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RESUMO – O mundo antigo está presente entre os brasileiros, ainda que o Brasil seja um
país sem antiguidade. É possível constatar manifestações da antiguidade dentro do Brasil,
desde o interesse por leituras e textos antigos, até pela arquitetura que, muitas vezes, reproduz
o antigo no presente, gerando representações. Assim, analisando os traços da antiguidade que
existem no Brasil, o presente artigo pretende compreender por qual razão a história antiga se
faz presente no Brasil, vez que se trata de um país que sequer perpassou pela antiguidade?
Para responder esta pergunta, o presente artigo pretende se utilizar dos conceitos de memória
coletiva e representação, partindo da premissa de que como não há uma antiguidade brasileira,
o que existe é apenas uma memória que, ao ser reconstruída no presente, ressignifica-se
assumindo a configuração de uma representação.
ABSTRACT - The ancient world is present among Brazilians, even though Brazil is a
country without antiquity. It is possible to see manifestations of antiquity within Brazil, from
the interest in ancient readings and texts, to the architecture that often reproduces the old in
the present, generating representations. Thus, by analyzing the traces of antiquity that exist in
Brazil, this article intends to understand why ancient history is present in Brazil, since it is a
country that did not even pervade antiquity? To answer this question, the present article
intends to use the concepts of collective memory and representation, starting from the premise
that since there is no Brazilian antiquity, what exists is only a memory that, when
reconstructed in the present, is re-signified assuming the configuration of a representation.
1 INTRODUÇÃO
Pode-se pensar, portanto, que uma das facetas do renascimento consistiu justamente na
valorização da antiguidade. O antigo passa a ser valorizado e trazido à tona por toda a Europa,
seja no pensamento erudito ou, então, dentro das artes. É praticamente impossível pensar nos
Lusíadas, de Camões, sem a influência do mundo antigo clássico.
Porém, é preciso fazer uma pergunta: se o processo de renascimento é tipicamente
europeu, por qual razão o mundo antigo está tão presente no Brasil atualmente? Seria um
desdobramento do processo colonial ou seria um projeto de identidade de nossas elites?
Para responder esta questão, pretende-se utilizar aqui o conceito de memória. Não a
memória individual e particular, cujo interesse volve-se aos psicólogos. A memória que se
pretende abordar aqui é a de natureza coletiva, mantida por um grupo ou, no caso deste
trabalho, pelo povo brasileiro. Uma memória que se exterioriza por meio de monumentos e
documentos que se espalham por todo país; desde a arquitetura, onde é possível encontrar
várias edificações ornadas de colunas dóricas e jônicas, até selos postais e grafemas em
moedas, exortando o antigo em nós.
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Por óbvio que quando este passado, tão distante e remoto, é trazido à baila pelos mais
diversos meios, ele não vem transladado em sua forma fidedigna. Aqui, ele é ressignificado e
redesenhado, dentro de uma nova leitura atual e conformada com a racionalidade dos que
evocam tal memoria. Não é uma memória fiel do antigo é, pois, uma representação.
2 MEMÓRIA
Na realidade, dos primeiros podemos dizer que estão dentro do domínio comum, no
sentido em que o que nos é assim familiar, ou facilmente acessível, o é igualmente
aos outros. Assim, os fatos e as noções que temos mais facilidade em lembrar são do
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Para que uma determinada memória possa se tornar coletiva é preciso que ela tenha
vários pontos de contato com a individualidade de cada membro. Uma memoria apenas se
torna coletiva quando há identificação. Os membros do grupo tem uma identidade comum,
um dos elementos desta identidade é o passado que todos compartilham concomitantemente,
eis aí a raiz das memorias coletivas:
Assim, nesse caso, de um lado, os depoimentos dos outros serão impotentes para
reconstituir nossa lembrança apagada: de outro, nós nos lembraremos, em aparência,
sem o apoio dos demais, de impressões que não comunicamos a ninguém. Para que
nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus
depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas
memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a
lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum.
(HALBWACHS, 1990, p. 35)
Há memorais que o individuo adquire por si mesmo, são provenientes das experiências
e vivências do sujeito. Porém, a ideia que o individuo faz do antigo, remoto, anterior a sua
existência, também é um tipo de memória; não uma memória vivenciada, mas sim que lhe
fora trazida de alguma forma e, assim, existe dentro do sujeito.
O conhecimento histórico é, neste sentido, uma forma de memória também. A ideia
que as pessoas têm da antiguidade clássica, extraída dos livros, monumentos ou documentos,
é, normalmente, uma forma de memória científica, como diz Le Goff (2013, p. 535) “a
memoria coletiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os
documentos e os monumentos”.
mesma sociedade, muitas vezes reivindicam memorias totalmente contrárias sobre o mesmo
acontecimento. Por esta razão, o terreno da memória é um campo onde eclodem grandes
debates ideológicos:
capaz de romper esta herança, pelo contrário, fez questão de perpetuá-lo como verdadeiro
ideal de identidade nacional. Da leitura de historiadores do Brasil Império, como Varnhagem,
percebe-se claramente que o objetivo era manter no homem brasileiro os gens europeus que
recebera na colonização:
Desde então, nossa cultura – instituições, ideias, formas de convívio – veio de outro
lugar e não se adaptou aos trópicos, vivemos nos trópicos sem uma cultura
adequada, própria, tropical, participamos do desenvolvimento da cultura de um
outro lugar. Nossas representações da nossa história são diferenciadas, até o ridículo,
do nosso tempo social específico e concreto. Entre o conhecimento do Brasil e a
realidade brasileira há uma defasagem abissal: pensamos como ideias inadequadas à
nossa realidade social, ideias que, ao invés de facilitarem nossa relação com a
realidade, a impedem. (REIS, 2015, p. 47)
Um dos lugares de veiculação da memoria oficial é a Escola. Por meio das ementas,
do material didático, do conteúdo obrigatório, o Estado escolhe que memória será perpetuada
e que memorias hão de ser esquecidas. Não é por acaso, portanto, que a história antiga integra
a base do currículo obrigatório de história no Brasil:
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3 REPRESENTAÇÕES E MEMÓRIA
O termo representação tem sido bastante utilizado nas últimas décadas no Brasil,
sobretudo em trabalhos de historiadores que se dedicam ao estudo da cultura. Assim, as
representações adquiriram, após a década de oitenta, enorme prestígio entre os historiadores,
sobretudo diante das abordagens feitas pelo movimento da Nova História Cultural.
A razão para o estudo das representações ganharem relevo está no fato de que
passaram a ter um outro significado. Burke explica que “certa vez, Michel Foucault criticou
os historiadores pelo que chamou de sua ideia empobrecida do real, que não deixava lugar
para o que é imaginado. Desde então, muitos importantes historiadores franceses reagiram a
essa provocação” (2005, p.84). No modelo historiográfico tradicional, proposto pela Escola
Metódica e vigente até o início do século XX, as representações eram apenas uma ilusão do
real, porém, atualmente, percebeu-se que as representações são parte integrante do real. Ao
estudar as representações, o historiador é capaz de apropriar-se de vários elementos acerca
daqueles que estão representando; é uma forma de captar fragmentos da realidade.
Sabe-se que representar é trazer á tona um algo ou alguém ausente, gestando uma
imagem mental do referente. O ato de representar está intimamente ligado com a
racionalidade de quem representa.
A sociedade possui certa racionalidade, que marca seu tempo de forma indelével, é
composta pelos seus valores, suas crenças religiosas, seus conhecimentos, sua posição e
práticas sociais. A leitura que se faz do mundo emana dessa racionalidade. Ao deparar-se com
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o desconhecido o individuo usa de sua racionalidade, herdada do seu tempo, para representar,
dando sentido ao desconhecido.
Esta representação é comum, porque os membros do grupo partilham de uma
racionalidade própria, pensam de uma maneira homogênea. Se a racionalidade grupal se
desintegra, as representações grupais perderão sua natureza coletiva, de tal forma que não
mais será possível falar em uma representação coletiva. É preciso que todas pensem da
mesma forma:
Poderíamos dizer, também: é preciso que desde esse momento não tenhamos
perdido o hábito nem o poder de pensar e de nos lembrar como membro do grupo do
qual essa testemunha e nós mesmos fazíamos parte, isto é, colocando-se no seu
ponto de vista, e usando todas as noções que são comuns a seus membros.
(HALBWACHS, 1990, p. 28)
[...] o pensamento se manifesta pelas imagens que vem a mente como forma da
realidade, ou seja, a imagem visual é transformada, ao evocá-la esta reaparece
mentalmente mesmo que o referente não esteja mais no campo visual. As imagens
podem ser recriadas na mente diante da memória, pois os seres humanos despertados
pelas imagens que vem à suas mentes, estas mesmas imagens, podem remeter a
outras imagens em outros tempos, e esse despertar pode ligar a forma, a cor ao
cheiro ao som. O imaginário trabalha interconexões diversas como, por exemplo, o
medo, o pavor da morte, afetos, sonhos – daí a relação da ideia do sonhado, do não
vivido (VIGÁRIO, 2009, p. 06)
4 CONCLUSÃO
A antiguidade presente no Brasil não pode ser considerada apenas como uma
mera transmissão da colonização. Na realidade, as elites cunharam a identidade de que o
homem brasileiro seria um herdeiro do mundo cristão ocidental, assim, a independência não
significou uma ruptura, mas a continuidade deste projeto de perpetuação do ideal europeu
branco de homem.
Uma vez que o homem brasileiro, segundo o projeto hegemônico nacional, é um
ocidental cristão, por certo que é tradicionalmente um herdeiro do mundo greco-romano.
Neste sentido, o Estado Nacional torna-se o grande promotor das memórias da antiguidade, o
faz por várias formas: monumentos, ensino nas escolas, livros didáticos, símbolos cívicos,
grafemas em moedas e arquitetura. O Estado entende que esta origem deve estar sempre
presente por meio de símbolos que a representem, para poder ser sempre avocada e nunca
esquecida.
Quando esta memoria oficial é trazida à tona, por meio de símbolos
propositalmente criados pelo Estado, ele não emerge de forma fiel ao passado que remonta.
Não se trata de ver o mundo antigo como ele era. Esta memoria é, entre nós, uma
representação do passado, é apenas um olhar atual sobre o mundo antigo, destorcido por uma
racionalidade própria do nosso tempo.
Deste modo, pode-se concluir que o mundo antigo é parte da identidade do povo
brasileiro, na medida em que se constitui como parte integrante da identidade nacional. É
perpetuada pelo Estado, que tem interesse na manutenção desta identidade como elemento
cívico de coesão, formando assim uma verdadeira memória oficial.
5 REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 27ª ed. Companhia das Letras: São Paulo,
2014.
REIS, José Carlos. As Identidade do Brasil I: De Varnhagen a FHC. 9º ed. São Paulo: FGV,
2015.