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Rio Grande
2017
MARCELO MORAES STUDINSKI
Rio Grande
2017
MARCELO MORAES STUDINSKI
Banca examinadora
______________________________________________
Professora Mestra Gladis Rejane Moran Ferreira – SUPRG
______________________________________________
Professor Doutor Mauro Dillmann Tavares – PPGH/FURG
______________________________________________
Professora Doutora Carmem G. B. Schiavon (Orientadora)
À Maria das Graças, minha mãe.
Por toda sua trajetória de vida,
de fé, de luta e resistência.
Minha eterna inspiração!
Agradecimentos
À minha mãe, Maria das Graças de Oxum, pelo amor e apoio, incondicionais.
Por acreditar em meus planos, projetos e sonhos. Te amo!
À minha irmã, Carla Simone, pela amizade, carinho e amor. Seu apoio é
fundamental na minha vida. Te amo!
Aos meus irmãos, Marco e Marcio, e suas esposas, por tudo o que
representam em minha vida. Amo vocês!
Ao meu amigo e irmão de axé, Luís Mahin. Por trilhar este e todos os outros
caminhos da minha vida comigo, de mãos dadas. Amor incondicional!
Aos amigos e amigas: Tania, Fabiana, Márcia, Rafael, Lia, Karen, Marisa, Luiz
Renato. Pelo amor, carinho, apoio e compreensão ao longo desta caminhada.
Ao meu pai, João Studinski de Oxalufã, (in memorian). Meu ancestral, que
permanece vivo em meu coração. Te amo!
Muito obrigado!
“Vem pra minha ala
que hoje a nossa escola vai desfilar
Vem fazer história que
hoje é dia de glória neste lugar [...]
Vamos pra avenida desfilar a vida,
carnavalizar [...]
Sinto a batucada se aproximar
Estou ensaiado para te tocar”
(Carnavália – Tribalistas).
RESUMO: O carnaval é parte da história da civilização ocidental e, no Brasil, constitui-
se como uma das maiores manifestações da cultura popular afro-brasileira. O desfile
das escolas de samba do Rio de Janeiro representa o ápice dos festejos
carnavalescos no país. Durante a confecção destes desfiles, estão presentes as
experiências sociais e culturais da comunidade carnavalesca, acumuladas ao longo
do século XX, num campo de disputas econômicas e políticas que envolvem o
contexto do carnaval daquela cidade. Através dos enredos e sambas-enredos, as
escolas de samba cariocas apresentam inúmeros diálogos que interessam a
sociedade brasileira. Nessa direção, este trabalho apresenta uma análise das
temáticas dos enredos das agremiações carnavalescas, com o objetivo de utilizar
estes documentos como instrumentos didáticos para o ensino de História. Para tanto,
fundamenta-se na Nova História e na Antropologia, por compreender o carnaval como
um ritual urbano anual que compõe a Cultura Popular desde a Idade Média. Através
da Análise de Conteúdo, verificou-se que os enredos narram temas sociais, políticos,
culturais e econômicos, capazes de despertar o pensamento crítico de crianças e
adolescentes acerca da história do Brasil e, sobretudo, da história e da cultura afro-
brasileira.
PALAVRA CHAVE: Carnaval, Ensino de História, Cultura afro-brasileira.
ABSTRACT
Carnival is part of the history of the Western civilization, and in Brazil it is taken as one
of the major manifestations of African-Brazilian popular culture. Rio Carnival
"Sambadrome" Parade represents the climax of carnival celebration in the country.
The social and cultural experiences of the communities, stacked during the 20th
century, are shown throughout the parade production in an economical and political
battle field that covers the carnival context in the mentioned city. Through the themes
and samba themes, the samba schools present the connection between dialogues that
are interesting for the Brazilian society. In this way, the present research brings an
analysis of the themes chosen by the carnival association, in order to use those
documents as teaching tools for teaching History. Therefore, New History and
Anthropology are taken as foundation for understanding the carnival as an annual
urban ritual that composes the Popular Culture since the Middle Ages.
Through Content Analysis, it has been found that samba themes describe social,
political, cultural and economical issues, and this awareness may be able for the
awakening of the critical thinking in children and teenagers about the history of Brazil
and, above all, about African-Brazilian history and culture.
Key words: Carnival, Teaching History, African-Brazilian Culture.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 01
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 68
ANEXO I ....................................................................................................... 71
1
INTRODUÇÃO
1
Para melhor compreensão acerca dessas referências ver:
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3469/carnaval-brasileiro-e-caracterizado-por-bens-
culturais-protegidos-pelo-iphan (acesso em 15/11/2017, às 3h).
2
Desta forma, surge nosso contato com o carnaval, incluindo o contato indireto
com o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Considerando que a memória
para o historiador é “instrumento” de trabalho, as memórias de infância convergem ao
3
2
Palavra de origem ioruba que corresponde a palavra sacerdote – Bàbá = Pai – orìsá = orixá.
3 Em uma rápida busca pelo site a biblioteca da universidade, vemos que não há nenhum trabalho
acadêmico que discuta especificamente sobre o Carnaval, tanto no Brasil, quanto no município.
https://argo.furg.br/?BDTD10211 Site da Biblioteca da FURG. Acesso em: 10/11/2017, às 22h e 14min.
4 Para esta pesquisa foram analisados 52 enredos e sambas-enredos, disponíveis nos sites das
5
Samba-enredo da G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, no ano de 2016. “A Divina Comédia do
Carnaval”.
6 Dante Alighieri. A Divina Comédia: Inferno, Purgatório e Paraíso.
7 Sambódromo da cidade do Rio de Janeiro.
6
mais frequentadas, nem as corridas de cavalos xucros, tão comuns na Itália (DEBRET,
1971, p.103). Desta forma, as diferenças dos festejos carnavalescos foram registradas
em aquarela que demonstra como a população afro-brasileira comemorava os dias
gordos:
Com água e polvilho, o negro, nesse dia, exerce impunemente nas negras
que encontra toda a tirania de suas bobagens grosseiras […]. Um tanto
envergonhada, a pobre negra entregadora, vestida voluntariamente com sua
pior roupa volta para casa com o colo inundado e o resto do vestido com as
marcas das mãos imundas do negro que lhe lambuzou de branco o rosto e
os cabelos. [...] Nesses dias de alegria, os mais bagunceiros, embora sempre
respeitosos para com os brancos, reúnem-se depois do jantar nas praias e
nas praças, em torno dos chafarizes, a fim de se inundarem de água,
mutuamente, ou de nela mergulharem uns aos outros por brincadeira […].
Quanto às negras, somente se encontram velhas e pobres nas ruas, com o
seu tabuleiro à cabeça, cheio de limões-de-cheiro vendidos em benefício dos
fabricantes. Muitos negros de todas as idades são empregados nesse
comércio, até a hora da ave-maria, quando se suspendem os divertimentos.
(DEBRET, 1971, p. 103).
50), a vinda da Família Real para o Brasil, bem como a abertura dos portos, e a
inserção do café na base da economia, fomentaram ao longo do século o
fortalecimento de classes sociais distintas, nas quais corroboraram para o fim do
entrudo, substituído, gradativamente, pelo surgimento do “Carnaval Veneziano” e,
mais tarde, pelo “Grande Carnaval”.
8
Hilária Batista de Almeida (Bahia, 1854). Mãe-de-Santo, Tia Ciata de Oxum teve papel fundamental
no surgimento do samba no RJ. Em sua casa, além de funcionar o terreiro, era o ponto de encontro de
grandes nomes do samba, como Pixinguinha e Heitor dos Prazeres, autor do primeiro samba
registrado: Pelo Telefone, em 1916. Mais informações sobre o assunto, ver: FRAGA, 2009.
12
9
O termo banqueiro do bicho, segundo Cavalcanti (1995), está relacionado tanto à banca de jogo,
quanto ao sentido de: “aquele que banca”, que paga, que sustenta e ostenta.
14
10
Aprofundaremos sobre este ator social no item 1.5 deste capítulo.
11 Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, de capital misto (CAVALCANTI, 1995, p. 27).
15
Samba foi subsidiada pelo governo do estado do Rio de Janeiro e, após a rápida
construção em quatro meses, passou a ser administrada pela prefeitura da capital,
através da RIOTUR Economicamente rentável, a Marques de Sapucaí tornou-se
espaço de disputa entre o poder público e a cúpula do mecenato do jogo do bicho,
que se uniram e fundaram a LIESA.
12
Para maiores informações acerca da parceria entre o IPHAN e a escola de samba, e a exposição
“Bastidores da Criação: a arte aplicada ao Carnaval, acesse:
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4143. Acesso em 15/11/2017, às 20h.
13 Exposição realizada entre 13 de junho a 20 de agosto de 2017, no Paço Imperial, Rio de Janeiro.
17
No entanto, este alto nível de produção artística dos desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro é resultado de um longo processo de transformação das
estruturas que envolvem o carnaval carioca, permeada por interesses políticos,
econômicos, sociais e culturais, ao longo do século XX. Nesta perspectiva, a evolução
artística das agremiações carnavalescas faz parte do processo histórico da própria
existência destas e da consolidação do desfile das escolas de samba cariocas como
modelo para as demais escolas carnavalescas do Brasil. Como vimos anteriormente,
a década de 1960, configurou-se como o período fundamental da transformação
estética e crítica dos desfiles das escolas de samba, através do surgimento do
protagonista da produção e execução artística das agremiações, o carnavalesco:
O “surgimento” deste ator social, exógeno à escola de samba, não se deu sem
conflitos, considerando que este novo sujeito, geralmente composto por profissionais
de formação superior, vinculados às artes (coreógrafos, cenógrafos, artistas
plásticos), passou a acumular e articular funções que outros atores sociais,
integrantes das escolas e comunidades já executavam durante a confecção do desfile.
Além disso, a participação do carnavalesco, à frente das escolas de samba,
reestruturou seus principais aspectos: melódicos, dramáticos e estéticos. Dentre as
principais transformações que a figura do carnavalesco realizou nos desfiles destaca-
se a inovação do enredo.
Depois de uma fase inicial, caracterizada por temáticas livres, os sambas das
escolas de samba voltaram-se a partir de meados da década de 1930 para a
temática nacional. Ao que tudo indica, “nacional” nesse momento significou a
referência a fatos, personagens, lendas, heróis, datas e acontecimentos
históricos brasileiros. Cabe notar que o samba-enredo propriamente dito teria
surgido apenas na década de 1940 como contrapartida musical da
progressiva estruturação das escolas, no sentido de encenar dramaticamente
seus enredos sob a forma de uma “ópera-balé ambulante”. (CAVALCANTI,
1999, p.31).
Pamplona era Pintor, formado pela Escola de Belas Artes, até que um dia,
segundo ele, por uma atitude “estética e social”, resolveu “largar o ateliê e
fazer cultura popular”. Em 1959, convidado para compor o júri do desfile das
escolas de samba, juntamente com Eneida, Édison Carneiro e Lúcio Rangel,
teve seu encontro fatal. O Salgueiro, com Dirceu Néry, vinha com enredo
sobre Debret: “Houve um encontro”. Dirceu me convidou para fazer Salgueiro
em 1960. A única coisa que eu impus foi um tema, porque até então era
aquela coisa de apresentar temas para a escola decidir. Faço com uma
condição: que Palmares seja o tema (...) A turma sabia quem era Zumbi. Eu
já tinha uma certa atração pela cultura negra. Fiz com Arlindo [Rodrigues], ele
desenhava muito bem. A escola foi campeã. A coisa foi crescendo e aí você
ficou engajado” (CAVALCANTI, 1999, p. 32-33)
O tema racial, contudo, se impôs: “Mas foi a primeira vez que nós fizemos
uma indumentária negra no carnaval. Um dia, eu conversei com Édison
Carneiro sobre o porquê da indumentária branca no Carnaval, na Congada,
no Maracatu, no Reisado. Por que eles vinham vestidos de D. João VI, de
Corte Imperial, e não com roupa de negro? Nas gravuras do Rugendas, já
era tudo com indumentária branca e na liberdade consentida. O negro podia
fazer a coroação dos reis negros sem poder na Congada, no Ticumbi. Se eles
vestissem a indumentária negra representava a escravidão. Se vestissem a
indumentária branca representava poder. Eles vestiam brancas”
(CAVALCANTI, 1999, p. 33).
14
Empoderamento é um termo utilizado pelo Movimento Negro brasileiro, no século XXI, para designar
o comprometimento de luta pela equidade. Diz respeito a mudanças sociais numa perspectiva anti-
racista, anti-elitista e anti-sexista, através de mudanças das instituições sociais e individuais, colocando
20
homens e mulheres negras como sujeitos ativos no papel das mudanças, numa perspectiva sempre
coletiva. Ver: https://www.geledes.org.br/o-empoderamento-necessario/ (acesso 20/11/2017).
21
Tal vitalidade e graça, diz respeito ao visual estético e dramático, através das
alegorias, do ritmo do samba-enredo, da evolução das alas ao longo da avenida, da
resposta do público presente ao entoar a letra do samba. Todas estas características
apontam para o resultado positivo da arte coletiva que compõe o desfile das escolas
de samba. Concebido pelo carnavalesco, o enredo é consumido no curto tempo ritual
do desfile. Há, portanto, uma dimensão de tempo estrutural e tempo histórico que
garante sua permanência no futuro. Nesta direção, Cavalcanti propõe uma discussão
interessante acerca da compreensão desta dimensão estrutural do tempo
carnavalesco:
25
seria o tempo do evento, dos acontecimentos com “vibrações curtas” que o autor
chama de fatual: “há um fato político, mas há também um fato econômico, mas
também cultural, mas também social” (BRAUDEL, 2002, p.369). Já a média duração,
seria um tempo intermediário, que abarca mais ou menos uma ou duas gerações,
onde é possível percebermos as transformações conjunturais de determinada
sociedade. Assim, o tempo da “conjuntura, também ela polivalente, são fases mais ou
menos longas” (IDEM; p.369). Entretanto, Braudel evidencia:
capazes de produzir uma dualidade: opor-se a cultura oficial tutelada pela Igreja e o
Estado. Assim, a cultura cômica popular da Idade Média expressava a necessidade
de transformação social: “Elas destronavam e renovavam o poder dirigente e a
verdade oficial. Faziam triunfar o retorno de tempos melhores, da abundância
universal e da justiça. A nova consciência histórica se preparava nelas também”
(BAKHTIN, 1999, p. 85).
o cruzamento entre ambos os domínios não pode ser entendido como uma
relação de exterioridade envolvendo dois conjuntos estabelecidos
aprioristicamente e sobrepostos (um letrado, o outro iletrado). Pelo contrário,
esse cruzamento – ou zonas de fronteiras – entre o chamado “erudito” e o
“popular” produz encontros e reencontros, espécie de fusões culturais.
(DOMINGUES, 2011, p. 404).
15
Roger Chartier e Burke (Domingues, 2011, p. 410).
31
uma cultura popular íntegra, “localizada fora do campo de força das dominações de
poder e de dominação culturais” (DOMINGUES, 2011, p. 414). Neste sentido, o
conceito de cultura popular proposto por Hall:
Por este prisma, o termo “popular” estaria mais próximo das alianças de
“classes e forças que constituem as ‘classes populares’, a ‘cultura dos oprimidos e das
classes excluídas’. Pois, no vértice oposto, tem-se a “cultura do bloco do poder”, a
outra aliança de classes e forças sociais configurando o que não é o “povo” ou as
“classes populares” (DOMINGUES, 2011, p. 414). Portanto, a polarização constitui-se
no campo cultural e não na disputa entre classes, mas no embate entre o “povo” e
“bloco de poder”. Ou seja, em seus marcadores de diferenciações dentro das formas
culturais.
Este conceito, de “cultura popular” proposto por Hall, se torna apropriado para
nossa análise acerca dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, pois, além
de ampliar o debate entre as fronteiras culturais, propõe uma discussão que engloba,
não apenas a luta de classes, mas uma circularidade cultural (dialética cultural), ao
qual evidenciam as “tenções contínuas” presentes no desfile carnavalesco. Dentre
estas tenções, podemos destacar as relações étnicas, políticas, econômicas e sociais,
como os “marcadores de diferenciação” do carnaval do Rio de Janeiro em relação as
demais formas de cultura popular e, também, aos demais aspectos que constituem o
carnaval no país.
16
Conceito de Michel Vovelle (1987), utilizado por Maria Laura Cavalcanti (1999, p.30).
33
Entretanto, a “cultura popular negra” não pode ser explicada pelo viés binário,
comum, utilizado para explica-la (cooptação/resistência; autêntico/inautêntico), pois,
a “cultura popular negra” é um espaço ambivalente, paradoxal, local de intersecções,
consentimentos, insurgências e contestações táticas (IDEM, 415). Estas
características estão relacionadas ao processo histórico de formação das identidades
das populações negras, numa articulação dialógica sob duas perspectivas de ação
simultâneas: similaridade e continuidade; diferenciação e ruptura. Estas duas
articulações convergem para os repertórios culturais negros que foram influenciados
por matrizes culturais distintas, tanto pelas raízes africanas, quanto pelas experiências
do contato com as tradições e heranças culturais na “afro-diáspora”. Assim,
17
Categorias utilizadas pelo IPHAN acerca das Referências Culturais.
18Referências Culturais é um conceito antropológico, utilizado pelo IPHAN para mapear, proteger e
salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro, a partir de valores e sentidos atribuídos pelos sujeitos aos
bens e práticas sociais (IPHAN, 2000, p. 13).
35
19
CAVALCANTI, ressalva que nem todos os carnavalescos são desenhistas. Muitos, incluindo alguns
famosos como Joãozinho Trinta, trabalham em parceria com figurinistas.
38
escola não era condicionado por um” (IPHAN, 2006, p. 36). Ou seja, no início da
década de 1930, esta relação entre samba e enredo não era prevista porque o
segundo não era uma obrigatoriedade do desfile das escolas de samba, que neste
período já disputavam campeonatos:
20
Ver: DA MATTA (1973); QUEIROZ (1992); CAVALCANTI (1995; 1999).
40
pois seus vários versos (30, 40, às vezes quase 50) são entoados um a um,
em sequência, sem repetições melódicas por dezenas de compassos
(IPHAN, 2006, p. 39).
O Ensino de História22, levou mais tempo para romper com o a noção “oficial”
e “nacionalista” de História. No Brasil, a Educação Básica incorporou a perspectiva de
“história-problema” aos currículos escolares, somente no final do século XX, a partir
do processo de redemocratização do país e, sobretudo, democratização do ensino,
através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e com a criação dos PCN23 aos quais
introduziram orientações acerca do processo de ensino-aprendizagem histórico, como
o pensamento crítico, noções de temporalidades, a noção de identidades plurais, entre
outros. Assim, na atualidade, um dos objetivos centrais do Ensino de História é
21
“Os primeiros paradigmas: Positivismo e Historicismo” – é um termo utilizado por José D’Assunção
Barros (2014), como subtítulo do volume II da obra: Teoria da História. (2014).
22 Ensino de História aqui entendido como Disciplina – Campo Disciplinar – que envolve a Educação
Básica e Superior.
23
PCN – Parâmetro Curricular Nacional – referências adotadas pelo MEC para orientar educadores
acerca do planejamento e desenvolvimento do currículo escolar da Educação Básica e Ensino Médio.
42
Além de propor a História por eixos temáticos, os PCN também orientam para
a articulação do ensino de história aos “temas transversais” como: ética, meio-
ambiente, diversidade cultural, saúde, educação sexual, trabalho e consumo. Ou seja,
uma perspectiva interdisciplinar de articulação dos conteúdos “tradicionais” da
história, aos conteúdos característicos de outras disciplinas. Contudo, Bittencourt
43
Uma hipótese científica é uma proposição geral que só pode ser verificada
indiretamente através do exame de algumas de suas consequências. Trata-
se da técnica mental mais importante no processo de pesquisa, por armar o
pesquisador com critérios de pertinências e indicar os caminhos possíveis de
tal pesquisa. As hipóteses são invenções; são criadas para explicar conjuntos
de fatos ou processos, mas não decorrem de forma simples da manipulação
destes (CARDOSO, 1982. p. 65).
24
G.R.E.S. Tradição desfilou pelo Grupo Especial, no período analisado, apenas nos anos: 1988; 1989,
1991; 1994; 1998.
48
tema Abolição. Segundo, porque, como vimos anteriormente (capítulo 1, item 1.5), a
Acadêmicos do Salgueiro foi a agremiação que inovou a temática negra no desfile das
escolas de samba, na década de 1960. Portanto, nossa pesquisa centrou-se na
análise dos enredos e sambas-enredos, entre os anos 1988 ao ano 2000, das
seguintes agremiações carnavalescas: G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira,
G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis e G.R.E.S.
Acadêmicos do Salgueiro.
25
Conforme site oficial da escola: http://www.mangueira.com.br/a-mangueira/historia/historia-da-
mangueira/ (acesso 10/09/2017).
50
século XIX. A agremiação carnavalesca tem sua fundação no ano de 1928, resultando
da junção de vários blocos preexistentes no morro da Mangueira, por iniciativa de oito
moradores e sambistas, dentre estes, Agenor de Oliveira (Cartola) e Carlos Moreira
de Castro (Carlos Cachaça). O nome da escola está relacionado à estação ferroviária
construída também no século XIX, ao “pé do morro”. Suas cores, verde e rosa, foram
sugeridas por Cartola, por representar um antigo Rancho carnavalesco de sua
infância.
26
Termo utilizado pelos integrantes da G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro para referir a escola.
51
27
As sinopses de enredos, disponíveis no site da LIESA, são a partir do ano 2004.
52
ÈPA BÀBÁ”! Corações ao alto. Valei-me meu Senhor do Bonfim. Doces para
os santos meninos. Os balaios erguidos levam as flores. Tal qual na Baixa do
Sapateiro - quando o calendário marca o quarto dia de dezembro - o "dengo"
da baiana se embala no chacoalhar dos balangandãs. Salve Santa Bárbara!
No peito, a guia de contas e o Rosário de Maria28. (Grifos são nossos).
28
http://www.mangueira.com.br/carnavais/carnaval-2016/enredo-2016/ (Acesso: 24/11/2017 as 3h)
29 Menininha do Gantois – foi uma das mais importantes Iyalorixás (Mãe de santo) do Brasil, por sua
atuação política na defesa das religiões de matriz africana durante o Estado Novo. Mãe de santo de
Maria Bethânia, teria sido esta quem lhe deu o apelido de “Menina dos olhos de Oyá.
30 http://www.mangueira.com.br/carnavais/carnaval-2016/samba-enredo-2016/ (Acesso 24/11/2017,
às 3h).
53
ocasiões em que o “descobrimento do Brasil” foi tema dos desfiles ocorreram no ano
2000, onde as quatro agremiações abordaram a temática em perspectivas bem
distintas e, por isso, precisam ser expostas separadamente.
A G.R.E.S. Vila Isabel no ano 2000 levou para a avenida o samba: “Academia
Indígena de Letras – eu sou índio, eu também sou imortal”. O enredo discorria sobre
as pautas indígenas e o quanto este sujeito social é silenciado e esquecido na história
do Brasil. Além disso, a escola trazia este personagem como protagonista, a partir de
romances que narravam aspectos da cultura indígena no país. Este tema, somado a
outros quesitos, rendeu o rebaixamento desta agremiação para o Grupo de Acesso,
naquele ano.
É obrigação de todos nós participar deste trabalho. Cada um deve agir à sua
maneira. No nosso caso nós sabemos fazer Carnaval. É nosso oficio. Que
seja através dele, então, que a gente proteste. Esperamos, assim, contribuir
para o despertar do gigante que somos nós mesmos. Então lançamos o grito:
56
artesã do samba, com suas alas e alegorias bordadas em suntuosas rendas. Rendas
de Luz, Rendas da Terra e Rendas D'Água” (trecho do enredo).
A primeira rendeira, a mais velha, era uma profetisa e presidia o futuro, pois
tinha o fio da luz. Grande sábia, era detentora da roca, onde tecia o fio da
vida. Ficou encarregada de ordenar o firmamento dos céus, tecendo uma
renda que uniria, ponto a ponto, todos os astros, estrelas e planetas. E fez
então com que todos os planetas tivessem rotação regular sobre o seu próprio
eixo, promovendo a alternância entre o dia e a noite e a mudança das
estações.
Filha de uma ninfa fiadeira e de um pai imortal, era a segunda rendeira. A ela
coube fazer matas e florestas, enriquecendo o solo para a cultura de
alimentos. Com cuidado trabalhou tudo em rede e renda de várias espécies.
Organizou as cores do arco-íris, deu direção aos ventos, criou formas mais
suaves e cantos mais lindos para as aves, além de dar-lhes plumagens de
raro esplendor. Ordenou que os animais também adquirissem uma imagem
menos selvagem e que até alguns aprendessem a tecer fios de seda, redes
de mel e teias de luz. [...]
Já a terceira rendeira era a mais jovem e bela de todas. Dizia-se filha das
águas rendadas do mar. E deu destino aos mares, bordando-lhes belas
espumas com fios de seus próprios cabelos. Foi ela quem ensinou as
rendeiras das populações costeiras a tecer, imitando os corais, os arrecifes,
as algas marinhas e as ondas do mar. E também teceu a luz da lua cheia. E,
ao ver a Floresta Amazônica, a Lua chorou. Uma de suas lágrimas caiu e
transformou-se no Rio Amazonas33.
33
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/estacao-primeira-de-mangueira/1991/2/ (Acesso:
16/10/2017, às 22h)
58
37
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/estacao-primeira-de-mangueira/1988/2/ (Acesso:
16/10/2017)
38https://www.vagalume.com.br/mangueira/samba-enredo-1988.html (Acesso: 30/09/2017).
61
Valeu Zumbi !
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi valeu !
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu
Vem menininha pra dançar o caxambu
Neste sentido, o enredo proposto pela Vila Isabel, em 1988, pode ser
interpretado como uma pequena ruptura sociológica, ao trazer para o centro do
diálogo carnavalesco as pautas do Movimento Negro brasileiro que, durante o
processo de redemocratização do país, participou ativamente das assembleias
constituintes, na luta pelo reconhecimento da história e da cultura africana e afro-
brasileira no processo de construção do Estado/Nação. A Constituição Federal de
1988, é um marco da luta pela igualdade, ao reconhecer grande parte das demandas
deste seguimento social.
41
Samba-enredo da G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, vencedora do carnaval de 1989 com este
enredo, ao qual exaltava a princesa Isabel como a redentora e a Abolição como um “favor” à população
negra escravizada. Este enredo não integra nosso recorte documental, porém foi igualmente analisado.
65
CONSIDERAÇOES FINAIS
O uso destas fontes enquanto material didático “são relevantes pelo conteúdo
que apresentam e analisam” (BITTENCOURT, 2004, p. 381). Entretanto, caberá ao
professor contextualizar a historicidade dos enredos e sambas-enredos, considerando
que estes são permeados por sentidos político-culturais, numa linguagem especifica.
Ao diversificar as fontes e dinamizar a prática de ensino, o professor de história,
democratiza o acesso ao saber, possibilitando o debate crítico, estimulando o estudo
da complexidade da cultura e da experiência histórica (FONSECA, 2006, p.244).
REFERÊNCIAS
BURKE, PETER. O que é história cultural? Trad. Sérgio Góes de Paula. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
FRAGA, Walter. Uma história da cultura afro-brasileira. São Paulo: Moderna, 2009.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Carnaval Brasileiro – o vivido e o mito. São
Paulo: Brasiliense, 1992.
ANEXO I
Fontes
1990 Vila Isabel Se esta terra, se esta terra fosse minha https://www.vagalume.com.br/unidos-de-
http://www.galeriadosamba.com.br/carnavais/u
vila-isabel/samba-enredo-1990-se-esta-
nidos-de-vila-isabel/1990/11/
terra-se-esta-terra-fosse-minha.html
1992 Salgueiro O Negro que virou ouro nas terras do Salgueiro https://www.vagalume.com.br/salgueiro/s
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2000 Salgueiro Sou rei, sou salgueiro. Meu reinado é brasileiro. https://www.letras.com.br/samba-
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