Você está na página 1de 26

Memória e identidade

Joël Candau
Memória e identidade:
do indivíduo às retóricas holistas

Seminário disciplina Mídia e Memória | Adrielle Ferreira


Joël Candau
Professor de Antropologia da
Universidade de Nice Sophia
Antipolis e diretor do Laboratório
de Antropologia e Sociologia
Memória, Identidade e Cognição
Social. Suas pesquisas estão
inscritas no campo da Antropologia
cognitiva, nos temas das diversas
formas de memória compartilhada
ou supostamente compartilhada.
memória
- Ambiguidade presente nas noções
memória
memória
de identidade e memória,
subsumidas no termo
representações.

- Identidade é um estado e a
memória
memória
memória, uma faculdade.

- Candau trabalha com três


taxonomias para tratar a
memória:
memória
1. Protomemória
2. Memória de alto nível memória
3. Metamemória

memória
- A taxonomia é válida desde que o interesse sejam as
memórias individuais.

- Para trabalhar com grupos ou sociedades, o estatuto desses


termos muda ou fica inválido.

- Neste caso, “apenas a eventual posse de uma memória


evocativa ou a metamemória pode ser pretendida,
eventualidade que aparece subjacente à expressão
memória coletiva.”
“Um grupo não recorda de acordo com uma modalidade
culturalmente determinada e socialmente organizada,
apenas uma proporção maior ou menor de membros desse
grupo é capaz disso. De fato, em sua acepção corrente, a
expressão memória coletiva é uma representação, uma forma
de metamemória, quer dizer, um enunciado que membros de
um grupo vão produzir a respeito de uma memória
supostamente comum a todos.” (p. 24)
identidade
identidade - Em nível individual, a
identidade é um estado
administrativo que diz

identidade de si, ou uma


representação do que
percebe de si.

identidade - No nível coletivo,


identidade é aplicada de

identidade forma metafórica, diz


das similitudes,
características comuns

identidade que forma as crenças e


valores compartilhados.
“As identidades não se constroem a partir de um
conjunto estável e objetivamente definível de traços
culturais, mas são produzidas e se modificam no
quadro das relações, reações e interações
sociossituacionais de onde emergem sentimentos de
pertencimento, de visões de mundo identitárias ou
étnicas.” (p. 27)
Retóricas holistas
- Retórica é uma técnica de persuasão “para o melhor e
para o pior”. (p. 28)

- A antropologia trabalha com a coleta de relatos/retóricas,


com a pretensão de compreender a passagem do individual
para o coletivo.

- Portanto, a memória coletiva é uma inferência a partir das


retóricas individuais coletas.
“o emprego de termos, expressões, figuras que visam
designar conjuntos supostamente estáveis, duráveis e
homogêneos, (...) conceituados como outra coisa que
a simples soma das partes e tidos como agregadores
de elementos considerados, por natureza ou
convenção, como isomorfos¹.” (p. 29)

Retóricas hoslistas
¹ Isomorfo tem como definição aquilo que tem a mesma forma. Na acepção filosófica, diz-se de formas
semelhantes, a ponto de estabelecer correspondência.
Grau de pertinência
das retóricas holistas
- Indivíduos não são
atomizados, isolados;

- É necessário supor que se


comuniquem, que
compartilhem sentidos e
significações;

- Compartilhamento que
justifica o recurso às retóricas
holistas;

- Mas qual a natureza dessa


comunicação e seus
resultados?
- A metáfora da memória coletiva seria totalmente
pertinente se todos os membros do grupo compartilhassem
integralmente um número determinado de representações
sobre um passado comunicado;

- Caudan argumenta que trata-a de uma operação


impossível e que remete a uma tripla confusão: (1) entre
lembranças manifestadas e tais como são memorizadas;
(2) entre metamemória e memória coletiva e; (3) entre o
ato da memória e o conteúdo desse ato.
“As mulheres o visitam no domingo ou em algumas noites de
verão. No domingo se diz: vamos dar uma volta no cemitério,
vamos olhar as tumbas. Vamos com as vizinha, mas apenas
aquelas que possuem familiares enterrados ali; ser da aldeia
não é apenas residir ali, mas ter suas tumbas no cemitério.
Passando de tumba em tumba, os anciãos leem as inscrições
e recordam a vida dos defuntos e é por ocasião desses
passeios que se forja a memória da comunidade, que se
transmite a todos a história das famílias da aldeia.”

(Françoise Zonabend, dados etnográficos recolhidos em Minot, Châtillonnais,


Bourgogne, apud Candau, p. 32)
“Toda tentativa de
descrever a memória
comum a todos os
membros do grupo a partir
de suas lembranças é
reducionista, pois ela
deixa na sombra aquilo

1
que não é compartilhado.”
(p. 34)
“Os atos de memória
decididos coletivamente
podem delimitar uma área
de circulação de
lembranças, sem que por
isso seja determinada a via
que cada um vai seguir.”

2
(p. 35)
“Mesmo que exista em
uma determinada
sociedade um conjunto de
lembranças
compartilhadas, as
sequências individuais de
evocação dessas

3
lembranças possivelmente
serão diferentes.” (p. 36)
- Na epidemiologia das representações, Speber trata como
objeto não as representações em si, mas o processo de
distribuição dessas representações.

- “Explicar a cultura é explicar (...) por que e como certas


ideias se contagiam.” (Speber, apud Caudan, p. 37)

- Distingue os processos de (1) representações mentais e (2)


representações públicas.
“A memória coletiva
não é outra coisa que a
transmissão, a um
grande numero de
indivíduos, das
lembranças de um
único homem ou
alguns homens
repetidas vezes.” (p.
38)
“Sob certas condições sociais, qualificadas por
Sperber como fatores ecológicos, e que vão interagir
com os fatores psicológicos, certos estados mentais
podem ser compartilhados pelos membros de um
grupo. Nesse caso, as retóricas holistas, tais como a
memória coletiva ou identidade cultural, terão certo
grau de pertinência.” (p. 39)
- Caudan segue fazendo mais uma distinção, entre
representações factuais e representações semânticas.

- Retóricas holistas que remetem a representações factuais


supostamente compartilhadas por membros de um grupo
tende a ter um grau de pertinência elevado.

- Retóricas holistas que remetem a representações


semânticas supostamente compartilhada por membros de
um grupo tende a ter um grau de pertinência fraco ou
nulo.
Para avaliar o grau de
pertinência das retóricas
holistas nesse sentido, ele
traz uma série de exemplos e
aplica sobre eles as noções
de acontecimentos naturais
e acontecimentos
intencionais, apresentadas
por Vicent Descombes em
sua tese sobre “holismo
antropológico”.
“Chegamos ao limite das retóricas holistas fundadas
sobre a hipótese de acontecimento naturalizados por
todos os membros de um grupo, pois, como sabemos,
não existe um grupo fechado.” (p. 42)
- Caudan segue sua argumentação com a hipótese de que sob
certas condições, como em grupos menores por exemplo, há
uma maior probabilidade de que o compartilhamento seja mais
efetivo.

- Ele usa a memória como categoria organizadora para trabalhar


essa argumentação, fazendo a distinção entre memória forte e
memória fraca.

- Defende que o grau de pertinência das retóricas holistas será


sempre mais elevado na presença de uma memória forte.
“As sociedades caracterizadas por um forte
de denso conhecimento recíproco de seus
membros são, portanto, mais propícias à
constituição de uma memória coletiva – que
será nesse caso uma memória organizadora
forte – do que as grandes megalópoles
anônimas.” (p. 45)
“Ao final, a memória coletiva segue as leis das
memórias individuais que, permanentemente,
mais ou menos influenciada pelos marcos de
pensamentos e experiência da sociedade global, se
reúnem e se dividem, se encontram e se perdem,
se separam e se confundem, se aproximam e se
distanciam, múltiplas combinações que formam,
assim, configurações memoriais mais ou menos
estáveis, duráveis, homogêneas."(p. 49)

Você também pode gostar