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Recife
2019
Cap I: Da possibilidade de uma memória estritamente individual
Neste capítulo, o autor aborda a tese de que a memória individual existe sempre
e a partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no
interior de um grupo específico. A origem de várias ideias, reflexões, sentimentos,
paixões que atribuímos a nós mesmos, são, na verdade, inspiradas pelo grupo.
É nessa perspectiva que Halbwachs afirma que um homem quando entra em sua
casa sozinho, na verdade não esteve só uma vez que seus gestos e seus pensamentos se
explicam enquanto um ser social.
O autor inicia argumentando que é comum atribuirmos a nós mesmos ideias, reflexões,
sentimentos e paixões que nos foram inspirados pelo grupo. Ele afirma que a
complexidade de nossos sentimentos e nossas preferências são a expressão do acaso que
nos colocaram em grupos diversos ou opostos. Assim, o nosso modo de ver o mundo
está determinado pela influência desigual que esses grupos exercem em nós.
Halbwachs explica que as lembranças pessoais, que dizem respeito a nós mesmos são
mais difíceis de serem rememoradas pois não estão ligadas a um grupo. As lembranças
que temos mais facilidade de acessar são as que estão dentro do domínio comum que
também estão mais gravados na memória dos grupos mais chegados a nós. Assim,
existe uma complexidade de grau para evocarmos estes diferentes tipos de lembrança.
As que estão mais próximas dos grupos demandam uma complexidade menor.
Outro ponto abordado pelo autor é que a memória individual é um ponto de vista sobre
a memória coletiva e que esse ponto de vista muda conforme o lugar ocupado e as
relações que se mantém nesse lugar. A lembrança aparece pelo efeito de várias séries de
pensamentos coletivos emaranhados e não podemos atribuir exclusivamente a nenhuma
dessas correntes.
Nessa parte do capítulo, o autor elucida a diferença entre memória coletiva e História.
Para o autor, a história é a compilação dos fatos que ocuparam maior espaço na
memória dos homens. Entretanto, são lidos em livros, ensinados nas escolas. Os
acontecimentos são selecionados segundo necessidades ou regras que não valiam para
as pessoas que guardavam essa lembrança viva. O autor afirma que a história começa no
ponto em que acaba a tradição, momento em que se apaga ou decompõe a memória
social, quando a memória de acontecimentos não tem mais suportes no grupo, quando
se dispersa ou não interessam mais devido as mudanças sociais, o jeito então é salvar
essas lembranças em uma narrativa escrita.
Outro aspecto distintivo, segundo Halbwachs, é que pode haver várias memórias
coletivas, pertencentes a grupos distintos, mas só uma história da nação, da mesma
forma que pode haver uma história universal, mas não uma memória universal. Segundo
Halbwachs, grande parte de nossas lembranças repousam no social e no histórico: “ a
lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados
emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em
épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada.” .
Para Halbwachs as lembranças seriam incorporadas pela história à medida em que
fossem deixando de existir ou à medida em que os grupos que as sustentavam
deixassem de existir.
O autor faz uma crítica à história que tem a perspectiva da totalidade. A memória
coletiva é o grupo visto de dentro durante um período que não ultrapassa a média de
vida humana. Como a memória coletiva é um quadro de analogias, é natural que o
grupo se convença que permanece o mesmo porque ela fixa sua atenção no grupo.
O sociólogo inicia essa parte do texto discorrendo sobre o conceito de duração. Para ele,
todo ser dotado de consciência teria a capacidade de perceber a duração e mensuração
do tempo mesmo estando em isolamento, uma vez que a natureza oferece meios para
que isso seja notado. Um dos pontos principais é que não podemos definir pontos de
referencia individuais para tratar da duração do tempo na consciência, pois existem
horas mortas e dias vazios enquanto outros momentos nossa reflexão se acelera e temos
a impressão de termos vivido muito em pouco tempo cronológico.
Neste capítulo, Halbwachs tratará sobre o espaço e a relação com a memória coletiva. O
espaço é uma realidade que dura. Todo grupo e atividade coletiva tem relação com o
lugar. O autor aponta que o espaço não corresponde necessariamente à suas
características físicas. O espaço está atravessado pelas impressões dos variados grupos
que fazemos parte.
Nesse tópico, o sociólogo francês tratará sobre o espaço jurídico com ênfase no direito à
propriedade. Ele argumenta que um homem só adquire o estatuto jurídico de direito à
uma propriedade a partir do momento que a sociedade reconhece uma relação
permanente entre ele e essa terra/coisa. A memória coletiva, nesse caso, apoia a
permanência do espaço, pois é através dela que se pode evocar a lembrança do grupo
que aponta para um direito. O espaço jurídico é um espaço que permite à memória
coletiva localizar a lembrança dos direitos. Seja por meio de uma escritura, demarcação
de terras ou o hábito de morar. Para exemplificar o espaço jurídico que evoca
lembranças de direitos ou deveres o autor fala sobre a questão dos escravizados ou
devedores. Existiam espaços em que remetiam a lembrança da condição de cativo da
mesma forma que existem espaços que remetem a lembrança da condição de devedor.
Halbwachs argumenta que a vida econômica se baseia sobre a tabela dos preços
anteriores e, pelo menos, sobre o ultimo preço. O autor questiona de que modo a
imagem do objeto evocaria a lembrança do preço. Ele explica que os preços decorrem
de opiniões sociais em suspensão no pensamento do grupo e não da qualidade física dos
objetos. Não é o espaço ocupado pelos objetos, mas os lugares onde se formam essas
opiniões sobre o valor das coisas e onde se transmite a lembrança dos preços que podem
servir de suporte à memória econômica.
O autor afirma que a separação fundamental entre o mundo sagrado e o mundo profano
se localiza no espaço. Uma igreja, um cemitério ou qualquer outro lugar que evoque o
sagrado religioso, fará com que o “cristão” encontre lá um estado de espírito que já teve
experiência e com outros fiéis, irá reconstruir pensamentos e lembranças comuns que
também foram formados por pessoas antigas nesse mesmo lugar.