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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA - UESB

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEMÓRIA: LINGUAGEM E


SOCIEDADE – PPGMLS

DE BERGSON À HALBWACHS: A PROBLEMÁTICA DA MEMÓRIA


Thayse Sousa de Jesus Ferraz1
RESUMO:

O trabalho visa apresentar uma abordagem teórica e reflexiva a respeito da


memória social, trazendo a perspectiva dos autores Henri Bergson e Maurice
Halbwachs, relatando os pontos de divergências e convergências a respeito da
temática. Para que fosse possível a realização de tal análise, optou-se por dividi-
la em partes: a introdução onde será feita uma breve discussão teórica a respeito
do conceito da memória, posteriormente faremos a abordagem da memória
segundo cada autor que nos dispomos a analisar da seguinte forma: “A
concepção de memória na perspectiva Henri Bergson” e “A percepção da
memória na óptica de Maurice Halbwachs”. Por fim trabalhamos com a
problemática dos pensamento de ambos os autores levando em consideração
as convergências e divergências existentes em suas abordagens teóricas na
sessão “Bergson e Halbwachs: convergências e divergências”, acrescidas das
nossas considerações finais ainda que muito preliminares a respeito de tal
temática que é complexa e riquíssima, a qual em apenas um trabalho inicial não
conseguiremos abarcar em sua totalidade.

Palavras- chave: Bergson, Halbwachs, memória, duração, memória coletiva

1Mestranda do Curso Memória: Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-


UESB
INTRODUÇÃO:

Primeiramente conceituaremos o termo “memória” para posteriormente


adentrar a discussão do que vem a ser “memória social” a luz dos autores
supracitados. Sabemos que a memória primeiramente, é um fator neurobiológico
que segundo Le Goff (2013) trata-se de um conjunto de funções, e dentre elas é
permitido ao homem atualizar suas impressões/informações passadas. Portanto
a memória representa uma ligação insolúvel entre o passado e o presente.

“Em si e por si, a memória é simplesmente subjectiva. Ao mesmo


tempo, porém, a memória é estruturada pela linguagem, pelo ensino e
observação, pelas ideias colectivamente assumidas e por experiências
partilhadas com os outros”. (FENTRESS E WICKHAM, 1992, p. 20)

Bergson compreende a memória, como algo que “tem por função primeira
evocar todas as percepções passadas análogas a uma percepção presente,
recordar-nos o que precedeu e o que seguiu, sugerindo-nos assim a decisão
mais útil” (1999, p. 266), ou seja, segundo o autor há uma escolha do que a
consciência irá trazer à tona, pois as lembranças tendem a ser uteis na situação
vivida, mas é importante salientar que ele ainda acredita que não acessamos a
lembrança de maneira completa. Ainda relatando a respeito da memória a luz do
pensamento bergsoniano, ele evidencia que há dois tipos de memória, que são
interligadas, seriam elas: memória hábito e a memória espontânea.

Para o autor Maurice Halbwachs, a memória apesar de ser um trabalho


do indivíduo, é sempre construída em grupo. Pois o grupo abrange os modos de
pensamentos e experiências comuns, é no grupo que a lembrança passa a ser
localizada em um quadro de referência que envolve o espaço e o tempo que
foram vivenciadas.

Há portanto diversos tipos de memória, mas nesta análise, iremos centrar


apenas no debate entre os dois autores supracitados a respeito das diferentes
abordagens do campo da memória.

A CONCEPÇÃO DE MEMÓRIA NA PERSPECTIVA HENRI BERGSON

A compreensão de Henri Bergson a respeito da memória diz respeito a


ela ser concomitantemente imagem e razão. Ele sustenta sua teoria afirmando
que o passado se conserva inteiro no espírito, essa conservação pode ocorrer
tanto de forma consciente (rememorado pelo presente) como inconsciente, ou
seja, para Bergson a memória está relacionada ao espirito.

Apesar dessa relação com o espirito, o conceito chave do pensamento


bersoniano consiste na compreensão da duração. A duração é para ele o dado
imediato da consciência humana, mas não trata-se de um elemento interno, a
consciência é a duração. Em síntese a duração é um tempo continuo e
heterogêneo, envolto em multiplicidades, trata-se de um fluxo do prolongamento
do passado no presente que avança roer no futuro. Bergson visa explicar o
mundo a partir da duração, ou seja, em sua concepção ao tratar da
temporalidade ele demonstra que tanto a memória como a forma de perceber o
mundo estão associadas a tal fenômeno.

Ainda a respeito da duração bergsoniana, compreendemos que esse


fenômeno é importante também para desdobrar o que o autor supracitado
conceitua como criação, que seria uma realidade resultante de um processo que
traz consigo uma continuação, ou seja, o autor concebe que a vida evolui pro
desdobramento e dissociação.

O autor ainda evidencia a memória-hábito e a memória espontânea como


sendo dois tipos de memória mas que são interligadas. A respeito da memória-
hábito ele diz:

Ela faz com que nos adaptemos à situação presente, e que as ações
sofridas por nós se prolonguem por si mesmas em reações ora
efetuadas, ora simplesmente nascentes, mas sempre mais ou menos
apropriadas. Antes hábito do que memória, ela desempenha nossa
experiência passada, mas não evoca sua imagem. (BERGSON, 1999,
p.177- 178)

Sendo assim nesse tipo de memória, a lembrança é adquirida pelo esforço de


repetição. Já a memória espontânea, também chamada de memória-lembrança
é movida no passado, segundo o autor

[...]ela retém e alinha uns após outros todos os nossos estados à


medida que eles se produzem, dando a cada fato seu lugar e
conseqüentemente marcando-lhe a data, movendo-se efetivamente no
passado definitivo, e não, como a primeira, num presente que
recomeça a todo instante. (BERGSON, 1999, p.178)

Sendo assim para Bergson há dois tipos de memórias coexistentes,


tornando necessário que compreendamos que as ações são realizadas no
presente e que as imagens sobrevivem no passado, demonstrando com clareza
que para ele na memória está contida tanto a razão quanto a imagem, e que o
passado, presente e futuro, antes de tudo representam um fluxo.

A PERCEPÇÃO DA MEMÓRIA NA ÓPTICA DE MAURICE HALBWACHS

A perspectiva Halbwachiana é extremamente clara em relação ao seu


posicionamento a respeito da memória social, o autor não nega a existência de
uma memória individual, mas para ele tal memória está ligada aos quadros
sócias da memória, ou seja, para Halbwachs a memória individual está contida
na memória social, visto que de acordo com sua abordagem, toda memória é
acima de tudo social. Esse posicionamento do autor fica claro desde as suas
explanações, principalmente no exemplo a respeito das reflexões sobre a
memória da infância e a do adulto, que ele deixa muito claro as perspectivas a
respeito da lembrança de cada um. A criança lembra a partir do seu grupo
familiar, enquanto o adulto a partir dos diferentes grupos sociais que ele
pertence.

Para o autor Halbwachs, toda memória coletiva se desenvolve em um


quadro espacial, ou seja, os grupos sociais que formam essa memória coletiva,
estão diretamente relacionados a um lugar (espaço), que não é necessariamente
um espaço físico, a exemplo disso podemos citar a hierarquia social: os
indivíduos têm uma memória do espaço que ocupam dentro dessa divisão, esse
local ao qual pertencem geralmente é onde eles apoiam as suas tradições.

Sendo assim, para o referido autor, a memória individual é portanto um


ponto de vista a respeito da memória coletiva, a partir dos exemplos fica claro
que esse ponto de vista também sofre modificações a partir do lugar e do grupo
social que ele ocupa. Consequentemente a memória coletiva, é apoiada pelos
grupos aos quais os indivíduos estão envoltos, ou seja, a concepção de memória
coletiva está apoiada diretamente em eventos coletivos, em um passado comum
aos membros do grupo.

BERGSON E HALBWACHS: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Ambos os autores não acreditam que a memória é apenas uma atividade


física, capaz de ser mensurada em laboratórios, ambos fazem uma abordagem
a respeito da complexidade da memória.

Bergson parte de uma preocupação mais voltada em pensar as condições


ontológicas tanto da conservação quanto da passagem do tempo, objetivando
compreender como ocorre a rememoração. Halbwachs em contra partida
trabalha com a perspectiva da memória coletiva como fator capaz de explicar os
processos de rememoração.

Uma importante divergência que não poderiamos deixar de expor nessa


análise é a representação do cone invertido, elaborada por Henri Bergson:

[...] la metáfora de la memoria de Bergson es la de um cono invertido y


adyacente a um plano. El cono simboliza la memoria como reservorio
de imágenes acumuladas em el pasado, el plano simboliza el presente,
la punta del cono significa la memoria en el presente que unicamente
permite filtrar del pasado aquellos recuerdos habituales.
(HALBWACHS, 2004, p. 367)

Halbwachs não corrobora dessa mesma percepção, visto que para ele a
memória é uma reconstrução do passado realizada de forma racional, através
de elementos e aparatos que existem na consciência do grupo que o indivíduo
está inserido. Ao passo que Bergson defende que a memória é uma experiência
vivida individualmente do passado, ou seja, ele trata a memória como um fator
meramente individual, não levando em consideração a vivência social, e ainda
acrescenta que a memória é simultaneamente imagem e razão.

Ainda relatando as divergências, observamos que diferentemente de


Bergson, para Halbwachs as imagens não estão relacionadas ao espirito ou a
uma consciência pura, para ele esse tipo de relação ocorre devido aos grupos
sociais, ou seja, para ele as relações de lembrar e esquecer são estabelecidas
a partir da posição social que o indivíduo ocupa e os grupos aos quais se sente
pertencente.
Os autores mencionados, além das divergências citadas, ainda pensam o
espaço de formas distintas. Se para Bergson o espaço é quantificado, a memória
dura apesar de estar envolta em simbologias, Halbwachs por outro lado tem o
espaço como a referência do quadro de memória, para ele, para existir memória
é necessário a existência de espaço e tempo juntos (pois ambos não podem ser
interpretados como conceitos individuais), visto que não há memória no vazio.

Considerações finais:
Importante lembrar que apesar de Halbwachs contrapor Bergson em
muitos aspectos, reconhecemos que apesar de haver aproximação entre os
pensamentos, Halbwachs por vezes não levou em consideração em seus textos
ao criticar Bergson que por vezes eles estavam fazendo analises sobre pontos
de vistas distintos.
Sendo assim ao longo do texto ficou claro que para Halbwachs o passado
é algo que é reconstruído a luz do presente e que as memórias são pensadas
de acordo com o contexto social ao qual os indivíduos estão inseridos. Já
Bergson defende que a duração é o prolongamento do passado no presente,
que avança roer no futuro, ou seja, o passado é a dimensão do tempo que não
existe mais, mas que apesar de não existir mais é preservada.
Além disso as concepções de memória individual se mostraram ao longo
da analise totalmente distintas, apesar de Halbwachs não negar a existência da
memória individual, ele porém é categórico ao dizer que apesar dela ser
individual ela também é formada a partir dos quadros sociais. Enquanto Bergson
aborda uma memória voltada para o indivíduo e suas relações individuais.
Desta forma encerramos tal analise, com a certeza de apesar dos
esforços empreendidos, não abarcamos todas as convergências e divergências
existentes entre os autores, ora pelo caráter ainda inicial da análise, ora pelo
enumerado de questões que seriam levantadas e que ainda precisam de um
amadurecimento teórico e reflexivo.
REFERÊNCIAS:

BERGSON, Henri. Matéria e memória. Trad. Paulo Neves. 2 a ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
FENTRESS, James & WICKHAM Chris. Memória social. Tradução de Telma
Costa. Lisboa: Editorial Teorema: 1992.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed.


São Paulo: Centauro, 2013.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão... [et al. ].


7ª ed. Revista – Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2013.

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