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São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
“A certa altura, introduz a reflexão seguinte: “Na realidade, não há percepção que
não esteja impregnada de lembranças ". (BOSI, 1994. p. 52)
No texto, Bergson enfatiza seu esforço para compreender como o conceito, que já
foi discutido, pode se aplicar à memória. O passado, como colocado por Bergson,
tem o efeito permanente, existindo inconscientemente sem esforço algum do ser
humano, estando adormecido e sendo acordado automaticamente. Bergson
procura esclarecer em que sentido ele o utiliza.
“Quanto mais o adulto está empenhado na vida prática, tanto mais aguda é a
distinção que faz entre fantasia e realidade, e tanto mais esta é valorizada em
detrimento daquela. Não se lê duas vezes o mesmo livro, isto é, não se relê da
mesma maneira um livro”. (BOSI, 1994. p. 69)
Neste estudo das lembranças das pessoas idosas, é revelado um reflexo social
através das vivências das mesmas, já que os acontecimentos históricos podem
ser contados e relembrados a qualquer momento. A memória dessas pessoas
idosas é moldada por esse contexto mais definido, em comparação com a
memória de pessoas jovens ou adultas, que estão mais incluídas em lutas.
A criança não apenas aprende a história por meio dos livros, mas também
absorve as experiências e vivências das pessoas mais velhas que fazem parte do
seu convívio. O acontecimento supracitado pode gerar atritos se as informações
repassadas forem devidamente incorretas e modificadas por mais velhos.
Essa perspectiva de Bosi (1994) sugere que, ao se envolver com questões que
vão além, pode encontrar um propósito que dê significado aos gestos cotidianos.
Desta citação, pode refletir uma opinião ausente sobre as oportunidades que
algumas pessoas têm para se envolver com causas que transcendem o
envelhecimento. Nem todos têm acesso ao tempo livre, recursos financeiros ou
conexões sociais para se dedicar a tais causas. Portanto, é importante considerar
a realidade social e econômica em que as pessoas mais velhas estão inseridas.
“Por que decaiu a arte de contar histórias? Talvez porque tenha decaído a arte de
trocar experiências. A experiência que passa de boca em boca e que o mundo da
técnica desorienta. A Guerra, a Burocracia, a Tecnologia desmentem cada dia o
bom senso do cidadão: ele se espanta com sua magia negra, mas cala-se porque
lhe é difícil explicar um Todo irracional”. (BOSI, 1994. p. 104)
Essa vidência e êxtase da civilização grega sugeria uma conexão mais espiritual
e poderosa. No entanto, nos tempos atuais, a memória é mais utilizada como uma
ferramenta para conhecer e organizar o passado, com o propósito de
compreender melhor o presente.
“Não lembro dos coleguinhas, mas lembro das aulas de tabuada, geografia e eu
gostava muito de história, como até hoje; não tenho estudo nenhum, como eu
disse pra você, mas adoro história; não guardo as coisas mas gosto de ler. Tinha
notas boas em tudo, mas minhas melhores notas eram sempre de história”.
(BOSI, 1994. p. 121)
“As lembranças, nos referimos, em geral, a fatos que nos foram evocados muitas
vezes pelas suas testemunhas. Pode-se recordar sem ter pertencido a um grupo
que sustente nossa memória? Estaremos sós quando nos afastamos de todos
para melhor recordar? Quando entramos dentro de nós mesmos e fechamos a
porta, não raro estamos convivendo com outros seres não materialmente
presentes. A alma escolhe sua companhia antes de fechar a porta, segundo o
poema de Emily Dickinson”. (BOSI, 1994. p. 568)
São questões interessantes sobre como as memórias são evocadas e como nos
relacionamos com elas. A ideia de que as lembranças são frequentemente
evocadas por testemunhas sugere que as memórias são influenciadas e
moldadas pelos outros, pelas narrativas ouvidas e pelos contextos sociais. No
entanto, esta citação também questiona se podemos lembrar de algo sem ter
pertencido ao grupo que sustenta essa memória. Isso traz uma reflexão sobre a
natureza subjetiva da memória e até que ponto ela é moldada por própria
experiência individual. Além disso, os argumentos acima levantam a questão de
como as pessoas se relacionam com nossas memórias quando estão sozinhos.
Ao se conhecer e fechar a porta, pode encontrar outros seres não materialmente
presentes. Essa afirmação sugere que quando está em solidão, a memória pode
conectar-se com pessoas e experiências passadas, mesmo que elas não estejam
fisicamente presentes.
Este trecho aborda a ideia de que muitas das nossas memórias e ideias não são
originalmente nossas, mas sim inspiradas por conversas com outras pessoas. Ao
longo do tempo, essas ideias se tornam parte da nossa história pessoal,
acompanhando nossa vida e sendo enriquecidas por nossas experiências e
conflitos. Muitas vezes, essas ideias parecem tão nossas que ficaríamos
surpresos se alguém nos dissesse exatamente quando e como elas entraram em
nossas vidas. No entanto, elas foram formuladas por outras pessoas e nós as
incorporamos de forma inconsciente na maioria dos casos.
Este trecho falado por Bosi em 1994 destaca a influência de fatores sociais no
processo de formação da memória. Segundo a autora, o lugar que uma pessoa
ocupa dentro de seu grupo de convivência diária e as desigualdades existentes
nessa interação podem interferir na forma como ela recorda e valoriza eventos
passados. Uma interpretação possível desse trecho é que a memória não é um
processo individual e isolado, mas sim social. A forma como os seres se
relacionam com os outros e como são percebidos por eles afeta a maneira de
lembrar e valorizar os eventos que acontecem durante uma vida inteira. Essa
perspectiva reflete sobre a importância do contexto social na construção da
memória coletiva. A história oficial muitas vezes reflete o ponto de vista dominante
ou o apreço de determinados grupos, deixando de lado as experiências e
perspectivas de outros segmentos da sociedade. Isso pode levar a distorções ou
omissões na representação dos eventos históricos e na memória coletiva
compartilhada.
Diante da citação acima, é trazido uma reflexão interessante sobre a natureza das
memórias e dos vínculos familiares. A ideia de que as lembranças do grupo
doméstico persistem em seus membros e se manifestam de forma única e
diversificada é válida e coerente com a experiência humana. Bosi (1994) destaca
a importância do diálogo e da troca de opiniões na preservação dessas
lembranças. Ao compartilhar suas memórias e discutir sobre elas, os laços entre
os membros da família se fortalecem e se tornam mais difíceis de serem
separados. Essa abordagem enfatiza a importância da comunicação e do
compartilhamento de experiências na construção das memórias familiares. Outro
ponto interessante é a noção de enraizamento num solo comum, mesmo após a
desagregação do núcleo familiar original. Isso sugere que, mesmo quando os
membros de uma família se distanciam geograficamente ou emocionalmente,
ainda há uma ligação profunda que os une. Isso pode ser interpretado como uma
forma de resiliência da família, que persiste mesmo nas adversidades.
“Na Roma antiga a terra pertencia para sempre à família que a cultivava, que nela
enterrava seus mortos e erigia o altar dos deuses lares. Terra, família, religião
comungavam no mesmo espírito. Na terra se cultivavam o alimento e a memória
dos vivos e mortos. Chuvas, sementeiras, poda, colheita eram ciclos da faina
agrícola mas também marcavam as festas, o rejuvenescimento da comunidade.
Se cada família não tem mais, como na Roma antiga, seus cantos, preces, seu
próprio culto, não se pode negar que tenha um espírito seu, uma maneira de ser,
lembranças e segredos que não passam das paredes domésticas”. (BOSI, 1994.
p. 595)
“D. Risoleta, filha de escravos, acentua, no seu testemunho, o que era a vida do
trabalhador “antes do Getúlio”: “Antes do Getúlio tinha muita injustiça: a pessoa
trabalhava sem aposentadoria, não tinha direito a nada. [...] Ele criou a caderneta
de trabalho. [...] As empregadas que trabalhavam a vida inteira ficavam na
miséria, morriam no asilo, coitadinhas, sem nada!”. (BOSI, 1994. p. 638)
Diante das memórias políticas, a crítica mais evidente nesta citação está
relacionada à falta de amparo social aos trabalhadores antes das medidas
implementadas por Getúlio Vargas. A inexistência de aposentadoria e a falta de
direitos trabalhistas eram problemas reais que causavam grande sofrimento aos
trabalhadores, especialmente àqueles que passavam a vida inteira dedicando-se
ao trabalho. Como já foi mencionado anteriormente, as memórias e lembranças
dos mais velhos têm a força para lutar por situações melhores.