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REPRESENTAÇÕES DO MUNDO ANTIGO NA SOCIEDADE BRASILEIRA: UM

ESTUDO NA PERSPECTIVA DA MEMORIA

Autor: Leandro José Paiva1

RESUMO – O mundo antigo está presente entre os brasileiros, ainda que o Brasil seja um
país sem antiguidade. É possível constatar manifestações da antiguidade dentro do Brasil,
desde o interesse por leituras e textos antigos, até pela arquitetura que, muitas vezes, reproduz
o antigo no presente, gerando representações. Assim, analisando os traços da antiguidade que
existem no Brasil, o presente artigo pretende compreender por qual razão a história antiga se
faz presente no Brasil, vez que se trata de um país que sequer perpassou pela antiguidade?
Para responder esta pergunta, o presente artigo pretende se utilizar dos conceitos de memória
coletiva e representação, partindo da premissa de que como não há uma antiguidade brasileira,
o que existe é apenas uma memória que, ao ser reconstruída no presente, ressignifica-se
assumindo a configuração de uma representação.

PALAVRAS-CHAVE: Memoria. Representação. Antiguidade. Identidade. Brasil.

ABSTRACT - The ancient world is present among Brazilians, even though Brazil is a
country without antiquity. It is possible to see manifestations of antiquity within Brazil, from
the interest in ancient readings and texts, to the architecture that often reproduces the old in
the present, generating representations. Thus, by analyzing the traces of antiquity that exist in
Brazil, this article intends to understand why ancient history is present in Brazil, since it is a
country that did not even pervade antiquity? To answer this question, the present article
intends to use the concepts of collective memory and representation, starting from the premise
that since there is no Brazilian antiquity, what exists is only a memory that, when
reconstructed in the present, is re-signified assuming the configuration of a representation.

KEYWORDS: Memory. Representation. Antique. Identity. Brazil.

1 INTRODUÇÃO

Tradicionalmente a história antiga é situada entre a invenção da escrita e a queda do


Império Romano. Apesar do limite temporal em questão ser objeto de inúmeros
questionamentos, é uma definição que tem sido amplamente difundida no Brasil,
principalmente em ciclos escolares, sendo está a ideia temporal geral que se tem sobre a
antiguidade.
Quando se fala neste trabalho em antiguidade, não se está falando do passado remoto
de qualquer grupo ou espaço. A antiguidade aqui, dentro de uma concepção clássica, refere-se
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Graduado em Direito e em História. Mestre em Direito da Infância e Juventude pela Universidade Bandeirante
de São Paulo e Mestrando em História Ibérica pela Universidade Federal de Alfenas MG.
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à antiguidade do mundo cristão ocidental. Na realidade, o próprio conceito de antiguidade, tal


qual se conhece, é uma construção bastante elaborada. O interesse pelo mundo antigo, e a
própria noção de antiguidade, nem sempre existiu, apenas ganharam relevo a partir do
momento em que a Europa passou a procurar suas origens, origens estas que supostamente
estariam no mundo clássico.
No final da idade média, nos idos do sec. XII, os europeus intelectuais, artistas e
pensadores, foram tomados por um crescente interesse por textos do mundo antigo. Porém,
com a imprensa, no sec. XIV, tais obras se disseminaram por todo continente e, o resultado, é
uma verdadeira euforia pela antiguidade clássica. Era uma realidade totalmente nova. Os
textos remotos, agora redescobertos, levaram à reflexão de que havia um mundo antes da
Idade Média, havia um mundo antes do cristianismo, havia um mundo antes da “Idade das
Trevas”. Este mundo era basicamente o mundo antigo clássico – Grécia e Roma - de onde
supostamente foram erigidos os pilares das sociedades europeias. Com efeito, o sec. XIV
assistiu a reconstrução da memória do antigo, o que é conhecido hoje como renascimento:

É a esse processo que se dá o nome equivocado de renascimento. Não foi um


renascer passivo, as uma reconstrução profunda da memória, com objetivos bem
presentes: rejeitar uma parte do passado mais recente, definindo-o como “Idade
Média” ou “idade das Trevas”, para construir uma outra identidade, voltada para o
presente e para o futuro. (GUARINELLO, 2013, p.19)

Pode-se pensar, portanto, que uma das facetas do renascimento consistiu justamente na
valorização da antiguidade. O antigo passa a ser valorizado e trazido à tona por toda a Europa,
seja no pensamento erudito ou, então, dentro das artes. É praticamente impossível pensar nos
Lusíadas, de Camões, sem a influência do mundo antigo clássico.
Porém, é preciso fazer uma pergunta: se o processo de renascimento é tipicamente
europeu, por qual razão o mundo antigo está tão presente no Brasil atualmente? Seria um
desdobramento do processo colonial ou seria um projeto de identidade de nossas elites?
Para responder esta questão, pretende-se utilizar aqui o conceito de memória. Não a
memória individual e particular, cujo interesse volve-se aos psicólogos. A memória que se
pretende abordar aqui é a de natureza coletiva, mantida por um grupo ou, no caso deste
trabalho, pelo povo brasileiro. Uma memória que se exterioriza por meio de monumentos e
documentos que se espalham por todo país; desde a arquitetura, onde é possível encontrar
várias edificações ornadas de colunas dóricas e jônicas, até selos postais e grafemas em
moedas, exortando o antigo em nós.
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Por óbvio que quando este passado, tão distante e remoto, é trazido à baila pelos mais
diversos meios, ele não vem transladado em sua forma fidedigna. Aqui, ele é ressignificado e
redesenhado, dentro de uma nova leitura atual e conformada com a racionalidade dos que
evocam tal memoria. Não é uma memória fiel do antigo é, pois, uma representação.

2 MEMÓRIA

A memória é uma das características da mente humana, consiste, basicamente, na sua


capacidade de reter informações trazendo-as à tona quando necessário. A memoria, nos
dizeres de Le Goff (2013, p. 423) é a “propriedade de conservar certas informações, remete-
nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças as quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele presenta como passadas”.
Há memorias que são particulares. A experiência individual de uma pessoa, por
exemplo, poderá gerar uma memória que interessa apenas àquele indivíduo em específico. Por
outro lado, há memorias que são grupais, existem dentro da mentalidade de várias pessoas ao
mesmo tempo e, todos que dela partilham, são, em regra, integrantes de uma coletividade
comum. Este tipo de memória é chamada de coletiva.
É interessante observar que as memorias coletivas não anulam ou excluem as
memorias individuais, ambas coexistem no sujeito, e muitas vezes se inter-relacionam:

Em outros termos, o indivíduo participaria de duas espécies de memórias. (...) De


um lado, é no quadro de sua personalidade, ou de sua vida pessoal, que viriam tomar
lugar suas lembranças: (...) De outra parte, ele seria capaz, em alguns momentos, de
se comportar simplesmente como membro de um grupo que contribui para evocar e
manter as lembranças impessoais, na medida em que estas interessam ao grupo.
(HALBWACHS, 1990, p. 53)

Em regra, as memorias individuais se extinguem com o individuo, ao morrer as


memorias morrem com indivíduo. As memorias coletivas tem uma duração maior, pois, são
alimentadas pelo coletivo. A morte de um não prejudica a existência da memória, já que ela
continua existindo no outro. Assim, a memória coletiva se perpetua no grupo de forma
pujante, de tal modo que é mais fácil trazer à tona as memórias que estão no domínio do
comum:

Na realidade, dos primeiros podemos dizer que estão dentro do domínio comum, no
sentido em que o que nos é assim familiar, ou facilmente acessível, o é igualmente
aos outros. Assim, os fatos e as noções que temos mais facilidade em lembrar são do
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domínio comum, pelo menos para um ou alguns meios. (HALBWACHS, 1990, p.


49)

Para que uma determinada memória possa se tornar coletiva é preciso que ela tenha
vários pontos de contato com a individualidade de cada membro. Uma memoria apenas se
torna coletiva quando há identificação. Os membros do grupo tem uma identidade comum,
um dos elementos desta identidade é o passado que todos compartilham concomitantemente,
eis aí a raiz das memorias coletivas:

Assim, nesse caso, de um lado, os depoimentos dos outros serão impotentes para
reconstituir nossa lembrança apagada: de outro, nós nos lembraremos, em aparência,
sem o apoio dos demais, de impressões que não comunicamos a ninguém. Para que
nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus
depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas
memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a
lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum.
(HALBWACHS, 1990, p. 35)

Há memorais que o individuo adquire por si mesmo, são provenientes das experiências
e vivências do sujeito. Porém, a ideia que o individuo faz do antigo, remoto, anterior a sua
existência, também é um tipo de memória; não uma memória vivenciada, mas sim que lhe
fora trazida de alguma forma e, assim, existe dentro do sujeito.
O conhecimento histórico é, neste sentido, uma forma de memória também. A ideia
que as pessoas têm da antiguidade clássica, extraída dos livros, monumentos ou documentos,
é, normalmente, uma forma de memória científica, como diz Le Goff (2013, p. 535) “a
memoria coletiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os
documentos e os monumentos”.

2.1 Memória da antiguidade no Brasil

Todas as sociedades precisam criar memorias. O objetivo destas memorias é forjar o


ser social, dando-lhe uma identidade. Partilhar de uma memoria comum, de um mesmo
passado, é um elemento importante de coesão e integra a própria ideia de nação.
O problema é que dado o tamanho dos estados modernos, bem como a
heterogeneidade de suas populações, torna-se difícil que exista apenas uma memoria coletiva.
Em regra existem várias memorias sobre o mesmo acontecimento e, por vezes, estas
memorias são conflituosas e destoantes entre si. Grupos e classes diversos, integrantes da
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mesma sociedade, muitas vezes reivindicam memorias totalmente contrárias sobre o mesmo
acontecimento. Por esta razão, o terreno da memória é um campo onde eclodem grandes
debates ideológicos:

Há grande diversidade de memórias dentro de uma mesma sociedade. Muitas se


produzem paralelamente e, muitas vezes, entram em conflito, quando representam
identidades contrastantes, grupos com interesses divergentes, diferentes visões de
que seja a sociedade e de qual deve ser seu futuro. (GUARINELLO, 2013, P. 09)

O conflito de memorias se torna ainda mais complexo, quando se percebe que o


terreno da memória não está restrito ao campo científico. De fato, existe uma memoria
científica, produzida pelo rigor metodológico, que consiste na própria ciência histórica.
Porém, há ainda uma memória, que poderia ser chamada de popular, produzida pela própria
sociedade, fora do ambiente acadêmico. Nesta perspectiva, percebe-se que é extremamente
difícil manipular a memória.
Mesmo assim, os estados modernos seguem na tentativa de impor memorias. Os
projetos nacionais dependem de homens com identidades específicas, um objeto de fetiche
dos estados, que os mesmos tentam forjar por meio da imposição de uma memoria, ou seja, da
memoria oficial:

No mundo contemporâneo, o Estado é o maior e mais eficaz produtor de memorias


sociais. Ele necessidade dessa produção de memória para sua própria legitimidade,
mas, sobretudo, para manter uma identidade nacional e cívica, para dar sentido a sua
existência como parta da vida dos cidadãos e da própria ideia de nação.
(GUARINELLO, 2013, P. 10)

Neste processo de operacionalização da memoria oficial, fatos são exortados e


ufanados, pelas mais diversas vias: desde as lições em livros didáticos, até os grandes
monumentos erguidos nas cidades. Tudo isso tem um único propósito: fazer com que a
memoria oficial esteja sempre presente, que ela seja sempre lembrada pelos homens da
sociedade. A memoria oficial não deve nunca ser esquecida.
Essa reflexão ajuda a perceber o porquê a antiguidade está tão presente no Brasil. Na
realidade, o projeto nacional de Brasil, perpassa pela criação de uma identidade nacional,
onde, o brasileiro é visto como um herdeiro da cultura cristão ocidental. Assim, estando a
antiguidade clássica na origem das civilizações europeias, ela teria chegado até aqui através
do processo de colonização.
Pelos portugueses o Brasil recebeu a sua herança antiga clássica, ou seja, as
reminiscências do mundo Greco-Romano. O processo de independência do Brasil não foi
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capaz de romper esta herança, pelo contrário, fez questão de perpetuá-lo como verdadeiro
ideal de identidade nacional. Da leitura de historiadores do Brasil Império, como Varnhagem,
percebe-se claramente que o objetivo era manter no homem brasileiro os gens europeus que
recebera na colonização:

A independência não foi problemática porque o estado não foi comprometido:


continuava nas mãos da Dinastia de Bragança. O Estado brasileiro será construído
sobre o modelo do Estado português. A unidade deverá ser preservada a qualquer
custo. O Estado funcionará como um imã da nação gigantesca: assegurará a ordem:
a lei: a religião; a unidade. Ele continuará a ação civilizadora da Europa branca.
(REIS, 2015, p. 47)

É por esta razão de Sérgio Buarque de Holanda chama os brasileiros de desterrados em


sua própria terra. Para o autor, a identidade nacional é tipicamente ibérica. Buarque de
Holanda acredita que esta identidade alienígena não se adaptou ao ritmo dos trópicos e, só
haveria efetiva emancipação, se o brasileiro fosse capaz de criar uma identidade própria,
tipicamente tropical:

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de


condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar é,
nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências.
Trazendo de países distantes nossa forma de convívio, nossas instituições, nossas
ideias e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável
hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. (HOLANDA, 2014, P. 34)

Na visão de Buarque de Holanda, esta cultura estrangeira é um entrave ao Brasil, ao


mesmo tempo em que se tente reproduzi-la, mais ela impede a formação de uma identidade
nacional própria e adaptada às condições específicas do país:

Desde então, nossa cultura – instituições, ideias, formas de convívio – veio de outro
lugar e não se adaptou aos trópicos, vivemos nos trópicos sem uma cultura
adequada, própria, tropical, participamos do desenvolvimento da cultura de um
outro lugar. Nossas representações da nossa história são diferenciadas, até o ridículo,
do nosso tempo social específico e concreto. Entre o conhecimento do Brasil e a
realidade brasileira há uma defasagem abissal: pensamos como ideias inadequadas à
nossa realidade social, ideias que, ao invés de facilitarem nossa relação com a
realidade, a impedem. (REIS, 2015, p. 47)

Um dos lugares de veiculação da memoria oficial é a Escola. Por meio das ementas,
do material didático, do conteúdo obrigatório, o Estado escolhe que memória será perpetuada
e que memorias hão de ser esquecidas. Não é por acaso, portanto, que a história antiga integra
a base do currículo obrigatório de história no Brasil:
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Mas há um lugar crucial para sua produção e reprodução social na atualidade: a


escola. Por meio dos currículos obrigatórios e dos livros didáticos instituições
estatais e privadas influenciam de modo decisivo a memoria social de todos os
brasileiros, não apenas dando sentido e unidade à História da nação brasileira, mas
também inserindo-a no contexto bem mais amplo da História mundial.
(GUARINELLO, 2013, P. 10)

Assim, este antigo se perpetua, como verdadeira parte integrante do homem


brasileiro. É um passado que mesmo remoto, torna-se também seu pela memória coletiva. O
mundo Greco-Romano, na condição de base da cultura ocidental, acabou se tornando um
terreno de construção de identidades nacionais, um lugar comum para a cultura ocidental, nos
dizeres de Guarinello (2013, p 08) “a história da qual a história antiga faz parte, é um tempo
peculiar de memoria social. E a memoria social é fundamental para criação de uma identidade
coletiva”.

3 REPRESENTAÇÕES E MEMÓRIA

O termo representação tem sido bastante utilizado nas últimas décadas no Brasil,
sobretudo em trabalhos de historiadores que se dedicam ao estudo da cultura. Assim, as
representações adquiriram, após a década de oitenta, enorme prestígio entre os historiadores,
sobretudo diante das abordagens feitas pelo movimento da Nova História Cultural.
A razão para o estudo das representações ganharem relevo está no fato de que
passaram a ter um outro significado. Burke explica que “certa vez, Michel Foucault criticou
os historiadores pelo que chamou de sua ideia empobrecida do real, que não deixava lugar
para o que é imaginado. Desde então, muitos importantes historiadores franceses reagiram a
essa provocação” (2005, p.84). No modelo historiográfico tradicional, proposto pela Escola
Metódica e vigente até o início do século XX, as representações eram apenas uma ilusão do
real, porém, atualmente, percebeu-se que as representações são parte integrante do real. Ao
estudar as representações, o historiador é capaz de apropriar-se de vários elementos acerca
daqueles que estão representando; é uma forma de captar fragmentos da realidade.
Sabe-se que representar é trazer á tona um algo ou alguém ausente, gestando uma
imagem mental do referente. O ato de representar está intimamente ligado com a
racionalidade de quem representa.
A sociedade possui certa racionalidade, que marca seu tempo de forma indelével, é
composta pelos seus valores, suas crenças religiosas, seus conhecimentos, sua posição e
práticas sociais. A leitura que se faz do mundo emana dessa racionalidade. Ao deparar-se com
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o desconhecido o individuo usa de sua racionalidade, herdada do seu tempo, para representar,
dando sentido ao desconhecido.
Esta representação é comum, porque os membros do grupo partilham de uma
racionalidade própria, pensam de uma maneira homogênea. Se a racionalidade grupal se
desintegra, as representações grupais perderão sua natureza coletiva, de tal forma que não
mais será possível falar em uma representação coletiva. É preciso que todas pensem da
mesma forma:

Poderíamos dizer, também: é preciso que desde esse momento não tenhamos
perdido o hábito nem o poder de pensar e de nos lembrar como membro do grupo do
qual essa testemunha e nós mesmos fazíamos parte, isto é, colocando-se no seu
ponto de vista, e usando todas as noções que são comuns a seus membros.
(HALBWACHS, 1990, p. 28)

Os elementos da racionalidade influem diretamente neste processo de abstração, ou


seja: seus conhecimentos, sua espiritualidade, seus valores e até mesmo sua posição social.
Representar é promover a interação de ideias com o objeto representado:

[...] o pensamento se manifesta pelas imagens que vem a mente como forma da
realidade, ou seja, a imagem visual é transformada, ao evocá-la esta reaparece
mentalmente mesmo que o referente não esteja mais no campo visual. As imagens
podem ser recriadas na mente diante da memória, pois os seres humanos despertados
pelas imagens que vem à suas mentes, estas mesmas imagens, podem remeter a
outras imagens em outros tempos, e esse despertar pode ligar a forma, a cor ao
cheiro ao som. O imaginário trabalha interconexões diversas como, por exemplo, o
medo, o pavor da morte, afetos, sonhos – daí a relação da ideia do sonhado, do não
vivido (VIGÁRIO, 2009, p. 06)

Assim, é possível que a representação se afaste demasiadamente do referente


representado, porém, seja bem próxima daquele que representa. Em suma, uma representação
fala mais sobre quem representa do que do representado propriamente dito.
A representação pode ser individual quando, por exemplo, versa sobre um fato ou
acontecimento que esteja imbricado apenas na esfera existencial do indivíduo. Porém, há
casos em que a representação recai sobre uma construção coletiva, como uma memória oficial
propriamente dita, nesta situação, a representação também será coletiva, ou seja, uma
representação do grupo:

Dissemos que um mesmo acontecimento pode afetar, ao mesmo tempo, várias


consciências coletivas distintas, disso concluímos que nesse momento essas
consciências se aproximam e se unem numa representação comum [...] o que
importa é a maneira pela qual o interpretam, o sentido que lhe dão, para
emprestarem a mesma significação [...] (HALBWACHS, 1990, P. 115)
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Quando uma determinada memoria do passado, sustentada por um grupo, é trazida a


tona no presente, a racionalidade dos membros do grupo dão a esta representação uma
significação própria, típica da época em que a memória fora representada. Por esta razão,
pode-se dizer que as memorias do mundo antigo são representadas de uma forma no sec. XIX
e de outra forma no séc. XX. A memória do antigo se transforma, a cada temporalidade em
que é representada.
Todas as vezes que a memoria coletiva é chamada, em uma temporalidade e espaço
próprios, ela é representada de uma forma nova, Halbwachs (190, p. 51) ensina que “ cada
memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda
conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que
mantenho com outros meios”.
Assim, a ideia que o brasileiro tem sobre o mundo antigo, evocada nos dias de hoje
pela memoria oficial, é uma representação deste passado distante. Esta representação fala
mais sobre o brasileiro e sua identidade, do que sobre o mundo antigo propriamente dito.
Porém, convém advertir, que as representações não devem ser encaradas como uma
mera distorção da realidade, posto que, ainda que se afastem do referente, os demais
elementos que a integram explicam muito sobre o grupo que a elaborou. Ao imaginar a
realidade o homem cria um significando para o real dando-lhe sentido. O real é composto do
referente e suas representações. O real é produto mental da análise do referente carregado de
significados. Pesavento explica que “este processo, portanto, envolve a relação que se
estabelece entre significantes (imagens, palavras) com seus significados (representações,
significações), processo este que envolve uma dimensão simbólica” (1995, p. 16).

4 CONCLUSÃO

O mundo antigo faz parte da origem do mundo ocidental. As influências do


mundo antigo nas civilizações da Europa nem sempre estiveram presentes, na realidade, o
antigo, tal como se conhece hoje, é uma invenção do renascimento. Desta forma, quando se
fala em antiguidade, basicamente volve-se a uma história latina e helênica.
Apesar do processo de gestação da antiguidade ter se dado na Europa, com a
renascença, de certa forma estas influências se fizeram presentes entre os povos do Novo
Mundo por meio dos processos de colonização. Assim, é possível perceber no Brasil, várias
manifestações e representações deste passado distante.
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A antiguidade presente no Brasil não pode ser considerada apenas como uma
mera transmissão da colonização. Na realidade, as elites cunharam a identidade de que o
homem brasileiro seria um herdeiro do mundo cristão ocidental, assim, a independência não
significou uma ruptura, mas a continuidade deste projeto de perpetuação do ideal europeu
branco de homem.
Uma vez que o homem brasileiro, segundo o projeto hegemônico nacional, é um
ocidental cristão, por certo que é tradicionalmente um herdeiro do mundo greco-romano.
Neste sentido, o Estado Nacional torna-se o grande promotor das memórias da antiguidade, o
faz por várias formas: monumentos, ensino nas escolas, livros didáticos, símbolos cívicos,
grafemas em moedas e arquitetura. O Estado entende que esta origem deve estar sempre
presente por meio de símbolos que a representem, para poder ser sempre avocada e nunca
esquecida.
Quando esta memoria oficial é trazida à tona, por meio de símbolos
propositalmente criados pelo Estado, ele não emerge de forma fiel ao passado que remonta.
Não se trata de ver o mundo antigo como ele era. Esta memoria é, entre nós, uma
representação do passado, é apenas um olhar atual sobre o mundo antigo, destorcido por uma
racionalidade própria do nosso tempo.
Deste modo, pode-se concluir que o mundo antigo é parte da identidade do povo
brasileiro, na medida em que se constitui como parte integrante da identidade nacional. É
perpetuada pelo Estado, que tem interesse na manutenção desta identidade como elemento
cívico de coesão, formando assim uma verdadeira memória oficial.

5 REFERÊNCIAS

BURKE, Peter. O que é história cultural?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

GUARINELLO, Noberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 27ª ed. Companhia das Letras: São Paulo,
2014.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 7º ed. Campinas: Editora UNICAMP, 2013.

PESAVENTO, Jatahy. Em Busca de Uma Outra História: Imaginando o Imaginário. In:


Revista Brasileira de História. São Paulo, n. 29, v. 15, p.09-27. 1995.
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REIS, José Carlos. As Identidade do Brasil I: De Varnhagen a FHC. 9º ed. São Paulo: FGV,
2015.

VIGÁRIO, Jacqueline Siqueira. História e Imaginário. In: Anais II Seminário de Pesquisa e


Pós-Graduação em História UFG. Goiânia, 2009. Disponível em:
<https://pos.historia.ufg.br/n/20866-ii-seminario-textos-completos> Acessado em: 10 de
janeiro de 2019.

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