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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHI

CURSO DE HISTÓRIA BACHARELADO

MARCELO MORAES STUDINSKI

CARNAVAL E ENSINO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Rio Grande

2017
MARCELO MORAES STUDINSKI

CARNAVAL E ENSINO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Monografia apresentada ao curso de História


Bacharelado, da Universidade Federal do Rio
Grande – RS, como requisito à obtenção do título
de Bacharel em História.
Orientadora: Profª. Drª. Carmem G. B. Schiavon

Rio Grande
2017
MARCELO MORAES STUDINSKI

CARNAVAL E ENSINO DE HISTÓRIA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Monografia apresentada ao curso de História


Bacharelado, da Universidade Federal do Rio
Grande – RS, como requisito à obtenção do título
de Bacharel em História.
Orientadora: Profª. Drª. Carmem G. B. Schiavon

Rio Grande, ___ de dezembro de 2017.

Banca examinadora

______________________________________________
Professora Mestra Gladis Rejane Moran Ferreira – SUPRG

______________________________________________
Professor Doutor Mauro Dillmann Tavares – PPGH/FURG

______________________________________________
Professora Doutora Carmem G. B. Schiavon (Orientadora)
À Maria das Graças, minha mãe.
Por toda sua trajetória de vida,
de fé, de luta e resistência.
Minha eterna inspiração!
Agradecimentos

Agradeço a Exu, o orixá mensageiro entre o òrún e o ayè. Aquele a quem


devo a minha existência, responsável pela dinamização do axé e pela comunicação
entre a humanidade e a “orixalidade”. Agradeço-te, Exu, na certeza que levas o meu
amor aos meus orixás, Xangô e Oyá!

À minha mãe, Maria das Graças de Oxum, pelo amor e apoio, incondicionais.
Por acreditar em meus planos, projetos e sonhos. Te amo!

À minha irmã, Carla Simone, pela amizade, carinho e amor. Seu apoio é
fundamental na minha vida. Te amo!

Aos meus irmãos, Marco e Marcio, e suas esposas, por tudo o que
representam em minha vida. Amo vocês!

Às minhas sobrinhas e sobrinho, crianças e jovens que amo, ao qual deposito


a esperança de que a graduação não “chegue” tardia na vida de vocês. Que esta
minha pequena conquista seja capaz de motiva-los a seguir o caminho dos estudos,
aproveitando as oportunidades que nós, seus pais e tios, não tivemos, pois, o trabalho
bateu à nossa porta precocemente.

Ao meu amigo e irmão de axé, Luís Mahin. Por trilhar este e todos os outros
caminhos da minha vida comigo, de mãos dadas. Amor incondicional!

Aos amigos e amigas: Tania, Fabiana, Márcia, Rafael, Lia, Karen, Marisa, Luiz
Renato. Pelo amor, carinho, apoio e compreensão ao longo desta caminhada.

Ao meu Babalorixá, Pai Nilo de Xangô. Pessoa especial, responsável pela


minha iniciação na ancestralidade africana e afro-brasileira. Adupé, bàbá mi!

À minha orientadora, Carmem, pela amizade e respeito. Por me acolher


fraternamente e apontar novos caminhos e possibilidades.

Aos integrantes da banca examinadora, por suas contribuições.

Ao meu pai, João Studinski de Oxalufã, (in memorian). Meu ancestral, que
permanece vivo em meu coração. Te amo!

Muito obrigado!
“Vem pra minha ala
que hoje a nossa escola vai desfilar
Vem fazer história que
hoje é dia de glória neste lugar [...]
Vamos pra avenida desfilar a vida,
carnavalizar [...]
Sinto a batucada se aproximar
Estou ensaiado para te tocar”

(Carnavália – Tribalistas).
RESUMO: O carnaval é parte da história da civilização ocidental e, no Brasil, constitui-
se como uma das maiores manifestações da cultura popular afro-brasileira. O desfile
das escolas de samba do Rio de Janeiro representa o ápice dos festejos
carnavalescos no país. Durante a confecção destes desfiles, estão presentes as
experiências sociais e culturais da comunidade carnavalesca, acumuladas ao longo
do século XX, num campo de disputas econômicas e políticas que envolvem o
contexto do carnaval daquela cidade. Através dos enredos e sambas-enredos, as
escolas de samba cariocas apresentam inúmeros diálogos que interessam a
sociedade brasileira. Nessa direção, este trabalho apresenta uma análise das
temáticas dos enredos das agremiações carnavalescas, com o objetivo de utilizar
estes documentos como instrumentos didáticos para o ensino de História. Para tanto,
fundamenta-se na Nova História e na Antropologia, por compreender o carnaval como
um ritual urbano anual que compõe a Cultura Popular desde a Idade Média. Através
da Análise de Conteúdo, verificou-se que os enredos narram temas sociais, políticos,
culturais e econômicos, capazes de despertar o pensamento crítico de crianças e
adolescentes acerca da história do Brasil e, sobretudo, da história e da cultura afro-
brasileira.
PALAVRA CHAVE: Carnaval, Ensino de História, Cultura afro-brasileira.

ABSTRACT
Carnival is part of the history of the Western civilization, and in Brazil it is taken as one
of the major manifestations of African-Brazilian popular culture. Rio Carnival
"Sambadrome" Parade represents the climax of carnival celebration in the country.
The social and cultural experiences of the communities, stacked during the 20th
century, are shown throughout the parade production in an economical and political
battle field that covers the carnival context in the mentioned city. Through the themes
and samba themes, the samba schools present the connection between dialogues that
are interesting for the Brazilian society. In this way, the present research brings an
analysis of the themes chosen by the carnival association, in order to use those
documents as teaching tools for teaching History. Therefore, New History and
Anthropology are taken as foundation for understanding the carnival as an annual
urban ritual that composes the Popular Culture since the Middle Ages.
Through Content Analysis, it has been found that samba themes describe social,
political, cultural and economical issues, and this awareness may be able for the
awakening of the critical thinking in children and teenagers about the history of Brazil
and, above all, about African-Brazilian history and culture.
Key words: Carnival, Teaching History, African-Brazilian Culture.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 01

CAPÍTULO 1 – “CARNAVALIZANDO A VIDA” ............................................ 04

1.1 – Carnaval: o surgimento dos folguedos carnavalescos .................................... 05


1.2 – O carnaval em Portugal ................................................................................. 07
1.3 – Carnaval no Brasil e as Escolas de Samba no Rio de Janeiro ..................... 09
1.4 – As escolas de samba e o desfile carioca como modelo nacional ................. 12
1.5 – “Bastidores da criação": a confecção do desfile carnavalesco ..................... 16

CAPÍTULO 2 – O “CORTEJO” HISTORIOGRÁFICO ................................... 23

2.1 – O Carnaval e o Tempo Histórico ................................................................... 23

2.2 – O Carnaval do Rio de Janeiro: “Cultura Popular Negra” .............................. 27

CAPÍTULO 3 - A “Harmonia” metodológica ............................................. 36

3.1 – O enredo e o samba-enredo: documentos históricos .................................... 36

3.2 - Reflexões sobre o uso didático de documentos no ensino de História ........... 41

3.3 – Organizando nosso “desfile carnavalesco” ................................................... 46

CAPÍTULO 4 - O DESFILE HISTÓRICO .................................................. 49

4.1 – Conhecendo as Escolas de Samba .......................................................... 49

4.2 – Enredos e sambas-enredos ......................................................................... 51

4.3 – As temáticas dos enredos e sambas-enredos ............................................. 53

4.4 – Enredos e Sambas-enredos como material didático ................................... 63

4.5 – CONSIDERAÇOES FINAIS ......................................................................... 66

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 68

ANEXO I ....................................................................................................... 71
1

INTRODUÇÃO

Herança cultural portuguesa, o carnaval está presente no Brasil desde o


período colonial, sendo uma celebração eminentemente urbana, vinculada ao
calendário cristão-católico. Ao longo do século XX, os festejos de Momo
acompanharam as transformações sociais e culturais do país, principalmente no
sentido de modernização das cidades. Atualmente, é reconhecido como patrimônio
cultural brasileiro nas suas mais diversas formas de celebrações, caracterizado pelas
referências culturais que agrupa em determinadas regiões do país, como: o Frevo,
Maracatu, Maracatu de batuque solto, Matrizes do samba e o Samba de Roda do
Recôncavo Baiano1.

A expressão máxima dessa transformação do carnaval está no surgimento


das escolas de samba do Rio de Janeiro e na evolução dos desfiles protagonizados
por estas agremiações. Sendo o “produto do encontro entre o “morro” e o “asfalto”, o
desfile acompanhou o crescimento e as transformações da cidade do Rio de Janeiro
ao longo do século XX” (CAVALCANTI, 1999, p.7). Na década de 1920, com as
escolas de samba, os elementos culturais afro-brasileiros se tornam parte
indissociáveis dos festejos carnavalescos. E, com a adesão e o reconhecimento do
samba pela elite brasileira, o carnaval carioca amplia seus horizontes e conquista sua
hegemonia. Neste contexto, na década de 1930, as escolas de samba conquistam o
direito de participação na festa, desde que registradas legalmente e abordassem a
temática nacional em seus enredos. Esta obrigatoriedade da temática nacional
prevaleceu durante todo o Estado Novo, o que pressupõe o caráter moralizante
imposto aos desfiles com o objetivo de manter a “ordem social”.

Somente na década de 1960 é que as escolas de samba triunfam enquanto


manifestação da cultura popular e passam a sofrer importantes transformações em
relação a suas estruturas internas, como na confecção de enredo e samba-enredo
mais elaborados e de seus aspectos estéticos, com o “surgimento” do carnavalesco à
frente da coordenação dos espetáculos. Neste sentido, o carnavalesco é o

1
Para melhor compreensão acerca dessas referências ver:
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3469/carnaval-brasileiro-e-caracterizado-por-bens-
culturais-protegidos-pelo-iphan (acesso em 15/11/2017, às 3h).
2

responsável pelo processo de criação das narrativas do enredo que, posteriormente,


será transformado em samba-enredo pelos compositores. Nessas narrativas, há
diversos tipos de temáticas possíveis, considerando que o carnaval é lugar da crítica
e da sátira social. Entre estas temáticas encontram-se enredos que abordam fatos e
períodos históricos, sobretudo, a temática afro-brasileira.

A construção da Passarela do Samba, em 1984, é um marco na história do


carnaval do Rio de Janeiro e do país, pois, a partir deste período, as escolas de samba
passaram a assinar contrato com emissoras de televisão para a transmissão do desfile
em rede nacional. Isso significou a consolidação do carnaval carioca como maior
manifestação da cultura popular do país, tornando-se em um dos maiores espetáculos
do mundo. Estas transformações, somadas ao papel fundamental do enredo e do
samba-enredo, fazem o desfile das escolas de samba assumir, em certa medida, uma
dimensão pedagógica, através do diálogo proposto pelo carnavalesco aos
espectadores.

A escolha do tema, para compor o Trabalho de Conclusão de Curso, é


pautada no universo cultural afro-brasileiro, no qual constitui grande parte das
experiências pessoais vivenciadas dentro de um terreiro. Desta forma, o ponto de
partida para esta experiência acadêmica é o candomblé. Especificamente o terreiro
“Reino de Iemanjá, candomblé de Xangô”. O terreiro é o espaço de formação
“identitária”, que proporciona uma visão de mundo vinculada à história, cultura e
valores afro-brasileiros. É num espaço como este que aprendemos, desde a infância,
valores que transcendem as relações litúrgicas que constituem o candomblé. No
terreiro, ensinam o que a sociedade, a história e a escola silenciaram. Naquele
espaço, num bairro periférico, aprendemos mais do que dogmas, preceitos e doutrinas
afro-religiosas. Aprendemos cultura, relações de poder e, principalmente, a história
afro-brasileira. Através da oralidade, aprendemos sobre os mitos e ritos e, também,
sobre culinária, ritmos, danças, dialetos, indumentárias. No terreiro, todas as formas
de expressão da cultura afro-brasileira estão, de certo modo, entrelaçadas: capoeira,
danças afro-culturais, samba.

Desta forma, surge nosso contato com o carnaval, incluindo o contato indireto
com o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Considerando que a memória
para o historiador é “instrumento” de trabalho, as memórias de infância convergem ao
3

universo das escolas de samba, centralizadas na figura do Bàbálorisá2, Pai Nilo de


Xangô, que por mais de 40 anos desfilou na escola de samba Acadêmicos do
Salgueiro. Assim, estas primeiras linhas acadêmicas “versam” muito mais do que uma
simples escolha historiográfica. Indiretamente, trazem as sociabilidades que a “Casa
de Axé” nos proporcionou, através dos sambas-enredos que ouvíamos, cantávamos
e dançávamos, fantasiados em ocasiões não litúrgicas, mas também celebradas no
terreiro. Literalmente, festas carnavalescas.

Discutir acerca do carnaval, analisando enredos e sambas-enredo enquanto


documentos didáticos para o ensino de história, torna-se importante no sentido de
colaborar para a formação de historiadores e professores de história. Além disso, o
carnaval representa uma parcela significativa da sociedade e este tema raramente foi
discutido pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.3 Por isso, consideramos
fundamental aprofundarmos nossos estudos. Para tanto, esta pesquisa tem como
fonte os enredos e sambas-enredos4 de agremiações carnavalescas, no período entre
1988 ao ano 2000, a partir de levantamento realizado exclusivamente na internet. O
aporte teórico fundamenta o carnaval no Brasil e a formação das escolas de samba
do Rio de Janeiro, numa perspectiva histórica e antropológica, com vistas a
compreender o carnaval enquanto cultura popular. Além disso, ampliamos nossa
análise acerca da Metodologia do Ensino de História, com o intuito de compreender o
uso de fontes históricas em sala de aula.

Nesse sentido, buscamos compreender, através da análise dos enredos


sambas-enredos, como o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, enquanto
a maior manifestação da cultura popular brasileira, pode ser um importante
instrumento para o Ensino de História do Brasil e, sobretudo, ensino de História da
cultura afro-brasileira? De que forma as escolas de samba abordaram, no período
analisado, a temática étnico-racial? Como o enredo e o samba-enredo, enquanto fonte
histórica, pode ser utilizado em sala de aula? Quais eram as temáticas abordadas
pelas escolas de samba? Quais são os limites destas fontes históricas?

2
Palavra de origem ioruba que corresponde a palavra sacerdote – Bàbá = Pai – orìsá = orixá.
3 Em uma rápida busca pelo site a biblioteca da universidade, vemos que não há nenhum trabalho
acadêmico que discuta especificamente sobre o Carnaval, tanto no Brasil, quanto no município.
https://argo.furg.br/?BDTD10211 Site da Biblioteca da FURG. Acesso em: 10/11/2017, às 22h e 14min.
4 Para esta pesquisa foram analisados 52 enredos e sambas-enredos, disponíveis nos sites das

agremiações carnavalescas citadas ou em sites especializados sobre o carnaval. Para maiores


informações, ver anexo I.
4

Com base nestes questionamentos, o primeiro capítulo aborda o surgimento


do carnaval como cultura popular na Idade Média. A história do carnaval no Brasil, o
surgimento das escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro e do desfile como
expressão máxima dos festejos de Momo no país; por fim, analisa a confecção dos
desfiles carnavalescos.

O segundo capítulo trata do carnaval e analisa a dimensão estrutural do tempo


histórico. Além disso, discorre acerca do carnaval enquanto cultura popular negra.

O terceiro capítulo analisa os enredos e sambas-enredos das escolas de


samba enquanto documentos históricos. Reflete acerca do uso didático de
documentos no ensino de história. E apresenta a metodologia de pesquisa.

Finalmente, o último capítulo avalia a utilização dos enredos e sambas-


enredos como documentos históricos utilizados como material didáticos para o ensino
de História.
5

CAPÍTULO 1 – “CARNAVALIZANDO A VIDA”

O carnaval é parte da história da civilização ocidental e sua celebração marca


o final e o início de um novo ciclo anual desde a Idade Média. Sendo assim, neste
capítulo abordaremos o surgimento dos festejos carnavalescos e suas transformações
ao longo dos séculos XIX, em Portugal e, no século XX, o início das escolas de samba
no Brasil, bem como o processo de consolidação dos desfiles carnavalescos do Rio
de Janeiro.

1.1 “Carnaval” – o surgimento dos folguedos carnavalescos

Sou poeta delirante, o amante.


Da profana liberdade!
Devoto da infernal felicidade.
Gira baiana e faz do céu um terreiro
Tinge essa avenida de vermelho
É nossa missão carnavalizar a vida
Que é feita pra sambar
Dessa paixão que encanta o mundo inteiro
Só entende quem é Salgueiro5!

A poética do samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro,


deste ano, trouxe algumas inquietações acerca das estruturas que envolvem o
Carnaval no Brasil. Sensações díspares! Um misto de efervescente paixão pela folia
acompanhado por uma profunda indignação pelo cancelamento do desfile das
Escolas de Samba da cidade do Rio Grande. O belíssimo samba do Salgueiro deu
vida ao enredo “A Divina Comédia do Carnaval” e contemplou as aventuras do poeta
Dante6, em sua missão de “carnavalizar a vida”, percorrendo a Marquês de Sapucaí7.
Para além da obra de Dante e a discussão do enredo, o desfile do Salgueiro propõe
a reflexão do termo “carnavalizar” e o quanto são múltiplas as manifestações e as
estruturas que compõem o carnaval, no Brasil.

5
Samba-enredo da G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, no ano de 2016. “A Divina Comédia do
Carnaval”.
6 Dante Alighieri. A Divina Comédia: Inferno, Purgatório e Paraíso.
7 Sambódromo da cidade do Rio de Janeiro.
6

Para a compreensão do termo “carnavalizar” e do significado do carnaval,


recorremos à Mikhail Bakhtin (1999), que o analisou num contexto onde o “espetáculo”
compreendia festividades que ocorriam no Período Medieval e no Renascimento, não
apenas nos dias que antecedem a Quaresma mas, também, em outros períodos do
ano, geralmente associadas às manifestações religiosas ou sagradas e, algumas,
duravam meses. Para o autor, o carnaval é o lugar da inversão, onde os sujeitos
historicamente marginalizados, transcendem as barreiras hierárquicas, etárias,
sociais, ideológicas e de gênero, apropriando-se do centro simbólico, numa espécie
de êxtase de alteridade que privilegia o excluído, o marginal e o periférico
(SOERENSEN, 2011, p.03). Nesta perspectiva, buscava-se abolir a hierarquia, a
imobilidade social, padrões, restrições e proibições que determinavam a ordem
daquela sociedade, nas quais eram interrompidas temporariamente. No carnaval,

revoga-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de


medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado
pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de
desigualdade (inclusive a etária) entre os homens. (BAKHTIN, 1999, p.105).

Esta suspensão temporária da ordem social, durante o carnaval, gera uma


linguagem específica: a carnavalização. Esta linguagem, concretiza-se pela
abdicação da individualidade em prol da coletividade, que ocorre por meio da
aglutinação de pessoas, através do contato físico carregado de sentidos, surgindo
uma unidade coletiva. O individual dissolve-se e, em certa medida, perde sua
identidade para unir-se aos demais indivíduos; todos travestidos com fantasias e
máscaras para dar sentido ao corpo coletivo. Embora haja a dissolução do corpo
individual, os participantes sentem-se parte do todo, de forma concreta e sensível
(SOERENSEN, 2011, p. 319).

No carnaval, não há distinção entre ator e espectador e, além disso, a


existência do palco é dispensada, pois os espectadores não são sujeitos passivos.
Eles vivenciam o espetáculo, que é universal. Assim, a suspensão da rotina e a fuga
da vida ordinária constituem a estética da existência, onde “a forma efetiva da vida é
ao mesmo tempo sua forma ideal ressuscitada” (BAKTHIN, 1999; SOERENSEN,
2011, p. 320). Noutras palavras, os “foliões” não representam, mas vivenciam
experiências através da dualidade entre o onírico e o real: um jogo de inversão
simbólica das estruturas sociais. Contudo, é necessário entendermos que a
7

carnavalização não é uma linguagem externa e fixa, que se impõe a um espetáculo.


Carnavalização é uma forma complexa de flexibilidade da visão artística. Por isso, o
carnaval absorve este vasto princípio holístico específico da carnavalização que o
torna um espetáculo que se opõe ao individual, ao dogmático, à discriminação e ao
“sério”, formando parte integrante da cultura popular (SOERENSEN, 2011, p. 320).

1.2 – O carnaval em Portugal

Neste contexto de inversão da ordem social, analisado por Bakhtin, está o


entrudo. Um folguedo cômico da Idade Média que, posteriormente, passou a integrar
a cultura popular portuguesa. O significado da palavra entrudo é “entrada”, referindo-
se ao início da primavera. Esta manifestação popular possuía formas diversificadas
conforme a região do país, podendo variar desde a malhação de um boneco (boneco
do entrudo) até a invasão de casas onde pessoas se atacavam com água, lama ou
cinzas. O folguedo português nem sempre esteve relacionado ao cristianismo e,
segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz (1992), estas festas ocorriam em âmbito
familiar ou em localidades nas quais representavam de forma significativa para o
fomento das relações solidárias e para a coesão social.

Conforme a autora, o entrudo foi, gradativamente, substituído pelo carnaval,


no fim do século XVIII, devido à grande influência cultural francesa sobre a alta
sociedade portuguesa. Enquanto nas grandes cidades surgem os desfiles de
carruagens e bailes de máscaras, a imprensa depreciava o entrudo, acusando-o de
festividade “bárbara”, até que este confina-se nos pequenos burgos até sua extinção.
Para Maria Isaura (1992), as estruturas socioeconômicas refletem, não apenas a
substituição do entrudo pelo carnaval, mas o estabelecimento deste último como um
reflexo rígido destas estruturas, onde a camada popular, antes protagonista da festa,
passa à espectadora dos sujeitos da elite portuguesa. Assim, o carnaval português
sobreviveria por, pelo menos, cem anos até seu declínio, no início do século XX.

Durante sua permanência no Brasil, no século XIX, Jean Baptiste Debret


descreve acerca do carnaval europeu, ao comparar os festejos carnavalescos na
capital do Império brasileiro, em 1823, alegando que no Rio de Janeiro e em todas as
províncias do Brasil, o carnaval “não lembra, em geral, nem os bailes nem os cordões
barulhentos de mascarados que, na Europa, comparecem a pé ou de carro nas ruas
8

mais frequentadas, nem as corridas de cavalos xucros, tão comuns na Itália (DEBRET,
1971, p.103). Desta forma, as diferenças dos festejos carnavalescos foram registradas
em aquarela que demonstra como a população afro-brasileira comemorava os dias
gordos:

Figura 1 – “Cena de Carnaval” Jean Baptiste Debret

Fonte: Pinterest, 2017.

Debret, ao descrever a cena de carnaval, enfatiza que os festejos eram


marcados pelo costume de lançar limões de cheiro, feitos à base de cera, entre os
participantes, seguidos de polvilho, onde:

Com água e polvilho, o negro, nesse dia, exerce impunemente nas negras
que encontra toda a tirania de suas bobagens grosseiras […]. Um tanto
envergonhada, a pobre negra entregadora, vestida voluntariamente com sua
pior roupa volta para casa com o colo inundado e o resto do vestido com as
marcas das mãos imundas do negro que lhe lambuzou de branco o rosto e
os cabelos. [...] Nesses dias de alegria, os mais bagunceiros, embora sempre
respeitosos para com os brancos, reúnem-se depois do jantar nas praias e
nas praças, em torno dos chafarizes, a fim de se inundarem de água,
mutuamente, ou de nela mergulharem uns aos outros por brincadeira […].
Quanto às negras, somente se encontram velhas e pobres nas ruas, com o
seu tabuleiro à cabeça, cheio de limões-de-cheiro vendidos em benefício dos
fabricantes. Muitos negros de todas as idades são empregados nesse
comércio, até a hora da ave-maria, quando se suspendem os divertimentos.
(DEBRET, 1971, p. 103).

Na cena registrada e descrita por Jean Baptiste Debret, percebemos que as


características dos festejos dos dias gordos remetem ao entrudo, conforme descreve
9

Queiroz (1992), como já mencionamos acima, em relação ao festejo em Portugal. No


mesmo sentido, embora não encontramos descrição da aquarela, a obra do pintor
inglês Augustus Earle, em sua segunda passagem pelo Brasil, registrou o “entrudo
dentro das casas senhoriais em que os jovens lançavam entre si limões-de-cheiro, em
1822” (DOMINGUES, 2016).

Figura. 1 - "Jogos durante o Entrudo no Rio de Janeiro" – Augustus Earle, 1822.

Fonte: DOMINGUES, 2016.

As duas obras apontam que o carnaval no Brasil, embora simbolizando a


inversão da ordem social, como aponta Bakhtin (1999), não transgrediram a ordem
escravocrata vigente. Neste sentido, na aquarela de Augustus Earle, percebemos que
a população negra não participa, ativamente, da festa. E, na obra de Debret, o registro
do festejo burlesco ocorre, apenas, entre os afro-brasileiros e, além disso, o pintor
francês relata que as comemorações são pautadas no respeito entre brancos e
negros, ao descrever a cena registrada. Nesta perspectiva, os festejos carnavalescos
brasileiros, tem sua origem no entrudo português e somente no final do século XIX
que este receberia a influência cultural francesa.

1.3 – Carnaval no Brasil e as Escolas de Samba no Rio de Janeiro

No século XIX, o entrudo fazia parte da cultura popular no Brasil, como


herança cultural portuguesa. No entanto, com algumas mudanças significativas, o
entrudo “brasileiro” era um festejo eminentemente urbano e consistia, de modo geral,
em atirar bolas de cera cheias d’água perfumada (em formatos de frutas como
laranjas) entre os participantes: homens brancos e da elite. Para Queiroz (1992, p.
10

50), a vinda da Família Real para o Brasil, bem como a abertura dos portos, e a
inserção do café na base da economia, fomentaram ao longo do século o
fortalecimento de classes sociais distintas, nas quais corroboraram para o fim do
entrudo, substituído, gradativamente, pelo surgimento do “Carnaval Veneziano” e,
mais tarde, pelo “Grande Carnaval”.

Na metade do século XIX, surge o corso, desfile de carros e carruagens, onde


a elite desfilava exibindo suas luxuosas fantasias e seu poder aquisitivo e, no mesmo
período, surgem os primeiros clubes e sociedades carnavalescas. Tais surgimentos
eram enaltecidos pela imprensa nacional que estimulava as disputas por meio da
oferta de prêmios concedidos aos desfiles mais belos e às fantasias de luxo. Este
movimento era o chamado “Grande Carnaval”, que se opunha ao “Pequeno Carnaval”,
realizado pela população pobre e afro-brasileira, livres, na periferia da capital do
Império – o Rio de Janeiro – que realizavam sua folia após o desfile da elite, ao som
de ritmos afros.

No início do século XX, o entrudo foi substituído pelo carnaval no Brasil de


forma hegemônica e isto se deve ao fato das cidades brasileiras serem sedes da
administração local, política e religiosa, e os grandes oligarcas e coronéis, que
detinham poder sobre tais cidades, buscavam exibir seu poder político-econômico
através de uma “modernização” de hábitos culturais importados da Europa. Neste
prisma, ao passo que as cidades são reformuladas, no contexto de eugenia e
higienismo, o carnaval consolida-se com estruturas complexas, aderindo aos diversos
interesses da sociedade brasileira. Assim, a dinâmica dos primeiros “Ranchos ou
Tropas” carnavalescas do “Pequeno Carnaval”, traziam elementos de uma Identidade
Nacional, como figuras de índios e, até mesmo, dos colonizadores; enquanto o
“Grande Carnaval” reproduzia o modelo europeu.

O Pequeno Carnaval foi se desenvolvendo timidamente. Os grupos que se


reuniam para festejar o Reinado de Momo eram esporádicos – formavam-se
para a comemoração e desapareciam em seguida. No início do século XX,
todavia, surgiram alguns que se tornaram estáveis, os ranchos, cuja
denominação significa “tropa” na língua portuguesa, foram realmente
constituídos de tropas de operários, de pequenos funcionários, de donos de
pequenos armazéns ou lojas – isto é, de indivíduos que recebiam todos os
meses remuneração segura e que, assim, podiam se dar ao luxo de
confeccionar belas fantasias para a festa. Conseguiram obter, em 1910, o
direito de desfilar na avenida Central (que pouco depois se tornaria avenida
Rio Branco), local privilegiado, onde se pavoneavam o corso e os préstitos
das sociedades carnavalescas; no entanto, foi-lhes designado um “dia fraco”,
a segunda-feira Gorda. Os ranchos não se tardaram a se tornar uma das
11

grandes atrações da festa; os participantes se fantasiavam sempre de índios,


com profusão de plumas coloridas; sua maneira animada de dançar, apesar
da música mais ou menos dolente – a marcha-rancho – colocava uma nota
original em relação aos velhos folguedos. (QUEIROZ, 1992, p. 56).

O “Pequeno Carnaval”, através da consolidação dos ranchos, agregou as


camadas populares aos festejos de Momo, somando a elas seus “complexos culturais
específicos, os ranchos não somente percorriam a avenida Rio Branco, mas o faziam
ao som da “sua” música, executando a ‘sua’ dança. Era uma vitória da etnia africana,
e também de seus elementos culturais. Entretanto, os foliões dos ranchos eram
cidadãos assalariados, tolerados pelas autoridades, e não “podiam ser confundidos
com a massa subempregada que habitava as favelas do Rio de Janeiro” (QUEIROZ,
1992, p.57), pois o que prevalecia era a “ordem social”. Neste sentido,

Outros grupos levaram mais tempo para conquistar o direito de participação


nos festejos de Momo, principalmente os habitantes pobres de bairros
afastados do centro, ou dos morros que pontilhavam a cidade. Assim, as
escolas de samba, das quais a mais antiga foi fundada regularmente em
1928, somente alcançaram o direito de desfilar no centro em 1936.
(QUEIROZ, 1992, p. 57).

Contudo, este direito de participação na festa não significou a plena admissão


das escolas de samba ao folguedo, antes, foi designado a Praça Onze (zona de
prostituição) como local de desfiles dos primeiros Blocos, forma menos estruturada,
que abrigavam os grupos situados nas camadas mais pobres da população, os morros
e subúrbios cariocas, os quais originaram-se as primeiras escolas de samba:

O núcleo social de formação das escolas foram os blocos. A primeira escola


de samba, a Deixa Eu Falar, do bairro Estácio, surge no final da década de
20, ao que tudo indica, a partir dos laços de sociabilidade construídos em
torno de Tia Ciata8. O compositor Cartola e seus companheiros formam a
Mangueira a partir dos blocos existentes no morro. Paulo da Portela e Antônio
Rufino, organizadores do Bloco Pioneiros de Oswaldo Cruz, e frequentadores
da casa de outra “tia”, Dona Ester, formam em 1932 a escola Vai Como Pode,
depois conhecida como Portela. (CAVALCANTI, 1995, p. 23).

Somente em após a liberação da prefeitura municipal, em 1936, é que as


agremiações carnavalescas, advindas das zonas suburbanas e morros, puderam
participar do carnaval no centro da cidade. Contudo, conforme destaca Queiroz (1992,

8
Hilária Batista de Almeida (Bahia, 1854). Mãe-de-Santo, Tia Ciata de Oxum teve papel fundamental
no surgimento do samba no RJ. Em sua casa, além de funcionar o terreiro, era o ponto de encontro de
grandes nomes do samba, como Pixinguinha e Heitor dos Prazeres, autor do primeiro samba
registrado: Pelo Telefone, em 1916. Mais informações sobre o assunto, ver: FRAGA, 2009.
12

p. 58), as escolas de samba adotaram, durante o cortejo “perfeitamente disciplinado”,


a ordem social vigente, imposta pelo Estado Novo.

1.4 – As escolas de samba e o desfile carioca como modelo nacional

Ainda, durante a década de 1930, as escolas de samba cariocas ganham


notoriedade e popularidade, e passam a se articular formalmente através de
associações. Assim, em 1934, fundam a União Geral das Escolas de Samba e, em
1935, “passaram a receber, como já o faziam os demais grupos carnavalescos pré-
existentes, subvenções governamentais para o desfile” (CAVALCANTI, 1995, p. 26).
Em 1947, surgem outras duas associações, a Confederação das Escolas de Samba
e a Federação das Escolas de Samba. Estas três organizações representam os
conflitos sociais e ideológicos que permeavam o carnaval enquanto espaço de poder.
Somente em 1952, estas organizações fundem-se num único órgão representativo: A
Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Esta organização foi
fundamental para a consolidação das escolas de samba, ainda que absorvendo o
modelo vigente:

Os desfiles burgueses encontravam-se então em plena decadência, o corso


vespertino desaparecera quase por completo, os préstitos das sociedades
carnavalescas tendiam para extinção. O Grande Carnaval expirava, o
Pequeno Carnaval, pouco a pouco denominado Carnaval Popular, tomava-
lhe o lugar. Eis pois que as camadas inferiores, fortemente morenas e negras,
haviam conseguido se impor às camadas urbanas superiores, conquistando-
lhes os aplausos com suas músicas, suas danças, seu desfile. Porém, as
fantasias, à disposição da escola durante o desfile, os temas permaneciam
fortemente influenciados pela maneira de ser das sociedades carnavalescas
de inspiração europeia que as havia precedido. Além disso, a própria
estrutura das escolas de samba, legalmente registradas como sociedades
recreativas, copiava o modelo dos clubes burgueses. No superespectáculo
elaborado pelos estratos inferiores da população urbana do Rio, a mistura de
traços culturais de origem europeia, africana e mesmo indígena compunha
um conjunto claramente brasileiro. A “identidade brasileira”, que fora definida
pelos intelectuais do país como a integração de traços culturais destas três
origens diversas, se inscrevia assim no Carnaval (QUEIROZ, 1992, p. 58).

Esta aceitação dos elementos afro-brasileiros, através da difusão das escolas


de samba cariocas, foi ampla, embora não signifique a eliminação do racismo e
preconceitos étnico-sociais, muito pelo contrário, pois “a coexistência deste
preconceito com a afirmação generalizada de que a identidade brasileira só pode ser
concebida como resultado da mistura de elementos das três origens – a indígena, a
13

europeia e a africana – constitui uma das maiores contradições típicas do país”


(QUEIROZ, 1992, p. 59). Ou seja, em certa medida, sendo o carnaval o lugar da
inversão, como aponta Bakhtin (1999), a “democracia racial” só seria possível nos
festejos de Momo, onde as camadas populares e negras protagonizam a festa.

Na década de 1950, o carnaval carioca configurou-se como modelo nacional


de comemoração dos “dias gordos”, onde “a ampliação de suas bases sociais
progrediu com a participação crescente das camadas médias, incluindo a presença
de cenógrafos e artistas plásticos na produção do desfile” (CAVALCANTI, 1995, p.
26). Estas transformações, com a marcante atuação de pessoas exógenas às
comunidades carnavalescas se “caracteriza como um afluxo e uma adesão maciça
das camadas médias e urbanas a uma manifestação até então mais marcadamente
popular” (CAVALCANTI, 1999, p. 29). Assim, considerando que, em 1946, o jogo do
bicho foi proibido no país, os banqueiros9 do bicho passaram a exercer papel
importante nas transformações do desfile carnavalesco:

A expansão da rede do jogo do bicho na cidade preencheu, dessa forma, os


vazios administrativos deixados pelo poder público. Enraizando-se em seus
territórios de ação, neles encontrou as agremiações locais: os clubes de
futebol e as escolas de samba. Assim sendo, à medida em que se
demarcavam, em toda a cidade, as grandes áreas territoriais de atuação de
cada banqueiro, iniciava-se o relacionamento mais estreito entre o
“banqueiro” de um determinado território e as agremiações nele sediadas.
(CAVALCANTI, 1995, p. 32)

Esta relação entre banqueiros e escolas de samba se desenvolveu a cada


ano, e o desfile mobiliza uma vasta rede de relacionamentos sociais e econômicos,
onde o dinheiro do banqueiro integrou-se a esta rede como parte fundamental para
custear as inovações carnavalescas, conforme a expansão e o sucesso dos desfiles
cariocas. Assim, tanto o mecenato do bicho como o poder público passam a investir
capital no carnaval, pois viram nesse ramo cultural excelentes possibilidades
lucrativas e de prestígio social. Neste contexto, enquanto a prefeitura do Rio de
Janeiro, na década de 1960, passa a construir e organizar arquibancadas na avenida
Rio Branco, para a venda de ingressos, os bicheiros e aqueles que para eles
trabalhavam,

9
O termo banqueiro do bicho, segundo Cavalcanti (1995), está relacionado tanto à banca de jogo,
quanto ao sentido de: “aquele que banca”, que paga, que sustenta e ostenta.
14

Expressavam muito claramente sua visão do desejo do prestígio social que


movia o mecenato: era o “preço da vaidade”, “a única forma de aparecer nas
colunas sociais e não na página policial”, “a única forma de estar entre seus
iguais”. O mecenato do jogo do bicho era assim fruto de uma generosidade
interessada, tornando socialmente aceitável, e mesmo benvinda, a
extraordinária riqueza do bicheiro, favorecendo simultaneamente o controle
clandestino da organização do jogo do bicho sobre um determinado território.
O patrono, ou mecenas, da escola enfatizava, portanto, a “função cultural e
social” de sua escola, sua ajuda permitia à escola de samba tornar-se “um
motivo de orgulho para aquela comunidade” (CAVALCANTI, 1995, p.33).

Neste contexto, de interesses econômicos e de prestígio social, os patronos


das escolas passam a investir muito dinheiro nas agremiações para a confecção dos
desfiles, no qual, a cada ano, exigia mais inovações e mão-de-obra especializada.
Assim, também na década de 1960, surge um sujeito fundamental na estruturação
dos desfiles das escolas de samba, o carnavalesco10.

Nas décadas de 1970 e 1980, o poder público do Rio de Janeiro e o mecenato


do jogo do bicho disputam, entre si, a “tutela” do espetáculo carnavalesco. Dentre
estas evidências está, como já relatamos, a venda de ingressos nos dias do desfile,
com lucro remetido à prefeitura e, a partir de 1972, a Associação das Escolas de
Samba, através do apoio dos banqueiros do bicho, lucravam com a venda dos discos
com os Sambas-enredos. Desta forma, a RIOTUR11 e a Associação das Escolas de
Samba do Rio de Janeiro firmaram, em 1975, um acordo que alterava “a relação até
então estabelecida entre poder público e as escolas: ao invés de receberem a habitual
subvenção, cuja a burocracia era sempre complicada, as escolas passaram a assinar
um contrato de prestação de serviços” (CAVALCANTI, 1995, p. 27). Outro aspecto
significativo desta relação de poder é que, em 1983, foi assinado

O primeiro contrato da Associação das Escolas de Samba com a televisão


para transmissão do desfile. Nessa ocasião, já se configurava o problema da
representatividade da Associação, pois como todas as filiadas tinham o
mesmo peso, o dinheiro resultante dos contratos com a televisão era dividido
igualmente (CAVALCANTI, 1995, p. 27).

A transmissão do desfile e a construção da Passarela do Samba, em 1984,


significou a massificação do carnaval carioca como modelo dos festejos de Momo e,
também, na consolidação deste como um dos maiores espetáculos da cultura popular
do Brasil e do mundo. Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a Passarela do

10
Aprofundaremos sobre este ator social no item 1.5 deste capítulo.
11 Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, de capital misto (CAVALCANTI, 1995, p. 27).
15

Samba foi subsidiada pelo governo do estado do Rio de Janeiro e, após a rápida
construção em quatro meses, passou a ser administrada pela prefeitura da capital,
através da RIOTUR Economicamente rentável, a Marques de Sapucaí tornou-se
espaço de disputa entre o poder público e a cúpula do mecenato do jogo do bicho,
que se uniram e fundaram a LIESA.

Imediatamente após a construção da Passarela, um grupo de 10 dentre as


chamadas grandes escolas de samba separou-se da Associação, até então,
órgão representativo de todas as escolas de samba da cidade, criando a Liga
Independente das Escolas de Samba (LIESA). A Liga organiza desde então,
em parceria com a Riotur, o desfile do grupo situado no primeiro ranking do
carnaval carioca (CAVALCANTI, 1995, p. 28).

Esta estruturação do carnaval do Rio de Janeiro pela LIESA e Riotur, de


controle financeiro e administrativo do desfile das escolas de samba, é um fator
importante de ser analisado pois demonstra, não apenas o poder hegemônico que se
impunha acerca da tutela do espetáculo carnavalesco mas, também, por ser este um
fato que colaborou, somado à transmissão dos desfiles pela televisão, para a
expansão do diálogo proposto pelos sambas-enredos das agremiações a cada ano,
sob a coordenação da figura do carnavalesco, o “mediador cultural”.

A LIESA, a partir da década de 1990, iniciou um embate com a RIOTUR pelo


controle do desfile. Assim, em 1992, firmou um contrato de participação que “atribuía
à Liga a direção artística do espetáculo e à Riotur a administração das instalações; a
Liga detinha o total do montante relativo à venda dos direitos de televisionamento do
desfile e 50% da arrecadação da vendagem de ingressos” (CAVALCANTI, 1995, p.
37). Desde então, a LIESA passou a gerar recursos que favoreceram as
apresentações das escolas de samba do grupo especial, com a alegação de que o
público tivesse um retorno do valor investido (preço do ingresso), em termos de
espetáculo. Outro aspecto que sustentou a permanência desta instituição à frente das
negociações do desfile foram os “benefícios gerados que permitiriam as escolas
investir na comunidade, expressão que no contexto do desfile significava a doação de
fantasias para as alas obrigatórias” (CAVALCANTI, 1995, p. 37).

Atualmente, a LIESA coordena todo o desfile, em seus aspectos artísticos,


determinando os quesitos de avaliação do concurso, bem como os aspectos
administrativos, à frente da organização contratual entre a prestação de serviços das
escolas para com a prefeitura do RJ e com os direitos autorais dos sambas-enredos
16

e, principalmente, em relação ao contrato com as emissoras de televisão. Para


Queiroz (1992) e Cavalcanti (1995, p. 39), a associação entre escolas de samba com
os banqueiros do jogo do bicho é um fenômeno característico da cidade do Rio de
Janeiro, e que é importante compreendermos que esta é uma relação “histórica, mas
não necessária”, onde uma organização pode existir sem a outra. Fomentam, ainda,
que no restante do país e também no Rio de Janeiro, existem escolas que se mantém
sem o jogo do bicho. Entretanto, reforçam que as escolas de samba cariocas se
tornaram modelo para as demais escolas de samba do Brasil e influenciam na
organização do carnaval nas demais cidades.

1.5 “Bastidores da criação" – a confecção do desfile carnavalesco

Durante o carnaval de 2017, a escola de samba Estação Primeira de


Mangueira levou para a Passarela do Samba o enredo: “Só com a ajuda do santo”.
Assinado pelo carnavalesco Leandro Vieira, o desfile narrou a diversidade cultural
brasileira caracterizada através do sincretismo religioso. Para a confecção do desfile,
o carnavalesco contou com a colaboração do IPHAN12 “na pesquisa histórica, social,
fotográfica e antropológica sobre o assunto, aproximando a escola de samba das
comunidades tradicionais” (IPHAN, 2017). A parceria estabelecida entre a agremiação
carnavalesca e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, resultou na
exposição – Bastidores da criação: a arte aplicada ao Carnaval 13 – idealizada pelo
IPHAN e com curadoria de Leandro Vieira.

A mostra cultural reuniu maquetes das alegorias, figurinos originais,


rascunhos, fotografias e textos produzidos pelo carnavalesco durante a produção do
desfile. O objetivo do IPHAN, com esta iniciativa, consistiu em revelar ao público os
“bastidores” que envolvem o conceito artístico do desfile das escolas de samba.
Conforme o carnavalesco, a exposição possibilitou ao público a percepção acerca da
produção artística que raramente é difundida, já que o desfile é extremamente
conhecido mas, os bastidores não. A ideia seria, portanto, apresentar o alto nível de

12
Para maiores informações acerca da parceria entre o IPHAN e a escola de samba, e a exposição
“Bastidores da Criação: a arte aplicada ao Carnaval, acesse:
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4143. Acesso em 15/11/2017, às 20h.
13 Exposição realizada entre 13 de junho a 20 de agosto de 2017, no Paço Imperial, Rio de Janeiro.
17

produção artística que envolve o espetáculo, genuinamente brasileiro, definido como


“Ópera Popular” (IPHAN, 2017).

No entanto, este alto nível de produção artística dos desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro é resultado de um longo processo de transformação das
estruturas que envolvem o carnaval carioca, permeada por interesses políticos,
econômicos, sociais e culturais, ao longo do século XX. Nesta perspectiva, a evolução
artística das agremiações carnavalescas faz parte do processo histórico da própria
existência destas e da consolidação do desfile das escolas de samba cariocas como
modelo para as demais escolas carnavalescas do Brasil. Como vimos anteriormente,
a década de 1960, configurou-se como o período fundamental da transformação
estética e crítica dos desfiles das escolas de samba, através do surgimento do
protagonista da produção e execução artística das agremiações, o carnavalesco:

Ele é idealmente o criador do enredo, do que decorrem os sambas-enredo, e


o responsável pela concepção e execução dos carros alegóricos. O
carnavalesco vem, geralmente, “de fora” da escola e mantém com ela uma
relação “profissional”, circulando num meio social que transcende esta ou
aquela escola em particular. (CAVALCANTI, 1999, p. 28).

O “surgimento” deste ator social, exógeno à escola de samba, não se deu sem
conflitos, considerando que este novo sujeito, geralmente composto por profissionais
de formação superior, vinculados às artes (coreógrafos, cenógrafos, artistas
plásticos), passou a acumular e articular funções que outros atores sociais,
integrantes das escolas e comunidades já executavam durante a confecção do desfile.
Além disso, a participação do carnavalesco, à frente das escolas de samba,
reestruturou seus principais aspectos: melódicos, dramáticos e estéticos. Dentre as
principais transformações que a figura do carnavalesco realizou nos desfiles destaca-
se a inovação do enredo.

Conforme Cavalcanti (1995, p. 79), “os enredos carnavalescos e os sambas-


enredo dele decorrentes, hoje característicos do desfile das escolas de samba,
surgem, um como tipo de texto e o outro como um subgênero musical do samba”. No
entanto, em termos de surgimento de ambos, o sambas-enredo possuem mais tempo
e uma vasta bibliografia de cronistas à respeito, no qual apontam para a década de
1930, como o início da vinculação entre o samba ao tema do desfile:
18

Depois de uma fase inicial, caracterizada por temáticas livres, os sambas das
escolas de samba voltaram-se a partir de meados da década de 1930 para a
temática nacional. Ao que tudo indica, “nacional” nesse momento significou a
referência a fatos, personagens, lendas, heróis, datas e acontecimentos
históricos brasileiros. Cabe notar que o samba-enredo propriamente dito teria
surgido apenas na década de 1940 como contrapartida musical da
progressiva estruturação das escolas, no sentido de encenar dramaticamente
seus enredos sob a forma de uma “ópera-balé ambulante”. (CAVALCANTI,
1999, p.31).

A temática nacional dos sambas-enredos, obrigatória durante o Estado Novo,


está relacionada ao fato da referência por parte do sambista-compositor a um
diversificado universo de representações culturais, muitas vezes, não pertencente ao
seu “mundo” original, com o objetivo de conquistar a aceitação social dos sambas-
enredos, nos quais ficaram marcados por temas literários e históricos, tendo sempre
a cultura eurocêntrica como referência “oficial”. Esta característica perdurou até os
anos de 1950, que

Teriam difundido um tipo de samba-enredo, popularmente conhecido como


lençol, que desenvolvia um tema histórico de maneira detalhada e extensa.
Nele também, a questão racial, opondo o senhor/branco ao negro/escravo, é
sempre abordada e mediada pelo herói branco (CAVALCANTI, 1999, p.31).

Este paradigma, de vinculação dos enredos à temática nacional, tendo o


modelo branco e elitizado de cultura, é superado com a introdução da figura do
carnavalesco à frente da organização dos desfiles das escolas de samba. Neste
sentido, com a expansão da base social das escolas e a atuação de artistas plásticos
e demais profissionais das artes, há, também, um processo de expansão e inovações
estéticas na estruturação dos desfiles, sobretudo na década de 1960, aos quais
trariam um novo prisma acerca dos enredos e da temática étnico-racial.

A escola de samba Acadêmicos do Salgueiro desempenhou, nesse contexto,


papel importante. Essa escola renovou a temática racial, produzindo uma
versão que chamo aqui de negra. Nessa produção, o personagem do
carnavalesco ocupou lugar de destaque no decisivo papel de mediador
cultural (CAVALCANTI, 1999, p. 32).

Portanto, a figura do carnavalesco tornou-se indispensável às escolas de


samba pelo fato destes “transitarem” entre a cultura erudita e a cultura popular –
“mediador cultural”; por isso, Maria Laura Cavalcanti menciona a escola de samba
Acadêmicos do Salgueiro como inovadora na temática étnico-racial, onde o
19

carnavalesco Fernando Pamplona, em 1960, buscou discutir a temática afro-brasileira


numa perspectiva político-social.

Pamplona era Pintor, formado pela Escola de Belas Artes, até que um dia,
segundo ele, por uma atitude “estética e social”, resolveu “largar o ateliê e
fazer cultura popular”. Em 1959, convidado para compor o júri do desfile das
escolas de samba, juntamente com Eneida, Édison Carneiro e Lúcio Rangel,
teve seu encontro fatal. O Salgueiro, com Dirceu Néry, vinha com enredo
sobre Debret: “Houve um encontro”. Dirceu me convidou para fazer Salgueiro
em 1960. A única coisa que eu impus foi um tema, porque até então era
aquela coisa de apresentar temas para a escola decidir. Faço com uma
condição: que Palmares seja o tema (...) A turma sabia quem era Zumbi. Eu
já tinha uma certa atração pela cultura negra. Fiz com Arlindo [Rodrigues], ele
desenhava muito bem. A escola foi campeã. A coisa foi crescendo e aí você
ficou engajado” (CAVALCANTI, 1999, p. 32-33)

Os depoimentos do carnavalesco à historiadora demonstram sua rede de


relações, onde este “transita” entre o saber erudito e a cultura popular. Há, portanto,
a partir da figura de Pamplona no carnaval carioca, a consolidação entre o saber
empírico, que já era amplamente desenvolvido por pessoas inerentes às comunidades
e agremiações carnavalescas, e o saber teórico a partir das experiências do
profissional da arte e suas relações com intelectuais. Este encontro de saberes
possibilitou um novo olhar acerca da história e da cultura afro-brasileira e,
principalmente, das pautas político-sociais dessa população, como podemos
compreender no relato de Pamplona.

O tema racial, contudo, se impôs: “Mas foi a primeira vez que nós fizemos
uma indumentária negra no carnaval. Um dia, eu conversei com Édison
Carneiro sobre o porquê da indumentária branca no Carnaval, na Congada,
no Maracatu, no Reisado. Por que eles vinham vestidos de D. João VI, de
Corte Imperial, e não com roupa de negro? Nas gravuras do Rugendas, já
era tudo com indumentária branca e na liberdade consentida. O negro podia
fazer a coroação dos reis negros sem poder na Congada, no Ticumbi. Se eles
vestissem a indumentária negra representava a escravidão. Se vestissem a
indumentária branca representava poder. Eles vestiam brancas”
(CAVALCANTI, 1999, p. 33).

A proposta do enredo de Fernando Pamplona, portanto, era justamente de


discutir a valorização da identidade afro-brasileira numa perspectiva, do que hoje se
chama, de “empoderamento14”. Era o poder afro-brasileiro simbolizado ao longo do
desfile através de um resgate cultural africano presente na cultura popular.

14
Empoderamento é um termo utilizado pelo Movimento Negro brasileiro, no século XXI, para designar
o comprometimento de luta pela equidade. Diz respeito a mudanças sociais numa perspectiva anti-
racista, anti-elitista e anti-sexista, através de mudanças das instituições sociais e individuais, colocando
20

Eles resolveram então vestir a escola de negros efetivamente dotados de


poder, e foram buscar o “poder” negro numa imagem de África: “O Édison
topou a parada. É, o caminho é esse. (...) Aí nós vestimos as alas negras que
representavam cinco nações africanas dóceis como negros bantos dóceis,
mais os cabindas e, além dos cabindas, os do golfo de Benin, os iorubas e os
jêjes. E aí, pela primeira vez, veio a indumentária negra de origem africana.
Fizemos algumas intervenções. (...) Pegamos o material que a própria cultura
popular mostrou para a gente, e eles entenderam. Daí veio a Chica da Silva,
o Chico Rei, e pegamos a linha negra, já que ela tinha feito tanto sucesso e
deu uma consciência do grito de liberdade do negro no Brasil. E eles
continuam fazendo até hoje” (CAVALCANTI, 1999, p. 33).

A inovação proposta por este carnavalesco tornou-se referência, em termos


estéticos e dramáticos, aos enredos dos desfiles das escolas de samba nos anos
subsequentes. Pamplona fez “escola”, pois sempre enfatiza que nunca trabalhou
sozinho, montando, a partir daquele ano no Salgueiro, um grupo de trabalho que
originou outros grandes nomes do carnaval carioca, como: Maria Augusta Rodrigues,
Joãozinho Trinta, Rosa Magalhães e Arlindo Rodrigues. Todos estes carnavalescos
inovaram, de alguma forma, o desfile das escolas de samba, seja na perspectiva
visual, dramática, política ou social. Neste sentido, Fernando Pamplona destaca que,
“se não fosse eles a inovar a temática de enredo e a confecção de alegorias, outras
pessoas o fariam, pois, impulsionadas pela natureza competitiva do desfile, as escolas
já vinham caminhando nessa direção” (CAVALCANTI, 1995, p. 55).

É importante fomentar que, ao destacarmos o papel fundamental do


carnavalesco à frente da estruturação dos desfiles das escolas de samba, não
estamos sobrepondo o arcabouço teórico destes profissionais às experiências
empíricas daqueles que, anteriormente, confeccionavam o espetáculo; pelo contrário,
estamos destacando que os carnavalescos, a partir da década de 1960,
desempenham a função de pesquisadores e passaram a mediar culturalmente o
diálogo proposto entre os enredos das escolas de samba e a sociedade. Assim, o
carnavalesco assume para si a responsabilidade de tecer uma análise crítica acerca
das temáticas dos enredos, na maioria das vezes, históricos, bem como, pensar no
papel social, político e econômico que o carnaval exerce sobre a sociedade, enquanto
cultura popular. Nesta perspectiva,

o desfile é, em essência, a encenação de um enredo, narrado por múltiplos


meios em cortejo linear. Os outros elementos formais – fantasias das alas e
dos demais componentes da escola, alegorias e samba-enredo –

homens e mulheres negras como sujeitos ativos no papel das mudanças, numa perspectiva sempre
coletiva. Ver: https://www.geledes.org.br/o-empoderamento-necessario/ (acesso 20/11/2017).
21

transformam e ampliam significados já sugeridos pelo enredo. É ele o


elemento-chave da forma estética e cultural do desfile: sem enredo não há
desfile (CAVALCANTI, 1999, p.82).

Esta narrativa multifacetada do enredo carnavalesco é o elemento


fundamental de padronização do desfile que o insere num contexto cultural, histórico
e social. Assim, “orientando o espetáculo, os enredos promovem a cada ano imensas
conversas urbanas sobre os mais diferentes assuntos” (CAVALCANTI, 1999, p. 82).
Desta forma, o carnaval carioca assume, em última instância, uma dimensão
pedagógica que se utiliza da linguagem estética, visual, poética e rítmica para narrar
determinado tema, ou seja, a transformação do enredo em samba propõe este
diálogo, somado ao conjunto de fantasias e alegorias.

O enredo, portanto, é apresentado pelo carnavalesco a um universo cultural


específico e, nessa passagem, é novamente interpretado pelos compositores
para a produção do samba. Um samba-enredo é, assim, uma versão seletiva
do enredo, que deve, no entanto, elaborar seus principais episódios e ideias.
O conjunto dos sambas-enredo criado pelos compositores dialoga, pois, cada
qual à sua maneira, com o enredo proposto pelo carnavalesco. [...] Nos
sambas-enredo do carnaval estão em jogo uma pedagogia e uma imensa
conversa sobre assuntos que interessam a diversas camadas sociais. Dentre
estes assuntos, destaca-se a temática racial. (CAVALCANTI, 1999, p. 35).

Os enredos e sambas-enredo apresentam-se como uma narrativa acerca de


um tema específico, aos quais propõem uma análise crítica sobre este, voltados à um
público específico, seja os espectadores ao longo da Marquês da Sapucaí ou os
telespectadores, através da transmissão do desfile pelas emissoras de televisão,
narrado por um apresentador. Neste prisma, torna-se imensurável o alcance de tal
diálogo, tendo em vista que a transmissão televisiva é em nível nacional e, até mesmo,
internacional, através dos canais por assinatura.

Outro aspecto importante de ser destacado é o papel da internet que, nos


últimos anos, permite a transmissão simultânea do desfile. Além disso, a Rede
Mundial de Computadores, centraliza grande parte do acervo histórico dos desfiles
das escolas de samba do Rio de Janeiro, seja através de sites especializados na
temática carnavalesca, como as páginas virtuais das próprias agremiações, ou
páginas de notícias e “redes sociais”, bem como institucionais.

Esta amplitude do diálogo entre as escolas de samba do RJ e o público,


através do samba-enredo, bem como a apropriação do Estado acerca do carnaval
22

enquanto elemento que constitui parte da identidade nacional brasileira, pressupõe a


perspectiva pedagógica. Neste sentido, esta pesquisa busca compreender quais
temas as escolas de samba cariocas abordaram, entre os anos de 1988 ao ano 2000,
que são possíveis de utilização para análise história, assumindo os enredos e sambas-
enredos como documentos históricos, utilizados como material didático para o Ensino
de História. Para tanto, no próximo capítulo, discutiremos nossa compreensão acerca
do carnaval enquanto ritual anual e cultura popular.
23

CAPÍTULO 2 – O CORTEJO HISTORIOGRÁFICO

O desfile carnavalesco do Rio de Janeiro é um cortejo linear que segue regras


propostas pela comissão julgadora, dividas em quesitos. Dentre tais regras
encontramos o tempo de oitenta minutos, aos quais a escola de samba deverá
apresentar o enredo, dividida por alas temáticas e alegorias. Mas este “tempo do
cortejo” não é o único “tempo” que norteia o desfile das agremiações carnavalescas.
Neste sentido, o carnaval está inserido numa noção ampla acerca do tempo: “Um
tempo cíclico dentro de um tempo linear. Este tempo é geralmente sagrado, ritual,
religioso em todo caso” (LE GOFF, 2014, p. 476). Desta forma, percebemos que há
uma metodologia que se impõe ao espetáculo, pautada na noção de tempo, com
vistas a padronizar o cortejo carnavalesco. A partir destes preceitos, neste capítulo
apresentamos o “caminho” teórico que padroniza e orienta a nossa análise
historiográfica.

2.1 – O Carnaval e o Tempo Histórico

“O carnaval é parte de uma civilização e seu tempo tem uma dimensão


estrutural, pois com ele, experiências e atos socialmente definidos retornam a cada
ano” (CAVALCANTI, 1999, p. 77). O carnaval é celebração: da carne, do corpo, da
finitude. Com fantasias, máscaras e inversões, celebra-se a crítica e a sátira da ordem
social cotidiana que, “temporariamente suspensa”, retorna após Quarta-feira de
cinzas. Portanto, o carnaval é um ritual e a

Dimensão estrutural do tempo carnavalesco convive, entretanto, com outras


dimensões temporais. Entre elas, são também cruciais a diacronia e o tempo
histórico, pois o carnaval possui sua própria história, existe em contextos
sociológicos distintos e abrange diferentes formas festivas, todas com sua
história particular (CAVALCANTI, 1999, p. 78).

O carnaval da cidade do Rio de Janeiro possui, como vimos, sua história


permeada por conflitos sociais, políticos, econômicos e culturais ao longo do século
XX. No entanto, em termos de desfile, seu espetáculo é efêmero: ocorre em duas
noites do mês de fevereiro ou março, pois está vinculado ao calendário cristão-católico
da Páscoa.
24

A referência anual, porém, é particularmente esclarecedora, pois o ano do


desfile é, a um só tempo, 1) o ciclo cristão ordenado de trabalho, lazer e
festas; 2) um ciclo completo de morte e renascimento; 3) um ano datado,
ponto de referência de fatos históricos (CAVALCANTI, 1999, p. 81).

No decorrer deste ciclo anual dos desfiles, existem transformações e


permanências aos quais marcam a história do carnaval e da própria cidade, conforme
aponta Maria Laura Cavalcanti (1999):

As escolas são campeãs de um ano específico, mas no saber popular


prevalece o tempo cíclico da festa: na fala e na memória a menção à data é
substituída pela referência aos enredos. Isso porque um desfile não é apenas
a festa espetacular, mas também um longo processo de trabalho que torna o
intervalo de um ano, entre um carnaval e outro, um tempo culturalmente pleno
e cheio de sentido. Ao longo desse ciclo o enredo é transformado em samba-
enredo, alegorias e fantasias, reunindo um número crescente de pessoas até
a culminância na passarela (CAVALCANTI, 1999, p. 81).

Ao adotar a menção anual em referência ao enredo, a memória popular


remete a esta dimensão cultural do calendário, como destacou a autora. Assim, este
calendário cultural estaria à frente do tempo histórico, na perspectiva de que o desfile
projeta sempre o ano posterior, já que a preparação do próximo desfile começa logo
que acaba o carnaval anterior.

A confecção do desfile começa mal terminado o carnaval do ano anterior,


com a definição de um novo enredo a ser levado pela escola à avenida.
Carnaval, nesse sentido amplo, envolve não apenas a festa, mas toda a sua
preparação, ao longo da qual um novo enredo transforma-se, gradualmente,
em samba-enredo, em alegorias e em fantasias. Cada elo desse processo
coloca em cena formas distintas de expressão artística e grupos sociais
diferenciados. Desse modo, o ciclo anual da confecção dos desfiles, bem
como sua realização e a história das escolas de samba, é perpassado por
tensões que conferem ao carnaval da cidade muito de sua graça e vitalidade.
(CAVALCANTI, 1999, p. 49).

Tal vitalidade e graça, diz respeito ao visual estético e dramático, através das
alegorias, do ritmo do samba-enredo, da evolução das alas ao longo da avenida, da
resposta do público presente ao entoar a letra do samba. Todas estas características
apontam para o resultado positivo da arte coletiva que compõe o desfile das escolas
de samba. Concebido pelo carnavalesco, o enredo é consumido no curto tempo ritual
do desfile. Há, portanto, uma dimensão de tempo estrutural e tempo histórico que
garante sua permanência no futuro. Nesta direção, Cavalcanti propõe uma discussão
interessante acerca da compreensão desta dimensão estrutural do tempo
carnavalesco:
25

1. A dimensão agonística dessa festa carnavalesca. O desfile é um


grande ritual urbano contemporâneo, uma competição na qual as
escolas rivalizam entre si diante de um objetivo valorizado por todas
(ganhar o campeonato) e controlam a rivalidade por meio de regras
comuns (os quesitos de julgamentos) renovadas por consenso de
ano a ano.

2. A sua forma artística altamente elaborada. Os enredos carnavalescos


são o elemento expressivo básico do desfile, e o elo de uma vasta
rede de relações que mobiliza anualmente diferentes grupos e
camadas sociais urbanos. São transformados ao longo do ano em
samba-enredo, alegorias e fantasias. A narração do enredo no desfile
organiza-se em torno da tensão existente entre a linguagem plástica
(a vitalidade das fantasias e alegorias) e a linguagem musical (o
samba cantado pelo puxador acompanhado pelo coro de todas as
alas e pela poderosa percussão da bateria). O movimento linear da
escola com a evolução dançante das alas concilia a visualidade com
o ritmo e a música, reunindo as dimensões espetacular e festiva de
um desfile.

3. Processos urbanos importantes – como a expansão da cidade rumo


aos subúrbios e à periferia, a expansão das camadas médias e
populares, a importância crescente do jogo do bicho entre as
camadas populares – encontraram no desfile um canal de expressão
e mediação ao longo do século XX. (CAVALCANTI, 1999, p. 74-75).

Ao evidenciar estas bases da riqueza do desfile, ao qual considera sua “graça


e vitalidade”, a autora propõe a possibilidade de diferenciar a noção de tempo através
da atividade social concreta das escolas de samba ao longo da história do carnaval e
da confecção e execução do desfile, considerando as peculiaridades do contexto do
carnaval do Rio de Janeiro ao longo do século XX. Assim,

Define-se, desse modo, um tipo de tempo com forte conteúdo simbólico. A


antropologia batizaria mais tarde esse conceito de tempo estrutural, diferente
da noção abstrata da física ou da matemática, ou mesmo da metafisica, e
também do tempo que denominamos histórico. O tempo histórico é
diacrônico, valoriza a sucessão de acontecimentos. O tempo estrutural é
sincrônico, repetitivo, com conteúdo cognitivos e afetivos característicos. É
um tempo social, fortemente ligado à experiência vital e à visão de mundo de
uma sociedade ou civilização (CAVALCANTI, 1999, p. 77).

Os estudos antropológicos de Cavalcanti apresentam a relação entre rituais e


processos simbólicos, voltando-se para a relação entre História e Estrutura. Na
historiografia, a Nova História apresenta uma discussão semelhante acerca desta
relação, através da noção de “longa duração”, proposta por Fernand Braudel (2002).

Para este historiador, o Tempo histórico é ritual, complexo e cadencioso. Nele


estão emaranhados o factual, a conjuntura e as estruturas aos quais ditam o
movimento, respectivamente, da curta, média e longa duração. Logo, a curta duração
26

seria o tempo do evento, dos acontecimentos com “vibrações curtas” que o autor
chama de fatual: “há um fato político, mas há também um fato econômico, mas
também cultural, mas também social” (BRAUDEL, 2002, p.369). Já a média duração,
seria um tempo intermediário, que abarca mais ou menos uma ou duas gerações,
onde é possível percebermos as transformações conjunturais de determinada
sociedade. Assim, o tempo da “conjuntura, também ela polivalente, são fases mais ou
menos longas” (IDEM; p.369). Entretanto, Braudel evidencia:

Que os acontecimentos, que as conjunturas não representam toda a


espessura do tempo vivido ou do tempo presente. Em profundidade, uma
história estagna, desfila lentamente, a mais longa das longas histórias, algo
com tendência secular, ou melhor, multissecular (BRAUDEL, 2002, p.370).

Noutras palavras, a longa duração possibilitaria ao historiador compreender


as continuidades, rupturas e os deslocamentos de uma determinada análise histórica.
A longa duração é a profundidade que determinado tema possui numa dada
sociedade, é um Tempo Estrutural:

A essa história profunda, chamei estrutural - mas, por favor, entenda-se, e de


uma vez por todas, que meu estruturalismo nada tem a ver com o
estruturalismo (que por sinal caiu de moda) dos linguistas. Para mim, é
estrutura tudo o que resiste ao tempo da história, o que dura e até perdura -
logo, algo bem real, e não a abstração da relação ou da adequação
matemática. Se eu tivesse de definir a história global para os leitores que
tomaram conhecimento de meu livro sobre o Mediterrâneo, eu os
aconselharia a ver o mundo atual com os mesmos preconceitos, com as
mesmas problemáticas, afim de distinguir o que sucede depressa do que
sucede devagar, ou se eterniza ante nossos olhos (BRAUDEL, 2002. p. 371).

Neste sentido, as Estruturas Temporais apresentam-se como a longa duração


sendo a permanência, um tempo cíclico, ritual, mas nunca imóvel. A curta duração é
“o que sucede depressa”, o evento em si; enquanto a média duração é o que “sucede
devagar”. Sendo “realidades que se revezam lentamente, diferentes em suas formas,
mas análogas em suas razões de ser e de durar” (BRAUDEL, 2002, p. 370). A
“dialética da longa duração” constitui o cruzamento de dados entre estrutura,
conjuntura e o evento, que “se encaixam sem dificuldade, pois todos se medem por
uma mesma escala. Do mesmo modo, participar em espírito de um desses tempos, é
participar de todos” (BRAUDEL, 1978, p. 72).

Assim, nossa análise concebe o Tempo Histórico como estruturante dos


processos simbólicos e rituais acerca do desfile das escolas de samba do Rio de
Janeiro, compreendendo o enredo como a materialização desta dialética da longa
27

duração. Embora o enredo apresenta-se com uma narrativa específica, produzida


para um evento efêmero, seu processo de elaboração pertence, simultaneamente, à
história do carnaval, a história das escolas de samba do RJ e a história ao qual se
propõe narrar.

Desta forma, o enredo representa: 1) as experiências simbólicas (crítica,


sátira, inversão da ordem social) acumuladas, a cada ano, na “longa duração” da
história do carnaval, portanto, o tempo cíclico e ritual; 2) as experiências sociais
acumuladas ao longo da história do carnaval da cidade do Rio de Janeiro, que
representam o tempo conjuntural, aos quais os interesses econômicos e políticos que
integram este processo transformou o carnaval daquela cidade; 3) as experiências
culturais, transformadas ao longo da historicidade do carnaval, em seus aspectos
visuais, estéticos, dramáticos e rítmicos, nas quais narram um determinado tema
durante o desfile carnavalesco – o tempo do evento.

Nesta perspectiva, compreendemos os enredos e sambas-enredos como


representantes das experiências simbólicas, sociais e culturais que envolvem a
estrutural temporal do carnaval carioca, concebendo estes como elementos que
materializam a dialética da longa duração, numa tentativa de, ao analisa-los enquanto
fonte, relacionar as temáticas propostas ao seu contexto histórico. Pois, um samba-
enredo tende a tecer uma crítica sobre determinado assunto e, muitas vezes, emerge
a partir das pautas culturais, políticas e sociais que permeiam o contexto das
agremiações carnavalescas, enquanto entidades representativas de um seguimento
social ou, até mesmo, o contexto nacional referente ao ano de produção do enredo. A
exemplo disso, mais adiante (capítulo 4), discutiremos o enredo e o samba-enredo
que a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis levou para a Marquês de Sapucaí, em
1989, intitulado “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia”! Ao qual tecia uma crítica
acerca das desigualdades sociais do Brasil, sustentada pela omissão e corrupção no
campo político.

2.2 – O Carnaval do Rio de Janeiro: “Cultura Popular Negra”

A preocupação com uma história que abarca a cultura popular surgiu, na


década de 1960, tendo as contribuições de Edward Thompson que, ao analisar o
“lugar da cultura popular” em “A formação da classe operária inglesa” (1963)
28

apresentava influentes e novas perspectivas historiográficas. No mesmo período, a


historiografia francesa, vinculada a revista dos Annales, convergiu nesta mesma
perspectiva, sobretudo com as contribuições de Jacques Le Goff. Esta preocupação
surgiu, conforme Burke (2005), a partir de lacunas nas quais a história de pessoas
comuns era excluída da “História Cultural” e, na História Econômica e Política, a noção
de cultura também era excluída das análises históricas. Portanto, esta preocupação
seria a reação de historiadores acerca das deficiências das abordagens anteriores.
(BURKE, 2005; DOMINGUES, 2011, p. 402).

Estas deficiências, no entanto, estavam pautadas em questionamentos


acerca dos conceitos de “cultura” e de “popular”. O que seria “popular”? “O termo
popular é derivado de povo. E o que seria um “povo”? Não há consenso na resposta;
a acepção mais comum é considerar povo como o conjunto dos cidadãos de um país,
excetuando-se os dirigentes e os membros da elite socioeconômica (DOMINGUES,
2011, p. 402). Outra deficiência estaria acerca do conceito de cultura, que se
apresentava como representante da ciência, da literatura (acadêmica) e da música
clássica, apenas. Posteriormente, este termo passou a abarcar, também, seus
correspondentes populares: à medicina popular, literatura de cordel e canções
folclóricas, entre outras (DOMINGUES, 2011, p. 403). Desde então, passaram-se a
discutir amplamente o conceito de cultura nas diversas ciências sociais:

Na visão tradicional, cultura popular consiste em todos os valores materiais e


simbólicos (música, dança, festas, literatura, arte, moda, culinária, religião,
lendas, superstições etc.) produzidos pelos extratos inferiores, pelas
camadas iletradas e mais baixas da sociedade, ao passo que cultura erudita
(ou de elite) é aquela produzida pelos extratos superiores ou pelas camadas
letradas, cultas e dotadas de saber ilustrado. No entanto, esta divisão
rigorosa não se confirma empiricamente, pelo menos é o que as pesquisas
no terreno da história cultural, antropologia, sociologia e teoria literária vêm
demonstrando ultimamente. (DOMINGUES, 2011, p. 403).

Neste sentido, o conceito de cultura popular apresenta-se como um campo de


disputa, isto é, essa dualidade conceitual foi amplamente discutida por intelectuais das
ciências humanas e a contribuição mais significativa acerca da noção de cultura
popular é do filósofo Mikhail Bakhtin (1999) em “A cultura popular na Idade Média e
no Renascimento: o contexto de François de Rabelais”. Na obra, teorizando acerca
do “cômico” e do “popular” na Idade Média e no Renascimento, Bakhtin enfatiza que
o “riso”, o “burlesco”, característicos das manifestações culturais populares, eram
29

capazes de produzir uma dualidade: opor-se a cultura oficial tutelada pela Igreja e o
Estado. Assim, a cultura cômica popular da Idade Média expressava a necessidade
de transformação social: “Elas destronavam e renovavam o poder dirigente e a
verdade oficial. Faziam triunfar o retorno de tempos melhores, da abundância
universal e da justiça. A nova consciência histórica se preparava nelas também”
(BAKHTIN, 1999, p. 85).

A cultura popular medieval expressava um “mundo dual”, onde configurava-


se como oposição à cultura oficial. Nesta direção, a relação de cultura erudita (elitizada
intelectualmente) e a cultura popular são sistemas de representações, em forma e
conteúdo. Por isso,

o cruzamento entre ambos os domínios não pode ser entendido como uma
relação de exterioridade envolvendo dois conjuntos estabelecidos
aprioristicamente e sobrepostos (um letrado, o outro iletrado). Pelo contrário,
esse cruzamento – ou zonas de fronteiras – entre o chamado “erudito” e o
“popular” produz encontros e reencontros, espécie de fusões culturais.
(DOMINGUES, 2011, p. 404).

Estas fusões culturais estão expressas na obra de Bakhtin quando demonstra


que no Renascimento houve momentos em que a cultura popular era absorvida pela
chamada cultura “letrada”. Nesse sentido, o que se denomina “erudito” e “popular”
“está em permanente processo de ajustes, desajustes, reajustes, em suma, em
movimento. Assim, torna-se indissociável a divisão entre eles é anular os postulados
metodológicos que procuram conferir um tratamento contrastado de um e de outro
domínio” (DOMINGUES, 2011, p. 404).

Para o historiador Petrônio Domingues (2011), a fronteira entre as várias


culturas populares e as culturas das elites é “vaga, movediça e pantanosa”, e reitera
o pensamento de Burke acerca de que a atenção do historiador deva concentrar-se
na interação e não da divisão entre estas, pois,

não é possível aquilatar rigorosamente o que seria de “natureza” popular,


num universo social complexo e no qual se envolve a troca de práticas e
objetos culturais múltiplos. No curso da pesquisa, o historiador “descobrirá”
que a cultura do povo se apresenta, sempre, como um conjunto misto que
reúne, numa colcha de retalho, formas e elementos culturais de origens
diversas (DOMINGUES, 2011, p. 409).
30

Nesse terreno complexo, de delimitação acerca do “popular” e “não popular”,


alguns historiadores15 postularam a impossibilidade de designar objetos e práticas
culturais como “populares”. Na contramão deste pensamento, Thompson sugere que
a divisão entre culturas estaria vinculada à divisão de classes que surgira durante a
“formação da classe operária”, pois

Defende que, nesse período, houve uma dissociação entre as culturas


“plebéia e patrícia”. E esta divisão se deu em termos de classe – entre os de
alta e os de baixa posição social, entre pessoas ricas com bens
independentes e o grupo dos desagregados e desordeiros, entre os bem-
nascidos e os sem berço. Uma cultura popular costumeira, alimentada por
experiências bem distintas daquelas da cultura de elite, transmitida por
tradições orais, reproduzida pelo exemplo, expressa pelo simbolismo e pelos
rituais. (DOMINGUES, 2011, p. 410).

Segundo esta perspectiva, na visão do historiador inglês o processo criativo


das camadas populares é tão importante quanto das camadas mais elitizadas pois
possui, igualmente, suas simbologias e tradições e interagia com as culturas de elite,
sem se confundir com estas. Assim,

Refutando de forma explícita Peter Burke – e tacitamente Roger Chartier –,


Thompson preconiza a existência de uma cultura popular, tradicional e
relativamente independente (nem sempre ligada à Igreja ou às autoridades).
Mas longe de exibir a permanência sugerida pela palavra “tradicional”, a
cultura popular era um campo para a mudança e disputa. Longe de práticas
uniformes, homogêneas e consensuais, era uma arena na qual interesses
opostos apresentavam posições heterogêneas e conflitantes. (DOMINGUES,
2011, p. 411).

O campo cultural é um espaço de disputa e transformações e, sendo assim,


a cultura popular expressa também essa premissa de confrontos e contradições.
Cultura é um “conceito vazio se utilizado como generalização universal, ele só vai ter
algum significado quando inserido num contexto histórico específico ou, nos termos
postos pelo historiador inglês, quando ‘situado no lugar material que lhe corresponde’
(DOMINGUES, 2011, p. 411).

A exemplo de tais transformações e disputas no campo cultural, Petrônio


Domingues abre uma interessante discussão em seu artigo “Cultura popular: as
construções de um conceito na produção historiográfica” (2011), acerca do conceito
de “cultura popular”, a partir dos estudos de Stuart Hall, onde assinala que não existe

15
Roger Chartier e Burke (Domingues, 2011, p. 410).
31

uma cultura popular íntegra, “localizada fora do campo de força das dominações de
poder e de dominação culturais” (DOMINGUES, 2011, p. 414). Neste sentido, o
conceito de cultura popular proposto por Hall:

Essa definição considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas


raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas;
que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares. Neste
sentido, a definição retém aquilo que a definição descritiva tem de valor. Mas
vai além, insistindo que o essencial em uma definição de cultura popular são
as relações que colocam a ‘cultura popular’ em uma tensão contínua (de
relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se
de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa dialética
cultural. Considera o domínio das formas e atividades culturais como um
campo sempre variável. Em seguida, atenta para as relações que
continuamente estruturam esse campo em formações dominantes e
subordinadas. Observa o processo pelo qual essas relações de domínio e
subordinação são articuladas. (HALL, 2003. Apud DOMINGUES, 2011, p.
414).

Por este prisma, o termo “popular” estaria mais próximo das alianças de
“classes e forças que constituem as ‘classes populares’, a ‘cultura dos oprimidos e das
classes excluídas’. Pois, no vértice oposto, tem-se a “cultura do bloco do poder”, a
outra aliança de classes e forças sociais configurando o que não é o “povo” ou as
“classes populares” (DOMINGUES, 2011, p. 414). Portanto, a polarização constitui-se
no campo cultural e não na disputa entre classes, mas no embate entre o “povo” e
“bloco de poder”. Ou seja, em seus marcadores de diferenciações dentro das formas
culturais.

Este conceito, de “cultura popular” proposto por Hall, se torna apropriado para
nossa análise acerca dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, pois, além
de ampliar o debate entre as fronteiras culturais, propõe uma discussão que engloba,
não apenas a luta de classes, mas uma circularidade cultural (dialética cultural), ao
qual evidenciam as “tenções contínuas” presentes no desfile carnavalesco. Dentre
estas tenções, podemos destacar as relações étnicas, políticas, econômicas e sociais,
como os “marcadores de diferenciação” do carnaval do Rio de Janeiro em relação as
demais formas de cultura popular e, também, aos demais aspectos que constituem o
carnaval no país.

A circularidade cultural pode ser percebida na relação entre “luxo versus


tradição”, sendo o primeiro sinônimo de evolução (estética, visual, social, econômica)
e o segundo como mantenedor de caraterísticas peculiares da escola, como, aspectos
32

melódicos nos sambas-enredo, fidelidade às cores da escola, na composição do


desfile e a relação e valorização da comunidade ao qual está inserida:

“O luxo opõe-se ao samba, à tradição. A Beija-Flor é o paradigma do primeiro,


a Mangueira do segundo, e representam ambas, excessos opostos. A Beija-
Flor simbolizava nesse universo discursivo o luxo excessivo, onde “o visual
supera o samba”, pelo “excesso de mulher nua no carro”, num esquema
voltado sobretudo “para fora”. A Mangueira, uma recusa à evolução, ao se
voltar sobretudo “para dentro”, para a tradição da escola. (CAVALCANTI,
1999, p. 15).

Há, também, a circularidade cultural numa perspectiva sociológica, onde as


diversas camadas sociais interagem entorno, tanto da confecção, quanto da execução
do desfile carnavalesco. Como foi ressaltado anteriormente, “o morro encontra o
asfalto”, no sentido em que escolas pertencerem, na grande maioria, às zonas
suburbanas e, posteriormente, exibem-se ao grande público (nacional e internacional),
no centro da cidade. Porém, é importante fomentar que os limites e processos culturais
não estão, necessariamente, vinculados aos limites sociais. Assim, destaca
Cavalcanti (1999, p.08), “este é o caso do desfile carnavalesco das escolas de samba,
que agrega, anualmente em torno de si, numa troca cultural, os mais diferentes grupos
e camadas sociais urbanos”.

O fator político-econômico apresenta-se, também, como circularidade cultural


se percebermos, como destacado no capítulo 1, as relações tensas entre o mecenato
do jogo do bicho com as escolas e com o poder público, representados pela LIESA e
pela RIOTUR:

A Liga fala para a cidade um discurso ambíguo. Um discurso das margens


que, ao se posicionar num evento central da cidade, dialoga através de
categorias também centrais – o dinheiro, a profissionalização, o
empresariamento – com o centro da cidade representado pelo poder público
instituído (CAVALCANTI, 1995, p. 41).

A circularidade cultural, do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, é


mediada pela figura do carnavalesco. O “mediador cultural16”. Para Cavalcanti (1995;
1999), sendo o carnavalesco, na maioria das vezes, uma pessoa “de fora” da
comunidade e da agremiação, é o sujeito que concentra, em torno de si, os diversos
níveis de cultura, de permanente diálogo, nem sempre harmonioso, entre as culturas,

16
Conceito de Michel Vovelle (1987), utilizado por Maria Laura Cavalcanti (1999, p.30).
33

popular ou não. O “lugar” do carnavalesco é de ampla interação entre as camadas


sociais que constituem o carnaval carioca. O carnavalesco transita entre mundos
culturais diversos, ocupando uma posição ambígua, assumindo para si uma “visão de
mundo bem particular” (CAVALCANTI, 1999, p. 30).

Outro aspecto que evidencia a circularidade cultural, no desfile das escolas


de samba, é o étnico-racial. Este, apresenta-se como o mais importante, pois é a
característica fundamental de surgimento das próprias escolas de samba no Rio de
Janeiro, como demonstramos (no capítulo 1). Nesse sentido, a historicidade do
carnaval carioca, das próprias escolas e das transformações dos desfiles estão,
diretamente, vinculados às experiências culturais, sociais e econômicas da população
negra na cidade do Rio de Janeiro. O fator étnico-racial, altera o conceito de “cultura
popular” para “cultura popular negra”.

O marcador de diferenciação dentro das formas da cultura popular repousa


no significante “negro”, da expressão “cultura popular negra”. Com efeito, o
que essa expressão significa? O agenciamento das experiências e tradições
próprias das populações negras, as quais se traduzem no seu estilo, seu
corpo, sua expressividade, sua musicalidade, sua oralidade e na sua rica
produção de contranarrativas (DOMINGUES, 2011, p. 415).

Entretanto, a “cultura popular negra” não pode ser explicada pelo viés binário,
comum, utilizado para explica-la (cooptação/resistência; autêntico/inautêntico), pois,
a “cultura popular negra” é um espaço ambivalente, paradoxal, local de intersecções,
consentimentos, insurgências e contestações táticas (IDEM, 415). Estas
características estão relacionadas ao processo histórico de formação das identidades
das populações negras, numa articulação dialógica sob duas perspectivas de ação
simultâneas: similaridade e continuidade; diferenciação e ruptura. Estas duas
articulações convergem para os repertórios culturais negros que foram influenciados
por matrizes culturais distintas, tanto pelas raízes africanas, quanto pelas experiências
do contato com as tradições e heranças culturais na “afro-diáspora”. Assim,

a noção de “cultura popular negra”, trata-se das experiências e tradições


específicas dos negros, transplantadas da África e reinventadas pelo novo
repertório cultural (de práticas, artefatos e símbolos) dos afrodescendentes
espargidos pelo mundo, o que encerra a contribuição da diáspora, a estética
negra e as contranarrativas. Longe dos essencialismos, essa cultura é
ambivalente, impura e híbrida, devendo ser inquirida conforme a sua
plasticidade, diversidade e multiplicidade. Ela é luta e resistência, mas
também invenção e reinvenção, apropriação e expropriação nas fronteiras da
cultura popular (DOMINGUES, 2011, p. 417).
34

Tais práticas, artefatos e símbolos mencionados, estão presentes nas


manifestações da cultura popular negra, no Brasil. Ou melhor, na cultura popular afro-
brasileira. Seja nas formas de expressão, nos modos de fazer ou nas celebrações 17.
E o carnaval inscreve-se como referência cultural18 por aglutinar estas três
características da população afro-brasileira. O samba, enquanto ritmo e performance,
é o elo fundamental desta aglutinação, pois, através de seu surgimento, a partir das
experiências culturais, econômicas e sociais da população negra, no Rio de Janeiro,
este consolidou a participação dos negros nos festejos de Momo e na ressignificação
da festa. Desta forma:

A história do Carnaval começou a caminhar em outra direção no final do


século XIX, quando a música tocada por grupos negros passou a mobilizar
multidões para as ruas em festa. Várias questões contribuíram para a
conquista do espaço carnavalesco carioca pelos sambistas. Uma delas foi a
concentração de migrantes nordestinos em meio à população pobre e negra
na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro (FRAGA, 2009, 102).

Assim, o samba, enquanto elemento musical e performático afro-brasileiro,


tendo suas origens no Recôncavo Baiano, alterou os significados e a estética do
carnaval, tanto no Rio de Janeiro, como no Brasil. Neste sentido, paulatinamente, o
carnaval carioca incorporou outros elementos culturais afro-brasileiros, aos quais
alteram suas estruturas, a partir da fundação das escolas de samba nas periferias da
cidade.

Portanto, compreendemos o carnaval brasileiro enquanto cultura popular


negra que, ao longo do século XX, desenvolveu uma “dialética cultural” expressiva na
cidade do Rio de Janeiro, através do surgimento das escolas de samba. Estas
agremiações são o “lugar” para onde convergem as experiências da população negra,
sejam elas culturais, econômicas ou sociais. A confecção e a execução do desfile das
escolas de samba são o “campo” onde ocorre a circularidade cultural, marcada por
intensas relações de conflitos e conciliações, mediadas: economicamente pelo
mecenato, politicamente pelo poder público e, culturalmente pelo carnavalesco. Este

17
Categorias utilizadas pelo IPHAN acerca das Referências Culturais.
18Referências Culturais é um conceito antropológico, utilizado pelo IPHAN para mapear, proteger e
salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro, a partir de valores e sentidos atribuídos pelos sujeitos aos
bens e práticas sociais (IPHAN, 2000, p. 13).
35

último, responsável pela confecção artística do desfile, sobretudo dos enredos e


sambas-enredos, nossos objetos de análise, como veremos no próximo capítulo.
36

CAPÍTULO 3 – A “HARMONIA” METODOLÓGICA

Todo o processo criativo das escolas de samba converge para o desfile


carnavalesco, sendo este o ápice da celebração que marca a passagem do “tempo
ritual” do espetáculo. Mas, esta passagem não ocorre sem tensões e conflitos, pois é
o momento em que a escola é articulada de modo a representar a temática que se
propôs narrar durante o cortejo, que sintetiza a competição entre as escolas de samba.
Esta competição é avaliada em diversas modalidades, ou quesitos:

O quesito fundador do desfile como modalidade carnavalesca é o enredo, que


define a história encenada através da dança, da música e da linguagem
plástica. Bateria, samba-enredo e harmonia são quesitos exclusiva ou
predominantemente musicais. O quesito bateria considera o ritmo dessa ala
instrumental cuja presença no desfile é obrigatória, e cuja a identidade no
conjunto da escola é fortemente demarcada. O quesito samba-enredo,
julgado tanto pelo conteúdo de sua letra, como por sua melodia, traz a
narração do enredo para o plano sonoro. O quesito harmonia reúne esses
dois primeiros. (CAVALCANTI, 1995, p.47).

A harmonia de um desfile representa, portanto, a dramatização do enredo,


numa linguagem plástica, sincronizada à linguagem rítmica do samba-enredo.
Assumimos, metaforicamente, a harmonia enquanto “dialética” metodológica da nossa
pesquisa, ao qual pretendemos demonstrar o percurso de nossa análise. Esta
linguagem está em consonância com o conceito de “carnavalização”, no sentido de
inversão da ordem, conforme discutimos no primeiro capítulo. Nossa inversão visa,
apenas, aproximar o leitor à terminologia do universo carnavalesco.

3.1 – O enredo e o samba-enredo: documentos históricos

A Nova História, através dos pioneiros dos Annales, há muito tempo


revolucionou o sentido de fonte histórica ao ampliar o conceito de documento. Lucien
Febvre e Marc Bloch inovaram a historiografia apontando novos caminhos possíveis
de interpretação histórica através de documentos não convencionais ou oficiais.
Febvre, afirma que a História se faz “com tudo o que, pertencendo ao homem,
depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem” (FEBVRE, 1953. Apud. LE
GOFF, 2013, p. 490). Portanto, a noção de documento passou a abarcar não apenas
37

documentos escritos e oficiais, como qualquer vestígio humano, passível de análise,


acerca de seu passado individual ou coletivo.

Partindo deste pressuposto, os enredos e sambas-enredos inscrevem-se


como vestígios de um passado coletivo, pois representam, para além do tema narrado,
as experiências da população afro-brasileira e da comunidade carnavalesca. Ainda
que elaborados com fins específicos, estes documentos constituem o amálgama das
diversas noções culturais que compõem a trama do desfile das escolas de samba. Ou
seja, elaborado pelo carnavalesco, o enredo, ao transformar-se em samba-enredo e,
posteriormente, no cortejo carnavalesco, perpassa, obrigatoriamente, pelas
experiências de diversos atores sociais.

O enredo é, portanto, a criação do carnavalesco acerca de um tema


específico, ao qual o processo de elaboração demanda uma intensa pesquisa sobre
o assunto que se propõe narrar. Após a aprovação do enredo pela diretoria da escola
de samba, esta pesquisa gera um texto base, fundamentado em argumentos que
possibilitarão a narrativa dramática do tema ao longo do desfile. A partir deste texto,
o carnavalesco/pesquisador, desenvolverá os aspectos visuais do espetáculo:

Uma vez aceito pela diretoria, a elaboração do tema envolveu, como de


praxe, uma pesquisa por parte dos carnavalescos. Idas às bibliotecas,
consultas a livros acadêmicos e não acadêmicos sobre o assunto em foco.
Os carnavalescos desenvolveram então a “sinopse do enredo”, a redação do
argumento do enredo e o seu desenvolvimento em diversos tópicos. Iniciaram
simultaneamente o desenho19 dos figurinos e o projeto das alegorias
(CAVALCANTI, 1995, p. 76).

Este processo de aprovação e apresentação do enredo do próximo carnaval


à diretoria da escola ocorre, de modo geral, um mês após o desfile do ano decorrente
(em março ou abril). Após alguns ajustes, estéticos e financeiros, o enredo é
apresentado aos compositores (ou ala de compositores), para a transformação deste
em samba-enredo. Este processo leva alguns meses e, diferentemente do enredo, os
sambas-enredos, tradicionalmente, passam por uma avaliação através de um
concurso. Neste sentido, vários compositores ou grupos de compositores
confeccionam os sambas-enredo a partir da “sinopse” e das orientações passadas
pelo carnavalesco, para submeterem-se ao concurso da “escolha do samba-enredo”:

19
CAVALCANTI, ressalva que nem todos os carnavalescos são desenhistas. Muitos, incluindo alguns
famosos como Joãozinho Trinta, trabalham em parceria com figurinistas.
38

“O enredo é apresentado aos compositores numa peça gráfica denominada “sinopse


do enredo”. Dentre todas as alas da escola, apenas os compositores recebem a
sinopse que é, posteriormente, também encaminhada aos jurados” (CAVALCANTI,
1995, p. 100).

A passagem de enredo para samba-enredo implica uma das fases decisivas


na confecção do desfile carnavalesco. Por isso, é uma etapa demorada, que leva
meses e depende de um processo de “ensino-aprendizagem” entre carnavalesco e
compositores. É um momento crítico, pois a transmissão do tema para sua
musicalização depende do processo pedagógico onde a letra do samba-enredo “é
elaborada a partir de um universo semântico e sintático pré-estabelecido na sinopse
do enredo proposta pelos carnavalescos” (CAVALCANTI, 1995, p. 97). Sobre este
processo, a autora descreve:

A sinopse dividia-se em quatro partes denominadas: argumento do enredo,


sobre o enredo, tópicos do enredo e aos compositores, era lida e
pedagogicamente comentada na quadra pelos carnavalescos, depois de
informes gerais dados pelo presidente da comissão de carnaval. Renato
[Lage] enfatizou o quanto eles, carnavalescos, dependiam dos compositores
[...]; alertando para a necessidade fundamental de coesão... (CAVALCANTI,
1995, p. 100).

Esta coesão, ao qual refere-se o carnavalesco, está vinculada ao processo


criativo onde o enredo transforma-se em samba-enredo, que assume a difícil tarefa
de narrar o tema ao público. Há, portanto, dois processos pedagógicos em curso: o
primeiro, diz respeito a ideia central do tema elaborado pelo carnavalesco e
transmitido por este aos compositores. O segundo, é a mensagem final deste enredo,
musicalmente narrado pelo samba-enredo que, dramaticamente encenado pelas alas
e esteticamente exposto pelas fantasias e alegorias, transmitirão aos espectadores e
telespectadores uma história ao longo do cortejo pela Passarela do Samba.

Cabe fomentar que esta relação entre enredo e samba-enredo foi um


processo de evolução ao longo da historicidade do carnaval do Rio de Janeiro. Nesta
direção, é apropriado dizer que, nos primórdios desfiles das escolas de samba
cariocas, os sambas entoados na Praça Onze e, posteriormente, na Avenida Rio
Branco, possuíam pouquíssima relação com a temática dramatizada pelas
agremiações carnavalescas: “no início dos desfiles das escolas de samba, os sambas
cantados não se relacionavam com qualquer enredo, assim como o próprio desfile da
39

escola não era condicionado por um” (IPHAN, 2006, p. 36). Ou seja, no início da
década de 1930, esta relação entre samba e enredo não era prevista porque o
segundo não era uma obrigatoriedade do desfile das escolas de samba, que neste
período já disputavam campeonatos:

Embora os dados disponíveis sejam muito limitados, parece provável que


muitas escolas que saíram nos carnavais de 1930 a 1933 não apresentassem
enredo. O primeiro desfile competitivo sobre o qual há registros escritos
contemporâneos é o de 1932 (Cabral, 1996: 67), e em tais registros não há
qualquer alusão a enredo (IPHAN, 2006, p. 36).

A obrigatoriedade do enredo enquanto quesito de julgamento do desfile


carnavalesco surge no ano seguinte, em 1934. Entretanto, o enredo não exercia o
papel fundamental de orientação da narrativa de um tema sobre todos os itens
componentes do cortejo da escola de samba, tal qual conhecemos na atualidade.
Assim, os sambas-enredo nem sempre correspondiam à temática:

A partir de 1934, o enredo continua aparecendo invariavelmente como


quesito de julgamento, e obviamente todas as escolas passam a apresentar
um. Mas o enredo não determinava ainda todos os elementos do desfile,
entre os quais a música. Em 1933, o enredo da Mangueira foi “Uma segunda-
feira do Bonfim na Bahia”. Mas um dos sambas cantados, segundo o site da
escola, foi “Fita meus olhos”, de Cartola, que não tem nenhuma relação com
a Bahia. Na década de 1930, as escolas desfilavam com dois ou três sambas.
(IPHAN, 2006, p. 37)

A historiografia reconhece a década de 1940 como o período em que o enredo


passa a orientar estética, dramática e melodicamente o cortejo das escolas de samba
no carnaval20. Desde então, o enredo torna-se o fio condutor que, ao narrar o tema,
une todos os elementos componentes da escola de samba, incluindo a musicalidade.
Neste contexto, o samba-enredo surge como subgênero do samba, influenciado por
uma temática específica que altera, melodicamente, o ritmo do próprio samba:

O aumento da importância da primeira parte na forma do samba-enredo é


acompanhado por um progressivo deslocamento da ênfase do “samba”, num
sentido mais musical, para o “enredo”, ou seja, para uma intenção mais
explícita de narrar este enredo. Se num primeiro momento o samba-enredo
foi basicamente um samba de terreiro, porém adequado ao enredo, com o
passar dos anos o enredo vai se impondo ao samba e, como consequência,
o caráter narrativo vai alterando a forma e a própria extensão das músicas
apresentadas para o carnaval. É quando começam a aparecer alguns
sambas que, em prol da narratividade do enredo, passam a buscar a todo
custo “cobrir” todas as etapas descritas pelo desfile da escola. Apelidados de
“lençóis”, esses sambas encarnam de forma ideal a noção de melodia infinita,

20
Ver: DA MATTA (1973); QUEIROZ (1992); CAVALCANTI (1995; 1999).
40

pois seus vários versos (30, 40, às vezes quase 50) são entoados um a um,
em sequência, sem repetições melódicas por dezenas de compassos
(IPHAN, 2006, p. 39).

Esta transformação do samba-enredo é característica dos anos 1950, onde


estes integram-se à temática do desfile, geralmente, vinculadas à temática nacional,
imposta desde o Estado Novo, como mencionamos no primeiro capítulo. Entretanto,
no fim da década de 1960, o contexto do desfile das escolas de samba do Rio de
Janeiro passa por transformações significativas, com a figura do carnavalesco à frente
do processo de produção do desfile, onde, também, o samba-enredo é influenciado
por tais transformações.

Aos poucos, os compositores abandonaram a obrigatoriedade de descrever


integralmente o enredo e se voltaram novamente para a composição de
sambas com refrão. A intenção era conquistar o novo “público” dos desfiles
carnavalescos, apoiado em padrões já consagrados de estruturas musicais
(IPHAN, 2006, p. 40).

Nas décadas que se seguem, esta relação entre enredo e samba-enredo


estreitam-se com o objetivo de narrar a temática central do desfile, como já
mencionamos anteriormente. Entretanto, as características musicais do samba-
enredo o afastam, cada vez mais, de suas matrizes originais. Isso porque, na visão
de especialistas, a imposição e o caráter competitivo do desfile e da própria confecção
de sambas-enredos (numa perspectiva econômica), “engessa” a “liberdade criativa
dos sambistas, afastando sua criação estética das motivações originais do fazer-
samba-enredo, ligado à comunidade, ao canto coletivo, à narratividade de uma
história contada em grupo” (IPHAN, 2006, p.40).

Sobre esta crítica, destacamos a observação de Cavalcanti (1995) acerca do


caráter competitivo e lucrativo da composição de sambas-enredo no RJ, onde afirma
que “a cidade produz, a cada ano, aproximadamente dois mil sambas-enredo”
(CAVALCANTI, 1995, p.81). Embora esta competitividade artística e econômica, os
sambas-enredo fazem parte de um contexto estritamente importante, no sentido de
organização social das escolas de samba. De modo geral, estes são produzidos por
pessoas, compositores, de “dentro” da escola, enquanto os enredos são produzidos
por pessoas de “fora”: “carnavalescos e compositores ocupam lugares relativamente
opostos na geografia própria à história do carnaval e das escolas de samba.
Compositores estão ‘dentro’ e carnavalescos ‘fora’” (CAVALCANTI, 1995, p. 98).
41

Devido a este vínculo com o samba e, principalmente, com a “geografia” das


escolas e suas origens tradicionais, os Sambas-Enredo, juntamente com o “Partido
Alto” e o “Samba de Terreiro” – intitulados como “Matrizes do Samba no Rio de
Janeiro” – foram reconhecidos pelo IPHAN, em 2007, como Patrimônio Cultural do
Brasil, registrado como Referência Cultural, no livro: Formas de Expressão.

Posto nossa compreensão acerca da noção de enredo e samba-enredo,


enquanto fonte para análise histórica, cabe aprofundarmos nossa acepção acerca da
utilização de documentos como materiais didáticos no ensino de História.

3.2 – Reflexões sobre o uso didático de documentos no ensino de História

Inicialmente, a História, enquanto ciência, tinha por objetivo referenciar o


passado através de narrativas pautadas em “documentos oficiais”, a partir de fatos e
eventos históricos, que legitimassem a formação do Estado-nação, bem como de
personagens que compunham o “mito fundador” de uma identidade nacional. Com o
surgimento da “Nova História”, no início do século XX, os primeiros paradigmas21
historiográficos são superados, no sentido de atribuir à História uma função social
pautada na problematização e na ressignificação do conceito de documentos e, ao
mesmo tempo, sem negar as contribuições metodológicas do “Positivismo” e do
“Historicismo”.

O Ensino de História22, levou mais tempo para romper com o a noção “oficial”
e “nacionalista” de História. No Brasil, a Educação Básica incorporou a perspectiva de
“história-problema” aos currículos escolares, somente no final do século XX, a partir
do processo de redemocratização do país e, sobretudo, democratização do ensino,
através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e com a criação dos PCN23 aos quais
introduziram orientações acerca do processo de ensino-aprendizagem histórico, como
o pensamento crítico, noções de temporalidades, a noção de identidades plurais, entre
outros. Assim, na atualidade, um dos objetivos centrais do Ensino de História é

21
“Os primeiros paradigmas: Positivismo e Historicismo” – é um termo utilizado por José D’Assunção
Barros (2014), como subtítulo do volume II da obra: Teoria da História. (2014).
22 Ensino de História aqui entendido como Disciplina – Campo Disciplinar – que envolve a Educação

Básica e Superior.
23
PCN – Parâmetro Curricular Nacional – referências adotadas pelo MEC para orientar educadores
acerca do planejamento e desenvolvimento do currículo escolar da Educação Básica e Ensino Médio.
42

contribuir para a formação de cidadãos críticos, por intermédio da criação de


instrumentos cognitivos, que se constitui pelo desenvolvimento da capacidade dos
discentes em observar, descrever e estabelecer relações coerentes entre presente e
passado, identificando semelhanças e diferenças acerca da diversidade de
acontecimentos que ocorrem no presente e no passado (BITTENCOURT, 2004, p.
122).

Portanto, a inovação das propostas dos PCN, ao introduzir a perspectiva de


cidadão crítico e da noção de constituição de identidades plurais, está relacionada ao
conceito de cidadania. Além disso, orientam para a relação “presente-passado-
presente” através de “conteúdos temáticos” que não podem ser confundidos com
“História temática”, que se relaciona com o ofício do historiador, tendo em vista que:

os conteúdos históricos escolares organizados por eixos temáticos ou temas


geradores obedecem a outros critérios que não se confundem com a História
temática. Os Eixos temáticos ou os temas geradores são indicadores de uma
série de temas selecionados de acordo com problemáticas gerais cujos
princípios, estabelecidos e limitados pelo público escolar ao qual se destina
o conteúdo, são norteados por pressupostos pedagógicos, tais como faixa
etária, nível escolar, tempo pedagógico dedicado à disciplina, entre outros
aspectos. O tema gerador ou eixo temático não pode limitar o conteúdo, mas
deve servir para estabelecer e ordenar outros temas (ou subtemas), que
precisam ser abrangentes tanto no tempo quanto no espaço. Cada eixo
temático é indicativo para o estudo de cada série ou ciclo e pressupõe a
delimitação dos conceitos básicos. Os conteúdos, desse modo, decorrem do
eixo temático com flexibilidade para as diferentes situações escolares, sendo
garantido, nesse processo, o domínio dos conceitos fundamentais a ser
estudado (BITTENCOURT, 2004, p. 126-127).

A diferenciação entre “História temática” e “História por eixos temáticos” é


fundamental para a formulação de um projeto pedagógico flexível, como aponta a
autora. Assim, “História por eixos temáticos” coloca-se como uma proposta de ensino
que deve ser flexibilizada de acordo com a realidade (social, cultural, econômica) da
comunidade escolar, como foi destacado anteriormente. E, a História Temática refere-
se às escolhas e metodologias (recortes temáticos, documentais, temporais)
pertinentes ao ofício do historiador.

Além de propor a História por eixos temáticos, os PCN também orientam para
a articulação do ensino de história aos “temas transversais” como: ética, meio-
ambiente, diversidade cultural, saúde, educação sexual, trabalho e consumo. Ou seja,
uma perspectiva interdisciplinar de articulação dos conteúdos “tradicionais” da
história, aos conteúdos característicos de outras disciplinas. Contudo, Bittencourt
43

enfatiza que as propostas atuais por eixos temáticos e transversais, “exigem um


trabalho intenso do professor, uma concepção diferenciada desse profissional, como
um trabalhador intelectual que, juntamente com seus alunos, deve pesquisar, estudar,
organizar e sistematizar materiais didáticos apropriados” (BITTENCOURT, 2004,
p.128).

Estes materiais didáticos, numa acepção ampla, são “mediadores do


processo de aquisição de conhecimento, bem como facilitadores da apreensão de
conceitos, do domínio de informações e de uma linguagem específica da área de cada
disciplina – no nosso caso, da História” (BITTENCOURT, 2004, p. 296). Para tanto,
os materiais didáticos apresentam-se em duas perspectivas, ou “domínios”,
diferentes: “suportes informativos” e “documentos”.

Suportes informativos são discursos elaborados com o objetivo de comunicar


elementos do saber escolar, e compreendem uma série de publicações: Livro
didáticos e paradidáticos, atlas, dicionários, apostilas, cadernos, CD’s, DVD’s, Jogos
digitais. Todos estes são produzidos pela “Industria Cultural”, exclusivamente para o
“universo” escolar, obedecendo normas e linguagens específicas de cunho
pedagógicos. O grupo de materiais didáticos denominados “documentos”, são
produções elaboradas por pesquisadores e educadores que dominam o conjunto de
signos, visuais ou textuais, em uma ótica diferente dos saberes das disciplinas
escolares, mas que, posteriormente, passam a ser utilizados com finalidade didática.
(BITTENCOURT, 2004, p. 296-297)

Desta forma, os materiais que pertencem ao grupo de documentos são


produzidos sem a intenção didática, com vistas a alcançar um público mais amplo,
podendo ser: documentários, filmes, contos, artigos em revistas e jornais, legislações,
cartas, romances, objetos de arte (quadros, esculturas, etc...), poemas, músicas entre
outros. No entanto, estes documentos, para ter uma finalidade pedagógica,
necessitam da mediação do professor e suas metodologias específicas, de acordo
com suas opções de trabalho e dos projetos pedagógicos da escola (BITTENCOURT,
2004, p. 297).

A escolha dos materiais depende, portanto, de nossas concepções sobre o


conhecimento, de como o aluno vai apreendê-lo e do tipo de formação que
lhe estamos oferecendo. O método para a utilização dos diversos materiais
didáticos decorre de tais concepções e não pode ser confundido com o
44

simples domínio de determinadas técnicas para a obtenção de resultados


satisfatórios. (BITTENCURT, 2004, p. 299).

Estes apontamentos direcionam a significação dos materiais didáticos a outro


plano, pois, no saber (e fazer) escolar, há diversos agentes que participam da
elaboração e do consumo destes materiais, por isso, se faz necessária a reflexão
acerca das possibilidades de seu uso em sala de aula. No mesmo sentido, é
igualmente indispensável a reflexão acerca do uso de documentos como materiais
didáticos no Ensino de História, pois, “recorrer ao uso de documentos nas aulas de
história pode ser importante, segundo alguns educadores, por favorecer a introdução
do aluno no pensamento histórico, a iniciação aos próprios métodos de trabalho do
historiador” (BITTENCOURT, 2004, p. 327). Porém, ao utilizar documentos e fontes
históricas como material didático, o professor de história deve se deter ao fato de que
a intensão da disciplina é desenvolver autonomia intelectual do aluno, propiciando a
capacidade deste em tecer análises críticas da sociedade, sem a pretensão de torna-
lo numa “espécie de historiador”. Assim,

O uso de documentos nas aulas de História justifica-se pelas contribuições


que pode oferecer para o desenvolvimento do pensamento histórico. Uma
delas é de facilitar a compreensão do processo de produção do conhecimento
histórico pelo entendimento de que os vestígios do passado se encontram em
diferentes lugares, fazem parte da memória social e precisam ser
preservados como patrimônio da sociedade. (BITTENCOURT, 2004, p. 333).

Igualmente importante, é preciso fomentar que o uso de documentos se


apresenta em diferentes linguagens, pois sendo produzidos sem a intensão didática,
apresentam múltiplas formas de comunicação. “São muito variados quanto a origem
e precisam ser analisados de acordo com suas características de linguagens e
especificidades de comunicação” (BITTENCOURT, 2004, p. 333). Os documentos
distinguem-se em: escritos, materiais (objetos de arte ou do cotidiano), visuais e
audiovisuais (imagens fixas ou em movimento, gráficas, musicais).

Segundo Fonseca (2006), na área de metodologia do ensino de História, as


principais discussões estão voltadas ao uso destas diferentes fontes e linguagens no
ensino da disciplina, num debate que

Faz parte do processo de crítica ao uso exclusivo de livros didáticos


tradicionais, da difusão dos livros paradidáticos, do avanço tecnológico da
indústria cultural brasileira e, sobretudo, do movimento historiográfico que se
45

caracterizou pela ampliação documental e temática de pesquisas.


(FONSECA, 2006, p. 163).

Estas reflexões, acerca do uso de diferentes fontes na prática do ensino de


História, exigem dos professores e pesquisadores, uma reflexão em torno dos limites
e das possibilidades de aprofundamento das temáticas discutidas, a partir das
diferentes linguagens, tendo em vista que, ao “incorporar diferentes linguagens no
processo de ensino de história, reconhecemos não só a estreita ligação entre os
saberes escolares e a vida social, mas também a necessidade de (re)construirmos
nosso conceito de ensino aprendizagem” (FONSECA, 2006, p. 164). Assim, o
reconhecimento da realidade social e histórica transforma o professor de história em
mediador da relação dos alunos com o “mundo de representações” e o conhecimento
histórico, através do universo documental que expressam uma linguagem específica,
em diferentes perspectivas: política, econômica, social, cultural, étnica ou religiosa.
Desta forma,

O professor, no exercício cotidiano de seu ofício, incorpora noções,


representações, linguagens do mundo vivido fora da escola, na família, no
trabalho, nos espaços de lazer, mídia etc. A formação do aluno/cidadão se
inicia e se processa ao longo da vida nos diversos espaços de vivência. Logo,
todas as linguagens, todos os veículos e materiais, frutos de múltiplas
experiências culturais, contribuem com a produção/difusão de saberes
históricos, responsáveis pela formação do pensamento, tais como os meios
de comunicação de massa. (FONSECA, 2006, p. 164).

Partindo deste pressuposto, por integrar o calendário ocidental


cristão/católico, e sendo utilizado pelo Estado como uma das peças que integram a
identidade da Nação brasileira, o carnaval é explorado pela indústria cultural e
amplamente divulgado pelos meios de comunicação de massa. Neste sentido, em
certa medida, fazem parte das experiências e vivências, tanto dos professores, quanto
dos alunos. Através das emissoras de televisão, rádios e internet, a comunidade
escolar tem acesso às diferentes linguagens que expressam as “múltiplas
experiências culturais” que permeiam o carnaval. Dentre estas linguagens, destaca-
se o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, por meios audiovisuais que
expressam a estética, a musicalidade e a dramaturgia daquele espetáculo.

Numa linguagem específica, a “carnavalização” (ver capítulo 1), que necessita


da mediação do professor para contextualiza-la, o carnaval apresenta-se como um
46

tema complexo, mas com interessantes propostas de ensino, incluindo, o Ensino de


História. Entretanto, o professor deverá escolher as diferentes linguagens que o
carnaval é apresentado pela indústria cultural: vídeos, fotos, músicas, imprensa,
bibliografia especializada, literatura. Estas escolhas envolvem a faixa etária dos
alunos e os projetos pedagógicos das escolas.

Nesta direção, analisamos letras de sambas-enredos e sinopses de enredos,


enquanto documentos históricos, possíveis de utilização para o Ensino de História
como material didático, de apoio aos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio, por ser o carnaval um tema complexo e com uma linguagem específica. Estes
documentos foram mapeados através da internet, nos sites das agremiações
carnavalescas e, na ausência ou ineficiência destes, em páginas virtuais
especializadas na temática acerca do carnaval do Rio de Janeiro, como blogs e sites
de notícias.

3.3 – Organizando nosso “desfile carnavalesco”

Vinculado ao objetivo do presente estudo encontra-se a hipótese de trabalho,


que segundo Cardoso,

Uma hipótese científica é uma proposição geral que só pode ser verificada
indiretamente através do exame de algumas de suas consequências. Trata-
se da técnica mental mais importante no processo de pesquisa, por armar o
pesquisador com critérios de pertinências e indicar os caminhos possíveis de
tal pesquisa. As hipóteses são invenções; são criadas para explicar conjuntos
de fatos ou processos, mas não decorrem de forma simples da manipulação
destes (CARDOSO, 1982. p. 65).

Hipótese, portanto, é uma “suposição que se faz acerca de coisa possível ou


não e da qual se tiram várias conclusões; uma teoria que ainda não foi demonstrada”
(SACCONI, 2001, p. 375). É uma imaginação antecipada do conhecimento com
objetivo explicativo acerca de uma possível concretização de um fato e a dedução de
suas consequências. Para Caputo (2012), a hipótese não é um conhecimento
antecipado e aleatório porque não “surge do nada”, pois

Quando nos propomos a estudar um tema, temos algumas ideias iniciais a


respeito dele. Essas ideias são construídas reunindo pressupostos teóricos,
referenciais teóricos, ou seja, coisas que pensamos lendo autores que já
pensaram nisso antes e/ou continuam pensando. Reunimos também, se for
o caso, observações que já fizemos sobre o assunto que nos interessa. Mas
47

as duas coisas não acontecem separadas, pelo contrário. As observações


práticas (empíricas) e o conjunto teórico que costuramos para pensar
produzem o fio político que conduzirá a nossa pesquisa. A hipótese é o que
nos identifica e diz a que lugar pertencemos e por onde seguiremos.
(CAPUTO, 2012, p. 31-32).

Neste sentido, nossa hipótese inicial acerca dos enredos e sambas-enredos


é que estes são documentos históricos e suas temáticas apresentam-se como
interessantes possibilidades de Ensino de História. Para tanto, estas fontes
necessitam de um olhar sensibilizado, tanto do historiador, quanto do professor de
história. Nossa sensibilidade, então, inicia com as delimitações de nosso tema de
pesquisa.

Nosso “recorte temporal” está vinculado a dois marcos da história do Brasil, o


ano de 1988 e o ano 2000. Esta delimitação é apontada por Cavalcanti (1999), ao
referir as agremiações carnavalescas que tinham como enredo o centenário da
Abolição da escravidão, no desfile de 1988. A escolha do ano 2000, seguiu a hipótese
de que os quinhentos anos de descobrimento do Brasil também fosse abordado como
enredo das escolas de samba. Nesse sentido, objetivamos saber quais outros temas,
possíveis de análise histórica, estas agremiações abordaram no intervalo deste limite
temporal.

A escolha das escolas de samba está relacionada ao recorte temporal,


considerando que, em 1988, apenas quatro agremiações abordaram a temática
étnico-racial relacionada naquele ano, como foi apontado nos estudos de Cavalcanti
(1999, p. 40). Assim, quatro escolas de samba desfilaram com a temática do
Centenário da Abolição, em diferentes perspectivas, sendo estas: G.R.E.S. Tradição,
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, G.R.E.S.
Beija-Flor de Nilópolis.

Considerando que G.R.E.S. Tradição24 não se manteve, durante todo o


período analisado, no Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro,
analisamos apenas o desfile de 1988 desta escola. Além disso, incorporamos a
G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro nesta análise por dois motivos: primeiro porque
esta escola abordou a temática étnico-racial em 1988 sob outro prisma, diferente do

24
G.R.E.S. Tradição desfilou pelo Grupo Especial, no período analisado, apenas nos anos: 1988; 1989,
1991; 1994; 1998.
48

tema Abolição. Segundo, porque, como vimos anteriormente (capítulo 1, item 1.5), a
Acadêmicos do Salgueiro foi a agremiação que inovou a temática negra no desfile das
escolas de samba, na década de 1960. Portanto, nossa pesquisa centrou-se na
análise dos enredos e sambas-enredos, entre os anos 1988 ao ano 2000, das
seguintes agremiações carnavalescas: G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira,
G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis e G.R.E.S.
Acadêmicos do Salgueiro.

Na perspectiva metodológica, esta pesquisa apoia-se na Análise de


Conteúdo, abordada por Laurence Bardin (2002), que a apresenta-a como “um
conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que
se aplicam a discursos extremamente diversificados” (BARDIN, 2002, p. 09). Neste
sentido, é uma metodologia multifuncional, que agrupa diversos procedimentos que
auxiliam na decodificação e acepção de mensagens, dentre estes, a análise
quantitativa e qualitativa.

Desta forma, analisamos quantitativamente os enredos e sambas-enredos,


por compreender que este apresenta-se como um método eficaz devido a
problemática da pesquisa. Assim, categorizamos os elementos frequentes dos
documentos que remetiam aos temas da narrativa dos enredos e sambas-enredos,
relacionando-as à perspectiva histórica. A partir destas categorizações, reagrupamos
os documentos em categorias mais amplas e subjetivas, com vistas a evidenciar os
aspectos culturais, políticos, econômicos e sociais, intrínsecos nas narrativas dos
enredos e sambas enredos, relacionando-os ao Ensino de História.

Outro aspecto importante a ser destacado, sobre a delimitação documental,


são nossas “renúncias”. Ou seja, consideramos, para esta análise, apenas as fontes
escritas mencionadas – sinopse de enredos e letras de sambas-enredo – excluindo,
portanto, todo o vasto acervo audiovisual encontrado ao longo da pesquisa. Tal
renúncia ocorre pelo fato desta análise apresentar-se como uma reflexão acerca do
uso de documentos como material didático no ensino de História, sem a pretensão
burlar a “fronteira” que delimita o papel do Professor de História e do Historiador.
Assim, nossa pesquisa visa demonstrar as diferentes temáticas abordadas pelas
escolas de samba mencionadas, relacionando-as ao Ensino de História, como
veremos no próximo capítulo.
49

CAPÍTULO 4 – O “DESFILE HISTÓRICO”

A história é a “ciência dos homens no tempo”, afirmou Marc Bloch (2001, p.


55). Por sua vez, Fernand Braudel (1978, p. 53) afirma que a “história é a soma de
todas as histórias possíveis – uma coleção de misteres e de pontos de vista, de ontem,
de hoje e de amanhã”. Neste sentido, a história do carnaval no Brasil é parte das
experiências dos afro-brasileiros que, no contexto pós-abolição, constituem as zonas
periféricas dos grandes centros urbanos e, dentre estes, a cidade do Rio de Janeiro.
Nestes espaços suburbanos, surgem as primeiras escolas de samba e, com elas, uma
nova “história possível”, que transformou a própria história do carnaval brasileiro.

4.1 – Conhecendo as Escolas de Samba

O termo escola de samba é bastante controverso na historiografia analisada,


entretanto, todas estão relacionadas à “primeira” escola de samba, fundada na década
de 1920. Sobre o termo “escola” utilizado pelas agremiações carnavalescas, Queiroz
(1992) nos parece mais coerente:

Por que a adoção do nome de “escola”, isto é, de instituição destinada a


fornecer coletivamente instrução, por associações que se definiam
legalmente como sociedades recreativas e culturais sem finalidades
lucrativas? As explicações variam. Diz-se, por exemplo, que o primeiro grupo
se estabeleceu ao lado de uma antiga escola primária e adotou então
denominação semelhante à de sua vizinha. Menciona-se também que um dos
problemas mais falados no final dos anos 1920 era o da reforma do ensino
nacional, o que se refletiria no grupo. Finalmente, diz-se ainda que os
organizadores desta primeira escola, devido à sua competência, eram
considerados “professores de samba”, o que se refletiu no nome adotado.
Fosse qual fosse a origem, as associações que sucessivamente foram sendo
fundadas utilizaram a mesma denominação. (QUEIROZ, 1992, p. 57).

A primeira agremiação a adotar o termo escola foi a “Deixa Eu Falar”, do bairro


Estácio que, ao que tudo indica, tem seus laços de sociabilidade construídos em torno
de Tia Ciata e do surgimento do samba (MOURA, 1980; CAVALCANTI, 1995; FRAGA,
2009, p. 102). No entanto, no final da década de 1920, surge A G.R.E.S. Estação
Primeira de Mangueira25, localizada no morro homônimo, este fundado em fins do

25
Conforme site oficial da escola: http://www.mangueira.com.br/a-mangueira/historia/historia-da-
mangueira/ (acesso 10/09/2017).
50

século XIX. A agremiação carnavalesca tem sua fundação no ano de 1928, resultando
da junção de vários blocos preexistentes no morro da Mangueira, por iniciativa de oito
moradores e sambistas, dentre estes, Agenor de Oliveira (Cartola) e Carlos Moreira
de Castro (Carlos Cachaça). O nome da escola está relacionado à estação ferroviária
construída também no século XIX, ao “pé do morro”. Suas cores, verde e rosa, foram
sugeridas por Cartola, por representar um antigo Rancho carnavalesco de sua
infância.

A história da Mangueira está intimamente vinculada à história do samba, pois,


o morro ficou conhecido por ser o “reduto dos sambistas” no período de sua fundação,
embora o samba seja, oficialmente, datado do ano de 1916. Além disso, como vimos,
foi uma das primeiras agremiações, ao lado da G.R.E.S. Portela, fundada em 1923
(chamava-se “Vai Como Pode”), e ambas estão em atividade até os dias atuais, sendo
as duas agremiações as maiores campeãs do carnaval carioca.

Igualmente derivada das experiências de sambistas do morro, na década de


1930 e, em função da diversidade de blocos existentes no morro do Salgueiro naquele
período e das disputas internas da comunidade, a “Academia do Samba 26” foi
fundada, oficialmente, com o nome de G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, em 1953.
Os termos acadêmico e academia não são discutidos pela historiografia analisada, no
entanto, se tomarmos como referência o slogan da própria entidade carnavalesca
notamos que esta escola se coloca como uma agremiação diferenciada das demais
de seu período: “Nem melhor, nem pior, apenas uma escola diferente”. Conforme o
site oficial da agremiação, o “lema” da escola surge no carnaval de 1958 e á assumido
pela escola como tal no carnaval de 1961, quando o (já mencionado) carnavalesco
Fernando Pamplona trouxe a frase em um dos estandartes da agremiação.

A G.R.E.S. Vila Isabel foi fundada oficialmente no ano de 1946, também no


bairro homônimo da zona norte do Rio de Janeiro, e local de encontro de importantes
sambistas cariocas, como Noel Rosa, que propiciou a popularização do samba, sendo
“o responsável pela união do samba do morro com o do asfalto” (FRAGA, 2009, p.
105). As cores da agremiação são o azul e branco e seu símbolo é uma coroa, em
referência ao bairro e à princesa Isabel.

26
Termo utilizado pelos integrantes da G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro para referir a escola.
51

A G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis surge como bloco carnavalesco em 1948,


tendo seu nome inspirado num antigo Rancho carnavalesco do início do século XX.
Somente em 1953, é que assume a categoria de escola de samba e inscreve-se na
Confederação das Escolas de Samba para desfilar no concurso do ano posterior. A
Beija-Flor é reconhecida no meio carnavalesco pelas importantes inovações que
apresentou ao carnaval carioca, através do carnavalesco Joãozinho Trinta, nos
aspectos visuais e estéticos.

Estas pequenas características tradicionais e inovadoras são estimuladas


pelo caráter competitivo do desfile das escolas de samba que, ao longo da história do
carnaval do Rio de Janeiro e das próprias agremiações, com seus conflitos internos e
externos, colaboraram para a consolidação do desfile como maior espetáculo da
cultura popular brasileira. Estas inovações são perceptíveis na elaboração dos
enredos e sambas-enredos, como demonstramos no capítulo anterior, onde temas
interessantes são abordados nas narrativas propostas pelos carnavalescos e
musicalizadas pelos sambas-enredos.

4.2 – Enredos e sambas-enredos

Os enredos são resultados da pesquisa do carnavalesco que, após idealizar


a temática, a transforma em uma peça gráfica, denominada de sinopse do enredo.
Esta peça contém os elementos-chave do enredo, divididos em setores, muitas vezes
ilustrada com imagens para facilitar a compreensão de todos os envolvidos na
elaboração do desfile carnavalesco. Atualmente27, a sinopse do enredo está
disponível ao público nos sites das agremiações e da LIESA. A exemplo disso,
transcrevemos um trecho do enredo da Estação Primeira de Mangueira, do carnaval
de 2016, intitulado: “Maria Bethânia: A menina dos olhos de Oyá”.

Baila no vento a mistura perfumada de mel, pitanga e dendê. O morro desce


a ladeira guiado pela filha de Oyá. Cavalga em búfalos de ouro e bronze sobre
o raio de Iansã. O abebé de Oxum faz luzir o caminho que leva à passarela,
e por isso, minha gente não teme quebranto. O alfanje erguido nos defende.
O mal se esconde. Arruda, alfazema e guiné abrem os caminhos. As águas
de cheiro perfumam o verde e o rosa. Os tambores de ketu derramam o axé
no cortejo. Cortejo de santo, xirê de orixá. Seu canto é o brado que saúda
quem faz da Avenida o terreiro. Pra quem chega, agô e saravá! O branco
reluz. O opaxorô de Oxalufã firma nossos passos. Nele, apoio seguro: "XEU

27
As sinopses de enredos, disponíveis no site da LIESA, são a partir do ano 2004.
52

ÈPA BÀBÁ”! Corações ao alto. Valei-me meu Senhor do Bonfim. Doces para
os santos meninos. Os balaios erguidos levam as flores. Tal qual na Baixa do
Sapateiro - quando o calendário marca o quarto dia de dezembro - o "dengo"
da baiana se embala no chacoalhar dos balangandãs. Salve Santa Bárbara!
No peito, a guia de contas e o Rosário de Maria28. (Grifos são nossos).

O carnavalesco Leandro Vieira, na primeira parte do enredo, apresenta as


características religiosas da homenageada da escola, a cantora Maria Bethânia, que
se assume iniciada no candomblé, pela Iyalorixá Mãe Menininha do Gantois29, e
também se assume cristã católica, por formação familiar. O trecho do enredo,
portanto, faz referência à mitologia africana relacionada à Oyá/Iansã, orixá ao qual
Bethânia é iniciada e, também, ao sincretismo afro-católico, ao mencionar Senhor do
Bonfim, sincretizado como Oxalá, e Santa Bárbara como Iansã. Os demais elementos
que aparecem no texto estão relacionados a esta ideia central do carnavalesco, assim,
objetos rituais e saudações, tanto de uma religião quanto da outra, são mencionados,
com a finalidade de dar suporte aos compositores do samba-enredo e, principalmente,
contextualizar a temática do desfile ao júri técnico, já que a sinopse é enviada à
comissão julgadora, juntamente com os figurinos das fantasias e alegorias, antes da
competição. Neste sentido, destacamos os principais aspectos correspondentes ao
enredo, que foram incorporados ao samba-enredo:

Raiou! Senhora mãe da tempestade


A sua força me invade, o vento sopra e anuncia
Oyá! Entrego a ti a minha fé
O abebé reluz axé
Fiz um pedido pro Bonfim abençoar
Oxalá, Xeu Êpa Babá!
Oh, Minha Santa, me proteja, me alumia
Trago no peito o Rosário de Maria
Sinto o perfume, mel, pitanga e dendê
No embalo do xirê, começou a cantoria 30(Grifos são nossos)

Como podemos observar, os compositores criaram o samba-enredo a partir


da sinopse do enredo, que enfatizava trechos importantes da temática proposta.
Nosso objetivo é demonstrar essa transformação, com vistas a exemplificar nosso
processo de pesquisa, onde realizamos o “caminho inverso”. Ou seja, nossa análise

28
http://www.mangueira.com.br/carnavais/carnaval-2016/enredo-2016/ (Acesso: 24/11/2017 as 3h)
29 Menininha do Gantois – foi uma das mais importantes Iyalorixás (Mãe de santo) do Brasil, por sua
atuação política na defesa das religiões de matriz africana durante o Estado Novo. Mãe de santo de
Maria Bethânia, teria sido esta quem lhe deu o apelido de “Menina dos olhos de Oyá.
30 http://www.mangueira.com.br/carnavais/carnaval-2016/samba-enredo-2016/ (Acesso 24/11/2017,

às 3h).
53

iniciou pela verificação dos sambas-enredos, no primeiro momento através do recurso


musical e, posteriormente, examinamos as letras e, por fim, recorremos às sinopses
dos enredos. Entretanto, cabe fomentar que nem todos os enredos analisados
possuem uma sinopse tal qual demonstramos. Em decorrência disto, recorremos aos
sites e blogs especializados na temática do carnaval, buscando suprir a ausência das
mesmas.

Nestas páginas virtuais, encontramos o enredo transcrito por terceiros, sejam


estes jornalistas ou críticos especializados. Contudo, consideramos pertinente a
utilização destas fontes, pois, o objetivo de nossa análise consiste na verificação
temática do enredo e samba-enredo. Para tanto, analisamos quantitativamente os
sambas-enredos das quatro escolas de samba mencionadas, categorizando seus
principais elementos. Posteriormente, tais elementos foram agrupados noutras
categorias, com base na sinopse do enredo, numa análise qualitativa, com vistas a
relaciona-las ao uso como material didático para o Ensino de História.

4.3 – As temáticas dos enredos e sambas-enredos

Os documentos analisados apontaram para diversas temáticas, nas quais


foram reagrupadas em três grandes categorias: 1) História do Brasil; 2) Cultura
Popular; 3) Étnico-racial.

História do Brasil – este grupo é constituído por treze enredos e sambas


enredos que envolvem aspectos políticos e econômicos do país ao longo de sua
história. A maioria dos temas abordam um dos períodos da história “oficial” (Colonial,
Imperial e Republicano) do país. Nesta direção, os temas que tinham o Brasil Colonial
voltaram-se para as questões relacionadas ao extrativismo do pau-brasil, ouro e
outras riquezas naturais, e na exploração colonial portuguesa. Além disso, fatos
históricos que marcam este período são frequentemente referenciados nos enredos.

Dentre estes, o descobrimento do Brasil, dentro do período analisado, foi o


tema dos desfiles em cinco ocasiões. Na primeira, em 1995, a Acadêmicos do
Salgueiro levou para a Marquês de Sapucaí o samba-enredo intitulado “O caso do por
acaso”, ao qual tecia uma crítica sobre o descobrimento do país, abordando o enredo
a partir da Expansão marítima portuguesa e o Tratado de Tordesilhas. As outras
54

ocasiões em que o “descobrimento do Brasil” foi tema dos desfiles ocorreram no ano
2000, onde as quatro agremiações abordaram a temática em perspectivas bem
distintas e, por isso, precisam ser expostas separadamente.

A G.R.E.S. Vila Isabel no ano 2000 levou para a avenida o samba: “Academia
Indígena de Letras – eu sou índio, eu também sou imortal”. O enredo discorria sobre
as pautas indígenas e o quanto este sujeito social é silenciado e esquecido na história
do Brasil. Além disso, a escola trazia este personagem como protagonista, a partir de
romances que narravam aspectos da cultura indígena no país. Este tema, somado a
outros quesitos, rendeu o rebaixamento desta agremiação para o Grupo de Acesso,
naquele ano.

A Acadêmicos do Salgueiro também discutiu os 500 anos do descobrimento


do país, no mesmo ano, com o enredo: “Sou Rei, sou Salgueiro! Meu reinado é
brasileiro”. Neste, a escola de samba a partir da transferência da Coroa portuguesa
para o Brasil, no ano de 1808, e a inserção da “arte e da cultura” no país, a parti da
figura de D. João Vi. Trouxe elementos como a fundação da “Biblioteca Nacional”, os
“Naturalistas”, “Ópera” e o “Teatro”, finalizando o enredo relacionando a importância
da Imperatriz D. Leopoldina na perspectiva cultural.

A Estação Primeira de Mangueira apresentou um enredo abordou a temática


brasileira na perspectiva da importante atuação da população negra na “Guerra do
Paraguai”, centralizando a narrativa entorno da figura de “D. Obá II – Rei dos
esfarrapados, Príncipe do Povo” – título do enredo. Este personagem apresentado
pela agremiação era negro brasileiro, um “fidalgo”, neto de um africano chamado
Abiodun. D. Obá teria se destacado na Guerra do Paraguai e sido um personagem
atuante na luta abolicionista, após o confronto. Cândido da Fonseca Galvão, intitulava-
se como “Príncipe D. Obá II”, porque seu avô paterno havia sido governante do Reino
de Oyó, na atual Nigéria. Após a guerra, foi condecorado como oficial honorário do
Exército Brasileiro. A proposta o enredo, portanto, traz aspectos interessantes acerca
da História do Brasil, pois, aborda a história da população negra numa perspectiva de
atuantes, tanto na participação de uma “história oficial”, quanto da própria luta contra
a escravidão.

A Beija-Flor de Nilópolis efetuou a crítica aos 500 anos do Brasil para a


Passarela do Samba, com o enredo: “Brasil, um coração que pulsa forte. Pátria de
55

todos ou terra de ninguém”? – Neste, a escola aborda a história do país a partir da


Expansão marítima portuguesa, na perspectiva de exploração afro-indígena, com
elementos que remetem à resistência destes povos frente às violências aos quais
foram submetidos. O tema, portanto, era uma reflexão acerca da dominação
portuguesa.

Ao longo da pesquisa, encontramos outros temas que abordaram a história


do Brasil, numa perspectiva contemporânea. Dentre estes, a Acadêmicos do
Salgueiro abordou, em 1997, a temática da “loucura”, a partir do trabalho da médica
psiquiatra Nise da Silveira e seus estudos pioneiros no Brasil acerca da terapia
ocupacional em pacientes com transtornos mentais. O enredo apresentou o Hospital
Pedro II como o primeiro manicômio do país, construído no século XIX, com o objetivo
de punir a população negra e pobre, na perspectiva higienista. Discute também, a
repressão do Estado Novo, na luta contra o comunismo, centralizado na perseguição
da médica. Porém, o fio condutor desta narrativa foi a representação das obras dos
pacientes psiquiátricos, na letra do samba e nas alegorias, com a reprodução de telas
e desenhos. Ainda nesta perspectiva contemporânea, a Ditadura Civil-Militar (1964-
1985) foi enredo da Estação Primeira de Mangueira, no ano de 1998, através das
canções de Chico Buarque de Holanda. O Movimento Operário da República Velha,
foi discutido pelo Salgueiro, em 1996, a partir da imigração italiana.

Além destes, a crítica ao sistema político e econômico brasileiro foram


enredos da Beija-Flor de Nilópolis em dois anos consecutivos, 1989 e 1990. O enredo,
“Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, assinado pelo carnavalesco Joãozinho
Trinta, “revolucionou” os desfiles, no ano de 1989, ao introduzir uma crítica à inflação,
à corrupção, ao consumismo desenfreado, mantenedores das desigualdades sociais
do país e, também, às questões ambientais, como o desmatamento e a poluição.
Contudo, na letra do samba-enredo não é possível observar, claramente, o objetivo
da temática. Para isso, é necessário analisar a sinopse do enredo, ao qual fala sobre
a importância da população brasileira em manifestar-se contra o sistema político-
econômico, vigente no fim da década de 1980, sintetizado no carnaval daquela escola
pela oposição luxo versus lixo:

É obrigação de todos nós participar deste trabalho. Cada um deve agir à sua
maneira. No nosso caso nós sabemos fazer Carnaval. É nosso oficio. Que
seja através dele, então, que a gente proteste. Esperamos, assim, contribuir
para o despertar do gigante que somos nós mesmos. Então lançamos o grito:
56

“RATOS E URUBUS LARGUEM MINHA FANTASIA". A ideia deste enredo


não surgiu como inspiração. Ele foi provocado pela percepção da enorme
quantidade de sujeira, de lixo que nos cerca e nos está sufocando. É o lixo
físico, mental e espiritual deste país. É o lixo da falta de amor, da honestidade
e do respeito à vida. Tremendas falhas que vem provocando o aumento do
grande povo de rua abandonado, escorraçado e esquecido. Quantidade
enorme de mendigos, famintos, desocupados, loucos, pivetes, meretrizes,
travestis povoam os espaços do Brasil. É a falta de empregos, de orientação
e tantas outras carências. Por outro lado, existe um luxo causador de tantas
calamidades. É o luxo de gastarem milhões de dólares com armamentos,
politicagem, igrejas, negociatas e tantas outras falcatruas 31.

A proposta do desfile da Beija-Flor, portanto, foi tecer uma crítica à realidade


contemporânea ao desfile de 1989. Escândalos de corrupção, índices de inflação
extremamente elevados; alta taxa de desemprego, saúde pública e educação
precárias, fome e mortalidade infantil compunham o cenário social e econômico do
Brasil que, se encaminhava para sua primeira eleição direta para a presidência da
República, no mesmo ano. Até aquele ano, não era comum que os desfiles
carnavalescos aderissem às críticas sobre problemas atuais. Nesse sentido, ao criar
o enredo e apresentar fantasias e alegorias a partir de materiais reciclados, Joãozinho
Trinta “revolucionou32” o desfile das escolas de samba do RJ. Um dos impactos deste
desfile da Beija-Flor, foi a proibição da imagem do Cristo Redentor, vestido de
mendigo, através de limitar da justiça a pedido da Igreja Católica. No entanto, a escola
levou a alegoria coberta com lona preta e uma faixa com a frase: “Mesmo proibido,
olhai por nós”!

Cultura Popular – Esta categoria é a mais ampla e abarca vinte enredos e


sambas-enredos das agremiações carnavalescas analisadas. Este grupo é composto
por temáticas diversificadas que abordam aspectos culturais do Brasil. Dentre estes,
destacam-se celebrações populares regionais; homenagens a pessoas que se
destacaram no meio artístico; outros referenciam os estilos musicais brasileiros (MPB,
Bossa Nova e o Samba), e os ofícios e sabres populares, como no ano de 1991, onde
os carnavalescos Ernesto Nascimento e Claudio Rodrigues, da Estação Primeira de
Mangueira, apresentaram o enredo acerca da criação do Universo, através do
artesanato brasileiro e da cultura popular, onde a escola pisou no “asfalto como grande

31 http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/beija-flor-de-nilopolis/1989/5/ (Acesso: 16/10/2017,


às 23h).
32 O termo “Revolução” é recorrente na linguagem dos carnavalescos, referindo-se às transformações

dos desfiles ao longo dos anos, conforme Cavalcanti (1995).


57

artesã do samba, com suas alas e alegorias bordadas em suntuosas rendas. Rendas
de Luz, Rendas da Terra e Rendas D'Água” (trecho do enredo).

Este enredo, intitulado “As três rendeiras do Universo”, buscou inspiração em


uma lenda da população ribeirinha da costa brasileira, que narra a criação do mundo,
dos homens e sua sobrevivência após expulsão do “paraíso”, através do artesanato,
com a fabricação de rendas. Nesta lenda popular, as três rendeiras são as
responsáveis pela reorganização do mundo e cada uma com uma função específica:

A primeira rendeira, a mais velha, era uma profetisa e presidia o futuro, pois
tinha o fio da luz. Grande sábia, era detentora da roca, onde tecia o fio da
vida. Ficou encarregada de ordenar o firmamento dos céus, tecendo uma
renda que uniria, ponto a ponto, todos os astros, estrelas e planetas. E fez
então com que todos os planetas tivessem rotação regular sobre o seu próprio
eixo, promovendo a alternância entre o dia e a noite e a mudança das
estações.
Filha de uma ninfa fiadeira e de um pai imortal, era a segunda rendeira. A ela
coube fazer matas e florestas, enriquecendo o solo para a cultura de
alimentos. Com cuidado trabalhou tudo em rede e renda de várias espécies.
Organizou as cores do arco-íris, deu direção aos ventos, criou formas mais
suaves e cantos mais lindos para as aves, além de dar-lhes plumagens de
raro esplendor. Ordenou que os animais também adquirissem uma imagem
menos selvagem e que até alguns aprendessem a tecer fios de seda, redes
de mel e teias de luz. [...]
Já a terceira rendeira era a mais jovem e bela de todas. Dizia-se filha das
águas rendadas do mar. E deu destino aos mares, bordando-lhes belas
espumas com fios de seus próprios cabelos. Foi ela quem ensinou as
rendeiras das populações costeiras a tecer, imitando os corais, os arrecifes,
as algas marinhas e as ondas do mar. E também teceu a luz da lua cheia. E,
ao ver a Floresta Amazônica, a Lua chorou. Uma de suas lágrimas caiu e
transformou-se no Rio Amazonas33.

A riqueza dos detalhes deste enredo demonstra o quanto os bens culturais


são permeados de sentidos à determinadas sociedades, neste caso, as comunidades
ribeirinhas, pesquisadas pelos carnavalescos, que possuem sua visão de mundo
relacionada ao ofício das rendeiras, pois são “as representações que configuram uma
identidade da região para seus habitantes, e que remetem à paisagem, às edificações,
e objetos, aos fazeres e saberes, às crenças, hábitos, etc.” (LONDRES, 2000, p.14).
Esta visão de mundo está sintetizada na lenda das três rendeiras e o enredo transpôs
esta visão ao “universo carnavalesco”, através do samba-enredo:

Quando o mundo era uma criança


O divino um dia enviou

33
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/estacao-primeira-de-mangueira/1991/2/ (Acesso:
16/10/2017, às 22h)
58

A luz de uma esperança


Então surgiram
As três rendeiras do universo
Que vêm brilhar [...]
Renda da luz
Que faz sonhar
Uniu a terra, o céu e o mar [...]
Ô rendeira
A jangada não voltou
Passa o tempo, passa a vida
Só não passa o seu amor 34

Nesta direção, os enredos e sambas-enredos agrupados nesta categoria,


podem ser compreendidos como demonstração do arcabouço que envolve os mais
diversos grupos sociais que compõem a tessitura cultural brasileira.

Étnico-racial – composto por seis enredos e sambas-enredos, este grupo tem


como objetivo destacar a temática afro-indígena nas narrativas carnavalescas ao
longo do período analisado. Cabe destacar que os elementos que constituem a
história e a cultura afro-brasileira e indígena estão presentes nos dois grupos
anteriores – “História do Brasil” e “Cultura Popular” – porém, não são abordados como
foco central das narrativas dos enredos.

Como mencionamos no capítulo anterior, cinco agremiações discutiram a


temática afro-brasileira no ano de 1988, o ano do centenário da Abolição da
escravidão no Brasil. Destas, quatro discutiram a temática da liberdade em
perspectivas distintas, como forma de homenagear o centenário da abolição e, apenas
a Acadêmicos do Salgueiro, trouxe a temática negra como parte fundamental da
economia brasileira dos séculos XVIII e XIX, na exploração do ouro e o cultivo do café.
Além deste ano, a temática negra foi tema da Acadêmicos do Salgueiro, em 1989, e
da Unidos de Vila Isabel, em 1993. A história e a cultura indígena foram abordadas
pela Beija-Flor de Nilópolis em 1998, com o “Mundo místico dos Caruanas nas águas
do Patú-Anú”. Este representando o único enredo que apresentou a temática central
da etnia indígena, ao longo do período analisado.

Todavia, discutiremos aqui, apenas os enredos e sambas-enredos do ano de


1988, também analisados por Maria Laura Cavalcanti35. Portanto, a primeira

34https://www.vagalume.com.br/mangueira/samba-enredo-1991.html (Acesso: 30/09/2017, às 02 h).


35A autora participou da comissão julgadora do desfile das escolas de samba do RJ no ano de 1988,
avaliando o quesito enredo. (CAVALCANTI, 1999, p. 40).
59

agremiação a homenagear o centenário da abolição, no ano de 1988, foi a G.R.E.S.


Tradição, com o enredo “O melhor da Raça, o Melhor do Carnaval”, com o objetivo de
demonstrar que a mistura das três raças – negra, indígena e branca – representava a
“Tradição da cor brasileira”. Desta forma, o enredo apresentava os heróis da cultura
indígena, que lutavam pela defesa territorial, e os heróis afro-brasileiros, ícones da
luta e resistência negra. Ao final, o enredo celebrava a igualdade e a integração das
três etnias, que somente aconteceria no carnaval, conforme o samba-enredo sintetiza:
“vem, me dê a mão, que na folia todo mundo é igual”.

A G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis levou para a Marquês de Sapucaí o enredo:


Sou negro, do Egito à Liberdade”. “Sua ideia era mostrar, apoiado na egiptologia
moderna, que o negro estava na origem de grandes civilizações históricas, mostrando
a continuidade entre a cultura egípcia, a africana e a nossa” (CAVALCANTI, 1999,
p.40). Entretanto, o samba-enredo expressava:

Vem, amor, contar agora


Os cem anos da libertação
A história e a arte dos negros escravos
Que viveram em grande aflição
E mesmo lá no fundo das províncias do Sudão
Foram o braço forte da nação
Eu sou negro, e hoje enfrento a realidade
E abraçado à Beija-Flor, meu amor
Reclamo a verdadeira liberdade
Raiou o sol, e veio a lua
Eu sou negro, fui escravo
E a vida continua
Liberdade raiou, mas igualdade não36 (Grifos são nossos)

Conforme destacamos, a letra do samba-enredo apresentava, em certa


medida, exaltação à escravidão, embora denunciava que a “liberdade raiou, mas a
igualdade não”. Neste sentido, ainda que contraditórios, o enredo e o samba-enredo
apresentam-se como importantes fontes para reflexão acerca do processo de abolição
da escravidão no Brasil. No entanto, ao contrário da Beija-Flor, a G.R.E.S. Estação
Primeira de Mangueira, no mesmo ano, questionava: “Cem anos de liberdade,
realidade ou ilusão”? Para tanto, buscou a resposta na “força da tradição negra na
cultura brasileira” (CAVALCANTI, 1999, p. 42), conforme o enredo:

A África virou saudade para quem acorrentado atravessou o Atlântico Sul em


navio negreiro e "também construiu as riquezas do nosso Brasil". Negros reis,
rainhas, guerreiros, livres e escravos foram afastados das Nações Africanas

36 https://www.vagalume.com.br/beija-flor-de-nilopolis/samba-enredo-1988.html (Acesso: 30/09/2017)


60

para habitarem as senzalas das Casas-Grandes dos nobres, sinhás e


sinhazinhas. [...]. Amando e sonhando com a Liberdade, seguindo a liderança
libertária, o escravo quebra grilhões e foge para os quilombos. Zumbi dos
Palmares é a esperança, é o símbolo da luta pela Libertação [...]. Não mais é
preciso pôr uma pedra na imagem do santo do branco para representar um
Orixá. Agora é liberto, pode oferendar aos seus deuses africanos, pode cantar
em seu ritmo, pode exibir suas artes, usar suas joias, fazer suas iguarias, a
força de sua tradição influencia a cultura brasileira. Nos terreiros de
candomblé, nas casas das tias, se faz roda de samba. No Rio, nascem as
escolas de samba. Tudo consequência das congadas, maracatus,
batuques. Carnaval, oriundo dos entrudos romanos, sofreu enorme
influência da raça negra, seja musicalmente como nas fantasias, adereços e
enredos. 1888, Lei Áurea. 1988, Cem anos de liberdade ou de discriminação?
Ontem negro escravo, hoje gari, cozinheira. Só alguns deram certo. "Livre do
açoite da senzala preso na miséria da favela37”. (Grifos são nossos).

A proposta do carnavalesco Júlio Matos, na construção do enredo da


Mangueira, era denunciar a discriminação e, ao mesmo tempo, resgatar os valores e
a resistência da população afro-brasileira, tanto frente à escravidão, quanto ao longo
do processo de liberdade. O samba-enredo, da mesma forma, entoa em versos a
resistência negra e denuncia o racismo:

Será! Que a Lei Áurea tão sonhada


Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade
Onde está a liberdade?
Onde está que ninguém viu?
Moço!
Não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas de nosso Brasil
Pergunte ao Criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela
Sonhei ...
Que Zumbi dos Palmares voltou
A tristeza do negro acabou
Foi uma nova redenção
Senhor ...
Eis a luta do bem contra o mal
Que tanto sangue derramou
Contra o preconceito racial38 (Grifos são nossos).

Com semelhante perspectiva, de resistência negra e luta pelos direitos da


população afro-brasileira, está o tema da G.R.E.S. Vila Isabel que, no centenário da

37
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/estacao-primeira-de-mangueira/1988/2/ (Acesso:
16/10/2017)
38https://www.vagalume.com.br/mangueira/samba-enredo-1988.html (Acesso: 30/09/2017).
61

Abolição, levou para a Passarela do Samba o enredo do cantor e compositor Martinho


da Vila: “Kizomba, a Festa da Raça”. Entretanto, a campeã do carnaval de 1988,
apresentou um diferencial ao introduzir no enredo uma proposta democrática, onde
as diferenças eram confraternizadas, conforme a sinopse:

Kizomba é uma palavra do quimbundo, uma das línguas da República


Popular de Angola. A palavra Kizomba significa encontro de pessoas que se
identificam numa festa de confraternização. Do ritual da Kizomba fazem parte
inerentes o canto, a dança, a comida, a bebida, além de conversações em
reuniões e palestras que objetivam a meditação sobre problemas comuns.
A nossa Kizomba conclama uma meditação sobre a influência negra da
cultura universal, a situação do negro no mundo, a abolição da escravatura,
a reafirmação de ZUMBI DOS PALMARES como símbolo de liberdade do
Brasil. Informa-se sobre líderes revolucionários e pacifistas de outros países,
conduza-se a uma reflexão sobre a participação do negro na sociedade
brasileira, suas ansiedades, sua religião e protesta-se contra a discriminação
racial no Brasil e manifesta-se contra a apartheid na África do Sul, ao mesmo
tempo que come-se, bebe-se, dança-se e reza-se, porque, acima de tudo
Kizomba é uma festa, a festa da raça Negra.
Apresentamos uma escola com características negras, onde todos os
sambistas são autores em desfile no Carnaval do Centenário da Abolição da
Escravatura. A miscigenação ficará marcada com a apresentação de um
quadro denominado QUILOMBO DA DEMOCRACIA RACIAL, onde negros,
brancos, índios, caboclos e mestiços, em geral, estarão irmanados em
desfile39.

O caráter inovador da Vila Isabel foi propor uma reflexão político-cultural ao


enredo, reunindo as demandas da população negra do Brasil e do mundo. O caráter
político pode der contextualizado, tanto pela questão do Apartheid na África do Sul,
quanto pela resistência negra em Angola e, ainda, pela proposta de democracia racial,
levando-se em consideração que, no contexto brasileiro, o ano de 1988, foi marcado
pela consolidação da redemocratização do Brasil, através da promulgação da
Constituição Federal. As questões culturais, presentes no enredo, da mesma forma,
extrapolam as fronteiras geográficas brasileiras, sintetizada pela palavra Kizomba, no
enredo e no samba-enredo:

Valeu Zumbi !
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi valeu !
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu
Vem menininha pra dançar o caxambu

39 http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/unidos-de-vila-isabel/1988/11/ (acesso: 16/10/2017).


62

Ôô, ôô, Nega Mina


Anastácia não se deixou escravizar
Ôô, ôô Clementina
O pagode é o partido popular
O sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa Constituição
Que magia
Reza, ajeum e orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais

Vem a lua de Luanda


Para iluminar a rua
Nossa sede é nossa sede
De que o "apartheid" se destrua40

Diferentemente da escola de samba Tradição, que propunha uma integração


pautada na miscigenação, a Vila Isabel apresentou uma proposta de democracia,
onde as diferenças étnicas eram integradas e celebradas no quilombo, sendo a
Kizomba o “evento que congraça gente de todas as raças numa mesma emoção”.
Portanto, no enredo da Vila Isabel,

deslocava-se a perspectiva de uma democracia racial. Com a menção ao


Apartheid sul-africano, enfatizava-se a luta por direitos humanos que
rompiam a barreira nacional. Os heróis mencionados eram radicais
representantes da intransigência para com o sistema escravista – Zumbi e
uma nova heroína, Anastácia (a anti-Chica da Silva) aquela que não se
deixou seduzir. Diante da opressão, a escolha de ambos pela integridade, os
conduziu à morte. Mas há um espaço para negociação: “há o jongo, o
batuque, a quizomba”. A ótica da negociação que pode integrar era, contudo,
radicalmente outra. Uma irrupção: “Nossa quizomba é nossa constituição”
(CAVALCANTI, 1999, p.43).

Neste sentido, o enredo proposto pela Vila Isabel, em 1988, pode ser
interpretado como uma pequena ruptura sociológica, ao trazer para o centro do
diálogo carnavalesco as pautas do Movimento Negro brasileiro que, durante o
processo de redemocratização do país, participou ativamente das assembleias
constituintes, na luta pelo reconhecimento da história e da cultura africana e afro-
brasileira no processo de construção do Estado/Nação. A Constituição Federal de

40 http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/unidos-de-vila-isabel/1988/11/ (acesso: 16/10/2017).


63

1988, é um marco da luta pela igualdade, ao reconhecer grande parte das demandas
deste seguimento social.

4.4 – Enredos e Sambas-enredos como material didático

Os três grupos analisados – “História do Brasil”, “Cultura Popular” e “Étnico-


racial” – Apresentam enredos e sambas enredos com interessantes reflexões acerca
da história e da cultura brasileira. Contudo, estes documentos necessitam da
mediação do professor para serem utilizados enquanto material didático. Neste
sentido, ao adotarmos estas fontes no ensino de História, o professor estabelecerá
um elo entre os saberes escolares e a vida social e, para tanto,

Os temas sociais podem ser abordados de forma criativa e interdisciplinar,


com base em relatos individuais, da problematização das vivências do grupo,
no meio social próximo. Isso requer do professor, independentemente do
nível de ensino em que for desenvolvido o trabalho, não perder de vista a
especificidade do problemas (nível micro) e ao mesmo tempo a
universalidade de muitos dos problemas vividos por nós (nível macro),
evitando o tom marcado pelo “romantismo”, pelo “saudosismo” e também pelo
“simplismo” e pela “complexidade” da abordagem, que pode contribuir para
uma infantilização quanto para a incompreensão dos fenômenos, dada a falta
de referências dos alunos, decorrente de uma possível inadequação da
abordagem a seu nível de desenvolvimento cognitivo-escolar (FONSECA,
2006, p. 167).

Nesta direção, os enredos e sambas-enredos abordam temas diversificados,


numa linguagem complexa, e podem representar problemas específicos, seja em
“nível micro”, mas, principalmente, em “nível macro”, como no caso dos problemas
sociais discutidos pela Beija-Flor de Nilópolis, em 1989, que falava da desigualdade
social e da corrupção. Ou, ainda, a discriminação racial e o racismo, bem como a luta
e a resistência da população afro-brasileira, como apresentaram as escolas de samba
Mangueira e Vila Isabel, em 1988, respectivamente. Todavia, é importante lembrar,
os enredos e sambas-enredos inscrevem-se como uma linguagem literária, que
expressam a sátira e a crítica social específicas do carnaval – a carnavalização – e
isto implica um esforço amplo do professor ao utilizar estas fontes no ensino de
história. Diante desta complexidade, a utilização destes documentos nas aulas de
história estaria voltada aos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio.
64

Nesta perspectiva, os sambas-enredos – “Kizomba, a Festa da Raça” e


“Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós41” – foram utilizados em uma
experiência didática no ensino de história, na Escola de Educação Básica da UFU,
pelas professoras e historiadoras Axélia Pádua Franco e Leidi Turini e,
posteriormente, publicados:

Selecionamos dois sambas-enredo para desenvolver esta atividade:


“Kizomba, a Festa da Raça” e “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre
nós”. O primeiro, mostra que a Abolição foi uma luta dos negros pela
liberdade. O segundo diz que a Abolição foi um presente da Princesa Isabel
para os negros. Isto é, enquanto o primeiro traz uma interpretação mais
crítica, o segundo centra-se na História Oficial – a história contada de acordo
com a visão dos dominantes, não considerando os atos da classe dominada,
como os negros, os operários, os camponeses, dentre outros. (FRANCO,
1995. Apud, FONSECA, 2006, p. 206).

Esta proposta foi aplicada aos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental e


consistia em abordar as diferentes interpretações acerca da Abolição, através das
músicas, considerando as letras dos sambas como texto base. Antes, as docentes
introduziram conceitos básicos como “História Oficial” e também contextualizaram
acerca da produção dos sambas-enredos, das escolas de samba e do vocabulário
específico. Após ouvir e interpretarem as músicas, os alunos deveriam responder um
pequeno questionário relacionando os sambas ao conceito de “História Oficial”.
Portanto, as professoras induziram os discentes, à uma interpretação crítica sobre o
processo de Abolição da escravidão no Brasil.

Esta metodologia é passível de ser aplicada em qualquer um dos enredos e


sambas-enredo analisados nesta pesquisa, desde que observadas as especificidades
das temáticas, faixa etária dos alunos, projeto político-pedagógico da escola, as
realidades sociais da comunidade escolar. Abordar “História do Brasil”, “Cultura
Popular” e a temática “Étnico-Racial” através dos enredos em sala de aula, requer do
professor de história uma sensibilização acerca dos diálogos propostos pelas
agremiações carnavalescas e, fundamentalmente, assumir a história enquanto campo
disciplinar que tem por objetivo formar homens e mulheres críticos, protagonistas de
uma sociedade plural, pautada na diversidade. Isso implica assumir o ofício de
professor como uma forma de luta política e cultural, onde a relação entre ensino e

41
Samba-enredo da G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, vencedora do carnaval de 1989 com este
enredo, ao qual exaltava a princesa Isabel como a redentora e a Abolição como um “favor” à população
negra escravizada. Este enredo não integra nosso recorte documental, porém foi igualmente analisado.
65

aprendizagem deve ser um convite para alunos e professores cruzarem, ou


subverterem, as fronteiras impostas entre os diferentes grupos sociais e culturais,
reunindo teoria e prática, política e o cotidiano, a história, a arte e a vida (FONSECA,
2006, p. 245).

Neste sentido, abordar a história do carnaval em sala de aula é muito além de


discutir seus aspectos culturais e simbólicos. No carnaval há uma história política,
econômica e social que necessitam ser problematizadas entre a comunidade escolar,
com vistas a desconstruir estereótipos pejorativos que permeiam o “universo”
carnavalesco. Analisar enredos e sambas-enredo é, sobretudo, dar ouvidos às vozes
que ecoam, anualmente, na “Passarela do Samba”, temas que interessam a
sociedade brasileira.
66

CONSIDERAÇOES FINAIS

O carnaval é uma das maiores expressões da cultura popular ocidental que


remonta ao final da Idade Média e, através da inversão simbólica do cotidiano,
representa a renovação, finitude e um novo ciclo. Neste sentido, seu tempo é
sincrônico, transformado a cada ano pelas experiências coletivas. O tempo
carnavalesco assume a dimensão estrutural, pois, os folguedos dos “dias gordos” é
um ritual que resiste ao tempo e as transformações sociais. O carnaval, nesta
perspectiva, é uma “história profunda”, porque é “viva; na verdade, é repetição”, é
permanência – a longa duração (BRAUDEL, 2002, p. 370).

Nesta direção, o carnaval no Brasil, enquanto herança cultural lusófona, é


permeado por deslocamentos, rupturas e permanências ao longo do século XX, que
o transformaram em sua própria dimensão estrutural. O surgimento das escolas de
samba, embaladas pelo ritmo tipicamente afro-brasileiro, o samba, são produtos
sociais do encontro do “morro com o asfalto”, que acompanharam as transformações
da cidade do Rio de Janeiro, deslocando os festejos carnavalescos para uma acepção
de “cultura popular negra”, ao assimilarem as experiências socioculturais dos afro-
brasileiros, através de suas práticas e artefatos simbólicos.

O ritual anual do desfile das agremiações carnavalescas concentra em torno


de si, os conflitos e a integração de camadas sociais distintas, numa disputa pelo
poder: político, econômico e cultural. A dimensão ritual dos desfiles, com seu caráter
sintético e repetitivo lhe confere uma capacidade expressiva, reveladora da natureza
e dos conflitos das camadas sociais que os promovem (CAVALCANTI, 1995, p. 19).
O diálogo promovido pelos enredos e sambas-enredo provocam imensas conversas
urbanas, pelo impacto econômico e midiático que possuem.

As narrativas propostas pelos carnavalescos, através dos enredos e sambas-


enredo, possuem uma dimensão pedagógica, ao abordar temáticas que interessam
diferentes grupos e camadas sociais. Temas que discorrem acerca da história e da
cultura brasileira, considerando seus aspectos políticos, econômicos e culturais que
expressam os conflitos e resistências da sociedade. Sua análise, enquanto
documentos históricos, revela-se como um interessante instrumento para o ensino de
história, pois nos enredos e sambas-enredo, estão presentes os mais diversos tópicos
do imaginário social nacional (CAVALCANTI, 1995, p. 81).
67

O uso destas fontes enquanto material didático “são relevantes pelo conteúdo
que apresentam e analisam” (BITTENCOURT, 2004, p. 381). Entretanto, caberá ao
professor contextualizar a historicidade dos enredos e sambas-enredos, considerando
que estes são permeados por sentidos político-culturais, numa linguagem especifica.
Ao diversificar as fontes e dinamizar a prática de ensino, o professor de história,
democratiza o acesso ao saber, possibilitando o debate crítico, estimulando o estudo
da complexidade da cultura e da experiência histórica (FONSECA, 2006, p.244).

Por fim, os objetivos do presente estudo apresentaram resultado satisfatório,


considerando que nossa proposta consiste numa reflexão acerca do uso de
documentos como material didático para o ensino de História, pois acreditamos que a
pesquisa histórica só tem sentido quando contempla os interesses políticos e culturais
da sociedade. Desta forma, refletir sobre os aspectos culturais, econômicos e sociais
que permeiam o carnaval é, sem dúvida, reafirmar à comunidade acadêmica que o
campo patrimonial necessita de olhos despidos de preconceitos que, comumente,
desprezam os saberes que constituem a historicidade dos bens culturais.
68

REFERÊNCIAS

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BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.

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os prazeres de uma cidade: sociabilidades e cultura no Brasil Meridional. Rio Grande:
Editora da FURG, 2007.

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Positivismo e Historicismo. Volume II. 4ª ed. Petrópolis; RJ: Vozes, 2014.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

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sociabilidades e cultura no Brasil Meridional. Rio Grande: Editora da FURG, 2007.

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69

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IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3469/carnaval-
brasileiro-e-caracterizado-por-bens-culturais-protegidos-pelo-iphan (acesso:
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em:http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossi%20Matrizes%20do%20
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LE GOFF, Jacques. História e Memória. 7ª Edição revista. Campinas, SP: Editora da


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LODY, Raul. Candomblé: religião e resistência cultural. São Paulo: Ática,1987


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In: Inventário Nacional de Referências Culturais: manual de aplicação. Apresentação
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QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval Brasileiro – o vivido e o mito. São
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SACCONI, Luiz Antônio. Minidicionário Sacconi da língua portuguesa. São Paulo:


Atual, 2001.

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Revista Travessias. Cascavel/PR: UNIOESTE. Vol. 5, nº 1. 2011. p. 318 – 331.
Disponível:http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/viewFile/4370/3889
Acesso em: 26/07/2017.
71

ANEXO I

Fontes

Ano Escola Enredo (acesso em 16/10//2017) Samba-enredo (acesso 30/09/2017)


1988 Vila Isabel Kizomba – Festa da Raça https://www.vagalume.com.br/luiz-carlos-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u da-vila/kizomba-a-festa-da-raca-2.html
nidos-de-vila-isabel/1988/11/

1988 Salgueiro Em busca do Ouro https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1988.html
cademicos-do-salgueiro/1988/3/
1988 Mangueira 100 anos de liberdade: realidade ou ilusão? https://www.vagalume.com.br/mangueira/
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1988.html
stacao-primeira-de-mangueira/1988/2/

1988 Beija-Flor Sou negro, do Egito à Liberdade https://www.vagalume.com.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/samba-enredo-1988.html
eija-flor-de-nilopolis/1988/5/

1989 Vila Isabel Direito é Direito https://www.vagalume.com.br/unidos-de-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1989.html
nidos-de-vila-isabel/1989/11/
1989 Salgueiro Templo Negro em tempo de consciência Negra https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1989.html
cademicos-do-salgueiro/1989/3/

1989 Mangueira Trinca de Reis https://www.vagalume.com.br/mangueira/


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1989.html
stacao-primeira-de-mangueira/1989/2/

1989 Beija-Flor "Ratos e urubus, larguem minha fantasia" https://www.vagalume.com.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/samba-enredo-1989.html
eija-flor-de-nilopolis/1989/5/

1990 Vila Isabel Se esta terra, se esta terra fosse minha https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u
vila-isabel/samba-enredo-1990-se-esta-
nidos-de-vila-isabel/1990/11/
terra-se-esta-terra-fosse-minha.html

1990 Salgueiro Sou amigo do Rei https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1990.html
cademicos-do-salgueiro/1990/3/
1990 Mangueira E deu a louca no Barroco https://www.vagalume.com.br/mangueira/
http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/2009 samba-enredo-1990.html
/09/samba-de-terca-e-deu-a-louca-no-barroco-
mangueira-1990/

1990 Beija-Flor “Todo mundo nasceu nu" https://www.letras.mus.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b rj/709634/
eija-flor-de-nilopolis/1990/5/

1991 Vila Isabel Luiz Peixoto: e tome Polca! https://www.vagalume.com.br/unidos-de-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1991.html
nidos-de-vila-isabel/1991/11/
1991 Salgueiro Me masso se não passo pela rua do ouvidor https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1991.html
cademicos-do-salgueiro/1991/3/
72

1991 Mangueira As três rendeiras do Universo https://www.vagalume.com.br/mangueira/


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1991.html
stacao-primeira-de-mangueira/1991/2/
1991 Beija-Flor Alice no Brasil das maravilhas https://www.vagalume.com.br/beija-flor-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/carnaval-1991-alice-no-brasil-
eija-flor-de-nilopolis/1991/5/ das-maravilhas.html
1992 Vila Isabel A Vila vê o ovo e põe às claras. http://www.galeriadosamba.com.br/carnav
https://www.vagalume.com.br/unidos-de-vila- ais/unidosudeuvilauisabel/1992/11/
isabel/samba-enredo-1992.html

1992 Salgueiro O Negro que virou ouro nas terras do Salgueiro https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1992.html
cademicos-do-salgueiro/1992/3/

1992 Mangueira “Se todos fossem iguais a você” https://www.vagalume.com.br/mangueira/


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1992.html
stacao-primeira-de-mangueira/1992/2/

1992 Beija-Flor "Há um ponto de luz na imensidão" https://www.vagalume.com.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/samba-enredo-1992.html
eija-flor-de-nilopolis/1992/5/
1993 Vila Isabel GBala: A viagem ao templo da criação. https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1993.html
nidos-de-vila-isabel/1993/11/
1993 Salgueiro Peguei um Ita no Norte https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1993-peguei-um-ita-no-
cademicos-do-salgueiro/1993/3/ norte.html
1993 Mangueira Dessa fruta eu como até o caroço https://www.vagalume.com.br/mangueira/
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1993.html
stacao-primeira-de-mangueira/1993/2/

1993 Beija-Flor Uni-duni-tê, a Beija-flor escolheu você" https://www.vagalume.com.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/samba-enredo-1993.html
eija-flor-de-nilopolis/1993/5/
1994 Vila Isabel Muito prazer! Isabel de Bragança D R S, mas https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
pode me chamar de Vila. vila-isabel/samba-enredo-1994.html
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u
nidos-de-vila-isabel/1994/11/

1994 Salgueiro Rio de lá pra cá https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1994.html
cademicos-do-salgueiro/1994/3/
1994 Mangueira Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu https://www.vagalume.com.br/mangueira/
http://www.galeriadosamba.com.br/espacoaber samba-enredo-1994.html
to/topico/222597/0/2/0/

1994 Beija-Flor "Margareth Mee, a Dama das Bromélias" https://www.letras.mus.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b rj/709637/
eija-flor-de-nilopolis/1994/5/
1995 Vila Isabel Cara e coroa, as duas faces da moeda https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1995.html
nidos-de-vila-isabel/1995/11/
1995 Salgueiro O caso do por acaso https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1995-o-caso-do-por-
cademicos-do-salgueiro/1995/3/ acaso.html
73

1995 Mangueira A esmeralda do Atlântico. https://www.letras.mus.br/mangueira-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e rj/478758/
stacao-primeira-de-mangueira/1995/2/
1995 Beija-Flor Bidu Sayão e o Canto de Cristal" https://www.vagalume.com.br/beija-flor-
http://www.galeriadosamba.com.br/espacoaber de-nilopolis/carnaval-1995-bidu-sayao-e-
to/topico/222485/222489/2/1/ o-canto-de-cristal.html
1996 Vila Isabel A heroica cavalgada de um povo https://www.letras.mus.br/vila-isabel-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u rj/473996/
nidos-de-vila-isabel/1996/11/

1996 Salgueiro Anarquista sim, mas nem todos https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a amba-enredo-1996.html
cademicos-do-salgueiro/1996/3/

1996 Mangueira Os tambores da Mangueira na Terra da https://www.letras.mus.br/mangueira-


Encantaria rj/478759/
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e
stacao-primeira-de-mangueira/1996/2/

1996 Beija-Flor "Aurora do povo brasileiro" https://www.vagalume.com.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b de-nilopolis/carnaval-1996-aurora-do-
eija-flor-de-nilopolis/1996/5/ povo-brasileiro.html

1997 Vila Isabel Não deixe o samba morrer https://www.vagalume.com.br/unidos-de-


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1997.html
nidos-de-vila-isabel/1997/11/
1997 Salgueiro De poeta, carnavalesco e louco, todo mundo https://www.letras.mus.br/salgueiro-
tem um pouco. rj/474190/
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a
cademicos-do-salgueiro/1997/3/
1997 Mangueira O Olimpo é verde e rosa https://www.letras.mus.br/mangueira-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e rj/478760/
stacao-primeira-de-mangueira/1997/2/

1997 Beija-Flor A Beija-Flor é festa na Sapucaí" https://www.letras.mus.br/beija-flor-


http://www.galeriadosamba.com.br/espacoaber rj/709629/
to/topico/208476/0/2/0/
1998 Vila Isabel Lágrimas, suor e conquistas no mundo em https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
transformação. vila-isabel/samba-enredo-1998.html
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u
nidos-de-vila-isabel/1998/11/
1998 Salgueiro Parintins, a ilha do Boi Bumbá: Garantido X https://www.letras.mus.br/sambas/959618
Caprichoso /
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a
cademicos-do-salgueiro/1998/3/

1998 Mangueira Chico Buarque da Mangueira https://www.vagalume.com.br/mangueira/


http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e samba-enredo-1998.html
stacao-primeira-de-mangueira/1998/2/
1998 Beija-Flor "O mundo místico dos Caruanas nas águas do https://www.vagalume.com.br/beija-flor-
Patu-Anu" de-nilopolis/carnaval-1998-para-o-mundo-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b mistico-dos-caruanas-nas-aguas-do.html
eija-flor-de-nilopolis/1998/5/

1999 Vila Isabel João Pessoa, onde o sol brilha mais cedo. https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u vila-isabel/samba-enredo-1999.html
nidos-de-vila-isabel/1999/11/
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1999 Salgueiro Salgueiro é Sol e Sal nos 400 anos de Natal https://www.letras.com.br/academicos-do-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a salgueiro/salgueiro-e-sol-e-sal-nos-400-
cademicos-do-salgueiro/1999/3/ anos-de-natal-(1999)
1999 Mangueira O século do Samba https://www.letras.mus.br/sambas/506275
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/e /
stacao-primeira-de-mangueira/1999/2/
1999 Beija-Flor "Araxá, lugar alto onde primeiro se avista o sol" https://www.letras.mus.br/beija-flor-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b rj/472982/
eija-flor-de-nilopolis/1999/5/

2000 Vila Isabel Academia indígena de letras – Eu sou índio, eu https://www.letras.mus.br/vila-isabel-


também sou imortal. rj/1077398/
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u
nidos-de-vila-isabel/2000/11/

2000 Salgueiro Sou rei, sou salgueiro. Meu reinado é brasileiro. https://www.letras.com.br/samba-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/a enredo/samba-enredo-salgueiro-2000
cademicos-do-salgueiro/2000/3/

2000 Mangueira Dom Obá II – Rei dos esfarrapados, Príncipe do https://www.letras.mus.br/sambas/506276


Povo /
http://www.academiadosamba.com.br/passarel
a/mangueira/ficha-2000.htm

2000 Beija-Flor Brasil, um coração que pulsa forte. Pátria de https://www.letras.mus.br/sambas/502150


todos ou terra de ninguém?" /
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/b
eija-flor-de-nilopolis/2000/5/

Imagem 1 “Cena de Carnaval” – Jean Baptiste Debret – 1823. Disponível em: https://br.pinterest.com/
(acesso: 03/12/2017).
Imagem 2 Jogos durante o Entrudo no Rio de Janeiro" - Aquarela de Augustus Earle, 1822. Disponível
em: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/carnaval-de-debret/ (acesso: 03/12/2017)
G.R.E.S. Mangueira http://www.mangueira.com.br/ (último acesso 04/12/217)
G.R.E.S Salgueiro http://www.salgueiro.com.br/ (último acesso 04/12/2017).
G.R.E.S. Beija-Flor http://beija-flor.com.br/ (último acesso 04/12/2017).
G.R.E.S. Vila Isabel https://www.vilaisabelcultural.com.br/ (último acesso 04/12/2017).
G.R.E.S. Tradição http://grestradicao.blogspot.com.br/ (último acesso 04/12/2017).

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