Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
[reconstruções]
Comecemos pela percepção, cujo papel é trazer o mundo aqui. E s s a função é claramente
externalizada pelos sistemas de telecomunicação. O telefone para a audição, a televisão para
a visão, os sistemas de telemanipulações para o tato e a interação sensório-motora, todos
esses dispositivos virtualizam os sentidos.
As pessoas que vêem o mesmo programa de televisão, por e'emplo, compartilham o mesmo
grande olho coletivo. Graças às máquinas fotográficas, às câmeras e aos gravadores, podemos
perceber as sensações de outra pessoa, em outro momento e outro lugar.
Podemos quase reviver a experiência sensorial completa de outra pessoa.
PROJEÇÕES
REVIRAVOLTAS
O HIPERCORPO
A virtualização do corpo incita às viagens e a todas as trocas. Os transplantes criam uma grande
circulação de órgãos entre os corpos humanos. De um indivíduo a outro, mas também entre os
mortos e os vivos. ,ntre a humanidade, mas igualmente de uma espécie a outra: en'ertam-se nas
pessoas corações de babuíno, fígados de porco, fazem-nas ingerir hormônios produzidos por
bactérias. Os implantes e as próteses confundem a fronteira entre o que é mineral e o que está
vivo: óculos, lentes de contato, dentes falsos, silicone, marcapassos, próteses acústicas,
implantes auditivos, filtros e'ternos funcionando como rins sadios.
Um sangue desterritorializado corre de corpo em corpo através de uma enorme rede
internacional da qual não se pode mais distinguir os componentes econômicos, tecnológicos
e médicos. O fluido vermelho da vida irriga um corpo coletivo, sem forma, disperso.
A constituição de um corpo coletivo e a participação dos indivíduos
nessa comunidade física serviu-se por muito tempo de mediações puramente simbólicas ou
religiosas: “Isto é meu corpo, isto é meu sangue”. Hoje ela recorre a meios técnicos.
hoje nos associamos virtualmente num só corpo (...) Cada corpo individual torna-se parte integrante de
um imenso hipercorpo híbrido e mundializado.
INTENSIFICAÇÕES
Em cada caso, trata-se do mesmo movimento de saída da norma, de hibridação, de “devires” que
tendem quase à metamorfose. Tornar-se peixe, tornar-se cabra-selvagem, tornar-se pássaro ou
morcego.
estremecendo os limites
Abandonando o chão e seus pontos de apoio, ele escala os fluxos, desliza nas interfaces, serve-se
apenas de linhas de fuga, se vetoriza, se desterritorializa.
o corpo em queda ou em deslizamento perdeu seu peso. Torna-se velocidade, passagem,
sobrevoo
RESPLANDECÊNCIA
Portanto o corpo sai de si mesmo, adquire novas velocidades, conquista novos espaços.
Ao se virtualizar, o corpo se multiplica.
corpo que a virtualização não pode ser reduzida a uma processo de desaparecimento ou de
desmaterialização.
essa virtualização é analisável essencialmente como mudança de identidade, passagem
de uma solução particular a uma problemática geral ou transformação de uma atividade especial e
circunscrita em funcionamento não localizado, dessincronizado, coletivizado. A virtualização do
corpo não é portanto uma desencarnação mas uma reinvenção, uma reencarnação, uma
multiplicação, uma vetorização, uma heterogênese do humano.
Meu corpo pessoal é a atualização temporária de um enorme
hipercorpo híbrido, social e tecnobiológico. O corpo contemporâneo assemelha-se a uma
chama.
corre para fora de si mesmo, intensificado pelos esportes ou pelas drogas, funciona como um
satélite, lança algum braço virtual bem alto em direção ao céu, ao longo de redes de interesses ou
de comunicação.
ao corpo público e arde com o mesmo calor, brilha com a mesma luz que outros corpos-chamas.
Retorna em seguida, transformado, a uma esfera quase privada.
A VIRTUALIZAÇÃO DO TEXTO
a leitura resolve de maneira inventiva e sempre singular o problema do sentido.
As passagens do texto mantêm entre si virtualmente uma correspondência, quase
que uma atividade epistolar, que atualizamos de um jeito ou de outro, seguindo ou não as
instruções do autor.
O espaço do sentido não preexiste à leitura. É ao percorrê-la, ao cartografá-lo que o
fabricamos, que o atualizamos.
Mas enquanto o dobramos sobre si mesmo, produzindo assim sua relação consigo próprio, sua vida
autônoma, sua aura semântica, relacionamos também o texto a outros textos, a outros discursos, a
imagens, a afetos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui. Aqui,
não é mais a unidade do texto que está em jogo, mas a construção de si, construção sempre
a refazer, inacabada.
Escutar, olhar, ler equivale finalmente a construir-se. Na abertura ao esforço de significação
que vem do outro, trabalhando, esburacando, amarrotando, recortando o texto,
incorporando-o em nós, destruindo-o, contribuímos para erigir a paisagem de sentido que nos
habita. O texto serve aqui de vetor, de suporte ou de pretexto à atualização de nosso próprio
espaço mental.
Pode-se dizer que um ato de leitura é uma atualização das significações de um texto, atualização e
não realização, já que a interpretação comporta uma parte não eliminável de criação. A
hipercontextualização é o movimento inverso da leitura, no sentido em que produz, a partir de um texto
inicial, uma reserva textual e instrumentos de composição graças aos quais um navegador poderá projetar
uma quantidade de outros textos.
[ a desterritorialização do texto ]
No mundo digital, a distinção do original e da cópia há muito perdeu qualquer pertinência. O
ciberespaço está misturando as noções de unidade, de identidade e de localização.
A análise vale igualmente para as imagens que, virtualmente, não constituem mais senão um
único hiperícone, sem limites, caleidoscópico, em crescimento, sujeito a todas as quimeras.
A interpretação, isto é, a produção do sentido, doravante não remete mais exclusivamente à
interioridade de uma intenção, nem a hierarquias de significações esotéricas, mas antes à
apropriação sempre singular de um navegador ou de uma surfista.
Não me interesso mais pelo que pensou um autor inencontrável, peço ao texto para me fazer
pensar, aqui e agora. A virtualidade do te'to alimenta minha inteligência em ato.