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Editor:
 
Juan Carlos M. Coll (CV) 
ISSN: 1988­7833  
 

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Universidad de Málaga > Eumed.net > Revistas > CCCSS

Contribuciones a las Ciencias Sociales 
Septiembre 2013

A MEMÓRIA DO PATRIMÔNIO 
 
 

Cristina Jeannes Rozisky (CV)
crisroz@hotmail.com  
 
Universidade Federal de Pelotas 

Resumo:  Este  artigo discorre  sobre  alguns  aspectos  da  memória,  no  que  diz  respeito  ao  patrimônio,  e  como  se  desenvolveu  o  processo  de
patrimonialização memorial que se vivencia atualmente. A preservação do patrimônio, dos bens patrimoniais enquanto memória,  identidade  e
pertencimento.  O  conhecimento  da  história,  do  valor  agregado  como  significado  de  determinado  bem  material,  seja  ele  imóvel,  móvel  ou
integrado.
 
Palavras chave: memória, patrimônio, preservação, bens culturais.

 
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
 
Rozisky,  C.:  "A  memória  do  patrimônio",  en  Contribuciones  a  las  Ciencias  Sociales,  Septiembre  2013,  www.eumed.net/rev/cccss/25/bens­
culturais.html

A memória está na ordem do dia, ela está presente na multiplicação dos museus, nas instituições de memória, centros de memória, arquivos,
memórias de empresas, de partidos, de igrejas, de famílias, de clubes, nos documentários, novelas de época, moda retrô, movimentos sociais
de preservação de bens culturais, reivindicações de identidades e cidadania etc. são todos recursos mobilizadores de memória. Acrescenta­se
ainda a preservação de áreas urbanas, o tombamento de bairros, a atração das biografias e autobiografias, o mercado de antiguidades, lutas
contra o esquecimento e por aí afora. É como se a memória transbordasse. Essa efervescência deve significar ainda que a preocupação com a
coleta  e  o  registro  de  informação  e  documentação  atinge  por  vezes  níveis  preocupantes.  Atualmente,  vivencia­se  o  processo  de
patrimonialização que Françoise Choay denomina de “expansão ecumênica das práticas patrimoniais” (2006, p.207). Este é relacionado com a
ampliação do universo de bens culturais, através da noção de referência cultural, e engloba objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura
na construção de sentidos de identidade. São o que popularmente chama­se de raiz de uma cultura.
 
A UNESCO coloca que os bens culturais “são de fundamental importância para a memória dos povos e a riqueza das culturas”. O entendimento
q p p p q
dessa relação da aproximação das questões relativas à preservação e transmissão da memória, se tornam indispensáveis para a compreensão
da importância do patrimônio para a humanidade.
 
Os países que praticam a memória são mais vívidos, mais criativos, fazem melhores negócios, melhor turismo, são mais distintos. Os países
sem  memória  são  anêmicos,  não  se  movem,  são  conformistas,  e  caem  numa  espécie  de  cultura  de  sofá,  gente  que  está  sentada  no  sofá
assistindo  a  televisão…  E  não  se  movem.  Acredito  que  a  memória  é  um  conceito  tão  importante  quanto  a  circulação  do  sangue.  (Patrício
Guzmán, documentarista chileno em entrevista à revista Carta Maior, em 17/07/2012).
 
Esta  citação  de  Patrício  Guzman  ilustra  o  quanto  memória,  conhecimento  histórico,  cultura  e  identidade  estão  ligados  à  educação,  a
transmissão  do  conhecimento  e  consequentemente  ao  desenvolvimento  de  sociedade,  de  nação.  Mas  essa  efervescência  toda  representa
alguma  consistência  da  memória  no  presente,  é  capaz  de  produzir  consciência  histórica?  Seria  então  desejável  que  uma  das  funções  da
memória fosse aumentar a capacidade de perceber as transformações da sociedade  pela  ação  humana,  permitindo  que  se  tenha  quase  que
efetivamente a experiência da dinâmica social, da ação das forças que constroem a sociedade e que podem muda­la a todo instante.
Mas qual o tempo da memória? Seria o passado? Sem dúvida, o tempo da memória é o presente, mas ela necessita do passado.  O tempo da  

memória é o presente, pois é no presente que se constrói a memória – a memória não se constrói no passado, se constrói no presente, pois são
as  necessidades  do  presente  que  a  memória  responde,  não  as  necessidades  do  passado  nem  as  do  futuro,  embora  muitas  vezes,
retoricamente, seja representado assim. Contudo, os usos da memória são usos no presente – tradição só existe no presente das sociedades.
Mas  é  claro,  então  que  o  conteúdo  da  memória,  sim,  implica  o  passado,  porque  a  inteligibilidade  das  transformações  da  vida  precisa  do
passado  para  ser  identificada  e  entendida.  Entretanto  a  natureza  do  objeto  histórico  é  do  presente,  ele  funciona  no  presente,  na
contemporaneidade (ele próprio ou por referência). Foi produzido no passado, claro, mas, a interação com ele é no momento contemporâneo. A
contemporaneidade reúne em um tempo sincrônico diversas temporalidades.
 
Mas o passado não é apenas uma anterioridade temporal, deve­se ter a percepção do que é insubstituível para entender a condição básica da
vida  humana  e  que  a  história  fornece  que  é  a  diferenciação  do  tempo.  A  história  precisa  do  passado  para  identificar  e  explicar  a  diferença,
assim ela não é disciplina do passado, mas da diferença. Pela diferença se compreende a transformação, a dinâmica que rege a vida humana.
A  memória  é  a  faculdade  neurobiológica  de  reter,  gravar,  recuperar,  conservar  impressões  e  conhecimentos  adquiridos  anteriormente.  A
construção  da  memória  está  diretamente  ligada  ao  emocional,  à  identidade  na  medida  em  que  ela  é  um  fator  de  extrema  importância  no
sentimento  de  continuidade,  pertencimento  e  coerência  de  uma  pessoa  e/ou  de  um  grupo.  Memória  é  o  que  nos  torna  essencialmente
humanos, sem ela não há imaginação, não é possível contratos ou vínculos sociais. 
 
É impossível falar de memória como se memória fosse um dado que tivesse significação em si, abstrata, sem história. Só é possível falar da
memória quando se leva em conta que ela também tem uma história. E quando se fala história da memória, não é apenas nas teorias e dos
conceitos sobre memória, isso também é fundamental, mas quando se menciona o conceito de quadros sociais da memória formulado na virada
do  século  XIX  para  o  XX  por  Maurice  Halbwachs,  em  que  ele  diz  que  a  memória  somente  pode  ser  entendida  a  partir  das  condições
preexistentes  na  sociedade,  para  que  determinadas  lembranças  possam  estabelecer  a  coesão  social.  Este  conceito  só  se  entende
integralmente  se  levarmos  em  conta  essa  virada  de  século,  quando  o  grande  problema  das  ciências  sociais  estava  naquilo  que  manteria  a
sociedade  como  um  todo,  ou  seja,  na  busca  de  coesão,  de  unidade.  A  memória  não  só  transmite  conhecimento  e  significações,  mas  cria
significados. Os significados como tudo aquilo que é histórico, são mutáveis.
 
A memória se altera conforme o distanciamento com o fato. Segundo Henri Bergson (2006), o passado  sobrevive  por  inteiro  no  presente,  as
lembranças são acumulativas. Só se entende o presente, pois o passado informa, assim da mesma forma, só se projeta o futuro, através do
presente  porque  as  experiências  vividas  permitem que  se  avance  em  sua  direção.  Mas,  sem  uma  ideia  de  passado  que  assegure  divisar  os
sentidos, os mecanismos, as lógicas, os vetores, os agentes da diferença e da transformação, a mudança é ininteligível, é apenas um fator de
angustia. A ruptura e a descontinuidade vão ser fundamentais para definir o passado. É a partir desse rompimento da conexão orgânica com o
passado  e  da  descoberta  do  tempo  histórico,  pela  experiência  de  acompanhar  mudanças  em  estruturas  sociais  consideradas  eternas,  que
começa uma crise de memória, representada pelo marco da revolução francesa século XVIII. Uma ruptura de paradigmas.
De acordo com Ivan Izquierdo (1988), a memória é a capacidade de armazenar e evocar informações, é a conservação do passado através de  
imagens ou representações que podem ser evocadas. Para este autor, a construção da memória envolve processos  que  se  convencionaram
denominar “consolidação”, entendidos tanto no sentido de solidificação de memórias, como no da junção de várias memórias. A reconstrução,
¿Qué son?   que  é  à  base  da  evocação,  e,  portanto,  o  único  meio  de  medir  ou  determinar  se  cada  memória  existe,  envolve  também  processos  de
 
 ¿Cómo funcionan? consolidação, análogos  àqueles  desenvolvidos  na  construção.  De  tal  modo,  como  destaca  o  autor,  recebemos  informações  constantemente
através  de  nossos  sentidos,  mas  não  memorizamos  todas.  Há,  portanto,  um  processo  de  seleção  prévia  à  formação  de  memórias,  que
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  determina quais informações serão armazenadas e quais não.
 
Para  Maurice  Halbwachs  (1990),  o  conceito  de  memória  coletiva  defende  que  a  memória  individual  é  socialmente  constituída  por  quadros
15 al 29 de  sociais e tudo o que nos lembramos do passado faz parte dessas construções, que são realizadas no presente. O contexto social é a base da
julio memória do individuo: a relatividade da memória será condizente com os quadros sociais que o individuo viverá em sociedade e que estarão
 
X Congreso
presentes  em  todas  as  fases  de  sua  vida  como  família,  amigos,  etc.  Assim  a  memória  possui  sempre  um  caráter  social.  Não  existe  uma
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sobre memória  que  seja  estritamente  individual,  pois  a  memória  é  formada  coletivamente.  Sempre  se  aprende  ou  apreende­se  algo  através  de
  outrem, nunca se está só, pois carrega­se consigo impressões, ensinamentos, observações de outro; isto ocorre por ser seres sociais inseridos
Turismo y Desarrollo
em determinados grupos e em determinados momentos.
 
Nossas  lembranças  permanecem  coletivas  e  nos  são  lembradas  por  outros,  ainda  que  se  trate  de  eventos  em  que  somente  nós  estivemos
envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que os outros estejam presentes, (...),
pois sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem. (HALBWACHS, 2006, p. 30).
Aún está a tiempo de Desse modo, a memória é socialmente construída. Mesmo que um indivíduo esteja sozinho, ele irá  recordar  através  de   quadros  coletivos  da
inscribirse en el congreso
como participante­ memória  que  foram  construídos  através  de  interações  entre  indivíduos,  em  diversos  contextos.  Memória  é  construção  parcial  e  seletiva  do
espectador. passado cujos pontos de referencia são fornecidos pela sociedade. A memória coletiva se formula naturalmente por seres sociais, e dentro de
cada grupo sofre evoluções e adaptações. Porém não pode­se esquecer a importância do indivíduo que evoca as lembranças de acordo com o
seu contexto, com o seu presente, de sua memória individual, onde o grupo se torna a base de sua memória. E para que a memória coletiva
Próximos congresos sobreviva é necessário trocas, interações, evoluções, comunicação, resgate dentro deste contexto social.
 
Porém, Joel Candau (2001) afirma que o conceito de memória coletiva é muito difuso, mas prático, pois não é possível designar de outro modo
certas  formas  de  consciência  do  passado,  aparentemente  compartilhadas  por  um  grupo  de  indivíduos.  A  memória  coletiva  é  um  elemento
unificador  do  grupo,  um  elemento  de  representação  coletiva  compartilhado  por  vários  indivíduos  de  um  determinado  grupo  e  serve  como
06 al 20 de 
mediador para alcançar e assumir uma característica real de memória. Entretanto, é evidente que a memória de um indivíduo, por mais que seja
octubre
I Congreso 
construído isoladamente, em seu íntimo, sofre, a todo instante, influências das relações sociais, de seu grupo. A memória permite fazer o tempo
EUMEDNET passado  se  presentificar,  permite  construções  e  reconstruções  sociais  de  fatos  vividos,  permite  romper  silêncios  e  entender  formas  e
sobre
 
representações simbólicas.  Permite,  assim,  entender  as  múltiplas  camadas  de  tempos  e  espaços  que  necessitam  de  valores  e  significados
Políticas públicas culturais.  Ainda,  o  conceito  de  sóciotransmissores de  Candau,  com  o  qual  ele  designa  todas  as  produções  e  comportamentos  humanos  que
ante la crisis de las estabelecem  uma  cadeia  cognitiva  social  ou  cultural  entre  indivíduos.  Sendo,  portanto,  indispensáveis  para  a  transmissão  cultural  e  para  a
commodities partilha memorial, pois são considerados dispositivos de transmissão da memória.
 
A memória é sempre feita de memórias e esquecimentos e a sociedade compartilha principalmente o que se esquece de seu passado comum.
10 al 25 de 
noviembre Há  muito  mais  esquecimentos  do  que  recordações,  pois  se  escolhe  algumas  coisas  para  lembrar,  enquanto  uma  infinidade  de  outras  serão
I Congreso   esquecidas.  O  esquecimento  é  uma  complementação  da  memória.  Mais  compartilhamos  esquecimentos  do  que  memórias.  A  cada memória
EUMEDNET criada,  gera­se  um  esquecimento  (CANDAU,  2001).  No  nível  mais  elementar  desse  binômio,  memória  e  esquecimento,  a  memória  não  é
sobre
  considerada  apenas  um  mecanismo  de  registro,  conservação  e  recuperação.  Mas  de  qualquer  maneira,  quando  se  pensa  em  memória
Migración y
costuma­se pensar em aspectos de retenção de registro, de depósito de informações, conhecimento ou experiências. No entanto, a memória é,
Desarrollo
também, um mecanismo de seleção, de descarte, de eliminação. Não é possível entender a memória sem entendê­la, também, e talvez mais
12 al 30 de  ainda,  como  mecanismo  de  eliminação:  a  memória  é  um  mecanismo  de  esquecimento  programado.  Esquecer  é  requisito  para  pensar.  O
diciembre pensamento se faz por eliminação, por abstração. Abstrair é eliminar, é esquecer. Só pensa quem é capaz de esquecer. Nessa mesma direção
I Congreso   se deveria reconhecer que o museu, muitas vezes chamado de casa da memória, poderia igualmente ser chamado de casa de esquecimento,
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sobre
pois o que está fora dele é muito mais numeroso que o que está dentro e não goza do mesmo privilégio de conservação. Pode­se concluir que a
 
Economía y Cambio memória é um campo de negociação, de eleição.
 
Mas de que forma chega­se a essa era memorial, onde tudo se conserva e nada se quer esquecer? Através da ótica da evolução do conceito
Climático
de patrimônio, percorre­se caminho da inflação memorial.
No  passado,  monumentos  históricos  e  patrimônio  poderiam    ser  confundidos  e  até  considerados  sinônimos.  Desde  há  algum  tempo  que  os
monumentos históricos são uma parte de uma herança que não cessa de aumentar, quer pela anexação de novos bens, quer pelo alargamento
cronológico e geográfico em que se inserem estes bens, quer pelo conceito atual de referência cultural. Quando, na França, é criada a primeira
Comissão  dos  Monumentos  Históricos,  em  1837,  as  três  grandes  categorias  de  monumentos  históricos  eram  constituídas  pelos  vestígios  da
Antiguidade,  pelos  edifícios  religiosos  da  Idade  Média  e  por  alguns  castelos.  No  final  da  Segunda  Guerra  Mundial,  o  número  de  bens
inventariados tinha sido multiplicado por dez, mas a sua natureza não tinha mudado quase nada. Eles derivam, essencialmente, da arqueologia
da história erudita da arquitetura. Desde então, todas as formas da arte de edificar, eruditas e populares, urbanas e rurais e todas as categorias
d difí i úbli i d téti tilitá i f d t é d d i õ it t ã i d
de edifícios, públicos e privados, estéticos e utilitários, foram anexadas através de novas denominações: arquitetura menor, expressão oriunda
da Itália para designar as construções privadas, não monumentais, muitas vezes erguidas sem concurso de arquitetos; arquitetura vernacular,
expressão oriunda da Inglaterra usada para distinguir os edifícios característicos dos diversos territórios; arquitetura industrial das fábricas, das
estações, dos altos­fornos, reconhecida em primeiro lugar pelos ingleses (CHOAY, 2006). Assim o domínio patrimonial deixou de estar limitado
aos edifícios individuais: ele compreende, daqui em diante, os conjuntos edificados e o tecido urbano – quarteirões e bairros urbanos, aldeias,
cidades inteiras e mesmo conjuntos de cidades – como demonstra a lista do Patrimônio Mundial estabelecida pela UNESCO (1972). 
Até os anos 1960, o quadro cronológico no qual se inscreviam os monumentos históricos não ultrapassava as barreiras da segunda metade do  
século XIX. Hoje em dia, os Belgas deploram a perda da Maison du Peuple (1896), obra­prima de Horta, demolida em 1968; e os Franceses a
perda dos Halles de Baltard, destruídos em 1970, apesar de protestos vigorosos oriundos de quase toda a França e do mundo inteiro. Por muito
prestigiosas que fossem essas vozes, eram apenas uma minoria, confrontada com a indiferença geral. Para a administração e para a maioria do
público,  os  pavilhões  encomendados  por  Napoleão  III  e  Haussman  tinham  apenas  uma  função  trivial,  que  não  lhes  concedia  a  classe  de
monumentos.  Além  disso,  pertenciam  a  uma  época  reputada  pelo  seu  mau  gosto.  Atualmente,  uma  parte  de  Paris  haussmanniana  está
classificada e, em princípio, intocável daqui em diante. O mesmo se passa com a arquitetura modern style, celebrizada na França, na virada do
século por Guimard, por Lavirotte e pela escola de Nancy, cuja brevidade de carreira rapidamente fez associar a uma moda e a depreciá­la. O
próprio século XX forçou as portas do domínio patrimonial. Hoje estariam, sem sombra de dúvida, classificados e protegidos vários monumentos
demolidos até a década de 70. Na França, uma comissão encarregada do património do século XX, procurou elaborar critérios e uma tipologia
que não deixasse escapar qualquer testemunho historicamente significativo (CHOAY, 2006). 
A  noção  de  monumento  histórico  e  as  práticas  de  conservação  que  lhe  estão  associadas   expandiram­se  para  fora  da  Europa,  onde  tinham
nascido e onde tinham permanecido exclusivas durante muito tempo. Exceto no Japão, para este país que sempre mantivera as suas tradições
até  ao  presente,  não  conhecia  outra  história  além  da  dinástica,  não  concebia  arte  antiga  ou  moderna  que  não  fosse  viva,  que  conservava
sempre novos os seus monumentos através da sua reconstrução ritual, como a maneira de não esquecer a tradição, o saber fazer se mantém.
A  assimilação  do  tempo  ocidental  passava  pelo  reconhecimento  de  uma  história  universal,  pela  adoção  do  museu  e  pela  preservação  dos
monumentos enquanto testemunhos do passado. 
 
No final do século XIX, os Estados Unidos foram os primeiros a proteger o seu património natural, no entanto não se interessavam quase nada
pela conservação de um patrimônio edificado, cuja proteção é mais recente e que começou por envolver apenas as habitações individuais das
grandes  personalidades  nacionais.  Quanto  à  China,  que  se  tinha  mantido  alheia  a  estes  valores,  a  partir  de  1970  abriu  sistematicamente  e
explorou  o  filão  dos  seus  monumentos  históricos.  A  primeira  conferência  internacional  para  a  conservação  dos  monumentos  históricos,
realizada em Atenas em 1931, reuniu apenas países europeus. A segunda, realizada em Veneza, em 1964, teve a participação três países não
europeus:  a  Tunísia,  o  México  e  o  Peru.  Quinze  anos  mais  tarde,  oitenta  países  pertencentes  aos  cinco  continentes  tinham  assinado  a
Convenção  do  Património  Mundial.  A  tripla  extensão  –  tipológica,  cronológica  e  geográfica  –  dos  bens  patrimoniais  foi  acompanhada  pelo
crescimento exponencial do seu público. (CHOAY, 2006)
Industrial cultural, patrimônio e sociedade  
 
O patrimônio cultural é a síntese simbólica dos valores que identificam uma sociedade e que ela reconhece como próprios. O patrimônio é um
documento excepcional da memória histórica, chave da capacidade de construir a cultura, na medida em que permite verificar acumuladamente
atitudes,  comportamentos  e  valores  implícitos  e  explícitos  da  produção  cultural  através  do  tempo.  O  patrimônio  é  um  elemento  essencial  da
produção  do  imaginário.  Não  se  pode  prescindir  dele,  é  ele  que  ajuda  a  criar  o  futuro.  A  época  atual  leva  à  impossibilidade  de  definir  a
realidade, produto da contaminação de imagens e interpretações desconexas que chegam  através  dos  meios  de  comunicação.  Esta  enorme
ausência de valores com que  a  humanidade  se  vê  a  “braços”  urge  encontrar  referenciais  seguros.  Para  o  Homem do presente, o patrimônio
apresenta­se como uma garantia de solidez e estabilidade e como objeto mediador no processo de articulação entre tradição e modernidade
emergindo das contradições do presente. Numa incapacidade de gerir a perda e a morte enfrenta­se o futuro mantendo a difusão do patrimônio,
pretendendo conservar tudo, com um compromisso em que o desenvolvimento não ponha em perigo essa herança cultural e que as atividades
que se desenvolvem em torno do patrimônio sejam ainda mais um fator de desenvolvimento social e econômico. A apropriação de determinado
objeto para o campo patrimonial parte sempre de uma dimensão afetiva, ela resulta dos olhares convergentes de uma comunidade que elege
determinado objeto como representativo da sua identidade. 
 
A  sociedade  de  hoje,  de  uma  forma  geral  em  todo  o  mundo,  procede  à  divulgação  do  patrimônio,  fazendo  uso  de  uma  Gestão  Cultural
Mediadora. Gestão porque, parte de um processo complexo que é documentado, valorizado, interpretado, manipulado que produz e divulga não
só o objeto em si, mas um produto compreensível e assimilável na relação com o seu passado e com o presente; Cultural porque, opera­se com
a  obra  do  homem,  tangível,  intangível,  passado,  presente,  que  o  rodeia  e  que  influi  o  cidadão  de  hoje  a  ser  parte  da  sua  história  e  da  sua
id tid d M di d i t té i t i d d t t d bj t b (KÜHL 2006)
identidade; e, Mediadora, pois requer uma estratégia, um programa e um suporte independentemente do objeto que recebe (KÜHL, 2006).
 
Posteriormente  apropria­se  de  todas  as  ferramentas  conceituais  e  práticas  que  permitem  estabelecer  toda  a  espécie  de  vínculos  (afetivos,
educativos, lúdicos, de identidade) entre patrimônio e sociedade. A eles chama­se museologia, a história, a exposição, a animação cultural, ou
seja, todas as ferramentas que sirvam de vínculo entre patrimônio e sociedade. A natureza afetiva do seu propósito é essencial, não se trata de
passar  uma  informação  neutra,  mas  de  tocar,  pela  emoção,  pelo  sentimento,  uma  memória  viva.  A  especificidade  do  monumento  deve­se
precisamente ao seu modo de atuação sobre a memória.  Pois como já foi visto a memória é elegível, se escolhe o que se quer lembrar, e só se
lembra de aquilo que mais emociona, do que mais deixa marcas positivas ou mesmo negativas.
 
Adotar práticas de conservação de tais monumentos, obras, lembranças sem dispor de um referencial histórico, sem atribuir valor particular ao
tempo e a duração, sem ter colocado a arte na história, é totalmente desprovido se sentido, acaba levando ao esquecimento.
Todo objeto do passado pode ser convertido em testemunho histórico sem que para isso tenha tido, na origem, uma destinação memorial. De  
modo inverso, cumpre lembrar que todo artefato humano pode ser deliberadamente investido de uma função memorial. (CHOAY, 2006, p 26)
Sobre  a  evolução  patrimonial  pode­se  de  maneira  simplificada  fazer  uma  linha  do  tempo  crescente  em  relação  a  seus  suportes:  coleções,  
museus,  monumentos,  edifícios,  cidades,  paisagens  naturais,  até  chegar  ao  patrimônio  imaterial,  a  patrimonialização,  tudo  pode  ser
patrimoniável. A partir deste conceito, tudo se quer guardar e nada esquecer, nascem as políticas de memória, vale citar alguns exemplos como
a Memória do Holocaustro, Lei da Anistia, Comissão da Verdade, assim como os monumentos à memória, os memoriais.
 
Preservar a memória, o cotidiano, os acervos, marcos de existência de relação com a sociedade, um material raro de se encontrar, uma coisa
que era cotidiana, um fazer que foi regra. Preservar a história, conhecer a história de si mesmo, do seu lugar. Provocar a memória através de
intervenções, resgate histórico, memória da cidade. Reconhecer valor, significações ligados à história do estado, da nação. Todas estas ações
são  consequentes  da  cidadania.  Dos  anos  1990  em  diante,  vem  se  ampliando  o  conceito  de  preservação  e  de  patrimônio,  de  cultura  e  de
identidade.  A  memória  e  o  patrimônio  estão  no  dia  a  dia  das  pessoas,  desenvolvendo  um  novo  olhar  de  cada  cidadão,  despertando  o
sentimento  de  pertencimento  sobre  sua  história.  Provocando­os  a  ver  com  outros  olhos,  ouvir  com  outros  ouvidos.  Conhecer  melhor  sua
identidade e intensificar a percepção de pertencimento de sua comunidade, sua cidade.
 
Percepção no espaço em que se vive e seu papel como sujeito capaz de compreender e intervir sobre sua realidade, capacidade de representar
seus suportes de memória e pertencimento a sua comunidade, diálogos entre o patrimônio cultural e a memória coletiva. Memória social é plural
e polifônica, é o patrimônio como algo muito dinâmico. A memória e patrimônio são vivos e dinâmicos, não são nostálgicos, lembrando alguma
coisa que não faz mais sentido. Parceira dos movimentos sociais, criadora potencial de novos mundos, a memória se articula com as utopias.
Novas experiências de patrimônio e museus, transformação da sociedade, trabalhos a favor da dignidade social, da reparação social. Produz
novos sentidos, em permanente movimento, recriando­se através de ações humanas.
 
O  cidadão  deve  manter  sua  identidade  e  o  desejo  de  apropriação  do  patrimônio  cultural.  Preservação  como  ato  de  cultura.  Preserva­se  e
restaura­se hoje por razões culturais, científicas e éticas. Culturais: pelos aspectos formais, documentais, simbólicos e memoriais. Científicas:
pelo  fato  de  os  bens  culturais  serem  portadores  de  conhecimento  em  vários  campos  do  saber,  abarcando  tanto  as  humanidades  quanto  as
ciências exatas e biológicas. Éticas: por não se ter o direito de apagar os traços de gerações passadas e privar as gerações presentes e futuras
da  possibilidade  de  conhecimento  e  de  suporte  da  memória  de  que  esses  bens  são  portadores  (KÜHL,  2006).  Para  a  preservação,  deve­se
conhecer a relevância do papel da memória e da história enquanto quadro conceitual para atuação responsável.
 
A preservação é necessariamente seletiva, é um ato do presente, voltado para o futuro, testemunhos da operosidade humana que adquiriram
significação  cultural.  O  restauro  e  a  conservação,  hoje  se  voltam  não  mais  apenas  para  aquilo  que  era  entendido  como  “obra  de  arte”,  mas
dirigem suas atenções também às obras modestas que com o tempo assumiram conotação cultural. A preservação de monumentos históricos
deve, por isso, ser discutida e enfrentada com os instrumentos e vinculada à realidade de cada época. O fato de, no futuro, as posturas serem
diversas,  não  exime  um  dado  grupo  social  da  responsabilidade  pela  preservação  dos  bens  culturais  e  da  escolha  dos  bens  a  serem
preservados. Evidencia ainda mais a necessidade de se agir, sempre, de modo crítico e fundamentado em relação ao legado de outras épocas,
com os instrumentos de que se dispõem hoje, essencialmente aqueles vinculados à história e filosofia.
Formulações  teóricas  permitem  que  pelo  menos  se  circunscreva  e  se  defina  o  campo  de  ação  de  maneira  adequada  e  fundamentada.  Na
prática,  numerosas  ações  não  respeitam  o  documento  histórico,  configuração,  aspectos  memoriais  e  especificidades  e  características  dos
materiais de que são compostos. Ocorrem, mas não poderiam ser classificadas como ações de preservação (apesar de se autodenominarem
como tal),  pois  são  ditadas  essencialmente  por  razões  de  uso,  de  especulação  econômica  (para  obter  maiores  lucros),  vinculadas  a  certas
práticas  políticas,  inspiradas  por  vaidades  e  ignorâncias,  pessoais  e  coletivas.  São  ações  ditadas  por  interesses  imediatistas  e  de  setores
restritos da sociedade e não verdadeiramente voltadas à coletividade como um todo considerando o tempo na “longa duração”. Conduzindo a
resultados que vão contra os próprios objetivos da preservação, a saber, tutelar e transmitir para o futuro, da melhor maneira possível os bens
lt i it d t t i i hi tó i f i i i i bóli
culturais, respeitando seus aspectos materiais, históricos, formais, memoriais e simbólicos.
Distintas  formas  de  perceber  os  monumentos  históricos  devem  coexistir,  é  necessário  ter   em  mente  que  o  impulso,  que  de  início  motivou  a
preservação  não  foi  seu  valor  monetário,  nem  possível  aproveitamento  para  um  uso  qualquer.  A  preservação  foi  motivada  pelo  fato  de  se
reconhecer  um  significado  cultural  –  seu  valor  estético  (ou,  mesmo  não  sendo  “obras  de  arte”,  são  obras  que  possuem  imagem  figurada)  e
histórico,  e  ainda  os  valores  simbólicos,  emocionais,  afetivos.  Deve­se  reconhecer  que  todas  as  épocas,  que  as  várias  fases  da  produção
humana, possuem interesse e são merecedoras de estudo e tutela. Isso não se traduz em preservar qualquer testemunho legado pelo passado,
resulta de certas escolhas, voluntárias ou involuntárias.
 
O fato é que os instrumentos oferecidos para a preservação, através das suas vertentes teóricas, são adequados para atuar em monumentos
históricos sem deformar e deturpar o documento, a memória, os bens legados pelo passado, que fazem parte integrante do presente. Não se
trata  de  imobilismo,  congelamento,  muito  menos  de  necrolatria,  preservação  é  legítimo  ato  de  respeito  pelo  passado  em  que  se  propõe, de
maneira  socialmente  e  culturalmente  responsável,  uma  renovada  forma  de  se  relacionar  com  um  monumento  histórico,  voltada  para  a
transmissão do bem para as próximas gerações. E, portanto, uma ação que mantém sempre o futuro no horizonte de suas reflexões.
Monumentos e memórias são únicos e não reproduzíveis e devem portar consigo para o futuro seus elementos caracterizadores e as marcas de  
sua  translação  no  tempo.  Todo  cuidado  é  pouco,  pois  esses  monumentos­documentos,  instrumentos  e  suportes  materiais  da  memória,
individual  e  coletiva  permitem  infinitas  possibilidades  de  atualização  e  interpretação  ao  longo  do  tempo,  por  um  grupo  social  ou  por  uma
consciência  individual.  Oferecendo,  sempre,  renovadas  leituras,  que  serão  cada  vez  percebidas  e  apreendidas  de  modo  diverso  e  podem,
continuamente, de diferentes modos, por esta e pelas gerações do porvir, oferecer instrumentos importantes de reflexão para uma adaptação
harmoniosa à realidade.
Enfim,  para  a  multiforme   paisagem  da  memória  com  suas  ambiguidades,  sua  fluidez,  sua  complexidade,  as  inúmeras  articulações  e  os
paradoxos que escapam à prisão de teorias uniformizantes ou binômios mutuamente excludentes. Como coloca o mestre Ricouer (2007, p.126),
“a questão permanece em aberto”...

Referencias bibliográficas:
 
ANOTAÇÕES de aula da autora na disciplina Memória e Identidade, no decorrer do primeiro semestre de 2012, do Mestrado em Memória Social
e Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Pelotas.
 
BERGSON, Henri. Matéria e Memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes 2006, [1896].
CANDAU, Joel. Memória e Identidad. Buenos Aires: Del Sol, 2001.  
 
CHOAY, Françoise.  A alegoria do patrimônio; trad. Luciano Vieira Machado. 3ª Edição. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006, [1990].  
 
HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1952
 
IZQUIERDO, Ivan. Organização, consolidação, construção e reconstrução da memória. Porto Alegre: UFRGS, s.n; 1988.
 
KÜHL, Beatriz Mugayar. História e Ética na Conservação e na Restauração de Monumentos Históricos. CPC, São Paulo, v.1, n.1, p. 16­40, nov.
2005/abr. 2006. Disponível em: http://www.usp.br/cpc/v1/imagem/conteudo_revista_arti_arquivo_pdf/kuhl_pdf.pdf. Acesso em: 16/07/2012.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Unicamp, 2007.  

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Comentarios sobre este artículo:

Página: [1]
Por: polidori Fecha: 13 del 09 de 2013 ­ 22:11
Que rico artigo sobre memória!

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