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AULA 1

Optativa: História, Historiografia e Memória das Violências Políticas do


século XX
Depto. História / USP
Marcos Napolitano
Aula 1 – Roteiro
História e Memória: dupla crise
• Enquadramentos disciplinares e científicos da história e da memória
como campo de conhecimento: século XIX
• História e memória para a construção da nação e da coesão social:
método científico, a história-batalha (herói nacional) e o engajamento
cívico
• História oficial, história da civilização, crítica histórica
• Pós-II Guerra: A crise da memória triunfante e a questão da “vítima”
• Novos enquadramentos da história e da memória social
Enquadramentos da história e da memória

• Enquadramentos disciplinares e científicos da história e da memória como


campo de conhecimento: século XIX
• Memória como objeto da sociologia – modelo de Maurice Halbwachs
• História como Disciplina Metódica – triplo afastamento: memória, filosofia e
literatura – Leopold Ranke e os metódicos – universal, transtemporal e objetiva
(fontes= verdade factual)
• HALBWACHS:
a) a memória é uma construção social que vai além da polarização “indivíduo
versus coletivo”, posto que ambos interagem, via família, religião e classes
sociais;
b) a memória coletiva é uma peça fundamental na constituição de laços
sociais de coesão em uma sociedade, respondendo a demandas especificas
de uma sociedade específica, localizada no tempo e no espaço
Memória: Definições
• ASSMAN, Jan:
• A) Memória comunicativa: autobiográfica, passado recente (até 3 gerações)/
tradições informais, gêneros de comunicação cotidiana, língua vernacular,
difusa na sociedade
• B) Memória cultural: coletiva impessoal, passado longínquo, alto grau de
formalização, mediada em textos, ícones, rituais, concentrada em
especialistas e altamente hierarquizada
• ROBIN, Régine:
• [memória]: “Inicialmente, os usos do passado, na sua diversidade,
através de lutas, diálogos e polêmicas mais ou menos violentas, em
uma época determinada, numa sociedade particular. Inevitavelmente,
em nosso percurso vamos encontrar a Shoah, obstáculo de todos os
problemas memoriais, hoje, mesmo quando isso não é claramente
formulado” (p.20).
História e Memória
• História oficial, história da civilização, crítica histórica
• MENESES: Discurso identitário (Memória) / Operação crítica intelectual
(História)
• POLLACK: “Na abordagem durkheimiana/halbwahsmiana, a ênfase é dada
à força quase institucional da memória coletiva, à duração, à continuidade
e à estabilidade. Assim também Halbwachs, longe de ver essa memória
coletiva como uma imposição, uma forma específica de dominação ou
violência simbólica,' acentua as funções positivas desempenhadas pela
memória comum, a saber, de reforçar a coesão social, não pela coerção,
mas pela adesão afetiva ao grupo, donde o termo que utiliza, de
"comunidade afetiva". Na tradição européia do século XIX, em Halbwachs,
inclusive, a nação é a forma mais acabada de um grupo, e a memória
Nacional, a forma mais completa de uma memória coletlva”
História e memória: tensões e interações
• Mesmo historiadores de ofício que não podem ser classificados como
pós-modernos ou desconstrucionistas (ANDERSON, HOBSBAWM) têm
problematizado a construção do passado e os processos de afirmação de
uma memória comum, principalmente no caso da memória nacional e de
seu corolário, a “história oficial”, a qual problematizaremos adiante.
• Seja na forma de uma “comunidade imaginada”, seja na forma de
“tradições inventadas”, as sociedades tuteladas por Estados-nação
estruturados não nasceram prontas. Os autores demonstram que a eficácia
deste processo e sua incorporação pela população dependem de
formulações intelectuais coerentes com a experiência histórico-social dos
povos envolvidos, do grau de coesão entre as classes sociais, e da eficácia
de sistemas de educação escolar e imposição de uma língua nacional
comum.
Memória-prótese (prosthetic memory)
• Alison LANDSBERG destacou os processos ainda mais “artificiais” de implantação
de memórias em grupos sociais que, por qualquer razão, não fazem parte do
corpo político original das nações construídas como tal. Seu conceito de
“prosthetic memory” parte de uma crítica à visão orgânica de “memória social”
(HALBWACHS) e defende que a modernidade e os fluxos populacionais dinâmicos
que marcaram a formação destas sociedades (ela estuda, particularmente, o caso
estadunidense) não podem mais ser pensadas a partir daquela visão.
• Na busca de coesão social em processos históricos dinâmicos e multiétnicos,
LANDSBERG destaca os meios de comunicação (particularmente o cinema e os
impressos), como vetores de uma “memória implantada” que prescinde de uma
experiência comum do passado ou de heranças culturais partilhadas (como seria
mais comum no caso europeu-ocidental, mesmo com todos os matizes).
• Em grande parte, a memória também passou a ser objeto de uma
“comodificação” cultural, adequando-se para o consumo na era dos meios de
massa. A capacidade de fluxo e incorporação destas “commodities” de memória
por parte de populações diversas e sem experiência comunitária ou simbólica
original de partilha, é definida como “prosthetic memory”.
História e memória: a dupla crise contemporânea
• A crise da memória triunfante e a questão da “vítima”
• Se há a possibilidade de uma “história após Auschwitz”, ela reside
precisamente nesta nova relação entre história e memória. Uma
profusão de “discursos sobre a memória” acabou por transformar a
memória em objeto da história e em contraponto crítico que matiza
as ilusões de objetividade da historiografia.
• Andreas Huyssen afirma que os novos discursos e demandasda
memória aparecem “como consecuencia de la descolonización y de
los nuevos movimientos sociales que buscaban historiografías
alternativas y revisionistas”
Novos enquadramentos
• Novos enquadramentos da história e da memória social
• Gilda WALDMAN: “Sin embargo, no existe una sola memoria, sino
interpretaciones plurales, diversas, simultáneas y en ocasiones
contradictorias, en las que se juegan disputas, conflictos y luchas en
torno a cómo procesar y re-interpretar el pasado” (….) “proceso
abierto de reinterpretación del pasado que deshace y rehace sus
nudos para que se ensayen de nuevo sucesos y comprensiones […]
(remeciendo) el dato estático del pasado con nuevas significaciones
sin clausurar que ponen su recuerdo a trabajar, llevando comienzos y
finales a re-escribir nuevas hipótesis y conjeturas para desmontar con
ellas el cierre explicativo de las totalidades demasiados seguras de sí
mismas
Cultura da Memória
• A emergência da memória de traumas históricos no espaço público durante
o século XX tem como momento mais elevado a representação dos males
do nazismo, gerando um diálogo notável com as formas e proporções
inéditas de controle da memória social ocorridos sob o mesmo, bem como
sob outras tiranias modernas, impulsionando a “cultura da memória”
(HUYSSEN, 2002). A porção (majoritária) do século passado relegada aos
genocídios e ditaduras impôs uma reconfiguração da problemática da
memória e do recordar em comum (VEZZETTI, 2009).
• Uma das principais repercussões culturais da Shoah foi o “boom da
memória” iniciado após a II Guerra Mundial. Desde então, o regime de
memória social mudou e o papel da vítima e do testemunho passou a
ocupar um espaço relevante, tanto em face do nazismo quanto das
ditaduras latino-americanas, genocídios, guerras civis, etc. Muitas das
formas instituídas de memórias tomaram como preocupação central o
registro e a evocação dos crimes, dos sobreviventes e das vítimas (TRAVERSO,
2007), mesmo em passados longínquos, mas ainda sensíveis.
Memória, verdade, justiça
• Rodrigo PATTO: “Não raro, o historiador é interpelado por pessoas que se
sentem mais capazes para falar do passado recente, considerando seu
testemunho superior ao olhar de um pesquisador que “não estava lá”. Se as
fronteiras entre História e Memória são esgarças e tênues, as dificuldades
no presente caso são ainda maiores. (...) Memória e História são formas
distintas de representação do passado, sem que se possa considerar uma
superior à outra” (...) Não obstante a Memória configure uma das matrizes
da História, esta procurou se autonomizar e mesmo submeter a Memória,
ao transformá-la em uma de suas fontes. Porém, em anos recentes, ocorreu
uma verdadeira invasão da Memória no espaço público, acompanhada de
febre comemorativa e da afirmação de vários grupos que reclamam o
reconhecimento de suas representações e verdades. Por isso, tem se falado
em abusos e tirania da Memória, vista como uma ameaça ao predomínio
da historiografia como representação do passado” (PATTO, R. História, Memória
e as disputas pela representação do passado recente. São Paulo, Unesp, v. 9, n. 1, p. 56-70, janeiro-junho,
2013).

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