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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

FLAVIA COUTINHO FERREIRA SAMPAIO

A LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA: ESTUDO GLOTOPOLÍTICO SOBRE AS


POLÍTICAS LINGUÍSTICAS DA UNILAB.

NITERÓI

2020
FLAVIA COUTINHO FERREIRA SAMPAIO

A LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA: ESTUDO GLOTOPOLÍTICO SOBRE AS


POLÍTICAS LINGUÍSTICAS DA UNILAB.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação


em Estudos de Linguagem da Universidade Federal
Fluminense, Linha de Pesquisa: História, Política e Contato
Linguístico, como parte dos requisitos para obtenção do grau
de Doutora em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: Estudos de Linguagem

Orientador: Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez (UFF)

Coorientadora: Profª. Drª. Glenda Cristina Valim de Melo


(UNIRIO)

NITERÓI

2020
AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial a meu pai Antônio, à minha mãe Celme, à minha irmã Erika, a
meu sobrinho Arthur e à minha segunda mãe, Alice, pelo apoio incondicional. Vocês são
minha base e estrutura.

A meu irmão Bruno, que deixou este plano em 2018 e não conseguiu me ver concluindo este
ciclo. Você vive em nossas lembranças e nos nossos corações. Gratidão pela honra de ter
compartilhado sua vida comigo e por ter sido o melhor irmão que eu poderia ter.

A meu filho Benício, que nasceu em 2019, mudou todos os meus planos de vida e me fez
uma pessoa melhor. A seu pai, Rodrigo, que lhe deu toda a atenção necessária enquanto eu
me afastava para terminar esta pesquisa.

Às amigas Mariah e Renata por estarem sempre ao meu lado e se fazerem presentes nos
momentos em que mais preciso.

Aos colegas de trabalho do Instituto Federal Fluminense – Campus Itaperuna pela parceria e
apoio.

À professora Glenda Melo por aceitar a coorientação e por suas contribuições e críticas
sempre pertinentes.

Ao meu orientador, professor Xoán Lagares, pela humildade, paciência e disposição para
ajuda. Você é um exemplo de professor, pesquisador e ser humano. Obrigada por me
incentivar a não desistir.

A todas as pessoas pretas que lutam diariamente por melhores condições de vida em todos os
aspectos. Aos meus ancestrais, por tudo o que viveram para eu pudesse estar onde estou hoje.
Nós somos um.

A Deus, à vida.
RESUMO

O presente trabalho, associado à linha de pesquisa “História, política e contato linguístico”,


analisa as políticas linguísticas da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB), assim como as ações e consequências glotopolíticas de sua
fundação. Por meio do estudo de documentos oficiais e de depoimentos de profissionais e
estudantes da universidade, examinamos, também, a visão de lusofonia proposta pela
instituição e como são pensadas as questões raciais que permeiam o contexto de sua criação.
Ao propor, a partir de sua fundação, uma cooperação entre Brasil e países da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sobretudo os do continente africano, a instituição
traz uma proposta inédita e que gera questionamentos: o que se entende por Lusofonia Afro-
brasileira? Como foi pensada a situação linguística dentro do ambiente acadêmico da
instituição citada para que alunos e professores possam dialogar e construir, juntos, os
conhecimentos necessários para a formação dos futuros profissionais que, dali, sairão?
Fatores raciais, que estão diretamente ligados à exclusão das populações dos países africanos
e das populações negras do Brasil, são pensados nos documentos oficiais? Como tais fatores
são abordados na prática? Para refletir sobre essas questões, analisamos os documentos e
falas propondo um diálogo com os estudos sobre Políticas linguísticas, Lusofonia,
Glotopolítica e Raça. Com um caráter interdisciplinar, este trabalho também dialoga com
diferentes estudiosos das áreas das ciências humanas, na busca de refletir sobre como a
construção dos conhecimentos científicos está atravessada por fatores relativos à raça e,
portanto, como o objeto de estudo “língua” é mais um componente da hierarquização racial
da sociedade. Esta pesquisa de teor qualitativo-interpretativo mostra, por meio das análises
apresentadas, que as reflexões sobre questões econômicas, de gênero e étnico-raciais estão
presentes na proposição das políticas da instituição. Por outro lado, as questões linguísticas só
ficam, de fato, explícitas quando a Unilab já está em funcionamento. Os depoimentos dos
membros da comunidade acadêmica nos permitem concluir que, na prática, a implementação
das políticas de integração é mais complexa do que seus textos propõem e que a integração da
lusofonia afro-brasileira é mais um projeto político do que linguístico. Concluímos, também,
que as políticas públicas educacionais começam por seus formuladores, mas sua efetividade e
suas especificidades se dão com a participação/aplicação pelos diferentes atores sociais que
são alvo delas.

Palavras-chave: Política Linguística. Glotopolítica. Lusofonia. Raça. UNILAB.


ABSTRACT

Under the line of research into “History, politics and language contact”, the current survey
analyzes the linguistic policies of the University for International Integration of the Afro-
Brazilian Lusophony (UNILAB). It also intends to scrutinize the actions and glotopolitical
effects of this institution establishment. Moreover, through the study of official documents
and testimonies from the academic personnel and students, it examines the institution’s view
regarding Lusophony and how racial issues that permeate the context of its foundation are
considered. For suggesting, with its establishment, the cooperation between Brazil and the
member States of the Community of Portuguese Speaking Countries (CPLP), especially those
from the African continent, UNILAB makes an unprecedented proposal that raises the
following questions: What does Afro-Brazilian Lusophony mean? How was the linguistic
situation within the academic environment thought, in a way that students and teachers can
dialogue and acquire proper knowledge for training future professionals? Are racial issues,
which are straightly connected with the exclusion of populations in African countries and
black populations in Brazil, considered in official documents? How are these factors
addressed in practice? In order to reflect on these topics, the documents and speeches are be
analyzed in dialogue with the studies on Linguistic Policies, Lusophony, Glotopolitics and
Race. With an interdisciplinary character, this work also proposes a dialogue with different
scholars in the fields of human sciences, in attempt to think deeply how the building of
scientific knowledge is crossed by factors related to race and how the object of study
“language” is another component of racial hierarchy in society. On the one hand, this
interpretive qualitative work indicates that reflections on economic, gender and ethnic-racial
issues are present in the institution's policy proposition. On the other hand, it shows that
language issues are only explicit when UNILAB is already in operation. In addition, the
testimonies of the academic community members reveal that, in practice, the implementation
of integration policies is even more complex than suggested in the University’s texts and that
the integration of Afro-Brazilian Lusophony is more a political project than a linguistic one.
Finally, this study leads to the conclusion that public educational policies start with their
formulators, but their effectiveness and specificities depend on the participation and
engagement of the different social actors that are their target.

Keywords: Linguistic Policy. Glotopolitics. Lusophony. Race. UNILAB.


RESUMEN

El presente trabajo, asociado a la línea de investigación “Historia, política y contacto


lingüístico" analiza las políticas lingüísticas de la Universidade da Integração Internacional
da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) y también las acciones y consecuencias
glotopolíticas de su fundación. Además, a través del estudio de documentos oficiales y de
testimonios de profesionales y estudiantes de la universidad, examinamos la visión de
lusofonía propuesta por la institución y cómo se pensaron las temáticas raciales que permean
el contexto de su creación. Al proponer, a partir de su fundación, una cooperación entre
Brasil y los Países de la Comunidad de los Países de Lengua Portuguesa (CPLP), sobretodo
los del continente africano, la universidad trae una propuesta inédita y que genera
cuestionamientos: ¿Qué se entiende por “lusofonia Afro-Brasileira”? ¿Cómo se pensó la
situación lingüística dentro del ambiente académico de dicha institución para que alumnos y
profesores puedan dialogar y construir, juntos, los conocimientos necesarios para la
formación de los futuros profesionales que, desde allí, saldrán? ¿Se piensan, en los
documentos oficiales, los aspectos raciales, que están directamente ligados a la exclusión de
las poblaciones de países africanos y de la población negra de Brasil? ¿Cómo se tratan tales
aspectos en la rutina de la universidad? Para reflexionar sobre esas temáticas, analizamos los
documentos y testimonios proponiendo un diálogo con los estudios sobre Políticas
lingüísticas, Lusofonía, Glotopolítica y Raza. Con un carácter interdisciplinario, este trabajo
también dialoga con diferentes estudiosos de las áreas de las ciencias humanas, en la
búsqueda de reflexionar acerca de cómo la construcción de los conocimientos científicos está
marcada por factores relativos a la raza y, por tanto, como el objeto de estudio “lengua” es un
componente más de la jerarquización racial de la sociedad. Esta investigación cualitativa e
interpretativa muestra, por medio de los documentos y testimonios analizados, que las
reflexiones sobre aspectos económicos, de género y étnico raciales están en la proposición de
las políticas de la institución. Por otro lado, los aspectos lingüísticos sólo se explicitan, de
hecho, cuando la universidad ya está funcionando. Los testimonios de la comunidad
académica nos permiten concluir que, cuando llega el momento de la práctica, la
implementación de las políticas de integración es más compleja que sus textos proponen y
que la integración de la “lusofonía afro-brasleira” es un proyecto más político que lingüístico.
Concluímos, también, que las políticas públicas educacionales empiezan por los gestores,
pero su efectividad y sus especificidades ocurren con la participación de los distintos actores
sociales que son el objetivo de esas políticas.

Palabras clave: Política Lingüística. Glotopolítica. Lusofonía. Raza. UNILAB.


LISTA DE SIGLAS

CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

IsF - Idiomas sem Fronteiras

NUCLI - Núcleo de Línguas da Unilab

PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação

PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional

PL - Política Linguística

PLA - Português Língua Adicional

PLE - Português Língua Estrangeira

REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades


Federais

RIPES - Rede de Instituições Públicas de Educação Superior

UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará.

UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana

UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12

1ª PARTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................ 22

1.1 EUROCENTRISMO E RACIALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS


........................................................................................................................................................... 22

1.2 A COLONIZAÇÃO LINGUÍSTICA .................................................................................... 29

1.3 A IDEIA DE RAÇA ATRAVESSANDO AS RELAÇÕES DESDE A


MODERNIDADE ATÉ A ATUALIDADE ............................................................................... 35

1.4 PERSPECTIVAS TEÓRICAS EM DIÁLOGO: BUSCANDO A ECOLOGIA DOS


SABERES........................................................................................................................................ 39

1.5 A CONTRIBUIÇÃO DA ABORDAGEM GLOTOPOLÍTICA ....................................... 46

1.6 LUSOFONIA OU ILUSOFONIA? ....................................................................................... 51

1.6.1 A Lusofonia na Unilab ........................................................................................... 54

2ª PARTE: METODOLOGIA.............................................................................................. 56

2.1 A ESCOLHA METODOLÓGICA INICIAL....................................................................... 56

2.2 MUDANÇAS NO PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO: UMA NOVA


POSSIBILIDADE PARA A PESQUISA .................................................................................... 59

3ª PARTE: A UNILAB E A LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA ................................... 63

3.1 A LEI Nº 12.289, DE 20 DE JULHO DE 2010 ................................................................... 67

3.2 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS DA UNILAB: CAMINHOS ENTRE AS


PROPOSTAS E A IMPLEMENTAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS GLOTOPOLÍTICAS. ... 69

3.3 LUSOFONIA E LÍNGUA PORTUGUESA NA UNILAB: ANÁLISE CRÍTICA. ....... 90

3.4 A QUESTÃO RACIAL NA UNILAB: DESAFIOS PARA A LUSOFONIA AFRO-


BRASILEIRA. ................................................................................................................................ 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 114


ANEXOS .............................................................................................................................. 121

ANEXO A – LEI Nº 12.289, DE 20 DE JULHO DE 2010 ............................................... 121

ANEXO B – QUADROS DE PESSOAL EFETIVO ........................................................ 126

ANEXO C – DIRETRIZES GERAIS UNILAB ............................................................... 129

ANEXO D – PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL 2013-2017 ...... 198


12

INTRODUÇÃO

Eu tenho uma língua solta


que não me deixa esquecer
que cada palavra minha
é resquício da colonização.
Cada verbo que aprendi a conjugar
foi-me ensinado com a missão
de me afastar de quem veio antes.
Nossas escolas não nos ensinam a dar voos,
subentendem que nós, retintos,
ainda temos grilhões nos pés.
Esse meu português truncado
faz soar em meus ouvidos o lançar dos chicotes
em costas de couros pretos.
Nos terreiros de umbanda, evocam entidade e liberdade
com o idioma que tentou nos prender.
A cada sílaba “se-pa-ra-da” relembro
do quanto fomos e ainda somos segregados.
Nos encostaram na margem devido a uma falsa abolição
que nos transformou em bordas.
Tiraram de nós o acesso à ascensão.
Mas, eis que, da beira, ressurgimos:
RE-IN-VEN-ÇÃO.
Nossa revolução surge e urge
das nossas bocas
das falas ensinadas
que são aprendidas,
muitas, não compreendidas.
O que era arma de colonizador
está virando revide de ex colonizado.
Estamos aprendendo as suas línguas
e descolonizando os pensamentos
Estamos reescrevendo o futuro da história… (Luz Ribeiro, 2019)

O aumento da complexidade nas relações entre os países e a realidade de um mundo


onde as fronteiras são cada vez mais subjetivas, além da necessidade de respostas imediatas
aos problemas da sociedade, exigem que se pensem formas cada vez mais eficientes de
contato entre os povos. Nesse contexto, a língua se apresenta como elemento fundamental
para o desenvolvimento de relações políticas e econômicas entre as diferentes nações. No
Brasil, o surgimento da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA) e da
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), está
relacionado a projetos de governos que perceberam a importância da integração internacional
do país através do ensino superior.

Nesse sentido, a internacionalização de universidades federais brasileiras fez parte de


uma importante estratégia de política externa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-
2010) e do governo Dilma Rouseff (2011-2016), pois “além de imprescindível ao
desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, a internacionalização do ensino
13

superior faz parte do esforço diplomático de qualquer país que deseja ser reconhecido e
respeitado pelos demais” (MARTINS, 2017, s.p.).

As duas universidades citadas apresentam um contexto linguístico rico como campo de


análise, entretanto, a Unilab, além do aspecto linguístico, coloca a questão racial como central
em sua fundação e implementação e, por esse motivo, foi a escolhida para ser analisada nesta
investigação. Dessa forma, explico, brevemente, nos próximos parágrafos os motivos pelos
quais a temática racial foi relevante para essa escolha.

Ao longo de minha formação acadêmica, junto ao conhecimento específico adquirido


nas áreas estudadas, tive acesso a estudos diversos relacionados à questão racial. Desta forma,
ao mesmo tempo em que me graduava em Letras e me tornava Mestre em Educação, tornava-
me, também, mulher negra, já que, um dos aprendizados que os estudos sobre raça me trouxe
foi o fato de que a população negra passou por um processo de alienação de si desde a
colonização, e esse processo fez com que essa população se distanciasse de sua identidade
para tentar chegar o mais próximo possível de um ideal branco, aceito socialmente.

Neusa Santos Sousa, na conclusão de seu livro Tornar-se negro, explica que os
negros, no Brasil, compartilham uma história que, por si só, não os ajuda a construir uma
identidade positiva de si, já que se forma a partir da escravidão, do desconhecimento de suas
origens e da discriminação. Nesse sentido, a autora da obra acrescenta que:

Ser negro é, além disto, tomar consciência do processo ideológico que,


através de um discurso mítico acerca de si, engendra uma estrutura de
desconhecimento que o aprisiona numa imagem alienada, na qual se
reconhece. Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova
consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma
dignidade alheia a qualquer nível de exploração.
Assim, ser negro não é uma condição dada a priori. É um vir a ser. Ser negro
é tornar-se negro (SOUSA, 1983, p. 77).

Por isso, é necessário que negros e negras aprendamos a nos reconhecer dentro de
uma sociedade racista para lutar contra ela, pois:

Nossa ideologia do silêncio e da sutileza torna-se um mecanismo de


submissão. Quando não se fala sobre, não chamamos a atenção para a
questão e um processo de conscientização não é desencadeado, no
caso do fortalecimento da identidade negra como aconteceu em países
onde o racismo é aberto (CAMARGO; FERREIRA, 2014, p. 174).
14

Nesse sentido, conforme afirmam Camargo e Ferreira, para que nos entendamos como
negros, precisamos nos conscientizar de tudo o que somos (e tudo o que nos impediram de
ser) de fato, e de como o racismo age em nossas subjetividades na e pela linguagem. Quando
não se faz esse trabalho desde a infância, em família, a pessoa negra pode passar uma vida
tentando lidar de diferentes maneiras com os episódios de racismo sofridos e se adaptar a um
mundo predominantemente branco, muitas vezes, optando por negar toda sua história e de seu
povo.

É possível, portanto, “tornar-se” negro/negra em outros contextos, fora do ambiente


familiar: entre amigos ou na universidade, por exemplo, na medida em que esta tomada de
consciência vai acontecendo. Me enquadro nesse último caso, por viver um reconhecimento
(ao meu ver) tardio da minha negritude. Como reconhecimento tardio, entendo o fato de só
problematizar essas questões depois de anos de silenciamento diante do racismo sofrido.

A consequência desse processo foi a transformação do meu olhar para todas as coisas
que me rodeiam, e, sobretudo, para a educação e o magistério, onde atuo profissionalmente.
Como professora de línguas, repensar meu fazer pedagógico tornou-se fundamental para que
eu usasse o conhecimento sobre linguagem de maneira ética e de acordo com o que passei a
entender como uma educação antirracista. Para que isso, de fato, ocorresse, foi preciso
entender a língua para além de um código, uma estrutura abstrata, e a linguagem a partir de
um ponto de vista social.

Conforme Bagno (2014, p. 13) explica, “o conhecimento/cognição se constrói em


comunidade, num trabalho coletivo, ou seja, a partir de uma colaboração. Toda forma de
conhecimento é, portanto, social”. Nesse sentido, com relação à linguagem, o autor
complementa que é relevante:

[...] considerá-la nesses dois planos ao mesmo tempo: o do indivíduo e o da


sociedade, pois, se ser humano é ser na linguagem, ser humano também é ser
social, de modo que linguagem e sociedade são indissociáveis (BAGNO,
2014, p. 11).
Além disso, ao pensar sob a perspectiva da pragmática, quando entendemos a
linguagem como ação e compreendemos que o uso que fazemos dela atinge o outro,
percebemos que todo discurso age contribuindo com a construção de uma realidade que afeta
de maneira distinta os diferentes grupos sociais. Portanto, refletir sobre a língua como um
mecanismo de produção de discursos que constroem subjetividades, permite que o professor
15

leve seu aluno a análises e questionamentos mais profundos que a decodificação de um


sistema, tais como refletir sobre as pessoas e suas práticas sociais, o que contribui para uma
educação linguística inclusiva e democrática.

Nesse sentido, é relevante que se pense a linguagem como propõe Bagno e como
sugere, também, Hamel (1993), ao analisar os limites das políticas de linguagem. O autor
reforça a importância de um olhar sócio-pragmático sobre a linguagem, vendo-a como “ação
social mediante a qual os sujeitos transformam o mundo”, o que implica levar em
consideração não só sua função comunicativa, mas também de construtora de identidades e
relações de poder (HAMEL, 1993, p. 19).

Junto com a mudança em minha prática profissional, todo este processo me trouxe,
também, a necessidade de pesquisar uma temática que contribuísse não só com as reflexões
do meu campo de estudo, mas também com as reflexões sobre raça, que vêm ganhando cada
vez mais espaço na academia. Com relação a esse fato, Nilma Lino Gomes observa que a
categoria “raça” passou a aparecer com mais frequência nas pesquisas em Ciências Humanas
e que “os estudos das Ciências da Linguagem e Humanas tiveram uma inflexão analítica e
teórica quando a questão racial passou a ser tematizada e investigada” (GOMES, 2016, p.
118).
Nesse sentido, os estudos sobre raça e racismo estão possibilitando que os diferentes
paradigmas sob os quais se construíram as formas de ver e interpretar a realidade sejam
questionados. Nesse contexto, a língua é elemento fundamental para o questionamento e a
elaboração de novos paradigmas, pois, através da forma como os sujeitos sociais se
expressam, ficam explícitos seus posicionamentos diante dos fatos do mundo, e será pela
língua que novos discursos poderão ser construídos.

Gabriel Nascimento (2019, p. 112), em seu livro Racismo Linguístico: Os


subterrâneos da linguagem e do racismo, afirma que “o papel das línguas e de quem as
discute, é reconfigurar o papel epistemológico da crítica ao racismo, buscando não apenas
fazer concessão através do discurso, mas avançar a partir dele”. Portanto, contribuir com o
campo da linguística agregando a ele o debate sobre raça, possibilita uma abertura a novas
formas de pensar a língua, seus usos e representações dentro de uma área onde ainda
predominam estudos muito tradicionais. Sobre essa questão, Moita Lopes (2013, p. 19) afirma
que os estudos da linguagem, em sua maioria, ainda se baseiam em “ferramentas teórico-
analíticas que ignoram as avassaladoras teorizações sobre globalização, pós-modernidade,
16

pós-estruturalismo, pós-colonialismo, feminismos, sexualidades, antirracismos, etc.”,


confirmando a importância de um novo olhar em direção a esses estudos.

Kanavillil Rajagopalan (2003), na apresentação do livro Por uma linguística crítica:


linguagem, identidade e questão ética, revela sua preocupação com o fato de que as pesquisas
linguísticas não se restrinjam a teorias abstratas cujo alcance não vai além dos grupos que as
estudam e nos dá uma pista de como nos posicionarmos criticamente diante dos estudos da
linguagem ao afirmar que:

Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais nada, me


referir a uma linguística voltada para questões práticas. Não é a simples
aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a própria teoria de forma
diferente, nunca perdendo de vista o fato de que o nosso trabalho tem que ter
alguma relevância. Relevância para as nossas vidas, para a sociedade de
modo geral. Como dizia Horkheimer, a teoria crítica se distingue da teoria
em seu sentido tradicional ao partir de uma importante premissa que é de
ordem existencial: que as coisas podem ser diferentes da maneira em que se
encontram. Ou melhor, é possível mudar as coisas, ao invés de nos contentar
em simplesmente descrevê-las e fazer teorias engenhosas a respeito delas
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 12).

Assim, ao pensar criticamente sobre um determinado assunto dentro do contexto da


produção de conhecimentos considerados científicos, é relevante que se reflita sobre a questão
da neutralidade das pesquisas, já que a própria escolha do tema de investigação não é neutra e,
geralmente, está relacionada a algum aspecto relevante da vida do pesquisador, sujeito
político, sócio historicamente situado em um contexto que lhe demanda pensar sobre assuntos
pertinentes à realidade que o cerca. Rajagopalan (2003, p. 18) constata que as teorias
defendidas por nós, pesquisadores da linguagem, podem refletir “anseios do momento
histórico em que propomos e defendemos as nossas ideias, logo há compatibilidade entre a
ciência e um posicionamento político-ideológico” e que é preciso que questionemos a
existência de uma ligação entre “as categorias que postulamos ao teorizar sobre a linguagem e
a postura político-ideológica que assumimos em outras ocasiões e a respeito de outros
assuntos” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 18).

José Luiz Fiorin, no prefácio da obra organizada por Luiz Paulo da Moita Lopes, O
português no século XXI, faz uma reflexão que vai ao encontro do que afirma Rajagopalan
(2003) e do que buscarei refletir neste trabalho. O estudioso afirma que se faz necessário
pensar a ciência de maneira diferente da que nos acostumamos a pensá-la. E, para isso,
precisamos considerar que o conhecimento científico é, sim, determinado por ideologias e que
17

“as perspectivas epistemológicas não são neutras, mas são produzidas pelas circunstâncias
históricas de seu tempo e de seu espaço'' (FIORIN, 2013, p. 13).

Dessa forma, ao pensar sobre esta pesquisa e a questão da neutralidade, concordo com
Melo e Ferreira quando afirmam que:

Estamos vivenciando novas possibilidades de construção de pesquisador(a) e


da pesquisa. Esse profissional do contemporâneo questiona e reflete sobre os
efeitos do que faz e das questões éticas, partindo do princípio de que não há
neutralidade na ciência, da impossibilidade de distanciamento teórico e de
hibridismos teórico-metodológico analíticos. Dessa forma, entendemos que
estamos em um momento em que fazer pesquisa implica em fazer política.
(MELO; FERREIRA, 2017, p. 407).

Assim, ao longo deste estudo, refletimos sobre as políticas linguísticas da


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e sobre a
ideia de lusofonia pensada pela instituição. Para isso, analiso diferentes documentos (que
serão especificados mais adiante), além de relatos de alunos e profissionais da instituição,
com o intuito de identificar se a criação dessa universidade possibilitou, também, o
surgimento de questionamentos sobre o termo lusofonia e as questões raciais que o permeiam,
além de ressignificações e um olhar mais crítico sobre o mesmo.

Para contribuir com a reflexão proposta, usamos a abordagem glotopolítica, visto que
se trata de uma perspectiva de análise que entende a língua como um construto social,
histórico e que é dinâmico e mutável, pois acontece nas práticas de linguagem, que são
práticas sociais. Portanto, não há como refletir sobre língua sem relacioná-la a seus falantes, já
que o social e o linguístico estão integrados. A glotopolítica, portanto, estuda as intervenções
políticas na linguagem.

Elvira Arnoux (2016, p. 19) explica, sobre esse campo de estudos, que a glotopolítica
analisa as intervenções no espaço da linguagem em um sentido mais amplo já que tais
intervenções podem ser planejadas, explícitas, voluntárias, geradas por agentes coletivos ou
individuais, ou até mesmo produzidas espontaneamente sem mediadores claramente
identificáveis. Ademais, essa perspectiva “exige tomar partido de acordo com um ideal
democrático nas lutas políticas da linguagem, assumindo, portanto, as implicações éticas que
a própria pesquisa tem enquanto prática social” (LAGARES, 2018, p. 42).

Nesse sentido, a glotopolítica embasará nossas análises, visto que sua proposta
coaduna com a visão de linguagem defendida nesta investigação. Assim, o diálogo com
18

estudos desta perspectiva contribuirá para que se expliquem as questões linguísticas da


Unilab.

A Unilab é uma instituição que se propõe, segundo seu site oficial, a ser uma
universidade alinhada à integração com o continente africano, principalmente com os países
membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), baseando-se nos
princípios de cooperação solidária para buscar formas de crescimento econômico, político e
social entre os países parceiros. Sua criação faz parte das estratégias de interiorização e
internacionalização das instituições de ensino superior brasileiras, políticas públicas
educacionais propostas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI), iniciado em 2003 no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A questão racial foi relevante para a escolha dos locais onde, hoje, se localizam os campi da
universidade e, não por acaso, suas atividades letivas iniciaram em 25 de maio de 2011, data
em que se celebra o dia da África.

O Campus da Liberdade, onde se encontra a reitoria, além de atividades


administrativas e acadêmicas, localiza-se em Redenção, no Ceará, a primeira cidade a,
oficialmente, decretar a abolição da escravatura em 1883. Sobre essa localização, o
governador do Estado do Ceará, Cid Gomes, comemorou afirmando:

Para nós, cearenses, é motivo de orgulho que a instituição tenha sido aqui
instalada. Havia de fato, motivos para que assim acontecesse. O Ceará, todos
sabem, se antecipou ao movimento de libertação dos escravos, no século
XIX, conquistando, por mérito, o título de Terra Luz. É natural, pois, que o
Brasil, ao estender a mão aos povos africanos, num gesto de paz e num
convite à cooperação, o faça a partir do Ceará, mais precisamente da cidade
de Redenção, onde pioneiramente se aboliu a mão de obra escrava.
(UNILAB, 2013, p. 38)1

A localização da reitoria no estado do Ceará também foi pensada pelo fato de que a
capital do estado, Fortaleza, encontra-se em uma área estratégica com relação à África e à
Europa. A Unidade acadêmica dos Palmares, onde se dão os cursos de Ciências da Natureza,
Enfermagem e Engenharia de Energias, também no Ceará, encontra-se no Município de
Acarape, na região do Maciço de Baturité, que foi habitada pelos índios Tapuias e Balurité,
sendo conhecida por vila dos índios, e que recebeu os índios expulsos da região de Jaguaribe.
Finalmente, o Campus dos Malês localiza-se na cidade de São Francisco do Conde, na região

1
Declaração se encontra no livro UNILAB: Caminhos e desafios acadêmicos da cooperação sul-sul. Disponível
em: https://issuu.com/glaymerson/docs/livro_unilab_5_anos. Acesso em: 30 nov. 2020.
19

metropolitana de Salvador. Ainda de acordo com o site da Universidade,2 São Francisco do


Conde é considerado o município de maior população negra (maior que 90%) declarada no
censo.

Gomes, Lima e Santos (2018, p. 97) afirmam que a Unilab é não somente resultado da
ação do Estado. Ela é também fruto das ações e demandas do Movimento Negro Brasileiro
por um maior compromisso do Brasil com o continente africano e a superação do racismo em
nosso país. Nesse sentido, considerei a pertinência de realizar um estudo sobre essa
universidade devido a sua relevante proposta de integração com o continente africano e pelas
questões raciais que a permeiam. A ideia surgiu a partir das perguntas que me fiz ao tomar
conhecimento da instituição: qual é a visão de lusofonia da Unilab? Como é tratado o
plurilinguismo? Como é abordada a temática racial no ambiente universitário?

Portanto, o objetivo geral do presente trabalho é analisar a(s) política(s) linguística(s)


da Unilab atentando para as diferenças entre as propostas e sua implementação. Os objetivos
específicos são: identificar a visão de lusofonia e, consequentemente, de língua portuguesa
presente em documentos da instituição e propor uma discussão crítica do termo a partir do
material de análise; apresentar ações e consequências glotopolíticas do surgimento da
universidade e, finalmente, analisar como foi pensada a questão racial nos mesmos
documentos e as consequências das políticas voltadas para essa questão, baseando-se nos
relatos da comunidade acadêmica.

Os documentos analisados serão a Lei nº 12.289, de 20 de julho de 2010, que dispõe


sobre a criação da Unilab, o “Plano de Desenvolvimento Institucional”, as “Diretrizes Gerais
da Unilab” e o Projeto Pedagógico curricular (PPC) dos cursos de Letras da instituição. A
escolha pelo PPC dos cursos de Letras se deve ao fato de que, possivelmente, as questões
linguísticas relacionadas às línguas faladas na universidade serão mais discutidas neste curso.
Com relação aos depoimentos, as falas de estudantes e professores foram retiradas de
gravações diversas disponibilizadas de forma pública na internet, com exceção de dois
professores que concederam entrevista. Os nomes de todos os participantes foram ocultados
para preservar sua identidade. Os detalhes sobre os informantes estão no capítulo destinado à
metodologia da pesquisa.

2
Informações retiradas do site da instituição. Disponível em: http://www.unilab.edu.br/. Acesso em: 30 nov.
2020.
20

Sobre a lei de criação da Unilab (12.289/2010), Diego Barbosa da Silva (2013), em


seu livro De Flor do Lácio à Língua Global, afirma tratar-se de uma política linguística
implantada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa:

Desse modo, entre as políticas linguísticas recentes implantadas pela CPLP e


seus Estados-membros destacam-se: a criação e a reformulação do Instituto
Internacional de Língua Portuguesa (IILP), em Cabo Verde (1989/1999-
2005); a instituição pelo Brasil do Certificado de Proficiência em Língua
Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-bras) (1994-1998) e por Portugal do
Centro de Avaliação do Português Língua Estrangeira (CAPLE) (1999); a
criação pelo Ministério da Educação (MEC) do Brasil, da Comissão de
Língua Portuguesa (COLIP) (2004-2007); a inauguração do Museu da
Língua Portuguesa (2006); a criação do Portal da CPLP (2008); a criação,
por Portugal, do Fundo da Língua Portuguesa (2008); o lançamento do edital
Doc-TV (2008-2009) para financiar documentários nos países lusófonos; a
entrada e vigor do acordo ortográfico de 1990 (2009); a petição para que o
português se torne língua oficial das Nações Unidas; a instituição do dia
cinco de maio como dia da língua portuguesa e da cultura na CPLP (2009); a
fundação, pelo Brasil, da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB) em Redenção, no Ceará (2010).
(SILVA, 2013, p. 22).
De fato, além da Lei de Criação ser considerada não só uma política pública
educacional, mas também uma política linguística (PL), ela possibilita a elaboração de outras
PL específicas para a instituição. Refletindo conforme Spolsky (2016), a Política Linguística
possui três componentes que se inter-relacionam: as práticas linguísticas dos membros da
comunidade, as crenças desses membros sobre a língua que falam e os esforços de outros
membros para alterar as práticas e as crenças existentes. Portanto, concluímos que este espaço
universitário é um ambiente de agência de políticas linguísticas, sobretudo no que tange a
intervenções no estatuto do português brasileiro, devido à diversidade de falantes, logo, de
crenças e práticas referentes a essa variedade da língua.

A contribuição desta investigação está na importância de apresentar a realidade atual


de uma instituição de ensino superior que foi inovadora à época de seu surgimento, e que,
hoje, assim como todas as universidades federais do país, sofre um sucateamento perpetrado
por um governo cujo Ministério da Educação já está em sua quarta alteração de ministro e
onde seus membros explicitam a intenção de ver as universidades cada vez mais elitizadas e
menos democráticas. Falar sobre a Unilab é, portanto, defender a importância não só de uma
educação superior pública e de qualidade, mas também a importância de contribuir com a
educação superior dos cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Além disso, ao analisar de que forma o conceito de lusofonia se apresenta nos


documentos da instituição, contribuímos para que se pense sobre os limites e idealizações que
21

permeiam esse conceito e, também, sobre o racismo presente (ou não) nas políticas
linguísticas, buscando, como sugere Gabriel Nascimento (2019, p. 64) “desbranquear uma
linguística vítima de um branqueamento racista desde que passou a ser vista como ciência”.
Finalmente, a temática proposta coaduna com a linha de pesquisa em que este trabalho está
inserido: História, política e contato linguístico.

Assim, para sistematizar este estudo, a investigação estará dividida em quatro partes: a
primeira se caracterizará pela apresentação dos pressupostos teóricos. A segunda explicará a
metodologia e a terceira se centrará na análise do objeto de pesquisa: contextualização da
fundação da Unilab, situação atual da instituição, análise dos documentos e depoimentos. Por
fim, na quarta e última parte, constarão as considerações finais com as conclusões geradas a
partir da análise feita.

Ressaltamos o caráter interdisciplinar desta investigação, visto que, ao analisar a


língua de maneira inseparável das relações sociais onde é falada, dialogamos, também, com
outras áreas de conhecimento que ajudam a compreender as relações na sociedade.
22

1ª PARTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 EUROCENTRISMO E RACIALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS

O eurocentrismo não é exclusivamente a perspectiva cognitiva dos europeus, ou


apenas dos dominantes do capitalismo mundial, mas também do conjunto dos
educados sob a sua hegemonia. (Aníbal Quijano, 2010, p. 86)

Na introdução desta pesquisa, falamos, brevemente, sobre manter um posicionamento


crítico diante das questões da linguagem que serão abordadas aqui. Como foi dito, propor um
estudo crítico é, entre outros fatores, explicitar o fato de que existe um posicionamento
político-ideológico que justifica as escolhas teóricas e a própria escolha do objeto a ser
analisado em uma investigação. Além disso, é necessária a compreensão de que a própria
construção dos conhecimentos científicos nunca foi neutra, visto que tais conhecimentos são
produzidos por grupos específicos com visões de mundo muito particulares.

Vejamos, então, de maneira breve, como a ciência moderna consolidou uma visão
eurocêntrica e racializada do mundo e qual foi a contribuição dos estudos linguísticos nesse
cenário, com o objetivo de entender como a questão racial permeia o que se entende por
ciência e, consequentemente, como ela está presente no que se entende por língua, já que “a
linguística como ciência não se desenvolve independentemente da disputa ideológica que se
trava na sociedade em que ela se engendra e do discurso científico que a legitima” (PONSO,
2014, p. 70).

O eurocentrismo moldou, não apenas os estudos da linguagem, mas também toda a


epistemologia moderna. Sobre este fato, Muniz Sodré, na apresentação do livro
Afrocentricidade, uma abordagem epistemológica inovadora, afirma:

O que se torna cada vez mais claro é que, depois que o Renascimento e
Reforma operaram a homogeneização espacial do mundo de acordo com o
ideário da modernidade europeia, a ideia de civilização espraiou-se
progressivamente como se fosse o produto natural de uma essência
ocidental, logo marcada pela cor branca. Uma espécie de “Ocidente
absoluto” para a consciência hegemônica. A naturalização do que era de fato
um construto cultural foi impulsionada- além de, claro, pela força das armas
23

- por uma tradição filosófica baseada na teologia dogmática, na tecnologia


científica e na ideologia política (SODRÉ, 2009, p. 25)3.

Silvio Almeida (2019), no livro Racismo Estrutural, apresenta uma reflexão que
coaduna com a de Sodré ao afirmar que:

[...] o contexto da expansão comercial burguesa e da cultura renascentista


abriu as portas para a construção do moderno ideário filosófico que mais
tarde transformará o europeu no homem universal (atentar ao gênero aqui é
importante) e todos os povos e culturas não condizentes com os sistemas
culturais europeus em variações menos evoluídas (ALMEIDA, 2019, p. 25).

Mais adiante, o professor declara que:

A ciência tem o poder de produzir um discurso de autoridade, que poucas


pessoas têm a condição de contestar, salvo aquelas inseridas nas instituições
em que a ciência é produzida. Isso menos por uma questão de capacidade, e
mais por uma questão de autoridade. É da natureza da ciência produzir um
discurso autorizado sobre a verdade (ALMEIDA, 2019, p. 70).

Diante dessas afirmações, compreendemos que o conhecimento científico produzido


nas diversas áreas, a partir do Renascimento e da colonização, contribuiu com uma concepção
de realidade onde os grupos colonizados foram considerados incapazes de fazer ciência e
todos os seus saberes não eram vistos com tal.

Portanto, no campo da linguagem este padrão de pensamento se manteve. Sylvain


Auroux (1992), na obra A revolução tecnológica da gramatização mostra como se
desenvolveu a área de estudos da linguagem até que a linguística fosse considerada ciência, já
no século XIX. De acordo com ele, segundo a área de conhecimento denominada “História
das ideias linguísticas” cujo objeto principal é todo saber construído a respeito da linguagem
humana, os conhecimentos linguísticos passaram a ser representados e sistematizados a partir
do advento da escrita e ganharam maior relevância ao longo da história devido a diferentes
fatores, entre eles, a formação dos Estados nação, o surgimento da imprensa e a colonização
dos outros continentes pelas nações europeias. Contudo, bem antes do surgimento da
linguística como ciência, já se pensava e se produzia conhecimento sobre as línguas, e esses
conhecimentos foram basilares para as ciências da linguagem que viriam depois.

A escrita, portanto, é fator primordial para a sistematização desses conhecimentos dos


europeus sobre as diferentes línguas. Dessa forma, como explica Gabriel Nascimento:

3
Muniz Sodré, no Livro Afrocentricidade. Uma abordagem epistemológica inovadora, organizado por Elisa
Larkin Nascimento. A apresentação é datada em 2008, mas a publicação foi lançada em 2009, assim seguimos o
ano da publicação do livro.
24

A escrita no mundo ocidental ganhou um papel muito grande e passa a ser o


grande fundamento das línguas indo-europeias a partir do Renascentismo,
em que a fábrica de traduções e comparações linguísticas vai produzir as
primeiras gramáticas modernas com uma visão calcada na Antiguidade
Clássica. Como a escrita é objeto de poder, ela existe para separar quem
escreve de quem não escreve. As chamadas culturas ágrafas não serão
somente alvo de dominação racial mas também lugares que a modernidade
vai calar por meio da escrita (NASCIMENTO, G., 2019, p. 26).

De fato, o domínio da escrita permitiu ao europeu codificar, a sua maneira, o Tupi e


produzir gramáticas nessa língua, fato fundamental no processo de catequização da população
indígena no início da colonização portuguesa no Brasil. Este processo também ocorre no
continente africano onde “as línguas nativas mudaram sob o impacto do cristianismo porque
palavras velhas assumiram significados novos, por causa da tendência do cristianismo de usar
palavras existentes para descrever conceitos cristãos, em vez de optar por neologismos”
(MAKONI; MEINHOF, 2006, p. 200).

Makoni e Meinhof (2006), inclusive, explicam como a própria ideia de língua africana
foi produzida pelo europeu. De acordo com seu estudo, ao descrever as línguas na África, os
linguistas e os missionários ocidentais operaram uma intervenção social, já que, através do
letramento dessas populações, as formas orais foram reduzidas para caber na descrição de
uma língua que foi criada, adaptada e, consequentemente, apresentou-se como uma variedade
que não correspondia à fala real de nenhum dos povos estudados. Assim, “o letramento e a
política tiveram um papel crucial na nomeação das línguas africanas. A nomeação foi iniciada
por pessoas não africanas letradas em línguas europeias e em árabe”, causando, entre outras
coisas, uma alteração na forma de identificação das diferentes etnias, visto que “os nomes
foram usados como substitutos para identidades étnicas e não como rótulos linguísticos. Por
exemplo, esperava-se que um falante da etnia zulu falasse zulu e que um iorubá falasse
iorubá” (MAKONI; MEINHOF, 2006, p. 2017).

Sobre o processo de gramatização, citado por Nascimento, é válido ressaltar que a


produção de gramáticas ganhou maior relevância a partir do Renascimento e possibilitou uma
rede de comunicação com hegemonia das línguas europeias, sobretudo, devido às
colonizações dos outros continentes por esses países (AUROUX, 1992). Entretanto, ainda que
no período medieval não houvesse um foco no desenvolvimento da gramatização, de acordo
com Gnerre (1991), na Idade Média, tornou-se relevante o processo de adequação das
variedades linguísticas utilizadas pelos grupos hegemônicos a um padrão de escrita que se
aproximasse do latim, língua que servia como modelo de prestígio. Ao passar por este
25

processo, tais variedades escritas passavam a ser o padrão e ditavam as normas da língua
alterando, dessa forma, as práticas sociais.

Logo, ainda que não existisse, de fato, um processo de gramatização, tampouco a


ideia de nação, os grupos dominantes se tornavam os portadores da língua de prestígio, o que
lhes outorgava poder com relação aos grupos não detentores da variedade que se legitimou
como padrão. Nesse sentido, podemos pensar que, já naquele momento da história, havia uma
ideologia da língua padrão que mantinha excluídos os que não dominavam a variedade a
partir da qual se propôs uma norma. Esse fato é relevante, pois comprova que mesmo antes do
processo de gramatização, na Idade Média, a língua já servia como objeto de poder, e
consequentemente de exclusão.

Ainda sobre a gramatização, Auroux (1992) ressalta que ela acompanhou o


desenvolvimento da imprensa, que contribuiu para uma mudança de dimensão da língua
escrita ao massificar um texto por meio de sua multiplicação. Esse instrumento de
multiplicação de textos separou a produção intelectual de sua reprodução material,
diferentemente do que acontecia antes com manuscritos e pergaminhos. Nesse sentido, a
imprensa acabou trazendo consigo, além da facilidade de multiplicação dos textos, a
padronização dos vernáculos, que passou a ser uma questão profissional.

Anderson (2008), ao refletir sobre a difusão da concepção de nacionalismo na


modernidade, afirma que o jornal e o romance, que surgem partir do século XVIII, e que são
consequência do surgimento da imprensa, apresentam uma estrutura que contribuiu para o
estabelecimento da ideia de nação, cuja gênese está relacionada à formação dos Estados
Nacionais. Segundo ele, “essas formas proporcionaram meios técnicos para ‘re-presentar’ o
tipo de comunidade imaginada correspondente à nação” (ANDERSON, 2008, p. 55), já que os
romances apresentavam personagens e enredos representativos do padrão de sociedade que se
queria estabelecer, assim como o jornal, que difundia os ideais de nação que estavam se
desenvolvendo. Com relação a esse fato, Lagares (2018) complementa que:

Para Anderson, a constituição de um mercado literário, que fazia circular


livros entre aqueles que eram capazes de ler a mesma língua escrita e,
sobretudo, a imprensa diária, a publicação e distribuição de jornais e revistas
permitiram estabelecer laços entre os cidadãos, que assim compartilhavam
referências políticas e culturais num tempo e num espaço aparentemente
homogêneos. Essas atividades linguísticas constituem a realidade social, tal e
como entendida por todos, ao mesmo tempo em que determinam sua própria
existência. As transformações linguísticas que essas atividades promovem,
26

no sentido da fixação de um modelo mais ou menos uniforme de língua


escrita, com o desenvolvimento de características próprias de cada um dos
gêneros discursivos utilizados, têm uma dimensão eminentemente política.
(LAGARES, 2018, p. 51)

Uma consequência notável do processo de gramatização e da massificação dos textos


por meio da imprensa é a tendência à redução da variação nas línguas e a homogeneização,
visto que as produções seguiam um modelo de língua específico, baseado na variedade de
prestígio. Ademais, como se sabe, essa técnica não se tratou de um simples processo de
descrição. Ao pautar-se em valores (já que se descrevia pensando no “bom uso” da língua), a
gramática passou a ser um instrumento linguístico que alterou as práticas linguísticas dos
falantes. Essa tendência à homogeneização contribuiu com visões que perduram até hoje: a
ideologia do monolinguismo social, que perpetuou a ideia de que a variedade linguística é um
problema que deve ser solucionado com o estabelecimento de uma língua única, além da
ideologia da língua nacional, que difundiu a ideia de que a cada nação correspondia uma
única língua. Essas ideias, além de reduzir outras línguas faladas nos territórios nacionais a
dialetos, operaram normalizando a noção de que a língua (nacional) se resume à variedade
padrão, ensinada nas escolas, e que se o falante não domina tal variedade, significa que não
sabe falar sua própria língua.

Faraco (2016) explica, com relação a esse processo de homogeneização linguística e à


identificação entre língua e pátria, que foi consequência da ideologia da língua nacional, como
essas perspectivas alteram não só a forma como o falante entende a língua, mas também
constroem nele uma visão simplista do conceito de pátria:

A língua transformada em pátria falseia o conceito de língua (porque não se


a toma em sua concreta realidade heterogênea - social, cultural e política. É
antes um ente abstrato, etéreo, aespacial e atemporal, portador de um “gênio”
ou “espírito” a que nada se sobrepõe); e falseia igualmente o conceito de
pátria (porque apaga a materialidade das relações socioculturais, históricas e
políticas que a constituem) (FARACO, 2016, p. 241)

Auroux (1992) finaliza a explanação sobre o processo de elaboração das gramáticas


afirmando que a revolução da gramatização afetou a vida social a longo prazo, pois
apresentou rupturas em antigas visões de mundo, por ser uma realização intelectual sem
precedentes. Ademais, o conhecimento das diferentes línguas do mundo trouxe importantes
consequências. Uma delas, a mudança no procedimento intelectual, o que acarretou uma
mudança na própria epistemologia das ciências da linguagem, e a outra, o questionamento
27

relacionado a como conectar os saberes metalinguísticos das diferentes línguas, logo, como
sistematizar o que viria a ser a disciplina denominada linguística.

É possível perceber, desta forma, que o desenvolvimento dos conhecimentos


linguísticos foi consequência do contato entre os povos:

Os contatos linguísticos se tornaram um dos elementos determinantes dos


saberes linguísticos codificados e as gramáticas se tornaram as peças-mestras
de uma técnica do conhecimento das línguas. Em seguida, o
desenvolvimento do livro impresso dá a esse fenômeno uma difusão
incomparável. Enfim, a exploração do planeta, a colonização e a exploração
de vários territórios encetam o longo processo de descrição, na base da
tecnologia gramatical ocidental, da maior parte das línguas do mundo
(AUROUX, 1992, p. 32).

Compreende-se, então, que, de acordo com essa visão, a alteridade foi a questão
motivadora do desenvolvimento dos conhecimentos sobre as línguas. Porém, se, inicialmente,
buscou-se compreender e decifrar o outro para conhecer e aprender sobre sua cultura (grega e
latina), posteriormente, a compreensão das línguas atendeu a objetivos como subjugação e
exploração de diversas populações. A gramatização do Tupi pelos portugueses para
catequização dos indígenas pelos jesuítas, como falado anteriormente, é exemplo relevante de
como a curiosidade pelo outro, carregada de admiração como acontecia com as culturas grega
e latina, deu lugar ao desejo de se comunicar para dominar quando o alvo eram outros povos.
Sobre esse fato, Mariani (2003) afirma o seguinte:

Este trabalho de gramatização desdobra-se, em termos práticos, tanto na


oralidade implicada pelo rezar as missas e ouvir as confissões quanto na
produção escrita necessária aos missionários para o ensino-aprendizagem do
catecismo e da bíblia nessa língua. A gramatização efetuada pelos jesuítas
representa um passo no processo de tradução, de adaptação e de conversão
dos sentidos pertinentes à cultura indígena aos sentidos constitutivos da
cultura europeia e cristã. O que se tem aqui é um trabalho que se realiza na
ordem da língua, cujos efeitos produzem ressignificações, inclusões e
exclusões de sentidos na ordem dos próprios discursos indígenas
(MARIANI, 2003, p. 77).

Severo (2013) acrescenta:

Uma consideração pode ser feita em relação aos catecismos escritos em


língua tupi: a política linguística jesuítica não apenas gramatizou o tupi,
como também fez circular nesta língua, de tradição oral, textos católicos,
conferindo uma colonização discursiva pela língua do outro (SEVERO,
2013, p. 461).

No continente africano, vemos um processo semelhante, pois


28

[...] muito embora o nacionalismo tenha desempenhado um papel na


emergência das “línguas” na Europa, na África o letramento, em vez do
nacionalismo, desempenhou um papel mais crucial na tarefa de trazer à tona
a noção de línguas separadas. As línguas (e não a língua) e as
metalinguagens emergiram literalmente como parte do projeto colonial
cristão (MAKONI; MEINHOF, 2006, p. 197).

Portanto, entende-se que, a partir do processo de gramatização das línguas, houve uma
mudança epistemológica no campo das ciências da linguagem, visto que a forma de se pensar
a construção dos saberes foi impactada por esse fenômeno. Dezerto (2013), ao refletir sobre
os aspectos que envolvem a produção dos conceitos de “saber” e “campo disciplinar”,
enfatiza que toda produção de saberes se constitui dentro de um discurso, logo é sempre
histórica, ideológica e nunca neutra. Também dialogando com Auroux (1992), Dezerto (2013)
explica que, segundo o francês, algumas propriedades legitimam o que é considerado
conhecimento científico: a universalidade, que se dá a partir do apagamento da historicidade e
do aspecto ideológico que constituiu a construção desse novo saber, o efeito de totalidade, que
aparece como consequência dessa ideia do saber como universal, e a intangibilidade
decorrente da necessidade de que haja um objeto para o que o conhecimento seja representado
por meio dele.

Com relação ao apagamento da historicidade dos saberes construídos, Makoni e


Meinhof (2006, p. 194) concluem que se trata de

[...] uma orientação na direção do pensamento analítico que tira de nosso


campo de visão aquilo que contradiz as pressuposições dominantes de tal
pensamento. O apagamento explica fatos inconsistentes com o esquema
ideológico que está sendo usado.

A língua como objeto de estudo científico, dessa forma, passa a ser vista a partir
dessas propriedades e as teorias sobre as línguas se constroem sob essa ótica. A reflexão de
Dezerto (2013) é fundamental para se pensar que os saberes construídos sobre as línguas
indígenas e africanas se cristalizaram por meio do apagamento dos discursos por trás da
construção desses saberes. Portanto, esses conhecimentos legitimaram a hierarquização das
diversas línguas e, consequentemente, de seus falantes. Com relação a esta produção científica
sobre as línguas, Lagares (2018), reflete:

Com efeito, se o desenvolvimento da linguística indo-europeia, que teve uma


presença quase hegemônica nos principais centros de pesquisa do mundo,
tinha importantes conotações ideológicas, pois supunha situar as línguas
europeias numa estirpe diferente da família semítica- acabando de vez com o
mito do hebraico como primeira língua da humanidade, que se prolongara
29

durante séculos-, ao mesmo tempo, o historicismo nacionalista e uma visão


biologicista da língua, logo associada ao conceito de raça, assim como a
identificação entre a história da língua e a do povo, contribuíram de forma
inegável para a construção do mito da raça ariana, que alimentou
ideologicamente no século XX o nazifascimo na Alemanha (LAGARES,
2018, p. 147).

Sabendo que a colonização foi fundamental para a construção da forma de pensar da


modernidade e que a ideia de raça surge a partir desse evento histórico, não há como refletir
acerca dos conhecimentos que emergem, nesse momento, sobre as línguas, sem pensar no
aspecto racial. Nesse sentido, “os conhecimentos ocidentais não dão apenas lugar às teorias
sobre o nascimento da história das escritas; eles são um instrumento de dominação e de acesso
aos saberes de outras civilizações, de que têm perfeita consciência” (AUROUX, 1992, p. 66).

1.2 A COLONIZAÇÃO LINGUÍSTICA

Hamel (1993, p. 6-7) afirma que políticas de linguagem existem desde que os seres
humanos passaram a se organizar em sociedade e estenderam suas relações de contato,
intercâmbio e dominação de outras sociedades cultural e linguisticamente diferentes. Segundo
ele, “na maioria dessas relações, as línguas têm um papel de primeira ordem, tanto para
organizar a dominação e hegemonia de um povo sobre outro, quanto para os processos de
resistência e libertação”. Assim, a colonização é um acontecimento que nos permite visualizar
como as políticas linguísticas operam em diversas instâncias sociais que vão além da língua.

Mariani (2003, p. 74) explica que a noção colonização linguística se refere a diversos
“fatos resultantes do acontecimento linguístico que foi o encontro de povos com línguas e
memórias diferenciadas e sem contato anterior”. A autora segue explicando que um processo
de colonização não existe sem línguas e que a construção desse processo de comunicação que
envolve o estabelecimento de um código comum, se caracteriza por “memórias e
apagamentos das imagens produzidas das línguas em circulação” (MARIANI, 2003, p. 74).
Assim a colonização linguística:

[...] se inscreve na ordem de um acontecimento de uma maneira específica:


ela se realiza no encontro de várias memórias simbólicas (as línguas, em
suas distintas materialidades) com uma atualidade (o (des)encontro
linguageiro, a incompreensão dos sentidos). Como resultado, a colonização
linguística produz modificações em sistemas linguísticos que vinham se
constituindo em separado, provoca reorganizações no funcionamento dos
sistemas linguísticos além de rupturas em processos semânticos estabilizados
(MARIANI, 2003, p. 74).
30

Nesse sentido, há um encontro da língua de colonização com as línguas existentes nas


regiões colonizadas, ao mesmo tempo em que há um desencontro da língua colonizadora
consigo mesma, já que ocorrem mudanças durante esse contato, que constroem uma língua
nacional diferente daquela falada na metrópole.

Nesse embate entre os diferentes povos e línguas, é preciso que se encontrem meios
para justificar a dominação e subjugação dos colonizados e, para isso, língua e religião
aparecem como aspectos fundamentais na construção de uma ideia de superioridade do
europeu com relação aos outros grupos. Sobre esse fato, Darcy Ribeiro (1995), discorrendo
sobre a colonização portuguesa no Brasil, descreve os portugueses como homens que

[...] continuaram crendo que cumpriam uma destinação cristã de construtores


do reino de Deus no novo mundo, de soldados apostólicos da cristandade
universal. Logo compuseram uma teologia alucinada e messiânica, que via
na expansão ibérica, com a sucessiva descoberta de dilatadas terras ignotas e
de incontáveis povos pagãos, uma missão divina que se cumpria passo a
passo (RIBEIRO, 1995, p. 58).

O mesmo ocorre com relação aos povos africanos. Na obra Chronica do


descobrimento e conquista de Guiné, de Gomes Eanes de Azurara (1841), o teor salvacionista
da colonização é ressaltado em diversos momentos, como no seguinte trecho:

Ouço as preces das almas inocentes daquelas bárbaras nações, em número


quase infindo, cuja antiga geração desde o começo do mundo nunca viu luz
divinal, e pelo teu engenho, pelas tuas despesas infindas, pelo teu grande
trabalho, são trazidas ao verdadeiro caminho da salvação, as quais lavadas na
água do batismo e ungidas pelo santo óleo, soltas desta miserável casa,
conhecem quantas trevas jazem sob a semelhança da claridade dos dias de
seus antecessores (AZURARA, 1841, p. 9-10).

Assim, a conversão dos “bárbaros”, tanto na América quanto em África, se daria,


então, por meio da língua. Entretanto é importante ressaltar sobre o início do processo de
colonização, não só portuguesa como também espanhola, o seguinte fato:

Essa difusão das línguas ibéricas tem características particulares nesse


momento histórico, anteriormente à constituição dos Estados-nação, quando
as línguas dominantes ainda não são instrumento políticos de criação de
cidadania, isto é, quando ainda não são vistas como línguas nacionais, mas
exclusivamente como instrumentos de poder e signos de distinção que não
precisam estar ao alcance de todos. A justificativa ideológica para a
colonização nesse momento é de base fundamentalmente religiosa, ligada à
expansão do catolicismo, e a construção discursiva de uma ideia de unidade
com os territórios conquistados se centra, sobretudo na noção de “raça”,
embora seja essa uma raça mestiça capaz de fundar uma nova realidade
(LAGARES, 2018, p. 97).
31

Especificamente, com relação à língua portuguesa e colonização no Brasil, Diego


Barbosa da Silva (2013, p. 33) afirma que:

[...] a expansão linguística da língua portuguesa não se resume apenas a uma


exploração bruta dos povos indígenas, mas também impõe uma visão de
mundo, que carrega consigo uma imposição de valores, religião, modo de
pensar, imposição da língua, uma violência simbólica, marcada por uma
ideia valorativa de superioridade europeia em oposição a uma inferioridade
dos povos indígenas.

Ainda que a citação anterior se refira apenas ao indígena, é possível fazer uma
transposição desses aspectos à colonização do continente africano pelos portugueses, já que se
caracterizou por um procedimento similar ao descrito acima. Entretanto, algumas
particularidades das duas colonizações trouxeram consequências linguísticas distintas às
regiões. Uma delas é o surgimento de línguas crioulas de base portuguesa nos países
africanos, fenômeno que não aconteceu no Brasil.

O surgimento das línguas crioulas está diretamente associado à colonização. Nesse


processo, caracterizado pelo genocídio das populações originárias dos países colonizados (no
caso da América) e sequestro das populações com forçada migração para outro continente (no
caso da África), além de outras diversas formas de violência, entre elas as violências cultural e
simbólica (BOURDIEU, 1989), que se caracterizaram por, entre outros elementos, a
imposição da língua do colonizador, diversas línguas autóctones desapareceram. Os pidgins e
as línguas crioulas surgem a partir desse contato entre os diferentes povos e da necessidade de
comunicação entre eles.

Tanto o crioulo quanto o pidgin possuem uma simplicidade estrutural e seu surgimento
está relacionado à marginalização de um grupo (sobretudo as línguas crioulas, já que a
pidginização é um processo mais abrangente no qual nem sempre haverá uma relação
dissimétrica entre seus falantes), que precisa encontrar uma maneira de se comunicar nesse
contexto marcado por diversas formas de opressão. Desta forma, podemos afirmar que a
maioria das línguas pidgins e crioulas se formou em situações de extrema violência social, das
quais restam pouquíssima documentação e registro histórico, até porque, em muitos casos
ocorriam na clandestinidade. Por conta disso, as sociedades crioulófonas assim formadas
foram vítimas de todo tipo de preconceito e discriminação, quando não se mantiveram em
grande isolamento, sendo totalmente ignoradas pela cultura oficial e pela ciência
(LUCCHESI, 2019).
32

O linguista explica, nesse mesmo texto, uma das hipóteses para o surgimento de uma
língua crioula. Segundo ele, o tempo de interação entre os grupos de contato traz diferentes
resultados linguísticos que podem gerar um jargão, um pidgin ou uma língua crioula. O jargão
seria o resultado de uma interação efêmera e se limitaria a um pequeno vocabulário em
comum entre os grupos que seguem utilizando a gramática de sua língua nativa. Se o contato
entre eles se prolonga, esse pequeno vocabulário se torna insuficiente e é necessário que se
desenvolva uma mínima estrutura gramatical. Surge, então, um pidgin. Esse pidgin pode
desenvolver-se ainda mais tornando-se um pidgin expandido com uma estrutura gramatical
menos precária, o que faz com que esta língua se assemelhe a qualquer outra língua humana
(LUCCHESI, 2019).

A partir do momento em que estas populações em contato formam uma nova


comunidade com características culturais e linguísticas próprias e distintas das comunidades
das quais se originaram, o pidgin passa por um processo de nativização, já que as crianças que
nascem nessas comunidades aprendem esse pidgin como língua materna. Dessa forma, a
nativização dos pidgins dá origem às línguas crioulas, que, diferentemente deles, são línguas
maternas da maioria de seus falantes. Assim:

[...] a pidginização/crioulização (doravante P/C) só ocorre quando condições


sócio-históricas específicas determinam um grau tão elevado de segregação
da população dominada, que possibilitam essa redução/reestruturação na
assimilação por parte dessa população dominada da língua do grupo
dominante que ela é obrigada a adotar como meio predominante de
comunicação verbal (LUCCHESI, 2019, p. 229).

Bickerton (1981) apresenta distintas situações de gênese da língua crioula que


corroboram o fato de que o surgimento de tais línguas está ligado a um contexto de
marginalização e isolamento de um grupo, como aconteceu em muitas regiões do Caribe: o
crioulo de plantação, o crioulo de quilombo e o crioulo de forte são exemplos onde os povos
escravizados viviam em uma situação de isolamento com pouco contato com a língua do
colonizador. Nas regiões de plantation ainda havia o contato com os colonizadores, entretanto
havia uma quantidade ínfima destes com relação à quantidade de grupos escravizados, fato
que dificultou a propagação da língua de superestrato.4

Semedo (2011) explica como o processo de crioulização ocorreu em Guiné-Bissau,


um dos países parceiros da Unilab. Segundo ela, a presença colonial na região proporcionou o

4
Língua de superestrato é a língua do grupo dominante. Para saber mais, ler Lucchesi e Baxter (2009).
33

surgimento de um grupo chamado “filhos da terra”, formado por filhos de uniões entre
colonizadores e nativos. Esses “filhos da terra” foram os grandes propagadores do guineense,
ou crioulo de Guiné-Bissau. A pesquisadora afirma que “as praças (ou prasas), ainda
incipientes centros urbanos marcados pela presença do invasor português e onde a
necessidade de mútua compreensão entre os nativos e os estrangeiros obrigou a um meio de
comunicação híbrido” (SEMEDO, 2011, p. 12), foram locais de desenvolvimento do que
posteriormente seria a língua guineense, o idioma mais falado no país, hoje. Assim:

A cultura e a tradição guineenses, em contato com culturas europeias e


grupos vindos de outros cantos do continente africano, abrem-se, dando
espaço tanto ao nascimento de uma nova língua, o guineense ou o crioulo da
Guiné-Bissau, como ao surgimento dos “filhos da terra”, mestiços
resultantes de relações maritais entre brancos e mulheres africanas, as então
chamadas tongomas. Esses fatos se vão somar à multiplicidade étnica e
linguística num território sob a administração colonial que impõe sua
presença pela força das armas (SEMEDO, 2011, p. 15).

Esse processo de crioulização não ocorreu no Brasil, pelas características particulares


da colonização ocorrida aqui. O maior contato entre os dominadores e os dominados
possibilitou aos povos escravizados a aprendizagem do português. Mesmo a sociedade
nordestina que mais se aproximou das sociedades de plantação do Caribe, apresentou uma
estrutura social distinta, já que não havia, como nas comunidades de plantação caribenhas,
poucos colonizadores para um grupo grande de colonizados. Ademais, a onda migratória de
portugueses no ciclo do ouro e, posteriormente, o deslocamento das populações mais pobres
para os centros econômicos, favoreceu a “homogeneidade” da língua no país.

Vale ressaltar que o fato de, no Brasil, ter havido uma maior proximidade entre
colonizadores e populações escravizadas não diminuiu o processo violento desta relação,
ainda que a falácia da democracia racial tenha consolidado a falsa ideia de uma colonização
mais amistosa dos portugueses em território brasileiro. Com relação a esta questão, Abdias
Nascimento (2016, p. 59) afirma:

Durante séculos, por mais incrível que pareça, esse duro e ignóbil sistema
escravocrata desfrutou a fama, sobretudo no estrangeiro, de ser uma
instituição benigna, de caráter humano. Isto graças ao colonialismo
português que permanentemente adotou formas de comportamento muito
específicas para disfarçar sua fundamental violência e crueldade.

Desta forma, o contato entre as línguas dos colonizadores e dos colonizados, aqui,
trouxe consequências como a simplificação morfológica, que é também uma das
34

características apresentadas pelas línguas crioulas, porém essa característica, apenas, não é
suficiente para que ocorra o processo de crioulização. Segundo Lucchesi e Baxter (2009), o
que ocorreu com o português brasileiro foi uma transmissão linguística irregular que marcou a
língua com aspectos não só lexicais, mas também morfológicos e sintáticos das línguas
africanas:

A dominação física e a sujeição espiritual implicou a submissão linguística


de indígenas aculturados e africanos escravizados, de modo que os
descendentes destes últimos foram abandonando a língua de seus
antepassados e adotando como materna a língua do colonizador, conquanto
guardassem as marcas de sua aquisição imperfeita e nativização mestiça
(LUCCHESI, 2015, p. 23).

Portanto, não se chegou a formar uma nova língua. As formas típicas do português
popular têm origem nesse contato entre colonizadores e colonizados no período colonial, e,
por remeterem aos africanos escravizados, são estigmatizadas, corroborando com o que o
autor chama de racismo linguístico.

Essa breve exposição sobre as línguas crioulas é relevante para a investigação, pois
essas línguas são usadas de forma recorrente no ambiente da Unilab, sobretudo, pelos
estudantes que não dominam a variedade do português falada no Brasil. Diante do exposto,
podemos constatar que o colonialismo operou na língua e através dela para racializar as
relações entre os povos. Gabriel Nascimento expõe este fato no trecho abaixo, ao explicar
sobre as ideias que fundamentam seu livro Racismo linguístico:

Uma vez que admitimos que o racismo está na estrutura das coisas,
precisamos admitir que a língua é uma posição nessa estrutura. Em minha
hipótese principal aqui, entendo que o racismo é produzido nas condições
históricas, econômicas, culturais e políticas, e nelas se firma, mas é a partir
da língua que ele materializa suas formas de dominação (NASCIMENTO,
G., 2019, p. 19).

Dessa forma, vemos que a colonização permitiu a criação de um olhar racializado, em


que o branco, por ditar o que se entende por universal, marcou o não branco (negro, indígena,
asiático) como o diferente/subalterno/inferior, e a si mesmo como a norma. Por isso, ele
mesmo não se identifica quando se fala sobre raça, ainda que também faça parte dessa
racialização, pois, para ele, a raça é o outro.

Essa visão de mundo acabou se tornando a realidade por um longo tempo, por meio da
construção de um discurso eurocêntrico construído através da língua, até que novos estudos
emergiram trazendo outros paradigmas e contestando essas “verdades”. Entre tantas
35

“verdades” estabelecidas, os diferentes conceitos de raça moldaram as relações entre os


povos, permitindo com que, até hoje, tais relações se deem de maneira desigual e violenta.

Portanto, refletiremos, a seguir, sobre as mudanças nos discursos sobre raça ao longo
da história para entender como, a partir deles, os grupos dominantes encontram meios por
onde seguir com seu projeto de dominação.

1.3 A IDEIA DE RAÇA ATRAVESSANDO AS RELAÇÕES DESDE A MODERNIDADE


ATÉ A ATUALIDADE

Ou a sociedade é democrática para todas as raças e lhes confere igualdade


econômica, social e cultural ou não existe uma sociedade plurirracial democrática.
(Abdias Nascimento, 2016, p. 19).

Como vimos anteriormente, a construção do campo dos estudos linguísticos e sua


validação como conhecimento científico se relacionou diretamente à percepção do europeu
sobre si e sobre o outro. Nesse contexto, a colonização foi um acontecimento histórico
fundamental para que se estabelecesse uma perspectiva de mundo cuja referência era o
homem branco europeu. Essa perspectiva hierarquizou os diferentes povos e criou a ideia de
raça, e a língua foi um dos instrumentos por onde essa visão de mundo se consolidou.

Inicialmente, a forma encontrada pelos povos dominadores de justificar seu sentimento


de superioridade diante dos povos explorados estava na ausência da crença no deus cristão.
Nesse momento, a ideia de raça ainda não existia. Porém, conforme o processo de colonização
se aprofundava e as relações sociais, políticas e econômicas se construíam de maneira
assimétrica, tornou-se condição imprescindível ao modelo de sociedade que se estabelecia,
uma justificativa para que tais diferenças se dessem.

A diferenciação por raças torna-se, então, o argumento ideal. Quijano (2010) chama
este fenômeno de racialização das relações de poder. Segundo ele, “a ‘cor’ da pele foi
definida como marca ‘racial’ diferencial mais significativa, por ser mais visível, entre os
dominantes/superiores ou ‘europeus’, de um lado, e o conjunto dos dominados/inferiores ‘não
europeus’, de outro” (QUIJANO, 2010, p. 119-120). Nilma Lino Gomes (2012) explica,
dialogando com a perspectiva pós-colonial, como o conceito de raça é estrutural e estruturante
da formação da América Latina, sobretudo do Brasil, visto que, muito antes de se ancorar na
ciência, tal conceito foi sendo construído como uma ideia, uma representação social. Hall
(2003), sobre a ideia de raça, completa que:
36

Conceitualmente, a categoria "raça" não é científica. As diferenças


atribuíveis à "raça" numa mesma população são tão grandes quanto aquelas
encontradas entre populações racialmente definidas. "Raça" é uma
construção política e social. É a categoria discursiva em torno da qual se
organiza um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão —
ou seja, o racismo (HALL, 2003, p. 69).

Em uma pesquisa mais atual, Silvio Almeida (2019), no livro Racismo Estrutural,
explica que a ideia de raça como um elemento que diferencia seres humanos surge a partir da
modernidade e que esta palavra não tem um significado fixo, mas, pelo contrário, seus
sentidos são fluidos e vão mudando de acordo com o momento histórico.

O autor segue explicando que tal conceito foi fundamental durante a formação dos
Estados nacionais, visto que, para que as nações se constituíssem como tal, era necessário que
houvesse entre seus cidadãos o sentimento de identificação e pertencimento cultivado por
meio do compartilhamento da mesma língua, cultura, religião, etnia, entre outros fatores.
Dessa forma, Almeida (2019), baseando-se em Mbembe (2018), explica que as novas nações
se construíam, também, a partir de “um discurso sobre o outro, tornando racional e
emocionalmente aceitável a conquista e destruição daqueles com os quais não se compartilha
a mesma identidade” (ALMEIDA, 2019, p. 103).

Mbembe (2014) mostra que, até hoje, essa ideia de nacionalismo se mantém,
entretanto operando por meio de outra dinâmica. De acordo com ele, a lógica racial volta a
configurar a consciência contemporânea a partir da política de securitização implantada pelos
países capitalistas. A propagação do medo do outro, reforçada pela ameaça terrorista, justifica
o controle excessivo dos corpos e, neste processo, uns são mais controlados que outros:

A reativação da lógica da raça é indestrinçável da escalada em força da


ideologia securitária e da instalação de mecanismos com vista a calcular e
minimizar os riscos, e a fazer da proteção a moeda de troca da cidadania
(MBEMBE, 2014, p. 47).

Deste modo, as nações reforçam cada vez mais os sentimentos de nacionalismo e


patriotismo dos cidadãos, tornando as fronteiras limites que devem ser protegidos a todo
custo. Ao alimentar esta forma de pensar o “outro” como o perigo iminente, as diferenças
entre os povos são salientadas e se intensificam os discursos de ódio, a xenofobia e o racismo
com o aval dos Estados.

Se o Estado securitário concebe a identidade e o movimento dos indivíduos


(isto é, dos seus cidadãos) como fontes de perigo e de risco, a generalização
do uso de dados biométricos como fonte de identificação e automatização do
37

reconhecimento facial terá como objetivo constituir uma nova espécie da


população com predisposição para o distanciamento e o enclausuramento. É
assim que, no contexto de uma escalada antimigratória na Europa são
indexadas categorias inteiras da população, depois submetidas a diversas
formas de consignação racial (MBEMBE, 2014, p. 50).

No Brasil, vemos que esta política de Estado que cultiva o medo do outro, a qual
Mbembe (2014) se refere, age não só contra o cidadão que vem de fora (e aqui, é importante
salientar que a xenofobia, em nosso país, se pratica contra estrangeiros de países cuja
população é, em grande parte, composta por negros e/ou indígenas, tais como países do
continente Africano e da América do Sul, como Bolívia e Venezuela), mas também contra
uma parcela de seus próprios cidadãos. A população carcerária brasileira, composta
majoritariamente por pessoas negras, os assassinatos constantes de jovens negros de periferia,
o aumento da violência contra a mulher negra e a invisibilização da população indígena
comprovam este fato.

Portanto, como se pode perceber a partir desses dados, “raça” é uma invenção
construída na linguagem e seus efeitos marcam de distintas maneiras as vidas dos diversos
grupos étnicos. Criado pelo homem branco, este conceito se firmou trazendo novas
identidades sociais (índio, negro, mestiço), sempre a partir da identidade que se vê como
universal. Esse processo cria marcas que afetam a vida de todos os grupos, entretanto, a
categoria “branco”, por ditar o padrão e se universalizar, não é marcada negativamente como
o negro e o indígena.

Gabriel Nascimento (2019, p. 109), já citado algumas vezes nesta investigação, reforça
a necessidade de que racializemos o branco “em seu discurso totalizante”, pois só desta
forma, a branquitude “conseguirá se ver no seu próprio espelho”. Ele complementa e dá um
exemplo pertinente relacionado à língua, afirmando que:

Não racializar é evitar o desnudamento dessa identidade branca enquanto


identidade. É preciso sempre indicar quais variantes do mundo têm os
brancos como principais personagens. Se a língua real falada no Brasil é
afro-brasileira, como mostramos, a idealização de língua na boca dos setores
mais letrados é uma marca da identidade da branquitude brasileira, que, ao se
enxergar, procura se afastar de extratos mais racializados (por ela) da
sociedade, ainda que não consiga (NASCIMENTO, G., 2019, p. 109).

Sobre a ideia de branquitude, ressaltamos que é, também, uma invenção que se dá na


relação com outras raças. Cardoso (2011, p. 1) afirma que se trata de poder. Segundo ele, “a
identidade racial branca é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos e materiais palpáveis
38

que colaboram para reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e o do


racismo”. Ele complementa que:

A branquitude procura se resguardar numa pretensa ideia de invisibilidade;


ao agir assim, ser branco passa a ser considerado como padrão normativo e
único de ser humano. Considerar o branco como único grupo sinônimo do
ser humano, ou ser humano “ideal”, é indubitavelmente uma das
características marcantes da branquitude em nossa sociedade e em outras
(CARDOSO, 2011, p. 1-2).

Esse processo de universalização do branco, iniciado com a colonização, é reforçado


pela ciência posteriormente. No século XIX, a biologização da raça, buscou evidenciar
cientificamente a inferioridade dos não brancos, e este intento é crucial para que, mesmo com
todas as teorias tendo sido refutadas tempos depois, o discurso da inferioridade tenha se
cristalizado, causando, inclusive, problemas psicológicos na população negra até os dias de
hoje. Neusa Santos Souza (1983, p. 20) explica que mesmo com o fim da escravidão no
Brasil, elaborou-se todo um dispositivo de atribuições de qualidades negativas aos negros com
o objetivo de manter seu espaço de participação social nos mesmos limites estreitos da antiga
ordem social. Nesse sentido, a racialização dos corpos foi se aprimorando ao longo do tempo
e se tornou fundamental para a estruturação do sistema em que vivemos.

Gabriel Nascimento (2019) sintetiza bem como o signo raça afetou de formas
diferentes brancos e negros (e podemos dizer que não só negros, mas todos os não brancos):

Sempre que invocamos a noção de raça para projetar uma identidade positiva
a fim de enfrentar o racismo, não podemos esquecer ou negligenciar seu
papel enquanto signo criado e mantido pelo colonialismo. O poder colonial
foi perverso não apenas enquanto força estruturante, ao impor aos negros a
necessidade de branqueamento, seja para se assimilar ou resistir, mas como
uma força de mitificar a própria branquitude, impedindo que ela seja
concebida enquanto raça (NASCIMENTO, G., 2019, p. 76).

Portanto, afirmar a inexistência biológica de diferenças entre povos de distintas etnias,


não resolve a questão do racismo. É preciso pensá-lo como estruturante da sociedade em que
vivemos, “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo normal com que se
constituem as relações políticas, econômicas jurídicas e até familiares, não sendo uma
patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural” (ALMEIDA,
2019, p. 50).

Para finalizar esta reflexão, é importante dizer que existem diversos estudiosos,
brasileiros ou não, além dos que foram aqui citados, que pesquisam/pesquisaram sobre o
39

conceito de raça e suas consequências não só para o povo preto, mas também para toda a
sociedade. A principal ideia a ser enfatizada, para esta investigação, é a de que o conceito de
raça é visto, aqui, como uma construção histórica, social e cultural que segue excluindo
determinados grupos étnicos, mesmo com a refutação das teorias embasadas na biologia, e
que endossar o discurso de que as raças não existem contribui com a manutenção das relações
desiguais entre os povos. Sobre isso, Mbembe (2014, p. 20) afirma que “no intuito de
aprimorar a prática da discriminação, tornando a raça conceptualmente impensável, faz-se
com que cultura e religião tomem o lugar da biologia”.

1.4 PERSPECTIVAS TEÓRICAS EM DIÁLOGO: BUSCANDO A ECOLOGIA DOS


SABERES

Formar novos protagonistas do discurso acadêmico significa desafiar o monopólio


do poder de delimitação dos campos de conhecimento exercitado desde sempre por
uma elite minoritária. Assim abrem-se as perspectivas de inovação e criatividade.
(Elisa Larkin Nascimento, 2009, p. 28).

Para fazer uma análise crítica não só da linguística, mas também de todo o
conhecimento científico, buscamos dialogar com pesquisadores representativos de diferentes
perspectivas teóricas, com o objetivo de construir uma reflexão que coadune com nosso
propósito de pensar essas questões sem reproduzir aquilo que criticamos: um discurso
universalizante, que desconsidera a diversidade de pensamentos e saberes e que, portanto, não
contribui com uma sociedade mais justa e igualitária.

Nesse sentido, buscamos o diálogo com correntes de pensamento que questionam a


colonialidade, uma consequência direta das colonizações. Quijano (2010) a define como um
componente fundamental do padrão mundial de poder pautado no capitalismo, já que se
ampara na classificação racial/étnica da população mundial, hierarquizando não só a
economia, mas também os conhecimentos e os indivíduos. Walsh (2012) explica que a
colonialidade cruza todos os aspectos da vida das populações colonizadas, porém, em três
deles, ela se faz mais nítida: a colonialidade do poder, a colonialidade do saber e a
colonialidade do ser.

A colonialidade do poder se refere, justamente, a este estabelecimento de um sistema


hierarquizado pelo conceito de raça, que é usado como critério de distribuição, dominação e
exploração da população mundial. A colonialidade do saber se refere ao uso do eurocentrismo
como padrão de todo o conhecimento produzido e, também, como padrão de pensamento, a
40

partir da desqualificação e invisibilização de outras racionalidades epistêmicas. E, finalmente,


a colonialidade do ser diz respeito à inferiorização e desumanização dos povos explorados
(WALSH, 2012, p. 67-68)

Algumas perspectivas teóricas buscam lançar um olhar sobre as questões da sociedade


levando em consideração todos estes aspectos que fundamentaram o pensamento moderno.
Dentro desse contexto, o pós-colonialismo e a perspectiva decolonial são teorias relevantes
para a elaboração de discursos alternativos ao hegemônico. Assim, cabe ressaltar que a
presente pesquisa busca um diálogo entre essas perspectivas, reconhecendo a relevância de
estudos de representantes de uma e de outra vertentes, por isso não se associa,
exclusivamente, a apenas uma delas.

O pós-colonialismo é uma perspectiva teórica que se propôs a criticar a modernidade a


partir de questões oriundas dos povos subalternizados. Já a perspectiva decolonial, apesar de
ter finalidades semelhantes, apresenta um intento de rompimento mais radical com a tradição
eurocêntrica, buscando afastar-se de teorias pós-modernas e pós-estruturalistas (com as quais
o pós-colonialismo dialoga), por se manterem na lógica eurocentrada. Grosfoguel (2010, p.
458), sobre este fato, afirma que:

[...] enquanto projetos epistemológicos, o pós-modernismo e o pós-


estruturalismo encontram-se aprisionados no interior do cânone ocidental,
reproduzindo, dentro dos seus domínios de pensamento e prática, uma
determinada forma de colonialidade do poder/conhecimento.

Portanto, a crítica à epistemologia pós-colonial está no fato de que, segundo


Grosfoguel (2010), a maioria de seus representantes optou por estudar sobre a perspectiva
subalterna ao invés de produzir com e a partir dessa perspectiva, não pensando mais
profundamente essa colonialidade como é a proposta dos estudos decoloniais. Contudo, é
importante salientar que:

Esta não é uma crítica anti-europeia fundamentalista e essencialista. Trata-se


de uma perspectiva que é crítica em relação ao nacionalismo, ao
colonialismo e aos fundamentalismos, quer eurocêntricos, quer do terceiro
mundo. (...) O que todos os fundamentalismos têm em comum (inclusive o
eurocêntrico) é a premissa de que existe apenas uma tradição epistêmica a
partir da qual pode alcançar-se a verdade e a universalidade
(GROSFOGUEL, 2010, p. 457).

Todavia, a perspectiva pós-colonial, apesar das limitações que apresenta, trouxe


importantes reflexões. Consideramos relevantes os estudos de diversos autores ligados a tal
41

perspectiva, entre eles, podemos citar Hall (2003), Fanon (2008) e Mbembe (2014), por
exemplo, que apresentaram trabalhos significativos para discussões de importantes questões
sociais, sobretudo a questão racial. Estes autores estão vinculados à vertente dos Estudos
Culturais, uma perspectiva pós-colonial composta por estudiosos de diferentes áreas do
conhecimento que se propuseram a fazer uma tradução cultural, desnaturalizando os
conhecimentos construídos a partir da ótica hegemônica.

Com relação ao conceito de decolonialidade, Walsh (2012) afirma que a


descolonização das mentes como pré-requisito para a transformação das estruturas sociais,
políticas e epistêmicas, não se dá de maneira imediata, mas sim, a partir de um processo longo
de conscientização. Desta forma, a autora sugere o emprego de tal termo, já que a proposta
dos estudos vinculados a essa vertente teórica vai além da simples negação da colonialidade,
convidando-nos não a negar, mas a transformar e superar esse padrão mundial de poder.

Portanto, tanto o pós-colonialismo quanto o decolonialismo, nesta investigação, são


relevantes para a superação do que Santos (2010) chama de pensamento abissal. O autor
afirma que o pensamento moderno é um pensamento abissal, já que a realidade social está
dividida em dois universos separados por uma linha imaginária que mantém, de um lado, as
sociedades metropolitanas e do outro, as coloniais. As sociedades consideradas coloniais, ao
Sul da linha, são as nações que foram submetidas ao colonialismo europeu, processo que se
caracterizou por várias formas de dominação, entre elas a dominação epistemológica.
Constituem o “sem lei” e são “o universo das crenças e dos comportamentos
incompreensíveis que de forma alguma podem considerar-se conhecimento, estando, por isso,
para além do verdadeiro e do falso” (SANTOS, 2010, p. 37).

Assim, o que se produz ao sul da linha é considerado irrelevante, logo não há um


diálogo entre estas formas de conhecimento, pois o norte estabelece a validade
epistemológica. O autor explica que “no campo do conhecimento, o pensamento abissal
consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o
verdadeiro e o falso” (SANTOS, 2010, p. 33), o que impede a coexistência de diversos
saberes, a chamada ecologia dos saberes, e fortalece o epistemicídio, que seria o apagamento
dos saberes não hegemônicos.

Gabriel Nascimento (2019, p. 23), acrescenta uma reflexão ao epistemicídio ao trazer a


questão do linguicídio, pois como o próprio afirma, “a língua é, como todo produto ou
42

subproduto criado pela colonialidade, um espaço de atuação do epistemicídio”. O autor reflete


sobre o fato de que é pela língua que um grupo social constrói e transmite seu conhecimento,
e ao ter o seu direito de falar a própria língua negado, nega-se toda sua forma de ver e
interpretar a realidade: o epistemicídio é linguicídio quando desapropria o sujeito de seu
próprio direito de produção do saber. Ou seja, quando ao sujeito negro ou indígena é negada a
possibilidade de ser sujeito da língua e, portanto, compreender e modificar dinamicamente a
língua (NASCIMENTO, G., 2019).

Desta forma, para superar o abismo existente entre norte e sul, é preciso resistência (e,
aqui, resistir será conscientizar-se para contestar a visão hegemônica) por parte dos povos do
Sul, pois, “a menos que se defronte com uma resistência ativa, o pensamento abissal
continuará a autorreproduzir-se, por mais excludentes que sejam as práticas que origina.
Assim, a resistência política deve ter como postulado a resistência epistemológica”
(SANTOS, 2010, p. 49).

Refletir sobre essas questões é relevante, pois questionar os discursos propostos pelas
teorias nas quais os diversos estudos se baseiam é uma forma de repensar a universalidade dos
saberes e possibilitar a ecologia deles. Uma ecologia de saberes é aquela que não se propõe a
um apagamento do pensamento eurocêntrico, pois reconhece sua relevância, mas que permite
um diálogo desse pensamento com outras formas de conceber a realidade.

Nesse sentido, os estudos pós e decoloniais (principalmente os decoloniais) trazem


importantes contribuições ao que sugere Boaventura de Sousa Santos: a produção de
“Epistemologias do Sul” como alternativas de resistência à epistemologia dominante, já que
“a diversidade do mundo é inesgotável e continua desprovida de uma epistemologia
adequada.” (SANTOS, 2010, p. 51).

Além dessas duas vertentes, trago, para reflexão, a abordagem epistemológica


denominada Afrocentricidade. Tal perspectiva faz referência “aos povos afrodescendentes em
todo o mundo e à metodologia multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar dos estudos
nesse campo” (NASCIMENTO, E., 2009, p. 33). Nesse sentido:

A principal indagação da afrocentricidade é se os padrões construídos pelo


Ocidente constituem crenças ou conhecimentos a respeito de povos e
culturas africanos e diaspóricos, de sua filosofia e experiência de vida. A
crítica afrocentrada verifica que, em grande parte, o Ocidente postula como
conhecimento um conjunto de crenças que sofrem distorções oriundas do
43

etnocentrismo ocidental. O pensamento afrocêntrico investiga e propõe


novas formas de articular o estudo, a pesquisa e o conhecimento nesse
campo. Um primeiro e básico postulado da aforcentricidade é a pluralidade.
Ela não arroga, como fez o eurocentrismo, à condição de forma exclusiva de
pensar, imposta de forma obrigatória sobre todas as experiências e todos os
epistemes. Ao enfatizar a primazia do lugar, a teoria afrocêntrica admite e
exalta a possibilidade do diálogo entre conhecimentos construídos com base
em diversas perspectivas, em boa fé e com respeito mútuo, sem pretensão à
hegemonia. (NASCIMENTO, E., 2009, p. 30)

Desta forma, nota-se que a afrocentricidade se propõe a praticar a ecologia dos


saberes. Não é o objetivo, neste trabalho, fazer uma explanação mais aprofundada sobre a
história dos estudos afrocêntricos. Entretanto, é relevante que se contextualize, brevemente,
seu surgimento e suas principais características, com o intuito de explicitar sua relação com
esta investigação.

Segundo Finch III e Nascimento (2009), o conceito de afrocentricidade foi criado por
Molefi Asante no final do século XX, ainda que estudos com esta abordagem já existissem
antes do surgimento do conceito. Os autores afirmam que a vitória da revolução haitiana, no
século XIX, foi um marco que contribuiu com o crescimento desses estudos, considerados
verdadeiros atos de resistência à visão de mundo eurocêntrica. No século XIX, então, ativistas
do pan-africanismo articulam esse pensamento afrocentrado que começa a se estabelecer na
diáspora, sobretudo, no Caribe e nos Estados Unidos.

No século XX, com o surgimento das faculdades e universidades negras nos Estados
Unidos, proliferou-se o número de pesquisadores negros, apesar do contexto de extremo
racismo em que viviam os afrodescendentes no país. Suas pesquisas eram influenciadas pelas
correntes políticas em destaque na época, tais como o marxismo, o liberalismo capitalista, o
nacionalismo negro e o pan-africanismo. Entretanto, ainda que as ideias do nacionalismo
negro e do pan-africanismo dialogassem com alguns preceitos do marxismo, como a luta de
classes, com relação à questão racial, este diálogo não acontecia:

Embora se assumissem como aliados do movimento negro, ativistas e


intelectuais marxistas recusavam-se a realizar trabalhos específicos contra a
discriminação racial ou a organizar a população negra para se defender
politicamente como tal, alegando que isso significaria dividir a classe
operária. No âmbito internacional, a esquerda marxista relegava o
colonialismo, fonte principal dos males africanos, a segundo plano, mudando
sua posição teórica sobre o racismo e a discriminação racial de acordo com
interesses passageiros de alianças táticas. (FINCH III; NASCIMENTO,
2009, p. 48-49)
44

Assim, diversos intelectuais negros problematizaram as questões raciais, contribuindo


para as bases do que hoje se conhece como afrocentricidade. Entretanto, esses grupos de
estudiosos buscaram, com o tempo, construir um paradigma teórico que fosse mais
independente do marxismo e do liberalismo capitalista, visto que em diversos aspectos, essas
perspectivas não abarcavam a vivência do negro.

Asante (2009, p. 93) explica que a afrocentricidade “é um tipo de pensamento, prática


e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre
sua própria imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos”. Portanto, o
pesquisador enfatiza que o conceito de agência é fundamental dentro dessa perspectiva.
Segundo ele, a agência se refere à capacidade psicológica e cultural de avançar rumo à
liberdade humana. Nesse sentido, uma situação de desagência se refere a “qualquer situação
na qual o africano seja descartado como ator ou protagonista em seu próprio mundo”
(ASANTE, 2009, p. 95).

Dessa forma, nos interessa, para esta pesquisa, além do fato de pensar os saberes como
plurais e coexistentes sem hierarquizá-los, o conceito de agência, visto que se trata da tomada
de consciência de todo o processo construtor de realidade desigual em que vivemos, para, a
partir dessa conscientização, repensar nosso olhar para nós mesmos e para o mundo, buscando
transformá-lo. Mais uma vez, afirmamos que a linguagem e o discurso são fundamentais para
a construção dos novos paradigmas que se estabelecerão a partir desse agir consciente. Nesse
sentido, importa que nos perguntemos se as políticas propostas para os estudantes africanos da
Unilab possibilitam a agência desses estudantes sobre a realidade em que vivem ou os torna
meros aplicadores de propostas vindas de cima.

Assim, os estudos pós-coloniais, decoloniais e afrocentrados surgem a partir de uma


insatisfação com relação às teorias existentes. Com relação aos estudos linguísticos
especificamente, o perfil de trabalho mais crítico começa a surgir em resposta às teorias
estruturalistas. A partir desse momento, os estudos da área acrescentam aspectos relevantes à
discussão acerca de língua e linguagem ao considerar fatores históricos e sociais em suas
reflexões.

Diferentemente das teorias linguísticas tradicionais, fundamentadas pelo


estruturalismo e, portanto, pautadas na ideia de que as línguas são sistemas homogêneos e
45

abstratos, as investigações surgidas a partir do pós-estruturalismo não ignoram aspectos


históricos, sociais e culturais em suas análises.

Esta mudança no olhar sobre as línguas foi importante, pois o estruturalismo, ao


apartar a língua das práticas de linguagem e, consequentemente, de seu contexto histórico,
social, cultural (e acrescento também o contexto racial), construiu-se dentro de uma
perspectiva de mundo eurocêntrica, na qual, como já afirmamos anteriormente aqui, alguns
povos e suas línguas foram considerados primitivos e inferiores ao europeu. Bagno (2014)
afirma que, não só diversas línguas foram consideradas primitivas, mas muitas delas tiveram a
noção de língua negada e receberam o rótulo de dialetos. Esta visão persiste, já que, como não
se explicitou o fato de que as análises sobre os status das línguas do mundo se deram a partir
de uma estrutura desigual das sociedades, e que tais análises foram propostas por aqueles que
decidiam quais conhecimentos poderiam ser validados como verdadeiros, as ideias
transmitidas não foram questionadas por um longo tempo.

Gabriel Nascimento (2019, p. 17), no livro, já citado, Racismo linguístico, aponta as


limitações tanto do estruturalismo como do pós-estruturalismo, sem deixar de apresentar os
avanços do último. De acordo com ele, um dos grandes problemas do estruturalismo é “a
visão centrada numa objetividade científica dada à língua, em que ela passa a ser vista como
um sistema universal em que a própria historicidade do sujeito não é reconhecida como
produtora dos atos de linguagem.” Com relação ao pós-estruturalismo, o linguista afirma que:

[...] é uma teoria eurocêntrica que, ao passo que permite compreender os


problemas da linguagem no mundo contemporâneo, como observam as
estudiosas Woodward (2000) e Norton e Toohey (2011), limitam seu olhar
ao mundo europeu e ignoram a narrativas de resistência ao colonialismo e à
colonialidade (NASCIMENTO, G., 2019, p. 17-18).

Entretanto, o autor também apresenta como a teoria citada contribuiu para se pensar o
racismo na língua:

O pós-estruturalismo tenha talvez nos relegado as melhores pistas do papel


da língua no racismo, expondo, à luz do que Michel Foucault(2009) fez com
a história e a epistemologia (analisando profundamente os conceitos de
arqueologia e genealogia), as macroestruturas e microestruturas criadas pela
língua e na língua (NASCIMENTO, G., 2019, p. 18).

E, finalmente, mostra onde ambas as teorias acabam coincidindo:

Uma outra crítica qualitativa a essa visão pós-estruturalista é que ela também
subestima o papel do sujeito porque ignora muitas vezes que o próprio
46

sujeito está agindo através da língua. Ou seja, no tocante ao fato de enxergar


a língua como objeto em si e muitas vezes ignorar as experiências reais de
povos que resistiram à colonização, estruturalismo e pós-estruturalismo,
embora muitas vezes dicotomizados na teoria, parecem firmar posições
parecidas ao ignorar o selvagem processo de colonização dos não brancos ao
redor do mundo (NASCIMENTO, G., 2019, p. 18-19).

Dessa forma, Gabriel Nascimento (2019) mostra que, assim como o pós-colonialismo
se apresentou como crítica às teorias modernas, mas não superou muitos dos limites dessas
teorias, as correntes pós-estruturalistas, apesar de trazerem avanços às discussões e análises
sobre língua, tampouco superaram todos os conceitos e ideias criticados.

Assim, reforçamos que, nesta investigação, vemos a língua como campo de luta e
elemento fundamental de disputa de poder na sociedade e que, portanto, precisa ser analisada
a partir de abordagens teóricas que a vejam como tal. A Glotopolítica, nesse sentido, é uma
perspectiva que contribuirá com as análises que serão feitas.

1.5 A CONTRIBUIÇÃO DA ABORDAGEM GLOTOPOLÍTICA

Toda decisão que modifica as relações sociais é, do ponto de vista do linguista, uma
decisão glotopolítica. (GUESPIN; MARCELLESI, 1986, p. 1)

Após refletir sobre as questões anteriormente abordadas, faz-se necessário explicitar


de que maneira é possível tecer um diálogo entre as teorias apresentadas e a perspectiva
proposta pelo campo de estudos denominado Glotopolítica. Nesse sentido, discorre-se, no
presente capítulo, sobre as principais contribuições do campo, e de que forma esses estudos
contribuirão para a análise do objeto desta investigação.

Del Valle (2014, p. 90) afirma que, para os estudos glotopolíticos, a linguagem é
pensada como um âmbito da vida social suscetível de ser objeto da ação política (e aqui, é
cabível pensar não apenas no conceito de política governamental, mas também na
micropolítica das relações interpessoais). Com relação à política, Lagares (2018) ressalta a
importância de entendê-la como, essencialmente, participativa e democrática.

A Glotopolítica começa a ganhar força no final da década de 1980 com a publicação


do artigo “Pour la glottopolitique”, de Guespin e Marcellesi (1986), e apresenta uma
abordagem que contribui com um olhar diferenciado para a linguagem, ao romper com a
divisão entre o que é linguístico e o que é social. Lagares (2018, p. 35) afirma que Guespin e
Marcellesi, “ao verem ambas as dimensões integradas, convertem a glotopolítica num ponto
de vista que permite observar as consequências linguísticas de qualquer mudança social”.
47

Del Valle (2014, p. 92) também explica que a perspectiva glotopolítica se distancia
das teorias que analisam a linguagem como um sistema independente das práticas onde se
manifesta. Nesse sentido, ela é vista sob seus aspectos político e performativo, onde um
enunciado é observado “em contextos precisos e conectado a identidades e relações sociais
sempre em processo de negociação” (2014, p. 93). Guespin e Marcellesi (1986), no texto
citado anteriormente, explicam que a Glotopolítica refere-se às “diversas abordagens que uma
sociedade faz da ação sobre a linguagem, tenha ela ou não consciência disso” (GUESPIN;
MARCELLESI, 1986, p. 1), não se restringindo, portanto, às ações de política e planejamento
linguístico, que são casos particulares de glotopolítica, mas não os únicos. Essas ações podem
acontecer no âmbito da língua, da fala ou do discurso, o que torna este campo, segundo os
próprios autores, necessário para possibilitar a análise das consequências políticas dessas
intervenções dos falantes sobre a língua.

Elvira Arnoux (2000) explica que a Glotopolítica se refere às distintas formas em que
as ações sobre a linguagem participam na reprodução ou transformação das relações de poder,
além de abordar não só o conflito entre línguas mas também entre variedades e práticas
discursivas. A pesquisadora complementa esclarecendo que este campo de estudos:

[...] atende como marco social tanto às pequenas comunidades quanto às


regiões, os Estados, as novas integrações ou o planeta segundo a perspectiva
que se adote e o problema que se enfoque; e que, finalmente, pode
considerar não só as intervenções reivindicativas mas também aquelas
geradas pelos centros de poder como uma dimensão de sua política. Dessa
perspectiva, a análise deve se centrar tanto nas intervenções explícitas
quanto nos comportamentos espontâneos, a atividade epilinguística e as
práticas metalinguísticas, além de atribuir importância às representações
sociolinguísticas que as sustentam.5 (ARNOUX, 2000, p. 4, tradução minha).

Portanto, esta perspectiva nos permite analisar não só as políticas linguísticas de nível
macro, mas também as ações pensadas e produzidas (espontaneamente ou não) por membros
da comunidade acadêmica da Unilab. Dessa forma, ao entendermos que qualquer falante de
uma língua pode ser considerado um agente de glotopolítica, visto que a ação em quaisquer
dos âmbitos citados anteriormente (língua, fala, discurso) pode gerar efeitos diversos em

5
[…] atiende como marco social tanto a las pequeñas comunidades como a las regiones, los Estados, las
nuevas integraciones o el planeta según la perspectiva que se adopte y el problema que se enfoque; y que,
finalmente, puede considerar no solo las intervenciones reivindicativas sino también aquellas generadas por los
centros de poder como una dimensión de su política. Desde nuestra perspectiva, el análisis debe centrarse tanto
en las intervenciones explícitas como en los comportamientos espontáneos, la actividad epilingüística y las
prácticas metalingüísticas, más allá de que asigne importancia a las representaciones sociolingüísticas que las
sostienen (ARNOUX, 2000, p. 4).
48

diferentes níveis, concluímos que a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia


Afro-brasileira (Unilab) é um campo vasto para reconhecermos ações glotopolíticas.

Um primeiro exemplo é a inclusão da disciplina “Políticas Linguísticas” entre os


componentes curriculares dos cursos de graduação em Letras da instituição. Carioca e Soares
(2017), no artigo O ensino de políticas linguísticas na Unilab, justificam a presença da
disciplina por meio de diversos aspectos, entre eles, o fato de que a instituição abriga “um
contexto linguístico plural e único dentro do território brasileiro” (CARIOCA; SOARES,
2017, p. 55). As professoras seguem explicando que:

Ao estabelecer competências e habilidades que privilegiam a diversidade


linguístico-cultural através do ensino de políticas linguísticas, o egresso de
letras-língua portuguesa da Unilab tem em sua bagagem intelectual uma
complexidade de saberes que considera: a) a produção da identidade
linguística vista no cotidiano da vida escolar(ORLANDI, 1998); b) as bases
para uma política linguística das línguas minoritárias (ALTENHOFEN,
2013); c) as funções sociais da língua (CARIOCA, 2016); d)heterogeneidade
e tolerância na linguagem (FARIAS, 2015); e) plurilinguismo brasileiro
(ALTENHOFEN, 2013). (CARIOCA; SOARES, 2017, p. 60)

Elas também afirmam que a disciplina “está servindo para alavancar mudança de
postura em relação ao tradicionalismo do ensino da língua portuguesa nos países
representados em sala de aula” (segundo o artigo, este fato fica perceptível na fala dos
discentes) (CARIOCA; SOARES, 2017, p. 59) e que, por meio das reflexões feitas em aula,
os alunos compreendem que a própria criação da universidade faz parte de uma política
linguística de internacionalização do português. Dessa forma, a inclusão da disciplina (que,
segundo o artigo, só é ofertada na graduação de letras da Universidade Federal de São Carlos
e da Universidade Federal de Santa Catarina) possibilita aos discentes reflexões que alteram
sua percepção sobre as línguas, sobretudo, a língua portuguesa.

Outro exemplo de consequência glotopolítica do surgimento da universidade é a


criação da "Mandinga. Revista de estudos linguísticos”. Segundo o site, Mandinga é:

Um periódico que publica trabalhos inéditos de pesquisadores na área da


linguística ou com viés interdisciplinar que privilegie a perspectiva
linguística. É dada atenção especial a textos que abordem as múltiplas
variedades da língua portuguesa, bem como os recentes debates sobre
políticas linguísticas e sobre o papel da língua portuguesa no cenário
mundial. Com periodicidade semestral, a Mandinga – Revista de Estudos
Linguísticos recebe, em regime de fluxo contínuo, contribuições inéditas de
graduandos, graduados e pós-graduados na área da linguística, assim como
49

trabalhos que abordem questões relacionadas a políticas linguísticas para


internacionalização e promoção da língua portuguesa.6

É possível perceber que a temática central da revista (políticas linguísticas, variedades


da língua portuguesa e sua internacionalização e promoção) é consequência das discussões
linguísticas que acontecem na instituição. Assim, uma decisão de âmbito governamental como
a criação da universidade, trouxe consequências glotopolíticas ao contexto institucional: a
procura, pelos membros da comunidade acadêmica, por maiores reflexões acerca de questões
envolvendo a língua portuguesa.

Podemos citar mais um exemplo: a criação do grupo “Interlusofonia” (Grupo de


Pesquisa Interação e Diversidade Discursiva na Lusofonia - UNILAB). Tal grupo tem, entre
seus objetivos, a intenção de analisar os fatores linguísticos que prejudicam a
intercompreensão entre os falantes dos PALOP e Timor-Leste. De acordo com a fala de um
membro do grupo7, estes foram os trabalhos desenvolvidos até agora:

2014 - Análise descritiva dos aspectos linguísticos que prejudicam a


intercompreensão dos alunos estrangeiros da Unilab; 2015 - Análise
comparativa entre os aspectos linguísticos que prejudicam a
intercompreensão dos alunos estrangeiros e brasileiros da Unilab; 2016 -
Análise descritiva dos aspectos semântico-pragmáticos que prejudicam a
intercompreensão dos alunos guineenses da Unilab; 2017 - Análise
descritiva dos aspectos semântico-pragmáticos que prejudicam a
intercompreensão dos alunos timorenses da Unilab; 2018 - Análise descritiva
dos aspectos semântico-pragmáticos que prejudicam a intercompreensão dos
alunos santomenses da Unilab; 2019 - Análise descritiva dos aspectos
semântico-pragmáticos que prejudicam a intercompreensão dos alunos
moçambicanos da Unilab; 2020 - Análise descritiva dos aspectos semântico-
pragmáticos que prejudicam a intercompreensão dos alunos angolanos da
Unilab.
Os artigos e capítulos de livro publicados até agora foram: 2015 - Análise
descritiva dos aspectos linguísticos que prejudicam a intercompreensão dos
alunos estrangeiros da Unilab no gênero comentário (ISSN 0101-8051);
2015 - A evidencialidade na fala dos guineenses focalizando as dificuldades
da comunicação em língua portuguesa (ISSN 1984-6398); 2016 - As funções
sociais da língua e as políticas de difusão do Português no Timor-Leste
(ISSN 1678-460X); 2016 - A Carência de corpora para pesquisa e ensino no
contexto da integração internacional lusófona (ISSN 0101-8051); 2020 - A
Coesão nos textos dos estudantes timorenses da Unilab em relação à
concordância de gênero (ISBN 9786587212029).

Percebemos, pelos temas dos trabalhos desenvolvidos, que a questão da lusofonia


debatida pelo grupo está centrada na intercompreensão dos falantes dos diferentes países onde
a língua portuguesa é oficial. No artigo já citado anteriormente, sobre a inclusão da disciplina

6
Disponível em: http://www.revistas.unilab.edu.br/index.php/mandinga/about. Acesso em: 30 nov. 2020.
7
A identidade dos autores dos relatos não será divulgada.
50

Políticas Linguísticas na Unilab, este tema também aparece. As autoras afirmam que a
disciplina “se fundamenta nas variedades do português falado em diferentes países que têm
essa língua como oficial” (CARIOCA; SOARES, 2017, p. 53), pois tais variedades
“influenciam no processo de intercompreensão"(CARIOCA; SOARES, 2017, p. 55).
Portanto, de acordo com o texto:

[...] o ensino de políticas linguísticas serve de alavanca para a averiguação


das possibilidades metodológicas de aplicação dos recursos pedagógicos
adequados à melhoria do processo de intercompreensão pelos falantes
oriundos dos PALOP e do Timor-Leste que vem estudar no Brasil, sendo,
posteriormente, ponto de partida para a produção de material didático
específico para a orientação do ensino de português como língua adicional
(CARIOCA; SOARES, 2017, p. 57).

Todas essas reflexões que estão em curso na instituição geram outra consequência, que
é a alteração do status da variedade do português brasileiro e a disputa por hegemonia entre
esta variedade e a europeia. Não há dúvidas de que a criação da instituição traz vantagens ao
português do Brasil nessa disputa.

Sabe- se que:

A gestão de uma língua exige comissões, instâncias, ações e meios,


financeiros e editoriais, que são da ordem do político. Mas essa política tem
que ser iluminada por um conhecimento das práticas de linguagem nos
países implicados, necessária para uma definição negociada dos objetivos
(de manutenção, transformação, otimização). (MARCELLESI; GUESPIN,
1986, p. 10).

Portanto, a necessidade de um maior entendimento acerca da variedade brasileira do


português dentro da instituição e as reflexões geradas no ambiente acadêmico possibilitam
uma revisão nas dinâmicas normativas da língua e contribuem com uma mudança no status de
tal variedade, fato que facilita o processo de internacionalização da mesma. Desta forma, as
políticas linguísticas, ações e investimentos financeiros e editoriais nos países parceiros
podem se voltar para a variedade brasileira do português devido ao aumento da demanda por
sua aprendizagem.

Diante do exposto, entendemos que a abordagem glotopolítica coaduna com as visões


de língua e linguagem apresentadas neste trabalho, portanto seus estudos contribuirão para a
realização da análise dos documentos selecionados para esta investigação.
51

1.6 LUSOFONIA OU ILUSOFONIA?

Carlos Alberto Faraco (2016), em seu livro História sociopolítica da língua


portuguesa explica, com riqueza de detalhes, entre outros assuntos, como se construiu a
ideologia da lusofonia como um território idealizado e sem fronteiras, composto pelos países
falantes da língua portuguesa. Segundo essa ideologia, tais países compartilhariam, além da
língua, elementos culturais e históricos.

Segundo Faraco (2016), Portugal, ao longo dos anos, buscou diferentes formas de se
manter como uma grande nação e perpetuar a ideia de que o país era muito maior que suas
fronteiras, retomando sempre os grandes feitos de uma época em que, verdadeiramente, os
portugueses controlavam boa parte do comércio marítimo de diferentes continentes e tinham,
portanto, grande importância nas relações internacionais. Inicialmente, a defesa dessa ideia se
pautou nas “conquistas” de outros povos sob justificativa de levar a fé cristã a essas nações e,
posteriormente, essa busca pela formação de um império português aconteceu com a tentativa
de criação de um império cultural onde a língua seria instrumento fundamental para
concretização de tal intento. Sobre esse processo, fica evidente que a discussão em torno da
lusofonia e das questões que dizem respeito aos países falantes de português e suas políticas
linguísticas envolvem “os portugueses e o sentimento nacional marcado pelo histórico
imaginário mitológico e seu papel civilizatório” (SILVA, 2013, p. 79).

Em Lusofonia: utopia ou quimera? Língua, história e política, Faraco (2012) já


problematizara o termo lusofonia e sua construção polissêmica. Naquele texto, o autor explica
as diferentes formas como se entende tal conceito. Uma primeira visão, de uso mais descritivo
do termo, refere-se, apenas, ao conjunto de falantes de português no mundo, sem qualquer
implicação política e de valor. Uma segunda visão abarca a ideia de pertencimento a uma
“comunidade transnacional e intercontinental unida pelo imaginário da mesma língua e de
tudo que o acompanha” (FARACO, 2012, p. 32). Há, também, a visão de lusofonia como uma
proposta de projetos políticos diversos envolvendo os países nos quais se fala a língua
portuguesa, e, finalmente, a ideia de:

LUSOFONIA como o projeto de congregar todos os países de língua


portuguesa, mais a Galiza e as diversas diásporas de fala portuguesa, na
construção de políticas linguísticas que permitam uma gestão coletiva da
língua com vistas à sua promoção, seja no interior do bloco (em que ela é, na
maioria dos países, minoritária, embora oficial), seja globalmente
(FARACO, 2012, p. 32).
52

Na prática, com relação à língua portuguesa, o que mais vemos são ações pontuais
partindo dos países onde o português é a língua hegemônica: Portugal e Brasil, já que, toda
essa idealização que envolve o conceito de lusofonia não reflete a realidade dos países
lusófonos, visto que esses povos não partilham nada além da língua (quando a partilham, de
fato).

Brito (2013) afirma que a comunidade dos países falantes do português não é coesa e
apresenta uma realidade desigual. Segundo ela,

É necessário ter clareza quanto aos papéis distintos que a língua portuguesa
forçosamente cumpre em cada localidade; pensar a lusofonia é, igualmente,
considerar a função e o papel que o português desempenha em cada um dos
contextos de sua oficialidade (BRITO, 2013, p. 57).

Nesse sentido, é preciso ressaltar que esse termo e todas as questões que a ele se
referem, são discutidos, primordialmente, em Portugal. Com relação a esse fato, Faraco relata
que:

O discurso mais recente, corporificado sob o termo lusofonia, tão presente no


contexto português, não consegue, em nenhuma de suas dimensões, alcançar
ressonância nos demais países de língua oficial portuguesa: é praticamente
inexistente no Brasil e é visto com grandes suspeitas nos países africanos
(FARACO, 2016, p. 315).

O autor segue explicando que, mesmo sendo praticamente inexistente no Brasil, o


discurso sobre a língua portuguesa, quando aparece, tanto no aqui quanto na Europa, é
carregado de idealizações e de uma imagem romantizada, que nos remete ao lusotropicalismo:

Nesse discurso de exaltação e celebração, não há, evidentemente, espaço


para uma leitura crítica da exploração colonial. Ou do papel central que os
luso-brasileiros ( a par de governantes africanos) exerceram no tráfico
internacional de escravos durante trezentos anos; não há espaço para discutir
o estado de imensa miséria social, econômica e cultural em que se
encontravam, no momento da independência, os territórios africanos e
asiáticos que estiveram sob o domínio português; não há espaço para deixar
visíveis a ideologia e as práticas racistas do colonialismo português na
África; não há também espaço para compreender a heterogeneidade dos
diferentes países, salvo se ela puder ser reduzida ao exótico e devidamente
folclorizada (a culinária, por exemplo); e, mais ainda, não há espaço para se
reconhecer e discutir o fato de que a língua portuguesa funciona socialmente
também como forte fator de discriminação e exclusão nas sociedades em que
é falada (FARACO, 2016, p. 316).

Ponso (2014) afirma, com relação à língua portuguesa nos países do continente
africano, que:
53

Até a independência, o estatuto do português nos PALOPs era o de língua de


colonização e de dominação. As marcas com que se construiu esse estatuto
de dominância, de legitimidade, de prestígio - e ao mesmo tempo de
opressão - constroem lugares na memória linguística na população (PONSO,
2014, p. 57).

Mais adiante, ela acrescenta que “o status de que goza certa língua ou certa variedade
linguística pode implicar a legitimação de certos discursos e o silenciamento de outros,
proferidos em outras línguas, em outras variedades - não autorizadas, não hegemônicas, não
normativas, não letradas” (PONSO, 2014, p. 58). Essas afirmações ajudam a pensar no caso
da lusofonia Afro-Brasileira, proposta pela Unilab. Para além da idealização, é preciso
considerar todo este processo linguístico pelo qual passam os países africanos em que o
português se tornou língua oficial, e agir no sentido de se propor políticas linguísticas para a
instituição que contemplem as realidades plurilingues dessas populações.

Marcos Bagno (2020), em texto publicado no site da Parábola editorial8 (cujo título
me inspirou ao intitular o presente capítulo), com o intuito de falar sobre o dia mundial da
língua portuguesa, discorre sobre a real situação da nossa língua no mundo e mostra como a
atual crise política do Brasil contribui com a desvalorização do idioma. No trecho abaixo, ele
traz informações que nos ajudam a pensar no fracasso deste mundo lusófono idealizado:

O português, de todas as línguas europeias que serviram de veículo para a


colonização, a espoliação, o genocídio e a escravização de outros povos
durante séculos, é a que tem menos instrumentos linguísticos a seu dispor
para uma divulgação efetiva e para o ensino como língua segunda. Inglês,
francês e espanhol dispõem de uma riquíssima produção de dicionários (de
todos os tamanhos, tipos, formatos e cores; para os mais diferentes públicos-
alvo), de livros didáticos para o ensino da língua, muitos produzidos por
órgãos governamentais dedicados a isso. O que existe em português,
especialmente o português brasileiro, é muito pouco e muito ruim. Das ex-
colônias portuguesas, só o Brasil não encabeça a lista dos países mais pobres
do mundo, a maioria deles dependentes da ajuda internacional para
sobreviver. Nesses países, como bem se sabe (e o ufanismo tenta esconder),
o português é língua oficial, sim, mas minoritária e reservada às
reduzidíssimas elites nacionais que têm acesso à educação formal. Portanto,
essas estatísticas glorificantes que dizem que o português é "falado" em
todos os continentes por 250 milhões de pessoas têm de ser olhadas com
muita desconfiança: quantas pessoas na África realmente têm plena
competência no uso da língua do ex-colonizador?

Os questionamentos e reflexões trazidos refletem a real situação da língua portuguesa


no mundo e, nesse sentido, é relevante pensar se e como a Unilab contribui para a mudança ou

8
Disponível em: https://www.parabolablog.com.br/index.php/blogs/ilusofonia?fbclid=IwAR13s1u-kAgh-
zkkGVdA6XVs73-2VAqdslgLMv8AQfeCLZC4Qw0AWvK99xQ. Acesso em: 30 nov. 2020.
54

a manutenção desse olhar idealizado sobre o português e a lusofonia. A partir da análise dos
documentos que fazem parte do corpus, será possível identificar se o termo Lusofonia Afro-
brasileira evoca novos questionamentos, reforça a idealização de um tipo de relação especial
entre os falantes da língua portuguesa, ou é esvaziado, não significando nada além do que o
compartilhamento do idioma por esse grupo.

1.6.1 A Lusofonia na Unilab

Para que possamos compreender melhor a questão da lusofonia na Unilab, é


importante conhecer um pouco mais o contexto da sua criação. Como já foi dito na introdução
desta investigação, a universidade surge como uma das estratégias geopolíticas do país, a
cooperação Sul-Sul, durante o Governo Lula (2003-2010).

Faraco (2016) aponta que o Brasil começou a pensar na possibilidade de ampliação


das relações Sul-Sul na década de 1960, no governo de Jânio Quadros, com a Política Externa
Independente (PEI). Tal pensamento se fortaleceu no governo do general Ernesto Geisel
(1974-1979) com a implementação de diferentes ações no continente africano e na Ásia. A
partir da década de 1990, a proposta de mudar seu papel na política externa e alcançar um
maior prestígio geopolítico com países não pertencentes aos blocos hegemônicos ganhou mais
destaque, o que tornou a aproximação com países da América Latina e África o caminho para
cumprir tal objetivo. Naquele momento, a criação do Mercosul e da CPLP se apresentou
como estratégia ideal para colocar essas intenções em prática. Já no governo Lula (2003-
2010), esta ideia volta a ganhar espaço, e a criação da Unilab está entre as ações efetivadas
para sua concretização.

A CPLP é uma organização internacional, com sede em Lisboa, criada em 1996 como
resultado de uma reaproximação portuguesa com suas ex-colônias, após o país já estar
integrado à União Europeia. Formada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné
Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, a organização se
volta para “o cumprimento de três grandes objetivos: a concertação político-diplomática, a
cooperação em todos os domínios e a promoção e difusão da língua portuguesa (FARACO,
2016, p. 303)”.

Sua criação não foi alvo de interesse do Brasil até o momento em que as questões
geopolíticas citadas anteriormente impulsionaram a aproximação. Para os países dos PALOP,
a CPLP tampouco foi alvo de interesse, visto que tais nações não viam em Portugal uma
55

parceria que pudesse contribuir com seu desenvolvimento econômico, como outros países da
Europa poderiam. Sobre a cooperação entre os países pertencentes à comunidade, Faraco
(2016, p. 309) afirma que:

A cooperação nos vários domínios se mostra altamente limitada pelas


grandes disparidades econômicas e sociais entre os Estados-membros e pela
relativamente pequena capacidade de investimento de Portugal e Brasil- os
dois países com melhor situação econômico-social do bloco- no
desenvolvimento dos demais países. Quando muito se perdoam dívidas ou se
desenvolve um ou outro projeto de cooperação nas áreas sociais.

Com relação à promoção da língua portuguesa por esta comunidade, o autor,


refletindo de acordo com Barbosa da Silva (2013), conclui que há uma tendência a um
discurso homogeneizante sobre o português, o que contribui para que se reforce a falta de
identificação dos Estados-membros com a organização. Além disso, ele acrescenta que:

É importante também lembrar que a CPLP não pode sequer garantir a livre
circulação intracomunitária de cidadãos dos Estados-Membros. Não existe,
portanto, uma cidadania lusófona para além de um mero gesto simbólico sem
quaisquer efeitos jurídicos concretos (FARACO, 2016, p. 331).

A Unilab, através de seus documentos oficiais, reforça, em diversos momentos, a


importância da lusofonia e da cooperação entre os países da CPLP, como é possível ver neste
trecho do Plano de Desenvolvimento institucional:

Quanto à sua inserção em âmbito internacional, a universidade busca


integrar-se por meio da lusofonia e da identificação de problemas comuns,
para estabelecimento de cooperação técnica com os países parceiros e assim,
posiciona-se internacionalmente, promovendo a cooperação Sul-Sul, com o
objetivo fomentar a inovação junto aos países em desenvolvimento, por meio
da formação em recursos humanos (UNILAB, 2016, p. 14).

Não fica claro o que significa “integrar-se por meio da lusofonia”. Portanto, só
compreenderemos, de fato, o que a instituição entende sobre esse termo com a análise mais
detalhada da documentação referente às políticas pensadas para a universidade. Contudo, em
um primeiro momento, o que se nota é o uso do termo para reforçar o projeto político que se
pretendia implantar com a criação da Unilab. Buscaremos, portanto, refletir se o debate sobre
esta questão se aprofunda e como a comunidade acadêmica vê/compreende a lusofonia.
56

2ª PARTE: METODOLOGIA

2.1 A ESCOLHA METODOLÓGICA INICIAL

A proposta inicial deste trabalho era a de uma pesquisa etnográfica. Eu pretendia


passar um tempo na cidade de Redenção, onde se encontra um dos campi da Unilab, com o
objetivo de viver o dia a dia da instituição, e trocar experiências e saberes com a comunidade
acadêmica, além de observar as práticas linguísticas no ambiente universitário.

Estive no Campus de Redenção em 2018, para a 3ª Semana Internacional de Letras da


Unilab. Naquela ocasião, pude conhecer, minimamente, a rotina, alguns profissionais e
alunos, e as discussões linguísticas que circulavam ali. Conversei com estudantes de
diferentes cursos e nacionalidades sobre sua relação com a língua portuguesa dentro e fora da
instituição.

Figura 1 – Entrada principal da Unilab em Redenção, Ceará.

Fonte: Acervo próprio.


57

Figura 2 – Monumento Negra Nua, na entrada da Cidade de Redenção, em frente à Unilab.

Fonte: Acervo próprio.

Em conversa com os estudantes de Guiné-Bissau, um deles relatou que, em seu país,


quando um jovem fala português em uma conversa informal, é considerado arrogante, ou
aparenta querer mostrar que tem conhecimento, já que o português é visto como um idioma
que contribui com a ascensão social, pois abre portas para o contato com outros países
falantes do idioma. Tal forma de pensar constitui uma representação linguística relacionada ao
português, pois se trata de uma percepção da língua por parte de um falante, dado que “as
representações são constituídas pelos conjuntos das imagens, das posições ideológicas, das
crenças que têm os falantes com respeito às línguas” (CALVET, 2004, p. 167).

Por outro lado, segundo o mesmo aluno, o guineense é a língua de uso familiar, a
língua com a qual há uma relação afetiva. Outro dos estudantes afirmou que aprendeu
simultaneamente a língua de sua etnia e o crioulo ou guineense como primeiras línguas, com a
família. Só veio a aprender o português na escola, mas, inicialmente, não “dava muita
importância” ao idioma, de acordo com suas próprias palavras, já que não usava essa língua
em sua comunidade. Entretanto, ao perceber que a língua portuguesa, por ser oficial no país,
58

seria indispensável para o mercado de trabalho, passou a se interessar mais por seu
aprendizado. Esse interesse só se deu no final do Ensino Médio.

Um terceiro aluno relatou que se interessava mais pelas disciplinas de exatas ao longo
de seu Ensino Médio. Porém, ao se dar conta da importância do português para sua vida
profissional, passou a valorizar as aulas e chegou a fazer um curso de aperfeiçoamento no
idioma. Outro fator importante, que podemos perceber como uma consequência glotopolítica
da criação da universidade, foi a reflexão feita por esse estudante com relação à língua
portuguesa aprendida em seu país. Segundo ele, ao começar a estudar no curso de letras da
Unilab, foi possível concluir que falava uma variante guineense do português, visto que não a
identifica com a europeia, tampouco com a brasileira. De acordo com ele, por meio dos
estudos de fonética e fonologia, se deu conta de que sua pronúncia não coincide com a do
português europeu nem com a do português do Brasil. Com essa percepção, ele passou a ter
uma sensação de que o português também é do seu país, ou seja, que existe um português
guineense.

Percebe-se, na fala do último estudante, que a vivência no Brasil o ajudou a criar um


sentimento de pertencimento com relação à língua portuguesa. Ao afirmar que o português
não é só de Portugal nem só do Brasil, mas sim de todos os países que fazem parte da CPLP,
o aluno demonstra que, em seu país, não tinha a mesma relação com a língua que passou a ter
vivendo aqui.

Um dos questionamentos que fiz aos estudantes estrangeiros foi sobre como a
sociedade vê as pessoas que não dominam a língua portuguesa em seus países. Respostas
como: “pessoas que não continuaram com seus percursos acadêmicos”, “pessoas que não
entendem a importância do português como língua oficial”, “são vistos como analfabetos e
inferiorizados”, “pessoas inferiores na sociedade” e “pessoas que desconhecem os
conhecimentos ocidentais, analfabetos”, nos mostram como a colonialidade ainda afeta nossa
subjetividade ao ponto de nos enxergarmos como inferiores por não dominarmos uma língua
do ocidente ( coloco o verbo na primeira pessoa do plural porque esta crença de que somos
inferiores por “não saber nossa língua” também é recorrente entre os brasileiros), além de nos
fazer perceber como a ideologia do monolinguismo opera, fazendo com que os falantes
questionem a própria inteligência por não dominar a língua (no caso, a variedade padrão da
língua) de prestígio social. Ademais, tais afirmações expõem o fato de que, nos países
africanos onde o português é língua oficial, faltam políticas linguísticas (ou uma melhor
59

gestão e implementação delas) que efetivem o acesso ao ensino deste idioma a toda a
população.

Outro fator importante, relatado por alguns alunos de Guiné Bissau, foi a constatação,
feita por eles, que a existência da Unilab e sua parceria com seu país foi o que possibilitou a
esses estudantes obterem um diploma de graduação/pós-graduação, visto que situações
políticas e econômicas conturbadas e até guerras civis naquela nação impediam que seus
cidadãos fizessem um curso universitário.

Percebi, no pouco tempo em que estive na universidade, que o português não era a
língua falada pelos alunos estrangeiros quando estavam fora de sala de aula, com exceção dos
casos em que entre eles estivesse um estudante brasileiro. Com relação à questão racial, foi
mais difícil entrar neste assunto. No evento da semana, que era um seminário de estudantes de
letras, as mesas redondas e trabalhos apresentados tratavam de diversas questões linguísticas,
mas não vi nenhum que as relacionasse a aspectos raciais. Em conversa informal, perguntei à
coordenadora do curso de letras sobre isso, e ela me disse que, no cotidiano dos alunos, era
possível analisar diversos aspectos relacionados ao racismo nas relações entre eles. Mas, não
entrou em detalhes e eu, infelizmente, depois dessa semana conhecendo a instituição, não
pude voltar para ficar o tempo suficiente para uma pesquisa etnográfica.

Decidi, então, seguir com a pesquisa, mas mudar a proposta metodológica. No


próximo capítulo, discorro sobre esta mudança.

2.2 MUDANÇAS NO PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO: UMA NOVA POSSIBILIDADE


PARA A PESQUISA

Devido à impossibilidade de retornar à universidade após esse primeiro contato em


2018, refleti sobre como manter a investigação e cheguei à conclusão de que, a partir de uma
mudança metodológica, poderia ser possível dar prosseguimento à pesquisa.

Nesse sentido, a análise documental apareceu como uma das opções, mas não a única.
Além dos documentos, pensamos na busca de depoimentos de estudantes e professores como
estratégia para alcançar informações que esses materiais não apresentam: a experiência de
quem viveu a realidade da instituição. Portanto, tais falas trariam dados analíticos importantes
e seriam uma maneira viável de analisar as questões dentro das condições em que me
encontrava, além de possibilitar uma reflexão contrastiva entre teoria e prática.
60

Com relação às discussões possíveis a partir da documentação analisada, Marconi e


Lakatos (2003) afirmam:

Documentos oficiais - constituem geralmente a fonte mais fidedigna de


dados. Podem dizer respeito a atos individuais, ou, ao contrário, atos da vida
política, de alcance municipal, estadual ou nacional. O cuidado do
pesquisador diz respeito ao fato de que não exerce controle sobre a forma
como os documentos foram criados. Assim, deve não só selecionar o que lhe
interessa, como também interpretar e comparar o material, para tomá-lo
utilizável (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 178).

Assim, importa, ao estar em contato com o material, interpretá-lo, levando em


consideração os diálogos com as perspectivas teóricas que fundamentam a investigação. Por
isso, a pesquisa tem, também, um teor qualitativo e interpretativo. Nesse sentido, sabendo que
a pesquisa bibliográfica se refere à busca de referencial teórico que se relacione ao tema de
estudo e contribua com ele, e devido ao fato de que essa literatura é extensa, as leituras sobre
as questões raciais e linguísticas, que constituem a base de toda a reflexão proposta nesta
investigação e, principalmente, o fundamento para a análise dos documentos da Unilab, foram
selecionadas de forma que houvesse um diálogo entre elas. Portanto, os estudos selecionados
coincidem no que tange a uma visão crítica ao pensamento hegemônico. Tal preocupação é
fundamental, pois

[...] a má qualidade da revisão da literatura compromete todo o estudo, uma


vez que esta não se constitui em uma seção isolada mas, ao contrário, tem
por objetivo iluminar o caminho a ser trilhado pelo pesquisador, desde a
definição do problema até a interpretação dos resultados. Para isto, ela deve
servir a dois aspectos básicos: a) a contextualização do problema dentro da
área de estudo; e b) a análise do referencial teórico (ALVES, 1992, p. 54).

Com relação ao ponto “a” da citação acima, podemos afirmar que o problema aqui
trazido (como se pensou a implementação do projeto de integração da Unilab em seus
aspectos raciais e linguísticos, que políticas linguísticas foram pensadas para a instituição)
encontra ressonância na área de pesquisa à qual esta investigação se vincula, já que
analisaremos políticas linguísticas e suas consequências glotopolíticas. Sobre o ponto “b”,
ainda que dialoguemos com estudos de perspectivas teóricas distintas, como pós-colonialismo
e decolonialismo, por exemplo, procuramos aproximar as duas teorias onde é possível, em sua
crítica à epistemologia eurocêntrica em seu aspecto universalizante. Portanto, diferentes
referenciais de análise podem dialogar dentro de uma investigação, desde que não sejam
completamente antagônicos e que seus limites sejam explicitados pelo investigador.
61

Desta forma, reafirmamos o que já foi dito na introdução deste estudo: as escolhas
feitas pelo investigador não são neutras e refletem sua visão de mundo, o que não significa
que, devido a esta visão particular, não possa haver um rigor teórico nas análises. Com
relação a este fato, Gamboa (1989, p. 107) discorre que:

A visão de mundo, entendida como uma percepção organizada da realidade


que orienta a produção da pesquisa, se constrói através da prática cotidiana
do pesquisador e das condições concretas de sua existência. Isto é, a visão de
mundo, que organiza, como categoria mais complexa e abrangente, os
diversos elementos implícitos na concreticidade de uma determinada opção
epistemológica, é a responsável pelas opções de caráter técnico,
metodológico, teórico, epistemológico e filosófico que o pesquisador faz
durante o processo de investigação.

Deste modo, entendemos que o pesquisador, ao propor uma análise pautada em teorias
científicas sem deixar de considerar sua visão de mundo e seu lugar no contexto social e
político, está agindo na busca de compor o que Foucault (2015, p. 267-268) chamou de
genealogia do saber, já que está unindo o conhecimento teórico a suas memórias, permitindo a
“constituição de um saber histórico de lutas e a utilização desse saber nas táticas atuais”.

Portanto, nesta investigação, a análise se deu da seguinte forma: inicialmente,


apresentamos uma exposição mais descritiva dos documentos oficiais para, em seguida,
discutirmos como as temáticas “língua portuguesa/lusofonia”, “políticas linguísticas” e “raça”
aparecem neles. Nesse sentido, os documentos não são apresentados separadamente, mas por
temática. Então, ao discutir sobre as políticas linguísticas da instituição, apresentamos como
este tema aparece em cada um dos documentos. O mesmo acontece com as demais temáticas.

Posteriormente, são analisados os depoimentos dos informantes. Suas falas também


estão separadas pelos temas descritos acima, logo, elas não serão vistas por informante, mas
por tema. Na busca por esses relatos, queria entender o lado de docentes, discentes e
profissionais de cargos de gestão. Assim, das narrativas retiradas do Youtube, há a fala de
dois alunos de São Francisco do Conde que participaram das primeiras turmas da Unilab
nesse campus, e a conversa entre dois alunos do campus de Redenção. Todos de países dos
PALOP. Os vídeos foram elaborados pelos próprios alunos para relatar sua visão da
universidade, por isso a escolha por este material.

As falas dos professores do Núcleo de Línguas da Unilab e do atual reitor da


instituição foram retiradas do evento de apresentação do Nucli feito pelo Youtube em 2020 e
62

a fala do professor de geografia do Campus dos Malês encontra-se no vídeo elaborado por
alunos desse campus.

Finalmente, as duas entrevistas concedidas foram a do ex Pró-reitor de Políticas


Afirmativas e Estudantis, profissional que atuou neste cargo assim que a universidade
começou suas atividades, daí a importância de seu papel, visto que foi quem ajudou a pensar
na implementação dessas políticas. A segunda entrevista foi feita com uma professora de
língua portuguesa que também atuou como coordenadora do Curso de Letras, logo uma
pessoa com uma visão mais ampla do processo implementação das políticas relacionas ao
português.

Houve uma busca por entrevistar outros profissionais da instituição, entretanto, entre
todos os que foram abordados, apenas os dois referidos acima possuíam disponibilidade para
realizar a entrevista.

Em vista disso, ressaltamos que as narrativas não serão apresentadas com o objetivo
de formar uma visão única sobre a Unilab, mas sim contribuir para a reflexão sobre as
propostas dos documentos oficiais e sua vivência no cotidiano da instituição sob a ótica de um
grupo de pessoas da comunidade acadêmica.
63

3ª PARTE: A UNILAB E A LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA

De acordo com o site oficial da Unilab9, em 2010, o então Presidente da República,


Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei de número 12.289 instituindo a Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira como Pública Federal10. Entretanto, o
processo de implantação dessa instituição começou em 2008 com a formação da Comissão de
implantação da Unilab, cujo objetivo foi estudar a respeito de temas e problemas comuns ao
Brasil e aos países parceiros desta integração: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Nesse sentido, “compromissada
com a interculturalidade, a cidadania e a democracia nas sociedades”, a principal missão desta
instituição é a formação de recursos humanos que contribuam com o desenvolvimento
regional e dos países parceiros, buscando agir, preferencialmente,

[...] em áreas estratégicas de interesse do Brasil e dos demais países


parceiros, reunindo estudantes e professores brasileiros e estrangeiros e
contribuindo para que o conhecimento produzido no contexto da integração
acadêmica seja capaz de se transformar em políticas públicas de superação
das desigualdades. Por isso, a Unilab representa um avanço na política
brasileira de cooperação e de internacionalização do Ensino Superior,
refletindo o engajamento do Brasil com a proposta da comunidade
internacional11

A criação da universidade é parte do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e


Expansão das Universidades Federais - REUNI, instituído por meio de decreto no ano de
2007 como uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Além de
colocar em prática o projeto de interiorização das instituições de ensino superior no país, o
foco na cooperação Sul-Sul teve como objetivo estreitar relações diplomáticas entre países do
hemisfério.

Com relação à interiorização, a chegada da universidade à cidade de Redenção trouxe


diversas consequências para a região. Segundo informações da instituição, a Unilab contribuiu
com o desenvolvimento da região do Maciço de Baturité, visto que grande parte dos projetos
de extensão é focada nas necessidades da população local. Ademais, a localização do campus
facilita o acesso dos moradores da cidade aos cursos oferecidos. Inclusive, uma das primeiras
ações de integração com a região foi destinar 40% das vagas de seu primeiro vestibular a

9
Disponível em: http://www.unilab.edu.br/. Acesso em: 30 nov. 2020.
10
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/L12289.htm. Acesso em: 30
nov. 2020.
11
Disponível em: http://www.unilab.edu.br/nosso-diferencial-de-integracao-internacional/. Acesso em: 30 nov.
2020.
64

estudantes que cursaram o Ensino Médio no Maciço de Baturité (UNILAB, 2013, p. 21).
Entretanto, quando analisamos algumas falas da comunidade acadêmica, notamos que o
processo de interiorização foi mais complicado do que os dados acima apontam. A fala de um
estudante de Redenção explicita este fato:

Eu acho que hoje é muito importante a universidade pensar a relação que se


dá entre a comunidade onde ela está inserida com seu corpo, que constitui
ela. Eu falo dos africanos e da cidade, né? Harmonia que tem que ser
estabelecida para nova convivência. Eu entendo que esta cidade não tá
preparada para receber uma estrutura desse tipo, dessa natureza. Então, a
própria universidade tem a missão de preparar a comunidade junto com a
prefeitura e pensar um trabalho grande, né?12

Nilma Lino Gomes, que atuou de abril de 2013 a dezembro de 2014 como reitora pro
tempore da instituição e foi a primeira mulher negra a assumir tal cargo em uma universidade
federal no Brasil, afirmou, no livro UNILAB: Caminhos e Desafios Acadêmicos da
Cooperação Sul-Sul (UNILAB, 2013), se sentir encantada ao pensar na diversidade étnica,
racial e cultural vivenciada na instituição e complementou dizendo que com essa diversidade,

[...] temos possibilidade de construir relações que podem ser profícuas entre
os diferentes e as diferenças. E, ao mesmo tempo, com muitos pontos
comuns. Estamos desafiados a compreender a complexidade do que significa
a língua de expressão portuguesa, que está localizada, historicamente, em
contextos muito diferentes. Temos algo que nos aproxima e ao mesmo tempo
temos particularidades muito intensas. O objetivo é promover uma
convivência que seja acadêmica e interpessoal, vivendo toda essa
complexidade (GOMES, 2013, p. 9)

Desse modo, os esforços dos membros da comissão de implementação da Unilab


foram no sentido de concretizar as ações de cooperação, e, nesse processo, a língua
portuguesa se apresenta como meio estratégico para alcançar os objetivos almejados. Entre os
projetos internacionais criados pela universidade estão a Rede das Instituições Públicas de
Educação Superior (RIPES) e o Projeto Universidade Aberta do Brasil-Moçambique. O
primeiro teve como objetivo criar um sistema de mobilidade acadêmica entre estudantes,
professores e pesquisadores dos países da CPLP e o segundo se propôs a ofertar cursos no
país africano em parceria com universidades de lá.

Sobre a criação da Unilab, Heleno (2014), reflete:

12
Os nomes dos membros da comunidade acadêmica não serão expostos. Link para acesso ao vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=94s. Acesso em: 30 nov. 2020.
65

A implantação da Unilab se deu no contexto de internacionalização da


educação superior brasileira durante o governo Lula. Junto dela, a criação de
outras duas universidades reforça esse movimento: a Unila – Universidade
Federal da Integração Latino-Americana e a UFOPA – Universidade Federal
do Oeste do Pará. Tanto Unila como Unilab reservam 50% de suas vagas
para alunos estrangeiros. A criação dessas três universidades corresponde a
três áreas pertencentes ao entorno estratégico brasileiro: África Lusófona,
Mercosul e região Amazônica (países pertencentes ao Tratado da
Cooperação Amazônica). O esforço brasileiro de projeção internacional,
portanto, encontra-se articulado em diversos segmentos, sendo o educacional
um dos mais destacados (HELENO, 2014, p. 112-113).

O pesquisador segue explicando que a Unilab é a instituição de ensino superior


brasileira mais acessível a estudantes africanos, entretanto, na época que fazia sua pesquisa,
os dados mostravam que havia algumas dificuldades na implementação de uma cooperação
entre os países membros, visto que se percebia uma predominância do Brasil nos diversos
setores de ação:

Seu funcionamento lançou luzes sobre a preponderância de modelos


brasileiros nos processos seletivos, o pequeno número de professores
africanos na instituição, a ínfima presença destes em postos de chefia e a
limitada participação dos países parceiros na formulação, execução e
avaliação de políticas da Universidade. Assim, percebi a presença de uma
cooperação de “mão única”: transferência de conhecimentos, sem que haja
efetivamente troca de saberes, aprendizado com os povos africanos, ao
contrário do arcabouço teórico da cooperação Sul-Sul (HELENO, 2014, p.
125).

As conclusões geradas na pesquisa à qual nos referimos acima, nos permitem entender
que entre a formulação das políticas e sua implementação muitas alterações podem ocorrer,
visto que, conforme refleti em minha dissertação de mestrado, “a política em educação vai
além do processo linear entre as intenções presentes nos textos políticos e sua prática no
contexto particular de cada instituição” (SAMPAIO, 2015, p. 35).

Com relação à questão racial, a seção “UNILAB em números”, presente no site da


instituição, apresenta informações relevantes para que possamos compreender sua realidade
atual. Os dados, referentes ao segundo semestre de 2019, mostram que há 24 cursos de
graduação com 4.619 alunos matriculados. Desses, 3.463 são brasileiros e 1.156 são
estrangeiros. Com relação à raça, 41,33% se declaram negros, 43,84% pardos, 2,01% se
declaram indígenas, 7,14% brancos e 4,74% não declararam13. A realidade da pós-graduação
se apresenta da seguinte maneira: 8 cursos, 178 matrículas. 165 brasileiros e 13 estrangeiros.
13
Disponível em:
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNTkzZjY2MWQtNjMzNS00MjkzLWI4YTAtOGJjY2NmNjdmNzI1Ii
widCI6IjkwMjlkZGNlLWFmMTItNDJiZS04MDM3LTU4MzEzZTRkYzVkMSJ9. Acesso em: 30 nov. 2020.
66

Os dados sobre raça revelam que 56,74% se declaram pardos, 19,66% se declaram negros,
15,73% brancos, 2,81% indígenas e a mesma quantidade de pessoas não fez autodeclaração
racial, e 2,25% se declararam de raça “amarela”.

Essa realidade, onde a maioria de discentes, tanto da graduação quanto da pós-


graduação, é composta por estudantes autodeclarados não brancos, revela a importância de
que se pensem políticas de ensino que levem em consideração o fator racial em sua
elaboração. Além disso, os números mostram que, assim como observou Heleno (2014) em
sua pesquisa, pelo menos com relação aos discentes, a proporção de brasileiros é quase o
triplo da de estrangeiros. Esse fato nos leva a pensar que, na prática, pode haver dificuldades
para que a integração, de fato, aconteça, já que a proposta de ocupação de 50% das vagas por
estudantes estrangeiros ainda não é uma realidade.

No tocante à língua portuguesa, inicialmente, o que se percebe é a visão de uma


ferramenta capaz de unir esses povos tão diferentes. Ainda que se use o termo lusofonia, no
texto da Lei de criação e no Plano de Desenvolvimento Institucional, não há um
aprofundamento teórico sobre o que se entende por esse termo. Na Carta de Serviços ao
Cidadão, encontramos a seguinte declaração:

Outro ponto de fundamental importância é a questão da lusofonia. Ela é uma


proposta que tem como base comum a Língua Portuguesa, mas ela vai mais
longe e se constitui em um espaço que inclui as questões sociais, econômicas
e de estratégia geopolítica. A lusofonia pode se constituir em um instrumento
que seja capaz de dar maior projeção e visibilidade para os países que a
integram (UNILAB, 2009, p. 4).

De acordo com a declaração, o conceito de lusofonia abrange mais do que o espaço da


língua comum e se relaciona a aspectos sociais, econômicos e geopolíticos. Nos interessa,
portanto, compreender de que maneira esses aspectos se relacionam ao termo. Entretanto,
parto da hipótese de que essa discussão se aprofundará apenas no Projeto Pedagógico
Curricular dos cursos de Letras da instituição, já que, por serem cursos de língua portuguesa,
teriam sido pensados para esta realidade onde falantes de diferentes regiões em que o
português é língua oficial compartilham o espaço de ensino-aprendizagem.

Portanto, pensando no fato de que as relações geopolíticas também agem de alguma


forma sobre as línguas, e que as relações de poder que se dão entre as regiões envolvidas
nessas relações influenciam o tipo de planejamento linguístico que será proposto, buscaremos,
67

nos documentos, se e como foi/foram pensada(s) política(s) linguística(s) para a instituição e


consequências glotopolíticas da presença (ou ausência) dessas políticas.

3.1 A LEI Nº 12.289, DE 20 DE JULHO DE 2010

A Lei nº 12.289 de 20 de julho de 201014 decreta a criação da Universidade da


Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Sancionada no governo de Luís Inácio
Lula Da Silva, ela se enquadra em uma das políticas daquele governo: o incentivo e a
promoção da internacionalização da educação superior do país. Essa internacionalização se
daria, conforme descrito no parágrafo primeiro da referida lei:

[...] por meio da cooperação internacional, pelo intercâmbio acadêmico e


solidário com países membros da CPLP, especialmente os países africanos,
pela composição de corpo docente e discente proveniente do Brasil e de
outros países, bem como pelo estabelecimento e execução de convênios
temporários ou permanentes com outras instituições da CPLP (BRASIL,
2010, s.p.).

O intercâmbio entre os países membros se daria, efetivamente, pela forma de acesso à


instituição, como visto nos seguintes incisos do artigo 13:

I - o quadro de professores da Unilab será formado mediante seleção aberta


aos diversos países envolvidos, e o processo seletivo versará sobre temas e
abordagens que garantam concorrência em igualdade de condições entre
todos os candidatos de forma a estimular a diversidade do corpo docente; II -
a Unilab poderá contratar professores visitantes com reconhecida produção
acadêmica afeta à temática da integração com os países membros da CPLP,
especialmente os países africanos, observadas as disposições da Lei no 8.745,
de 9 de dezembro de 1993; III - os processos de seleção de docentes serão
conduzidos por banca com composição internacional, representativa dos
países membros da CPLP; IV - a seleção dos alunos será aberta a candidatos
dos diversos países envolvidos, e o processo seletivo versará sobre temas e
abordagens que garantam concorrência em igualdade de condições entre
todos os candidatos; e V - os processos de seleção de alunos serão
conduzidos por banca com composição internacional, representativa dos
países membros da CPLP (BRASIL, 2010, s.p.).

Ao longo do texto são descritas questões orçamentárias, de estrutura organizacional e


cargos do quadro de pessoal. Os hiperlinks fazem referência a outras leis que dão suporte às
questões abordadas nesta, tais como Lei Orçamentária de 2010, vencimentos dos servidores
do Poder executivo, reestruturação de carreiras de magistério do Ensino Superior, Plano de
Carreira dos Servidores dos Cargos técnico-administrativos e artigo da constituição federal

14
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/L12289.htm. Acesso em: 30
nov. 2020.
68

que dispõe sobre despesas com ativos e inativos da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. Não há, no texto da lei, nenhuma questão específica relativa à(s) línguas
falada(s) no ambiente da instituição. Entretanto, a proposta de integração entre países
membros da CPLP, inevitavelmente, exige da universidade a elaboração de algum
planejamento que abarque a questão da diversidade linguística, ainda que a temática não
apareça na Lei de Criação.

Nesse sentido, vejamos quais são os outros documentos nos quais examinaremos a
temática das políticas linguísticas para a instituição. O Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) é composto de três documentos: o primeiro é referente ao período de 2013
a 2017, o segundo ao período de 2016 a 2021 e o último apresenta informações
complementares ao segundo PDI. Todos eles têm como objetivo apresentar a proposta de
desenvolvimento institucional em todos os âmbitos: ensino, pesquisa, extensão, infraestrutura,
buscando a “sistematização de dados, idealizações e realizações” que marcaram a
implementação da universidade. O PDI se baseia nas Diretrizes Gerais (2010).

O texto do PPC do Curso de Letras do Campus dos Malês, localizado na Bahia, e o


texto do PPC do mesmo curso dos campi Liberdade e Palmares, no Ceará, apresentam o
planejamento pedagógico do referido curso. Os projetos são muito semelhantes com relação à
proposta, objetivos e currículo. Seu objetivo geral é o mesmo e consiste em:

Promover ensino, pesquisa e extensão de alto nível com uma perspectiva


intercultural, interdisciplinar e crítica no que se refere à Língua Portuguesa e
às Literaturas em Língua Portuguesa, buscando contribuir para a integração
entre o Brasil e os demais países da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) e para o desenvolvimento econômico e social desses
países (UNILAB, 2016, p. 25).

Além dessa documentação, trazemos para análise, as informações relativas ao Núcleo


de Línguas da Unilab (Nucli). De acordo com o site da universidade, o Nucli é um órgão
complementar que “se orienta por um conjunto de diretrizes e princípios para a ascensão e
consolidação do ensino de línguas adicionais, bem como para a instituição de uma política
linguística que contribua com a internacionalização da Universidade”.15

Nas seções a seguir, analisaremos mais detalhadamente cada um dos textos, além de
depoimentos da comunidade acadêmica.

15
Disponível em: http://unilab.edu.br/noticias/2020/08/31/nucleo-de-linguas-sera-apresentado-nesta-sexta-feira-
4/. Acesso em: 30 nov. 2020.
69

3.2 AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS DA UNILAB: CAMINHOS ENTRE AS PROPOSTAS


E A IMPLEMENTAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS GLOTOPOLÍTICAS.

A análise dos documentos a seguir, atendendo ao objetivo geral desta investigação,


tem como finalidade refletir sobre as políticas linguísticas da Unilab. Cruzaremos dados de
toda a documentação já citada, além dos depoimentos de membros da comunidade acadêmica,
para compor uma análise mais completa. Reforçamos que as falas expostas estão disponíveis
na internet, em vídeos do Youtube, portanto, são de domínio público. Dois depoimentos,
porém, foram cedidos a mim em conversa direta. As identidades de todas as pessoas foram
preservadas.

As Políticas Linguísticas (PL) são fenômenos sociais e sua efetivação depende de


comportamentos consensuais e das crenças de indivíduos pertencentes a uma comunidade de
fala” (SPOLSKY, 2016). Na perspectiva desta investigação, quando nos referimos a tais
políticas, não falamos apenas de seu aspecto mais restrito, referente às grandes decisões
governamentais sobre as línguas. Fazemos referência, também, a relações de poder e tensão
tanto a nível macro quanto a nível micro (RUBIO, 2020). Nesse sentido, uma perspectiva de
análise glotopolítica considerará como Política Linguística desde tratados internacionais, leis
e resoluções ministeriais (incluindo componentes curriculares do ensino formal) até
representações sociolinguísticas veiculadas por materiais didáticos (RUBIO, 2020).

Portanto, não só a lei de criação da Unilab é considerada uma PL que tem entre seus
objetivos a internacionalização da língua portuguesa, mas também o são, as decisões relativas
ao ensino de português e de outras línguas dentro da instituição. Logo, a partir das propostas
linguísticas pensadas para a universidade e dos depoimentos de professores e estudantes, será
possível identificar as consequências dessas políticas para esta comunidade de fala.

Ressaltamos que consideramos o ambiente da instituição como um domínio


(SPOLSKY, 2016) onde cada participante (alunos, professores, coordenadores, reitor) ocupa
uma função social e faz escolhas linguísticas condicionadas a este local social ocupado dentro
do domínio. Como será feita uma análise de documentos da instituição, não há como analisar
as práticas linguísticas, um dos componentes de uma PL, conforme afirma Sposlky (2016).
Entretanto, sabendo que as práticas são influenciadas por outros componentes que formam a
PL, buscaremos identificar como foram pensadas e implementadas as questões linguísticas
que influenciarão essas práticas.
70

No primeiro PDI, na página 26, encontramos a primeira referência a questões


linguísticas, na descrição da atuação do Instituto de Ciências Exatas e da Natureza:

Tendo em vista a necessidade de promover o desenvolvimento educacional


das populações, bem como tecnologias inovadoras de ensino-aprendizagem
sem perder de vista o pluriculturalismo, o plurilinguismo e a identidade
artística e cultural dos povos envolvidos, haverá o Instituto de Ciências
Exatas e da Natureza, voltado à formação de docentes de educação básica.
Nesta área desenvolve-se atualmente o curso de graduação em Ciências da
Natureza e Matemática (UNILAB, 2013, p. 26).

Nessa descrição, notamos a existência do incentivo ao plurilinguismo, entretanto, não


há um aprofundamento sobre o tema. Só mais adiante, na página 59, ao descrever ações para
integração dos estudantes, o plano fala sobre a criação do “Observatório da vida estudantil”,
cujo objetivo é identificar as dificuldades de inserção apresentadas pelos novos alunos para
proposição de medidas com o objetivo de resolvê-las. Entre essas dificuldades está a
“modalidade da língua portuguesa”. A mesma questão aparece nas Diretrizes Gerais.

Percebemos, então, que além de colocar a questão relacionada à diversidade do


português (chamada por eles de “modalidade”) como relevante para se pensar a inserção dos
alunos no ambiente universitário, a proposta do observatório, que se propõe a acontecer com
tutores formados por alunos bolsistas, reforça a ideia de que qualquer falante pode ser um
agente glotopolítico, já que, ainda que a ideia venha de cima (da gestão), os próprios alunos
tutores atuariam na resolução dessas dificuldades iniciais.

Entretanto, vale ressaltar que a instituição, ainda que valorize o plurilinguismo, ao


propor uma PL cujo objetivo é superar dificuldades do estudante com o português (no caso, o
português brasileiro) para resolver um possível entrave na comunicação, apresenta a visão
tradicional das políticas linguísticas como ações para a resolução de “problemas” causados
pela diversidade linguística. Este fato fica explícito em:

O principal objetivo da tutoria e da orientação acadêmica é auxiliar e


fortalecer o processo de formação do estudante. No início do curso ele
necessitará de apoio para corrigir eventuais lacunas de formação, como a
fluência em língua portuguesa, dificuldades com leitura, operações
numéricas, conhecimentos de informática ou outros conteúdos (UNILAB,
2013, p. 63).

É importante refletir sobre a visão de que a “fluência em língua portuguesa” seja


considerada uma lacuna na formação do estudante. Primeiro porque, em muitos casos, não se
trata de uma falta de fluência, mas de uma ausência de aprendizagem da língua, visto que o
71

fato de o português ser língua oficial dos países africanos parceiros da Unilab, não significa
que sua população tenha acesso a um ensino efetivo do idioma. E segundo, pelo fato de que,
para os que já falam português, a fluência não seria, necessariamente, um problema, e poderia
ser adquirida na prática, no cotidiano da instituição. A questão de falar uma variedade do
português diferente da brasileira não é um “problema de fluência” no idioma como o texto dá
a entender. Portanto, na implementação da tutoria, o ideal seria diagnosticar qual é a real
situação do discente no que tange à língua portuguesa, para agir de maneira mais pontual com
cada aluno.

Entre os membros da comunidade acadêmica cujos depoimentos foram analisados, não


foi possível obter mais informações sobre como este observatório funciona de fato. Os
docentes aos quais esta questão foi levantada não tinham conhecimento de como este processo
acontece. Entretanto, o que se pode afirmar, a partir de sua descrição no site, é que, na prática,
o Observatório da Vida Estudantil trata de problemáticas diversas relacionadas à inserção
acadêmica e que as questões linguísticas não estão entre elas:

O Observatório da Vida Estudantil (Observe/Unilab) surgiu em 2016 com a


proposta de ser uma ferramenta institucional de leitura da vida estudantil na
Unilab e por considerar a necessidade de compreender as mudanças
ocasionadas no perfil dos estudantes ingressantes nas universidades nos
últimos anos, a partir do processo de expansão e interiorização do ensino
superior brasileiro e, no caso da Unilab, incluso a internacionalização, a
partir do projeto de cooperação solidária. Um dos aspectos que motivou sua
criação foi a escassez literária sobre a condição estudantil na
contemporaneidade. Assim, o Observe/Unilab, no âmbito da Pró-Reitoria de
Políticas Afirmativas e Estudantis (PROPAE), objetiva conhecer a Vida
Estudantil para fomentar a implementação de ações tanto favoráveis à
produção do conhecimento, do ponto de vista sociológico, como também
técnico-científico para fins de aperfeiçoamento da Política de Assistência
Estudantil e dos processos de trabalho que a cercam no sentido da gestão,
avaliação, monitoramento e do controle social. O Observatório também
surge sob a relevância de ser um espaço de aproximação com a população
estudantil, seja como instrumento de fomentar a participação e o controle
social, como também um modo de agregar estudos e pesquisas provenientes
dos próprios estudantes sobre a temática. Deste modo, abrem-se
possibilidades para que os estudantes sejam tanto sujeitos interlocutores da
pesquisa, como também pesquisadores atuantes no processo de construção e
produção do conhecimento sobre a temática. Deste modo, a necessidade de
apreender os significados de ser estudante brasileiro e internacional na
Unilab e como ocorrem suas condições de vida e sobrevivência no sistema
de ensino, traz à tona possibilidades de conhecer objetos e categorias sociais
relevantes para contribuir com a produção do conhecimento tanto na
dimensão interventiva como investigativa.16

16
Disponível em: http://unilab.edu.br/observe/. Acesso em: 30 nov. 2020
72

Notamos, portanto, que entre proposta e implementação ocorreram mudanças e não é


possível saber como ficou a questão linguística neste projeto. Seguindo pelos Planos de
Desenvolvimento Institucionais, os trechos abaixo, todos retirados do PDI de 2016, falam
sobre “insuficiência no conhecimento e expressão na língua portuguesa” e melhora no
desempenho no “domínio da língua portuguesa”. Esses enunciados refletem a ideia presente
em culturas de língua padrão como a nossa. Nessas culturas, os falantes entendem que suas
línguas existem em formas padronizadas. Isto acontece porque “o processo de padronização
opera promovendo a invariância ou a uniformidade na estrutura da língua” (MILROY, 2001,
p. 2). Desta forma, as variedades são ignoradas e o que se considera o “padrão” acaba sendo o
sinônimo da própria língua para seus falantes. No caso analisado, o domínio de outra
variedade do português acaba sendo considerado “insuficiência” ou desempenho ruim. Por
outro lado, existe o reconhecimento de que muitos estudantes dos PALOP podem não ter
aprendido a língua portuguesa em seus países, fato importante para que se tracem estratégias
de inclusão desses alunos:

Sobre o ensino de graduação são indispensáveis iniciativas que facilitem a


efetiva e exitosa filiação acadêmica dos ingressantes, com especial destaque
para o desenvolvimento de projetos que visem a superação de eventuais
insuficiências na formação básica, no conhecimento e expressão na língua
portuguesa e em matemática (UNILAB, 2016, p. 18).
Estudar propostas de implantação de semestre propedêutico (“semestre
zero”) para estudantes nacionais e internacionais que deles necessitem como
conclusão de preparação para início de seus cursos visando a melhorar seu
desempenho e evitar retenções e evasões, especialmente no domínio da
língua portuguesa e da matemática básica. (UNILAB, 2016, p. 24)
Elaborar plano de oferta de disciplinas para nivelamento do conhecimento do
corpo discente, especialmente quanto às disciplinas de matemática e língua
portuguesa. Aprimorar o sistema de monitorias para a graduação. Ampliar
oferta de disciplinas optativas relativas a línguas estrangeiras modernas, no
que couber, em cooperação com a Proex. (UNILAB, 2016, p. 25).

Com relação às propostas citadas acima, o que se implementou na universidade foi o


“Núcleo de Formação Comum”, destinado a estudantes de todas as áreas de graduação. A
existência desse núcleo obrigatório na formação de todos os discentes nos permite perceber a
presença de uma proposta de formação geral alinhada aos objetivos da instituição no que diz
respeito a uma formação que se propõe a priorizar não só os conhecimentos científicos e
técnicos, mas também as questões relacionadas à diversidade.

Com 240h, as disciplinas desse núcleo são: Leitura e Produção de Textos I; Leitura e
Produção de Textos II; Sociedades, Diferenças e Direitos Humanos nos Espaços Lusófonos;
73

Inserção à Vida Universitária; Iniciação ao Pensamento Científico: problematizações e


epistemologias. Não aparece nenhuma disciplina referente à matemática como sugerido no
texto do PDI, e quanto à língua portuguesa, analisando a ementa da disciplina “Leitura e
Produção de Textos I”, deduzimos que as questões relativas à diversidade do português sejam
abordadas conforme foi proposto, visto que a primeira parte do curso trata de “reflexões sobre
as noções de língua, linguagem, variação linguística e preconceito linguístico” (UNILAB,
2016, p. 61).

Os efeitos dessa base inicial ofertada a todos os estudantes da Unilab, independente


do curso escolhido, podem ser percebidos na fala dos alunos. Um deles, formado em ciências
da natureza: matemática/habilitação em física e estudante de mestrado em
sociobiodiversidade e tecnologias sustentáveis, ao relatar sua experiência na instituição,
mostra como estas disciplinas iniciais do núcleo comum fizeram diferença em sua formação:

A Unilab está produzindo grandes, grandes quadros. E o que eu costumo dizer, é que
aqui nessa Universidade você não vai sair somente com uma formação, você vai sair
com duas formações, você vai ter uma formação cultural muito forte e uma
formação acadêmica muito forte. E depois, a interdisciplinaridade é muito forte aqui,
conviver com a diferença, sabe? Eu falo por mim. Eu cheguei aqui com uma cabeça.
Em Cabo Verde não conhecia essa realidade dos movimentos dos LGBTs e
movimentos de gênero, liberdade da mulher, claro, cheguei aqui com um certo
pensamento machista, mas, olha, eu não precisei frequentar nenhum curso pra saber
isso, sabe? Eu formei nessa área, eu formei. Eu consegui entender a luta dos LGBT,
eu consegui entender a luta das mulheres, eu consegui entender a relação humana
que existe entre nós e, o mais importante, eu consegui entender o respeito. É isso
que precisamos, respeitar o outro, sabe? Então, essa base que a universidade nos traz
é muito importante. Quando um novo quadro chega no país, ele tem consciência que
tem que respeitar o outro na sua diversidade. Então, isso é fenomenal, isso…
quadros que vão sair daqui da universidade, daqui da Unilab, eles têm capacidade de
entrar em qualquer tipo de mercado de trabalho, porque eles têm a consciência
humana de relação. Mesmo que você tenha esta questão técnica, mas primeiro você
precisa saber que estamos lidando com ser humano, então que isso é humano. Eu
acho isso muito importante. É isso que torna a Unilab rica, eu acho que ainda vai ter
grandes governantes nos nossos países que vão sair daqui da Unilab e que vão fazer
muita diferença na questão da diplomacia, na questão da política, na questão da
construção, na questão da dignificação de uma pátria, eu acho que a Unilab vai tirar
homens e mulheres que vão fazer isso na África. Unilab é um projeto muito
audacioso, é um projeto revolucionário, eu tenho que dizer isso. 17

A fala do aluno nos permite compreender como o compromisso com a formação


humana dos estudantes pode provocar a mudança de leitura de mundo e de consciência sobre
diversidade. Por se tratar de um estudante proveniente de um país africano, seu entendimento
sobre as questões de gênero, que ele se refere como “a luta dos LGBT” e “a luta das
mulheres'', é completamente diferente do entendimento sobre esse tema no ocidente,

17
Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=55s. Acesso em: 30 nov. 2020.
74

provavelmente, pelo fato de que as questões de gênero apresentam problemas muito mais
graves em alguns países africanos. Um exemplo deste fato está no seguinte depoimento:

As barreiras sociais machistas impostas pela supremacia de culturas


africanas e religiões árabes no continente Africano também possibilitam,
atestam e promovem cerimônias como a Mutilação Genital Feminina
(MGF), em que se corta a região genital, procedimento que varia da retirada
do clitóris ao corte dos grandes lábios e à infibulação (fechamento parcial do
orifício genital), por vezes em crianças de menos de dez anos.“É impossível
descrever a dor” conta Waris Dirie, que teve sua história retratada no livro
“Flor do Deserto” seguido de adaptação cinematográfica, em que narra como
fugiu aos 13 anos de um casamento prematuro com um homem idoso, mas
não pôde se salvar da MGF. Para Dirie “não tem nada a ver com religião.
Todas as meninas que são vítimas de MGF também são vítimas do
casamento forçado. A maioria é vendida quando criança para homens mais
velhos. Eles não pagariam por uma noiva que não fosse mutilada. Os homens
temem a sexualidade feminina, essa é a verdade”.18

Certamente, não podemos afirmar que o exemplo do relato acima se refira a todo um
continente, entretanto, a fala serve como exemplo de como as questões de gênero podem estar
em uma discussão mais avançada, em relação ao direito das mulheres e da população
LGBTQI+ aqui no Brasil. Dessa forma, como o próprio aluno conclui, a formação humana
permitirá que se leve uma nova perspectiva social para os PALOP quando esses estudantes
voltarem para suas pátrias. Certamente, a disciplina “Sociedades, Diferenças e Direitos
Humanos nos Espaços Lusófonos” contribuiu para a mudança de consciência apresentada
pelo discente. Em sua ementa, encontramos os seguintes temas:

Temporalidades do processo colonial nos países de língua portuguesa


(práticas, trocas e conflitos culturais – ocupações e resistências). Movimento
Panafricanista, Negritude; Relações étnico-raciais e racismo; Movimento
Negro e Indígena no Brasil e as políticas de ação afirmativa. Gênero,
sexualidade. Movimentos Feministas e LGBTT. Tolerância religiosa.
Direitos Humanos. Diferenças e Desigualdades.Cultura afro-brasileira
(UNILAB, 2016, p. 65).

As bibliografias básica e complementar da disciplina revelam a presença de uma visão


epistemológica mais crítica sobre os temas, alinhadas às teorias pós e decoloniais. Com
nomes como Sueli Carneiro, Kabengele Munanga, Amílcar Cabral e Joseph Ki-Zerbo, o curso
apresenta-se como uma introdução fundamental para a formação de futuros profissionais em
consonância com a proposta da instituição. Portanto, pela ementa e pela bibliografia,
percebemos a proposta de uma formação diversificada, voltada para práticas identitárias (raça,

18
Link de acesso ao texto completo: http://www.usp.br/cje/saoremo/noticia.php?n=295. Acesso em: 30 nov.
2020.
75

gênero). Tais práticas, a partir da conscientização desses estudantes, se darão na e pela


linguagem, visto que essas mudanças de visão de mundo acabam se tornando perceptíveis na
língua, nos atos de fala (AUSTIN, 1990), que agora podem refletir esta nova visão. Nesse
sentido, retomando a reflexão de Guespin e Marcellesi (1986), temos uma ação glotopolítica
na inclusão do Núcleo de formação comum, visto que se trata de uma ação social com efeitos
na linguagem.

Seguindo com as políticas linguísticas no currículo, vejamos algumas informações


relativas ao Projeto Pedagógico Curricular dos cursos de Letras da instituição. Além do
núcleo de formação comum, citado anteriormente, analisaremos os outros núcleos que são
relevantes para nossa investigação.

O Núcleo de estudos linguísticos, com um total de 720 horas é composto pelas


seguintes disciplinas: Introdução aos Estudos Linguísticos; Teorias Linguísticas I; Fonética e
Fonologia da Língua Portuguesa; Morfologia da Língua Portuguesa; Sintaxe da Língua
Portuguesa; Latim I; Sociolinguística; Semântica e Pragmática; Enunciação, discurso e texto;
História da Língua Portuguesa I; Ensino de Gramática: história, teoria e análise linguística e
aplicação pedagógica; Estudo de línguas crioulas de base portuguesa e do português na
África.

Nesse núcleo, descrito por ser uma parte da formação que reflete sobre
língua/linguagem e sociedade, cultura, funcionamento e mudança linguística, há uma
disciplina intitulada “Estudo de línguas crioulas de base portuguesa e do português na
África”, cuja ementa é a seguinte:

Aspectos históricos da expansão ultramarina portuguesa. Contato linguístico.


Características gerais da linguística africana. As línguas crioulas de base
portuguesa na África: aspectos sócio-históricos e linguísticos. Visão geral da
língua portuguesa falada na África: aspectos sócio-históricos e linguísticos
(UNILAB, 2016, p. 67).

A oferta dessa disciplina representa um comprometimento da equipe formuladora do


currículo do curso em oferecer uma graduação adequada ao perfil de uma instituição
plurilíngue e ao perfil de profissional que se pretende formar com este curso de Letras. Pois,
se por um lado apresenta aos graduandos a realidade linguística de países lusófonos da África
e, nesse sentido, contribui para que estudantes e futuros professores de português que não
conhecem/vivenciam essa realidade possam se familiarizar com a diversidade de contatos
76

linguísticos existentes nesses países, por outro, possibilita que os estudantes de países
africanos vejam suas línguas sendo apresentadas e sistematizadas.

É possível considerar a inclusão dessa disciplina como uma ação glotopolítica, já que
o estudo sistematizado das línguas crioulas alterará as representações linguísticas a respeito
delas não só por seus falantes, mas também pelos outros estudantes do curso, pois, segundo
Calvet (2004), quando falamos de representações linguísticas, nos referimos a ideias,
pressupostos, estereótipos, isto é, nos referimos a tudo o que os falantes dizem e pensam sobre
suas línguas e as línguas dos outros. Desta forma, o conhecimento das línguas crioulas por
meio de seu estudo, poderá trazer um olhar diferente daquele estereotipado, adquirido através
do conhecimento mais superficial.

Por outro lado, notamos que as referências bibliográficas dessa disciplina, em sua
maioria, são de estudos produzidos no ocidente, devido aos fatores que já abordamos ao falar
sobre a colonização linguística e a produção dos conhecimentos sobre as línguas: foram
discussões pensadas por aqueles que estavam em posição de decidir quais conhecimentos
seriam validados como científicos, e apresentavam o olhar dos falantes da língua hegemônica
e não dos falantes das línguas analisadas (indígenas e africanos). Isso não significa dizer que,
hoje, não exista a produção de estudos sistematizados sobre as línguas crioulas de base
portuguesa feitos pelos próprios falantes dessas línguas. O que nos impede de acessá-los,
possivelmente, é, ainda, o monopólio de produções (e divulgações) acadêmicas ocidentais.
Portanto, ainda que a exposição dos conhecimentos sobre as línguas crioulas estejam baseadas
na visão hegemônica, a relevância dessa disciplina consiste, também, em permitir que os
próprios falantes das línguas crioulas que cursam a faculdade de letras, posteriormente,
possam produzir estudos nos quais reflitam sobre suas línguas.

A disciplina “Fonética e fonologia da língua portuguesa” abre espaço para algumas


reflexões. Uma das propostas contidas na ementa é o estudo de “aspectos fonéticos e
fonológicos e processos fonológicos de variedades da língua portuguesa” e “Modelos
fonológicos aplicados à descrição de variedades do português”. Nos perguntamos que
variedades serão estudadas de fato. Somente as variedades brasileira e europeia? Qual será o
espaço dado às variedades do português falado nos outros países lusófonos? Pela fala de uma
docente do curso de letras, é possível perceber que, pelo menos, existe a intenção de um
trabalho de desconstrução de algumas representações relativas ao português e o estudo das
diferenças entre as variedades (não só as hegemônicas) dessa língua. Ao ser perguntada se os
77

estudos na universidade podem ter alterado as relações dos discentes com o português, ela
afirma que:

Sim. Por meio do entendimento de que existem variedades do uso do


português e que nenhuma delas é melhor do que a outra, mas que podem
coexistir e ser valorizadas. Exemplo disso é que os estudantes que vêm
estudar no Brasil chegam achando que o português lusitano é padrão em
relação ao português brasileiro.19

O que a professora mostra com sua fala é que, como o português europeu é, de fato,
padrão para esses estudantes africanos, eles tendem a achar que essa variedade também é
padrão com relação ao português brasileiro. Portanto, uma disciplina como esta, é um espaço
para discussão desta questão, já que, no Brasil, a relação com a tradição padronizada lusitana
é mais complexa. Um exemplo desta complexidade está no fato de que o padrão fonético
europeu não se aplica ao nosso país. Por outro lado, algumas prescrições de tipo gramatical,
como o uso dos pronomes, ainda têm efeito aqui, o que gera muitas controvérsias quando
surgem propostas de homologação dos usos brasileiros.

O Núcleo seguinte é o de linguística aplicada e língua inglesa. Com um total de 360


horas, é composto pelas seguintes disciplinas: Linguística Aplicada: Aquisição de Línguas nas
Modalidades Oral e Escrita; Língua Inglesa para Fins Acadêmicos I; Língua Inglesa para Fins
Acadêmicos II; Linguística Aplicada: Tecnologias Digitais no Ensino-Aprendizagem de
Língua Portuguesa; Políticas Linguísticas.

Ressaltamos, com relação às disciplinas acima, que “Linguística Aplicada:


Tecnologias Digitais no Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa” e “Políticas
Linguísticas” não são comuns em muitos cursos de graduação em letras pelo país. A inclusão
do tema das tecnologias digitais no ensino de línguas demonstra preocupação com uma
realidade em que as tecnologias digitais são cada vez mais integradas aos processos de
ensino-aprendizagem, portanto, uma temática de grande importância no contexto atual. Com
relação à Política Linguística, falamos sobre sua inclusão no capítulo destinado à
Glotopolítica, mas vale ressaltar a fala de uma professora acerca desse componente curricular:

Todo curso de Letras deveria ter a disciplina de Políticas Linguísticas para


que o acadêmico pudesse entender que existem leis que normatizam as
línguas e o seu ensino. No meu caso, quando fiz a graduação, não ouvi falar
em políticas linguísticas em nenhum momento da formação. Como
consequência do conhecimento adquirido nessa disciplina, temos uma

19
Informação recebida por e-mail.
78

instituição em consonância com um processo de ensino de língua adequado,


temos um aluno com conhecimento para questionar as políticas linguísticas
em vigor, se favorecem ou prejudicam a comunidade, e temos docentes que
podem propor ações de extensão e/ou pesquisa que favorecem
plurilinguismo.20

A professora relata uma questão importante referente à maioria dos cursos de Letras
no Brasil: a ausência da oferta da disciplina de Políticas Linguísticas para os cursos de
graduação. Pelo fato de ser uma linha de estudos que começou a ganhar espaço na década de
1960, as investigações e reflexões na área são relativamente recentes e, talvez, por este fato,
só agora estejam recebendo a devida importância por aqui. De acordo com a docente, ao
cursar a disciplina, o estudante adquire conhecimento para refletir sobre a situação linguística
da sua comunidade. Nesse sentido, como já foi dito, podemos considerar a presença dessa
disciplina como uma prática glotopolítica da instituição, visto que possibilita aos falantes
pensar a língua por outro viés.

Carioca e Soares (2017, p. 57) relatam que, durantes as aulas dessa disciplina,
encontram “um universo rico de possibilidades para a reflexão sobre o estatuto da língua
portuguesa no mundo.” A partir da declaração de um aluno, de que quando voltasse a seu país
teria que desaprender o português brasileiro, por exemplo, as professoras afirmam que
puderam trazer para a aula a reflexão sobre a internacionalização do português (e da variedade
brasileira) por meio das estratégias geopolíticas do país.

Ainda sobre esse núcleo, faz-se necessário entender o porquê do destaque dado à
língua inglesa. Por se tratar de uma graduação em Língua Portuguesa, o inglês não poderia ser
ofertado em um núcleo de línguas estrangeiras, ou até mesmo através dos cursos de língua
oferecidos pela instituição? A descrição desse núcleo afirma que:

[...] o núcleo de Linguística Aplicada explora: os estudos das teorias e


modelos dedicados à aquisição e ao ensino-aprendizagem de línguas, tanto
materna quanto estrangeira, em suas modalidades oral e escrita; políticas
linguísticas; e o uso das Tecnologias Digitais da Informação e da
Comunicação (TDICs). As disciplinas voltadas especificamente ao estudo da
Língua Inglesa englobam o estudo dos aspectos socio-cognitivos nos
processos elementares de leitura e escrita em Língua Inglesa, aliado ao
desenvolvimento de estratégias de leitura visando à compreensão e à
produção escrita de textos acadêmicos (UNILAB, 2016, p. 38).

De acordo com a apresentação acima, podemos perceber a presença de uma visão de ensino de
língua tradicional, pautada na decodificação de um sistema linguístico, já que estudam-se os fatores

20 Informação recebida por e-mail.


79

sócio-cognitivos na aprendizagem das habilidades de leitura e escrita em língua inglesa. Esse processo,
fundamental para a formação do estudante de letras, precisa ser bem desenvolvido, partindo de uma
dimensão política e social ao explorar os gêneros e textos, caso contrário, corre-se o risco de ser uma
abordagem que se caracteriza, simplesmente, pela decodificação/tradução de uma língua estrangeira.
Além disso, analisando todas as disciplinas do núcleo e seus objetivos, percebemos que, para
que se cumprisse a finalidade de trabalhar a questão da linguística aplicada ao ensino-
aprendizagem de línguas estrangeiras, não seria necessário o enfoque no inglês, sobretudo,
quando percebemos, pela ementa das disciplinas do idioma, que se trata de cursos de inglês,
basicamente, instrumentais:

Língua Inglesa para Fins Acadêmicos I (60 horas. Pré-requisito: não há)
Ementa: Desenvolvimento das habilidades e estratégias de leitura e
compreensão de textos acadêmicos autênticos da Língua Inglesa. Noções
introdutórias de produção de textos. Fatores de textualidade e
intertextualidade na leitura e produção de textos de diferentes gêneros.
Ideologia e construção de sentido. Língua Inglesa para Fins Acadêmicos II
(Pré-requisito Língua Inglesa para Fins Acadêmicos I) Ementa:
Aprofundamento das habilidades e estratégias de leitura e compreensão de
textos acadêmicos autênticos da Língua Inglesa. Produção de textos. Fatores
de textualidade e intertextualidade na leitura e produção de textos de
diferentes gêneros. Ideologia e construção de sentidos (UNILAB, 2016, p.
76-77).

É curioso o destaque para a língua inglesa em um curso para formação de professores


de português, ainda que se saiba que é inegável o fato de que o inglês é hipercentral na
constelação das línguas do mundo e que o português orbita a seu redor junto com outros
idiomas (CALVET, 2004).

Sobre a hegemonia da língua inglesa, Rubio (2020), em sua tese onde analisa as
políticas linguísticas para o ensino de espanhol no Brasil, e o ensino de Português na
Argentina, relata que, um dos motivos pelos quais o ensino das duas línguas se enfraqueceu
nos dois países, foi a hegemonia do inglês. Essa língua se impõe como hegemônica mesmo
sem a presença explícita de políticas linguísticas com este objetivo. Este fenômeno ocorre,
pois, para línguas como o inglês, não há necessidade de leis que incentivem seu uso. Sua
importância no cenário linguístico, político, econômico, cultural e social, no mundo, faz com
que seu uso se torne mais relevante para os falantes de outras línguas, pois sua expansão é
dada como irreversível e natural. O status que a língua inglesa ocupa mundialmente, portanto,
permite com que sua promoção aconteça mesmo sem a presença (explícita) de políticas
linguísticas que cumpram este papel:
80

Esta política linguística, que atua de forma silenciosa, é extremamente eficaz


porque se baseia em supostas evidências que, como tais, não chegam a ser
questionadas. Como mencionávamos antes, o ensino de inglês como língua
estrangeira não necessariamente requer uma legislação linguística para se
estabelecer como a primeira língua estrangeira ou muitas vezes a única. Os
discursos sobre a necessidade do ensino do inglês como “língua franca”
validam uma ordem global imposta por determinados países centrais como
um fenômeno natural, inevitável e irreversível. (RUBIO, 2020, p. 20).21

Ao observar o núcleo “disciplinas optativas de linguística aplicada e língua inglesa”,


encontramos:

Análise e produção de material didático impresso e digital para o ensino de


Língua Portuguesa; Ensino de Português Língua Estrangeira/Adicional;
Gêneros orais e escritos no ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa;
Inglês: Língua e Cultura I; Inglês: Língua e Cultura II; Inglês: Língua e
Cultura III; Inglês: Língua e Cultura IV; Multiletramentos e
Multimodalidade: novas práticas pedagógicas ao ensino de Língua de
Portuguesa;Múltiplas Linguagens: multiculturalismo, minorias e inclusão em
tempos de mobilidade; Ensino-Aprendizagem de Línguas nas Modalidades
Oral e Escrita;Tópicos em Linguagem Audiovisual;Tópicos em Música
Popular Brasileira (UNILAB, 2016, p. 59, tradução minha)

Percebemos, portanto, uma mistura de temas que não dialogam, tais como língua e
cultura inglesa e produção de material didático impresso para o ensino de língua portuguesa.
Além disso, a disciplina “Ensino de Português Língua Estrangeira/Adicional” deveria estar
entre os componentes curriculares obrigatórios, visto que um dos objetivos específicos deste
curso de Letras é:

Fazer conhecer a diversidade política e cultural dos países parceiros, de


modo a contemplar, na prática pedagógica, suas demandas educacionais,
inclusive considerando o ensino de português como língua materna e
estrangeira/adicional nesses territórios (UNILAB, 2016, p. 29).

Assim, o núcleo de linguística aplicada e língua inglesa (obrigatório) e as disciplinas


optativas referentes ao mesmo núcleo revelam uma proposta onde a língua inglesa não dialoga
com as problemáticas do núcleo, afinal, uma coisa é que se usem referências bibliográficas
em inglês para refletir sobre a linguística aplicada e políticas de língua e outra, bem diferente,
é estudar produção de texto e cultura em inglês. São objetivos que não coadunam.

21
Esta política lingüística, que actúa de forma silenciosa, es extremadamente eficaz porque se basa en presuntas
evidencias que, como tales, no llegan a ser cuestionadas. Como mencionábamos antes, la enseñanza de inglés
como lengua extranjera no necesariamente requiere de una legislación lingüística para establecerse como la
primera lengua extranjera o muchas veces la única. Los discursos sobre la necesidad de la enseñanza del inglés
en tanto “lengua franca” validan un orden global impuesto por determinados países centrales como un
fenómeno natural, inevitable e irreversible (RUBIO, 2020, p. 20).
81

No PPC dos outros campi, este núcleo não existe. Em seu lugar temos o “Núcleo de
línguas estrangeiras” que:

[...] engloba o estudo dos aspectos cognitivos nos processos elementares de


leitura e escrita em Língua Inglesa, aliada ao desenvolvimento de estratégias
de leitura visando à compreensão e à produção escrita de textos acadêmicos,
bem como explora os estudos das teorias dedicadas à aquisição de língua
estrangeira e língua adicional (UNILAB, 2016, p. 33)

As disciplinas desse núcleo (Língua Inglesa para Fins Específicos; Teorias de


Aquisição de Língua Materna e Língua Adicional; Ensino de Português como Língua
Adicional) já demonstram que, neste caso, os propositores do currículo perceberam algumas
das incongruências na proposta do Campus dos Malês, tais como não colocar o ensino de
português como língua adicional entre os componentes curriculares obrigatórios. A visão
tradicional de ensino de língua estrangeira como um processo de decodificação de um sistema
linguístico para leitura e produção textual se mantém.

Outro fator relevante é o fato de “Português como língua adicional” se encontrar no


núcleo de línguas estrangeiras, pois se reconhece o fato de que para os alunos dos PALOP e
Timor-Leste, o português, ainda que seja língua oficial de seus países, é uma língua
estrangeira. Este fato, por si só, já mostra como a integração lusófona é ilusória, visto que, se
a própria língua que serve de justificativa para essa integração é, sabidamente, uma língua
estrangeira para boa parte dos membros desse grupo, como esses membros se sentirão
pertencentes à comunidade em outros níveis (cultural, social, político)? Como criar um
sentimento de identificação com um grupo onde nem a língua falada é sua?

Seguindo no PPC, o Núcleo de formação pedagógica também se diferencia de outros


cursos de letras por apresentar além de disciplinas tradicionais como “Fundamentos sócio-
históricos da Educação”, “Fundamentos psicológicos da Educação” e “Libras (Língua
Brasileira de Sinais)”, outras disciplinas como foco nos países da CPLP: “Política
Educacional e Organização da Educação nos países da integração” e “Didática nos Países da
Integração (60 horas)”, atendendo, portanto, ao contexto específico da instituição lusófona. O
Núcleo de metodologias de ensino, assim como o anterior, também se propõe a ofertar
disciplinas cuja temática envolve o espaço lusófono. São elas:

Práticas de Estágio I: didática, políticas e gestão educacional nos espaços


lusófonos; Práticas de Estágio II: Alfabetização e Letramento nos espaços
lusófonos; Práticas de Estágio III: Leitura, literatura e língua portuguesa no
82

Ensino Fundamental; Práticas de Estágio IV: Leitura, literatura e língua


portuguesa no Ensino Médio (UNILAB, 2016, p. 40).

Esses núcleos trazem outra questão relevante que é pensar o processo de alfabetização
e aprendizagem de língua portuguesa nos Ensinos Fundamental e Médio nos espaços
lusófonos. Os estudantes estrangeiros, ao voltarem para seus países, ministrarão suas aulas em
português ou nas línguas de comunicação das comunidades nas quais forem lecionar? As
disciplinas desses núcleos (“Política Educacional e Organização da Educação nos países da
integração, “Alfabetização e Letramento nos espaços lusófonos” e as que se referem a práticas
de ensino de leitura, literatura e língua portuguesa) possibilitam que se traga para debate a
questão de como se desenvolvem as políticas linguísticas nos PALOP.

Os núcleos seguintes se referem a atividades de extensão, estágio e trabalho de


conclusão de curso e, finalmente, disciplinas optativas e eletivas. As disciplinas optativas que
merecem atenção para nossa reflexão são: “Introdução às línguas indígenas brasileiras",
“Introdução à Linguística Africana”, “Ensino de Português Língua Estrangeira/Adicional”,
“Literatura e cinema em língua portuguesa”, “Literatura em língua portuguesa em contextos
autoritários”, “Tópicos especiais em literatura africana”, “Tópicos especiais em literatura
ibero-afro-americana”.

Ainda que essas disciplinas não sejam ofertadas como obrigatórias, o que seria ideal
para o contexto da universidade, sua presença reflete uma política de construção de um
professor da área mais consciente das questões que envolvem os contextos linguísticos e
extralinguísticos dos países de língua oficial portuguesa. Como consequência, espera-se um
estudante que reflita mais criticamente sobre o português no mundo, suas variedades e
representações, e, posteriormente, um docente com uma visão mais abrangente sobre as
línguas e tudo o que está envolvido com um ensino crítico delas, isto é, um professor que
entenda que a educação linguística envolve tratar além de questões linguísticas, as ideologias,
a história, a política, a cultura e as práticas sociais. Entretanto, esta reflexão só será possível
para os alunos que se propuserem a cursar tais disciplinas, visto que, como ficou demonstrado
anteriormente, entre as disciplinas obrigatórias, ainda prevalece uma visão tradicional do
ensino de línguas, pautado na decodificação e descontextualizado de seus aspectos históricos,
sociais e políticos.
83

Com relação às ementas, o que podemos afirmar é que, no geral, as referências


bibliográficas apresentam predominância de estudos brasileiros e alguns portugueses, no que
se refere à língua portuguesa. Este fato reforça o prestígio das variedades do português
brasileiro e do português europeu no que se refere não só ao uso, mas também à produção e
divulgação de conhecimentos referentes a esta língua.

Estes dados confirmam o fato de que a construção da epistemologia na academia ainda


é predominantemente eurocêntrica, pois, mesmo com o crescimento de estudos mais críticos,
as reflexões que se produzem no continente africano, por exemplo, ainda não têm tanta
visibilidade por aqui. Daí a importância da Unilab na internacionalização desses
conhecimentos produzidos por estudantes dos PALOP.

O PPC do Curso de Letras dos campi Liberdade e Palmares apresenta poucas


diferenças com relação ao anterior. No que tange à organização curricular, o curso também
está distribuído em núcleos, assim como o analisado anteriormente, e a única diferença entre
eles é a que já foi discutida na seção anterior sobre o Núcleo de linguística aplicada e língua
inglesa, presente no curso do campus dos Malês e substituído pelo “Núcleo de línguas
estrangeiras” nos campi Liberdade e Palmares. Chama a atenção o fato de que, no núcleo de
estudos linguísticos desses campi, não há a oferta da disciplina relativa às línguas crioulas,
presente no PPC anterior. Essa disciplina só aparecerá entre os componentes optativos.

Com relação a isso, o PPC do Campus dos Malês foi mais coerente ao colocar a
disciplina como obrigatória, devido a sua relevância para o contexto da Unilab. Um dos
membros da comunidade acadêmica relata sobre o cotidiano universitário que:

Nós tínhamos muitos problemas, né, porque nós recebíamos estudantes de


diferentes países… alguns países, como por exemplo Guiné-Bissau, tinham
maior dificuldade de utilização da língua portuguesa porque eles falavam
línguas locais, e havia lugares de Guiné em que as pessoas utilizavam um
crioulo, e dentro disso aí, havia um crioulo que era um crioulo social, havia
um crioulo que era um crioulo da casa, havia um crioulo que era um crioulo
da família, e obviamente, isso causava alguns problemas, às vezes, de
comunicação. E o crioulo que era falado em um país era totalmente diferente
do crioulo falado em outro país, e nós tivemos alguns problemas.22

De acordo com esse depoimento fica clara a importância de uma disciplina obrigatória
sobre as línguas crioulas, se não para todos os cursos da graduação, pelo menos na faculdade
de Letras. Outro fato importante sobre esse relato é que ele dá uma pista sobre os usos

22
Relato enviado a mim, pelo professor, por Whatsapp.
84

linguísticos na rotina da universidade. A língua portuguesa, ao que parece, é mais falada em


situações formais, isto é, em sala de aula.

Entre as disciplinas optativas que merecem destaque neste PPC estão: Tupi I e II,
Bantuística (estudo de línguas bantas), literaturas angolana, guineense e moçambicana. As
disciplinas Tupi e Bantuística, inclusive, poderiam ser ofertadas em mais cursos de Letras
pelo país, devido a sua importância na formação do português brasileiro. Com relação às
línguas bantas, Bagno afirma que:

Os aspectos mais característicos do português brasileiro, especialmente em


suas variedades estigmatizadas rurais ou urbanas, decorrem, portanto, do
contato entre o português colonial e as línguas africanas trazidas com os
escravos. Esse contato, como sempre ocorre, acelerou os fatores inerentes à
mudança linguística (fatores de ordem cognitiva), além de permitir que
aspectos próprios às línguas africanas (especialmente as do grupo banto)
atuassem como substrato na constituição do português brasileiro (BAGNO,
2016, p. 23).

Entretanto, reafirmamos a importância de que tais disciplinas fossem ofertadas como


obrigatórias devido ao contexto em que está inserida a Universidade. O que se conclui pela
análise dos PPCs é que existe o intento de construir um curso de letras em consonância com o
projeto de interiorização e internacionalização da universidade, e pensado para uma realidade
plural como é a dos países lusófonos membros da comunidade acadêmica, com a inclusão de
disciplinas que atendem a este contexto específico. Entretanto, ainda persiste a visão
tradicional de ensino de línguas, e as escolhas sobre as disciplinas obrigatórias e optativas
podem ser um desafio para uma formação mais de acordo com a realidade lusófona, já que
muitas matérias relevantes para esta comunidade podem não ser cursadas por não serem
obrigatórias.

Até aqui, apresentamos propostas encontradas em documentos da Unilab que são


consideradas, de acordo com a perspectiva defendida nesta investigação, políticas linguísticas,
visto que são planejamentos sobre o ensino de línguas e ações que se refletem na linguagem.
Além dessas ações, o Núcleo de Línguas da Unilab é considerado, oficialmente, a política
linguística da instituição. Uma docente, quando perguntada sobre as políticas linguísticas da
universidade responde que:

Depois que entrei na gestão é que descobri que a Unilab não tem políticas
linguísticas, o que foi muito frustrante para mim. Havia um estudo
embrionário acerca de tais políticas que cheguei a participar enquanto
diretora do Instituto de Linguagens e Literaturas, mas que não seguiu
85

adiante. Somente agora é que a Pró-Reitoria de Relações Institucionais


(Proinst) montou um Grupo de Estudo para propor as Políticas Linguísticas
da Unilab, as quais serão veiculadas até dezembro de 2020.23

Nessa fala, percebemos uma identificação entre política linguística e a existência de


leis, isto é, como política de Estado, portanto, não há, necessariamente, um olhar político
sobre a linguagem. Nesse sentido, os componentes curriculares analisados anteriormente, não
seriam, para esta pessoa, considerados PL. Essa visão se confirma com a seguinte declaração,
relacionada às possíveis consequências da implementação de políticas “oficiais”:

A segurança institucional é o que ficará em evidência, pois quando uma


instituição possui políticas linguísticas sólidas e implementadas consolida a
proposta de internacionalização. Um exemplo das políticas linguísticas é a
criação do Núcleo de Línguas da Unilab (NucLi) com o setor específico de
Português como Língua Adicional para auxiliar os discentes internacionais
que não possuem o português como língua materna.24

Quando aponta a segurança institucional como principal consequência da presença de


políticas linguísticas na instituição, a docente deixa de considerar a consequência das PL para
os próprios falantes e as possíveis mudanças em suas práticas e representações linguísticas.
Nesse sentido, ela reforça o olhar para essas políticas como decisões tomadas de cima para
baixo, independentes de seus falantes e com objetivos políticos e econômicos. A criação do
Núcleo de Línguas, portanto, institui a política linguística oficialmente reconhecida pela
Unilab. Sobre este núcleo, lemos:

A política linguística do Nucli tem como objetivos a criação de diretrizes e


ações para a difusão dos saberes em diferentes línguas e culturas; a
promoção do pluralismo linguístico que sirva como meio de acesso ao
diálogo interinstitucional por meio de trocas, cooperações e intercâmbios
nacionais e internacionais; a defesa da multiculturalidade enquanto ponte
para o desenvolvimento científico e tecnológico e porta de acesso aos bens
culturais. O Nucli trabalhará em parceria e cooperação com programas de
internacionalização e redes de parceria para o ensino de línguas adicionais de
nível municipal, estadual, federal e internacional.25

No dia 4 de agosto de 2020, o núcleo foi apresentado por meio de um evento online,
transmitido pelo canal da universidade na plataforma Youtube26. Até a implementação do
Nucli, o acesso dos estudantes ao ensino de línguas estrangeiras se dava por meio do

23
Esta docente me enviou suas reflexões por e-mail.
24
Continuação do depoimento anterior.
25
Informações disponíveis em: http://unilab.edu.br/noticias/2020/08/31/nucleo-de-linguas-sera-apresentado-
nesta-sexta-feira-4/. Acesso em: 30 nov. 2020.
26
Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=wRWcKJj8r4Q&list=WL&index=7&t=1427s. Acesso
em: 30 nov. 2020.
86

programa “Idiomas sem fronteiras” do Governo Federal. Portanto, já existia uma política
linguística (de Estado) na instituição, a mesma presente em outras universidades, visto que o
programa Idioma sem Fronteiras (IsF) se constituiu como uma política nacional de
internacionalização de todo o Ensino Superior brasileiro. Nesse sentido, a Unilab ao
desvincular o Nucli do IsF, torna-o um órgão pensado especificamente para o contexto desta
universidade.

No programa implementado pela universidade, as línguas estão divididas em setores:


línguas estrangeiras modernas, línguas estrangeiras clássicas, setor de LIBRAS e setor de
Português como língua estrangeira/adicional (PLE/PLA). Atualmente, são ofertados os
seguintes cursos, todos online, devido à pandemia de COVID-19: Curso básico de Língua
Espanhola (Módulos 1 e 2), Curso de Português como língua adicional, Curso de
compreensão leitora em língua inglesa e Curso de francês. Sobre o curso de Português língua
adicional (PLA), encontramos a seguinte descrição:

O curso destina-se, exclusivamente, a pessoas de nacionalidade estrangeira.


Em âmbito interno, está direcionado a discentes matriculados em cursos de
graduação e pós-graduação latu sensu e stricto sensu de qualquer um dos
campi da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira (Unilab), a docentes, a servidores técnicos e a terceirizados da
referida instituição. Em âmbito externo, o curso destina-se a pessoas de
nacionalidade estrangeira, com o equivalente ao Ensino Médio brasileiro
completo, interessadas em ampliar os conhecimentos acerca do gênero
textual acadêmico comunicação oral.27

Na ocasião da apresentação do Nucli, o atual reitor da universidade fez a seguinte


declaração sobre a importância do ensino de português como língua adicional:

Fomos solicitados para receber alunos da Guiné Equatorial, e sendo o


português uma das línguas mas não a primeira, eles terem dificuldades
naturais, o Nucli poderá desempenhar um papel primordial. Até porque, a
chegada deles… eles precisam passar por um grande treinamento de PLA e a
gente vai ter que discutir isso com a comunidade, a estruturação… a
ampliação da unilab. Mesmo países como o Timor Leste que havia parado de
enviar alunos, sinalizaram que querem conversar e querem retomar
novamente nossos acordos de cooperação. O que é uma boa indicação da
nossa relação institucional e internacional.28

Mais adiante ele afirma que a presença do Nucli é “um divisor de águas na
internacionalização e exercerá um dos papéis mais importantes da Unilab”. Sobre sua fala, há
27
Link de acesso: http://nucli.unilab.edu.br/index.php/2020/09/14/nucleo-de-linguas-oferece-curso-de-
portugues-como-lingua-adicional/. Acesso em: 30 nov. 2020.
28
Fala disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wRWcKJj8r4Q&list=WL&index=7&t=1427s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
87

pontos importantes a analisar. Primeiramente, a recepção de alunos da Guiné Equatorial. A


inclusão de mais um país do continente africano na CPLP e, consequentemente na Unilab,
contribui com a idealização do que seja um país lusófono, visto que nesse país, assim como
nos outros PALOP, a quantidade de falantes de português é inexpressiva. Portanto, “embora
oficial, o português dificilmente encontrará condições reais naquele país para competir seja
com o espanhol, seja com o inglês” (FARACO, 2016, p. 313). O mesmo acontece com Timor-
Leste que, inclusive, como afirma o próprio reitor, havia parado de enviar alunos à Unilab.
Tal fato, deve se dar, muito provavelmente, pelo pouco uso do português no país. Sobre a
língua portuguesa no Timor, Brito (2013, p. 81) afirma que "o certo é que a língua portuguesa
nunca chegou a se tornar idioma normal de comunicação oral, nem língua de contato entre
diferentes etnias - papel que sempre coube ao tétum.” Ela complementa que:

O país se apresenta como um complexo mosaico linguístico: além do tétum e


das dezenas de outras línguas locais, os timorenses falam a bahasa indonésia,
procuram recuperar (no caso dos mais velhos) a memória do português ou
aprendê-lo (no caso das novas gerações) e tentam expressar-se em inglês
(BRITO, 2013, p. 84).

Em conversa com professores durante a semana que passei na Unilab, me foi relatado,
inclusive, que os alunos timorenses se comunicavam em inglês entre si. Segundo uma
professora, o uso do inglês era, para esses discentes, uma marca de distinção entre eles e os
alunos do continente africano, mais uma informação que nos dá pistas de que não existe, de
fato, uma integração entre os alunos da instituição. Portanto, o que se vê é que a intenção
central desta PL é a projeção do português internacionalmente, e, para isso, o discurso da
lusofonia acaba sendo uma “desculpa” para justificar a importância cada vez maior do
português no mundo, ainda que, na prática, pelo que se pode perceber, esta língua não seja
realmente falada pela quantidade de pessoas que se divulga.

A fala da coordenadora do setor de Português Língua Estrangeira/Adicional


(PLE/PLA) reforça esta conclusão, pois fica bem clara a ideia da língua portuguesa como um
produto a ser exportado, o que evidencia o foco no retorno econômico que a
internacionalização da língua pode trazer:

Gostaria de ressaltar a importância deste setor e as contribuições que ele


pode dar no processo de internacionalização da Unilab e do próprio
português. Nesse sentido, eu destaco também que nos últimos, anos houve
uma intensificação das políticas a favor da promoção da língua portuguesa e
que a língua portuguesa passou a ser vista como um bem de consumo, né? É
importante a gente destacar esse elemento que eu venho destacando,
88

inclusive, nas aulas de ensino de português como língua adicional. Nesse


sentido, houve um considerável crescimento do português no mundo, um
crescimento impulsionado, especialmente, pela evidência que os países de
língua oficial portuguesa têm tido globalmente, né? Não apenas por razões
culturais, políticas, mas sobretudo, por razões econômicas. E aí, a gente
precisa destacar o papel do Brasil e o papel dos PALOP nesse processo.
Acho importante dar destaque, também, ao potencial da língua como
internacional, transnacional, ao fato de este idioma estar presente em quatro
continentes dos cinco que compõem o globo, e há um outro dado importante
que é o de esse vernáculo vir chamando a atenção de governos e instituições
que valorizam este capital linguístico. A notícia que o professor Roque nos
trouxe de que a Unilab está em interação com a Guiné Equatorial, que
recentemente tornou o português como língua oficial naquela nação, embora
essa língua não seja uma língua vernácula pras pessoas que habitam aquela
nação. Bom, diante de tudo isso, nesse contexto, eu reforço que a
contribuição que a área de PLA pode dar para as políticas externas, né, pra
língua portuguesa em países da CPLP e além da CPLP é uma contribuição
importantíssima, né? Uma contribuição de relevância. E em termos de
contribuição, a área de português como língua adicional, vem contribuindo
com a Unilab desde 2017, quando ainda funcionava no âmbito do programa
Idiomas sem Fronteiras.29

Percebemos, aqui, também, o reforço da ideia de uma importância internacional da


língua portuguesa maior do que essa língua realmente tem no mundo. Pois, estar presente em
quatro dos cinco continentes é bem diferente de ser uma língua de comunicação expressiva
nessas regiões.

Essa visão da língua como um capital que abre portas para oportunidades, já havia
aparecido no texto do PPC dos cursos de letras dos campi Liberdade e Palmares. Ao abordar
a temática da cooperação solidária entre os países de língua portuguesa, reforça-se, neste
documento, o fato de que a Unilab se coloca como uma instituição difusora da língua, não
apenas como “língua de cultura”, mas também como “língua de ciências e de negócios e a
nível internacional” (UNILAB, 2016, p. 8, grifo meu), portanto um instrumento estratégico.
Severo e Silvera (2020) explicam como os interesses econômicos influenciam as relações na
CPLP e, podemos, perceber, como esses mesmos fatores agem na promoção do português na
Unilab:

Os usos e interesses econômicos que têm marcado os encontros e debates da


CPLP colocam em questão os propósitos lusófonos da CPLP, apontando
para uma ação política da instituição que não está atrelada a questões
meramente linguísticas, muito menos aos propósitos estatutários e solidários
que supostamente originaram o agrupamento dos estados-membros. Trata-se
de uma empreitada político-econômica, que tem ajudado a produzir uma

29
Fala disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wRWcKJj8r4Q&list=WL&index=7&t=1427s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
89

“Lusofonia Empresarial”, em que a língua, assim como outros elementos,


funciona como bem econômico, no interior de uma indústria das línguas
(SEVERO; SILVEIRA, 2020, p. 36)

Assim, de acordo com as falas dos membros presentes no vídeo de apresentação do


programa, o NUCLI é visto, pela instituição, como o setor fundamental no processo de
internacionalização da universidade, e a língua portuguesa se apresenta como um bem de
consumo e um capital linguístico a ser adquirido. A referência ao português como um “capital
linguístico” em crescimento se relaciona a duas formas de planejamento linguístico: o
planejamento de uso e o de prestígio. Com relação a essa afirmação, Severo (2013) ao
discorrer sobre a heterogeneidade do conceito de “planejamento linguístico”, explica que os
níveis de planejamento desenvolvidos por Haugen (1966) (seleção da norma,
codificação/padronização da norma, implementação/aceitação e elaboração/modernização da
língua) se desdobraram em outros níveis por outros estudiosos do tema:

Esses níveis foram posteriormente desdobrados por outros estudiosos em


práticas de planejamento de corpus (codificação, elaboração de alfabetos,
gramatização, sistematização do léxico, manuais literários, entre outros),
planejamento do status (designações e usos da língua pautadas por leis e
decretos), planejamento das formas de aquisição (políticas de ensino e
aprendizagem das línguas), planejamento de usos (políticas de divulgação e
uso das línguas) e planejamento de prestígio(avaliação dos usos linguísticos)
(SEVERO, 2013, p. 454).

A autora prossegue, afirmando que o planejamento de prestígio não é visto como uma
questão central no campo do Planejamento Linguístico e que este fato acaba restringindo
reflexões “sobre a maneira pela qual a seleção e a hierarquização das línguas e dos usos
linguísticos são afetadas por dimensões ideológicas evidenciáveis tanto nas avaliações
valorativas dos falantes em relação à língua, como nas práticas dos próprios pesquisadores”
(SEVERO, 2013, p. 455). Nesse sentido, entendemos que as declarações acima contribuem
com uma política de divulgação do uso do português por meio de uma valorização do lugar de
prestígio que, segundo essas falas, a língua ocupa atualmente.

Por meio dessas reflexões, concluímos que o Núcleo de Línguas é a política linguística
oficial da Unilab até o momento. Tal política se centra na internacionalização da universidade
e da língua portuguesa, e este objetivo se concretiza com a recepção dos alunos estrangeiros
que, mesmo com os relatos do crescimento internacional da instituição, ainda não chegam ao
número desejado de 50% dos membros da comunidade acadêmica. Existe aí, uma política de
planejamento chamada “política de prestígio” que tenta atuar na alteração do status do
90

português no cenário internacional, através de um discurso econômico que vê nesta língua um


capital linguístico a ser adquirido e uma relevância internacional maior do que ela tem, de
fato.

Com relação ao ensino de línguas não só no Nucli, mas também no Curso de letras, as
propostas presentes nos componentes curriculares refletem a reprodução da ideia tradicional
do que seja o ensino de uma língua estrangeira: decodificação do sistema linguístico com a
finalidade de alcançar as habilidades de leitura e produção de texto. Com relação a esse fato, é
importante ressaltar que é um trabalho importante para pessoas já falantes de uma língua
(aulas de leitura e produção de texto em língua portuguesa para alunos que têm o português
como primeira língua, por exemplo), pois possibilita que se faça um trabalho de educação
linguística, trazendo para discussão os aspectos políticos e sociais por meio dos textos e
gêneros discursivos trabalhados. Entretanto, quando se trata do ensino de uma língua
adicional, é importante não deixar que estas práticas sirvam apenas para decodificação ou
como justificativa para a aprendizagem de regras gramaticais.
Por outro lado, estão presentes nesses currículos, diversas disciplinas imprescindíveis à
formação de um professor de português inserido no contexto da Unilab. Entretanto, a divisão entre
conteúdos obrigatórios e optativos, como se vê nesses currículos, pode prejudicar esta formação mais
completa, visto que, conteúdos relevantes, por não serem obrigatórios, podem ficar de fora da
formação de muitos discentes, comprometendo, assim, o que contribuiria com uma educação
linguística de fato, visto que muitos componentes curriculares apresentados discutem não só os
aspectos linguísticos, mas também os fatores culturais, políticos, sociais e discursivos que envolvem a
aquisição de uma língua.

Finalmente, a formação comum ofertada a todos os estudantes da graduação traz


consequências glotopolíticas, na medida em que contribui com a transformação do olhar dos
discentes para questões de identidade e diversidade. Essa transformação se dará no nível da
linguagem e poderá se refletir nas práticas sociais.

No próximo capítulo, discutiremos sobre a ideia de lusofonia presente na


documentação e suas consequências para a instituição.

3.3 LUSOFONIA E LÍNGUA PORTUGUESA NA UNILAB: ANÁLISE CRÍTICA.

Severo e Silveira (2020) explicam os diversos significados criados acerca da língua


portuguesa tanto por meio de um viés histórico quanto pelo contemporâneo. Historicamente,
91

os autores relembram como se deu o processo de colonização linguística nas diversas regiões
colonizadas por Portugal e suas consequências para os povos falantes das línguas minoritárias
e para o próprio status do português, e como, com a independência das ex-colônias, a difusão
da ideia de lusofonia e da língua portuguesa acabou centrada em Portugal e Brasil. Esse fato
contribuiu para uma idealização desses conceitos, fazendo com que os discursos que se
propagaram reforçassem “uma visão abstrata, reificada e cristalizada de língua, tomando
como referência uma língua imaginária que definiria supostos elos amigáveis e solidários
entre geopolíticas diferentes, e amortecendo as memórias coloniais e colonizadoras”
(SEVERO; SILVEIRA, 2020, p. 31). No contexto contemporâneo, eles explicam que a
relação particular de cada ex-colônia com o português é fundamental para se pensar
criticamente sobre o termo lusofonia e entender as motivações pelas quais muitos falantes da
língua (sobretudo os dos países africanos) não se sentem representados nela.

Vejamos, então, como a lusofonia é discutida na documentação analisada e se as ideias


acima se refletem na Unilab. Pelo que já foi possível perceber até o momento, o termo serve
para justificar o projeto geopolítico de aproximação do Brasil com países do Sul. Nesse
sentido, a ideia de uma integração lusófona é a ideologia ideal para concretizar essa
aproximação e integrar as diferentes nações envolvidas. Arnoux e Del Valle (2010), sobre este
tema, afirmam que as integrações regionais competem entre si e essa competição também se
apresenta no campo das ideologias linguísticas, já que a ideia de língua disseminada entre os
diferentes blocos sejam eles políticos, econômicos ou educacionais como é o caso da Unilab,
os fortalece.

As ideologias linguísticas, segundo Del Valle (2005), são sistemas de ideias que
integram noções gerais da linguagem, da fala ou da comunicação, com visões e ações
concretas que afetam a identidade linguística de uma determinada comunidade. Assim, nos
trechos abaixo, é possível perceber a disseminação de uma ideia de lusofonia como
integradora dos países membros por meio da “língua comum”, ou seja, a lusofonia como
formadora de uma pátria de falantes do português espalhados por diversos territórios do globo
(sobretudo o continente Africano), com suas particularidades, mas que tem na língua seu
ponto de união, portanto, a reprodução de uma ideologia da lusofonia como um “imaginário
identitário” (RIZZO, 2019):

Quanto à sua inserção em âmbito internacional, a universidade busca


integrar- se por meio da lusofonia e da identificação de problemas comuns,
para estabelecimento de cooperação técnica com os países parceiros e assim,
92

posiciona-se internacionalmente, promovendo a cooperação Sul-Sul, com o


objetivo fomentar a inovação junto aos países em desenvolvimento, por meio
da formação em recursos humanos (UNILAB, 2016, p. 14).
Ao mencionar a integração, as Diretrizes Gerais falam em “integração
sociocultural” através dos esportes e de atividades culturais; mencionam
“redes de interesses convergentes e intercambiáveis”, tais como intercâmbio
acadêmico, cooperação solidária, “integração entre demandas sociais
(regionais e internacionais) e atividades acadêmicas”; mencionam também a
busca de mecanismos de solução de controvérsias (ou de conflitos), a
“formação com integração”, a valorização da diversidade e da difusão
cultural, dentre outros aspectos, e, implicitamente, a língua comum como um
fator integrador. (UNILAB, 2016, p. 45)
A integração deve atingir também as instituições, regiões, países. Não por
acaso, denominamos de parceiros os países da CPLP e aqui, a língua comum
é tomada como fator de aproximação. (UNILAB, 2016, p. 45)

Já nos projetos pedagógicos curriculares, a questão da lusofonia aparece, sobretudo,


nas explicações sobre as disciplinas da área de literatura. Nesse sentido, vejamos como é
descrito o núcleo de estudos literários. Com um total de 600 horas, ele é composto pelas
disciplinas: Introdução aos Estudos Literários; Teoria da Literatura I; Teoria da Literatura II;
Literaturas em Língua Portuguesa: medievalismo, período clássico e as novas literaturas;
Literaturas em Língua Portuguesa: nacionalismo literário e resistência; Literaturas em Língua
Portuguesa: Realismo literário e produção finissecular; Literaturas em Língua Portuguesa: o
Modernismo; Literaturas em Língua Portuguesa: diálogos na ficção e na poesia da primeira
metade do século XX; Literaturas em Língua Portuguesa: a literatura contemporânea;
Literatura Afro-Brasileira.

Tais disciplinas são apresentadas, nos documentos, como fundamentais para a


formação de um olhar descolonizado dos povos lusófonos sobre si mesmos e, portanto, uma
forma de contribuir com a construção de uma identidade comum entre os falantes dos
diferentes países colonizados por Portugal. Com este enfoque, o núcleo tenta contribuir para
que se construa, se não uma comunidade lusófona, efetivamente, pelo menos um grupo de
indivíduos que começam a identificar aspectos comuns, que vão além da língua, em suas
vivências:

Os elos culturais traçados pela CPLP suscitam novas formas de pensar as


relações de cooperação entre África, Ásia (Timor Leste) e Brasil, e permitem
o debate sobre a descolonização literária e o ato de rever os estigmas do
subdesenvolvimento para aqueles que comungam da língua portuguesa. Os
escritores brasileiros e africanos forjam, assim, narrativas, literaturas,
linguagens e outros modelos passíveis de interpretar sua condição de ex-
colônias, prontas a constituir-se como nações no sentido lato do termo. (...)
Desse modo, é imperativo pensar em componentes como literaturas em
93

língua portuguesa e de culturas afro-brasileiras, no sentido de atenderem,


entre outros elementos, ao objetivo precípuo da Unilab, em seu caráter de
integração e internacionalização. O graduando em Letras poderá vivenciar de
maneira real as questões afrodescendentes e indígenas que permeiam a
situação local, a regional e de outras partes do país, aliadas às interações com
os parceiros da CPLP (UNILAB, 2016, p. 14-15).

No PPC dos campi Liberdade e Palmares, a mesma ideia aparece. Em sua justificativa,
o documento, ao tratar da questão sociocultural nos espaços lusófonos, dá uma pista de como
é vista a lusofonia, ainda que o termo não apareça (destaque, na citação, feito por mim):

Nesse panorama, também ganham relevo a análise e a discussão sobre os


aspectos socioculturais dos espaços lusófonos, com destaque para o papel da
atividade linguístico-literária em tais contextos. A releitura da posição real
do negro e do índio, assim como os desdobramentos para uma cultura
afrodescendente, sob a perspectiva da subversão e da inventividade
linguística – ou ainda dos resquícios da tradição – reacende o clássico debate
historiográfico sobre nacionalismo crítico e sobre a língua como elemento
de comunhão entre as ex-colônias que estiveram sob o domínio
português. Os elos culturais traçados pela Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) suscitam novas formas de pensar as relações
de cooperação entre África, Ásia (Timor Leste) e Brasil, e permitem o
debate sobre descolonização literária e o ato de rever os estigmas de
subdesenvolvidos para aqueles que comungam a língua portuguesa. Os
escritores brasileiros e africanos forjam, assim, narrativas, literaturas,
linguagens, modelos outros passíveis de interpretar a realidade de condições
de ex-colônia, prontas a constituir-se como nação no sentido lato do termo
(UNILAB, 2016, p. 14, grifos meu)

Em ambos os textos aparece a visão de língua como elemento de comunhão das ex-
colônias de Portugal e a suposição de “elos culturais” que unem as nações que “comungam” a
língua portuguesa. Entretanto, se, por um lado, por meio da literatura em língua portuguesa é
possível que se faça uma revisão crítica do papel das ex-colônias de Portugal no mundo, só
ela também não é suficiente para a constituição de elos que façam com que os falantes de
português dos diferentes países se sintam pertencentes a uma mesma comunidade. Essa
perspectiva confirma a visão apresentada no início deste capítulo no que tange a uma
construção idealizada de língua construída historicamente. A descrição também faz lembrar a
visão místico-religiosa forjada pelo ideologema do Quinto Império (FARACO, 2016). De
acordo com essa ideia, Portugal teria sido o escolhido de Deus para “cumprir a missão de
salvação e unificação da humanidade” (FARACO, 2016, p. 276) e a língua portuguesa seria o
meio pelo qual esta missão se concretizaria. O país, seria, portanto, maior que suas fronteiras,
formado por uma comunidade supranacional. A essa ideia, juntou-se, posteriormente, outra, a
de um grande complexo cultural unido pela língua portuguesa. Todos esses pensamentos
foram pontos de partida para o que depois seria conceituado como lusofonia. Dessa forma,
94

ainda que o currículo proponha uma perspectiva de ensino de literatura crítico, descolonizado,
o discurso presente nele se baseia, justamente, na visão colonial que ajudou a idealizar uma
lusofonia que nunca existiu.

Marcos Bagno (2020), com relação a este discurso sobre a lusofonia e aos projetos que
se formam com base nele, afirma, de maneira coerente, que toda a carga ideológica
colonialista por trás do termo acaba impedindo que se construam projetos realmente
democráticos e diversos em seu nome.

Além da presença de um discurso idealizado sobre o que vem a ser lusofonia,


percebemos, também, que não há, em nenhum dos currículos, componentes curriculares que
tratam especificamente desta questão. Analisando as ementas, encontramos poucos textos
relativos à lusofonia. Na disciplina de Política Linguística, há: “FIORIN, José Luiz. A
lusofonia como espaço lusófono. In: BASTOS, Neusa Barbosa (Org.). Língua portuguesa:
reflexões lusófonas. São Paulo: EDUC, 2006. p. 25-47.”, “FREIXO, Adriano de. Minha
pátria é a língua portuguesa: construção da ideia da lusofonia em Portugal. Rio de Janeiro:
Apicuri, 2009.”, “LOPEZ, Luiz Paulo da Moita (Org.). Português no século XXI: cenário
geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, 2013”. Na disciplina “História da língua
portuguesa há:” ELIA, Sílvio. A Língua portuguesa no mundo. São Paulo: Ática, 2000.
HAUY, Amini Boainain. História da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1989. (v. 1).
MARTINS, Moisés de Lemos;” “SOUSA, Helena; CABECINHAS, Rosa. Comunicação e
lusofonia: para uma abordagem crítica da cultura e dos media no espaço lusófono. Porto:
Campo das Letras; Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, 2006”.

A ausência de uma disciplina específica sobre lusofonia e a escassez de literatura


sobre o tema se refletirá, por exemplo, na fala de uma professora do curso de letras, que
responde, ao ser perguntada sobre o que os alunos entendem por lusofonia: “Quanto ao
entendimento de Lusofonia, os estudantes fazem muita confusão em relação ao significado,
sendo o mais comum o espaço geográfico de uso da língua portuguesa como língua oficial”.

Portanto, ainda que a universidade apresente como grande tema a integração lusófona,
o que se vê no currículo dos cursos de letras é que as reflexões sobre o que é, ou qual
lusofonia não se aprofundam. Entretanto, é importante ressaltar que o que se vê no currículo
proposto não necessariamente será visto no currículo colocado em prática pelos docentes. Por
isso, não se pode afirmar como esse tema é, de fato, abordado. Nesse sentido, o que as
95

análises até o momento nos fazem compreender é que, assim como pensam a maioria dos
alunos, a lusofonia na Unilab se apresenta, basicamente, como o “espaço geográfico de uso da
língua portuguesa oficial”.

Portanto, podemos entender que, para a Unilab, a ideia de lusofonia coincide com a
definição de Faraco (2016, p. 318) quando a apresenta como “o nome de certos projetos
estratégicos de geopolítica que tomam a língua (teoricamente compartilhada) como sua
justificativa de base”. Entre essas justificativas, encontramos reproduções de visões
idealizadas tanto do português quanto da lusofonia. A ênfase na internacionalização da
universidade e do português e a visão dessa língua como um bem de consumo maquiam uma
realidade que é a de que o que se tem, de fato, é uma política de promoção da variedade
brasileira do português. Ao tratar a língua como uma só (o português), não se dá a devida
importância a suas variedades não hegemônicas e reforça-se a ideologia do monolinguismo na
qual se busca uma homogeneidade linguística.

Essa visão de língua coincide com o conceito de língua como hipóstase, explicado por
Marcos Bagno (2020, p. 268). De acordo com o professor, a hipóstase se refere a que se
confira uma existência concreta a uma realidade abstrata. Portanto,

A língua como hipóstase é um construto sociocultural que nega a variação e


a mudança, a multiplicidade dos usos, as dinâmicas incontroláveis das
interações verbais, os conflitos as disputas pelo direito à fala, as diglossias e
os contatos, para se concentrar num ideal de uniformidade, representado
mais do que tudo pela tradição escrita, como se essa não fosse o que é: um
dos milhares de usos possíveis de um idioma, hipostasiado simplesmente
como “a língua em si” pelo prestígio milenar atribuído à escrita, ao lado da
igualmente multissecular marginalização da fala como lugar do erro.

Assim, ao justificar a integração dos países pela lusofonia, os propositores das


políticas de cooperação e das políticas linguísticas (incluindo, aqui, o currículo e a criação do
núcleo de línguas) dão enfoque ao um português “comum” que não existe, e deixam de tratar
as outras línguas existentes nessas regiões lusófonas e que influenciam nas variedades da
língua portuguesa existentes em cada região.

Finalmente, as disciplinas da área de literatura, nos cursos de Letras, podem contribuir


com uma reflexão descolonizada sobre as nações consideradas lusófonas, mas não
conseguiriam gerar um sentimento de identidade comum em um grupo formado por falantes
de português de países com realidades socioculturais e linguísticas tão complexas e diferentes.
96

3.4 A QUESTÃO RACIAL NA UNILAB: DESAFIOS PARA A LUSOFONIA AFRO-


BRASILEIRA.

É indubitável que a proposta de uma Lusofonia afro-brasileira pensada para reparação


de desigualdades sociais e raciais é um dos pilares da Unilab. A universidade, que se
denomina uma “instituição promotora da integração Sul-Sul”, apresenta, no Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) de 2013, como uma de suas missões “contribuir para
que o conhecimento produzido no contexto da integração acadêmica entre as instituições de
países de língua portuguesa seja capaz de se transformar em políticas públicas de superação
das desigualdades” (UNILAB, 2013, p. 23).

Com relação à política de gestão de pessoas, a instituição se propõe a implantar


“políticas de ações afirmativas, discutindo aspectos socioculturais envolvidos em atitudes de
preconceito, racismo e xenofobia e desenvolvendo mecanismos de sensibilização da
comunidade acadêmica e da região para o problema das desigualdades e da diversidade”
(UNILAB, 2013, p. 44). Um dos tópicos de seu projeto pedagógico institucional é o
“reconhecimento e respeito à diversidade étnico-racial, religiosa, cultural e de gênero”, onde
há a seguinte descrição:

Gerada de um contexto de cooperação Sul-Sul, portanto, como instrumento


de superação de desigualdades, de resgate de aprendizagem decorrentes do
passado colonial e de construção de um futuro autônomo, o reconhecimento
e respeito às diferenças será princípio de todas as atividades da UNILAB.
Em função disso, adotará ações afirmativas que busquem ir além de cotas de
acesso a universidades e contemplará estas questões em seus programas
curriculares (UNILAB, 2013, p. 46).

A instituição também ressalta “o compromisso com desenvolvimento de reflexões,


estudos, ações de combate a todas as formas de discriminação, especialmente o racismo,
homofobia, misoginia, xenofobia e preconceitos de natureza étnica, linguística, política e
religiosa.” (UNILAB, 2016, p. 19).

Ao longo dos documentos, diversos projetos neste sentido são apresentados, desde o
incentivo à manutenção dos estudantes através de bolsas, o núcleo de formação comum no
currículo de todos os estudantes da graduação, cuja temática versa sobre essas questões, até a
insistência na composição da comunidade acadêmica com metade de seus membros oriundos
dos países parceiros, além de componentes curriculares sobre história e literatura africana nos
cursos de Letras. Todas estas políticas afirmativas reforçam a relevância da proposta da
97

instituição para o país, visto que a superação do racismo precisa ser a base para a
transformação de todas as outras pautas da sociedade.

Porém, na prática, como vivemos em uma realidade contraditória, a universidade


acaba refletindo essas contradições e, por isso, algumas dessas questões se apresentam de
maneira muito mais complexa do que se expôs na confecção dos documentos. Não podemos
deixar de reforçar, por exemplo, o fato de que, até o momento, como já mostramos
anteriormente através dos dados extraídos do site da Unilab, o objetivo de ter metade do corpo
discente composto por alunos estrangeiros ainda não foi cumprido. Outra problemática
encontrada na prática, se refere à adaptação das regiões onde a universidade instalou seus
campi. Como também já vimos, houve um incentivo pela escolha de regiões que atendessem
não só a proposta de interiorização, mas também que tivessem uma relação histórica com a
questão racial do país.

Sobre os locais onde estão os campi da instituição, o PDI de 2016 afirma que “as
escolhas de Redenção e São Francisco do Conde como sedes de campi, além de sinalizarem
para o desenvolvimento regional, valorizam símbolos que indicam claramente para
compromissos acadêmicos e institucionais da UNILAB com a população brasileira
afrodescendente” (UNILAB, 2016, p. 9).

Ainda sobre essas regiões escolhidas, os Projetos Pedagógicos curriculares dos cursos
de Letras também apresentam justificativas. No PPC do Curso de Letras de São Francisco do
Conde, há a seguinte explicação:

As plantações de cana-de-açúcar proporcionaram desenvolvimento


econômico à área, o que tornou a região em particular, e o Recôncavo em
geral, uma área de extrema importância para os colonizadores. Essa pujança
foi sustentada pelo trabalho de africanos e afrodescendentes escravizados.
Ao mesmo tempo, fortaleceu-se uma herança cultural que se faz sentir no
cotidiano da cidade, em manifestações secularmente sedimentadas, como o
samba chula, a capoeira, o candomblé e a culinária local. Majoritariamente
negra, a cidade é memória viva da presença africana no Brasil (UNILAB,
2016, p. 11).

Entretanto, na prática, a escolha de cidades do interior do Ceará e da Bahia, pelas


razões históricas que as regiões têm com a escravidão no país, trouxe consigo a reflexão de
como fazer esta adaptação entre a região, a população local e a instituição. Os limites
estruturais dessas regiões para receber a universidade e todas as mudanças que a nova
realidade gerou, nos mostram que a precariedade e as dificuldades estruturais vividas são,
98

sobretudo, consequência de uma história de apagamento e invizibilização da questão racial no


país, principalmente em regiões mais afastadas das grandes cidades. A fala de um profissional
que atuou na pró-reitoria de políticas afirmativas comprova isto:

Eu fiquei lá muito pouco tempo, talvez eu tenha ficado 1 ano e meio ou dois.
E nós fomos para lá para construir as pró-reitorias, né. E aí, imagina isso,
houve um tempo pra construção dessa pró-reitoria em si e, em paralelo, o
cuidado e a atenção com as bolsas, né, e os auxílios que esses estudantes
precisavam receber. A situação de legalização dos estudantes internacionais
no Brasil, tudo isso era uma burocracia enorme, e também a recepção e
alocação desses meninos e meninas, porque a maioria deles chegava sem ter
onde ficar e a instituição, naquele momento, ainda não tinha alojamento. E
aí, nós tínhamos que fazer parcerias com a Universidade Estadual do Ceará,
com igrejas, com locais que cedessem espaço, pelo menos, para, nos dois
primeiros meses, esses meninos e meninas poderem estar alocados até que
eles pudessem receber os auxílios provenientes do governo federal e alugar
os seus espaços.
Para além disso, havia uma série de dificuldades, né? Para você ter uma
ideia, a dificuldade com alimentação, porque qualquer pessoa, quando sai do
seu país, chega uma hora que tem saudade da comida, porque comida
também é cultura. E aí, nós criamos projetos em que a cada semana um país
era homenageado, aí tinha o prato desse país. O restaurante contava com a
ajuda de meninos e meninas para fazer o prato… e tinham as questões
culturais, as manifestações, as performances… nós tínhamos as festas da
África, tínhamos uma pró-reitoria de extensão que era fantástica, com Ana
Lúcia Silva Souza que fazia atividades incríveis para o melhor acolhimento
desses meninos e meninas.
Havia outras questões também que estavam ligadas à perspectiva desses
estudantes e dessas estudantes, aos anseios deles, né? Porque a Universidade
era em Redenção, interior do Ceará. Redenção, não sei como tá hoje, mas
Redenção era uma cidade muito pobre, havia, até mesmo esgoto a céu
aberto, o acesso a internet era péssimo, tv só por satélite, um índice de
pobreza muito acentuado. E a maioria deles chegava aqui em busca do Brasil
do Manoel Carlos, entendeu? Queriam encontrar uma Leblon em todos os
lugares. E muitos deles se chocavam quando chegavam a Redenção, e alguns
deprimiam tremendamente, e alguns falavam que vieram pra um lugar muito
mais pobre do que os lugares em que eles residiam, isso os que eram de
lugares pobres, porque alguns eram de classe média, alguns eram de classe
alta e havia até alunos oriundos da nobreza dos seus países. Isso aí era uma
dificuldade enorme, era um grande entrave, e pros estudantes que eram
muito pobres, eles tinham um problema maior ainda que era a questão
financeira, porque em função da chegada da universidade, os valores dos
aluguéis foram exacerbados, eram muito caros para aquela realidade e havia
todo esse tipo de dificuldade.30

Com este relato, percebemos que só na prática é possível comprovar se a proposta


pensada na formulação de uma política educacional poderá ser aplicada, terá êxito e quais
serão suas consequências. Pelos textos do Plano de Desenvolvimento Institucional e das
Diretrizes Gerais, ficou claro que, ao pensar no Maciço de Baturité (CE) e em São Francisco
30
Informações cedidas pelo profissional por Whatsapp.
99

do Conde (BA) como locais para receber os campi da instituição, levou-se em conta a questão
histórica, relacionada ao contexto racial das duas regiões. Também aparece, nos documentos,
o compromisso com projetos de extensão que contribuam com o desenvolvimento dessas
cidades. Entretanto, quando a Unilab se tornou realidade, foi preciso pensar em questões
básicas como as apontadas no depoimento: a cidade de Redenção não tinha estrutura para
receber os estudantes, os imóveis disponíveis aumentaram seus valores devido ao aumento da
procura e os alunos não faziam ideia da realidade que encontrariam naquela região. Tudo isso
não deve ser considerado um ponto negativo, afinal, a chegada da instituição, ao mesmo
tempo em que gera estas problemáticas, permite a reflexão para que se encontre uma solução
para elas.

O relato também mostra que, além das questões burocráticas para efetivação da
manutenção desses estudantes na cidade e, consequentemente, na universidade, uma questão
importantíssima apareceu: a mitificação do Brasil. O choque de realidade apresentado no
relato é a comprovação de que a imagem do país que chega aos países do continente africano
não representa a totalidade da nossa realidade. Tal fato gerou o conflito entre a expectativa
dos alunos por um Brasil representado pelo Rio de Janeiro e a realidade de uma cidade do
interior do Ceará, como é o caso de Redenção. Importante ressaltar que, aqui, a crítica não se
direciona à escolha da cidade de Redenção, visto que ela coaduna com a proposta de
interiorização das universidades brasileiras e permite o acesso dessa população ao ensino
superior, que é também seu direito. O que criticamos é a imagem de Brasil que é levada ao
exterior (não pela instituição, mas pela mídia, governo, etc.). Tal imagem gera expectativas
que depois precisam ser trabalhadas por esses estrangeiros que desconhecem os contrastes que
compõem o país.

Situação semelhante ocorreu no campus que se localiza em São Francisco do Conde,


interior da Bahia. Nas falas abaixo, de um professor e de dois alunos, também aparece o relato
sobre a questão da adaptação da população da cidade à presença da universidade:

Primeiro, eu percebi que, assim… houve todo um projeto para que a Unilab,
ela viesse para o município. Mas, a população local, ela não percebeu, assim,
nos detalhes, a implantação dos cursos, a chegada dos estudantes, e, de certa
forma isso causou, na minha visão, um impacto muito grande, né? Então, a
população, em algumas situações, começava a ver o estudante negro dos
páises de língua portuguesa como se fosse mais um elemento dificultador
das relações políticas locais, né. Um exemplo: as pessoas acham que muitas
pessoas que vem de outro lugar, vem tirar o que elas têm. E neste conjunto, o
estudante da Unilab, ele foi vitimado por essa questão. Por exemplo, eu
100

presenciei, em algumas situações, as pessoas chamarem os meninos, os


estudantes de forasteiros, e que vinham tomar é… como se tivessem, por
exemplo, não sei se bolsa ou alguma coisa que os meninos recebessem, um
desconhecimento muito grande da população, e aí tomar algo que eles
tinham como deles. E isso, na verdade, assim, acho que faltou uma discussão
maior, mais encontros dentro da cidade pra relevar o papel da unilab, a
importância desse papel, essa africanidade que já existe dentro do município,
e que a presença desses estudantes ia ser, na verdade, assim, um
facilitador… até porque é como se tivesse indo na contramão da lei 10.639,
né? História da África, a valorização dessa cultura africana, e essa
importância dessa cultura aqui dentro. Então, é como se a cidade, ela
estivesse fora desse contexto e não conseguiu sintonizar com a chegada
daqueles estudantes que terminaram, o primeiro grupo mesmo acho que
terminou sendo vítima de uma série de situações, mal entendidos. As pessoas
não conseguiam entender o que era um convênio, o que era este intercâmbio
de estudantes dos países de língua portuguesa dentro da cidade. E até ter esta
compreensão, eu acho que eles tiveram muitos problemas, sofreram
bastante… tinha gente que dizia assim: “ah, talvez se fosse um grupo de
europeus seria diferente…31

O depoimento deste professor, que atua em São Francisco do Conde, na Bahia, revela
o racismo sofrido pelos estudantes estrangeiros, sobretudo, quando afirma que algumas
pessoas diziam que se o grupo de estrangeiros fosse da Europa, a situação seria diferente.
Percebemos, diante do contexto apresentado, como as questões raciais ainda são basilares nas
relações sociais no Brasil e não estão nem perto de se resolver, tampouco foram pensadas com
a profundidade necessária pelos propositores das políticas de implantação da instituição.
Além disso, o relato nos faz refletir que não basta escolher uma cidade cuja população
afrodescendente é de 90% para sediar um dos campi da universidade sem pensar em um
processo de conscientização dos cidadãos da região com relação a seu lugar como pessoa
negra nesta sociedade e às mudanças que a presença de uma universidade com esta proposta
na região poderiam proporcionar a suas vidas. Nesse sentido, os trabalhos de extensão da
Unilab se tornam imprescindíveis para que se alcance o objetivo de diminuição das
desigualdades sociais e raciais proposto em suas diretrizes, já que, através deles, é possível
alcançar a população da região e fazer, com ela, este processo de educação para as temáticas
étnico-raciais. Vejamos a fala de dois estudantes de São Francisco do Conde que reforçam
essas conclusões:

Saí de Angola e vim pra cá sem saber direito onde eu iria, porque eu já tinha
conhecimento sobre o Brasil, mas não sabia quase muita coisa sobre São
Francisco do Conde. Aí, com a minha chegada, teve aquele impacto, né?
Tanto por minha parte, como uma estudante africana, como por parte da

31
Acesso ao vídeo com este depoimento está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=REPgS8ep0RA&t=136s. Acesso em: 30 nov. 2020.
101

população são franciscana. Também, foi o primeiro grupo de africanos a


chegar na cidade, e de uma certa forma, eles não foram totalmente
preparados para nos receber, então teve aquele choque de estranhamento. A
gente estranhou eles, eles também estranharam a gente, mas com o tempo a
gente foi convivendo, fomos trocando experiência, tivemos choques, né,
tivemos problemas difíceis, mas também, depois, a gente conseguiu superar,
e hoje em dia, a gente tem uma relação boa, posso dizer, né? O pessoal já
sabe quem nós somos, já consegue distinguir os países, e nós também já
conhecemos um pouco da cultura de São Francisco e da universidade
também. A gente tem tido apoio dos professores que estão aí pra apoiar a
gente… e é uma experiência boa, né, me muda tanto como pessoa tanto
como estudante também…32

O relato da aluna reforça a questão da mitificação falada anteriormente. Fica nítido


que a população local não foi preparada para a transformação social, cultural e econômica que
a presença da universidade trouxe, e que os novos estudantes esperavam conhecer outro
Brasil. Outro aluno complementa, com seu relato, informações sobre esta adaptação. Em sua
fala, ele revela a importância dos projetos de extensão para que a integração, realmente,
aconteça:

O processo de integração, como muitos pensam, acham que é uma coisa que
acontece de uma hora pra outra, mas é um processo em construção. E já se
vê esta aproximação entre a galera, já tem aqui uma integração, eu sou
exemplo dessa integração. Eu falo bem com todo mundo, trato todo mundo
da mesma forma. Dentro da Unilab e lá fora, inclusive tenho um projeto de
extensão que eu participo, que é “Cunho preto”, hip-hop como meio de
integração faculdade-comunidade, um projeto que tenta fazer uma integração
além dessa que é promovida dentro do nosso campus... levar a ideologia da
Unilab por fora.33

Os efeitos dessa mitificação são os conflitos, visto que é notório o desconhecimento da


população brasileira quando se trata de África. Este fato gera diversas situações
constrangedoras tanto para brasileiros quanto para os estudantes dos países africanos. Tanto é
que existe um vídeo no canal “Construindo o conhecimento”, criado por um aluno guineense
da Unilab, onde ele dá um exemplo das consequências deste desconhecimento da África por
nós, brasileiros. O título do vídeo é “Se fala português na África?”34, e, nele, o aluno descreve
um diálogo com uma vendedora de uma loja. A mulher questiona sua origem e, quando ele
responde que é da Guiné-Bissau e explica onde fica o país, já que a vendedora desconhece a
existência do lugar, ela diz: “Ah, tu és africano, garoto, por que não disse logo?”. E ele

32
Acesso ao depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=REPgS8ep0RA&t=136s. Acesso
em: 30 nov. 2020.
33
Link de acesso ao depoimento: https://www.youtube.com/watch?v=REPgS8ep0RA&t=136s. Acesso em: 30
nov. 2020.
34
Link de acesso ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=FSbuwg_1fPc&t=99s. Acesso em: 30 nov. 2020.
102

responde: “Porque eu sou guineense. Nos meus documentos tá lá guineense, não está lá
africano”.

A conversa segue com a vendedora mostrando sua surpresa com o fato de os


“africanos falarem bem o português” e, devido a esta declaração, o estudante explica que seu
país também foi colonizado por Portugal. Ele continua o vídeo, então, explicando que África é
um continente e não um país e discorrendo sobre todos os países de lá onde o português é
língua oficial. A necessidade de postar um vídeo na internet desmistificando e explicando um
pouco a história dos PALOP mostra que além da língua portuguesa como oficial, o que
compartilhamos com os falantes de português do continente africano é um conjunto de
preconceitos e de falta de referências. Portanto, integrar esses povos, tornando-os uma única
comunidade lusófona exige esforços que vão muito além da própria criação da universidade.

A questão da mitificação do nosso país e do próprio racismo fica bastante nítida nas
falas narradas e nas situações apresentadas. Sobre como eram tratados os casos de racismo
pela gestão, temos o seguinte relato:

Enquanto eu estive lá, isso aí era uma das nossas grandes preocupações, e
como pró-reitor de políticas afirmativas e estudantis, nós tratávamos disso
nas reuniões que nós fazíamos com eles, nas palestras, e meu gabinete tava
sempre aberto pra recebê-los e recebê-las, e ouvir e orientar a respeito dos
casos que eles traziam. No entanto, muitos dos meninos e das meninas, pelo
fato de não conviver com o racismo da forma como ele se manifesta no
Brasil em seus países, muitas vezes não identificavam que estavam sendo
vítimas de racismo. Então, naquele momento, as nossas queixas não eram…
eram muito poucas, e todas as vezes que elas surgiam, nós tentávamos estar
ao lado dos alunos, ver o que, de fato, tinha acontecido e tentar, de alguma
forma solucionar os problemas.35

Aqui, o professor traz uma informação importante que é o fato de que o racismo se
manifesta de maneira muito diferente no Brasil e nos países da África. Entretanto, relatar
poucas queixas com relação ao tema também pode estar ligado a situações de racismo que não
são compartilhadas com professores ou gestores por diversos motivos, sendo um deles, o fato
de que costumamos falar sobre essas situações com pessoas com as quais temos mais
confiança. No depoimento de um aluno, que será apresentado mais adiante, esta situação fica
mais explícita. De todas as formas, certamente, a presença de pessoas negras em cargos como
este (pró-reitor de políticas afirmativas e estudantis) possibilita uma maior abertura dos
discentes para discussão das questões raciais.

35
Continuação do relato cedido pelo profissional por Whatsapp.
103

Na fala a seguir, apresentamos uma reflexão sobre como vivenciar o que é o racismo,
de fato, no Brasil, representou para um estudante:

Os sentimentos que eu tenho, a minha própria vida eu devo muito ao Brasil,


porque, hoje, a leitura que eu faço do tempo e do espaço e do mundo, eu
aprendi aqui, sabe, com a realidade brasileira. Eu não pensava que eu ia
presenciar o que eu presenciei aqui no Brasil. Claro, a gente vê aquele Brasil,
um povo muito alegre, um povo divertido, mas… porém eles também não
mostravam-nos o outro lado do Brasil que é a desigualdade, né? Que é a
própria condição dos negros aqui no Brasil. Isso eu não sabia. Falavam em
racismo, a gente entendia que era um racismo comum, né? Um xingamento,
algo do tipo, mas quando cheguei aqui no Brasil … a desigualdade, sabe…
as pessoas que moram dentro da ignorância, sabe? É um país tão grande que,
talvez, ele não dá conta de toda a sua população. Você vem numa parte e vê
pessoas totalmente esquecidas, sabe? Você vê realidades muito complexas, e
isso traz um sentimento de revolta também, quando você vê em quais
condições de vida os seus descendentes vivem aqui no Brasil, isso é
chocante. Isso faz você pensar em como a própria colonização foi violenta e
o que os homens africanos foram submetidos a eles aqui nesse país, sabe? E
o Brasil tem este vestígio muito muito claro, tipo, em nosso país a gente não
vê, porque somos de uma geração que já encontrou independência, então nós
não conseguimos entender esta diferença, ouvimos falar que os portugueses
estavam lá fazendo as coisas, mas nós não sabíamos e não conhecíamos esta
realidade. E aqui a gente presencia esta realidade, pra você ver quais
condições que o negro e a negra têm, sabe? Então, é algo que me
surpreendeu bastante, sabe? Me trouxe um sentimento de revolta, sabe? Não
de uma revolta de querer fazer um conflito armado ou um confronto
corporal, mas uma revolta intelectual mesmo, de produzir conhecimento
voltado a estas questões. O que eu faço é desmascarar, contar a verdade, o
que eles estão fazendo com os homens africanos aqui neste espaço, sabe?
Também para os líderes africanos terem consciência, né? Não só… pro
mundo saber o que acontece com os homens pretos aqui neste país, sabe? É
nesse sentido de ter essa revolta, sabe? Também pra ver se os próprios
negros daqui, eles atentam a essa questão para se posicionarem, sabe? Pra
começarem a questionar: qual é o meu lugar de fala? Qual é o meu lugar de
tomada de decisão, sabe? Isso, eu acho que foi muito fundamental na minha
pessoa pra ter esse olhar que eu tenho hoje sobre o mundo.36

O forte relato do estudante traz várias questões passíveis de reflexão. Mais uma vez, o
Brasil mítico é descortinado pela realidade que não chega ao exterior. O mito da democracia
racial é colocado à prova quando o estudante revela sua surpresa pela situação da população
negra no Brasil, já que a imagem vendida de país onde negros e brancos convivem em
haromina é destuída. Sobre esse mito, Nilma Lino Gomes, em entrevista a Glenda Valim de
Melo, explica que:

A democracia racial é uma narrativa presente na nossa cultura, na política,


nas relações de poder, no imaginário e nas micro-práticas sociais brasileiras
36
Link de acesso ao depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=69s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
104

que afirma a não existência do racismo e da desigualdade racial entre negros


e brancos. Afirma que a situação de colonização pelos portugueses foi “mais
branda e amistosa” do que em outros contextos de dominação colonial,
devido a uma maneira “amigável” de relação entre senhores(as) e
escravos(as), a uma propensão dos portugueses de se misturarem com os
povos que eles oprimiam. Trata-se de um discurso mítico (e, na minha
opinião, violento) que chega ao cúmulo de afirmar que tudo isso resultou
numa maior “tolerância e aceitação” do Brasil e dos brasileiros em relação a
negros e negras. Sugere, portanto, uma harmonia entre as raças (GOMES,
2016, p. 116).

Esta falsa harmonia, apontada pela pesquisadora, se dá, também, pela aparente
cordialidade com que vivem brancos e não brancos no país. Entretanto, essa cordialidade
serve para legitimar um estado de coisas onde os lugares sociais são bem demarcados:

A “cordialidade” das relações raciais brasileiras é expressão da


estabilidade da desigualdade e das hierarquias raciais, que diminuem o
nível de tensão racial. A cordialidade não é para “negros imperti
nentes”. As relações cordiais são fruto de regras de sociabilidade que
estabelecem uma reciprocidade assimétrica que, uma vez rompida,
justifica a “suspensão” do trato amistoso e a adoção de práticas
violentas (SALES JUNIOR, 2006, p. 230).

Portanto, presenciar a realidade brasileira e uma forma de racismo completamente


diferente da que imaginava lhe possibilitou refletir sobre o lugar da população negra na
sociedade e lhe trouxe o desejo, a partir da revolta, de agir de alguma forma para
transformação dessa realidade. Quando reflete sobre a situação do negro no mundo e
demonstra seu desejo de agir para a transformação dessa realidade a partir do que
experienciou no Brasil, o aluno representa bem o processo de tomada de consciência da
população negra descrito por Molefi Asante (2009, p. 104):

O que os africanos fazem no Brasil, na Colômbia, na Costa Rica, na


Nicarágua, no Panamá, na Venezuela, nos Estados Unidos, na Nigéria, em
Gana, em Camarões, no Congo e na França é parte de uma ascensão geral e
coletiva à consciência, na medida em que tenha como objetivo o processo de
libertação.

Sobre sua visão com relação à integração na universidade, ele responde:

Meu amigo, essa questão da integração é muito complexo pra eu que já sou
antigo aqui, eu tenho uma visão muito ampla sobre essa questão da
integração. Olha, a integração acontece, ela acontece porque estamos aqui,
você é guineense, sou caboverdiano, tem brasileiro, a gente, por mais que
não tenha essa harmonia, esse amor sincero entre a gente aqui, mas acontece.
Convivemos aqui, tamos dividindo o mesmo espaço, né? Agora, teríamos
que avaliar essa integração, sabe? Porque a própria universidade, ele propõe
algo, ele não... ele não constrói mecanismos para regular isso, sabe? Por que
eu falo isso? Vejamos, a própria universidade, ele estabelece como um
105

entidade que luta contra o racismo, luta contra toda forma de discriminação
racial. Mas, no entanto, a universidade não tem critério para avaliar quem
são os racistas que vão entrar aqui. Você tem vários professores, técnicos
que entram aqui que são racistas. A universidade não consegue avaliar,
identificar essas pessoas. Por isso eu disse, é complicado porque eu penso
que a universidade aqui, nesses parâmetros que temos, nas condições
humanas que vivemos e sabemos, eu acho que tem que ter setores pra
identificar quem são as pessoas que vão entrar aqui, né? Não fazer seleção
para colocar funcionários aqui, essa seleção tradicional, temos que ter análise
de currículo pra ver o que a pessoa tem pra tá aqui, porque uma pessoa que
não conhece as questões raciais, ele não é culpado, ele não convive com isso,
ele chega aqui, simplesmente vem aqui pra trabalhar pra ganhar o seu
dinheiro, mas eu acho que o propósito é mais porque aqui envolve
dimensões humanas, envolve pessoas, seres humanos com seu sentimento,
com seu eu, então, eu acho que isso deve ser regulado, deve ser controlado
pela instituição. Agora, a instituição tem que ter a responsabilidade de fazer
o seguinte: de ter pessoas aqui capaz de promover isso porque se as pessoas
não têm a capacidade de promover a integração, acontece o que nós temos,
os professores chegam aqui, dão aula e vão pra Fortaleza. Os alunos ficam
aqui, quem tem mais condição sai, então fica uma coisa muito frustrante,
uma integração desarmônica, então eu acho que a universidade tem um papel
importante para produzir isso, que é avaliar quem são as pessoas que vão
entrar aqui dentro e como eles vão entrar. Será que eles têm condições de tá
aqui dentro? Será que eles entendem o projeto? Será que eles têm afinidade
com o projeto? Ou, caso contrário, será que temos que formar eles aqui
dentro para eles entenderem o que isso significa? Isso são questões que
temos que levantar para essa integração, mas… no entanto existe integração.
Existe, a universidade já provou coisas bacanas aqui, já demos respostas
necessárias para essa comunidade, não só para o Brasil, a nível de produção
de conhecimento, a nível de produção de cultura, a universidade tá
muito, muito avançada. Eu penso que este projeto é muito audacioso, pode
ser um dos melhores do mundo. Se levarem em conta essas dimensões para
regular quem vai projetar, quem vai discutir este projeto com seriedade, eu
acho que vamos construir uma universidade que o mundo vai conhecer, tá
certo? Esta é minha visão.37

Nesse trecho, o aluno mostra sua visão sobre a integração e a define como uma
“integração desarmônica” por todos os problemas explicados de maneira detalhada por ele. O
estudante levanta questões importantes sobre o racismo dos próprios professores e demonstra
como se sente separado (e não integrado) dos docentes que não entendem o que é o projeto da
Unilab, a que se propõe a instituição. Casos de racismo em universidade não são incomuns no
Brasil e não seria diferente na Unilab, a não ser que, como sugere o discente, houvesse uma
política pensada para os docentes no sentido de compreender a proposta e o público-alvo da
instituição.

Quando perguntado sobre a integração entre os próprios alunos:

37
Link de acesso ao depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=394s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
106

Eu acho muito legal, eu mesmo já vivenciei muito esta realidade, esta


integração entre os alunos. A brincadeira mesmo, esse sentido de manifestar,
de mostrar a pessoa, de querer projetar o seu mundo, sabe? E a gente faz isso
nas nossas manifestações diárias aqui, convivendo com o outro… e como os
americanos dizem, vamos dar o meu “best”, o meu melhor, sabe?A gente se
projeta, a elegância, sabe? As danças, a música, a forma de falar, sabe? A
forma de conquistar o outro, né? De se relacionar, tudo isso é algo que fica
marcado na minha pessoa e acho que dentro dessa comunidade também fica
marcado. Essa integração foi muito forte, embora hoje vivemos momentos
difíceis, não só no contexto local, mas no contexto nacional, né? Devido a
várias questões políticas, você vê que todo mundo tem problemas, tem hoje
uma ruptura, uma segregação dentro desse espaço. Hoje você vê que,
antigamente os brasileiros e africanos relacionavam mais… hoje os
brasileiros tão afastando… não sei se é o tempo, não sei se também é o
contexto atual, mas esse último tempo é muito complexo. Ele é muito
complexo porque criou-se um pensamento de ódio no país pelo próprio
governo, e as pessoas estão legitimando, a partir desse pensamento, para
praticar o racismo. Então, as pessoas… hoje, os racistas, eles ganharam
espaço, porque eles estão achando que é legítimo o comportamento deles,
então eles praticam isso dentro da universidade, um pouco complicado.

A integração entre os alunos, segundo essa narrativa, aparenta se restringir às questões


culturais compartilhadas dentro do ambiente institucional e ao contato amigável entre eles.
Com relação às experiências culturais, um dos membros da comunidade que fez parte da
gestão, lembra de como foram os esforços da equipe da Unilab para que as diferenças deste
contato inicial fossem resolvidas:

As diferenças culturais, elas eram muito gritantes... em relação à linguagem,


em relação ao comportamento, em relação ao convívio, e nós tivemos que
nos articular em relação a isso. Eu trabalhava com uma equipe excelente,
essa foi uma grande sorte da minha gestão. Eu tinha um grupo de psicólogos
muito bons, havia dois psicólogos excelentes que trabalhavam comigo e
havia também duas assistentes sociais extremamente competentes e
maravilhosas e uma equipe de técnicos administrativos que também era
muito boa. E aí, nós começamos a fazer reuniões em busca de soluções, em
busca de bons caminhos, em busca de ações que pudessem contribuir com a
adaptação dos alunos e das alunas. E aí, obviamente, com isso impactar nas
questões ligadas ao emocional, nas questões ligadas à adaptação com a
língua, com a linguagem, com a cultura, com comportamento, religiosidade,
tudo isso. E nós criamos um seminário que tinha o nome de SAMBA, que
era Seminário de Ambientação Acadêmica. E aí, esse seminário, nós
oferecíamos no momento em que eles chegavam e era um tempo assim,
durava mais ou menos uma semana, que nós falávamos da cultura do Brasil,
falávamos de legislação, falávamos da linguagem, falávamos de racismo,
falávamos de gênero, de sexualidade, de cuidados pessoais, de higiene, de
tudo que tava ligado à cultura local, a cultura do nosso país, até mesmo em
107

relação aos comportamentos masculinos, comportamentos femininos, os


comportamentos ligados às questões de gênero e de sexualidade.38

No trecho acima, explicita-se como a ambientação dos discentes precisava ser feita
unindo língua/linguagem à cultura, ao social, à religiosidade, à sexualidade e, certamente, à
raça. A proposta do seminário SAMBA foi uma relevante alternativa para diminuir os
desencontros causados por tamanha diferença de visões de mundo que se encontravam no
espaço da Unilab.

Entretanto, como narra um dos alunos, a mudança do governo onde se pensou a


criação da Unilab, para um governo cuja ideologia é oposta a tudo o que se pretendia quando
se criou a universidade, permitiu a legitimação de crimes como o racismo, sob a desculpa de
ser “apenas” a exposição de uma opinião. Nesse sentido, fica evidente que, se antes a
integração lusófona encontrava desafios a serem superados na instituição, agora tais desafios
são ainda maiores e a lusofonia afro-brasileira está ainda mais enfraquecida.

Por fim, o estudante aborda uma questão muito relevante sobre a Unilab ser uma
universidade Afro, porém gerida por, majoritariamente, pessoas brancas. Sua fala é relevante
porque, mais uma vez, traz o conceito de agência (apresentando no capítulo sobre a
perspectiva epistemológica afrocentrada) para o centro do debate, já que trata da tomada de
consciência da população negra sobre sua condição:

Eu acho que a Unilab tem uma responsabilidade enorme, não sei se os


dirigentes dessa universidade têm consciência dessa responsabilidade que
eles têm com essa universidade. A dimensão humana que existe aqui é muito
grande, a questão da violência é muito forte, não uma violência corporal,
mas uma violência psicológica que o homem negro foi submetido há muito
tempo. Então, eu acho que hoje é muito importante a universidade pensar a
relação que se dá entre a comunidade onde ela está inserida com seus corpo,
que constitui ela. Eu falo dos africanos e da cidade, né? Harmonia que tem
que ser estabelecida para nova convivência. Eu entendo que esta cidade não
tá preparada para receber uma estrutura desse tipo, dessa natureza. Então, a
própria universidade tem a missão de preparar a comunidade junto com a
prefeitura e pensar um trabalho grande, né? E depois, é muito importante que
se pense nessa estrutura de uma universidade afro. Tendo uma universidade
afro e pensar qual é o seu corpo dirigente, qual é o seu corpo de tomadas de
decisões. Eu acho que isso fica também uma crítica para os movimentos
negros, para os intelectuais negros que tão aqui, para atentarem a isso, né?
Como vamos projetar o nosso mundo sendo que não somos nós que tamos
gerenciando essa ideia, sabe? Eu acho que temos que ter autonomia também
de gerenciar a nossa própria ideia. E dizer pros alunos que vamos à luta,
encarar as dificuldades, é muito complexo hoje estar aqui na Redenção,
38
Link de acesso ao depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=394s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
108

cidade pequena em todas as dimensões, é muito, muito complexo, mas eu


quero deixar aqui a minha força pra todo mundo e dizer que temos que lutar.
Lutar não no sentido do enfrentamento, mas de utilizar estratégia,
pensamentos para ultrapassar as dificuldades.39

O discente traz, nesse trecho, uma informação dada pelos outros alunos e também
pelos professores: o fato de que as cidades onde se instalaram os campi não estavam
preparadas para receber a universidade. Ele mesmo apresenta uma possível solução: a parceria
com a prefeitura para a realização dessa aproximação entre a população da cidade e a
universidade.

Os relatos trazidos ao longo desta análise não representam todas as opiniões da Unilab
e tampouco são em número suficiente para que se façam generalizações. Entretanto, sua
importância está no fato de que apresentam falas que dialogam entre si e que trazem,
basicamente, as mesmas problemáticas. Unindo essas falas aos documentos analisados,
podemos ter uma noção de como as questões raciais e linguísticas se configuram na
instituição.

Nesse sentido, concluímos que a Unilab apresentou propostas de políticas afirmativas


para os alunos, entretanto, esbarrou, no momento de sua implementação, com as próprias
limitações do país para lidar com as questões raciais na prática, tais como a visão do Brasil
vendida aos países africanos negros. Pensar que a integração se daria, sobretudo pela língua
(ainda que não tenha sido pensada nenhuma política linguística específica no momento da
construção das diretrizes da instituição), e não levar em conta os fatores que foram
identificados, tais como: racismo existente entre o próprio corpo docente e discente,
idealização das cidades que receberam os campi por seu histórico relacionado à questão racial
e a própria mitificação do país pelos estrangeiros, prejudicou o processo de identificação e,
consequentemente, de integração entre os membros dessa comunidade.

Dessa forma, entendemos que como a Unilab não está fora do todo que é o Brasil, ela
reflete as contradições da sociedade brasileira, tais como o racismo estrutural. Portanto, ainda
que a instituição esteja à frente de muitas outras com relação a políticas afirmativas, ainda
existem desafios a serem superados para que ela seja uma universidade afro-brasileira de fato.

39
Link de acesso ao depoimento disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCyiKeTQtJg&t=394s.
Acesso em: 30 nov. 2020.
109

Finalmente, reforçamos que as dificuldades apresentadas não podem ser consideradas


impedimentos para a aplicação do projeto desta universidade, já que a importância desta
política pública educacional também está no fato de que o caminho para que os recursos
historicamente negados a uma determinada parcela da população sejam acessados, é através
do enfretamento dessas precariedades e contradições.
110

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise dos documentos e falas da comunidade acadêmica, foi possível


concluir que tanto língua quanto raça são questões problemáticas dentro da Unilab. Afirmar
isso, não é um intuito de tirar o mérito de todas as consequências positivas da criação da
universidade. Entre elas, destaco, no currículo dos cursos de graduação, o Núcleo de formação
comum a todos os estudantes que, através do enfoque não só em questões que envolvem a
vida acadêmica, mas também direitos humanos, raça, diversidade, sexualidade, gênero e
movimentos de resistência, possibilita a formação de profissionais mais preparados para lidar
com estas importantes e fundamentais questões, através de mudanças de perspectiva de
mundo que serão efetivadas por meio da linguagem nas práticas sociais.

Ademais, só o fato de se criar uma universidade cujo público-alvo é, majoritariamente,


formado por pessoas negras e/ou não brancas, já se configura como uma ação de
transformação social. Com relação a este fato, Nilma Lino Gomes (2016, p. 117), reforça a
importância das políticas afirmativas nas universidades, visto que permitem à população
negra construir conhecimento. Portanto, "ao possibilitarem políticas públicas e privadas
voltadas para a superação do racismo, para a garantia da igualdade racial e dos direitos da
população negra, as ações afirmativas impactam todo o país e todas as áreas do
conhecimento”. Ela acrescenta que:

O próprio contexto das Ações Afirmativas já adotadas desde o início dos


anos 2000 por universidades públicas e privadas e, posteriormente, por meio
da Lei de Cotas (Lei Federal 12.711/12) e do Prouni tem possibilitado a
presença de estudantes negros e negras na educação superior pública e
privada. Muitos estão nas áreas das Ciências Humanas e Sociais e chegam
com experiências culturais, sociais, políticas extremamente ricas e cobram
das instituições e de seus pesquisadores espaço e orientação para pesquisas e
estudos sobre a questão racial no Brasil e no mundo (GOMES, 2016, p. 118).

No momento da implementação das políticas da universidade, entretanto,


identificamos diferentes desafios relacionados a essa questão, visto que, na documentação, a
questão racial aparece como algo relativamente simples. Entretanto, o que se percebe é que,
na prática, não houve uma preparação para que a comunidade acadêmica (sobretudo os alunos
estrangeiros) pudesse lidar com a adaptação não só ao Brasil e às diversas nuances que o
racismo apresenta aqui, como também não se pensou em como as cidades escolhidas para
sediarem os campi se estruturariam para isto. Esse fato ficou nítido nos relatos onde se narram
111

situações de racismo cometido por alunos, por professores e pela sociedade da região onde os
campi se encontram.

Com relação às políticas linguísticas para a língua portuguesa, percebemos que elas só
começaram a ser pensadas quando a universidade já estava em funcionamento, o que se
confirma nesta fala de um dos membros da comunidade acadêmica:

Os estudantes tinham que ter alguma proficiência na utilização da língua


portuguesa, pelo menos, proficiência escrita, né, tanto que a prova que eles
faziam em seus países para ingresso na Unilab, essas provas eram aplicadas
em língua portuguesa. Alguns relatavam dificuldades, tanto era assim, que
nós estávamos já em via de negociação para o contrato de uma professora
especialista em ensino de língua portuguesa como segunda língua para ela
nos orientar, nos apontar saídas e conversar com os professores, ministrar
cursos, ministrar palestras. Mas eu saí de lá antes que isso acontecesse.
Então, quando eu saí, já estava essa pendência da criação de alguma
estratégia ou do oferecimento de algum curso que pudesse sanar… sanar
seria uma palavra muito forte, mas que pudesse contribuir para o uso
da língua portuguesa oficial do Brasil.40

O português comum a todos os países membros, como se pode perceber por meio da
fala acima, é a variedade escrita da língua. Ademais, devido ao fato de que os países
considerados lusófonos da África seguem o padrão do português europeu, os discentes, ao
realizarem os exames de proficiência em seus países, foram avaliados de acordo com esse
padrão. Ao chegarem à universidade, portanto, se depararam com o fato de ter que aprender
uma nova língua: a variedade brasileira do português ou o chamado português brasileiro.
Diante dessa situação é que começaram a se pensar em medidas para resolver a questão da
comunicação, como fica nítido no trecho: “nós estávamos já em via de negociação para o
contrato de uma professora especialista em ensino de língua portuguesa como segunda língua
para ela nos orientar, nos apontar saídas e conversar com os professores, ministrar cursos,
ministrar palestras”.

Com a criação do Núcleo de Línguas (Nucli), considerado a política linguística oficial


da instituição, implementada dez anos após a criação da universidade, foi possível
compreender que a língua portuguesa, mais especificamente a variedade brasileira do
português, é vista como um instrumento para a internacionalização. Há, portanto, uma
tentativa de mudança do status do português brasileiro no mundo, feita por meio de uma
política de prestígio onde se usa a ideologia da lusofonia como discurso para aumentar a
importância da língua portuguesa, já que os dados referentes a números de falantes dessa
40
Continuação do relato cedido pelo profissional por Whatsapp.
112

língua não são suficientes para comprovar seu papel de destaque no mundo globalizado de
hoje.

Isso se comprova, pois com exceção de Portugal e Brasil, onde a língua portuguesa é
hegemônica, todos os países membros da parceria proposta pela Unilab têm uma realidade
sociolinguística muito complexa. E mais do que a língua portuguesa como oficial, o que une
tais países é o fato de que o português, nessas nações, é a língua minoritária. Portanto,

[...] como pensar em “lusofonia”, por exemplo, em São Tomé e Príncipe que,
na época da independência, há pouco mais de quarenta anos, contava com
95% de pessoas analfabetas e cujos falares próprios vêm sofrendo
estigmatização desde sempre? Ou em Moçambique, em que o índice de
alfabetismo total é de apenas 47%? Ou no Brasil, com sua taxa de
analfabetismo funcional estabilizada há mais de dez anos em 3/10 da
população? (BAGNO, 2020, p. 263)

Além disso, o Português europeu continua sendo visto como o modelo por todos esses
países, o que faz com que não só a variedade brasileira, aprendida pelos alunos da Unilab,
mas também as variedades africanas do português continuem sendo desvalorizadas.

Nesse sentido, entendemos a presente investigação como um estudo não só sobre os


efeitos glotopolíticos do surgimento da Unilab, mas também sobre os desafios na
implementação das políticas da instituição. Desta forma, a pesquisa pode contribuir com
outras de teor etnográfico que se proponham a investigar aspectos das políticas linguísticas
relacionados às práticas de linguagem dos membros dessa comunidade de fala. Outro caminho
possível, a partir deste trabalho, seria investigar se houve algum impacto no status do
português (sobretudo o português brasileiro) nos PALOP após os dez anos de criação da
Unilab.
A relevância deste estudo se apresenta, também, na relação que se faz entre língua e
raça por meio da abordagem glotopolítica. Assim, foi possível analisar decisões tomadas na
universidade e seus efeitos na linguagem. Um exemplo é o trabalho com a temática racial no
currículo e os impactos desta parte da formação para os discentes, que expressam sua
mudança de visão de mundo nas práticas sociais e, consequentemente, na e pela língua. Com
relação às políticas linguísticas, a pesquisa mostrou que além das decisões macro, como leis e
programas institucionais, decisões individuais, tais como que língua usar no ambiente
institucional dependendo de quem é o interlocutor, também são decisões glotopolíticas.
Finalmente, a análise sobre a lusofonia confirma que apesar de não existir apenas uma
língua portuguesa, visto que cada país lusófono apresenta uma variedade caracterizada pelas
113

condições particulares onde essa língua é falada, o Português Europeu segue sendo
hegemônico, sobretudo para os PALOP, e o português brasileiro disputa esta hegemonia.
Portanto, uma lusofonia que ignora as variedades existentes nos países africanos de língua
oficial portuguesa acaba sendo uma versão neocolonial da ideologia que via nesta fonia, uma
união entre seus povos.
114

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120

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Diógenes e José Reginaldo Aguiar. Redenção: UNILAB, 2013.

UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Carta de


Serviços ao cidadão. 2009. Disponível em: http://unilab.edu.br/carta-de-servicos-ao-cidadao/.
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UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Projeto


Pedagógico - Graduação em Letras. Língua Portuguesa. São Francisco do Conde: Unilab,
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UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Projeto


Político Pedagógico - Graduação em Letras. Língua Portuguesa. Redenção: Unilab, 2016.

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121

ANEXOS

ANEXO A – LEI Nº 12.289, DE 20 DE JULHO DE 2010

LEI Nº 12.289, DE 20 DE JULHO DE 2010.

Dispõe sobre a criação da Universidade da


Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira - UNILAB e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Fica criada a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira -


UNILAB, com natureza jurídica de autarquia, vinculada ao Ministério da Educação, com sede
e foro na cidade de Redenção, Estado do Ceará.

Art. 2o A Unilab terá como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas
diversas áreas de conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão
institucional específica formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o
Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP,
especialmente os países africanos, bem como promover o desenvolvimento regional e o
intercâmbio cultural, científico e educacional.

§ 1o A Unilab caracterizará sua atuação pela cooperação internacional, pelo intercâmbio


acadêmico e solidário com países membros da CPLP, especialmente os países africanos, pela
composição de corpo docente e discente proveniente do Brasil e de outros países, bem como
pelo estabelecimento e execução de convênios temporários ou permanentes com outras
instituições da CPLP.

§ 2o Os cursos da Unilab serão ministrados preferencialmente em áreas de interesse mútuo do


Brasil e dos demais países membros da CPLP, especialmente dos países africanos, com ênfase
em temas envolvendo formação de professores, desenvolvimento agrário, gestão, saúde
pública e demais áreas consideradas estratégicas.
122

Art. 3o A estrutura organizacional e a forma de funcionamento da Unilab, observado o


princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, serão
definidas nos termos desta Lei, do seu estatuto e das demais normas pertinentes.

Art. 4o O patrimônio da Unilab será constituído pelos bens e direitos que ela venha a adquirir
e por aqueles que venham a ser doados pela União, Estados e Municípios e por outras
entidades públicas e particulares.

§ 1o Só será admitida doação à Unilab de bens livres e desembaraçados de qualquer ônus.

§ 2o Os bens e direitos da Unilab serão utilizados ou aplicados exclusivamente para a


consecução de seus objetivos, não podendo ser alienados, exceto nos casos e nas condições
permitidos em lei.

Art. 5o Fica o Poder Executivo autorizado a transferir para a Unilab bens móveis e imóveis
necessários ao seu funcionamento, integrantes do patrimônio da União, bem como a transpor,
remanejar, transferir total ou parcialmente, dotações orçamentárias aprovadas na lei
orçamentária de 2010 e em créditos adicionais da Universidade Federal do Ceará - UFCE,
mantida a estrutura programática, expressa por categoria de programação, conforme definida
no § 1o do art. 5o da Lei no 12.017, de 12 de agosto de 2009, inclusive os títulos, descritores,
metas e objetivos, assim como o respectivo detalhamento por esfera orçamentária, grupos de
natureza de despesa, fontes de recursos, modalidades de aplicação e identificadores de uso e
de resultado primário.

Parágrafo único. A transposição, transferência ou remanejamento não poderá resultar em


alteração de valores das programações aprovadas na lei orçamentária de 2010 ou em créditos
adicionais, podendo haver, excepcionalmente, ajuste na classificação funcional.

Art. 6o Os recursos financeiros da Unilab serão provenientes de:

I - dotações consignadas no orçamento da União;

II - auxílios e subvenções que lhe venham a ser concedidos por quaisquer entidades públicas
ou particulares;

III - remuneração por serviços prestados a entidades públicas ou particulares;

IV - convênios, acordos e contratos celebrados com entidades ou organismos nacionais ou


internacionais; e
123

V - outras receitas eventuais.

Parágrafo único. A implantação da Unilab fica sujeita à existência de dotação específica no


orçamento da União.

Art. 7o Ficam criados, no âmbito do Poder Executivo Federal, os seguintes cargos, para
compor a estrutura regimental da Unilab:

I - os cargos de Reitor e de Vice-Reitor;

II - 150 (cento e cinquenta) cargos efetivos de professor da Carreira de Magistério Superior;

III - 69 (sessenta e nove) cargos efetivos técnico-administrativos de nível superior, conforme


o Anexo desta Lei; e

IV - 139 (cento e trinta e nove) cargos efetivos técnico-administrativos de nível médio,


conforme Anexo desta Lei.

§ 1o Aplicam-se aos cargos a que se referem os incisos II a IV as disposições do Plano Único


de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos, de que tratam as Leis nos 7.596, de 10
de abril de 1987, 11.784, de 22 de setembro de 2008, bem como o Regime Jurídico instituído
pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

§ 2o Aplicam-se aos cargos efetivos de professor da Carreira de Magistério Superior as


disposições da Lei no 11.344, de 8 de setembro de 2006.

§ 3o Aplicam-se aos cargos efetivos do Plano de Carreiras e Cargos dos Técnicos


Administrativos em Educação - PCCTAE as Leis nos 10.302, de 31 de outubro de 2001, e
11.091, de 12 de janeiro de 2005.

Art. 8o O ingresso nos cargos do Quadro de Pessoal efetivo da Unilab dar-se-á por meio de
concurso público de provas ou de provas e títulos.

Art. 9o Ficam criados, no âmbito do Poder Executivo Federal, 37 (trinta e sete) Cargos de
Direção - CD e 130 (cento e trinta) Funções Gratificadas - FG, necessários para compor a
estrutura regimental da Unilab, sendo:

I - 1 (um) CD-1, 1 (um) CD-2, 15 (quinze) CD-3 e 20 (vinte) CD-4; e

II - 40 (quarenta) FG-1, 30 (trinta) FG-2, 30 (trinta) FG-3 e 30 (trinta) FG-4.


124

Art. 10. O provimento dos cargos efetivos e em comissão criados por esta Lei fica
condicionado à comprovação da existência de prévia dotação orçamentária suficiente para
atender às projeções de despesa de pessoal a aos acréscimos dela decorrentes, conforme
disposto no § 1o do art. 169 da Constituição Federal.

Art. 11. A administração superior da Unilab será exercida pelo Reitor e pelo Conselho
Universitário, no âmbito de suas respectivas competências, a serem definidas no estatuto e no
regimento interno.

§ 1o A presidência do Conselho Universitário será exercida pelo Reitor da Unilab.

§ 2o O Vice-Reitor, nomeado de acordo com a legislação pertinente, substituirá o Reitor em


suas ausências ou impedimentos legais.

§ 3o O estatuto da Unilab disporá sobre a composição e as competências do Conselho


Universitário, de acordo com a legislação pertinente.

Art. 12. Os cargos de Reitor e de Vice-Reitor serão providos pro tempore por ato do Ministro
de Estado da Educação até que a Unilab seja implantada na forma de seu estatuto.

Art. 13. Com a finalidade de cumprir sua missão institucional específica de formar recursos
humanos aptos a contribuir para a integração dos países membros da CPLP, especialmente os
países africanos, para o desenvolvimento regional e para o intercâmbio cultural, científico e
educacional com os países envolvidos, observar-se-á o seguinte:

I - o quadro de professores da Unilab será formado mediante seleção aberta aos diversos
países envolvidos, e o processo seletivo versará sobre temas e abordagens que garantam
concorrência em igualdade de condições entre todos os candidatos de forma a estimular a
diversidade do corpo docente;

II - a Unilab poderá contratar professores visitantes com reconhecida produção acadêmica


afeta à temática da integração com os países membros da CPLP, especialmente os países
africanos, observadas as disposições da Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993;

III - os processos de seleção de docentes serão conduzidos por banca com composição
internacional, representativa dos países membros da CPLP;
125

IV - a seleção dos alunos será aberta a candidatos dos diversos países envolvidos, e o processo
seletivo versará sobre temas e abordagens que garantam concorrência em igualdade de
condições entre todos os candidatos; e

V - os processos de seleção de alunos serão conduzidos por banca com composição


internacional, representativa dos países membros da CPLP.

Art. 14. A Unilab encaminhará ao Ministério da Educação proposta de estatuto para


aprovação pelas instâncias competentes, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da
data de provimento dos cargos de Reitor e Vice-Reitor pro tempore.

Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 20 de julho de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Fernando Haddad
Paulo Bernardo Silva

Este texto não substitui o publicado no DOU de 21.7.2010


126

ANEXO B – QUADROS DE PESSOAL EFETIVO

CARGOS DE NÍVEL SUPERIOR (NS) QUANTIDADE

Administrador 9

Analista de Tecnologia da Informação 4

Arquiteto e Urbanista 2

Arquivista 2

Assistente Social 2

Auditor 1

Bibliotecário - Documentalista 4

Biólogo 2

Biomédico 2

Contador 4

Economista 2

Engenheiro/Área 4
127

Engenheiro de Segurança do Trabalho 1

Jornalista 4

Médico/Área 2

Nutricionista/Habilitação 2

Pedagogo/Área 2

Psicólogo/Área 2

Relações Públicas 3

Secretário Executivo 9

Técnico em Assuntos Educacionais 2

Tradutor e Intérprete 4

TOTAL
69

QUANTIDADE
CARGOS DE NÍVEL INTERMEDIÁRIO (NI)
128

Assistente em Administração 100

Técnico em Contabilidade 4

Técnico de Laboratório/Área 30

Técnico de Tecnologia da Informação 2

Técnico em Segurança do Trabalho 1

Tradutor e Intérprete de Linguagens de Sinais 2

TOTAL 139
129

ANEXO C – DIRETRIZES GERAIS UNILAB


130
131
132
133
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194
195
196
197
198

ANEXO D – PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL 2013-2017


199
200
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342

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