos e distantes após fuga. Todas essas formas,
ao longo do tempo,deram origem ao que se costuma chamar de terras de pretos,
comunidades negras, mocambos e, mais recentemente, remanescentes de
quilombos.

' Moura, C . Quiiombm: resistência ao escmismo. 2' ed. São Paulo, Ática, 1989.
No Brasil, os quilombos tiveram vários tamanhos e graus de organização e se
assentaram em vários 10cais.~Praticamente todos os estados da União apresentam.
ainda, traços do que foram esses ajuntamentos de negros, porém. o maior e mais
famoso, o que ainda povoa o imaginário dos brasileiros, é Palmares, verdadeira
república de gente livre. que sobreviveu entre os anos de 1630 e 1695, na Serra da
Barriga, no atual Estado de Alagoas.

'Wo ano de 1583, as estimativas davam a colônia Prasil] uma população de cerca de
57.000 habitantes. Desse total, 25.000 eram brancos; 18.000 índios e 14.000 negros.
Segundo cálculos [...I para uma populapo de 3.250.000 habitantes em 1798, havia um total
de 1.582.000 escravos, dos quais 221.000 eram pardos e 1.361, negros, sem contarmos os
negros libertos que ascendiam a 406.000. Para o biênio de 1817-1818, as estimativas [...I
davam, para um total de 3.817.000 habitantes, a cifra de 1.930 escravos, dos quais 202.000
eram pardos e 1.361.000 negros. Havia, também, uma população de negros e pardos livres
que chegava a 589.000." (Moura, op. cit., pp. 6-7). 'A distribuição desses escravos pelo
territono nacional se fez de maneira mais ou menos uniforme obedecendo aos diversos
momentos de interesses da economia colonial, que era subordinada às necessidades do
mercado externo. Os primeiros grupos entraram pelo Nordeste e se espalharam [...I nos
campos e plantações de cana-de-açúcar, íümo e cacau [...I algodão. Durante o século XWü,
[...I na mineração principalmente em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. [...I século XIX
[...I grande concentração deles em São Paulo e Rio de Janeiro, nas f&xadas cafeeiras. Além
do trabalho agricola, exerciam atividades domksticas e urbanas contribuindo para que, jB em
1819, nenhuma região do pais possuísse menos de 27% de escravos em sua população"
(Moura, op. cit., pp. 8-9). Para todos deve ser óbvio que, a luta pela liberdade - concretizada
a pariir dos mais diversos artificios como rebeliões coletivas, assassinatos de feitores e
senhores, incêndios de plantações e propriedades, fugas e alternativas individuais como
suicídios e abortos - foi uma constante desde que na América Colonial, pisou o primeiro ser
humano subordinado ao que se denomina escravidão modana - esta que está
intrinsecamente ligada ao capitalismo, esta que transformou homens e mulheres em
mercadorias. Os quiiombos existiram também em outros países como ColGmbia, Cuba,
Haiti, Peru, Guianas.
' Palmares foi a maior manifestação de rebeldia contra o escravismo na América Latina
(Moura, op. cit., p. 38). O crescimento populaciod do quilombo aconteceu a partir de 1630,
durante a ocupqão holandesa, quando diversos senhores-deengenho tiveram que abandonar
as suas propriedades. A agricultura era sua atividade básica (milho, mandioca, feijão, batata-
doce, cana-de-açúwtr e banana). A sociedade era dividida em camponeses, artesãos,
guerreiros e funcionários que se dividiam pelas cidadelas de Macaco, centro político-
administrativo; Subupira, campo de treinamento; Amam, Andaliquituche, Aqualtune,
Acotirene, Tabocas, Zumbi, Osenga, Dambragança e outras menores. A hierarquia de poder
em Palmares compreendia a Administração, que se incumbia de coletar os excedentes
agrícolas para trocá-los nos vilarejos, a Justiça, que aplicava a puniçb aos delitos, a Militar,
que se subdividia em comandante-chefe, general de amas, oficiais e soldados. A população
- entre vinte e trinta mil pessoas - era composta por negros, a maioria, índios, mamelucos,
mulatos e brancos que geralmente eram soldados desertares, margudizados e lavradores
expulsos das terras. (Andrade, Mário E. F. Do quilombo a Fundação Palmares. Brasília,
FCP, 1993. pp. 5-6-7).
Quilombos em São Paulo

Tidos conio ajuntamentos de criminosos, figuraram em todas as legislações


brasileiras como antros a serem veementemente combatidos e destruídos. No
entanto. na primeira Constituição Republicana, os quilombos deixam de ser citados,
pois o conceito de aglomeração de escravos fugitivos que se uniam para sobreviver
e lutar pela liberdade. passa a não fazer mais sentido com a Abolição da Escravidão
(13 de maio de 1888). A partir daquele momento, as comunidades negras que se
encontravam isoladas passaram a não fazer mais parte das preocupações oficiais.
Essa situação perdurou durante cem anos, até que, depois de muitas discussões - e
sob a influência de mobilizações e comemorações pela passagem do Centenário da
Abolição - no artigo 68 do Ato das Disposições Transitorias da Constituição
Brasileira de 1988, ressurgiu a questão:
'20s renianescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas áreas é reconhecida a propriedade deJnitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. "
Desde aquele momento em todo o território nacional, grupos de trabalho foram
constituídos para identificar, delimitar, demarcar e titular áreas. Era necessária a
definição dos que poderiam ser beneficiados pela lei. Nesse trabalho, nem sempre a
idéia que prevalecia nos movimentos negros coincidiam com a áos técnicos,
antropólogos e políticos.
Para os militantes, o correto seria entender por comunidade remanescente de
quilombo todos grupos étnicos de preponderância negra, encontrados em todo o
território nacional, conhecidos popuiarmente como terras de preto, comunidades
negras, mocamòos, quilomòos ou outras quaisquer denominações reconhecidas, e
que convivam num mesmo espaço por um determinado tempo. Seria mais simples e
rápido do que provar uma descendência que raramente é documentada, posto que o
que predomina em tais comunidades é a tradição oral.
Quilombos modernos
Ao mesmo tempo, os moradores de áreas relacionadas historicamente às formações
quilombolas, e aglomerados de negros nas mais diversas situações, passaram a se
organizar e a trabalhar para obterem documentação e provas de sua ascendência
escrava.
Finalmente, após anos de lutas, vítimas de fazendeiros e grileiros que cobiçavam
suas terras - muitas localizadas em áreas estratégicas como mananciais, reservas
extrativistas vegetais e minerais - iriam sossegar e pensar apenas nas criações e
roças, além de criarem os filhos sem problemas.
" - Não é pecado pensar nem sonhar. Talvez, com a demarcação das
terras, as coisas melhorem... Vamospoder provar que a terra é
nossa".
Quem assim fala é o Sr. José Paula rança^. um dos líderes da Comunidade
Nhunguara - localizada na Região do Vale do Ribeira, entre os Municípios de
Eldorado e lporangaí.
A luta das comunidades negras sempre teve como ponto forte a defesa do direito a
terra e a possibilidade do reconhecimento dos remanescentes de quilombos veio se
somar a luta pela manutenção de suas roças, ameaçadas pela provável constnição
de barragens no Rio Ribeira de Iguape.
Segundo a Irmã Maria Sueli Berlanga, existem projetos para a consirução de, pelo
menos quatro, hidrelétricas na região: a de Tijuco Alto, de propriedade da CBA -
Companhia Brasileira de Alumínio, pertencente ao Grupo Votorantim; e o
complexo Itah-Funil-Batatal, projetado pela Cesp - Companhia Energética de São
Paulo.
Isso seria péssimo não só para as comunidades de remanescentes de quilombos, mas
também para a popuiação caiçara, para a flora e a fama da reserva da Mata
Atlântica, além de destruir as cavernas (base da economia turística da região) e o
complexo estuarino-lagunar de Iguape, Cananéia e Paranaguá.
Por isso, em abril de 1991, foi fundado o Moab (Movimento dos Ameaquios por
Barragens), com a incumbência de coordenar as lutas contra a construção de
barragens e pela regu1arizaçClo fundiaiia na regitio.
Posteriormente, sob influência de discussões levantadas no Moab, surgiu a
Articulação das Comunidades Negras do Vale do Ribeira, com o intuito de realizar
levantamentos históricos, resgatar as culturas ancestrais e articular os quilombolas
visando a demarcação de suas terras.
Outro problema enfrentado por esses grupos é o da localizç%o, em zonas de
interesse ambienta], das áreas em que habitam e que pretendem receber
definitivamente. O intuito da legislação ambiental, ao criar os Parques Estaduais
Inte~aies,Jacupiranga e Twístico do Alto Ribeira (Petar), era coibir os grandes
desmatamentos -o por fazendeiros criadores cie gado, porém acabou por
prejudicar os pequenos plantadores que se viram obrigados a diminuir o tamanho
de suas roças e a pararem as práticas extrativistas.

Depoimento coihido no dia 2 de maio de 1997.


' As comunidades negras da região já organizadas são: Ivaporunduva, São Pedro, Galvão,
André Lopes, Sapatu, Abobral Margem Esquerda, Bananal Pequeno, Poça, Nh- e
Pedro Cubas (em Eldorado); Pilões, Maria Rosa, Praia Grande, CasteIhanos, Bombas, Poço
Grande, Jurumirim (em Iporangak Biguazinho (em Miracatu), Mom Seco (em JuquíB);
Mandira, Porto Cubatão (em Cananéia); Itaüus, mitrimônio, Couveim e Pavoa (em Iguape);
Cedro, Regmaldo, Ribeirão Grande e Terra Seca (em Barra do Two).
Quiiombos em São Paulo

Dia-a-dia no quilombo
O que se percebe andando pela região é que a vida nessas comunidades realmente
mudou pouco no Último século6. As roças de arroz, feijão, batata, mandioca, milho,
banana, continuam a ser cultivadas de forma artesanal. Eistem também galinhas,
patos e cães correndo pelo terreiro e crianças crescendo de forma bastante livre e
saudável. Tomando banho nos riachos e cachoeiras da mata, parte da população
continua morando em casas de pau-a-pique cobertas de sapé, embora algumas
sejam de alvenaria, possuam luz elétrica e até antena parabólica.
No quilombo Nhunguara, as escolas oferecem ensino até a quarta série; quando
passam para o segundo grau, os jovens vão até Eldorado, em Ônibus que servem a
região, duas vezes por dia. A dificuldade de acesso à escola e ao trabalho começa a
impelir parte dos jovens em busca de melhores perspectivas de vida nas cidades
maiores. O trabalho nas plantaws de grandes proprietários é cada vez mais
comum entre os quilombolas modernos. Nas estradas, com freqüência se vê
crianças oferecendo cachos de bananas aos turistas.
Alguns aduítos, periodicamente vão a cidade, fazem compras, vendem ou trocam o
produto de seu trabaiho por algum gênero: sal, açúcar. Vão também quando
necessitam do posto de saúde ou de algum encaminhamento para o hospital. Nas
comunidades existem postos de saúde, mas, como dizem todos por lá
"somente as quatro paredes, pois médicos e enfermeiras não
aparecemfaz um tempüo [...I Em casos mais graves, tem que ir
alguém para a cidade, arrumar uma condução, avisar o posto de
saúde, e ir buscar a pessoa. Nem sempre a pessoa consegue se
salvar... o posto de saúde também não é muito bom... "

Esta voz é de D. Antônia Maia da Comunidade Nhunguara, esposa do Sr. José


Paula, mãe de quatro fílhos e participante da Pastoral da Criança. D. Antônia e
algumas voluntárias, num trabaiho monitorado pela Igreja Católica, atendem cerca
de cinqüenta crianças da comunidade, vão de casa em casa mensalmente, pesam as
crianças, verifícam se existem casos de anemia e ensinam as mães a fazerem a
farinha fortificante,junção de várias ervas, casca de ovos e sementes trituradas, que
deve ser colocada na comida para que a criança ganhe peso. Ela, ainda, mexe com
ervas, conhece "remédios do mato" para vários tipos de males físicos (bronquite.
dores de estômago...).

No século XVIiI, o ouro atraiu para a região muitos aventureiros que acabaram se fixando e
organizando plantações, principalmente de arroz. Várias situações contribuíram para o
entranhamento dos negros nas matas - fugas, heranças ou abandonos de proprieiários - e
posterior fixação. As histórias variam tantas vezes quanto o número de pessoas
entrevistadas, o que contribuiu para a riqueza da memória da região e para a formação de
um elo de solidariedadeentre a população.
Assim vivem esses afro-descendentes. herdeiros mais diretos de Zumbi dos
Palmares, distantes do que muitos militantes urbanos @m imaginar. Uma vida.
no entanto, feliz na sua simplicidade e como diz o Sr. José Paula França:
"aqui nós temos tudo, alimentação,@tas [...I eu pretendo dar aos
meusjlhos tudo o que não tive oportunidade de ter, principalmente
estudo. "
Quem sabe agora, com a propriedade definitiva das terras?...

Sandra Santos é jornalista e historiadora. P6s-graduanda em Comunicação Social pelo


ProlanflSP.
A 66Descoberta"do Cafundó

"A violência do desenvolvimento de um


centro como São Paulo e a existência
nas mas redondezas de um grupo de
pessoas que conservam ativamente um
vocabulário de origem africana geram
uma espécie de paradoxo que, com
algum abuso do termo, poderíamos
chamar paradoxo de expectativa.
"

Carlos Vogt
Peter Fry
Qu~iombosem São Paulo

A "Descoberta" do cafundól

"Eu sou unr honletn ini>isível.Não, eu não sou umfantasma como


aqueles que perseguiam Edgard Allan Poe; tanlpouco sou um
ectoplasir~ado cinema de Ho/(ywood. Sou um honlenr de suhstúncia,
de carne e osso, dejbra e liquidas - e pode-se dizer que possuo ate
mesmo unla alma. Eu sou invisível, entendem, simplesmente porque
as pessoas se recusam a ver-me. "
Assim começa o prólogo do livro de Ralph Ellison (1972:3), Invisible man.
publicado pela primeira vez em 1947. nos Estados Unidos.
Aparece aqui em forma epigráíica porque de algum modo nos leva a pensar no
problema da individualidade cultural do visível, em particular na invisibilidade do
Cafundó. situado tão perto de São Paulo e durante tanto tempo tão longe de nosso
conhecimento e de nossas preocupações intelectuais ou jornalísticas.
A sua "descoberta" é relativaniente recente. Data de 1978. Para ser mais exato, do
dia 10 de março de 1978, quando lá estiveram os primeiros jornalistas. As
primeiras notícias apareceram no jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, e em O
Estado de São Paulo no dia 19 de março do mesmo ano. Nesse dia também
estivemos no Cafundó pela primeira vez.
O Cafundó é um bairro rural, situado no município & Salto de Pirapora. Esta a
doze quilômetros dessa c i W , a trinta de Soroclba e a I& mais de 150

'Capítulo I do livro Cafuntió: A .&a no Bmsii: L i n p g e m e S o c i W e , .%o Paulo -


Editoras da Unicarnp e Companhia das Letras - 19%, inserido neste livro com wtonzação
do autor. As notas de roda* deste capítulo foram transcritas como no original e algumas
vezes se referem a outros capítulos do mesmo livro.
quilômetros de São ~aulo'. Sua popuiação, predominantemente negra. divide-se em
duas parentelas: a dos Almeida Caetano e a dos Pires IkxIr~so.~
Cem de oitenta
pessoas vivem no bairro. Destas, apenas nove detêm o titulo de proprietários legais
dos 7,75 alqueires de terra que constituem a extensão do Cafundb. São, conforme
voz corrente na comunidade, terras doadas a dois escravos, ancestrais de seus
habitantes de hoje, pelo antigo senhor e fazendeiro, pouco antes da Abolição, em
1888. A feita a duas irmãs - ífígênea e ~ n t ô n i aque
, ~ estão na origem das
duas parentelas - teria sido muito maior. A especulação imobiliária, a ambiçiio dos
fazendeiros circunvizinhos e a falta de documentação legai por parte de seus
legítimos donos foram encolhendo a propriedade para as pporç&s que hoje tem.
Nela, seus moradores plantam principalmente milho, feijiio e mandioca. Nela,
criam galinhas e porcos. Tudo em pequena escala, apenas para atender parte de
suas necessidades de subsistência. Fora dela, babalham como diarias, bóia-fnas e,
às vezes, no caso das mulheres, como empregadas domésticas. Assim, participam
de uma economia de mercado. Sua língua materna é o português, uma variação
regional que sob muitos aspectos poderia ser identificada ao chamado dialeto
caipira, tal como o apresenta, por exemplo, Amadeu Amara1 (1976). Usam, além
disso, um léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cujo papel social na
comunidaâe será referido mais adiante.
O fato de serem proprietários das terras em que vivem, aliado ao fato de falarem,
como eles mesmos dizem, uma "iíngua africana", constitui certamente a causa mais
imediata da "*ria" do Cafundó.
Tornado visível pelos interesses da ciência e dos meios & comunicação de massa, o
Wkndó passa logo a ser objeto & disputa quanto a seu copyríght. Se Benê Cleto é
o primeiro a noticiar a " ~ r t a no n Cruzeiro do Sul, Sérgio Coelho, do mesmo
jornal e ainda correspondente de O Estado de São Paulo em Sorocaba, 6 quem dela
se apropria, danão-lhe áivuigação mais ampla. É ele também que virá ii Unicamp
buscar apoio da ciencia para a "sua âescobertan, na tentativa de evitar que .fosse
explorada apenas noticiosamente. Entra em contato com o então reitor Zeferino
Vaz, que por sua vez nos procura, atraído que fora pela singuiaridack do caso e
empenhado que estava em vê-lo pesquisado por profmres de sua universiidade.

' Para melhor visualizar a localizaçiio geográf~cado Cafundó, ver mapar w Apêndice 1, p.
2801283. (ver nota I)
O termo 'jxentela" WUZ a expmsão e o conceito em d e s d i n g ki&, &
acordo com o tmbalho de Fre~nan(1961). Refae-se a um grupo corporativo (corpomte
group), no qual a mc1usão dos membros depende, em primeiro lugar, de sua descendhcia
do ankpasdo fundador (neste caso, Joaquim Congo) e também do fato & seus membros
~ ~ ~ r e s n a s t e r r a s ~ t e S a o g n > p o .
O leitor pode?.6 encontrar no Ap&hce 2, p. 285 u?na genealogia que mapeia as relações de
parentesco destas e de outras personagens que a m o ao longo do livro. (ver nota I )
Quiiombos em Sdo Paulo

Ao Cafúndó acorreram jornais e revistas dos mais representativos do pais: O Estado


de São Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Veja, Isto É, entre outros. Em
matdria de televisão. a Rede Globo lá esteve mais de uma vez e mais de uma vez o
Cafundó foi noticia do Fantástico. Otávio Caetano e Assis Pires são levados ao
programa de Hebe Camargo na TV Bandeirantes. O primeiro, por ser considerado o
falante mais ativo da "llngua &canay', ao mesmo tempo que uma espécie de líder
na comunidaâe; o segundo, por ter na ocasiilo apenas treze anos de idade e
trabalhar como professor na escola que o Moórai instalou no Cafimdó. Tampouco
faltou interesse da BBC, por meio de seus representantes no Brasil, entusiasmados
que estavam com a possibilidade de mandar para a Inglaterra um documentário
sobre uma autêntica b 'i bafricana localizada nas proximidades de São Paulo, a
maior e a mais inâustrializada cidade do pais! Decepcionados, quem sabe, com a
"brasileirice" dos usos e costumes dos habitantes do bairro, desistiram do
documentário que, no entanto, não deixou de ser feito por uma cadeia de televisão
japonesa.
Os cuidados que tomávamos no nosso relacionamento com a imprensa, e que
provavelmente eram recipracm, não impediram alianças sigtufícativas em relação
ao Caíhdó. Assim, sempre esteve presente no noticiário o tema da "língua
&cana7' associado ao tema da propriedade da terra. Essa associação nada tinha de
inocente e fora veiculada por nós mesmos, pesquisadores, enquanto portadores de
ideologia de resistência cultural e política4
O caso da morte de Benedito de Souza, ocomda no dia 18 de julho de 1978, e a sua
repercussão na imprensa ilustram de modo significativo o que acabamos de dizer.
Benedito de Souza, a mando do fazendeiro Fuad Manim, tentou nesse dia, contra a
vontade dos habitantes do Cafundó, fazer cercar um pedaço de terra da
comunidade, disputadojá havia algum tempo. Otávio argumentou que só permitiria
a colocação de arame farpado cercando as terras se os mandados do fazendeiro
trouxessem um "papel da lein. Benedito de Souza foi para Salto de Pirapora com o
pessoal que trouxera para fazer o serviço. Ao voltar para o Cafhndó, ao invés da
-
oráem legal, exibiu para Otávio e seus três sobrinhos Noel, A&uto e Marcos Rosa
-
de Almeida um revólver, ameaçando-os de morte. Houve discussão entre os três
rapazes e o jagunço; este acabou sendo morto por aqueles.
Esse mesmo Benedito de Souza,doze anos antes, havia assassinado Benedito Rosa
de Almeiâa, irmão de Noel, Adauto e Marcos, também por questões de terra e a

A nqão de resistência simbólica tem estado atualmente em grande voga nos meios
intelectuais. Entre outras coisas, aponta para a não-passividade dos grupos minoritános
perante os grupos dominantes da sociedade mais ampla. Sob esse aspecto, a questão da terra
é central e adquire ainda maior relevo no caso de índios e posseiros, dada a expansão das
fientes de colonizaçíro e o desenvolvimento agropecuário incentivados financeiramente pelo
Estado. No Cafundó, esses dois elementos - propriedade da temi e preservaqão do
vocabulário afficano - parecem estar esimiuraimente ligados.
mando de um outro fazendeiro de Sorocaba.O crime se deu no Caxambu, perto do
Cafimdó, onde havia uma comunidade negra proprietária das terras. falante de uma
"língua africana" semelhante a do Cafimdó e de onde emigrou a M l i a Rosa de
Almeida, cujo pai já era falecido e cuja mãe - dona Maria Augusta - vem a ser irmã
de Otávio Caetano.
Dado o novo problema jurídico criado pelo assassínio de Benedito de Souza, o
Jornal da Tarde, proamdo por nÓq respondeu, no dia 21 de julho de 1978,
hiperbolicamente ao nosso pedido: deu manchete e fotografia de primeira página ao
crime. Internamente repraáuzia outra foto de Otávio e introduzia a matéria com o
título, bem a caráter, em linguagem própria do Cafimdó: KWIPA (KWIPA É
MATAR)E UM HOMEM FOI MORTO NO CAF-.
Sem dúvida, nosso objetivo era despertar interesse nacional pela comunidade,
procurando ao mesmo tempo obter assistência jurídica para ela, no que dizia
respeito a questão das terras e do assassínio. Chegamos a telefonar para a Comissão
de Justiça e Paz em São Paulo, mas o que realmente nos movia era o áesep de ver
incorporado na defesa do Cafündó o Movimento Negro Unificado 0, fundado
fazia muito pouco tempo, no dia 7 de juiho do mesmo ano.
Surge então em cena Hugo Ferreira da Silva, advogado negro, integrante do MNü.
Mostra-se interessado e convida-nos a falar com o movimento. Lá fomos nós. Da
mesma forma procuramos a comunidade negra de Sorocaba por intermédio de seu
clube social, o 28 de Setembro.
Num e noutro caso obedecíamos ao mesmo impulso ideológico: a crença de que o
Cafundó era um símbolo de resistência negra, cujo alcance político, ainda que
legitimasse nosso trabalho acadêmico, o uimpassava. Era inconcebível para nós.
brancos que somos, que esse simbolo não fosse incorporado na luta mais ampla dos
movimentos negros. A seu modo, cada uma dessas entidades acabou por envolver-
se com o CafbndÓ, envolvendo-o numa trama de relaçlksque foram modificando e
alargando as suas &onteirasculturais.
O MNü, Hugo Ferreira da Silva em particular, cria um Projeto Ca€ündó. Esse
projeto, segundo a notícia publicada na Folha de São Paulo no dia 11 de outubro de
1979, página 33, visava a "reconstrução da antiga comunidade e a proporcionar aos
seus atuais componentes meios de sobrevivência". O mesmo texto, além de
convidar o público a participar do lançamento do projeto na Associação Brasileira
de Imprensa, passava ainda a seguinte informação sobre o Cafündó: "mantém uma
tradição oralaioda brasileira com linguagem própria, derivada do tupi-guarani
(sic) e de dialetos africanos falados pelos escravos dos quais são descendentes".
O 28 de Setembro prestou uma assistência não apenas retórica ao Cafundó,
agenciando e distribuindo auxílios como alimentos, roupas e sementes de várias
procedências para os seus habitantes. Jorge Matos, membro e mais tarde presidente
do 28 de Setembro, membro também do Rotary Club de Sorocaba, teve um papel de
Quibmbos em São Paulo

primeiro plano nessas ativiáades. A seu convite, fomos falar aos rotariaros sobre o
CMunáó. na tentativa de obter mais assistência para a comunidade. Aqui também
houve resultados. Médicos. dentistas, comerciantes e industriais se perfilaram para
ajudar o &fim&. Alimentos, sementes, plantadeiras manuais, arados de tração
animal e até mesmo um burro foram doados. E verda& que o burro jamais foi
encontrado. Ainda assim, valeu.
Além de Hugo Femira da Silva, outros dois advogados, ambos & Soracaba, foram
chamados a colaborar na defesa dos rapazes envolvidos na morte de Benedito de
Souza: Antônio Santana Marcondes Guimarães, o mais conceituado criminalista da
comarca, e Bernardino Antônio Francisco. O primeiro foi contactado por
intermédio do jomaíista Sérgio Coelho e o segundo, por intermédio do clube 28 de
Setembro, do qual é membro e para o qual edita O Tumbu, jornal que trata de
assuntos afro-brasileiros.
Todas essas entidades tinham em comum aquilo que confessavam: prestar
assistência ao Cafbnáó. Partilhavam também um outro interesse menos claro: o de
se autofortalecerem social e politicamente com base no espírito assistencial de suas
ações. O resultado dessas atividades não poderia, entretanto, ser partilhado. As
rivalidades logo surgiram.
Não se pretende que esse relato tenha, nem de longe, a isenção de um narrador
borgeano: a defesa de nossos interesses acadêmicos esteve freqüentes vezes
encoberta pelo nosso "apadrinhamento" do Cafunâó.
O que se pretende, sim, t enfatizar, a partir desse caso particular, o problema mais
geral da relação entre o intelectual e a assim chamada cultura negra no Brasil,
insistindo sobre o aspecto de ' ' ~ r t a contido
" nessa relação.
O relato que aqui será feito é o de um narrador cientista que, interessado em
relativizar o comportamento do outro, se clscobre ele p w o relativkado diante
desse comportamento. Um relato cujo narrador em terceira pessoa dá lugar a um
narrador em primeira pessoa, isso é, a um narrador-personagem.
Se o MNU e o 28 de Setembro competiam pelo possível lucro político que adviria
do Cafundó, nbs outros também entrávamos em concorrência pública para auférir
os lucros acadêmicos que daí poderiam ser tirados.
Entre os personagens desse pequeno drama lítero-intelectual, entraram em cena,
além de n6s, o Museu do Folclore de São Paulo, na figura do pesquisador
Guilherme dos Santos Barbosa e, por intermédio deste, ligacio também ao Centro de
Estudos Africanos da Universi&& de São Paulo, o etnólogo, musicólogo, lingüista,
poliglota austríaco Gehard Kubik.
Outros personagens apareceram ao longo do tempo e, como num folhetim
romântico, foram reivindicando seu lugar na história: Waterloo José Greg6rio da
Silva, do Instituto & Artes.da Unicamp, escreve uma peça intitulada O charme
discreto do Cafundó: Clélia Noronha defende uma tese de mestrado na PUC -
Sorocaha,área de Arquitetura, cujo titulo é Cafundó; Abdias do Nascimento lança
na PUC - São Paulo o Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) e
inclui o Cafúndó no seu projeto básico de pesquisa subre uQuilombos
contemporâneos".
Entre parênteses, é preciso mencionar ainda duas tentativas de influenciar
diretamente a cultura material da comunidade: uma, bem sucedida. é a de João
Mercado Neto, de Sorocaóa, que ensina o pessoal do Cafundó a fabricar tijolos de
cimento, fornecendo-lhes para tanto material e instrumentos básicos. Em
âecorrência, as moradias, que eram de pau-a-pique e barro batido, cobertas & sapé,
vão cedendo lugar a casas de cimento com cobertura de amianto. A outra tentativa,
com resultados menos transparentes e cronologicamente anterior a primeira, é a do
advogado, nosso conhecido, Hugo Ferreira da Silva. Ele pretendia que a
comunidade se empenhasse na fabricação de peças de cerâmica que, depois de
vendidas nos grandes centros, reverteriam em lucro para os seus autores. Chega a
orientar a construção de um pequeno fomo para a queima do barro e até mesmo a
levar para o Cafúnd6 fotografias de cerâmicas de Apiaí tiradas da revista Cultura,
do Ministério da Educação.
Uma outra idéia do mesmo personagem foi a de transformar o Cafundó num museu
vivo da escravidão. Nele estariam presentes não só os instrumentos de opressão e
tortura, como também haveria representações da vida social do escravo no Brasil.
Ck atores, é 6bvi0, seriam os habitantes do Cafúndó. O objetivo, mais uma vez, era
o de angariar fundos para a comunidade. Enfim, essa piedosa iniciativa também
não deu certo
O fato 6 que, se a questão entre o 28 de Setembro e o MNU se dava no plano de
comportamentos políticos controver~os,~ entre os acadêmicos ela teria de se
desenrolar no palco das controvérsias teóricas.
Assim foi.
Não nos terá faltado, a uns e outros, aquele motivo inconfesso que leva Brás Cubas
a sonhar com a invenção de seu famoso emplasto, espécie de panacéia universal.
Além do espírito humaniíário e cristão, além dos lucros financeiros que dele
poderiam advir, há a satisfação de ver seu nome brilhando nos céus da
popularidade. Ou,para retomar as palavras do próprio Brás Cubas no romance de
Machado de Assis (1%2:513): "[ ...I minha idéia trazia duas faces, como as

O MNU é um movimento com fins abertamente políticos. O 28 de Setembro é um clube


cujos objetivos explícitos são o I a m e a sociabilidade. O MNü tem dificuldade em
remnhecer o aspecto politico desses tipos de atividade social e tende a condená-los por essa
razão. A aliança entre o 28 de Setembro e o Rotary de Sorocaba foi criticada por motivos
semelhantes.
Quilombos em São Paulo

medalhas, uma virada para o público, outra virada para mim. De um lado,
filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: - amor da glória".6
Crise de consciência a parte, trouxemos para o embate as armas de que
dispúnhamos.
Kubik, por exemplo, é um viajante de sua própria teoria. Começa em Viena, tem
seu compus avançado em Angola e projeta-se em significações filogenéticas sobre
todo mundo para onde houve tráfico de escravos, de preferência bantos.
Kubik parece estar respondendo, quase cem anos depois, a advertência dramática
de Sílvio Romero estampada como epigrafe no livro de Nina Rocírigues (1977:~).
Os aji-icanosno Brasil: "[ ...I temos a África em nossas cozinhas. como a América
em nossas sel\jas, e a Europa em nossos salões [...I Apressem-se os especialistas.
visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas,
caçangas... vão morrendo...".
A conferência por ele realizada na Universidade de São Paulo (USP) no dia 12 de
setembro de 1980 é ilustrativa a esse respeito. Começa dizendo que seu ponto de
vista em relação ao Caíimdó "é diferente do ponto de vista da Europa, das Ciências
Sociais e do ponto de vista brasileiro". Embora não tenha ficado claro o que possa
ser esse ponto de vista da África. é certo que a ortografia constitui um de seus
pilares de sustentação. Senão, como captar a profundidade dessa observação feita
pelo estudioso?
E um erro dos pesquisadores brasileiros escrever as palavras (da
"línguaaji-icana7 numa ortograja brasileira. Épreciso escrever as
palavras numa ortografia banto. Do contrário, é impossível
comparar o vocabulário do CaBndó com as línguas de Angola.
Porque só se podem comparar coisas que têm um denominador
comum.
A hipótese geral de seu trabalho, apresentada na conferência &senvolvida
posteriormente no artigo "ExtensionenAfnkanischer Kulturen in Bra~ilien"(Kubik
1981) é que a comunidade do Cafundó tem uma relação direta com Angola, e que
utiliza palavras cujas combinaçóes não teriam necessariamente nenhum sentido,
salvo talvez o & apontar para suas origens na Áfiica. De modo mais direto e um
pouco menos elegante, Kubik chega a sugerir que os falantes do Cafundó são
impostores na medida em que intencionalmente procurariam fraudar os ouvintes
não iniciados na sua "língua". Desse modo, desqualifica a atualidade semântica das
palavras do léxico africano do Cafundó para reforçar a hipótese de sua
autenticidade etimológica.

Uma análise literária com sugestivas interpretações sociológicas do Capítulo 2 - "O


Emplasíro" - do romance Memdrias Mstumas de Bms Cubas é a de Roberto Schwarz
( i 982).
Além das palavras, escritas obviamente em ''ortografia banto", que para Kubik são
na maior parte de origem umbundo, algumas outras provas foram também
arroladas na demonstração da ver&& de sua hipótese. Entre essas citaremos as
duas mais espetaculares, não só por terem sido mais elaboradas pelo estudioso,
como também pelo impacto de seu conteúdo.
A primeira consiste no ritmo da abanação do arroz com peneiras de taquara
trançada. Depois de fazer a platéia ouvir várias vezes a gravação do som do arroz
agitado na peneira atirado para o ar e novamente recolhido na peneira, Kubik diz
que "esse movimento não se encontra da mesma maneira na Europa" e acrescenta
que ele "mostra uma integração emocional da comunidade do Cafundó com sua
origem africana". Conclui que esse ritmo é prova da origem africana dessa
população.
A conferência continua com a proje@o de alguns slides em que se vêem paisagens e
figuras humanas do Cafundó. Um dos slides é fixado. Nele aparecem dois meninos
brincando com cabaças ou abóboras verdes e gravetos. Estes são enfiados nos
vegetais à guisa de pernas, rabo e cabeça. Brincam, como brincaram muitas
crianças negras ou brancas em diferentes zonas rurais do país, com cavalos, bois e
vacas improvisados com os frutos da tem. O slide permanece projetado, enquanto o
conferencista anuncia o argumento definitivo de sua tese:
Nosjogos de meninos também encontrei v&rios elementos de Angola.
Por exemplo, dois rapazes quefazem uma coisa que se chama
ngombe. Essa é outra palavra que é muito conhecida Id. É universal
na Áfiica. Ngornbe signilfica 'taca(s) ". Os meninosfazem ngombe
de cabaças. É um jogo muitojieqiiente em Angola. Nesses elementos
encontram-se muitos elementosfamiliares de Angola.
Assim descobrimos finalmente que aquilo que Kubik chamava de "ponto de vista da
h c a " , além de um acanhamento teórico, nada mais era que uma perspectiva
difusionista, historicizante e folclórica da cultura, na qual esta é retificada e tida
como uma categoria explicativa e não como um fenômeno a ser explicado no
conjunto de outras práticas sociais.
Nós, por outro lado, viajados pelas teorias que nos são próprias e alheias, isto é, de
um ponto de vista brasileiro e europeu (em particular via antropologia social
inglesa e um certo estruturalismo do discurso franco-tupiniquim), sem esquivar a
questão das origens da comunidade e do lkxico africano, buscamos responder a
perguntas um pouco diferentes. Por exemplo: Por que cargas d'água essa
comunidade continuou a utilizar esse léxico?
Qual o sentido cultural e político dessa prática lingu'stica tanto no contexto das
relaçdes sociais primárias & comunidade, quanto no contexto mais abrangente das
relações produzidas como efeito da "descoberta"?
Qnilombos em São Poulo

No caso & "língua" do Chhdó, como em todos os outros "aíiicanismos" no


Brasil. há, grosso modo, duas maneiras de abordar o assunto que por conveniência
chamamos filológica ou historicizante e históricoestrutural. No primeiro caso, a
grande preocupação é estabelecer que certos tragos culturais encontracios no Brasil
contemporâneo de fato existem ou existiram na k c a . Essa "busca de origens''
leva, após diligente pesquisa de fontes, a estabelecer o que chamamos genealogias
culturais, que mapeiam a maternidade dos "africanismos" no Brasil. Efetivamente,
o cientista social, por meio desse exercício, acaba ou c b a b i n d o "africanismos*'
dos quais os brasileiros não tinham conhecimento (é o caso de certos ritmos e
palavras), ou legitimando com o carimbo cartorial & ciência as afirmações locais
(agora no Cafundó, por exemplo, podemos constatar perante os céticos que a
maioria das palavras da ''língua" são de fato de origem banto). Esta perspectiva
teórica filológica tende a diminuir a impo~nciadas condiçdes históricas e sociais
que fizeram e fazem com que tais traços culturais acabem sobrevivendo à travessia
atlântica e se reproduzindo ao longo das gerações aqui no Brasil. Além disso, tende
a minimizar o processo histórico ao longo do qual esses traços mudam & sentido e
significação.
Que interesse tem estabelecer e pesquisar os "africanismos" no Novo Mundo?
Quando Herskavits publicou o seu livro The mysth of the negro past em 1941, logo
no inicio declarou a sua intenção. As pesquisas sobre a cultura & origem africana
nos EUA seriam uma tentativa de "melhorar a situação inter-racial" nesse país, por
meio de uma compreensão da histdria do negro, até então ignorada. Todo o livro é
construido para derrubar cinco "mitos" vigentes na época. Mmeiro, que os negros,
como crianças, reagem pacificamente a "situa@es sociais não satisfatórias";
segundo, que apenas os africanos mais fracos foram captura&, os mais
inteligentes fugindo com êxito; terceiro, como os escravos provinham & todas as
partes da África, falavam diversas línguas, vinham de culturas bastante variadas e
foram dispersas por todo o país, não conseguiram encontrar um "&nominador
cultural" comum; quarto, que, embora negros da mesma origem tribal
conseguissem, às vezes, manter-se juntos nos EUA, não conseguiram manter a sua
cultura porque esta era patentemente inferior A Qs seus senhores e quinto, que "o
negro t assim um homem sem um passado" (Herskovits 1958:2). Herskavits, no
prefácio & segunda edição do livro (1958:XXIX), reconhece que muita coisa
mudara desde a primeira edição e diz:
De quando em vez, é verdade, ainda encontramos negros nos EUA e
no Caribe que rejeitam o seu passado. Mas o número dos que fazem
isso está diminuindo paulatinamente, como também o número dos
seus concidadãos brancos que mantêm o ponto de vista anterior. E o
negro americano, ao descobrir que tem um passado, adquire uma
segurança maior de que terá um fituro.
A preocupação "filológica" & Herskovits pode ser vista, então, como um ato
político numa determinada conjuntura do pn~essode transformaçb das relações
entre negros e brancos nos EUA. O mero reconhecimento de que o ncgro tcrn
história, por incrivcl quc possa hojc parecer. foi uma luta. E também no Brasil. E
mais do que evidente que a história do negro está apcnas começando a scr escrita e
não 6 por caso que neste momcnto vários grupos politicamcntc minorilários esigcm
que a sua história scja rcvclada. Não surprccn&. pois. quc o Cafundó rapidarnentc
virassc manchete.
Constatar a "sobrevivência" de uma "lingua africana" e algo quc enr si tcrn um
scntido politico importante. Aponta para o fenómcno & "rcsistência cultural". Mas
essa "resistência cultural" não e um processo simplcs quc sc dá no confronto cntrc
duas culturas imuláveis no tempo. Essa concepção de cultura leva a ver os
"africanismos" no Brasil como sintoma & uma ccrta pujança mctafisica das
culturas africanas. Essa posição ignora que a vida social não consistc cm batalhas
campais entre culturas, mas sim em enfrcntamentos entre grupos, categorias c
indivíduos, para qucm a cultura oricnta a ação política c é ao mesmo tcmpo uma
arma usada para empreendê-la. Nessas pcqucnas c grandes batalhas do dia-a-dia. a
cultura vive através daqueles que a usam e. ao ser assim utilizada. ela os transforma
c sc transforma. Desse ponto & vista. fica cvi&ntc quc a "língua africana" do
Cafundó não é apenas a "sobrcviv6ncia" de unia língua banto qualquer; cla E acima
de tudo uma prática lingüística em constante processo de transformação c cujo
significado político e social C dado pclo contesto das rclaç&s on& tcrn vida.
E a segunda abordagem, a históricoestrutural. quc sc detém nesses problemas. Põc-
sc diantc do problema da reprodução e transfomiação da cultura c procura rcsolvk-
lo por meio de um estudo das relações sociais concrcias nas quais csscs traços
culturais sc articulam. Pnvilcgia a natuwa politica c econômica das rclaçõcs cntrc
os articuladores dos "africanismos" e a socicdadc cn\.olvcntc. No caso do Cafundó.
privilegiaria a "caipiridadc" do grupo. pondo cm scgundo plano a sua
"afiicanidade". O que se vê como sistemático numa abordagem toma-sc ipso facto
residual na outra. e vice-vcrsa.
Nossa tentativa pcrantc a "língua africana" do Cafundó E. conio já sc tcríí
adivinhado. comprecndê-Ia apontando para mais & uma d i w o ao nicsnio tcmpo.
Ao quc tudo indica. o scu papcl social esta relacionado com o quc sc podc chaniar
"uso ritual". no mesmo scntido em quc outras manifcstaçõcs culturais & origcni
africana continuaram a csistir no Brasil cni viirias comunidades ncgras
(candomòie. congo. capocira ctc.). cm todos csscs casos. uma outri idcntidadc
acrescenta-sc íiquclas que cslj;o normalmcntc associadas à classc c à cor. No caso
particular das pessoas do Cafundó. a "língua" acrcsccnta à sua idcntidadc ctiiica dc
pretos c a sua identidade social & peõcs o status & "aíiicanos". Dcssc niodo. a
"língua" possibilita uma forma & intcração social, qucr no intcrior do grupo. qucr
cntrc csic c a socicdadc envohcntc. quc difcrc daquclas quc nomialnicnte
caractcrizam as relaç&s & trabalho num sistcnia produtivo. Tudo sc pssa conio
sc. por unia cspécic de mecanismo compensatório. fossc criado uni cspço mitico no
Qitrlo~trhose ~ São
n Pardo

interior da situação de degradação ecoiiôiiiica e social, característica da história das


populações negras do Brasil. espaço no qual seria possível uma como que
renovação ritual de certa identidade perdida.
Assim. a "língua" pode ser vista não só como um sinal diacritico que demarca
simbolicaniente a comunidade do Cafundó. mas tanibém conio um eleiiiento
importante nas intenções sociais dentro e fora do grupo. Reconhecendo as origens
africanas da "língua". os brancos da vizinhança que tendem a ver gente do Cafundó
como "vagabundos" são também obrigados a atribuir-lhes uma certa importância.
enquanto falantes dessa estranha linguagem. Muitos brancos da região. tanto os que
vivem nas ou vieram das proximidades do Cafundó. como os que convivem com os
habitantes da comunidade em situações de lazer. nos bares de Salto de Pirapora, por
exemplo. fazeni questão. especialmente na presença de estranlios. de mostrar sua
competência em falar a "língua".
Com essa perspectiva analítica é possível começar a compreender por que esse
sistenia lingüística particular sobreviveu até o presente, apesar de não ser
"necessário" para a comunicação. O português. língua materna da comunidade. é.
desse ponto de vista. muito mais eficiente. A "língua afiicana" teria assim
sobrevivido eni parte por causa dessa função ritual nas interações estabelecidas
dentro do grupo e entre este e o mundo exterior. Assim. África (mesmo que mítica)
e cultura caipira (ainda que real) são, ao menos, dois entre os vários sentidos que se
abrem a partir do Cafundó. Pobres. até mesmo miseráveis nas relações de trabalho e
produção. pretos, vagabundos ou caipiras integrados a região em que vivem. os
habitantes do Cafundó têm também o seu emplasto e seu motivo inconfesso: a
"língua africana".
Por que tanta e desencontrada "descoberta" do Cafundd? Por que tantos interesses
multiplicados em torno de algo que no fundo é historicamente mais do que
provável, dada a quantidade de africanos forçados a vir para o Brasil como
escravos?
Talvez pela proximidade de São Paulo. o maior centro urbano e industrial do país,
onde os processos de transformação cultural são mais acelerados e onde, por isso
mesmo, a expectativa de se encontrar, ainda que nas suas vizinhanças, algo como o
Cafundó. é muito pequena. A violência do desenvolvimento de um centro como São
Paulo e a existência nas suas redondezas de um grupo de pessoas que conservam
ativamente um vocabulário de origem afiicana geram uma espécie de paradoxo que.
com algum abuso do termo, poderíamos chamar paradoxo de expectativa. Nascido
da incompatibilidade. mais epistêmica e deôntica do que propriamente factual,
entre desenvolvimento econômico e complexidade social, de um lado, e
conservação de traços culturais sem nenhuma razão estruhuai de ser ao menos
aparente. de outro, este paradoxo e,uplicaria a ênfase dada a "descoberta" do
Cafundó. sobretudo quando se pensa em outras comunidades com características
semelhantes espalhadas pelo Brasil e também já ''descobertasttas'.
Mera hipótese!
De qualquer forma. é ela o motivo que leva Henfil (Isto E. li" 74. 2M5/78:82) a
transmudar o Cafundó e a sua "descoberta" lium truque humorístico para conieiitar
o esoterisnio casuísta. ou o casuísmo esotérico da política do govemo federal: "Mãe.
viu as novas descobertas de quilombos em pleno centro do Brasil? Iniagina!
Acharam um a catorze quilômetros de Salto de Pirapora. em São Paulo! Numa \ila
chamada Cafundó. vivem ainda puros negros que falam o dialeto que trouxeram da
África!". Depois de dar uma pequena lista de palavras do Cafund6 com suas
equivalências em português, diz que ele niesmo achou utn outro quilonibo eiii
Brasília. cujo dialeto após muitos estudos decifrou. Segue-se uma lista em que
aparecem, por exemplo. greve = cruz credo!. SNI = candidato a presidente.
comunista = oposição. eleição = meu primo etc. A carta dirigida a mãe temiinou
com um PS. cujo conteúdo é ainda revelação de um idiotisnio político: "Sabe o que
significa a palavra democracia lá no quilombo de Brasília? Um governo do polvo.
pelo polvo e para o polvo".
Esse paradoso de expectativa funcionaria ainda para explicar atitudes e
comportamentos es*emos e contrários ao anterior. Por exemplo. a esperança do
pessoal da BBC de Londres no Brasil de encontrar no Cafiindó uma autentica tribo
afiicana intacta nas suas tradições.
É que. uma vez feita a "descoberta". o que antes era menos passa depois a ser iiiais.
Nós. os pesquisadores, por exemplo. fomos ao Cafúndó pela primeira vez
desacreditando das notícias que tínhamos sobre a comunidade. em particular sobre
a "língua africana" que falavam. Depois de constatar que de fato utilizavain
ativamente um léxico de origem afncana. passamos a esperar mais do que já
tínhamos visto e registrado. Nesse sentido. devemos ter iiicentivado. consciente e
inconscientemente. o pessoal a "falar africano". Taiito que as criaiiças começaraiii a
se oferecer. assim que chegávamos ao bairro. para mostrar os progressos que fuiani
na aquisição do vocabulário banto. De uni certo inodo. e sem niuito exagero. todo
inundo foi possuído pela vertigem de "eiirolar a língua". E nós. contentes coiii o
que acontecia. Um dia. Noel Rosa de Almeida nos diz que sua mulher. dona Isaura.
sabia falar uma outra língua secreta porque era descendente de bugre. De fato. doiia
Isaura tem feições de índia! Isso, somado a esquizofrenia lingüística de que eranios
todos tomados no Cafundó e a disposição de espírito para as grandes e originais
descobertas. levou-nos a invadir a casa de dona Isaura amados de gravadores.
máquinas fotográficas e sobretudo da esperança luminosa da revelação de mais uni
maravilhoso segredo histórico. Noel. o marido. nos acompanhava. Dona Isaura
resistia. Falava de sua vida. de suas andanças de mulher pobre. de seu traballio
como doméstica na casa de famílias do Sul, de onde viera. do tempo que já estava
ali no bairro. da quantidade de filhos. das necessidades por que passavam. e nada
da "língua esquisita". Depois de muita insistência nossa e do próprio niarido. ela
concorda em áizer alguma coisa. Nos nos preparamos para pelo menos uni
vocabulário tupi. Então. ela: "Schnaps uink" e "mangiare". E era tudo o que
conseguia dizer de diferente. Simplesmente. havia trabalhado eni casa de aleriiiles e
italianos em Curitiba e retivera essas duas expressões. que pronunciava a seu modo
e com muito constrangimento. Agradecemos-lhe a colaboração e. após alguns dedos
de prosa a ~iiais.saímos. Sentíamo-nos num misto de frustração e auto-ironia.
Rimos bastante de nos mesmos. Talvez para compensar a desiludo de nossa
ingenuidade opressiva.
Entretanto. em qualquer hipótese. é preciso levar também em conta que aquilo que
se -'descobre" nunca é independente do momento da "descoberta".
O Cafiuidó veio a público em 1978. A Africa tem sido "descoberta" no Brasil desde
o século XIX de formas muito diferentes.
A literatura abolicionista. de Castro Alves a Joaquim Nabuco. tratou o iiegro tio
Brasil como uni problema homogeneizado pela escravidão. enquanto mácula.
A advertência de Sílvio Romero aparece no mesnio ano da Abolição. Nina
Rodrigues. que aceita o desafio. vive no l i ~ r o
Os .-lfwcanos no Bras~la contradição
entre as chamadas teorias científicas da época. baseadas principalmente em
Lombroso. e a simpatia pelo problema do negro. conforme já assinalara Edisoii
Carneiro (1964:209 segs). De uni lado. unia teoria fundada na reação da burguesia
contra o socialismo nascente e que se apega ao princípio da hierarquia racial: do
outro. o esforço em mostrar a pureza e a autenticidade nagô na Bahia. É como se
Nina Rodrigues utilizasse os princípios de pureza racial para subvertê-los pela sua
aplicação extrema e contrária: o elogio da pureza negra. Adota uma teoria de
fundamento racial e mesmo racista e é levado ao estreino oposto ao valori~ara
pureza negra dos ritos religiosos de origem africana na Bahia. E por falar eiii
paradoxo. eis aí mais um. quem sabe muito parecido historicamente ao que
caracteriza a atitude de Euclides da Cunha diante do sertanejo nordestino em Os
sertões.
Num outro momento, na &da de 30. com preocupações regionalistas e
nacionalistas. a Áfiica no Brasil será um sinal diacritico a distinguir ao mesnio
tempo o Norte e o Sul do país e o próprio país do resto do mundo. em particular da
Europa.
Se já não é o conceito de raça que define a pureza das tradições. mas sim o de
cultura, se o negro deixa de ser \isto como um caso de patologia médica. a
singularidade de seus comportamentos culturais tampouco deixa de obedecer a unia
escala de valores na qual o autêntico é a nota máxima. Veja-se a propósito o artigo
-
de Edison Carneiro (1964:98-102) "O Congresso Afro-Brasileiro da Bahia" -
escrito em 1940, no qual o autor, entre os vários elogios a esse congresso realizado
em 1937. o contrapõe regionalmente ao Congresso do Recife. de 1931. e disputa
com ele a primazia do autêntico. baseado na pureza das apresentações dos ritos para
os congressistas:
Esta ligação imediata com o povo negro, que foi a glòria maior do
Congresso da M i a , deu ao certame "um colorido único", comojá
previra Gilberto Freyre. Arthur Ramos, em carta que me escreveu
sobre a entrevista ao Dicírio & Pe~tambuco, dizia: "O material dai
que [Gilberto Freyre] julga apnas pitoresco constituirájustamente
a parte de maior interesse científico. O Congresso do Recife,
levando os babalorixás, com sua música,para o palco do Santa
Isabel, pôs em xeque a pureza dos ritos aficanos. O Congresso da
Bahia não caiu nesse erro. T& as ocasiões em que os
congressistas tomaram contacto com as coisas do negrofoi no seu
próprio meio de origem, nos candomblés, nas rodas de samba e de
capoeira. (p.99).
Interessante notar que essa linha gendtica (mais onto que filo, nesses casos)
estenáe-se até nossos dias e constitui um argumento sempre macado na áefesa dos
movimentos ou associações negras no Brasil. Veja-se, por exemplo, o que diz Lélia
Gonzaies no a t e publicado pela Isto E (no 73, 17/5/78:46), por ocasi20 dos
noventas anos & Abolição. Para contestar o caráter alienado que muitos
intelectuais ou não-intelectuais atribuem ao ~ l a c k - ~ i odiz
, ' ela:
[...Iuma semana antes eu assisti ojlme do Zé Celso Martinez, o 25,
então percebi elementos assim incríveis. A gente percebe que a
aánça que os guemelheirosde Moçambique, não, não era aánça, era
treinamento, em termos de guem'lha, isto eu vi num show do Black-
Rio, o mesmo tipo de movimento, ele se peyetua atc! nossos dias e,
no entanto, o Black-Rio é encarado como movimento de alienação.
Estende-se, assim,no tempo, se não mais nos estudos que lhe são dedicados, ao
menos na ideologia & sua defesa, aquela premissa apontada por Edison Carneiro
(1964:104) & que o negro era um estrangeiro. Esta premissa, segundo o autor
baiano, teria feito com que nossos eshidiosos fossem "encontrá-lo, de preferência,
naquelas das suas manifestações & vida mais cuacteristicmate africanas, e com
-
especialidade nas suas religiões um dos aivos da análise cientííica proposta por

' Como no caso do 28 de Setembro, o Biack-Rio e as manifesta@es culturais semelhantes,


como por exemplo o i i ü o - k d em Campinas, ou o ChioShow em São Paulo, não têm fins
políticos explícitos. O fato t que tais movimentos se expandem desconhecendo o apodo de
alienado que muitos lhes aíriòuean. Essa qualif~mção decorre provavelmente dos
compromissos culturais e da dependência econ6mica pani com as multimcionais que,
segundo os que os tona Ihes são próprios e característicos. Porque ao 58mh preferem
a música unportada dos Estados Unidos, porque suas atividades de lazer e sociabilidade se
sobrepõem a princípios pt'hlicos de engajammto político, ao invés da resistência simbólica
que se reconhece em outros movimentas,recebem o carimbo de oooptação e do entreguismo.
Entretanto, não t éque os vêem as pesquisas de Carlos Benedito da Silva e de Maria
Aparecida Pinto Silva, ambos do mestrado em a n ~ l o g i da
a Unicamp.
s &To Paulo
~ l o m ò oem

Sílvio Romero. [...I Estas duas atitudes - a de consicierar o negro como um


estrangeiro e a preferência pelas suas religiões - desgraçaram os estudos do negro".
Quanto a esta úItima observação, não estamos muito certos da extensão da tragédia
intelectual que ela pinta. O próprio Edison Carneiro, num artigo &to em 1956 -
"Nina Rodngues" (Carneiro 1%4:209-17) -,em meio a várias críticas, não deixa de
reconhecer todos os méritos devidos ao médico maranhense. Entre esses méritos
está certamente o de ter proposto um método comparatko para o estudo dos
comportamentos do negro no Brasil e na Áfiica. Edison Carneiro e Arthur Ramos,
apesar das diferenças que entre eles existem, foram herdeiros comuns desse método,
ao qual, aliás, não poupam elogios e do qual diz explicitamente o primeiro:
"Línguas,religiões e folclore eram elementos dessa comparação a
que a história dava a perspectivajnal. Deste modo ganhou o negro
a sua verdadeira importância emface da sociedade
brasileiran(p.211).
É a fase heróica dos estudos do negro no Brasil. Nela, a resistência intelectual alia-
se a prática desta resistência, por parte & alguns pais e & algumas mães-de-santo
de alguns candomblés na Bahia, diante da desafiicankqão progmmáma dos cultos
no Sul do país; nela ainda há como que uma romantização do terreiro puro onde o
conflito e a magia não aparecem, onde, numa aliança de interesses políticos entre
intelectuais e proáutores da cultura, uns servem aos outros.*
Os congressos & 1934, no Recife, e de 1937, na Bahia, apesar das disputas
regionalistas pelo prestígio da autenticidade, partilham objetivos comuns: não
apenas os de congraçar gente do povo e intelectuais, mas também, segundo os
termos de Edison Carneiro (1%4:100), os & "contribuir para criar um ambiente de
maior tolerância em tomo dessas caluniadas religiões do homem de cor"; ou,
conforme Gilberto Freyre (1937:349), os de permitir que muita gente se voltasse
para o assunto e descobrisse "nessas 'coisas & negro' mais do que simples
pitoresco [...] uma parte grande e viva da verda&ira culturabrasileira".
No que diz respeito às alianças, o depoimento de Pedro Cavaicanti (1935:244),
apresentado no congresso do Recife, é exemplar e exemplificador:
r...] emjns de 1932 reuniram-se na Diretoria Geral da Assistência a
Psychopatas os paes e mâès de terreiros do Recife, e ahi foram
acertadas medidas sobre o livrefincionamento das seitas. Nós nos
comprometiamos a conseguir da polícia licença para tal. Os paes de
terreiro nos abririam as suas portas e nos dariam os esclarecimentos

8
A tendência para romantizar o dominado contém, na prática, a tentativa de limpar a sua
experiência de aspectos considerados negativos. No caso, as dissensões e disputas políticas
internas ao grupo que a magia expressa. Mas tanto a solidariedade e a harmonia sociais,
enquanto atributos de religiosidade, como o individualismo e as disputas politicas, enquanto
predicados de magia, são, da mesma forma, &tutivos dos candomblés.
necessários para que pudéssemos distinguir os que fan'am religião e
os que fan'am exploração.
Por outro lado, acreditamos que mesmo a "estrangeirização" do negro nessa fase
heróica, se ocorreu, deve ser avaliada também de um outro prisma. Aquele que
decorre do próprio heroismo e romantismo da fase: seria preciso refazer a
identidade do negro no país. Deixando de ser escravo, arriscava-se a marginalidade
que o estigma da escravidão lhe impunha numa sociedade de homens livres. Era
preciso, pois, considerá-lo estrangeiro, &r-lhe um passaporte e fazê-lo entrar
novamente no país através da eleição e da dignidade de suas origens.
Vê-se por aí o quanto seria interessante comparar este movimento com o
movimento & valorização mítica do índio do século XU(. Razões e impedimentos
históricos os separam no tempo em quase cem anos. Apesar das diferenças que
certamente serão muitas e importantes, é preciso lembrar que já Silvio Romero, na
famosa advertência citada por Nina Rodrigues, chamava a atenção para a presença
do negro na cultura brasileira fazendo menção da presença da América, vale âizer
do índio, em nossas selvas. Pensando nessa possível comparação é que chamamos
romântica essa fase dos estudos afro-brasileiros.
Contrariamente ao que muitas vezes se pensa, as alianças de interesse,as relações
entre os intelectuais e os produtores & cultura negra mostram que o meracio da
produção acadêmica não é restrito à própria academia. Na verdade, esse tipo de
aliança gera' compromissos mais amplos: aqueles em que o intelectuai busca o
autêntico e cartorialmente o autentinca. Uma vez reconhecida a firma,o objeto da
pesquisa integra, como prova de sua autenticihde, o carimbo do intele~tual.~
Beatriz Góis Dantas (1982: 162) observa que
"omovimento de legitimação dos candomblés acompanhava o
movimento de aproximação mítica com a Áfica. Os pais-de-terreiro
que não podiam viajar bebiam a Áfica na literatura que no Brasi.1se
produzia sobre as crenças e práticas rituais dos candomblés mais
puros".
Deste fenômeno M referências não só em Roger Bastide que na década de 40, em
sua primeira viagem ao Nordeste, encontra muitos pais-de-santo possuidores dessa
literatura, mas também em Edison Came.iro (1964:208) para a Bahia, em @cular

Tanto as teorias raciais quanto as teorias culturalistas tendem a reificar a cultura. O


carimbo do intelectual é um instrumento eficaz nessas abordagens, pois implica o
reconhecimento da existência de uma cultura negra autêntica em algum lugar e em algum
tempo. Tratar o problema da identidade com base nessa fonna de conceber a cultura é
semeihante a organizar continuadamente expediçbes para explorar o tempo e o espaço em
busca de tesouros @dos. Do nosso ponto de vista, identidade não é algo que se ache,
como coisa escondida, mas algo que se constrói, que se forma nos processos efetivos de
inieração social.
Quiiomòos em São Paulo

no que concerne a Aninha do Axê O@ Afònjá, e René Ribeiro (1952:103)para o


Recife.
No Sudeste, algo de semelhante ocorria. Mas o que servia para legitimar, em cima,
era tido como exploração e mistifícação, em baixo. Tanto assim que no dia 5 &
outubro de 1938 o Diário da Noite do Rio de Janeiro traz uma denúncia do mau uso
que se fazia dos livros de Nina Rodrigues, de Arthur Ramos,de Edison Carneiro e
de Gonçaives Fernandes para atrair turistas e grã-finose extorquir-lhes dinI&o em
"autênticas macumbas" onde se negociava "com estas coisas cheirando a h c a "
(apud Ramos 1951 :159).1°
Não é muito diferente, sob alguns aspectos, a nossa reiação com o Cafund6 hoje;
nem é tampouco muito desigual a atitude de dona Geni, com temiro de umbanda
em Pilar do Sul, que chamada a intervir em assuntos graves & comunidade mostra-
se em segui& fortemente interessa& em aprender a ''língua afiicana" para dar
maior legitimidade ao seu culto. Nós apadrinhamos a comunidade, compramos
porcos, sementes, alimentos, incentivamos seus membros a não deixarem o bairro,
presiigiamos o uso & ''língua afiicana" que aos poucos foi dquirhdo valor &
troca, soóretudo nas rela- com pesquisadores e com representantes dos meios de
comunicação.
Assim, além do papel de língua que os moradores Q Cafundó
conscientemente lhe atribuem, alem da função ritual, niem>s aparente, que nós
-
pesquisadores lhe reconhecemos, há este outro papel o de mercadoria - instituído
independentemente & vontade e do entendimento de uns ou & outros em
particular, mas no interior de sua relação. Nesse caso, uma paiavra do vocabuiário
banto do Cafundó não vale propriamente nem pelo que diz smbmente, nem pelo
que esconde como parte de um ritual. Isto C, sendo sinal diacrítico, enquanto língua
secreta, e signo de identidade mitica, no seu papel ritual, o ldxico afiicano é
também objeto de troca no comercio intelectual entre a comunidade e os
pesquisadores.
Por volta de 1950 ewrra-se, segundo Edison Carneiro (1%4:116), a fase a b
brasileira dos estudos do negro no Brasil. Embora sem praticá-la efietivamete, está
ao mesmo tempo anunchndo a chamada fase sociológica desses estudos. No mesmo
-
artigo progmdtico escrito em 1953 "Osestudos brasileiros do negro", discutindo
entre outras coisas o projeto patrociaado pela Unesco, ele escreve:
Se o negro com sua presença alterou certos traços do branco e do
indigena, sabemos que estes, por sua vez, trrmsformaram toda a vida
material e esp?iíual do negro, que hoje representa apenas 11% dia
popuIaçdo (1950), utiliza a língua portuguesa e na prbtica esqueceu

'O Essas infhnqões forrmi também colhidas na tese de Beatriz Góis Dantas (1982). Nela,
em pariicuiar no Capituio 4, há toda uma parte - "A signinaçh da 'voita' A Áfíica e da
exaitação do 'nag6 puro' " - que discute mais &tabdamente o problema.
as suas antigas vinculações tribais para interessar-se pelos
problemas nacionais como um brasileirode quatro costados. Tudo
imo signijca que devemos analisar o particular sem perder de vista
o geral, sem prescindir do geral, tendo sempre presente a velha
constataçdo ciendjica de que a modijicação na parte implica em
modificação no todo, como qualquer modificação no todo importa
em modi~caçi3esem todas as suas partes. (1 964:11 7)
Agora já não interessa mais o concerto ou o &mncerto do país em relação as
nações desenvolvidas. É na dialética do universal e do particular que se Mo de
encontrar os caminhos para as nações do Terceiro Mundo. Mas esse empenho
programático não terá, como dissemos, maiores conseqiiencias na obra de Edison
Carneiro, e sim na da chamada Escola Sociológica de São Paulo, com os trabalhos
de Florestan Femandes, Femando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, entre outros.
Um caso curioso pela dualidade & comportamento te6rico é o do pesquisador
francês Roger Basti&. Em As religiões aficanas no Brasil (197144) afirma em
latim a sua identidade africana: "afhcanus sum". Essa adoção espontânea e um
tanto emotiva & uma identidade africana, coerente com parte de seus trabalhos, é,
no entanto, um pouco surpreendente quando se levam em conta as suas
p r e o c e teóricas presentes, por exemplo, no livro que escreve com Fiorestan
Fernan&s (1959) - Brancos e negros em São Paulo -,sob o patrocínio da Unesco.
Nessa época, a África já não tem a mesma importância epistemológica que tivera
anteriormente. Importa, isto sim, a estrutura de classes no Brasil, a história
particular do negro, primeiro como escravo, &pois como trabaihador livre marcado
pelo estigma do preconceito de cor.
Ao romantismo da fixe precedente substitui-se, então, um realismo de inspiração
sociológica, & fundo social e & aspiração socialista.
O movimento que se po& acompanhar nesses estudos, que comentamos de maneira
bastante genérica, parece vir da análise em termos médico-legais para a análise
culturalista e, enfim, para a análise sociológica, justamente na década em que,
superada a queslh da nacionalidade, quer em termos de raça, quer em termos
culturais, o pais não tem mais que se integrar em nenhum concerto universal &
nações, mas ser um dos estopins da revolta terceiro-nnindisía contra a desigualdade
e a injustiça social.
Mas 1978, quando o Cafundb foi " ~ r t o " são
, outros anos.
O golpe militar & 1964 consolidou-se no poder; a guemlha urbana foi esmagada
pelas forças de repressão; os modelos universais & redenção social do homem
adquirem figuras de impasses históricos; o humanismo & direita (o liberalismo) e o
& esquerda (o comunismo) perdem-se nas disputas de áreas & influência e em
confrontos da hegemonia política; nas entrelinhas do universalismo reaparece o
Quilombos em São Paulo

indivíduo, tanto no sentido próprio quanto no de pequenos grupos e categorias: as


chamadas minorias.
É mais ou menos nesse contexto, aqui delineados em traços rudes," que o Cafünd6
é -o
' n. Mas a própria desmberta, sobre o fundo de miséria e abandono que
revela, tece o processo multiplicador & outras identiáades. An1cano e caipira.
mítico e real, eshanho e distante pela "língua secreta", familiar e próximo pelas
relaç&s sociais de produção, o Cafündó é também o conjunto de representaçaes que
dele se vão construindo na diversidade cíe interesses que nele se cruzam.

" O painel aqui esboçado é, sem duvida, incompleto. Tendências mais contemporâneas no
estudo no negro no Brasil deveriam ser também apontaclas. Entre elas, a que poderíamos
chamar l ~ c o - a n t r o p o l ó g i c a , na qual nosso trabalho podena estar inscrito,
camcterizand+se, de fato, por fszer uma espécie de antropologia da linguagem. Seria
preciso mencionar outras perspectivas de anáiise que, mesmo partilhando de atitudes
teóricas comuns a outros tratamentos, têm As vezes elementos singulares de distinção. É o
caso, por exemplo, da obra de Clóvis Moura que, além de associar uma visão histórico-
cultural do negro às signifiwçks estruturais de sua participação na sociedade brasileira,
caracteriza-se também, entre outras coisas, pelo ativismo político de seu autor.

Carlos Vogt é linguista e poeta. Foi Reitor na Unicamp e hoje coordena o Laboratório de
Estudos Avançados em Jornalismo desta instituição. É também diretor-executivo do Instituto
Uniemp - Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa.
Peter Fry é antropólogo e professor do M t u t o de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
Foi professor no Museu Nacional e antes, quando de sua vinda da Inglatema para o Brasil,
foi professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicarnp, que ajudou a
implantar.
Referências bibiiogMicas
Amaral, A (1976) O dialeto caipira. São Paulo, 3' ediçilo.
Bastide, R (1945) Imagens do Nordeste místico em branco e preto. Rio & Janeiro.
.(1971) As religões aflcanas no Brasil. 2 vols. São Paulo.
Cardoso, F.H. (1962) Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. O negro na
sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo.
Carneiro, E. (1964) Ladnos e crioulos. Rio & Janeiro
Cavalcanti, P. (1935) "As seitas africanas do Recife". In Estudos Aj-o-Brmdeiros.
Rio de Janeiro
Cunha, E. da (1914) Os sertões (Campanha de Canudos). Rio de Janeiro
Dantas, B.G. (1988) Vovô na& e papai branco: usos e abusos da h c a no Brasil.
Rio & Janeiro.
Fernancies, F. (1%5) A integração do negro na sociedade de classes, 2 vols. São
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,(1972) O negro no mundo dos brancos. São Paulo.

Freyre, G. (1937) Novos estudos afio-brasileiros. Rio de Janeiro.


Herskwits, M. (1941) The myth of the negro past. Nova York
Ianni, 0. (1966) As metamorfoses dos escravos: apogeu e crise da escravatura no
Bran'l meridonal. São Paulo.
Noronha, C. A. (1981) "CafUnd6 " Tese de mestrado em Arquitetura. Sorocaba.
Kubik, G. (1981) Extensionen Afnkanischer Kulturen in Brasilien. Alano.
Ribeiro, R. (1952) "Cultos afro-Brasileiros do Recife (Um Estudo de Ajustamento
Social)", Boletim do Instituto Joaquim Nabuco em Pesquisas Sociais,
número especial, Recife.
Rodngues, N. (1977:Xv) Os aficanos no Brasi.1. São Paulo, 5' edição.
Romeiro, S. (1977) Estudos sobre a poesia popular do Brasil. São Paulo.
Essa Terra é santa,
Essa Terra é nossa
A Comunidade Quilombola de Ivaporunduva
e o direito de propriedade

"Tendopermanecido, desde a
d e d n c i a da mineração,
acentuadnnente isolado dos centros
urbanos regionais, o p o W o de
I v ~ r u n d u v aassumiu durante longo
tempo asfeições de uma com uni^
racial e, em alguns aspectos,
culturalmente diferenciada... "

Renato da Silva Queiroz


Quilombos em São Paulo

Essa Terra é santa, essa Terra é nossa


A Comunidade Qwlombola de Ivaporunduva
e o direito de propriedade

O Vale do Ribeira aóriga ainda hoje cerca de vinte ou mais comuniâaâes


rexuan- de quilombos - "comunidades quilombolas" -muitas delas
fkqüentemente atingidas ou ameaquias em sua integridade sobretudo pela
grilagem de terras e projetos de construção de barragens hidrelétricas que se
pretendem constdr naquela regiao. Uma dessas comunidades situa-se na área nuai
do município da Estância Turística de Eldorado e 6 conhecida por Ivapomdwa,
palavra cujo significado parece ser "rio de muita fnita"(Krug, 1942: 271).
Um clima Úmido e quente caracteriza o Vale do Riiira (Petrone, 1%6:33), área de
povoamento &&ante antigo que já contava com a presença de colonos europeus em
meados do sécuio XVI. Boa parte de seus habitantes encontra-se dispersa pela área
nuaí dos municípios, vilas e povoados mais ou menos próximos ao litoral. A vida
econamica do Vale permaneceu estagnada ao longo de muitas décadas e somente a
partir dos anos de 1970 passou a apresentar sinais de um certo dinamismo em razão
da abertura de estraâas de todagem, expansão da rede de comunicações e de

O presente trabalho ccmstitui,em grande parte, uma síntese do meu livro Caipims Negros
no Vale do Ribeim: um estudo de antropoIogia econômica (1983), escrito com base em
pesquisa de campo realizada em Ivapomduva entre 1977-1980. Nessa ocasião, contei 202
moradores na Comunidade Ivaporunduva, 166 dos quais declararam-se nascidos no próprio
povoado.
abastecimento, tudo isto em decorrência de maciços investimentos oficiais para lá
canalizados depois que a região foi sacudida por um surto guerrilheiro liderado pelo
capitão iamarca.
Embora as sedes dos municípios tenham se beneficiado destes investimentos, o
mesmo não se verificou, conhido, nas zonas mais afastadas dos núcleos urbanos, a
não ser indiretamente, e mesmo assim as vezes com resultados negativos, pois sua
população, composta na quase totalidade & pequenos sitiantes e posseiros, passou a
ser assediada por fazendeiros e empresários seduzidos pelas terras que se
valorizaram. Abertura de estradas, incremento da pecuária, estímulos aos cultivos
de cacau, chá, banana e outras culturas, todos esses fatores transformaram certas
áreas antigamente inacessíveis e depreciadas em zonas disputadas, sendo por isso lá
frequentes os litígios envolvendo terras ocupadas por famílias de camponeses-
posseiros que retiram da agricultura, da pesca e do extrativismo os seus escassos
recursos de subsistência.
De modo geral, o povoamento da Baixada do Ribeira, sobretudo o das áreas mais
atkbdas dos atuais centros urbanos, é resultante da penetração de colonos europeus
através das vias fluviais. Nessa expansão, encontraram pela frente aldeias
ináígenas, provavelmente grupos Tupiniquins, de quem teriam assimilado as
técnicas & cultivo do solo, perpetuadas pela população rurai & região (Pinho,
1964:29/30).
Já a sede do município da Estância Turística de Eldorado teria sido fundada no
sécuio XVIII, com as penetrações de mineradores através do rio Ribeira e seus
afluentes, surgindo assim um dos primeiros povoados no interior da região (Pinho,
1964:31). Outra versão nos informa que Eldorado teria se originado & um
aldeamento indígena já em fins do século XVI (Almeida, 1947:49).
Ivaporunduva: a origem e o mito de origem
As fontes mais antigas pertinentes i comunidade de Ivaporunduva talvez sejam as
anotações deixadas por Edmundo Krug no relato da viagem que fez pela regiao,
documento importante publicado em 1912 (primeira edição) na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo. Partindo de Eldorado pelo rio Ribeira de
Iguape, após dois dias de viagem Krug chegava a Ivaporunduva,
[...I logar ermo e habitado por algumasfamílias de pretos,
descendentes dos escravos de época da qual logo mais tratarei. Uma
capellinha, sem architectura alguma, apenas com uma larga porta
no pavimento térreo e duasjanellas no andar superior, que dão l u
ao côro, está construida no logar mais alto da beira do Ribeira:
íngremes morros, como o morro da "Joanna"e outros, cercam-n'a
pelo lado de traz, dando assim ao logarejo uma vista agradável e
poetica @g, 1942:272).
Quilombos em São Paulo

-
Assinala ainda o nosso viajante que naquela época final do sécuio XIX e início Q
-
XX Ivaporundwa abrigava um pequeno número de habitantes,
[...]fazendo, talvez, sómente o necessáriopara entreter a vida e
ganhar alguma cousa mais do que o suficiente quotidiano. E
acrescenta: O arraial, que é bem mais antigo que Jaguary (Itaúna),
está hoje em completa decadência, havendo ahi talvez só umas seis
casas mal acabadas quasi em ruinas, habitadaspor pessoas que se
dedicam exclusivamente á lavoura e gado (idem).
Em 1914 Cornelio Schmidt, que perambulou pela região com a comissão geográfica
e geológica do Estado de São Paulo encarregada de avaliar a área do rio Ribeira de
Iguape e afluentes, registrou algumas outras observações a respeito de
Ivaporunduva:
Este logar, interessantepela sua posição entre morros, está situado
na margem esquerda do Ribeira; compõe-se apenas de ires casas
velhas e uma pequena capella mais velha ainda, a qual, diz a
tradição ter sido construidapelos captivos que, ha mais de 240 anos,
mineravam ouro, no Ribeirão de Ivaporunduva. Por concessão de
seus senhores, dispunham dos domingos para a construcção do
templo; verdade é que este ribeirão temfama, de longa data, de
grandes riquezas em ouro (Schmidt, 1914:1).
Vê-se assim que os dois autores acima citados descrevem Ivaporunduva como uma
comunidade bastante antiga e isola&, habitada por áescendentes & africanos
escravizados que para lá foram compulsoriamente levados no século XVIII por
senhores sedentos de ouro. Destacam eles, ademais, as modestas atividades
econômicas dos moradores lá estabelecidos, práticas típicas do que se chama hoje
de "economia de subsistência". Ambos também mencionam, por fim, a existência
de uma capela, &cada pelas mãos dos próprios cativos em 1791.
A precariedade das edifícaq&, relataáa tanto por Krug quanto por Schmidt, pode
ser atribuida à decadência da mineração, com o que os &scen&ntes dos africanos
escravizaáos que permaneceram em Ivapomáuva viram-se oôrigaáos a encontrar
formas alternativas de obtenção de meios de vida. Além disso, se o núcleo áo
povoado dava a impressão de congregar poucas famílias, é porque boa parte delas
localizava-se em glebas distmciadas da área central2, configurando assim uma
forma característica de povoamento no mundo agrário paulista, conhecida como
"bairro rural" (Miiller, 1951; Queiroz, 1%7; Candido, 1964).
Na memória de seus atuais moraáores, a origem de Ivaporunáuva remonta à
chegada ao local de uma senhora portuguesa, de nome Maria Joana, que para lá

Era hábito arraigado dos moradores, seja por comtnqhento, seja por temor, esconderem-
se quando da chegada de estranhos.
levou negros escravizados para o seMço da mineração de ouro. Essa lendária
mulher teria mandado construir mais tarde a capela onde pudessem ser realizadas
as celebrações religiosas e também uma casa para sua moradia. A capela sobreviveu
ao tempo e foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDFPHAAT). Da
casa, já demolida, assim como do cemitério local, restavam no final dos anos de
1970 apenas vestígios das fundaçks. Adoentada, teria essa senhora retomado a
Portugal, não sem antes doar suas terras à santa padroeira do povoado - Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos - e alfoniar os escravos. Difusa entre os
habitantes de Ivaporundwa é também a crença na existência de uma fortuna em
ouro, escondido nas paredes da capela.
A luz de uma reflexão antropol&gica,o relato dos moradores contém, grosso modo,
todos aqueles elementos que configuram um verdabeiro mito de origem de um
grupo ou povo: 1) uma personagem l e n M a escolhe um determina& local para se
estabelecer; 2) cria as condições para a emergência & um ambiente humanizado
(construção da capela e difusão da fé cristã) e, mais tarde, tendo compieiado a sua
missão; 3) retira-se para terras distantes, inatingíveis (Portugal); 4) deixando para
trás uma comunidade estrutura&, iguaütária (alforria dos escravos) e rica (o ouro
escondido nas paredes do templo religioso).
Edmundo Krug teve o cuidado de trankmer em seu relatório de viagem certas
passagens do Livro de Tombo de Xiririca (antiga desigt@ío do município de
Eldorado), revelando que a senhora referida pelos moradores de Ivaporundwa
chamava-se Joanna Maria,nascida em Minas Gerais (e não em Portugal), fálecida
[...I aos 2 de abril & 1802. com idade & noventa annos. sem deixar bens alguns,
porque em vida soube dish-ibuil-os, e remunerar com a liberdade os escravos que
lhe servi% (Kmg, 1942: 274).
As anotações do Livro de Tombo, prossegue Kmg, registram que a coluiru@o da
capela data de 1791. E como Toda igreja deve ter um pahimonio, isto d, bens
consignados para o sustento do padre que ahi diz missas, ou então para, com os
rendimentos, poder se concertar a igreja, o cem-tèrio,emfim para se poder manter
decentemente tudo o que diz respeito á casa de Deus, [...I este patnmdnio pode
constar & casas, [...] ou de terrenos, que são alugadospara lavradores, ou mesmo
de terrenos aurifros em arraiaes de minas @. 276). No caso de Ivapo- tido
como um lugar muito rico, I...] ldgrco era que qualquer proprietário piedoso
tivesse feito doaçtio de alguma lavra à Santa protetora da capellinha. O ouro era
bateado tambdm pelos crentes, que, por mera devoçdo, ~servavamalguns dias do
anno para este serviço, cujo producto, depois de lava&, era entregue & igreja
(idem).
Consta que do patrimônio da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos faziam parte uma casa de taipa e uma lavra de ouro. KNg avalia que a
Quiiombos em São Paulo

capela era "remediada",possuindo bens cujos juros, somados às contribui@es dos


pretos, davam margem a uma ornamentação decente.
Pode-se deduzir do exposto que o território tradicionalmente ocupado pela
comuniâade de Ivaporunduva excede em muito a gleba de terras que teria sido
doada à igreja, já que, com o declínio da mineração. vastas extens&s de terrenos
tiveram de ser afrontadas e apossadas pelos remanescentes dos escravos para servir
às práticas agrícolas e extrativistas lá implantadas e que sucederam à mineração.
Comojá foi devidamente demonstrado (Woortmann, 1983), os pequenos produtores
nuais autônomos utilizam parcelas de terras superiores em extensão às &tas
dediadas à morada e à roça. Glebas contendo mata e capoeira, por exemplo, são
indispensáveis à produção - e, igualmente, à reprodução camponesa - à medida que
fornecem aos produtores insimios tais como lenha, vegetais para alimentação dos
animais domésticos e plantas medicinais, sem contar as áreas para a jmstagem de
algumas ca- de gado e também terrenos postos a descansar depois de
intensamente cultivados. A regra é que estas porções de terreno sejam
coletivamente utilizadas, enquanto as glebas destinadas à moradia e ao plantio
ficam sob o controle direto das Eamilias que as ocupam num determinado momento.
Conclui-se dai que o "sítio camponês" configura-se como um conjunto de espaços
diversificados mas articulados segundo uma lógica que não costuma ser percebida
pelos que o avaliam à luz das categorias próprias à propriedade privada capitalista
da terra.
Tendo permanecido, desde a decadência da mineração, acentuadamente isolado dos
centros urbanos regionais, o povoado de Ivaporunduva assumiu durante longo
tempo as kições de uma comunidade racial e, em alguns aspectos, culturalmente
diferenciada, portadora de uma idéntidade própria (vide o mito fundador da
comuniâade), definida por seus intemtes como um grupo à parte em razão da
singularidade de sua origem e também porque assim era visto nos núcleos urbanos
com os quais mantinha esparsos contatos. Mas em 1%9, concluída a construção da
rodovia Eldoraâo-Iporanga, encerra-se este prolongado período de isolamento de
Ivaporunduva.
Antes que a rodovia fosse construída, o acesso a Ivaporunduva era penoso,
implicando viagens demoradas e arriscadas. Havia tão somente o caminho natural
pelo rio Ribeira: aproximadamente dois dias de viagem em rústicas embarca@es,
partindo-se de Eldorado. Na época das chuvas e das cheias, sobretudo de dezembro
a março, o percurso tomava-se ainda mais perigoso, donde os n u m e m acidentes
e mortes por afogamento. Um morador assim evoca tal época:
naquele tempo não tinha estrada, era só caminho roçado de foice.
Agora é que tem esta estrada boa. Mas era custoso aquele tempo.
Nbutro tempo, quem nao sabia remar tinha de alugar canoa. Saía
daqui e ia para Eldorado; nbutro diafazia sua compra, saía de Ia e
era no outro dia que chegava aqui. Era três dia de viagem. Agora a
gente vai num dia e volta no mesmo dia. M0rn.a muita gente n'água,
dava muito prejuízo. Depois que abriram a estrada, acabou o
mom'mento de gente3.
Assim, enquanto perduraram as limitações de transporte, os moradores de
Ivaporunduva dirigiam-se a Eldorado quase que tão somente por ocasião da Páscoa,
e sempre pelo Ribeira. No período anterior a construção da capela
eram feitos, os oficias divinos, exceptuando os casamentos, na casa
desta "piedosamulher",chamada Joanna Maria;fazia-se isto ahi
devido a uma representação que fez o povo do logar ao figanano
Capitular, com séde em São Paulo, allegando que a longa jornada
até Xiririca fazia-lhes perder muito tempo, e sendo constantes as
enchentes do Ribeira, os desastres eramPeqiientes (Kmg,
1942:274/275).
De escravos a camponeses
Em linhas gerais, pode-se reconstituir as diferentes etapas na trajetória da
comunidade de Ivaporunduva desde o primeiro momento de sua constituição. De
início, a ocupação do local deveu-se a exploração do ouro, com a fixação de
mineradores e seus escravos. Através do rio Ribeira, conduzia-se o metal extraído
das minas até Eldorado e Registro, centros que se encarregavam da distribuição do
produto. Parte dos mantimentos necessários a subsistência dos integrantes do
povoado e da manutenção do empreendimento deveria ser adquirida nestes centros,
produzindo-se o restante na própria área de mineração. No período em apreço-
segunda metade do século XVIII -,não eram tão raros os contatos com os núcleos
acima aludidos, conseqüência da atividade mercantil então dominante.
Com o colapso da mineração os escravos foram alfomados e entregues a própria
sorte, refugiando-se nas práticas de uma economia & subsistência ancorada no
cultivo de pequenas roças - sobretudo arroz, milho e feijão -, suplementando a
atividade agrícola por meio das atividades de pesca, coleta e caça. Apossaram-se de
parcelas de terras livres relativamente próximas ao centro do povoado e isolaram-se
em núcleos familiares que compunham um grupo mais extenso e igualitário graças
aos vínculos de solidariedade e de sociabilidade baseados nas obrigações mútuas
próprias do parentesco, da vizinhança e do compadrio. Construíram, enfim, uma
identidade própria, centrada na origem comum, na cor negra da pele e sobretudo na
devoção a santa padroeira de Ivaporunduva, Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos. E assim permaneceram durante decadas e décadas até meados dos anos de
1950.
No período aqui em consideração, alguns intercâmbios com núcleos mais afastados
restringiam-se às trocas para aquisição de produtos tais como sal, querosene e

Todas as falas de moradores transcritas neste trabalho foram retiradas de Queiroz, 1983
Na década de 1950 os moradores de Ivapomáuva praticamente abandonaram as
roças de subsistência que cultivavam e passaram a extrair palmito das matas
vizinhas. atividade que perdurou até o final da decada de 1%0. É bom lembrar que
a progressiva áevastação florestal do Estado de São Paulo fez com que das vastas
porções de mata restantes no Vale do Ribeira fossem cortadas expressivas
quantidades de palmito por Ma da superexploraçáo da força de trabalho camponesa
local.
A extração do palmito impôs uma maior dispersão demogránca, abandono das
roças e das criações, acarretando também um certo afrouxamento dos mecanismos
tradicionais de entreajuda e sociabilidade5. As condições de vida e trabalho do
cortador & palmito são em gemi muito penosas: ocupaçfh & habitações
transitdrias e precárias, exposi@o constante a intempéries, alimenbçb deficiente,
isolamento, endividamento, etc. Mais do que isso, essa atividade submeteu toda a
comunidade ao controle do compradar do paimito, alem de torná-la
economicamente vulnerável porque dependente de um Único produto.
0 s demais meios & vida, até então praduzidos diretamente pela comunidade - o
que lhe garantia acentuada auto-suficiência - passaram a ser aáquiridos por meio de
trocas monetárias, não sendo raro que um mesmo agente desempenhasse o duplo e
lucrativo papel de comprador de palmito e vendedor de outras mercadorias. Assim,
de lavradores a paimiteiros, os moradores viram-se compelidos a uma troca cada
vez mais desigual e impossibilitados, a partir de então, de retornar à condição
anterior, a & lavraâores, quer pela inexistência âe um "fundo de c o m u 6 ,
perdido com o abandono das roças e das criaçk, quer pela introdução de hábitos,
necessidades e estilo de trabalho até aquele momento desconhecidos no interior do
povoado.
Tristes evocaç&s a respeito da época em que o corte do palmito monopolizava a
comunidade de Ivaporunduva pontuam as falas de moradores mais velhos:
o pessoal daqui trabalhava muito no corte do palmito nesse sertão.
Corta palmito, corta palmito, e esqueceram da lavoura. O palmito
mesmo não dava nada, era coisa muito barata. Era trinta palmrmrtoe
pagavam uma dúzia. Nojim o pessoaljicava só com a canseira e
nadafazia. Palmiteiro C bicho danado, com o perdão da palavra.
Então, esqueceram da lavoura, o mato cresceu e estragou tudo.
Ficaram sem roça.

Mecanismos que openun em práticas sooiais tais como o mutirão, festas religiosas -
sobretudo a da Padroeira -,ritos fúnebres etc.
Meios de consumo necessários a manutenção do trabalhador antes da finairzação da
produção (Marx, 1971:459).
Quilombos em São Paulo

tecidos, bens em geral disponíveis apenas em povoamentos mais adensados4. A


propósito, já foi dito que os homens livres e pobres âas áreas rurais paulistas
dirigiam-se às cidades raramente, e quando o faziam era a procura de sal, religião e
justiça que se deslocavam (Franco, 1969).
E certo que esse isolamento deveu-se também a composição racial da comunidade
de Ivaporunba. Pretos em sua grande maioria, jamais foram esses descendentes
de afiicanos escravizados bem aceitos na região. Vítimas do preconceito de cor e
dos processos de estigmatização e discriminação típicos da sociedade brasileira, os
nossos sujeitos permaneceram segregados ao longo deste tempo todo. Para que se
tenha uma ligeira iâéia das representações premnceituosas com que ainda são
avaliados, transcrevo a seguir a fala de um residente de Elâorado:
as pessoas & Ivaporunduvo são gente simples, alguns até com seis
dedos em cada mão. Eu me lembro, quando ainda eu era criança,
chegava uma canoa lá de cima, a gente procurava saber se vinham
porcos ou se vinham doentes. Antigamente apareciam muitos casos
de lepra. Eles tinham um modo estranho de falar, uma fala meio
cantada. A gente tirava o sarro da turma, gozava. De fato, a gente
notava aquela pronúncia. Dizem que andavam quase nus por lá. A
gente sabia que todos os de lá de cima dificilmente eram brancos. A
maior parte era de cor preta.
Por outro lado, os nossos sujeitos revelam boa percepção dos estigmas que lhes são
atri'buídos, como se poáe verificar pelo depoimento de um dos mais antigos
moradores de Ivaporunduva:
a naçHo daqui é tudo de preto. Quando o branco sai de lá para cá,
ele quer meter o pau na gente aqui que é preto. Aqui nós somos
pretos. Agora, vem o branco de lá, nós queremos respeito!
Fartamente reveladora da percepção acima assinalada, essa faia acentua, ademais
da manifestação de uma identidade contrastiva e racialmente construída, m a
consciência grupai que se evidencia no emprego do temo "nação". A propósito,
Antônio Cândido (1%4) recolheu da saôedoria de um antigo caipira a indicação de
que o bairro rural C uma "naçãozinha". E, apesar de todos os obstáculos, a "nação"
dos pretos de Ivaporunduva vem persistindo pelo menos desde meados do século
XVIII.

Para que se tenha idéia da rusticidade decorrente deste isolamento, ainda em 1%9 as
mulheres cortavam a foice os tecidos utilizados na confqão de roupas, pois não dispunham
de tesouras, segundo nos informou em 1979 a esposa do então agente educacional-
comunitário residente em Ivaponinduva.
Quilombos em São Paulo

O agente educacional que chuante vários anos prestou relevantes serviços para a
comunidade assim defíniu a atividade dos palrniteiros:
o palmito estraga qualquer região. m a g a os moradores e talvez
facilite para os donos defábrica. O que aconteceu aqui quando eu
cheguei é que eles cortavam dez dúzias de palm.to e recebiam por
duas ou três. Eles pegavam um pacote de palmito e era um. Este
interneatário que compa palmito põe também uma chiboguina e o
que vai lá no mato cortar palmito, quando vai acertar as contas,já
está devendo outra vez. Entdo, o quefaz? Comprapinga e leva pro
mato. A tuberculose aqui é acentuada porque é conseqü@nciaainda
do tempo do palmito, falta de al~mentaçãoadequada e serviço
intenso, com sol e chuva. N&otinha o que comer, eles tomavam
pinga.
O trabalho assaianado
O final da & a i a de 1%0 leva até Ivaporunciuva a estrada de rodagem e com ela
também novos costumes, hábitos, necessidades, mercaãorias, apropriação privada e
cercarnento & terras e, soòretuúo, um tipo de relação de trabalho até então esbanho
ao grupo: o dariamento. Fragilizados pelo engajamento no corte do palmito,
deqmvidos & fundos de consumo, os nossos sujeitos, tendo pela frente a redução
& disponibilidade de terras e a progmsiva dependência face às trocas monetizadas
para o provimento & necessidadeç ampiiadas, viraxn-se coagidos a vender a sua
força de trabalho aos fãzendeiros da região.
Muitos chefes de Ebmilia, deixando mulheres e fiihos no bairro, partiram à procura
de trabalho nas fazendas,onde pemamciam às vezes por vátias semanas. Quando
retomavam, traziam ine@vas quantias em dinheiro e escsssas mercadorias. Na
condição de "diaristas", jamais viram respeitaâos os seus direitos trabalhistas. De
outro lado, permaneciam sedentárias as mulheres, labutando nas roças, contando às
vezes com uma fbrça & trabalho masculina sempre eventual e suplementar.
Por sua vez, moças e rapazes solteiros jxwaram, a migrar à procura de
oportunidades de trabalho nos centros urbanos. As primeiras ofereciam-se
ocupações suboùtemas, em geral empregos domésticos, e aos segundos nada além de
algumas colacapões nuais ou urbanas igualmente mal remuneradas.
C o w o período no qual a comunidade com@-se de grupos familiares
auto-sufícientes com essa fase mais mente, caracterizada pelo assalariamento, um
velho morador assim se expressou:
é certo que não c0rn.a dinheiro, mas a pessoa plantava e comia do
seu, do bom. Eu tenho 74 anos [em 19791, nunca tive recurso, mas
também nunca me entreguei emfazenda nenhuma. isso é como a
escravatura que está voltando de novo.
A transição para o trabalho d a r i a d o , assim como já ocorrera com a introdu$lo
do corte de palmito, acentuou a c & s o ~ dao comunidade de Ivaporunduva
empobrecendo as famílias, roubando braços às lavouras de subsistência.
subvertendo costumes e amtxqando sobremaneira as suas práticas tradicionais de
solidariedade. Tudo isso compunha um quacb.o ameaçador, colocando em risco a
própria reprodução da comuniâaâe enquanto um grupo camponês cujas terras, tidas
-
como sagradas as "terras da santa" -,vinham sendo progressivamente grilaâas.
Conclusões
Uma ação ordinária declaratbria foi recentemente proposta, perante a 2" Vara da
Justiça Federal, contra a União Federal, a Fazenda do Estado e a "Alagoinha"
Empreendimentos S/& solicitando o reconhecimento de Ivaporundwa como uma
comunidade descendente de quilombo. Ademais, os seus advogados pleiteiam que a
União se veja oôrigada a demarcar as terras que a comunidade vem ocupando pelo
menos desâe meados do sécuio XWI, bem como a emitir-lhe um titulo dorniniai.
Como já foi visto, essas reivindiczqões da comunida& de Ivaporunduva baseiam-se
em sólidas evidências históricas, antropo16gicas e até mesmo arqueológicas, e por
isso encontram total amparo nas disposições constitucionais da Carta ~agna'.
Senão, vejamos.
Antes de mais nada, é preciso mencionar os critérios recentemente estabelecidos
para a definição das "comuniáades quilombolas": não são elas apenas as
constituidas de remanescentes de escravos fugidos, mas toda comunidade negra
rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e
onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o jmssado8. Sendo assim,
devem ser feitas as seguintes considerações:
Em primeiro lugar, fontes escritas (Kmg e Schmidt) e a própria tradição oral dos
moradores mostram que a comunidade de Ivaporunduva originou-se & um grupo
de escravos que para lá foram compulsoriamente mn&eridos na condição & m3o
de obra cativa destinada a mineração do ouro.
Em segundo, a capela existente em Ivaporunduva (tombada pelo CONDEPHAAT)
data, segwido q$tros escritos, & 1791, e tudo indica ter sido construída pelos
próprios cativos, configurando pois, a um só tempo, uma evidência de ocupação
bastante antiga da área e um patrimônio da comunidade.

' Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal e o artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transit6rias conferem o direito de propriedade aos remauescentes das
comunidadesde qwiombos. Para uma melhor compreensão deste assunto, vea neste mesmo
l i m o excelente Relat6rio Final do Grupo de Trabalho criado pelo Decreto no 40.723 de
21/03/1996.
D e f ~ ç ã oadotada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em 1994.
Quilornbos em São Paulo

Em terceiro, convém observar que os bcenáentes dos escravos lá nxados jamais


deixaram as giebas em que se estabeleceram, fazendo delas uso continuo e coletivo,
ao longo de diversas geraçib, para a obtenção de seus meios de vida.
Em quarto, é importante assinalar que esses re-tes de escravos construíram
uma autêntica comunidade, ou seja, um grupo aut6nomo e auto-suíiciente de
unidades familiares articuladas graças aos vínculos de parentesco, compaário e
vizinhança.
Em quinto, vale lembrar que esse grupo vê-se a si mesmo e também é visto como
um grupo diferenciado, portador de uma identidade pr6pria com base em elementos
raciais, culturais e históricos.
Em sexto, não convém esquecer que o grupo elaborou um mito de origem para
explicar a sua constituição singuiar - enquanto grupo social diferenciado - e para
dar conta de sua persistência ao longo do tempo.
Em sétimo, convém suóiinhar que as terras são tidas como propriedade da
comunidade, da "santa", muito embora sejam utilizadas pelos grupos familiares à
medida das suas necessidades. Isso configura um padr%o bastante pecuiiar de
apropriação do patrimônio temtorial, a assim chamada "apropri@o comunal".
Por fim, é preciso enfatjzar que a comunidade de Ivapo- tem sido
estigmatizada, avaliada por meio de apreciações preconceituosas, segrega& e
vitimada por graves injustiças, tais como apro- indsSbta de suas terras e
supererrpioraçãoda força & trabalho & seus integrantes. Passadas tantas décadas,
nada mais justo, portanto, que essa comunidade quilombola possa obter, na forma
da lei, as áeviclas nqm@es e o pleno mmnhecintento de seus direitos.

Renato da Siiva Queiroz 6 p r o f m do Depriamento de Antropologia da Universidade de


São Paulo.
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Quiiombos em SõoPaulo

Parte I11
Quilomhos em São Paulo

Comunidade I\~aporunduva-Andara B. Automare, Itesp, junho197

119
Quilombos:
Repertório Bibliográfico
de uma Questão Redefinida
(1995- 1996)

"...os quilombos, tomados como objeto


de reflexão, tendem a constituir hoje
uma temática específia com um corpo
de conceitos, de noções operacionais e
de aplicap%s próprias,
configurando um campo de pesquisas
rehtivarnente autônomo... "

Alfkedo Wagner Bemo de Almeida


Quiiomòos em São Paulo

Quilombos: Repertório Bibliográfico


de uma Questtio Redehida (1 995- 1996)'

A realização deste levantamento bibliográfico, enfocando os títulos publicados no


decorrer de 1995 e 19%, direta ou indiretamente referidos aos quilombos, tal como
desipacb hoje, teve por finalidade precípua atualizar referências bibliográúcas de
trabalhos que produzi, anteriormente, em 1988 e 1994. Não foi pensado como um
"balanço", uma resenha ou uma revisão crítica da literatura concernente ao tema.
Seus propósitos mais circunscreveram à enumeração de títulos, às propriedades de
posição dos autores e das agências a que estão referidos e às suas reiações com o
campo político. Aliás, o período selecionado é arbitrário e se atém As necessidades
próprias ao desdobramento de projetos de pesquisa em curso.
Tal iniciativa ocorre no momento em que se consolidam vastos planos de relações
sociais que têm na construção do dado étnico um elemento central para interlocução
com instâncias de poder e com diferentes circuitos de mercado. Embora, tal
consolidação se constitua numa premissa que orienta o presente levantamento, não
há consenso quanto a ela.
Para alguns sociólogos e economistas, estaria crescendo a importância da
identidade étnica, como fonte de ação política e de decisões econômicas,
acentuando elementos contrastantes e conflitivos face às medidas de inspiração neo-
liberal. Para outros, entretanto, o advento & globalização e das medidas de
mercado aberto, ao contrário, diminuiria essa importância, bem como aquela da
identidade nacional ao favorecer a formação de blocos econômicos e estabelecer
medidas com pretendi0 homogeneizaáora, que idealmente diluiriam as diferenças

' Artigo elaborado em fevereiro de 1997.


através do prindpio do consumidor pleno. A aceita@o da assertiva inicial recoloca
este levantamento sobre os quilombos num campo temático polêmico e bastante
redefínido. '
Em consonância com a premissa e a partir tamóém de realidades empiricamente
ObseNáveis pode-se adiantar que, mais do que antes, o dado étnico conjuga-se e,
por vezes, se sobrepõe a condição camponesa nos pleitos e reivindicaçks,
constituindo-se, a nosso ver, juntamente com os critérios relativos à consciência
ecológica e aos vínculos locais profundos, numa das características elementares do
que tem sido designado por Hobshwn e Blacktwun como "novos movimentos
sociais". Emana dessas práticas um elenco de questões essenciais à reprodução de
diferentes segmentos camponeses, recolocando em pauta, como tema obrigatório da
agenda do campo de poder, não apenas a garantia de livre acesso aos recursos
naturais úásicos, mas sobretudo o reconhecimento formal de suas identidades
coletivas, de seus territórios efetivamente ocupados e das normas consuetudinárias e
atos cotidianos que disciplinam o uso comum da terra e o manejo dos demais
recursos.
Sob este aspecto os quilombos, tomados como objeto de reflexão, tendem a
constituir hoje uma temática específica com um corpo de conceitos, de noções
operacionais e de aplicações próprias, configurando um campo de pesquisas
relativamente autônomo, que não se subordina exatamente aos contornos da questão
racial, tal como constituída desde as interpreta@.& de Nina Rodrigues e de Arthur
Ramos. Para além de um tema histórico, o quilomb consiste num instrumento
através do qual se organiza a expressão político-representativa necessária a
constituição, ao reconhecimento e A fixação de diferenças intrínsecas a uma etnia.
Por intermédio da categoria quilombo, ressemantizada tanto política quanto
juridicamente, tem-se, pois, um nwo capítulo de anrmaç%o étnica e de mobilização
política de segmentos camponeses, que se derem particularmente às chamadas
comunidades negras nuais dou terras de preto. O conceito de etnia, aqui, não é
definido por critérios naturais de nascimento, tribo e religião, antes é construído a
partir de conflitos sociais. A anrmaç%o étnica em jogo não se atém necessariamente
a critérios mais óbvios ditados por rituais religiosos, por elementos lingüísticas, por
características raciais (estatura, formas corpóreas, cor da pele, cor dos olhos, cor
dos mamiios, espessura dos fios de cabelo) ou ainda por itens de cultura material
(arquitehm das casas, planta física do pavoado, formato dos instrumentos de
trabalho, tipos de peças de vestuário, de ornamentos - brincos, colares, corte de
cabelo - e & cerâmicas).

Para outras infomações a respeito desia polêmica consulte a seguinte coletânea:


Wilemsen, E. N. and McAllister, P. (Eds) - 19%. "The Politics of Difference" - Ethnic
Prsnises in a worid of pwer. The University of Chicago Press.
Quilombos em Sdo Paulo

Tais procedimentos classificatórios, que Qirante longo período na história das


ciências. foram tidos como objetivos, são interpretados, agora, como modalidades
de representação eivadas de noções estigmatizantes, cuja eficácia como instrumento
explicativo mostra-se limitada. A emergência do dado étnico aparece atrelada a
consolidação de uma identidade coletiva fundada, tanto numa autodefínição
consensual, quanto em práticas político-organizativas, em sistemas produtivos
intrínsecos (unidade de trabaího M a r , critérios ecológicos) e em símbolos
pr6prios que podem inclusive evocar uma an-idade legítima, mas que
marcam, sobretudo, uma política de diferentes face a outros grupos e uma relação
conflitiva com as estruturas de poder do Estado.
Se a referência a quilombos denota, por um lado, uma certa particularidade de
categoria datada, referida a uma situação histórica específica, ou seja, retomada no
caso brasileiro desde a Constituição de outubro de 1988, por outro, a abmngência
da identidade étnica é mais genérica e transnacional e se confronta com o próprio
advento de uma globaiização com pretensões homogeneizadoras.
No que concerne ao dispositivo constitucional, mais exatamente o artigo 68 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, o pano de fundo & referência
implicaria em como resolver juridicamente os problemas, dentre eles o agrário, dos
segmentos sociais que estiveram submetidos a escraviâão formai em passacio
recente. Em outras palavras, como assegurar aos descendentes de escravos a
condição de cidadãos com plenos direitos, iguais aos demais. A engenharia jurídica
ao instituciooalizar a expressão remanescentes das comuni& de quiíombos
evidencia a tentativa de reconhecimento formal de uma t r a n s f o ~ osocial
considerada como incompleta. A institucionaiização incide sobre resíduos e
sobrevivências, revelando as distorções sociais de um processo de abolição da
escravatura limitado, parcial.
Historicamente, no que se convencionou designar como Américas, com o processo
de abolição da escravatura constituíram-se diferentes situações de camjssinato. No
Haiti e outras regiões do Caribe, o declínio & plantation canavieira propiciou, num
primeiro momento, a f0rmaç%o de um proto-campeshto escravo, consoante os
estudos de Mhtz e ~ o l fe,posteriormente
~ uma autonomia econômica e política. A
guerra de liberbção dos escravos no Haiti mescla-se com o advento de uma
identidade nacional. Nos Estados Unidos, por sua vez, howe sobretudo a
consolidação dos chamados blackfarmers4 e de um campesinato parcelar, após

Cf. Mintz, S. W. - 'Fmm plantation to peasantries in the C a r i b W . h: Caribòeun


Contours. Edited by S. W. Mintz and Sally Price. The Johns Hopkins Press. 1985 pp. 127-
153
Nos Estaâos Unidos, por exemplo, não há uma discussão sobre a "'atualidade dos
quiiombos". O fator étnico aparece conjugado com uma discussão sobre o campesinato
parcelar, d e s i m um tipo m c u i a r defam. Hb uma vasta literatura que enfim o tema
dos black fanners e as suas i r a n s f i i õ e s desde íinais do sécuio XIX, passando pela
cerca de 200 mil escravos terem participado como combatentes nas forças militares
durante a Guerra de Secessão. No Suriname, a partir de fugas massivas de escravos,
constituíramse territórios de definição étnica reconhecidos inclusive pelas
autoridades colonialistas, através de pactos, tratados de paz e acordos de não-
beligerância.
Tais documentos eram firma& nos moldes de acordos estabelecidos com nações
indígenas, reconhecendo formalmente a territoriaiidade. Seus resultados se mantém
hoje pelo controle efetivo dos territórios. No Brasil, entretanto, não houve qualquer
reconhecimento jurídico-fod de terras de ex+saavos que sucedesse
imediatamente a Abolição datada de 1888. Nas fazendas abandonadas e desativadas
mesmo antes da Abolição, com a queda abrupta dos preços do algodilo e da cana-
&-açúcar no mercado mundial, bem como nos imóveis rurais doados, adquiridos,
ocupados e mesmo nas áreas correspondentes a situações cíassificaáas, pela
documentação dos períodos colonial e imperial, como quilomóo, permanece um
vasto segmento de camponem designados como posseiros, foreiros e arrendatátios
sem ter legalizada sua condiçãoS.

chamada 'Grade Depressão" e pelos experimentos de reforma agrária ou programa de


reassentamento do New Deal @anks,1986; Bealq1976; Brown,1979; Graeber,l978;
Hickey, 1987; Holley,1972; Mn,1985; Munoz,1984; Zabawa,1990). Para maiores
esclarecimentosummite:
Salamon, L. M. "The time dimension in policy evaluation: The case of the New Deal Land -
Reform Experiments."Public Polia vol. 27 (2) J. W. & Sons, Inc. 1979. pp. 130-183.
-
Schulman, M. D. & Newman, B. A "The persistente of the Black Farmer: the
contemporas, relevante of the Lenin - Chayanov debate" in: Rum1 Socidqgy 56 (2). Rurai
Sociological society. 1991. pp. 264-283.
Observa-se que a precariedade da titulação dos im6veis rurais é atestada pelos notáveis do
Impéno, deixando margem para dúvidas sobre os limites legais das propriedades. John
Schulz, em livro também lançado em 1996, pela Edusp (Instituto Femand Braudel),
intitulado A crisefinanceim da Aboliçdo, chama a atenção para o seguinte:
"As hipotecas sobm a tenn afigumvmn-se impmtiaiveis por diversas rozõer. Nas
(iraas defiUnteim, a term não tinha mmado e mpresentava pequeno custo pam o
agricultor. Sua principal despera para adquirir sua planta@ emm os salários dos
capangas que ele empregava pam expulsar a posseim que ertmwn tnvoh,ida na
agngncultum de subsistência.* Mesmo nas regiões da antiga colonização, o título
sobre a term permanecia vago. tornando a erecução das hipotecasproblem&tica"**
*Ver,por ex., Dean, Rio Claro
**O primeiro-ministro Ouro Preto descobriu como eram precários os
títulos de terra em 1889, quando tentõu conceáer hipotecas mpidamente,
a fim de acalmar os ex-propiietanos de escravos. Na in* a
A1~~1'liosa Lavoum (Rio de Janeiro, 1889), o manual para emprksbo
rural, Ouro Preto reconhece as dificuldades de comprovar as escrituras.
(Schulz;19%:50)
Quiiombos em São Paulo

Pode-se falar num campesinatopós-plantation relativamente consolidado e iivre, a


partir & desagregação daquelas mencionadas fazendas,mas a jas áreas de moradia
e cultivo habituais não são. contuâo, regularizadas fundiariamente. De modo igual
permanecem inúmeros mecanismos de imobilizaçâio da força de trabalho que
obstniem o acesso aos meios de produç%o. O artigo 68 do ADCT em termos literais,
parece um instrumento parcial e )imitado para superar essas dificuldades. Além
disso, tanto nessas regiões de colonização antiga, quanto naquelas de ocupação
recente, sobretudo na Amazônia, prevalecem práticas de uso comum dos recusas
básicos, coextensivas às designações de quilombos dou terras de preto, n%o
necasariamente contempiaáas nos dispositivos legais. De certo modo, perdura uma
dupia marginaüdade jurídica, que aôrange o acesso à terra e as hrmas de uso,
aparentemente indesejada no ideal dos constituintes legisladores.
Não obstante, verifica-se que as práticas pmmwcionistas e a relação equilibrada
com a nahueza, antes de serem elementos do passado, que &solvem estas sihiagões
sociais, denominadas quiiombos, no arbitrário de c l d @ como primitivo e
economia natural, projetam-nas, em verdade, como uma expressão do futuro,
compreendendo, juntamente com as demais temas de uso comum, reservas
essenciais para desenvolvimento das pesquisas volta& para o estudo de bancos
genéticos. Na mencionada nwghaüdadejurídica, taivez possam ser exmntmám os
elementos que atualizam os novos -0s & própria ciência do direito.
O uso difuso da categoria quilombo, ressemantizaâa e tornada fator de mobilizaç%o
política, se reveste hoje de um signincaóo de anrmação étnica, que transcende,
entretanto, A idéia jurídica de repan> de injustiças históricas. Insmvem-se neste
processo as práticas e ações sociais que visam garantir a terra qresentada luto
sensu como conjunto das recursos naturais consi&xaòos -eis ao grupo.
Neste sentido é que quilombo se toma, mais que objeto de reflexão, um tema
obn~rio&ordemdodiadocampodepoder,aomesmotempoqueconstituium
critério político - oqpnkttivo para os movimentos que começam a se estruhuar em
t o m de entiáades locais de repmentação - as chamadas amchçks de moradores
e associações de r e m t e s de quilomlm, ambas organizadas por pcwoados - e
de articulações mais amplas que pretendem a delegaçb em termos nacionais.

A indefinição da âomhiaüdade m a , portanto, os grandes domínios tenitoriais,


evidenciando as distorições da intezpretqib de Thomas E. Skidmore em %o no Bmnco,
quando classifica de grileim os exesaavos:
"Os reflexos desas- - e imediata - da AbdiçBo pIãCemnr dar d o cf
pradiçiro dos escmocmtos empedemidos de que ela hona &do social.
Miiharar de escmvos hP toním, alnmdonamm as fd e nierguiharum como
gngnIeims numa agngncultum de subsistência onde quer que pudemena mcontmr
terms, muito snbom nnunnutosJicassem logo unsiosospam juntor-se de novo a nmssa
t m h ü d o m rum1 e j m a m m m seus mrtrgos senhom. " (Skidmmq1976:63).
Ao se concretizar a dimensão local em nível dos povoados, impom explicitar que
eles não são pensados geografícamente ou segundo divisões administrativas. mas
estrumados consoante distintos pianos sociais que evidenciam a capacidade
mobilizatória e o potencial & conflito. A dimensão histórica e arqueológica dos
quilombos cede lugar a essa atualidade da mobilizaç%opiítica. As chamadas terras
de preto e/w comunidades negras rurais, terras de quilombo, não podem ser
reduzidas, pois, a sítios arqueo16gicos ou a categorias documentais vinculadas ao
arcaôouçojurídico do colonialismo.
O fator étnico ganha relevância a partir da mobilização política. A
representatividade diferenciada, instituída segundo particularidades locais, que
configuram cada situação designada como comunidade negra rurai, parece
autorizar, &mais, a formação de entiãades repmentativas mais amplas e de
alcance nacional, mas com raizes locais profundas. A identidade 6tnica e a
identidade nacionai, co-iadas numa entidade de articulação, não se opõem
e antes se fortalecem mutuamente, tal como no Haiti, poder-se-ia dizer a primeira
vista, mas diferentemente & fato, pis que ocorre agora numa conjuntura de
mercado aberto que relativiza o princípio da nacionalidaâe, debilitando o Estado-
naç%o.
A medida que se multiplicam e se diferenciam os critérios plítico-organizativos,
que levam a mobiliza@o política, maior força de imposição parecem reunir face ao
campo de poder os temas e questões pertinentes aos quilombos. A relevância do
tema âeriva daquelas mobilizações e de situações de conflito localizadas que, no
momento atual, constituem uma força social convergindo para entidades de maior
abrangência.
A r e w o dessas mobibações, objetivadas em movimentos, com os aparatos de
Estado passa a ser mediatizada, portanto, por agj2ncias que vão se constituindo
regionalmente segundo critérios de representatividade diferenciada,6 alcançando, a
seguir, uma e x p d o que recupera a dimensão política do nacional.
Assim, a partir do I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais, realizado
em Brasília (DF), no período de 17 a 19 de novembro de 1995, e consecutivamente
da I e da I1 R e W da Comissão Nacional das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas, realizadas respectivamente em Bom Jesus da Lapa (BA), nos dias 11
e 12 de maio de 1%6, e em São Luís (MA), nos dias 17 e 18 de agosto de 1996, foi
constituída a Comissão Nacional Provisória de Articulação das Comunidades
Rurais Quilombolas - Cnacnrq. Esta comissão ficou composta, na reunião de agosto
de 1996, de oito integrantes, sendo sete deles representantes de associaç& locais
(Conceição das Crioulas - PE,Siiêncio do Matá, Rio das Rãs - BA, Kalungas - GO,

Para um aprofiuidamento do conceito de unidade de mobilização e das formas de


representatividade diferenciada consulte: h e i d a , A. W. B. - Quebmdeims de Coco
Bnbaçu; identidade e mobilizaçso. %o Luís. MICQB. 1995 pp.11-50
Quilombos em Sdo Paub

Mimôó - PI, Fumas do Dionísio e da Boa Sorte - MS) e uma entidade de


representação regional a ~oor&naçãoEstadual dos Quilomóos do Maranhão. Foi
fixado também um procedimento de consulta a outras entidades com respeito ao
encaminhamento dos pleitos aos órgãos oficiais.
Em deco*ia dessas atM&des, essa mencionada comissão realizou em João
Pessoa (PB),entre 30 de janeiro e 02 de fevereiro de 1997, o I Seminário das
Comuni&& Negras Rurais Quilomóolas & Regi30 Norãeste. O oôjetivo foi
proceder um balanço & situação fundiária atual das áreas remanescentes de
quilombos no Nordeste, definindo articuiações e ações conjuntas com as entidades
negras urbanas, no sentido de intensificar as reivindicaçües para sua titulação
definitiva.
Esta modalidade de interloa@o com as hdncias de poder refíete a @ria
r
t
a m w
i dos processos instituída a partir dos pleitos. A tramitaçáo é vária, mas
todo pleito converge para os centros de poder em nível nacional. Nas estrumas de
poder regional os obstáculos sugerem maiores difícuiâades e de Mcil transpsiiç%o.
Está-se diante, portanto, de diversas formas de reconhecimento jurídico-formal dos
quilomóos seja como reserva extrativa, no âmbito do Raama: caso Frechal (9.542
ha) em maio de 1992; seja como área titulada pelo Incra: caso Boa Vista, PA (1.100
ha) em 1995, Água Fria, PA (557 ha), Pacoval, PA (7.472 ha) em 19%; seja como
área identificada pelo Ministério da Cultura: caso de Rio das Rãs, BA (27.000 ha).
Foram reconhecidas plenamente, nestes oito anos, pouquíssimas situaç&s, que
totalizam menos de 46.000 hectares. Há algumas outras áreas cujos processos estão
tramitando na Procuradoa Geral & República ou em vias de reconhecimento
efetuado por órgãos fbdkkios estaduais, sem que as terras tenham sido
efetivamente regularizadas (Kalunga, W, Jamari dos Pretos,MA; Mocambo, PE).
Inexiste, entretanto, uma política regular de reconhecimento massivo destas áreas
conforme as disposições constitucionais. O próprio Presidente da República em
carta-resposta à Cnacnrq, datada de 18 de outubro de 1996, menciona os diversos
órgãos piblicos voltados para o problema, sem qualquer referência a meanismos
regulares de resolução e a prazos a serem observados. Afirma tão-somente que o
governo estaria acompanhando a questão através do Ministério da Justiça, por meio
da Secretaria dos Direitos de Cidadania, do Ministério da Cultura, por intermédio
da Fundaç%o Cultural Paimares, e do Ministério de Políticas Fundiárias, com o
Incra. Esse, através da Portaria P N N 307 de 22 de novembro de 1995, suscita a
definição de procedimentos a serem seguidos na tramit* dos procesos de
reconhecimento das terras ocupadas por remanescentes de quilombos.
A tramitação ate o momento é, portanto, múltipla e tem sido ditada pelas
c i e i a s espedfícas de cada situação de conflito e pelo capital de relagões
sociais dos movimentos quilombolas, ora acumulado no Incra, ora no CNPT
(Ibama), ora na Fundação Cultural Palmares, ora em ó@os fundiários estaduais,
não havendo uma sistemática, isto é, um conjunto de procedimentos legais
definidos com exatidão.
A Fundação Culturai Palmares, em meados de 19%, instituiu um grupo de trabalho
com fínalidade de elaborar documento disciplinando os grocedimentos regulares e
definindo uma sistemática de tramitação dos processos com vista à agilização &
titulação definitiva. Em novembro de 1996, o Grupo de Trabalho autorizou
pesquisas no sentido de completar infonnaçiks sobre algumas áreas já identifímias
nos Estados do Maranhão, Fkrnarnbuco e Bahia. Tais pesquisas foram autorizadas
atnivés do Convênio E-132, firmado com o Centro de Estudos sobre Território e
I'opui- Tradicionais, e coordenadaspela antropóloga Eliane O'Dwyer.
No contexto do Legislativo, os esforços, no sentido de uma regulamentação do
artigo 68, esbarram nos obstáculos jurídico-formais dispostos ao Projeto de Lei
627195 da Câmara dos Deputados (cieputado Alcides Modesto e outros), ao Projeto
de Lei 129195 do Senado Federal (senadora Benedita da Silva, em 27/04/95) e a
Portaria NO 25, de 15 de agosto de 1995, da Fundação Culturai Palmares, e atém-se
aos debates travados em torno da maior eficácia de um ou outro dispositivo legal
proposto. Tais debates tem se ampliado, reforçando o reconhecimento da ação
mediadora e sua própria expmsiio.
Nos dias 26 e 27 de setembro de 1995, no auditório do anexo IV da Câmara dos
Deputacios, ocorreu o Seminário Remanescentes de Quilomóos. Foi uma promoção
da Câmara dos Deputados e mais particularmente das Comissúes de Agricultura e
Política Rural,Meio Ambiente, Minorias, Direitos Humanos e Educação e Cultura
juntamente com a Fundação Culturai Palmares. Os parlamentares, de diferentes
agremiações partidánas, promoveram um debate em torno dos projetos de lei com
participação de representantes de inúmeras comunidades negras rurais, tais como:
Rio das Rãs, BA; Rio Trombetas, PA; Kalunga, GO; Vale do Ribeira, SP;
Mocambo, SE e Frechal, MA.
A despeito dos entraves a tramitação destes projetos de lei tem-se algumas medidas
operacionais, adota&s regionalmente, como o Decreto Esíaáuai no 40.723, de 21 de
marp de 1996, assinado pelo goveniador do Estado de S o Paulo, que institui junto
a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, um grupo de trabalho objetivando
"dar plena aplicabilidade aos dispositivos constitucionais que conferem o direito
de propriedade aos remanescentes de quilombos".
Está-sediante de agências de intervenção, que delimitam um domínio de novos
procedimentos técnicocientíficos que deságuam nos chamados laudo, parecer e
perícia (antropológicos, jurídicos, históricos, agronômicos), ou seja, gêneros de
conhecimentos aplicáveis destinados a atender aos quesitos formais dos processos
jurídico-administrativos. Tem-se, nos dedobramentos destas práticas, não apenas
um tempo de novas competências, mas também de novas produções intelectuais e
cientüicas e de reedições com textos revistos, aumentados e mlocados em debate,
con€íguranáo rearranjos num campo temático pr6prio.
A produção desses conhecinientos aparece atrelada a capacidade reivindicatória dos
grupos sociais e sua divulgação concerne a circuitos próprios envolvendo o meio
acadêmico. a militância do movimento negro. a disposição voluntária de entidades
da sociedade civil e segmentos da burocracia estatal. Os diferentes públicos. embora
restritos. parecem tender a uma ampliação não só pelo elevado número de
publicações e reedições no decorrer de 1995-1996. mas sobretudo pelo fato das
editoras responsáveis não se limitarem mais a imprensa oficial (Fundação Cultural
Palmares. Arquivo Nacional). a imprensa universitária e aquela das disciplinas
militantes. O tema parece ter sido adotado pelo campo da indústria cultural,
registrando-se, inclusive. dois lançamentos de títulos num mesmo mês por uma
Única editora (Cia. das Letras).
Foram levantados 45 títulos. datados de 1995 e 1996. entre livros. teses,
monografias. artigos em revistas especializadas, comunicações em eventos
científicos e artigos na imprensa periódica. O total de livros corresponde a 17
títulos. Destaque-se que, dentre esses. 10 consistem em coletâneas, das quais duas
publicadas no exterior, sendo uma em 1994, mas que circulou aqui em evento
científico de 19% a partir da conferència pronunciada por seu autor e a outra que
se trata de uma reedição de 1996 e contem uma parte específica enfocando o Brasil.
composta por três artigos. Outros dois l i m são trabalhos elaborados em conjunto
por pelo menos dois cientistas sociais. Prevalecem, pois. obras coletivas consoante
duas modalidades:
diferentes autores escrevendo sobre uma mesma situação social e produzindo
e t n ~ g ~ alaudos,
s, perícias e demais peças integrantes de processos jurídico-
administrativos para reconhecimento das chamadas áreas remanescentes de
quilombos;
diferentes autores, de uma mesma ou de distintas formações acadêmicas,
analisando situações sociais diversas.
Sublinhe-se que apenas cinco livros são de autoria individual, sendo que um deles
trata-se de uma reedição de trabalhos de pesquisa do início da &da de 1950-
1 x 0 . Considere-se ainda. em nível de pós-graduação, duas teses de doutorado,
duas dissertações de mestrado e uma monografia final do curso de especialização.
Os demais títulos referem-se a artigos para um público amplo e difuso. bem como
comunicações em congressos e publicações científicas.
Em termos de síntese pode-se asseverar que no ano de 1996 constata-se inúmeras
reedições e novos títulos dentro da mesma problemática dos quilombos. mas
marcados também pela força que envolve as noções ambientalistas e aquelas de
conflitos sociais e de direitos humanos. Paradoxalmente, a reafirmação étnica
estaria encontrando terreno propício para florescer numa conjuntura, designada
pelo procaso de globalização. que, enfatizando o macromercados, busca diminuir a
importância da identidade nacional e do próprio dado dtnico. Ela floresce, portanto,
numa situa@o de conflito aberto e com repercussões de amplitude transnacional.
Reatuaíizam-se os temas correlatos às &nominadas comunida&s negras nuais a
pariir da Wmificação & debates internacionais. Richard Price reedita em 19%
Maroon Societies - Rebel Slave Communities in the Amencas com um novo
+o, contendo mais & uma centena e meia & referências bibliográficas, além
de Ulfonnações atualizadas sobre o Brasil, a Jamaica, os Estados Unidos, as
Guianas e o Suriname. Pnce publica também um artigo no Brasil, integrando
coletânea organizada por Reis e Gomes, intituiado Palmares como poderia ter sido.
Por outro M o , ganham relevância internacional os fatos & 1995 concernentes a
violências praticadas contra "Maroon pqmlations'' pelo governo do suriname7e ao
papel da Intaamrican Court of Human Rights aceitam% denúncias & violações
perpetradas contra povos indígenas, camponeses e os denominados q~ilombolas.~ A
tragicidade extrema dos conflitos aparece refletida na classificação desses atos de
violência como etnocídio.
Confígura-se um domínio & conhecimentos cientfficos especificas com um copioso
elenco & interpretagões alusivas aos quilombos, não tanto mais & natureza
historiogránca e arqueológica, mas buscando dar conta destas situações sociais hoje
ma&kstas em maldiz- políticas. Ao mesmo tempo constata-se que
instrumentos metdo16giicos antes acionaâos para compreensão destas situações
sociais enfocadas tem sido alterados, tanto por uma crítica à noção usual & raça,
quanto por uma reconceituaçáo & campesioab. Os critérios politic~organkativos,
que asseguram as m o b i í i i e co- identida&s coletivas e novos
símbolos, são apontacios como &screvenQ outras possibiliâades & utilização do
conceito & etnia.
Esta dupia passagem explicita o quanto tal questão está se constituindo em objeto
& disputa entre diferentes domínios do saber. Ademais, são várias as acepFões de
qdomóo em jogo, muitas delas conflitantes entre si e cíassiiicando outras de
anacrônicas e preconcebidas. Deste modo C que se pode entender, a dispers%o &
competências, não dstante a quantidade & puMicaçks registradas
Tais puôlicações correspondem a uma diversidade & g b x o s e envolvem diferentes
formações acadêmicas (historiadores, arqueólogos, juristas, antropólogos,
agrônomos, gebgrafos e cartógrafbs) e critérios vários & competência e saber. Mais

No que diz respeito ao Sinlname leia:


Paddha, D. J. - "Reparations in Aloeboetoe V. Swiname" in: H m u n Rights Qwterly. Vol.
17 (3). 1995. pp. 541-555
Pnce, R - "ExecutingEthnicity: The Kiílings in S h e " i - :Culbunl Anthmplogy vol.
10 (4). 1995 pp. 437-471
Cf. Davis, S. H. - "Camwnts on papa by Jorge Danâier on Indigaious Peoples and the
Rule of Law in Latin America: do they have a chance?" in Academic Workshop on the rule
of law and the d e r privileged in Lutin America. Kellog Jnstitute for Internationa1Studies.
University of Notre Dame. November 9-11. 19%.
Quiiombos em M o Paulo

da metade dos títulos arrolados foram produzidos por antropólogos, prevalecendo


instrumentos de pesquisa etnográfica, com observagões diretas e investigações in
loco capazes de resgatar a representaçiio dos próprios atores sociais sobre suas
condiçk reais & existencia e sobre seus temtórios efetivos, bem como suas
práticas cotidianas. Eles são secundadospelos historiadores, juristas e arquehlogos.
que afírmam seus pmsupostos tdricos no tratamento de um tema, até então, de sua
alçada exclusiva. Partilham desta posição os agrônomos e cartógrafos, que mais
recentemente tem sido acionados para elaborar peças dos processos de
reconhecimento dos quilombos.
Em abril de 1996, âurante a XX Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em
Salvador (BA), concomitantemente com a I Conferência: Relações Étnicas e
Raciais na América L a h e Caribe, ocorreu o lançamento & reediçiio9 do livro de
Thales de Azevedo intitulado As elites de cor numa cidade brasileira com um
prefácio crítico de Maria Azevedo Brandão, classifícanáo - o em conformidade com
o esquema interpretativo de Donald Pierson, cujos fwidamentos alimentaram o mito
da democracia racial brasileira, mas chamando a aten- para os deslocamentos
posteriores de sua trajetória intelectual.
No decorrer desse mesmo evento a Associação Brasileira & Antroplogia procedeu
ao lançamento de uma coletânea alusiva ao tema, qual seja Terra de Quilombos.'O
Uma outra coletânea, editada por Ekofi ~ ~ o r s a h "que
, participou do referido
evento integrando a mesa redonda denominada "Quilombos hoje: reaproprirns
sociais de seu signiíícadon,teve circdação restrita, do mesmo modo que as onze
c0municaçi.b apresentadas no âmbito do Grupo de Traballio "Remanescentes de
Quilombos: lutas, conquistas e impasses".'

Leia Azevedo, T. As elites de cor numa cidade bm'leim - uni estudo de arcasão social &
clarses sociais e grupos dtnicos. Salvador. Emp. Graf. Da Da. 19%. p180.
'%i& OaDwyer,E. C. (org.) - T e m de Quilombos. Rio de Janeiro. Asw%$o Brasileira de
Antropologia ICFCH - UFRI. 1995. p139.
" Cf. Agorsah, E. (ed.) Maroon Henentage - Archaedqgicul, Ethnggmphic and Historicul
Persptives. University of The West Indies. Canoe Press. Barbados/ Jamaica/Trindad and
Tobago. 1994. p210.
l2 Este GT foi coordenado pela pr0fexm-a Neusa M. Mendes Gusmão, Unicamp, e realizado
no decorrer da XX Reunião da ABA subdividido em duas sessões. Na primeua, foram
apresentadas comunicac6es, que incluíam não a- teses mais recentes, mas também
resultados de trabalhos & pesquisa iniciados no nnal da decada de 19óO-70, como o da prof
-
Mari N.Baioccbi, autora de Negros do Cedm Eshuio anhopoógicode um Bainv Rum1 de
Negmr em Goih. Sãlo Paulo. Ática. 1983, mas que m b w a m redefinições teóricas
consoante as reapropriaçlks atuais da categoria quilomba Senão vejamos:
Reis, D. M. - "Quilombo: uma história de índios pmeiros e negros quilombolas"
Funes, E. A. - "Pacovai do Marambiré, do Contraveneno, Pmval dos Mocambeiros."
A XX Reunião deu tamóém continuidade aos objetivos do Grupo de Trabalho áa
ABA sobre Comunidades Negras Rurais, fixados a partir de encontro realizado no
Rio de Janeiro nos dias 17 e 18 de outubro de 1994.
Também, c i d o u para um público restrito o "borrador", em processo de edição,
denominado "La inclusión de los afrooolombianos. Meta inalcanzable?" - Bogotá.
UniversiQd Nacional de Colômbia. 19%. p76, de autoria do antrojhlogo Jaime
Arocha, que visitou a Universidade Federal do MaranMo, em meados de 19%, no
âmbito das atividades do projeto de pesquisas realizadas com apoio de Colciencias,
Centro Norte Sur de La Universidad de Miami, Unesco e Cindec de Universidad
Nacional de Colômbia.

Almeida Jr., M. - ''Focos de Resistência Negra na Chapada Diamautina: Comunidades


de Barra do B~madoe do Bananal - BA"
-
Baiocchi, M N. Kalunga e Barreirinho "Mi-soso, Malunda, Ji-sabu, Ji-nongango, mi-
Embu, Maka".
Moura, G. ''Ilhas negras num mar mestiço: festas e identidades em comunidades negras
rurais"
No caso de Moura circulou também neste período o seguinte artigo: "A força dos tambores: a
festa nos quiiombos a r n t e m m in: Schwarcz e S. Reis (orgs) Negms imugens -
ensaios sobm cullum e escmvidilo no Bmsil. São Paulo. USP-Edusp. 19% p.55-79
Na segunda sessão, foram apresentaâas seis coinuniaç6es sendo duas delas relativas ao Rio
das Rãs:
Martins, P. - "A um passo do puaíso: impases na consolidação do projeto Comunidade
Cafuza."
C d ,L. F. B. "Terras de Negros - temitoriaiidadee resistência."
Daia, S. Z. - "O Estado Brasileiro h t e a diversidade social que reconhece o caso da
comunidade remanescente de quilombo do Rio das Rãs."
Amti, J. M. - 'Wquilombos emergentes: direitos e invenção c u l W
Gusmão, N. M. M. - "Da antropologia e do Direito: impasses da questão negra no
campo."
Veran, J. F.et---'' de quilombo"
No caso de VQan, circulou também neste período o seguinte arhigo: "Rio das Rãs: du
quilombo a la cammunaute &ti&" SLaoQt. 1995. p30.
Oubcis sete coletâneas foram ainda pubiicadas em 19%, organizadas por
ou reproduWiQ as peças dos
antrop6logos, juristas13,historiadores e anque6l0~os'~
laudos relativos a situaçaes sociais deter~ninadas.'~
Esta pro<hiçfk, intelectuai vária,
referida a diferentes unidades úiscursivas e distintos critérios de saber, deu
txqliência, em certa medida, a in- Crabalhos de pesquisa t r a n s f b e em
teses,I6disserta-, monognfias," livros,'8 além de diversos artigos puólicados no

l 3 Leite, I. B. (org.) N e p x no Sul do Brasil; invisibilidocEee tememtwialidode Floriantpiis,


Letras Contempoxiheas. 19%.
Silva, D. S. (org.) ''Regukmeniaçiíode Terras de Negros no Brasil" in: Boletim Z n f w ' v o
do NricIer, de W o s sobre Zdeatidzde e Relações Znídtniicurs vol. 1 no 1 Flotianbpolis.
UFSC.19%. plS6.
l4 Leia:

Carvalho, J. J. (q.) O quilombo do Rio cdaJ a: histórias, tmdiç&s, hrtap. Saivador,


EdufW Centro de Estudos AhOrientais. 19%. p270.
Reis, J. J. e Gomes, F. S. (orgs.) Libsdade por um fCo - h i s W dar quilauòos no
Bmsil. Sío Paulo. Cia das Legas. 1966.p 5 10.
-
Schwam, L. M. S. e Reis, L. V. (orgs.) Negros imagens ensaios sobre cultum e
escmuiao no Bmil. São Paulo. USP. - Edusp. 1996.
Elbein dos Santos, J. (ed)Pahnmes 300 anos: memórias e eshnfégias comunitánnas.
São Paulo. 19%.
l5 Cf. Projeto Vida de Negro (org.) FmAal: Teno de Preto - quilornbo r m x d e d o como
r e s e r ~atmtivista.
~ São Luis. SMDDH - CCN. 19%.
l6 Cf. Gusmão, N. M. M. Term de Phetar - Teno de M u h . Bmsilia. Ministério da
CuituraíFuudaçãoCuituraiPalmares. 1995.p260.
Cf. Gomes, F. S. Histórias de quilombdas: mucumbos e e i r k d e s de senzadar no rio de
Janeiro - século XLY.Rio de Janeiro. únpraisaNacional.1995.
l7 Para outros e s c ~ t i t opodems ser de
Conceiç&o, D. E s m o s em k d : &ç&ss étnicas. T r a h b final do Curso de
Espe.ciabção 'Estado e Fronteira na amamnia''. Universidade Federal do Pará Centro de
Filosofia e Ciências Humanas. Depratamaito de Ciência Política. Belém. UFPA. 19%.
Bragatto, S. Descendentes de Esc- em Smita Rita do Bmcuhy. Memória e ideatidade M
luta pela tena. Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Desenvolvimento,
Agricultura e SocieWe. UniversidadeFederai Rurai do Rio de Janeiro. Dezembro de 1996.
Canhhede ,A. F" "Aqui smws pretos - um estudo de e&ograb sobre negn>s rurais no
-
Brasil". &asiiia UNB. Pmgramade Pó- em Antropoiogia Social. 19%. p106.
Silva, D. S. 'Vdtuiw demodtica e difaença étnica no F b d cantempdwo. Um
exercício amsütucionail-concretistaface ao problana do acesso A tenã pelss comunidades
negras remanecentes de quiiombos". Curitiba. Curso de Pós-gduaçüo em Direito, setor de
Ciências Jurídicas. Universidade Federai do Paranrl. p207.
Funes, E. A. 'Nasci nas matas, nunca tive senhor - histórico e m d r i a dos mocambos do
Baixo Amaamas". Tese de lhutmdo. USP. 1996.
'* Cf. Vogt, C. e Fry, P. C&&: A &cr~ no -1- São Paulo. CCi das das.1996.
ano imediatamente anterior tanto em plMicaç&s ciendn~as,'~quanto em
periádicos de cùculação amplam

Os autores jB realizam pesquisa com respeito a esta situaçh desde íins dos anos 1970-80.
Para tanto consulte, também, dos mesmos autores: "A descoberta do Cafundó, alianças e
conflitos no cenário da cultura negra no Brasil" in Religião e Socieciâde no 8. Rio de Janeiro.
ISER. 1982.
incluem-se neste tópico dezenas de títulos alusivos ao tricentenário de Zumbi do
Quiíombo de Palmares e temas correlatos que mobiliunrmi no decurso de 1995 inheros
produtores intelectuaisafetos ti questão (Moura, C.; Freitas, D.; Nascimento, & Wemeck de
Castro, M.; Mariano, B. D.), bem como suscitaram polêmicas diversas, tais como:a adoção
de cotas raciais no Brasil ou o sentido da ação afínnativa (Santos, H.> a sexualidade de
Zumbi dos Palmares (Moti, L. e as inúmeras conte&@es) e ainda as acusações de racista
contra a peça "Zmnbi" do grupo de teatro Olodum ajxesentada no Festival Internacional de
Teatro, em Londres (Inglaterm). Acresante-se a atenção especial dada ao tema da
escravidão pelas editorias de peri6dicm como Pmns. Caderrros do Terceiro Mundo, V&
Teoria & Deòate. Pambóli~s.Sem Fnmteims e Os caminhos da Tertu, dentre outros. A
consulta a estes periódicos poderá propiciar uma lisiagem bastante extensa de Mtulos. Para
efeitos desta breve resenha vale citar:
Maestri, M. "Zumbi 300 anos: Palmares - a comuna negra no Brasil escravista" in:
PmrLs.Belo Horizonte (MG). Out-Dez. 1995. p. 33-34.
Andrade, L. M. M. "Os 300 anos de Zumbi e os quilombos contemporâneos'' in: ''Faça a
coisa certa", encarte de Teoria & Debate no 31. São Paulo. SNCRWT. 1995. p. 12-16.
Toledo, R. P. "Escravidão - o passado que o Brasil esqueceu. A sombra da escravidão"
in. Veja no20 - Ano 29.15 de maio de 19%. p. 5245.
As publicações científicastambém diwlgamm artigos segundo esta orienta@o:
Gomes, F. S. 'Em tomo dos burnerangues: outras histórias de mocambo na Amazonia
Colonial" in.Revista USP no 28 São Paulo. Dezembro de 1995 - fevereiro de 19%.
Reis, J. J. "Quilmbos e revoltas de escravos no Brasil" in: Revisto USP no 28. S%o
Paulo. DQanbro de 1995 - fevereiro de 19%.
Araújo, L. F. ''0 projeto quilombo: estudos de caso Cacimbinha e Boa Esperança,
municipio de Presidente Kennedyl Espirito Santo" Un: Revisto de História no 4 . Vitória.
Dept" de História da UFES. 1995. p. 95-109.
Podem ser classificados neste t6pico os livros e artigos de jornalistas e demais
divulgadores e comeniarista da questão. O caderno "'Mais" da Folha de .!Uio Paulo, em 19 de
março e 12 de novembro de 1995, dedicou praticamente duas edições especiais ti discussão
sobre os quilombos. Foram enfatizadas as fontes documentais e arquivisticas dqoníveis no
Arquivo Histórico Ultnmiarino, em Lisboa (Portugal) e nos Museus Históricos e Nacional de
Amsterdã e na Casa de Maurício de Nassau em Haia (Holanda).
Há ainda os livros de jornaiistas, elaborados a partir de viagens feitas a algumas situações
classificadas como quilombos, tais como o de Paula Saidanha sobre o Quilombo do Frechal
(MA) e ainda o de Hermes Leal, intitulado, Quilombo: uma avslhrm no vão das almas. São
Paulo. Mercuryo. 1995 p142.
Dentre os artigos podem ser lembrados pelos menos dois, quais sejam:
Quilombos em São Paulo

Verifica-se, aida, que a m p a ç ã o com procedimentos classi6catórios e de


cadastramento tem tem inúmeras iniciativas localizadas em instituições
acadêmicas e entidades & sociedade civil. A novidade do fenômeno. na sua
ressemantmção, estimula as medidas usuais de controle e de demonstração de
representatividade e de conhecimentos circunstanciados. Percebe-se o
áesâobramento da concorrência pela legitimidade de falar sobre os aíinhamentos ao
tornarem-se conflitantes, com múltiplas oposições que envolvem d i v e m agências
e agentes, explicitam as vicissitudes de um campo de mediadores em estruturação.
A pretensão de mediador pressupõe competição e incorre quase sempre em
tentativas de vetos ou de exclusões manifestas ou veladas. Os objetos de disputa
tornam-se mais explícitos, enunciam pontos de tensão e estão a exigir análise
detida. O &tema da ordem do dia consiste, por conseguinte, no mapeamento das
terras de quilombos, seja em escala regional ou no âmbito nacional. Os elementos
cartográtioos e censitários, traáicionais mecanismos de controle adstritos aos
conhecimentos militares, são enfatizados. Trata-se também de enunciar elementos
quantitativos, asseverando quantas e quais são, a molde de um banco & dados bem
como estjmativas e totalizagões parciais, dimensionando as áreas compreendidas
pelos chamacàos quilombos e/ou t e m de preto. Está-se diante de um amplo
pracesso de legitimação que abrange igualmente as instituições de produção
científica e as agências que agrupam disciplinas militantes.
Tem-se registrado iniciativas de mapeamento, com diferentes criterios e graus de
elabora@o, em pelo menos dezoito uniáades da Feáeração, a saber: Maranh%o
(PVN), Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Núcleo de Estudos sobre
Identidade e Relações Interétnicas), Pernambuco (MNU-UFEi) e Pará (Cedenpa).
Ouiras iniciativas de entidades da sociedade civil, isoladamente ou em convênio
com universidades, começam a ser encetadas na Bahia, na Paraíí, em Sergipe, no
Piauí, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Mato Grosso.
Em São Paulo7 há uma determinaçãlo do Governo Estadual neste sentido, já
anteriormente mencionada. Em Goiás, há uma disposição t&nica do Idago nesta
din$b. No Ama@ começam a ser delineados pmcedhentos norteadores de um
levantamento geral com co@osas fontes arquivísticas. Pode-se imaginar a partir
destas inúmeras iniciativas a quantidade de relatórios que vêm sendo produzidos
nos meandros dessas instituições, sobretudo, a partir dos últimos cinco anos,
quando distintas agncias fínanciadoras (Oxfbm, Fun- For4 Cese) também
reconheceram a relevância da questão, adotando-a em suas mpeaivas pautas. O
Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), no decorrer de 19%, aprovou o projeto
integrado de pesquisa intitulado "Políticas Públicas, Terras de Uso Comum e
Gnipos Étnicos - Conseqüências da Ação oficial para camponeses de terra de preto
- - - - - - - - - - - -

Teles, R.- "A tem prometida" in: Os caminhos da t e m . Ano 5(7). Julho de 19%. p.66-
73.
Chacon, V. 'O cadáver da escravidão e o Estado desorganhdo" in: Folha de São
Paulo, 5 de janeiro de 1995.
no Iikmbãon, de autoria da prof Matistela de Pauia Andrade, coordenadora do
mestrado em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Mai.anh%o.A Fundação
Ford aprovou o projeto que refere-se ao tema 2, compreendendo simultaneamente
três instituiçh: Associação Brasileira de Antmpologia (ABA), Instituto
Sócioambientai (ISA) e Projeto Vida de Negro-SDDH-CCN do Maranhão. Em
outras palavras, pode-se asseverar que diferentes gêneros de pro&ção intelectual
perscrutam aspectos desta nova temática.
Neste estado atuai de conhecimento, que envolve mais de uma centena de
produtores intelectuais, parece que se percebe os quilombos menos como uma
definição jurídico-formal, que remete às &posições legais das autoridades
coloniais, do que como um instrumento de luta, nemsuiamente, imposto como
tema de reiiexão pelas mobikações camponesas para assegurar seus territórios,
designados como terras de preto, e o reconhecimento de sua identidade coletiva
objetiva& em movimento. Talvez sejam estes os padmetros2' que passam a
orientar esta proáução intelectual e científíca que ora constitui um domínio próprio
de investigação e em cujos meandros se dispõem essas ~ ç õ e s e* novos títulos.

''Para um aprofundamento leia: Almeida, A. W. B. "Quilombos: sematologia face a novas


-
identidades" in Fmhal: tem de preto quilombo reconhecido como reserva extmtivista.
Programa Vida de Negro (org.).São Luís. SMDDH - CCN. 19%. p.11-19.
" Escrito na primeira metade dos anos 80 foi também publicado no decorrer de 19% o livro
de Ilka Boavenhurt Leite, intituiaáo:Antropologia da Viagsn - escravos e libertos em Minas
Gemis no século XCY. Fklo Horizonte. Universidade Federai de Minas Gerais. p269.
Em termos de reedições importa frisar também o seguinte: em fins de 1994 o livro de Clbvis
Moura denominado Os quilombos e a rebelido negra alcançou sua oitava edição pela
Editora Brasiliense (SP).
Uma outra reediçh, autorizada em setembro de 19% e que se aicontra no prelo, na editora
da Universidade do Pará, em Belém, e com lançamento previsto para meados de 1997, trata-
se de Negros do Tmbetas, & autoria de Edna Ramos e Rosa Acevedo Marin, cuja primeira
edieo, inteiramente esgotada, data de 1993.

Alfredo Wagner B e m de Almeida C antropólogo. Professor visitante do mestrado em


Polítiuw Piiblicas - CCSO - UEMA, São Luís (MA).
Quilomhs em Sbo Paulo

Comunidade Pilões -Andara B. Automare, Itesp. junho/97


Legislação Pertinente

'Aosremanescentes alas comunidades de


quilombos que estejam ocupando mas
terras é reconhecida a propriedade
definitiva, &vendo o Estado emitir-lhes
os titulos respectivos.
"

Artigo 68 ADCT
Constituição da República Federativa do Brasil

TITULOVIII
Da Ordem Social
cAPÍTUL0 111
Da Educação, da Cultura e do Desporto
SEÇÃO n
Da Cultura

-
Artigo 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manSksta@es culiurais.
g 1" - O Estado protegerá as manifestações das culturas
popuiares, indígenas e afin-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.
§ 2" - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de
alta significação para os difbentes segmentos dtnicos nacionais.

Artigo 216 - Constituem patrimonio cultural brasileim os bens


de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, a ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos qyak se incluem:
-
I as formas de expressão;
-
I1 os modos cie criar, fazer e viver;
111- as criações científícas, artísticase tecnológicas'.
IV - as obras, objetos, QDcumentos, edinca#h e demais
espaços destinados às manSèstaç&s artístioosculhmis;
V - os conjuntos urbanos e sítios cie valor W r i c o ,
paisagístico, artístico, arqueológico, paieontológico, ecológico e científico.
Q 1" - O Poder Público, com a colaboração da comunidade,
promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamentoe preservação.
Q 2" - Cabem à administraçh pública, na forma da lei, a
gestão da dwumentação governamentai e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.
-
9 3" A lei estabelecerá incentivos para a produção e o
conhecimento de bens e valores cuihmis.
Q 4" - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão
punidos, na forma da lei.
Q 5" - Ficam tombados todos os documentos e os sítios
detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Ato das Disposiç6es Constitucionais Transitórias

Artigo 68 - Aos mnanesmntes das comuni- dos


quilomôos que estejam ocupando suas terras 6 reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Lei no 3.962, de 24 de julho de 1957

..
Dispõe sobre o processamento das legitimações de
posse em terras devolutas

O Vr
I- do Estaáo & S%o Paulo, no exercício do cargo &
Governador, f h q ~saóer que a Assembitia Legislativa DECRETA e eu
PROMULGOa seguinte lei:

Artigo '1 - Os possuidores & tenas devoiutaset-


discriminadas que, nelas, mantenham, por si ou por prepostos, posse efèth,
pode130 adquirir o domínio das terras possuídas, nos termos do disposto w
DecMo-lei no 14.916, & 5 & agosto de 1945, excluidas as terras consi&radas
reservadas w seu artigo 3' pw;essandssea iegitimação das posses & acordo com
as fôrmaiida&s e cóndi@es constantes da pmmte lei.

Artigo r - Transcrita a sentença profeda na ação


discriminatória & perhxtm em que se haja apirado a exisiência & terras
devolutas, a Proamdoria Q Patrimano Imobiiiário, vistoriando as terras Q
domíniodoEsbdo,eiaboraráiaudocirainstanciado,&queqUemnstar:
lI - rol dos possuidores que, em caráte.r preliminar. tenham
sido consi* em condi- de obter título de domínio do Estado. com
indicação & nacionalidade, estado civil e resid&ncia, e, quanto às reqxctivas
posses, extensão aproximada, descrição das divisas, nomes dos wnfrontantes, valor
& terra, n a m a das benfeitorias, culturas e criações.
Artigo 3" - Aprovado o laudo por áespcho do d o r -
Chefe & F%wm&ria do Paírhônio lmoóiliáno, &le será dado conhecimento aos
intemsaâos por meio & editais, publicados no prazo mínimo de 15 dias, uma vez
no órgão oficial e, pelo menos,chias vezes no jornai l d , o& houver, nos 15 dias
seguintes à última publicação, em requerimento dirigido á mesma autori&&,
instruído, se possível com áommentos, será fhcultado ás partes reclamar contra o
critério seguido no lauáo, seus erros ou omissões, e, bem assim, propor a forma por
que entendam dever ser &scritas as âivisas & posse a eles atribuída

-
Artigo 4" Apresentada reclamação que de algum m d
interfua wm o interesse & um possuidor cujo nome figure na relação que alude o
artigo 2", inciso II, será este pessoalmente intimado para, dentro & 15 dias,
ofbrecer&ba.

Artigo 5" - Julgadas as rec- ou, não as havendo,


confirmado por despacho o plano geral, o Pmcurahr-Chefe da d a r i a do
Patrimônio Imobiliário recorrerá de oficio ao Secretário & Justiça e Negócios do
Interior que, wnkxndo & todo o process;bdo, profkrirá decis%o &fínitiva, ouvi&
o nocurador Geral do Estado.

ArtgoC-Ratifícadooyseforocaso~cadooplano
geral, os possuidores, a que o Estado haja afinal reconhecido o direito de
legithaçáo, seserão pessoalmente intimados a pagar, no prazo de 10 dias,
prorrogável a exclusivo critério do Pnxmaáor-Chefe, a taxa & tmnderência,
calculadanabase& lO'%sobreovaior&terra.

Artigo 7" - Fica dispensa& do pagamento & taxa mencionada


no artigo anterior o possuidor a que o plaw geral atribua g l h não superior a 25
ha (vinte e cinco hectares), e que, não sendo proprietário rural ou urbano, nela
tenha moraáa Wtual.

Artigo V - A Pmauadoria do Patrimônio Imobiliário, com


elementos próprios, w que lhe tenham sido fornecidos pelos interessados,
diligenciará no sentido & dar à &scri@o definitiva das divisas das posses,
admitidas como legítimas, uma forma que baste à sua perfeita individwção,
respeitada a área fíxada no plano geral.

Artigo 9" - A h o r dos possuidores, nas condições do artigo


anterior, será expedido titulo de domínio, no qual será descrito e indMáuado o
imóvel possuído, para efeito de sua tmmição no Registro de Imóveis competente.

Artigo H)- Os títulos de domínio, lavrados em livro especial da


Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, serão assinados pelo !kcretário & Justiça
e Negócios do Interior, pelo Procurador-Chefe e pelo interessado.

Artigo 11 - Contra os que, na forma desta lei, não hajam


obtido o reconhecimento da legitimidade de suas ocupa^, ou que não atenderem
à intimação a que se refere o artigo 6 O , a Pmcwadoria do Patrimônio Imobiliário
promoverá a execução da sentença que declarou as terras do domínio do Estado, por
mandado de imissão de posse.

Artigo 12 - Esta lei entrará em vigor na data de sua


publicação.

Artigo 13 - Revogam-se as disposições em contrário.


Lei no 4.925, de 19 de dezembro de 1985

Dispõe sobre a alienação de terras públicas estaduais


a nuicolas que as ocupem e explorem, e dá outras
providências

O Goveniador do Estado de São Paulo, faço saber que a Asçemblkia


Legislativa DECRETA e eu PROMULGO a seguinte lei:

Artigo11-OEstadoobservaráolimitede100(cem)~
nas legibações de posses e m terras &volutas.
Decreto no40.723, de 2 1 de março de 1996

Institui Grupo de Trabalho para os fins que


especifica, e dá providências correlatas

MÁRI0 COVAS, Governador do Estado de São Paulo, no uso de


suas atni@es legais, e
Considerando a existência no Estado de São Paulo & vánas
comunidades remanescentes de quilombos;
Considerando o disposto no artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transit6rias, & Constituição Federal de 1988, que
dispõe sobre a regularização fundiária dos remanescentes das
ocupç& de quilombos;
Considerando a multiplicidade de fatores a serem eqw5onaQs para
a plena consecução dos objetivos, tais como: questão iündiária,
questão ambiental, situaeo sócioeconômica e outros que integrarem
com essas comuniáades, DECRETA:

Artigo l0- Fica instituído junto A Secretaria da Justiça e da


Defesa da Cidadania, Grupo de Trabalho para dar plena aplicabilidade aos
dispositivos constitucionais que conferem o direito & propriedade aos
remanescentes de quiiombos.
Artigo 2" - O Grupo de Trabalho instituído pelo artigo
anterior será constituídos por:
I - 2 (dois) representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania. sendo um deles do Instituto de Terras:
-
I1 1 (um) representante da Secretaria do Meio Ambiente:
111 - 1 (um) representante da Procuradoria-Gera1do Estado:
IV - 1 (uni) representante da Secretaria do Governo e Gestão
Estratégica:
V - 2 (dois) representantes da Secretaria da Cultura. sendo um
deles do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT:
VI - 1 (um) representante do Conselho de Participação e
Desenvol\iniento da Coniunidade Negra de São Paulo:
VI1 - 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do
Brasil. Secção de São Paulo. integrante da Subcomissão de Negros. da Comissão de
Direitos Humanos:
VI11 - 1 (um)representante do Fórurn Estadual de Entidades
Negras do Estado de São Paulo.
1" - A Coordenação do Grupo de trabalho caberá a um dos
representantes referidos no inciso I deste artigo. mediante indicação do Secretário
da Justiça e da Defesa da Cidadania.
5 2" - No prazo de 3 (très) dias. contados da data de publicação
deste Decreto, os dirigentes dos órgãos referidos neste artigo. indicarão seus
representantes ao Secretário do Governo e Gestão Estratégica. que os designará
mediante resolução.

Artigo 3" - Compete ao Grupo de Trabalho:


I - estabelecer critérios para definir as comunidades que serão
beneficiárias do dispositivo constitucional em todo o temtório do Estado,
observados os requisitos delimitados no artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. da Constituição Federal:
I1 - d&nir critérios de territorialidade e medidas adequadas
para as áreas de regularização fundiária:
-
111 propor aç0es aptas a compatibilizar a política ambienta1
em vigor. com os objetivos dos dispositivos constitucionaisora tratados:
IV - desenvolver estudos para diagnosticar a situação dominial
dessas áreas (terras devolutas. particulares. incorporadas, destinadas etc.). bem
como traçar as diretrizes necessárias para a regularização destas;
-
V definir, no âmbito das esferas de competência dos diversos
Órgãos governamentais, as ações a serem executadas:
-
Vi propor. no âmbito estadual, minutas de anteprojeto de lei.
decretos. portarias e demais instrumentos legais que se fizerem necessários para a
implantação de ações governamentais acima citados, bem como a celebração de
convênios. resoluções conjuntas e demais medidas necessárias quando da
necessidade de se institucionalizar parcerias com o Governo Federal ou organismos
da sociedade civil afeta ao tema.
Parágrafo único - O Grupo de Trabalho poderá convidar para
prestar informações ou participar dos trabalhos, órgãos públicos, membros da
comunidade científica ou especialista da matéria, quando assim for necessário, bem
como. convidar para participar dos trabalhos, 2 (dois) representantes das
comunidades remanescentes dos quilombos, após serem identificadas segundo o
disposto no inciso I, do artigo 3" retro.

-
Artigo 4" A Secretaria & Justiça e da Defesa da Cidadania
fornecerá o suporte técnico e administrativo necessário ao desenvolvimento das
atividades do Grupo de Trabalho ora criado.
Parágrafo único - O Grupo de Trabalho contará, ainda, com
uni Secretário Executivo e um Relator, para esse fim designados pelo Secretário da
Justiça e da Defesa da Cidadania.

Artigo 5"- O Grupo de Trabalho apresentará, no prazo de 180


(cento e oitenta) dias, o relatório de seus trabalhos'.

Artigo 6" - Este decreto entrará em klgor na data de sua


publicação.

' Prorrogado até 31112/96, pelo Decreto no4 1.319/96.


Decreto no 4 1.774, de 13 de maio de 1997

Dispõe sobre o Programa de Cooperação Técnica e


de Ação Conjunta a ser implementado entre a
Procuradoria Geral do Estado,
a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, a
Secretaria do Meio Ambiente, a Secretaria da
Cultura, a Secretaria de Agricultura e
Abastecimento, a Secretaria da Educação e a
Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, para
identificação, discriminação e legitimação de terras
devolutas do Estado de São Paulo e sua
regularização fùndiária ocupadas por Remanescentes
das Comunidades de Quilombos, implantando
medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais

MÁRIo COVAS. Governador do Estado de São Paulo. no uso de


suas atribuiçks legais, e
Considerando a prioridade governaniental no sentido da identificaçiio
e regularização fundiária das áreas ocupadas pelos Remanescentes
das Comunidades de Quilombos. nos termos do que dispõe o artigo
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal:
Considerando as conclusões do Grupo de Trabalho instituído pelo
Decreto no 40.723. de 2 1 de março de 1996:
C)irrloti~bosetti São Pi?i<lo

Considerando que. a par dos oigetivos de identificação e de


regularização fundiária. emerge o de proteção dos ecossistemas.
desenvolvimento sócio-econômico cultural das comunidades e do
efetivo tombamento previsto no artigo 2 16 da Constituição Federal: e
Considerando a importância e o dinamismo da açiio integrada dos
setores da Administração Pública diretamente interessados tia
preservação da tradição histórica e de resgate da cidadania dessas
coniunidades, DECRETA:

-
Artigo 1" Fica instituído Programa de Cooperação Técnica e
de Ação Conjunta a ser implenientado entre a Procuradoria Geral do Estado. a
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. a secretaria do Meio Ambiente. a
Secretaria da Cultura, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. a Secretaria da
Educação e a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica. para identificação.
discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado de São Paulo. ocupadas
pelos Remanescentes das Comunidades de Qwlombos. sua regularização fundiária.
e implantação de medidas sócio-econônucas. ambientais e culturais.

Artigo 2" - É facultado aos participantes referidos no artigo


anterior. a utilização do concurso dos demais órgãos públicos ou privados. que
sejam necessários ao alcance das finalidades do Programa.

-
Artigo 3" Para implementação do Programa. fica instituído
uni Grupo Gestor, vinculado ao Gabinete do Governador. que será composto por:
-
I 1 (um) representante da Procundoria Geral do Estado:
I1 - 2 (dois) representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania. sendo 1 (um) do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José
-
Gomes da Silva'' ITESP;
-
I11 2 (dois) representantes da Secretaria da Cultura. sendo 1
(um) do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT:
-
IV 2 (dois) representantes da Secretaria do Meio Ambiente.
sendo 1 (um) da Fundação Florestal:
V - 1 (um) representante da Secretaria do Govenio e Gestão
Estratégica:
VI - 1 (um) representante da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento:
VI1 - 1 (um) representante da Secretaria da Educaçâo;
VI11 - 1 (um) representante do Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra;
IX - 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil
-Secção de São Paulo - Subcomissão do Negro. da Comissão dos Direitos
Humanos:
X - 1 (um) representante do Fórum Estadual de Entidades
Negras do Estado de São Paulo.
Parágrafo único - Os integrantes do Grupo Gestor serão
indicados. respectivamente. pelo Procurador Geral do Estado. pelos Secretários de
Estado e Entidades nele representadas.

Artigo 4" - As atividades de coordenação do Grupo Gestor


caberão ao representante da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania.

-
Artigo 5" Os membros do Grupo Gestor terão. de acordo com
as respectivas esferas de competência dos órgãos que representam. as seguintes
atribuições:
I - coordenar e acompanhar o andamento dos serviços:
I1 - estabelecer permanentemente intercâmbio de informação
visando a padronização de linguagem de documentos relativos a questão
quilombola;
111 - realizar estudos para o estabelecimento de métodos de
trabalho de campo e de escritório que, sem prejuízo de precisão e acuidade, tornem
iiiais dinâmico o desenvolvimento das diversas fases dos trabalhos:
-
IV estabelecer cronograma de atuação:
V - estabelecer os contatos que se fizerem necessários.
propondo a celebração de convênios com Órgãos públicos ou privados. como o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Fundação Palmares.
Universidades e Entidades correlatas, visando a troca de informações e experiências
comuns no trato das questões quilombolas.
S 1" - Os programas específicos de cada comunidade
quilombola serão definidos em conjunto coni os Remanescentes das Comunidades
de Quilombos. que participarão. também. de todas as etapas de sua implementação
e execução.
~.nilonibosem São Paulo

2" - Identificada a Coniunidade como sendo Remanescente


das Comunidades de Quilombos e definido o seu território, o Grupo Gestor terá
prazo não superior a 90 (noventa) dias para apresentar proposta de programa
técnico. a ser desenvol\;ido junto a comunidade.

-
Artigo 6" O Grupo Gestor reunir-se-á periodicamente. pelo
menos uma vez por mês. devendo elaborar ata sucinta dos assuntos e decisões
toniadas e apresentar. trimestralmente. relatórios das atividades realizadas.

Artigo 7" - Compete a Procuradoria Geral do Estado:


I - priorizar o ajuizamento e o andamento das ações
discriminatorias e os Planos de Legitiiiiação de Posses nas áreas ocupadas pelos
Remanescentes das Comunidades de Quilombos:
-
I1 designar Procuradores do Estado para prestarem serviços
indicados, no ânibito de jurisdição da Procuradoria Regional competente e dar
suporte jurídico. através da Procuradoria de Assistència Judiciária, na hipótese de
cabimento da declaração de propriedade as comunidades, por meio de Ação de
Usucapião, desde que solicitado pelos remanescentes, podendo ainda ingressar
como litisconsorte na respectiva ação;
-
111 acompanhar o andamento dos trabalhos geodésicos e
topográficos de levantamento de terras devolutas. sua discriminação. medição e
demarcação.

Artigo 8" - Compete a Secretaria da Justiça e da Defesa da


Cidadania:
-
I realizar, através do Instituto de Terras do Estado de São
-
Paulo "José Gomes da Silva" ITESP. os trabalhos geodésicos e topográficos de
levantamento de perímetros ou áreas destacadas dos niesmos (glebas). onde haja
incidência de ocupação de Remanescentes das Comunidades de @lombos. visando
sua discriminação. medição e demarcação de acordo com os critérios de precisão
exigidos pela Procuradoria Geral do Estado. bem como levantar as características
de posses em terras devolutas. podendo. para tanto. utilizar apoio
aerofotogramétrico:
-
I1 estudar. elaborar e implementar nonnas e métodos de
trabalhos. através do Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da
Silva"- ITESP. objetivando a elaboração de projetos de exploração agronômica e
extrativista, bem como prestar assistência técnica visando o desenvolvimento
econômico e social das Comunidades de Remanescentes de @lombos:
-
111 solicitar a Secretaria do Meio Ambiente subsídios e apoio
técnico para assistência técnica agronôniica e estratiklsta em áreas contíguas as
Unidades de Conservação:
IV - colher dados, documentos e inforniações para subsidiar o
encaminhamento de solução de eventuais conflitos que envolvain Remanescentes
das Comunidades de Quilombos:
V -
promover a capacitação técnico-agrária dos
Remanescentes das Comunidades de Quilombos.

-
Artigo 9" Compete a Secretaria do Meio Ambiente:
I - instituir programas de extensão ambienta1 e fomento de
atividades sustentadas de utilização de recursos florestais junto as comunidades:
I1 - acompanhar eiii conjunto coiii a Procuradoria Geral do
Estado e Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadaniahistituto de Terras do
-
Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" ITESP. demarcação das divisas das
Unidades de Conservação. consolidando e conipatibilizaiido os liiiiites dessas
unidades nas regiões onde se encontram os Remanescentes das Comunidades de
Qulombos:
111 - proceder a regulamentação das Áreas de Proteção
Ambienta1 e áreas de entorno das Unidades de Coiisen.ação. visando a
compatibilização de regiões onde possa ser mantida a ocupação já existente. da
forma de utilização da terra e a viabilidade da eirpedição de títulos de domínio pelo
Poder Piiblico:
IV - propor medidas aptas a conipatibilizar as ocupações de
Renianescentes das Comunidades de Qulombos com áreas de unidades de
conservação, alterando os limites das mesmas. quando necessário
V - prestar. sempre que for solicitada. informações e serviços
especializados a Procuradoria Geral do Estado. no caso das a&s interpostas por
particulares contra a Fazenda do Estado. envolvendo as terras ocupadas por
Remanescentes das Comunidades de Qulombos cujos limites estão sobrepostos aos
das Unidades de Conservação.

Artigo 10 - Compete a Secretaria da Cultura:


I - implantar Programas Culturais objetivando a ~alorização
da cultura dos Remanescentes das Comunidades de Qwlonibos:
11 - desenvolver estudos. pelo Consellio de Defesa do
Patrimônio Histórico. Arqueológico. Artístico e Turístico do Estado de São Paulo -
@<r/ornhosem São I-'u11lo

CONDEPHAAT. para tombamento das áreas. coiúbrnie disposto no artigo 2 16 da


Constituição Federal:
-
I11 desenvolver e implementar programas. com a participação
dos Renianescentes das Comunidades de Quilombos. visando a recupera~ão.
presemação. manutenção e restauração do patnniônio cultural. material e não
material das comunidades.

Artigo 11 - Compete a Secretaria de Educação:


-
I instituir projeto. com a participação das Comunidades de
Renianescentes de Quilombos. integrando a educação formal com a educaqão
voltada para:
a) a recuperação e valorização da cultura e história afro-
brasileira;
b) enfatizar os direitos humanos e o combate ao racismo e à
discriminação:

Artigo 12 - Conipete a Secretaria de Agricultura e


Abastecimento desenvolver estudos técnicos específicos. através de seus órg5os de
pesquisa. tisando:
I -
a melhoria de condições de exploração. estraç50.
beneficiamento e comercialização dos produtos agropecuários:
I1 - o resgate e a valorização de suas práticas tradicionais de
utilização da terra e de seus produtos agropecuários de subsistência:
-
111 ações na área de associatitismo e cooperativismo. nas
terras ocupadas por Remanescentes das Comunidades de Quilombos.

-
Artigo 13 Compete a Secretaria do Governo e Gestão
Estratégica compatibilizar as a ç k s dos diversos órgãos com os fins especificados
no presente áecreto.

Artigo 14 - Os trabalhos técnicos realizados pelo Programa a


que se refere este decreto poderão ser desenvolvidos. mediante convênio. em áreas
já declaradas e demarcadas como sendo de domínio particular. objetivando a
desapmpriaçâo pela União, nos termos do artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
Artigo 15 - O relatbrio dos mbdhos previstos no artigo 5" do
DeMeto no 40.723, de 21 de março de 19%, que instituiu o Gnypo de Trabalho
norteará, quanto a conceito e diretrizes, a execuç%o do Programa previsto no
pmente decreto.

Artigo 16 - Os recursos orgunentários neces&ios à


implantação do Programa a que se refere o artigo 1"comrã0 por conta das do-
oqamentárias próprias da F%maãoria Geral do Estado e das Semtarias de Estado
nele envolvidas.

Artigo 17 - Este ckxmto entrará em vigor na data de sua


puMimçsr0.
Lei no 9.757, de 15 de setembro de 1997

Dispõe sobre a legitimação de posse de terras


públicas estaduais aos Remanescentes das
Comunidades de Quiiombos, em atendimento ao
artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal

O Governador do Estado de São Paulo, fapo saber que a Assembléia


Legislativa DECRETA e eu PROMULGOa seguinte lei:

Artigo 1" - O Estado expedirá títuios & legihqão de posse


de terras públicas esCaduais aos Remanescentes das Comuniáades de Quilombos.
-
Parágrafo único Não se @ca a hij&ese prevista neste artigo
o &te & 100 (cem) hectares previsto no artigo 11 da Lei no 4.925, de 19 de
dezembro de 1985.

Artigo 2' - O título de iegitimação de posse será expedido,


sem Gnus de qualquer espécie, a cada associação legaimente constituída, que
q m e n t e a coletiviâaâe dos Remanescentes das Comunidaáes de Quilombos, com
obrigatória inserção de cl&usulade inalienabilidade.
Artigo 3" - O Poder Executivo estaóelecerá, no prazo máximo
de 60 (sessenta) dias a partir & data & publicação &ta lei, as diretrizes que
defínMo os Re-ntes das Comunidí&s de Quiiombos beneficiários, bem
como os critérios & temtorialidade para demarcação & suas posses, garantida a
participaçilo idas associaç6es referiidas no artigo anterior.

-
Artigo 4' Aplica-se sub6i-nte o disposto na Lei no
3.962, de 24 & julho de 1957, exceto em ~eia@oà posse por preposto e à
obrigatoriedade do pagamento & taxa de transferência.

Artigo 5' - Esta lei entrará em vigor na &ta de sua


wi
caç
ã o.
Documento

"Títulode Reconhecimento de Domínio


que a União Federal e o Irtsfituto
N~cionalde CoZonizaçãu e Rejòrma
Agrária outorgam a
A ~ ~ d a
Remanescente de Quilombo Boa Vista"
Título de Reconhecimento de Domínio/
União FederalíIncra/n" 0 1/95

Titulo de Reconhecimento de Domínio que a União Federal e o


Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA -
outorgam à Associação da Comunidade Remanescente de Quilombo
Boa &ta ACRQBV -

A UNIÃO FEDERAL, npresentada pelo Exoelentíssimo Senhor Presidente &


República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, brasileiro, casado, sociólogo,
RG no 1.254.309-SSP/SP e CPF no062.446.028-20, e o INSTITUTO NACIONAL
DE COLONIW~AO E REFORMA A G R ~ A - INCRA, autarquia federal
criadapeloDecret0-lei no 1.110, de 9 B e j u h d e 1970, rtttera8opdaLRi no 7.231,
de 23 de outubro de 1984, estnitura regimental foi aprovada pelo Decreto no
%6, de 27 de outubro de 1993, CGC no 00375972/0001-80, neste ato representada
pelo seu Presidente FRANCISCO GRAZIANO NETO, brasileiro1 casado,
engenheiro agr6mm0, RG no 4.832.490-SSPIDF, CPF no 748.438.348-15, residente
nesta Capital, designado pelo DeaW & 29 de setembro de 1995, publicado no
Diário Ofícial da União - DOU, na mesma data, e de acordo com as atribuições que
ihe são conferidas pelo artigo 24 do Regimento Interno & Auíarquia, apmvado pela
Poriaria no 812, & 16 de dezembro de 1993, publicado no DOU, de 20 do mesmo
mês e ano, doravante simplesmente denominados OUTORGANTES, com
fundamento no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e no
artigo 6" da Lei no 4947, de 06 de abril de 1%6, e, considerando o que consta do
processo administrativo INCRAPF SANTARÉMPAI no 2141 1.000081/94, pelo
presente TfIWB DE RECONHECIMENTO DE DoM~Io, com plena força e
validade de escritura pública, a teor do artigo 7" do Decreto-lei no 2.375, de 24 de
novembro de 1987, reconlmxm o domínio & ASSOCIAÇÃO DA COIWNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO BOA VISTA - ACRQBV. CGC no
00.458.306/0001-%, repmentacía pelo seu coordenador geral. MANOEL
EDILSON SANTOS DE JESUS, brasileiro, casado, babalhador rural. RG no
1.626.376-SSPPA e CPF no 231.827.842-34, aáiante simplesmente denomina&
OUTORGADA, sobre o imóvel rurai denominado Comunidade Boa Vi,Gleba
Trombetas, situado no Município de Onximiná, Estado do M,com 1.125,0341
ha (hum mil, cento e vinte e cinco hectares, três ares e quarenta e um centiares),
com a seguinte descrição do perímetro e conn-Ontaç&: Ftwtindo do M-01, de
coordenadas planas E=567301,136 e N=9838585,478, segue-se à montante do
Igarapé Água Fria, pela sua margem áireita, numa disthcia 4.182,23m até o M-02;
daí segue-se à montante de um Igarapé sem denominação, pela sua margem direita,
numa distância de 731,48m até o M-03; daí segue-se com azimute 286'55'25"
numa distância de 1.547,76m até o M-04; daí segue-se à jusante de um I g a q é sem
denomina@o, pela sua margem escperda numa disíância de 1.867,35m até o M-05;
daí segue-se àjusante do Igmpé Paiauá, pela sua margem esquerda numa distância
de 1.%8,29m, até o M-06; daí segue-se pela Enseada do Patauá, Bom Princípio e
Caripé, numa distância de 2.150,52m até o M-07; daí segue-se com azimute
90000'15" e distância de 316,68m, até o M-08, daí segue-se à jusante do Rio
Trombetas, pela sua margem esquerda numa distância de 1.599,%m, até o M-01,
ponto inicial da descrição deste perímetro. CONFRONTAÇ~ES:Norte: Rio
Trombetas e Enseadas do Caripé, Bom Princípio e Patauá; Leste: I& Água
Fria; Sul: I&arapéÁgua Fria e Floresta Nacional Saracá-Taquera; Oeste: Igarapé
sem denominação e Igarapé Patauá, tudo conforme planta e memorial descritivo de
responsabilidade técnica do técnico agrimensor Luiz Femando da Silva Muinhos,
CREA 134-TADPA, que acompanha o presente.

C ~ U S U W I .PRIMEIRA - O imóvel antes descrito integra uma área maior


matriculada e registrada em nome da U d o Federal, sob o no R-11423, Livro no 2-
B, fls. 423, no Registro de Imóveis da Comarca de Oriximiná-Pk

cLÁusULA SEGUNDA - De acordo com declaração prestada pelo representante


da OUTORGADA no mencionado processo administrativo, o imbvel objeto do
presente Títuio âestina-se, pnncipaimente, às atividades extrativista e agropecuária.

CLÁUSULA TERCEIRA - O imhel de que trata o presente Título acha-se livre e


desembaraçado de todo e qualquer Ônus, judicial ou extrajudicial, hipoteca legal ou
convencional, ou qualquer outro Ônus real.
O presente Título é fumado em 3 (três)vias, ficando eleito o foro do Disirito
Federal, com renúncia & qualquer outro, para dirimir quaisquer questões que
resultarem deste.
E, por estarem assim justos e contratadas, assinam embaixo OUTCRGANTES e
O U T O R G ~ por , seus representantes legais, juntamente com as testem-
&MO DOS ANJOS FlLHO, brasiieiro, casado, engenheiro agr8nomo. RG no
14.600.928SSPlSP, CPF no 050.204.058-09, e WALTER ,C - brasileiro,
casado, engenheiro agrOnomo, RG no 29.978-SSPMA, CPF no 019.505.17248,
presentes a todo ato, que, depois de lido e achado conforme, é regisüaâo no Livro
de Títulos & Reconhecimento & Dominio do Departamento & Alienação e
Tiiui- da Diretoria de Recusas Fundiários do MCRA, valendo o mesmo como
escritura pública, conforme supra indicado. E eu, DEMSON LUIZ DE OLIVEIRA,
Chefe do referido Departamento, que o fíz datilografâr, conferi e subscrevi.
Brasília-DF, 20 & novembro de 1995.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO FRANCISCO GRAZIANO NFM)


Presidente da República Presidente do INCRA
Outorgante OUtoUPte

ASSOCLAÇÃODA COMLJNDADE REMANESCENTE


DE Qun,OMBO BOA VISTA
outorgada

OD&O DOS ANJOS FILHO WALTER CARDOSO


Diretor de Recursos FundiáriosmJCRA Superintendentedo iNCRA/PA
Testemunha Testemunha
Para Ver e Ouvir
Depoimentos & Fotografias

"Nósdaqui somos uma coisa só, tudo


innaradcsde, tudo hulonnandáde."
Dona Maria Felícia da Costa, 84 anos
SALTO DE PIRAPORA: CAFWPO'
I P U R A ~ : ~ L Ó E S , M A R H R M ; ~ ~C ,L~A ~~ ,I AM , W~ XAH W S E L M ~ ~ ~
E L DORAW:m,ww PCW~,AWML, &PAN,~vm'ums

Locaiizaç& das Comuni&s Remanescentes de Quilombos.


Arte: Mauricio Pestana,j d o / 9 7 .
Para Ver e Ouvir
Depoimentos & Fotogdas

São Pedro
"Todo mundo irabalha no mutirão. Homem, mulher, de idade. No
sábado teve um para barrear uma casa. Foram todos, as crianças,
todo munáo. Trabalharam o dia inteiro, não pararam. Terminou essa
barreaçi70 meio dia e meia"
''O mutirdo a gentefaz desde o começo dos nossvs irabalhos,já foi o
tempo inteiro. Quando dava sete horas o pessoal está todo reunido.
Ali tinha a cozinheira, tinha o cozinheiro, tinha o ajudante. Uns
faziam uma coisa, unsfaziam outra coisa. Depoisfaz afesta, o baile.
Está dando para a gente fazer".

Dona Benedita Furquim Rodrigues


83 anos, 1 íiiho.
Comunidade São PeQo, Município de Eláorado,em 04.06.96.

'Lána região onde os antiqos trabalharam, na Faenda das Vargens


tem várias mostras de minério. Ikjcclusivamente, até a banana branca
que tem aquifoi dessa época, ld tem muita banana branca, dava
para tirar c m cheio. Lá por aquelas bairada do no,Jicava três
meses com leitãonnho novo, quando voltavajá estava bom.Até
agora ainda encontra banana lá, no meio do capoeiral. Isso tudofoi
trabalho dos escravos, a banana, o cará de espinho, de angola tudo
foi planta dos escravos. Isso tudo serve de alimentação para nós.
Nós já encontramosplantado. "
' A s terras que nossos avôs trabalhavam nela, ou que nosso bisavô
que foi Bernardo Furquim. começavam da Barra dos Pilõespara
cima, lá do bairro do Galvão e vai até o Rio das Vargens. Tudo
pertence &s terras & Bernardo Fwquim. De onde ele pegou para
trabalhar, do Galvão até o Rio das V q e n s tem uns 12 ou 14
quilômetros. Cadafilho fonnava uma posse, ficava trabalhando, os
netos também trabalhava. Onde nós estamos, nós não saímos porque
temos muito amor nessas terras, onde nds arrumamos nosso @o,
onde nds se divertimos. Nós não vai achar outro lugar melhor para
poder viver. Na cidade a gente não vai porque quem não tem
profissão como nds, a gente não agUenta pagar casa, imposto de luz,
imposto de água. Precisa ir ao armazdm comprar as coisas, viver no
sítio é muito melhor. "
'Antigamente não tinha comércio suficiente como tem hoje, eles
trabalhavampara sobreviver do que eles plantavam; hoje em dia nds
phtamos para sobreviver daquilo que nds plantanus. Não tem
comércioparo nds vender as coisas, é muito baratinho; a gente
planta uma quantia para sobreviver e faz outro ramo para m m m o
dinheiropara poder fazer urna viagenzinha,para @r comprar
outras coisas. A gente faz uns trambiquesfora para ajuáar. Nds
planta, nbs cria os parquinho, as galinhas, arroz,feuão, mandioca,
até ca@ pùurtava bastante. Hoje ainda tem unspés de cacafépor aí.
Eles plantavam, colhiam, como nós faz. Nds não sabe qual é a
diferença. "
' A terra daqui é de todo mundo, agora a gente recusa daspessoas
de fora, que estão entrando dentro das terras agora. A gente acha
que o direito deles é pouco para eles dizerem que as t e m também é
deles, é p w .Eu acho que o governo deveria reconhecer que uma
fm'lia que nem nós desse lugar somos quase como os indios.
Naquele tempo da escravatura, as pessoas que se encontravam eram
os índios. Hoje em dia, que a gente estb sendo reconhecidopelas
famílias dos quilombos, nós somos os brasileiros legítimosporque
ndsfomos das primeiras pesoas que viveram no Brasil. "

SenhorEduNolascodeFrança
58 anos, 5 nuiaS.
Comunidade S&,Peclro, Município de EIdorado, em 04.06. %.
4
Ivaporunduva
André Lopes

Maria IgnezMmicondi,
Itesp. junho/97

-
d Ugua é uma
gentinha pequena, coni dente aba. Lá onde eu moma. ele vinha
virando cambota na dgua. Subia para cima, mas tinha uma pedra
grande emfrente onde mora a comadre Pedrina, ele vinha da
morada dele na Revessa. Esse lugares de Revessa ele gosta de
morar. Revessa é um lugarfundo. Eu fui bater roupa, e m t e i um
assobio. Quando eu espiava ele afundava ouha vez, eu não
enxergava. Eu com medo de gente que tinha monido afogada. Eu
jquei prestando atenção, bati a mp, queria saber o que era isso,
quando ele fezpsiu, eu sai e assustei ele. Ele emborcou na @a e foi
emhora. "

Dona Maria Adelaide Pedrosa


72 anos.
Comunidade André Lope$ Município de Eldorado, em 26.02.97
André Lopes

Andiara B. Automare IJ
Itesp. junho/97
Mana Ignez Mmicondi U
Castelhanos
"JoséJúlio da Silva nasceu aqui e levaram ele para a guerra que
teve no Paraguai. Foi sorteado para ir para a guerra. quando o
m p tinha 21 anos era sorteado militar. Os outros morreram em
combate, ele era forte. não morreu em combate, voltou paro a terra
dele. Ele contava de ir de navio para 16. de navio poro có.
trincheira. I-le contava que o material de lutarfoi armamento. ele
lutou com armas. Ele contava queJicou três anos na guerra. "
"Chico Paula era irahalhador. Morava no centro do mato, depois
mudou-se p u a Porto dos Pil&s, onde tem a igreja de São José. Dai
ele formou a fdbrica de pinga, casa de sobrado, era bonita a caso
dele, tinha assoalho. A casa delefoi desmanchada depois que ele
morreu. Ele pagava os camarada, elesfaziam uns 15 ou 20 alqueires
de roça,fazia mutirdo de plantaçdo, de roçada. IJm dia ele quis
comprar um boi de mim. eu tinha um gadinho, queria,fmerpuxirdo,
comprou o boi de 13 m b a s para matar para fazer o puximo. Se
garlaram de comer carne nesse dia. Foi a Aminda, os homens
daqui,foi muita gente. Ele sempref i - a puairão. nnha gente que
tocava nasfestas. linha uns três contador: José Vendncio, o outro
chamava-se Moteus, o outro chamava Laurindo cantador,plho da
Paula. Vinhagente de Iporanga s6 para ver eles cantar, pasma a
noile. "
''.Si0 Gonçalo e m uma dança de rodo. Tratavam de m a r i a . era
uma promessa, juntava muita gente. Era uma roda de dar a mdo e
cantava. Ilançava SBo Gonçalo até amanhecer o dia, era bom
quando pegava uma bonita para dançar, dançava a noite toda.
Demorava muito a dança e não dava para Irocar no meio. F d a
prome.wapara o santo, o São Gonçalo. Qualquer um que fazia a
pramesso, tinha de dar afesta para pagar, juntava gente. E dipcil de
fazer hoje. Minhas crianças quase que não viram a festa. r...] Aqui
tinha um homem chamado Mané Corimba. ele era de Iporanga. Ele
vestia a romaria, esse erafesteiro. Dizia assim: eu ouvia uma
antiga de uma galinha com galo, viva São Gonçalo. Dançava. Era
bonita. [...I Não ia padre ne.rsoswtai. mas era uma coisa &a.
tudo direitinho; todo mundo respeitava. "
~ ~ ~ ~~-~~

Senhor João Maciel


83 anos
Comunidade Castelhanos, Municipio & Eldorado, em 22.03.97
Cafundó
Cafundó
Nhunguara
"Em Ivaporundwa veio um pessoal que hahalhou como escravo e
fugiam. assim comojügiam para Sdo Pedro, para Pilões e para
outros lugares,figiam tamhém para aqui. Aqui 6 Barra do
Nhunguara, ali em cima é o Roqueirdo que umafamília fugiu efoi
morar para aquele lado. L6 em cima tem o córrego da M n h a que
tamhémfoi ocupado por fugitivos, por pessoas que eu conheci um
velho que morreu hó pouco tempo, seu Altalino, seu Zé Fèlicio. que
morreram. "
"Sohre o nome dosfmendeiros que IPm por aqui eu nBo sei bem
cerro. Os grandes que têm sdo esses, os arrasadores. [...I Ele ndo
perturham diretamente. mar indiretamente perturham porque esses
sdo os lugares que a gente sempre costumava huscar vida. Ndo dh
para entrar por Ió, eles estdo na cabeceira do Nhunguaro, onde tem
mais mata. "
"P^Ee.rfazendeiro.r ocupam uma área que 6 bavtante complicada nõo
só para eles, mas para o pessoal que é iradicional daqui. Eles estdo
deniro da área do Parque Jacupiranga de cabo a raho. As fazenda
t2m bastante pasto. O parque aqui é hem antigo, ma7 a ahertura das
divisas dele. se eu não eu estou nrentindofoi em 76, 77. Os
fazendeiros chegaram bem depois do parque. Nenhum deles têm
titulo dasfazendas. Nós os daqui tamhém nao lemos titulo. vivemos
aqui de teimoso porque governo nenhum ainda se interessou de
titular esse pes.ma1, que até deveria ser É até uma injustiça que os
nossos antepassados e os que convivem hoje ndo poder forer isso por
eles. Por exemplo, o meu avô ali em cima j ó vai fazer 90 anos, ele
ndo tem titulo e trabalho muito; vovb estó quase com 90 anos,
tamhém ndo tem título. Em $2 veia um pessoal do governo. da
Cepam, e ndo saiu nada. "
"Para plantar nós temos que tan~hdmrespeitar o verde, as ó p a s e
pagar as multas. Eu mesmo esse ano paguei RS 178 00 de multa sem
ter es.re dinheiro. O lugar que agente trabalhava denho, agora 6
feito defienda. na beira da esirada não tem capumra. A
fiscalização está chegando e dura, na idéia deles ndo é para a gente
forer mais nada. Querem .só saher da ecologia':

Senhor José Paula de Franp


Comunidade Nhunguara, Município de Iporanga, em 28.02.97
I
Pilões

Andiara 6. Automare, Itesp, junho197


P<,lombos em SBOPm<lo

Pilões

-L ""

Maria Ignez Maricondi,Itesp, junho/97


Pilões

$Andara B. Autamme e Mm.a Ignez Mariconm' f?, Ifesp,junhoD7


Nhunguara
"Eu não pego no sono de noite efico pensando tanta coisa dos
antigos. Eu lemhro de tanta coisa antiga, naquele tempo tinha todas
aquelas coisas. Não era muito diferente do que é agora, só que todo
mundo tinha que trabalhar na roça o tempo inteiro. Se trahalha~se
comia, se não trabalhasse morna defome. Naquele tempo, os mais
velhos de nós, agente tinha o que comer e o que heher, tudo da roça
A gente plantava fe/eiião e dava bom, plantava arroz dava bom, a
gente plantava milho e dava bom. Tudo o que a gente plantava dava,
o que mais precisava era o sal. que a gente comprava.
Plantava cana, eu e meu mm'do agente estava com rapadura a
tempo inteiro, tinha um canavial, nossa, tinha mwnda, tinha tudo.
Fdava com rapadura o tempo inteiro. Para nós e poro vender para
apeles que não plantavam. Quem não plantava comia e bebia
comprado. Tinha muita gente aqui no Nhunguara antigamente tinha
muita gente. tudofamiliaflm. Todosfilhos do lugar, não tinha gente
de fora, agora isso está tomado de gente de fora. A gente vendia um
para outro, aquele que não tinha vinha comprar da gente que tinha,
a gente vendia para eles. Tirava a quantia da gente gaaytare o resto
vendia para um e para outro. Gente do bairro mesmo.
Era custoso para comprar qualquer coisa aqui em Nhunguara, tinha
que ir até a Eldorado comprar alguma coisa, ainda nem caminho
tinha, viajava por canoa. Era dois, ires dias para ir daqui a
Eldorado. Dormia lá, quando não donnia lá voltava de noite. a
canoa pererecando por ai para chegar no porto para garrar por
Nhunguara acima. Mas, era o maior sacrificio. o caminho ai ndo
tinha; depois inventaram um caminho mas era trançado de capim. A
gente ia andar e precisava levar aquele capim no peito, rasgando o
capinml para poder andar. Oh, meu Deus do céu. Essa estrada aqui
foi feita agora de poucos dias, que abriram essa estrada.
Dai para c6 mudou muito porque agora a pessoa ficou facilitada
quandofalta carro na estrada, a pessoa quer ir a Eldorado,
amanhece bem cedo emharca ai na pista e vai a Eldorado, quando é
meio dia está em casa Quando quer ir de meio dia para tarde.
almoça bem almoçado e embarca no ônihus, quando é de tarde está
em casa. Agora, sim, endireitou.
Quando quer vender qualquer coisa é só embarcar que j6 vende hem
vendido e volta. Nesse tempo davo trabalho apeswa vender uma
canoada de arroz, uma canaada de milho, uma canoada de cafe.
Meu Deus do céu, era aquele trabalho de haldear no cargueiro de lá
do cenim, @azia aqui na beira do no, daqui embarcava na canoa.
enchia aquela canoa de mantimenfoe saia amscando a vida nesse
n o abaixo. Vinha no lombo do cavalo. se criava um cavalinho m a p
para baldear a c a t p nele. ainda era bom. "
A

Jorgina Dias dos Santos


Comunidade Nhunguara, Município de EIQrado, em 28.02.97

Y n t e s Iodo mundo trabalhava na roça O pai desse daqui esrá com


o arroz amadurecendo. NOo, não está amadurecendo, mas estó
cacheado. Tudo aqui, não tem nenhum que não frabalha na roça.
Agora trabalha menos por causa dessa vinda de coisa ndo estó
frabalhando muito. [...I Agora apessoa não tem nem onde frabalhar,
fazer uma casa. "
"Nós daqui somos uma coisa s6. tudo innandade. tudo irmandade."

Dona Mana Felicia da Cosia


84 anos
Comunidade Nhunguara, Município de Eldorado, em 04.03.97

Ministério Piiblico Federal - Procuradoria da República em São Paulo - T~echosde


depoimentos colhidos durante pesquisa de campo realizada no Vale do Ribeira para
subsidiar os trabalhos de identificação das comunidades de quilombo.
GOVERNO DO ESTADO
DE SÃO PAULO

GOVERNADOR DO ESTADO
Mário Covas

VICE-GOVERNADOR DO ESTADO
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho

SECRETÁRIODA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA


Belisário dos Santos Júnior

ITESP
INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÁO PAULO

COORDENADORA
Tânia Márcia Oliveira de Andrade
"Em Ivayortlndttva veio um pessoal que tmbnlhou conzo escravo
e figiam, assim como filgianl pcrrn Siio Pedro, para Pilões e par~7
otítros lzrgnres, &iam tanzbém pam aqtíi. Aqui é Barra do Nhtrnguara,
ali em cima é o Boqueiriio que trrna far?iilia jugiu e foi morar parcr
aquele lado. Lá em cima tem o córrego da Lavrinha que tamhénz
f o ~oczlpado porfiígitivos, por pessoas que ezí conheci Ltm velho
que morreu há pocrco tempo, seu Altalitzo, seti Zé Felicio, que inorrerai?z."

Senhor Jose Paula de França


Comunidade Nhunguara, Município de Iporanga.

4475
Quikmòw em 9ã0 Paufo
L--.
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