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uma

conversa
a sós
... eu é o outro

Vivemos em um tempo de estranhezas, de obscuridades, de incertezas, de


sobrevivências, mas vivemos também, em um tempo de luminescência, de criatividade, de
coletividade co-criativa, de potência de vida. Para o processo evolutivo, que é amoral, as
transformações acontecem sem um objetivo ou projeto determinado a priori, a não ser a
permanência da vida, através do que está vivo, do jeito que der. Isto já deveria ser em si uma
pista para que a vida, fosse para nós, o nosso maior compromisso. Mas de que vida estou
falando aqui? A vida humana, a vida animal, a vida mineral, a vida subatômica, a vida
existencial? Para este momento, me aterei à vida humana, aquela com qual posso melhor
dialogar. Se perguntarmos a um outro, se este outro está vivo, a resposta, indubitavelmente,
será sim. Mas de que vida este outro estará falando? Será que a vida de que falo, a humana,
e a vida do outro não é a mesma? Será que elas apresentam em si algum tipo de ordem
hierárquica? Algum tipo de verticalização? Algum tipo de mais-valia existencial? Ou será que
para a evolução, em seu processo contínuo, tudo está onde deveria estar? E tudo que está
vivo, deve viver, como der? Viver pode ser definido, conceitualizado e contextualizado por
infinitas perspectivas, e cada um, exceto em casos patológicos, dentro de sua realidade
subjetiva, pode escolher para qual deseja focar o seu olhar, e viver de acordo com sua escolha.
Viver é um ato biológico, social, emocional, espiritual, sensorial, perceptivo, um fluxo de
intensidades e possibilidades. Mas sempre um ato, o de permanecer vivo. A bem da verdade,
se é que existe alguma, na contemporaneidade, copiar e colar informações presentes no
mundo e nas redes as quais estamos conectados, numa perpetuação de imagens sem sentido,
tornou-se um hábito cognitivo mantido por um sofisticado sistema de captura dos processos
de subjetivação e de seus processos evolutivos. Os processos de subjetivação são, aqui,
entendidos como campo de forças em que o que está em cena não se restringe a um sujeito,
mas a um processo no qual, através da história, se reordenam sem cessar as lutas travadas
entre o existir singular e as forças de dominação exercidas pelos saberes e poderes instituídos.
Imagens neste contexto, são aceitas enquanto sentimentos, emoções, sensações,
percepções, acontecimentos, o próprio corpo. Quando a vida é reduzida a isso, a um fluxo de
imagens sem sentido, aparece a perversão de um poder que tenta eliminar o corpo no que
ele tem de mais potente, seu devir. Mas o mantém numa zona intermediária entre a vida e a
morte, entre o virtual e o atual. Entre o humano e o inumano, entre ou eu e o outro. É o
sobrevivente. Há quem diga que o biopoder contemporâneo, reduz a vida à sobrevida, reduz
vida à sobrevida biológica, produz sobreviventes. Estamos todos imersos nesse lugar crucial,
nesta sopa evolutiva, que é o contemporâneo, onde a política, a economia, as religiões, as
instituições e todos os tipos de dispositivos criados por elas se apossaram de nós, assim como,
de tudo que nos constitui, nossos gestos, nossos desejos, nossos sonhos e nossas
intensidades. É um tempo em que os conselheiros pérfidos, os bits e as realidades
apresentadas em vermelho, verde e azul, estão em plena glória luminosa, enquanto os
resistentes de todos os tipos, ativos ou passivos, se transformam em vagalumes fugidios
tentando se fazer tão discretos quanto possível, mas sem deixar de emitir seus sinais. Tudo
isto dentro de um processo que não julga nem valoriza nenhum tipo específico de forma de
viver. A evolução humana é a evolução de seu sistema simbólico e de seu corpo-imagem-
acontecimento. Pulsões, metáforas, signos e significados compartilhados e vivenciados
coletivamente viram cultura, e na tentativa de permanecer, algumas destas imagens se
replicam e outras se dissipam. Mas a permanecia do processo se faz presente e a evolução,
como um todo continua. Seguindo esta pista, a cultura não seria o que nos protege da
barbárie e deveria ser protegida contra ela, ela é o próprio meio onde prosperam as formas
inteligentes da nova ordem estabelecida e seus processos de subjetivação capturados. Os
corpos vibráteis, em suas intensidades vagalumescas estão tentando, por contágio vibratório,
acionar outros corpos vibráteis em um ato de pura profanação aos territórios. Emitindo sinais,
propagando memes, tentando permanecer. Dizem que os seres humanos sobreviventes
podem se tornar vagalumes, seres luminescentes, dançantes, erráticos, intocáveis e
resistentes enquanto tais, sob o olhar maravilhado de quem os observa. O vaga-lume não está
morto, não perdeu seus gestos e sua luz na historiografia de nosso contemporâneo sombrio,
que tenta a todo custo, condenar à morte sua inocência e seu devir. Mesmo diante desta
tentativa de colocar os corpos vibráteis, os vagalumes, em um estado de torpor, de morte,
esta tentativa de genocídio traz em si mesmo a força de sobrevivência daquilo que deseja
aniquilar. Como já dizia um amigo italiano, o genocídio cultural que seria o verdadeiro
fascismo na contemporaneidade globalizada, é aquele que tem por alvo os valores, as almas,
as linguagens, os gestos, as imagens, os corpos do povo. Aquele que conduz, sem carrascos
nem execuções em massa, à supressão da potência de grandes porções da própria
humanidade. Há quem acredite que a tragédia é que não existem mais seres humanos; que
só se veem por ai singulares engenhocas que se lançam umas contra as outras numa tentativa
de sobrevivência. Mas em tempos contemporâneos os vivos e os mortos-vivos convivem,
cada um, do seu jeito, tentando sobreviver. Uns capturados em suas pulsões de morte, outros
em suas pulsões de vida, micropliticando o existir. Os vagalumes estão por aí, entre nós,
emitindo maravilhosos sinais intermitentes, vibrações de vida. O que esta cognição
capitalística tenta fazer é invizibilizar os vagalumes, com luzes vorazes e furiosas projetadas
sobre a vida. Há todo um esforço para que os sobreviventes, percam a esperança, e ofuscados
não enxerguem os lampejos sutis destes corpos luminescentes. Para conhecer os vaga-lumes,
é preciso observá-los, com cuidado, no delicado presente de sua sobrevivência: é preciso vê-
los dançar vivos no meio da noite, mesmo que essa noite seja homogeneizada por alguns
ferozes projetores. Diz-se que ser contemporâneo é manter fixo o olhar no seu tempo, para
nele perceber não as luzes, mas o escuro. Contemporâneo é, justamente, aquele que
consegue ver essa obscuridade, ainda que por pouco tempo. Acredita-se que é preciso cerca
de cinco mil vaga-lumes para produzir uma luz equivalente à de uma única vela. Quantos
corpos vibráteis seriam então necessários para resgatar o sensível e a luminescência da
humanidade? O fato é que a dança viva dos vagalumes se efetua justamente no meio das
trevas, e que nada mais é do que uma dança do desejo formando comunidade, uma dança
que nasce do campo das forças, e das intensidades, do poder voraz que o inconsciente tem
de materializar suas imagens e criar mundos. Os corpos vibráteis se apresentam a seus
congêneres por uma espécie de intensidade que tem a particularidade extraordinária de ser
apenas um traço de luz intermitente, um sinal, um gesto, uma imagem, uma vibração. Sabe-
se hoje que no nível mais fundamental, todos os seres vivos emitem fluxos de fótons, seja no
espectro visível ou no ultravioleta; fluxos de imagens, seja no consciente, seja no
inconsciente. A luz que emana do corpo vibrátil, produzida pelas intensidades do
inconsciente, é sútil como convém a um vagalume. Não, os vagalumes não foram destruídos,
mas algo de central no desejo de ver, no desejo em geral, logo, na esperança política e na
experiência estética. A contemporaneidade apresenta, segundo uns e outros, uma tendência
que poderia ser formulada desta forma: o poder tomou de assalto a vida. Isto é, o poder
penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, e as pôs para trabalhar
a seu favor, se apossou de suas intensidades. Desde os genes, o corpo, a afetividade, o
psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade. Tudo isso foi violado, invadido,
colonizado, possuído; quando não, diretamente expropriado e capturado pelos poderes. Mas
o que são esses poderes de que tanto se fala? Digamos, parafraseando meu amigo italiano,
para ir mais rápido, com todos os riscos de plágio, que são as ciências, o capital, o Estado, a
mídia, os dispositivos etc.. Os mecanismos diversos pelos quais se exercem esses poderes são
anônimos, mascarados, esparramados, flexíveis. O próprio poder se tornou ondulante,
acentrado, em rede, reticulado, molecular, com uma clara intenção de se tornar rizomático e
se introduzir de forma viral em nossa capacidade de replicar a vida. Assim o poder, nessa sua
forma mais molecular, incide diretamente sobre as nossas maneiras de perceber o mundo,
de sentir, de amar, de pensar, até mesmo de criar, e ai, a vida em si mesma, fica
comprometida. O poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por
dentro, ele pilota nossa vitalidade social, nossos processos de subjetivação, de cabo a rabo
molda nossas percepções de mundo e nossas formas de lidar com a vida. Já não estamos às
voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se
de um poder imanente, trata-se de um poder produtivo que na tentativa de se manter vivo,
se adapta e se replica. Este poder sobre a vida, chamado por alguns, de biopoder, não visa
mais, como era o caso das formas anteriores de poder, barrar ou estancar a vida, mas visa
encarregar-se da vida, visa mesmo intensificar a vida, otimizá-la, torna-la uma réplica de si
mesmo. Daí também nossa extrema dificuldade em resistir ou mesmo de perceber suas
estratégias. Seria aqui o momento de questionar então se a arte e a poesia seriam uma forma
de manter vivos os vagalumes, os corpos vibráteis e seus lampejos, esses lampejos, ao mesmo
tempo eróticos, alegres e inventivos? Acredita-se também que a arte pode ser pensada como
produtora de um saber prático, por ser um saber que nasce do próprio corpo, e que por isto
mesmo seja uma maneira de questionar as relações de poder. Tanto o biopoder como a
biopotência passam necessariamente pelo corpo. Para alguns o poder não é concebido como
uma essência com uma identidade única, nem é um bem que uns possuam em detrimento
dos outros. Pra eles o poder é sempre plural e relacional e se exerce em práticas heterogêneas
e sujeitas a transformações: isto significa que o poder se dá em um conjunto de práticas
sociais constituídas historicamente, que atuam por meio de dispositivos estratégicos que
alcançam a todos e dos quais ninguém pode escapar, pois não se encontra uma região da vida
social que esteja isenta de seus mecanismos. Talvez haja algo de potente nesta ideia, algo de
transgressor em sua própria forma de acontecer. Talvez aquela lei da física que diz que para
toda força exista uma outra com mesma intensidade e em sentido contrário, se faça valer
também neste caso. O superinvestimento na imagem do corpo que caracteriza a nossa
atualidade, desde algumas décadas, deslocou o foco do sujeito de sua intimidade psíquica
para o próprio corpo. Hoje, o eu é o corpo. A subjetividade foi reduzida ao corpo, a sua
aparência, a sua imagem, a sua performance, a sua saúde, a sua longevidade, delimitando-o
em territórios bem definidos nos quais o sensível é a todo tempo desqualificado. Estamos às
voltas, em todo caso, com o registro de uma vida biologizada, reduzidos ao mero corpo, do
corpo excitável ao corpo manipulável, do corpo espetáculo ao corpo auto-modulável: é o
domínio do que alguns chamam, vida nua. E a pergunta que não deixa calar é: será que não
vale mais um histérico verdadeiramente vivo no questionamento permanente da própria
existência, do que um obsessivo que evita acima de tudo que algo lhe aconteça, que escolhe
a morte em vida? Historicamente, os sintomas histéricos não pararam de mudar,
espacialmente e temporalmente, a histeria está sempre confrontando uma lógica ordenadora
do espaço/tempo por sua mobilidade sintomática, a histeria confronta os saberes instituídos.
Sintomas que não se definem por um modelo no qual haveria uma correspondência entre
determinada manifestação e um estado subjetivo, na lógica de causa/efeito. Um corpo
paradoxal, de acordo com um amigo português, que sucessivamente se modifica por
descolamento e deslocamento, esfriamento e aquecimento, verticalidade e horizontalidade,
profundidade e superfície, abertura e fechamento. Tais oscilações revelam a plasticidade de
um corpo que se desconstrói para novamente reconstruir-se. Parece que o corpo
contemporâneo é aquele que não aguenta mais. O corpo não aguenta mais tudo aquilo que
o coage, por fora e por dentro que inibe seu fluxo de intensidades. Diante disso, seria preciso
retomar o corpo naquilo que lhe é mais próprio, na sua dor, no encontro com a exterioridade,
na sua condição de corpo afetado pelas forças do mundo e capaz de ser afetado por elas, é
preciso retomar o corpo vibrátil com sua luminescencia vagalumesca, seus deslocamentos e
deslocamentos. É preciso retomar o corpo na sua afectibilidade, no seu poder de ser afetado
e de afetar, na sua fome por experiência. Um amigo me fez uma pergunta absurda: como ter
a força de estar à altura de sua própria fraqueza, ao invés de permanecer na fraqueza de
cultivar apenas a força? Esta pergunta colocou-me em estado de surpresa, aquele, no qual o
novo pode acontecer. Pensei com meus botões, será que focar nas qualidades vibráteis do
corpo, na sua capacidade de produzir existência, na sua dança, no seu devir seria um caminho
possível? Mas então percebi que a pergunta poderia ainda ser: como dar passagem a estas
forças num corpo que esteja blindado, sujeitado, capturado, despotencializado? Fiquei
pensando que uma boa estratégia seria a de as vezes criar uma espécie de corpo morto para
que essas outras forças o atravessem, e ele possa ser assaltado pelos fluxos mais exuberantes
de vida. É aí que esse corpo, que já é um corpo sem órgãos, que comporta uma compreensão
do corpo em uma reorganização constante e infinita, na incessante desconstrução e
reconstrução de territórios, de fronteiras borradas, de intensidades cambiantes, imerso na
metaestabilidade da vida possa constituir ao seu redor um domínio intensivo, uma nuvem
virtual, uma espécie de atmosfera afetiva, um lampejo, com a sua densidade, textura,
viscosidade própria, como se o corpo exalasse e liberasse forças inconscientes que circulam à
flor da pele, projetando em torno de si uma espécie de vibração de vida. É preciso retomar a
experiência, se deixar afetar por ela, com aquilo que nos acontece, que nos toca, o que nos
move. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, parece que quase nada
nos acontece. Nunca na nossa breve história se passaram tantas coisas ao mesmo tempo e
com tanta velocidade, mas mesmo assim, a experiência é cada vez mais rara. Várias são as
pistas para este fenômeno contemporâneo, uma delas é o pelo excesso de informação que
nos rodeia e perpassa os nossos corpos, e vale aqui lembrar que informação não é
experiência. E mais ainda, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o
contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Outra pista que deve se levar em
consideração é a de que a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião, de
julgamento de territorialização. O sujeito, dito contemporâneo, globalizado é um sujeito
informado que, além disso, opina e julga. É alguém que tem uma opinião supostamente
pessoal e supostamente própria, que adquiriu o hábito cognitivo de copiar e colar, e, às vezes,
supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação.
Cola informações e opiniões que não são nascidas de seu devir e de seu corpo intensivo, mas
copiadas de seu ambiente. Esta obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades
de experiência, também faz com que nada nos aconteça. A velocidade com que as
informações são oferecidas, não nos permite dar sentido subjetivo a elas, e sem sentido, a
experiência se torna cada vez mais rara, por pura falta de tempo. Somos bombardeados por
um fluxo de estímulos fugazes e instantâneos, imediatamente substituídos por outros
estímulos ou por outras excitações igualmente fugazes e efêmeras. A velocidade com que nos
são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo
atual, impedem a conexão significativa entre acontecimentos e assim os processos de
subjetivação vão sendo capturados. Ao corpo do estímulo, da vivência pontual, tudo o
atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, pode-se
até inferir que a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também
inimigas mortais da experiência. A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou
nos toque, requer um gesto de interrupção, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar
para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e
espaço. Bem que isto poderia ter sido dito por mim, pois que para mim, é a mais pura
verdade, mas ouvi em uma conversa com sujeitos desconhecidos. Acredita-se que o corpo da
experiência seria algo como um território de passagem, um fluxo permeável de imagens entre
o campo das formas e o campo das forças, algo como uma superfície sensível no qual aquilo
que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa
alguns vestígios, alguns efeitos e produz deslocamentos. O corpo da experiência é sobretudo
um corpo-acontecimento. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia
para o outro ou no transcurso do tempo. Somente o corpo da experiência está, portanto,
aberto à sua própria transformação. O saber de experiência se dá na relação entre o
conhecimento e a vida humana. Aqueles que conversam sobre termodinâmica e sobre a
permanência acreditam que a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não
pode ser reduzida a algo concreto. Além disso, posto que não se pode antecipar o resultado,
a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de
antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, é um ato de cartografar o fluxo da vida
e suas intensidades. Uma atitude de nômade, que não se fixa em territórios já mapeados e
estáticos, mas que investe em seu corpo vibrátil para criar para si novas formas de se
relacionar com os relevos da vida. Talvez até pela semelhança do nômade com o esquizo,
que está presente e ausente simultaneamente, que está na tua frente e ao mesmo tempo te
escapa, sempre está dentro e fora, da conversa, da família, da cidade, da economia, da
cultura, da linguagem, que ocupa um território, mas ao mesmo tempo o desmancha, que o
nômade desliza, escorrega, recusa o jogo ou subverte-lhe o sentido, corrói o próprio campo
e assim resiste às injunções dominantes. O nômade, como o esquizo, é um desterrritorializado
por excelência, aquele que foge e faz tudo fugir. Ele, assim como o vagalume e o corpo vibrátil
fazem da própria desterritorialização um território subjetivo. Há também quem diga, por
acreditar piamente, que a dança traria consigo um aspecto precioso para retomar o corpo
vibrátil, vagalumesco, potente, e o seu devir. Este aspecto seria o movimento. Criar
movimento a partir dos afetos que atravessam o corpo, investir no corpo da experiência, no
corpo enquanto acontecimento, poderia potencializar sua luminescência. Poderia talvez,
trazê-lo para o seu lugar de origem, o corpo vivo, um corpo que seria uma soma de começos,
ou seja, uma soma de experiências, de qualidades corpóreas, uma soma de sensorialidades e
movimentos inaugurais. Viver é improvisar uma dança que nasce e morre conosco, é se
entregar aos fluxos intensivos da vida e por eles ser transformado. Dançemos então. Chamei
para esta conversa alguns amigos: Geroges Didi-Hubermen, Peter Pál Pelbart, Jorge Larrosa
Bondía, Suely Rolnik e Giorgio Agamben, Hélia Borges, mas, não sei por que cargas d’água,
eles se recusaram a vir e enviaram apenas suas considerações. Como eles não estavam
presentes, utilizei suas considerações ao meu bel-prazer, desvirtuando-as, plagiando-as,
copiando-as e colando-as, subvertendo-as. Tudo que me importou nessa conversa foi a
coerência da minha experiência, o saber que ela produziu e afetos que pediram passagem.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Programa de Pós-Graduação em Dança – Escola de Dança
Disciplina: (DANA28) Tópicos Contemporâneos em Dança
Professora: Maíra Spanghero
Aluno: Giorrdani Gorki Queiroz de Souza
Trabalho final - 30/11/2015

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