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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

FICHAMENTO
Apologia da História ou O Ofício de Historiador

São Paulo
2022
FICHA DE LEITURA
Autor. Elsa Peralta
Titulo. Abordagens teóricas ao estudo da memória social: uma resenha crítica
Editora. Instituto Superior de Ano. 2007
Local. Lisboa Ciências Sociais e Políticas –
Universidade Técnica de Lisboa
Palavras-Chaves
Memória Abordagem Estudo Social Passado

Fichamento
Exposição e analise das abordagens:
Elsa Peralta sintetiza as principais abordagens do estudo da memória expondo as linhas teóricas (linhas
de raciocínios) das abordagens, suas falhas e suas colaborações com a pesquisa se presentes.
1. Halbwachs:
a) Linha teórica:
 Holbwachs, influenciado por Durkheim desenvolveu o conceito de memória coletiva.
 Para ele principal função da memória é promover um elo entre os membros de um grupo
com base no seu passado compartilhado.
 A identidade coletiva antecede a memória, determinando o conteúdo da mesma. A
identidade é definida como algo imutável e estável.
 O indivíduo lembra apenas como ser social e membro de um grupo pois é inserido na
sociedade que ele adquire e recorda suas memórias.
 “As memórias subsistem porque fazem parte de um conjunto de valorações e acepções
que são comuns a todos os membros do grupo, na medida em que as imagens privadas
que cada um tem do passado são submetidas a padrões apropriados mantidos
coletivamente.”
 Halbwachs aplicou seu conceito nos seus estudos de como o passado é recordado em
grupos familiares, religiosos e sociais. Argumentando que qualquer analise sobre a
origem das recordações devem considerar a influencia dos fatores sociais como
parentesco, a comunidade, a religião, a organização politica e a classe social.
b) Falha na linha teórica:
 Forte influência do determinismo social. Por dar tanto destaque ao fator social e coletivo
da memória, colocando isso como fator natural e imutável. Halbwachs negligenciou o
diálogo entre a consciência individual e a responsabilidade dos indivíduos de formarem
seus grupos sociais.
 Halbwachs, além de desprezar o fato de que memórias são produtos de uma construção
política, também desprezou o fato de que as construções mnemônicas encenadas pelos
estados são incoerentes com a ordem social, que por si só é conflituosa.
c) Contribuições da teoria:
 A ideia de que os grupos sociais desenvolvem uma memória do próprio passado coletivo
e que essa memória está necessariamente ligada ao sentimento de identidade, e que essa
relação permite a identificação e separação dos grupos. Essa linha de pensamento segue
como ponto de partida no estudo da memória.
2. A abordagem das políticas da memória:
a) Linha teórica:
 Enfatiza o fato da memória ser uma construção do presente, focando na
instrumentalização da memória por partes de diferentes regimes políticos através dos
meios de comunicação social.
 Nessa teoria, as memórias são estrategicamente inventadas e manipuladas por grupos
dominantes da sociedade para servir as suas próprias vontades no presente. A análise do
sujeito controlador e dos meios de manipulação é essencial.
 Paradigma muito influenciado pela modernidade visto que tem como referência as
transformações sociais, políticas e econômicas muito presentes no período. Um exemplo
é a criação dos estados-nações, que por influencias iluministas, busca uma identidade
para um povo, podendo assim moldar as memórias e símbolos de recordação a fim de
criar um ícone comum para varias pessoas.
 “Este novo modelo de coesão social seria socialmente publicitado por recurso à
oficialização de uma memória coletiva deliberadamente desenhada para simbolizar a
unidade nacional, garantir a legitimidade do Estado e sustentar o consenso político-
social.”
 Foco na análise do impacto dessas representações num grupo e na autoridade instituída.
Ênfase na forma como os monumentos, museus, expressões artísticas diversas, acervos
escolares e discursos políticos veiculam uma determinada versão do passado.

b) Falha na linha teórica:


 A relação entre memória e poder conceituada por essa teoria implica no fato de que
todas as memórias e tradições são inventadas, perdendo a relação com qualquer estudo
de memória social.
 A ideia de que as tradições são inventadas implica que os atos de memória são
simbólicos implica em uma certa obrigatoriedade da recordação, da tradução e do
esquecimento, contrariando as versões naturalizadoras da tradição e da identidade.
 Ao classificar as tradições como verdadeiras ou falsas, a teoria negligencia o fator
importante que é se essas comunidades foram coletivamente imaginadas. Nessa linha de
raciocínio, as traduções mais antigas são genuínas, enquanto as mais recentes seriam
frutos de uma manipulação, meros suportes de poder.
 Além da teoria se esgotar em si mesma, esse entendimento da memória limita a
capacidade de recriação cultural dos grupos sociais, o que impossibilita a aplicação nas
sociedades contemporâneas.
c) Contribuições da teoria:
 Deu continuidade ao estudo da memória social de Halbwachs, mas incluindo o fator
politico e conflituoso à memória.

3. A abordagem da memória popular;


a) Linha teórica:
 Conceitualiza a possibilidade de confrontação das versões do passado emanadas pela
ideologia dominante por parte de certos grupos sociais que não abraçam as
representações “oficiais” do passado.
 Além de ter a visão da relação entre as esferas de poder e as versões dominantes do
passado, a analise dessa teoria inclui a relação entre a ordem de poder e as memórias
próprias dos grupos sociais.
 Grande contribuição de Foucault pelas teorias de relação de poder e conhecimento. Ao
relacionar a produção social do conhecimento com as práticas sociais, Foucault
considerou que quem tem poder sobre as memorias dos grupos também tem poder sobre
suas dinâmicas internas, porém, Foucault vai além das classes sociais e afirma que essas
relações de poder estão presentes em todo o meio social.
 Foucault não considera possível a emergência de uma verdade única e homogênea que
tenha poder sobre toda a sociedade, logo, deve ser considerado esse espaço de
resistência, negociação e dialogo entre os grupos. Nesse sentido surge o conceito de
“contra-momória”, incluindo na análise a voz dos grupos silenciados e marginalizados
pelo grupo dominante.
 O foco é exatamente essa luta entre os grupos. Os grupos marginalizados procuram
expressar suas memórias, e os grupos dominantes procuram incorporar as memórias dos
grupos marginalizados a fim de manter um certo nível de consenso.
 Nessa abordagem, qualquer estudo sobre memória social deve analisar a forma como as
memórias de grupos subalternos se relacionam com a representação dominante do
passado.
b) Contribuições da teoria:
 A ideia de que a memória social não pode ser encarada apenas como algo determinado e
rígido. A noção de que a construção social do passado leva sempre à uma relação de
poder, mas que a pluralidade de fatores e de forças que contribuem nessa construção é
muito importante.
 Evidencia que os indivíduos podem pertencer a uma multiplicidade de grupos e de
identidades e que suas memórias são construídas de forma dinâmica, conflitual e
dialógica.
4. A memória como sistema cultural:
a) Linha teórica:
 Abordagem focada no estudo da prática, expandindo a noção funcionalista da cultura
como um conjunto de normas, valores e atitudes necessárias para a construção de
valores comuns a fim de instituir os mecanismos de atribuição de significados.
 A cultura é definida como a organização de padrões simbólicos através dos quais o
individuo forma um significado coletivo. Sendo a memória cultural articulado de
atribuição de significado.
 “De acordo com esta perspectiva, a memória fornece referentes de significado
constituídos por visões partilhadas do passado que são geradas pelo presente e
orientadas para o futuro.”
 A memória implica um constante diálogo entre o passado o presente e o futuro. Nesse
caso, o passado evocado pelo presente não é o mesmo passado formado por eventos
decorridos no tempo, mas sim uma interpretação criativa que permite a modificação por
preenchimento de lacunas entre a experiencia e a recordação.
 A memória, como “sistema de representação”, permite a criação de uma imagem do
passado que corresponde ao que faz sentido no presente. E esse funcionamento leva a
uma “ética” da memória, indicando o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido.
 “Esta abordagem remete para uma análise hermenêutica da memória, segundo a qual o
que retemos do passado não só reflete o presente como também fornece o quadro de
referencia para a interpretação do mundo.”
 A memória é um esquema interpretativo transmitido ao longo do tempo, levando a uma
evocação de um conceito de memória como “verdade”. Essa ideia de memória como
verdade se relaciona ao conceito de Habitus de Bourdieu. Nesse conceito o sistema de
disposições que compreende as estratégias e as praticas torna evidente a ordem social
por incorporar essas disposições em um processo de interação social num contexto
historicamente construído. Dessa forma, o passado sobrevive no presente e tende a
sobreviver no passado por meio das práticas estruturadas do meio social.
 Por sofrer tantas modificações pela necessidade do presente, o passado não é fixo e
rígido. Ou seja, a memória coletiva é um sistema de atribuição de significado alterável
ao longo do tempo.
 O passado é simultaneamente permanente e mutável. O passado dos fatos corridos
permanece, mas a memória sobre eles é maleável. E por essa razão, existem limites à
instrumentalização do passado, já que ele não pode ser totalmente manipulado no
presente.
 As escolhas de representação, o que a memória absorve e recorda, as expressões
artísticas sobre o passado e outros fatores alteram o passado que é mutável e modificam
a percepção de cultura.
 O passado marca o individuo pessoalmente, socialmente e culturalmente.
Acontecimentos e experiencias moldam nossa forma de ver o mundo, de lidar com as
coisas e de criar uma identidade no meio social.
 Ainda que as memórias sejam frutos de uma manipulação politica e ideológica, isso não
explica porque algumas versões do passado se sobrepõem a outras.
 Como construção social, a memória deve estar em um espaço entre a manipulação
ideológica e a experiencia social. Ela deve ser uma construção intencional baseada em
traços mnemônicos de experiencias anteriores.
b) Contribuições da teoria:
 A perspectiva inaugurada por essa abordagem enfatiza não só o fator coletivo da
memória social mas também a dimensão individual dela.
 “A memória é social porque nela influem os constrangimentos sociais próprios de
determinado grupo. A memória é social porque pressupõe sempre uma relação de
partilha cultural no seio do grupo social. Mas a memória é social principalmente porque
é um sistema de organização e mediação cultural do ato mental de recordar.”
 As memórias são o produto do relacionamento entre a mente individual e o mundo
exterior. São muitos indivíduos que formam uma sociedade, logo, as memórias
individuais influenciam muito a memória social.

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