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HISTÓRIA, MEMÓRIA E

IDENTIDADES

Sakay de Brito Santos


Taylana Lis de Araújo Pereira
O que é memória? Fotografia 1: Maurice Halbwachs

A priori, a memória parece ser um


fenômeno individual, algo relativamente
íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice
Halbwachs, nos anos 20-30, já havia
sublinhado que a memória deve ser
entendida também, ou sobretudo, como
um fenômeno coletivo e social, ou seja,
como um fenômeno construído
coletivamente e submetido a flutuações,
transformações, mudanças constantes.
(POLLAK, 1992, p. 2).
Fonte: Wikipédia(2014)
O estudo sobre a memória não é recente e já com o sociólogo francês
Maurice Halbwachs, na década de 1930, a memória deixa de ser vista
como um fator meramente biológico ligado a um corpo e a um cérebro
individual e passa a se tornar como algo coletivo. A importância de
Maurice foi provar que havia uma dimensão social tanto na memória
individual como na memória coletiva(sendo conhecida em sua forma
mais acabada como memória social) . Ressaltando que a memória
individual está inserida na memória coletiva que tem como
instrumental palavras e ideias , e ambas são produzidas no ambiente
social. Lembrando que a memória coletiva diz respeito a memória de
diversos grupos sociais que entrelaçam em uma rede social bastante
complexa.
• MEMÓRIA: Maurice Halbwachs (2006) distingue memória coletiva e
memória individual conforme o passado é organizado sob a forma de
lembrança. Se o passado for resguardado em torno de uma determinada
pessoa, que vê esse passado do seu ponto de vista, trata-se de uma
memória individual, interior ou pessoal. De outro lado, se as lembranças
se distribuem dentro de uma sociedade grande ou pequena, da qual são
imagens parciais, trata-se de uma memória exterior ou social. O autor
ressalta que a memória coletiva não ultrapassa os limites do grupo e
retém do passado tão somente o que ainda está vivo ou o que é capaz de
viver na consciência desse grupo.
• Segundo Halbwachs, as duas memórias se interpenetram, uma vez que a
memória individual incorpora e assimila progressivamente todas as
contribuições que lhe são externas – oferecidas pela memória coletiva -,
apoiando-se nesses elementos para preencher eventuais lacunas e tornar
as lembranças individuais mais exatas. Logo, para Halbwachs, a memória
está em permanente interação, sendo moldada, de certa forma, pelas
influências sociais e coletivas a que está exposta.
A memória pode ser entendida como a capacidade de relacionar um evento
atual com um evento passado do mesmo tipo, portanto como uma
capacidade de evocar o passado através do presente(JAPIASSÚ, 1996,
178).

• A memória, então, traz para o momento presente as experiências passadas,


erando a sensação ilusória de que é possível reavivar o que passou,
tornando o passado uma presença acessível. Essa é a impressão
transmitida pela lembrança e, a partir disso, a memória atua como fonte de
referentes identitários, pois “pela retrospecção o homem aprende a suportar
a duração: juntando os pedaços do que foi uma nova imagem que poderá
talvez ajudá-lo a encarar a vida presente” (CANDAU, 2011, p. 15).
De acordo com Michael Pollak (1992, p.5) a memória é um fenômeno
construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada,
podemos dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a
memória e o sentimento de identidade. Podemos dizer que a memória é um
elemento constitutivo do sentimento de identidade, tanto individual como
coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente
importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa
ou de um grupo em sua reconstrução de si.
A identidade cultural e a memória reforçam-se mutuamente. A cultura e
a memória são faces de uma mesma moeda e que a atitude cultural por
excelência e com a que nos rodeia, desde os testemunhos construídos
ou das expressões da natureza aos testemunhos vivos aos quais são
imprescindíveis para a construção desta identidade.

Por identidade entendermos os aspectos peculiares de um determinado


povo com suas crenças, ritos e experiências comuns. Na linguagem do
senso comum, a identificação é construída a partir do reconhecimento
de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas
com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal.
[HALL, 200. 106].
Identidade

• De modo que a identidade já não pode ser pensada e definida exclusivamente


em relação a uma comunidade nacional. Torna-se híbrida, pois está constituída
por esses elementos que circulam facilmente. Portanto, essa realidade
“diminuiu a importância dos referenciais tradicionais de identidade”
(CANCLINI, 2006, p. 130), pois essa deve ser pensada de forma articulada com a
transnacionalização e a interculturalização produzidas pelos fenômenos
globalizadores.

• A complexidade da questão da identidade, conforme demonstrado, revela a


teia intercultural e transnacional que envolve a identidade e interfere em sua
formação. A partir da ciência dessa complexidade, Hall e Canclini concluem no
mesmo sentido, reconhecendo que as identidades hoje são “processos de
negociação, na medida em que são híbridas, dúcteis e multiculturais”
(CANCLINI, 2006, p. 138), são móveis, abertas e flexíveis.
Quais são os elementos
constitutivos da memória?

Os Acontecimentos vividos pessoalmente


Os acontecimentos “Vividos por tabela”
Pessoas
Personagens
Lugares de memória
Acontecimentos “ vividos por tabela”

São acontecimentos vividos pelo grupo ou


pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer. São acontecimentos dos quais a
pessoa nem sempre participou mas que , no
imaginário, tomaram tanto relevo que, no fim
das contas, é quase impossível que ela
consiga saber se participou ou não.

Cangaceiros do bando de Virgulino Lampião (centro). Foto:


Benjamin Abrahão Botto
De acordo com Pollak(1992) além desses
acometimentos, a memória é constituída
por pessoas e personagens. Aqui
também podemos aplicar o mesmo
esquema, falar de personagens realmente
encontrados no decorrer da vida, de
personagens frequentadas por tabela,
indiretamente, mas que, por assim dizer,
se transformaram quase que em
conhecidas, e ainda de personagens que
não pertenceram necessariamente ao
espaço-tempo da pessoa. Mas, que nós
podemos senti-los por exemplo como um
contemporânea.
Pintura por Antônio Parreiras. Fonte:
Wikipédia
Lugares de memória

Os lugares de memória são os lugares


ligados as nossas lembranças, tanto ligado
as nossas lembranças pessoais, como as
lembranças que não tem apoio no temo
cronológico: um cheiro, uma caixa com o
objetos antigos guardados, um álbum de
fotografia, uma data comemorativa,
monumentos aos mortos, um lugar de férias
na infância, que permaneceu muito forte na
memória das pessoas, muito marcante,
independentemente da data real em que a
vivência se deu. Esses lugares evocam
lembranças de um passado que, mesmo
remoto, é capaz de produzir sentimentos e
sensações que parecem fazer reviver
momentos e fatos ali vividos que
fundamentam e explicam a realidade
presente. Símbolos da luta dos negros no Brasil, o
Baobá é mais que uma árvore de grande
porte. Ela também trás uma história de
resistência e força.
Pierre Nora

(Fonte: https://vimeo.com/245712303)
A memória é a vida, [...] está em permanente evolução, aberta a
dialética da lembrança e do esquecimento. [...] A memória é um
fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. [...]
A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na
imagem, no objeto.” (NORA, 1993, p. 09)
Os lugares de memória, termo de Pierre Nora, diz
respeito aos lugares que evocam lembranças nos
grupos sociais(lugares topográficos, lugares
simbólicos, lugares monumentais, historiografia, álbuns
de fotografia, pequenos objetos de memória), evoca
lembranças de um passado que, mesmo remoto, é
capaz de produzir sentimentos e sensações que
parecem fazer reviver momentos e fatos ali vividos que
fundamentam e explicam a realidade presente.
Torre do Tombo

Fonte: https://www.revistaplaneta.com.br/mergulho-na-torre-do-tombo/
Sítio Arqueológico Pedra Pintada em
Cocais, MG

Fonte: https://www.dedmundoafora.com.br/2015/07/sitio-arqueologico-pedra-
pintada-o-que.html
Datas Comemorativas
Campo de concentração de Auschwitz

Fonte: https://pt.euronews.com/2019/01/27/auschwitz-lembra-vitimas-do-holocausto
“ESPAÇOS DE RECORDAÇÃO”

Nome: Aleida Assman


País: Alemanha

Desenvolve trabalhos acerca da


antropologia cultural e na Memória
Cultural e Comunicativa, além de se
especialista em cultura inglesa e teoria
literária.

Afirma que hoje temos que lidar com uma intensificação do tema;
Caixas Mnemônicas
Memória da África

Locais muito longínquos, fora do espaço-


tempo da vida de uma pessoa, podem
constituir lugar importante para a
memória do grupo, e por conseguinte da
própria pessoa, seja por tabela, seja por
pertencimento a esse grupo. Um bom
exemplo seria a memória da África, como
um lugar formador de memória. Muitos
descendentes de africanos que nem
chegaram a nascer no continente africano
ou que nunca foram a África nutrem um
sentimento de identidade muito forte
graças as lembranças e memórias muitas
vezes transmitidas pelos seus pais ou
antepassados.
Patrimônio Cultural
“O patrimônio se situa entre a memória
e a história”. Jacques Le Goff - História
e Memória

São as nossas heranças culturais (sejam elas materiais ou imateriais)os


bens materiais e imateriais que podem fornecer informações
significativas a respeito da história de um país e do passado de uma
sociedade. São ícones repositórios da memória, permitindo que o
passado interaja com o presente, transmitindo conhecimento e
formando a identidade de um povo.

Quando se fala em patrimônio cultural, imediatamente associa-se o termo


aos conceitos de memória e identidade, “uma vez que entendemos o
patrimônio cultural como lócus onde as memórias e as identidades
adquirem materialidade”.
De acordo com Le Goff(1990), a memória, por conservar certas informações,
contribui para que o passado não seja totalmente esquecido, pois acaba por
capacitar o homem a atualizar impressões ou informações passadas, fazendo
com que a história se eternize na consciência humana. O passado só
permanece “vivo” através de trabalhos de síntese de memória, que nos dão a
oportunidade de revivê-lo a partir do momento em que o indivíduo passa a
compartilhar suas experiências, tornando com isso a memória “viva”.
A memória como fonte histórica

Como a memória é rememorizada ela não se deixa cair no esquecimento e vai


sendo refrescada constantemente, sendo grafada, narrada, ou tornando-se
fonte histórica, utilizando-se da “memória social que é um dos meios
fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história”(LE GOFF,
1996, 426).

A memória coletiva é perpetuada através dos documentos de toda


natureza, que no entanto, são produzidos por uma determinada sociedade
em um dado momento, segundo as relações de poder então existentes. Por
isso que os estudos históricos comtemplam as documentações que vão
desde os documentos oficiais até os depoimentos orais, os arquivos
particulares, os álbuns de fotografias, pois eles representam a
consciência coletiva dos grupos
Diferença entre História e Memória

Apesar de ambas estarem interligadas, estes conceitos são


diferentes. A história é uma reconstrução do passado que deve ser
feita de forma crítica, com respaldo teórico e metodológico, além de
passar pelo escrutínio de outros acadêmicos da área. Lembrar a
sociedade aquilo que ela quer esquecer é uma das funções do
historiador. Ou seja, a memória é uma fonte que a história usa, mas
não é a história em si. Muitas vezes, a história requer o rigor
metodológico, críticas as fontes, além de que a história costuma ser
menos vulnerável as questões do presente.
A diferença reside no distanciamento, na objetivação. O tempo da memória, o da
lembrança nunca pode ser inteiramente objetivado, colocado à distância, e esse aspecto
fornece-lhe sua força: ele revive com uma inevitável carga afetiva. É inexoravelmente
flexionado, modificado, remanejado em função das experiências ulteriores que o
investiram de novas significações.
O tempo da história constrói-se contra o da memória. Contrariamente ao que se escreve,
frequentemente, a história não é uma memória. O ex combatente que volta às praias do
Desembarque, em junho 1944, tem uma memória dos lugares, das datas e da
experiência vivida – foi aí, em tal dia; e, cinquenta anos mais tarde, ainda está submerso
pela lembrança. Ele evoca os colegas mortos ou feridos; em seguida, faz uma visita ao
Memorial e passa da memória para a história, compreende a amplitude dessa operação,
avalia o número de pessoas envolvidas, o material, os desafios estratégicos e políticos.
O registro frio e sereno da razão toma o lugar do registro, mais caloroso e tumultuado,
das emoções; em vez de reviver, trata-se de compreender (PROUST, 2008, p.106).
Memória e poder

A memória é compreendida como “território”, como espaço vivo, político


e simbólico no qual lida de maneira dinâmica e criativa com as
lembranças e os esquecimentos. Onde há memória há esquecimento, há
aquilo que o grupo quer esquecer, e existe aquilo que o grupo quer
lembrar. Segundo Pollak(1992) a memória pode ser classificada como
seletiva, pois nem tudo fica de fato registrado. Além disso a memória é
permeada pelas relações de poder, que muitas vezes são componentes
que autorizam o que deve e o que não deve ser falado, ou o que deve ser
lembrado e o que deve ser esquecido. O seu caráter seletivo deveria ser
suficiente para indicar suas articulações com dispositivos de poder .
A família Teles foi torturada durante a ditadura, filhos foram obrigados a ver a mãe
ensanguentada Imagem: Arquivo Pessoal... Fonte: UOL

Nesse caso surgem aí as disputas pelas memórias; de um lado


temos um grupo que quer esquecer, já outros que testemunharam
acontecimentos querem inscrever suas lembranças contra o
esquecimento, para que a memória continue sempre viva. É a luta
pelo não esquecimento.
Memória e silêncio

Outro elemento importante da memória são os silêncios, muitas vezes ligadas


aos traumas coletivos da memória nacional, principalmente, um acontecimento
vergonhoso ou traumático da memória nacional. Um exemplo é o mal-estar da
historiografia alemã perante o problema do holocausto e também do
envolvimento de grandes empresas alemãs com os empreendimentos nazistas.
Outro exemplo são as lembranças traumatizadas, lembranças que esperam o
momento propício para serem expressas. Essas lembranças durante tanto tempo
confinadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não
através de publicações, permanecem vivas. O longo silêncio sobre o passado,
longe de conduzir ao esquecimento é a resistência de uma sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite
cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades,
esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e
ideológicas.
História Oficial
Outro campo onde a memória se encontra bastante evidente é no campo das
memórias nacionais ou das histórias oficiais. Apesar de sua importância para a coesão
nacional de uma nação e de seu caráter unificador, precisamos tomar cuidado, já que
muitas vezes a seletividade na memória nacional é muito forte.

Fonte: https://www.sohistoria.com.br/biografias/caxias/
Memórias subterrâneas
É oficio do historiador resgatar as memórias esquecidas, resgatar as memórias que
estão em processo de esquecimento, e lembrar a sociedade daquilo que ela quer
esquecer.

Importante são também as memórias subterrâneas ou marginais que


correspondem a versões sobre o passado dos grupos dominados de uma dada
sociedade. Muitas dessas memórias não são monumentalizadas e nem
gravadas em obras de obras de arte, em hinos oficiais, ou monumentos, etc.
Muitas dessas memórias só se expressam quando conflitos sociais as evocam
ou quando os pesquisadores que se utilizam da história oral criam condições
para resgatá-las, registrá-las e analisá-las. Depois desse processo, elas
passam a fazer parte da memória coletiva da sociedade.
Referências bibliográficas
• HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva, tradução: Laís Teles
Benoir, São Paulo: Centauro, 2004;
• POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio.” In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro: vol. 2, nº 3, 1989.
• _________________. “Memória e identidade social”. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10, 1992;
• Cultura, Memória E Poder. Diálogos Interdisciplinares

• PROST, Antoine. Doze lições sobre a história.2008.


• CALDAS, W. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo:
Ibrasa, 1990.
• CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos – conflitos
multiculturais da globalização. Trad. Mauricio Santana Dias. Rio de
Janeiro. Ed. Uerj, 2006.
• CANDAU, Joël. Antropología de la memória. Trad. Paula Mahler.
Buenos Aires: Nueva Visión, 2006
• HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de
Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11ª Ed. Rio de janeiro:
DP&A, 2006.

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