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A Invenção de África

Gnos, Filosofia e a Ordem do Conhecimento


A Invenção de
V. Y. Mudimbe

Vencedor do Prémio Herskovits, 1989

Que significado tem hoje África e o que significa ser africano?


O que pode ser considerado filosofia africana e o que não pode?
A filosofia é parte do "Africanismo"? Estas são algumas das
questões fundamentais tratadas neste livro.
ÁFRICA Gnose, Filosofia e a
V. Y. .:iludimbe argumenta que vários discursos estabelecem por
si próprios os universos do conhecimento no seio dos quais as
Ordem do Conhecimentó
pessoas concebem a sua identidade. Os antropólogos e os
missionários ocidentais introduziram distorções cuja influência
se fe .;; sentir não apenas nos estrangeiros, mas também nos afri-
canos, à medida que procuraram compreender-se a si próprios.
V. Y. MUDIMBE
Muclimbe vai para além .das questões clássicas em torno da
antropologia e da história africanas. O seu livro, argumenta o
autor, procura uma "arqueologia da gnose africana enquanto PLOTTER COPY
sistema de conhecimento no seio do qual emergiram recente-
ORIGINAL DA
PASTA
mente importantes questões filosóficas: em primeiro lugar, no
que diz respeito à forma, ao conteúdo e ao estilo da 'africaniza-
ção' do conhecimento; em segundo lugar, no que concerne ao N.'
estatuto dos sistemas de conhecimento tradicionais". O autor PROF
Centra-se particularmente nos processos de transformação dos QUANTIDADE.:
diversos tipos de conhecimento.
VALOR:
41/aL \1,4v(9,0
O trabalho de Mudimbe... alcança a 'descolonização' do
conhecimento académico africano... Este estudo altamente
sofisticado, inovador e estimulante exige a atenção de qualquer
académico.

Bogumil Jewsiewicki

9 'illii1811 16M§
A Invencao de Africa Gnose,
Tema:
FILOSOFIR
20.94 E
PTE 4 198$
2613/04,0) 2271001524
FE- 421eSIC ediçoes pedago
I1,

i
.n2;4edições pedago
Copyright p 1988, Indiana University Press
Tradução para a língua portuguesa autorizada pela Indiana University Press.
Todos os direitos reservados.
Título original: The Invention of Africa. Gnosis, philosophy, and the Order of Knowledge
© desta edição
Edições Pedago, Lda.
Título: A Invenção de África. Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhecimento
Autor: V. Y. Mudimbe
A Invenção de
Colecção: Reler África
Coordenador da Colecção: Victor Kajibanga
Tradução: Ana Medeiros
Revisão do Texto: Isabel Henriques e Pedro M. Patacho
Design e Paginação: Márcia Pires
impressão e Acabamento: Antóniò Coelho e Dias, S.A.
ÁFRICA Gnose, Filosofia e a
ISBN: 978-989-8655-01-1
Depósito Legal: 356316/13
Ordem do Conhecimento
Março de 2013
A presente publicação é uma coedição das Edições Pedago e das Edições Mulemba
V. Y. MUDIMBE
da Iicuidade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola.

Neehuma parte desta publicação pode ser transmitida ou reproduzida por qualquer
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À memória de James S. Col man

Mors ipsa beatior finde est, gu•d per


cruciamina leti via panditur ardua iusti et ad
astro dolorib s itur

Prudentius, Hymnus Circa Ex guias


D uncti

Índice
Introdução 9

Discurso de Poder e o Conhecimento da Alteridade 15

Questões de Método 43

O Poder do Discurso 67

IV.
O Legado e as Questões de E.W. Blyden 129

V,
A Paciência da Filosofia 171

Conclusão: A Geografia de um Discurso 231

Apêndice: Fontes Etíopes de Conhecimento 247

Referências Bibliográficas 251


Introdução
Este livro surgiu acidentalmente na sequência de um conv te para
preparar um inquérito sobre filosofia africana. Estritamente alando,
a noção de filosofia africana refere-se à contribuição de africa os que
praticam filosofia segundo os parâmetros definidos pela dis•iplina e
pela sua tradição histórica (Horton, 1976; Holintondji, 1977) É ape-
nas de uma forma metafórica ou, na melh4 das hipótese , numa
perspectiva historicista, que podemos estender a noção de ilosofia
aos sistemas de pensamento tradicionais africanos, considera ndo-os
como processos dinâmicos nos quais as experiências concr tas são
integradas numa ordem de conceitos e discursos (Ladrièr , 1979,
pp.14-15). Portanto, decidi falar de uma ,gnose africana. J. Fa s ion uti-
lizou a noção de gnose na sua análise daquilo a que chamou u movi-
mento carismático (1969). Neste livro, um enquadramento m is geral
parece-me ajustar-se melhor à amplitude de problemas ab rdados,
todos eles baseados numa questão preliminar: até que po to pode
alguém falar de um Conhecimento Africano e em que sentido' Etimo-
logicamente, o termo gnose está relacionado com gnosko, que o grego
antigo significa "saber".
Gnose significa, especificamente, procurar saber, question r, méto-
dos de conhecimento, investigação e; mesmo ainda, familiari•:de com
alguém. Normalmente, a palavra é usada num sentido mais esp alizado,
referindo-se a um conhecimento mais elevado e esotérico e, $ ssa for-
ma, a um conhecimento estruturado, comum e convencional, as sob
o controlo estrito de procedimentos específicos tanto para o seu uso
como para a sua transmissão. Consequentemente, gnose é • iferente
de doxa ou opinião e, por outro lado, não pode ser confun. ida com
episteme, entendida tanto como ciência como configuração in electual
genérica.
O título é, portanto, uma ferramenta metodológica: a range a
questão do que é e do que não é filosofia africana, orientando também
o debate numa outra direcção ao incidir nas condições da ossibili-
dade da filosofia fazer parte de um conjunto mais vasto do onlieci-
mento em África, denominado de "Africanismo". Uso esta noçã centrO/
de condições de possibilidade em concordância com a recente tradição
segundo a qual Michel Foucault podia, por exemplo, defi ir a sua

In roch"10
legitimidade epistemológica não-africana. Partindo desta perspectiva,
própria ambição intelectual nos termos da sua dependência face às
a reivindicação de alguns filósofos africanos, tais como ' O. Bimnenyi
alterações que Jean Hyppolite introduziu na filosofia hegeliana. (Fou-
(1981a) e F. Eboussi-Boulaga (1981), defendendo que aqueles siste-
cault, 1982, pp.35-37). O que a noção de condições de possibilidade
mas de pensamento representam um hiato epistemológico, deve ser
Indica é que os discursos não têm apenas origens socio-históricas, mas
seriamente considerada. O que é que representa isto para o campo dos
também contextos epistemológicos. É este último /aspecto que os torna
estudos africanos? Até que ponto podem as suas perspectivas modifi-
possíveis e que pode para eles contribuir de uma forma essencial.
Irei lidar com discursos de sociedades africanas, com culturas e com car a existência de uma dependência silenciosa da episteme ocidental?
Poderá, então, ser possível renovar a noção de tradição através, diga-
pessoas enquanto marcas de algo mais. Gostaria de interrogar as suas
modalidades, significado, ou estratégias como meios para entender o mos, de uma dispersão radical das culturas africanas?
Estes são os aspectos mais importantes no debate da filosofia afri-
tipo de conhecimento que está a ser proposto. Na verdade, não abor-
cana. Eles obrigam-me imediatamente a clarificar a minha posição rela-
do as questões clássicas da antropologia ou história africanas, cujos
resultados podem ou não espelhar uma realidade africana objectiva. tivamente aos representantes da gnose africana. Quem está a debater
isto? Quem tem o direito e a credibilidade para a produzir, descrever,
Ao 'invés, observo-as numa perspectiva ascendente dos resultados,
comentar ou, pelo menos, apresentar opiniões sobre ela? Ninguém se
em particular o que os torna possíveis, antes de os aceitar como uma
sente ofendido se um antropólogo é questionado. Mas estranhamente,
revelação, ou restituição, de uma experiência africana.
os africanistas - e entre eles, os antropólogos - decidiram separar os
Deste modo, o ln;ro .procurau ma certa arqueologia da.gnose africana
africanos "reais" dos africanos ocidentalizados, concentrando-se
como um sistema de pensamento do qual emergiram as mais profun-
estritamente nos primeiros. Rejeitando o mito do "homem na selva"
das questões filosóficas: em primeiro lugar, no que diz respeito à forma,
J. Jahn escolheu "virar-se para aqueles africanos que têm a sua própria
ao conteúdo e ao estilo de "africanizar" o conhecimento; em segundo opinião e que determinarão o futuro de África: ou seja, aqueles que
lugar, no que concerne ao estatuto dos sistemas de pensamento tradi- se diz estarem a tentar revitalizar a tradição africana" (Jahn, .1961,
cionais e à sua possível relação com o género normativo de conhecimento.
p.16). Ainda assim, a decisão de Jahn parece exagerada. Preferiria urna
Desde os primeiros capítulos, que questionam as imagens ocidentais autoridade mais abrangente: os discursos de intelectuais como uma
de África, passando pelos capítulos que analisam o poder de antropólo- biblioteca crítica e, se pudesse, a experiência de formas de sabedoria
gos, missionários e ideólogos, até aos últimos, acerca da filosofia, estou rejeitadas que não fazem parte das estruturas do poder político e do
sobretudo preocupado com os processos de transformação dos vários
conhecimento cientifico.
tipos de conhecimento. Em suma, em vez de simplesmente aceitar a autoridade dos repre-
Esta orientação tem duas consequências: por um lado, uma aparente sentantes qualificados das culturas africanas, gostaria de estudar a
diminuição da originalidade das contribuições africanas e, por outro temática dos fundamentos do discurso sobre África. É claro que num
lado, uma ênfase qxcéssiva sobre procedimentos externos, tais como trabalho tão subjectivo não poderei querer reivindicar a apresentação •
influências antropológicas ou religiosas. A questão em causa é que, até
de um relatório exaustivo que analise todas as tendências presentes,
#, gora, tanto intérpretes ocidentais como analistas africanos têm vindo enquadrando-as nas respectivas estruturas. Este livro é apenas uma
# usar categorias de análise e sistemas conceptuais que dependem de síntese crítica de questões complexas sobre o conhecimento e o poder
4ma ordem epistemológica ocidental. Mesmo nas mais evidentes
descrições "afrocêntricas", os modelos de análise utilizados referem-se, de e em África.
As pressuposições e hipóteses acima delineadas indicam um vasto
directa ou indirectamente, consciente ou inconscientemente, à mesma leque de alternativas teóricas sobre as quais tenho trabalhado nos
ordem. Significará isto que a Welstanschauungen Africana e os sistemas
de pensamento tradicionais africanos são inconcebíveis e que não po- últimos 15 anos. Se é verdade que desde L'autre face du royannne
dem ser tornados explícitos no quadro da sua própria racionalidade? (1973), passando por L'Ordeur du père (1982b), até ao presente tra-
Neste contexto, o meu argumento é que até à data as formas como estes balho, a minha visão geral de alguma forma mudou, não será menos
verdade que a minha tese central permaneceu igual no que diz •es-
sistemas de pensamento têm sido analisados e os conceitos que têm peito à forma analógica das ciências sociais e à história do discurso
sido utilizados para os explicar estão relacionados com teorias e mét6-
africanista. Estas disciplinas não proporcionam uma compreensão
.clos cujas restrições, regras e sistemas de operação pressupõem uma

Introdução 10
%o V.Y. Mudirnbe A Invenção de Africa. Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhecimento
real da Welstanschauungen estudada, Contudo, também pode dizer-se
que é Estou profundamente em dívida com o Joint Committee on African
neste emaranhado de discursos variados que os mundos africa- Studies do Social Science Research Council, juntamente com o Ameri-
nos se têm estabelecido enquanto realidades para o conhecimento. can Council of Learned Societies. Eles convidaram-me a escre er este
E hoje, os próprios africanos lêem, desafiam e reescrevem estes dis- trabalho e disponibilizaram-me todos os meios necessãri s. Uma
cursos como forma de explicar e definir a sua cultura, a sua história versão sucinta e ligeiramente diferente dos capítulos 3 e 5 f i publi-
e a sua existência. É evidente que desde a sua Mação o Africanismo
cada pela African Studies Review, em 1985.
tem vindo a produzir os seus próprios motivos assim como objectos
e, fundamentalmente, tem vindo a comentar a própria existên-
A bibliografia apresentada no final revela a minha dívida in lectual
perante variadíssimos estudos e académicos. Nesta bibliogra ia apre-
cia, promovendo sistematicamente uma gnose. Através desta ,gnose
acabam por emergir tanto discursos africanos sobre alteridade como sento os livros que verdadeiramente utilizei. Pensei não se impor-
tante incluir autores como Aristóteles, Descartes, Diderot, Ro seau ou
ideologias de alteridade, cuja negritude, personalidade negra e filoso- Voltaire para os quais muitas vezes remeto. De igual forma, n o achei
fia africana podem ser considerados como os melhores concebidos na útil incluir narrativas e textos da autoria de exploradores, eóricos
história intelectual da África contemporânea.
colonialistas e papas. Normalmente, eles expressam uma doxa norma-
Alguns dos meus críticos (ex. Mpoyi-Bwatu, 1983; N'Zembele, 1983; tiva e a sua submissão a uma episteme. Como tal, eles re elam o
Will iame, 1976) insurgiram-se de uma forma particularmente agressi- desenvolvimento de teorias antropológicas e filosóficas. Qu nto aos
argumentando a necessidade de eu delinear as implicações políticas livros escritos noutros idiomas que não o inglês que citei, nsultei
das minhas conclusões. Outros, como Mouralis (1981, 1984a), preferi- quase sempre os originais - mas não sempre - mesmo qu ndo as
ram pensar o meu projecto como estruturado em torno de temas tabu, traduções eram excelentes. Assim, e à parte as excepções m nciona-
demasiado ambiciosos. Apenas espero que algumas pessoas possam das, genericamente faço referência a versões em língua ingles quando
concordar que a tarefa de estender a filosofia aos seus próprios limites disponíveis. Se uma edição inglesa não é mencionada na bib iografia,
n metáforas no campo da ciência social, e a de questionar as ligações a tradução é minha.
filosóficas ambíguas com discursos não filosóficos, justificam o meu Dev.o expressar explicitamente a minha gratidão a alguns migos e
compromisso não perante a filosofia, nem tão pouco com a invenção de colegas sem os quais o livro não poderia, talvez, ser escrit ou cer-
África, mas sim perante o que realmente significa ser africano e filósofo tamente ainda não estar acabado: Elizabeth Boyi, pelo seu encora-
na actualidade. Agradeço a L. Kaumba, cujo estudo fenomenológico jamento; Christie Agawu, pela sua assistência editorial; Kof Agawu,
acerca o significado de identidade no meu trabalho (Kaumba, 1986) Paul Riesman e Ivan Karp, pelas suas análises críticas. Estou particu-
me forçou a reavaliar as implicações das minhas teses sobre o Mesmo
o Outro na antropologia filosófica. No entanto, as suas críticas encon- larmente grato a Arnd Bohm, Walter Michener, David Ne bury e

Mildred Mortimer, cuja paciência de lerem os manuscritos n íntegra
tram-se com as minhas crenças fundamentais: identidade e alteridade e devidos comentários críticos me ajudaram a clarificar muit s pontos
são sempre dadas a outros, assumidas por um Eu ou por um Nós, estru-
traduzir o meu estilo francófono para a linguagem inglesa. Estendo
turadas em múltiplas históríasindividuais e, de modo algum, expressas a minha gratidão ao Haverford College e, em particular, Robert
ou silenciadas em função dos desejos pessoais vis-à-vis uma
episteme. Stevens, Robert Gavin, Jr., Wyatt MacGaffey e Judy Young, pelo eu apoio
isto implica também que de um ponto de vista metodológico pense, generosidade. Finalmente, tenho que expressar os meus speciais
como colocou Foucault, que "discurso em geral e discurso científico em agradecimentos a Shirley Averill pelas suas úteis sugestõe , por ter
particular são uma realidade tão complexa que nós não só podemos
corno devemos abordá-la a diferentes níveis e usando diferentes mé- dactilografado muitos esboços de manuscritos e pela sua in sgotável
paciência. Roberta L. Dihel e Janet Rabinowitch, meus editor s, mere-
todos" (1973, p.xiv). Para este ensaio escolhi uma perspectiva arque-
cem grato reconhecimento pelos seus conselhos, apoio e ficiêncla,
ológica que me permite abordar a questão da constituição progressiva
de uma ordem de conhecimento africana. Todavia; por razões relacio- Escusado será dizer que as ideias, hipóteses e interpretações apresen-
tadas neste livro são da minha inteira responsabilidade.
nadas com a natureza bizarra de algumas fontes usadas - sobretudo
as antropológicas - preferi não distinguir o nível epistemológico de
conhecimento do nível arqueológico de conhecimento.

1v. Modimbe A Invenção de Africa. Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhecimento


In rodução

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