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Santiago do Chile
13 - 14 de outubro de 2016
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
ISBN: 978-956-368-332-5
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Comissão organizadora
Professora Mônica Baêta Neves Pereira Diniz, leitora do Brasil da Pontificia Universidad
Católica de Chile
Professora Gladys Cabezas - bolseira Fernão Mendes Pinto Camões I.P (2015 a agosto de
2016)
Profesora Alondra Silva – bolseira Fernão Mendes Pinto Camões I. P (agosto de 2016)
Secretaria
Endereço: Avenida Libertador Bernardo O'Higgins nº 3363. Estación Central. Santiago. Chile
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Organização
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Apoios Institucionais
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Prólogo
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Nossos sinceros agradecimentos à Fundação Calouste Gulbenkian pelo aporte financeiro para
a concretização desse I Congresso Internacional de Língua Portuguesa na Universidad de
Santiago de Chile. Da mesma forma, sinceros agradecimentos às instituições que nos
apoiaram no transcurso da organização deste evento.
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Índice
Literatura ........13
Entre nascimentos e mortes: percursos narrativos no labirinto ficcional do romance No meu
peito não cabem pássaros, de Nuno Camarneiro. 14
Literatura negra brasileira na sala de aula: espaço de identidade, cultura e discursividade ne-
gra 25
A mulher na literatura lusófona- vozes que se aproximam 39
Memória do mundo oculto: o rastro contemporânea da resistência judaica na modernidade
portuguesa 51
Franz Potocki, Rubem Fonseca e o mundo 63
Drummond na sala de aula: uma proposta para o ensino-aprendizagem de literatura em língua
portuguesa 69
Manifestações da memória traumática no conto A terceira margem do rio, de João Guimarães
Rosa 83
Cadernos negros: uma experiência de leitura com os contos afro-brasileiros em sala de aula ..
89
Vocalidade e literatura em Timor Leste 101
Afinidades, ambiguidades e discrepâncias: relações entre espaço, memória e identidade no
projeto urbano-social luandense através das obras de Ondjaki 121
Literatura nos jornais: Lima Barreto, Eça de Queirós e a profissionalização do escritor 132
O personagem-escritor e a ficção como crítica∗ 143
Jó Joaquim e Virgínia: o real e o válido, uma aproximação entre Mia Couto e Guimarães
Rosa 163
Poéticas do contemporâneo: performances da linguagem em Ó, de Nuno Ramos e EEMC, de
Luiz Ruffato 170
Práticas narrativas no tempo: pluralidades orais nas histórias do sertão nordestino 185
Quando a voz local ecoa em outras paragens: diálogos entre Jorge Amado e Ariano Suassuna
197
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Literatura
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Resumo: a busca pela marca da escrita ficcional suscita trajetos incomuns em cada novo
autor. Em todos eles, ao que parece, é possível notar pelo menos um ponto de interseção:
seguir os rastros e absorver fôlego e luz por meio dos manuscritos dos grandes mestres da
literatura universal. A metalinguagem e a polifonia surgem como uma tentativa de adequação
da linguagem e a lapidação do estilo que conjuga em uma nova estética autoral. Este trabalho
apresentará como arquétipo uma obra da literatura portuguesa contemporânea e debaterá a
partir do romance de estreia do escritor Nuno Camarneiro, No meu peito não cabem pássaros
(2012), no qual emergem vozes poéticas bastante conhecidas que participam ora como
personagens, ora como narradores nas três distintas e interdependentes histórias contadas.
Camuflados em personagens, os espectros literários de Franz Kafka, Jorge Luís Borges e
Fernando Pessoa dão vida a uma nova perspectiva narrativa que enriquece ao mesmo tempo
em que presta homenagem ao universo ficcional da grande literatura mundial, redesenhando
os limites da criação literária e expandindo os horizontes desta narrativa. As contribuições
teóricas acerca do narrador, autor e a entidade escritor que carrega o peso das marcas e
memórias, serão vislumbradas partindo dos debates propostos pelos pensadores: Walter
Benjamin, Roland Barthes e Michel Foucault, em seus manuscritos canônicos sobre estas
temáticas; o gênero romance, suas transformações ao longo da modernidade, a prosa
distendida por vielas conceituais servirão de suporte para apreender o modus operandi do
romance português contemporâneo.
RESUMEN: la búsqueda por la huella de la escrita ficcional cria trayectos inusuales en cada
nuevo autor. En todos ellos, al que parece, se puede percibir por lo menos un punto de
intersección: seguir los rastros y absorber aliento y luz a través de los manuscritos de los
grandes nombres de la literatura universal. El metalenguaje y la polifonía surgen como una
tentativa de adecuación del lenguaje y el talle del estilo que produce una nueva estética
autoral. Este trabajo presentará como arquetipo una obra de la literatura portuguesa
1Mestranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
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contemporánea y debatirá desde la novela de estreno del escritor Nuno Carmaneiro, No meu
peito não cabem pássaros (2012), de la cual emergen voces poéticas muy conocidas que
participan ya sea como personajes, ya sea como narradores en las tres distintas e
independientes historias contadas. Disfrazados de personajes, los espectros literarios Franz
Kafka, Jorge Luís Borges y Fernando Pessoa dan vida a una nueva perspectiva narrativa que
enriquece al mismo tiempo en que presta un homenaje al universo ficcional de la gran
literatura mundial rediseñando los límites de la creación literaria y expandiendo los
horizontes de esta narrativa. Las contribuciones teóricas acerca del narrador, autor y la
entidad escritor que lleva el peso de las huellas y memorias serán vislumbradas partiendo de
los debates propuestos por los pensadores: Walter Benjamin, Roland Barthes y Michel
Foucault, en sus manuscritos canónicos respecto a esas temáticas; el género novela, sus
transformaciones a lo largo de la modernidad, la prosa distendida por caminos conceptuales
servirán de aporte para aprehender el modus operandi de la novela portuguesa
contemporánea.
1 EXÓRDIO
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Este trabalho tem como proposta apresentar o novíssimo escritor português, Nuno
Camarneiro e seu romance de estreia, No meu peito não cabem pássaros (2012), que desenha
mapas narrativos a partir de figuras-conceito retiradas dos cânones literários ocidentais, que
abrem e fecham capítulos, encaminhando o leitor para fora do lugar comum em que essas
“entidades” narrativas são apresentadas independentes uma das outras e (sobre)viventes do
mesmo processo histórico e cultural nos limites do romance.
O início de cada seção será intitulado de acordo com a organização estabelecida pelo
autor nos capítulos de No meu peito não cabem pássaros: Exórdio, Confronto, Acerto,
Assombro e Fecho que encaminham o leitor a novas descobertas, abrindo para novas
linguagens, novas formas de narrar e recepcionar os textos.
2 CONFRONTO
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O romance, assim concebido, é uma estratégia de fuga não somente de quem escreve,
como de quem lê. O mundo moderno (capitalista) é símbolo de disputas por poder em que a
subjetividade do sujeito pressupõe a sua alienação. Por isso, as personagens dos romances são
dotadas de características subjetivas, fogem aos padrões sociais comuns e se voltam para seus
dramas pessoais, visões singulares, a criação de universos paralelos, a necessidade e o desejo
de encontrar e dar sentido à vida, descobrir sua “essência”, seu lugar.
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Esses novos sujeitos, que se transformam em novas personagens dentro das estórias/
histórias escritas a partir de meados do século passado e do século vigente, transitam mais
confortavelmente pelos lugares antes obscurecidos ou não frequentados. Estamos em estado
de intensas trocas subjetivas, experimentações e experiências partilhadas.
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Com a diluição das fronteiras de gênero narrativo, o romance português ainda atrelado
ao romance histórico, pois que literatura e sociedade não se podem separar, apontou e aponta
para o entrelaçamento entre as entidades autor/escritor/narrador/leitor. Os escritores
portugueses dessa nova era literária cruzaram e cruzam estes universos escriturais e de
recepção, transitando entre realidades e ficções, mas não mais como modo de apreensão de
“verdades” ou ainda como pura representação da vida histórico-social, mas como um
rompimento de barreiras entre sujeitos e objetos, no movimento constante de apagamento e
aparição de novos olhares, reflexões e caminhos outros de compreensão e criação.
3 ACERTO
A obra No meu peito não cabem pássaros (2012) é aqui recolhida como mote para a
descentralização das entidades que criam e recebem os discursos, atravessados pelos
espectros literários de três grandes nomes da literatura ocidental, na ordem que aparecem no
livro: Franz Kafka, Jorge Luís Borges e Fernando Pessoa. Nuno Camarneiro em seu romance
de estreia tateia às cegas em busca de um lugar próprio, uma marca escritural que caracteriza
o autor dentro desse universo discursivo e de criação artística.
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entidades literárias: “[...] creio que tem que ver com a desadequação que todos tinham em
relação ao meio em que viviam... o que os levava a criar mundos internos muito ricos.”
Um dia quando for maior e tiver barbas, partirá para as florestas do mundo à
procura da ave dos suspiros, do peixe-macaco, da galipestra e do pampaleão
riscado. Jorge lamenta as penas verdes do farrinco estrelado mas faltam-lhe
os lápis azuis, terá de inventar-lhes um grito louco para o encontrar no meio
do arvoredo. (p. 33)
- Vai um pássaro a voar baixinho, tia, é lindo e vai perdido a voar. Aqui não
é céu de pássaros. Tenho muito calor dentro de mim, tia, tenho calor e falta-
me o ar. Leve o pássaro para a rua, lá para onde puder voar. No meu peito
não cabem pássaros. (CAMARNEIRO, 2012, p. 34)
Como o contador dessas estórias se porta, se envolve, nos envolve de acordo com as
contribuições de Benjamin. O autor que morre em cada página do livro e se encerra quando
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escreve o último ponto da obra, quando nos debruçamos nos questionamentos de Barthes. E o
escritor que carrega as marcas de suas vivências íntimas, suas preferências, influências
literárias e culturais se transmutando em outras vozes para dar vida a estórias, criaturas e
estilos linguísticos e poéticos de acordo com Foucault. Ainda o leitor que passeia por entre os
cacos de realidade e ficção, imprimindo o seu olhar e dando novos sentidos a produção de
outrem.
4 ASSOMBRO
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Nessa chave perceptiva, Walter Benjamin alarga o papel do narrador e do leitor, não
restringindo o interesse pela leitura de um romance e seus temas apenas a meras descrições e
ensinamentos pedagógicos, mas conferindo as narrativas o poder de aquecer as experiências
do criador, da criatura e de quem entra em contato com a estória que está sendo contada: “Do
barco grande onde vai Karl vê-se muito mar e não se vê mais nada, quase nada. Ao fundo,
longe, um ponto negro há de crescer até ser um barco pequeno. É um barco desses de levar
um homem sozinho ao encontro de nada.” (Camarneiro, 2012:177)
O autor é aquela figura que precede à obra, o produto final que é o texto só nasce por
vontade do autor, é ele quem gesta e sente cada uma das partes da narrativa por vir, porém o
escritor moderno como define Barthes é aquele ser que está ao mesmo tempo dentro e fora do
contexto de sua escrita, não há antecedência ou precedência, ele só vive enquanto o texto é
produzido, está eternamente em composição, em feitura dentro do agora, do momento
presente.
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Quem nunca quis dormir até a vida ser um lugar praticável, quem não
conhece o desconsolo de vestir cada dia uma pele curta nas mangas, que vá
abanar este homem, que o chame com a voz cheia de realidades e diga:
“Levanta-te, Karl, levanta-te à hora de viver.” (p. 158)
[...] o autor é o que permite explicar tão bem certos acontecimentos em uma
obra como suas transformações, suas deformações, suas diversas
modificações [...] O autor é, igualmente, o princípio de uma certa unidade de
escrita [...] O autor é ainda o que permite superar as contradições que podem
se desencadear em uma série de textos [...] O autor, enfim, é um certo foco
de expressão que, sob formas mais ou menos acabadas, manifesta-se da
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Benjamin, Barthes e Foucault ainda são potentes para pensar o lugar das entidades
narrativas e de criação literária, pois uma obra só pode ser entendida como tal, ganhar status,
quando recepcionada pela crítica e pelos leitores. O leitor como ponte que estabelece e alarga
as experiências das personagens e a sua própria, conferindo novas possibilidades
interpretativas e redesenhando o lugar da crítica, da teoria e da estética em literatura, no
discurso artístico e poético.
5 FECHO
Nesse barco que navega pelas turvas e múltiplas águas da narrativa pós-moderna em
Portugal, as figuras de Kafka, Borges e Pessoa são o aporte encontrado pelo criador do
romance No meu peito não cabem pássaros. Uma bússola que conjuga as particularidades
desses cânones ao mesmo tempo em que presta homenagem e reinventa linguagens.
Nuno Camarneiro se apresenta como forte nome dessa nova escrita portuguesa, do
homem pós-moderno que convive, empresta e divide espaços com as mais diversas
manifestações artísticas e culturais. Podemos depreender dos modelos narrativos ficcionais
em língua portuguesa, a partir da literatura portuguesa contemporânea, que estes se erguem
conectados aos discursos hegemônicos em criação literária, porém ultrapassam as fronteiras
linguísticas, geográficas e discursivas.
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fim de tarde e uma voz chame para dentro, ‘vamos, que vem
noite’.” (CAMARNEIRO, 2012, p. 184)
Referências
Resumo: no ano de 2003, o governo brasileiro sancionou a Lei 10.639/03 que, acrescentando
o artigo 26A à sua Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), determina
a obrigatoriedade do ensino das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras no contexto
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escolar. A Lei aponta, como primeiras ferramentas para este fim, o ensino da História, da
Literatura e das Artes e, sob esse contexto, a Literatura Negra ganha força, aumentando
significativamente o número de escritores negras e negros no Brasil, se configurando como
uma vertente da Literatura Brasileira. Como afirma Kabenguele Munanga (1996) “Essa arte
literária é constituída de uma fonte riquíssima de saber e conhecimento que abrange tanto a
história e cultura afro-brasileira como também africana”. A literatura negra fornece textos que
indagam e revelam, em sua escrita, a vida, o cotidiano da comunidade afro-brasileira e suas
subjetividades, desviando-se das formas estereotipadas que são compostas e representadas
fora desse espaço. Compreendendo a relevância daquele movimento literário, este trabalho
tem como objetivo analisar, por meio do conto He Man da escritora Lia Vieira, o seu papel,
destacando-o como possibilidade de fortalecimento das identidades negras pela introdução de
sua cultura e discursividade no ambiente escolar, garantindo, pelo ensino da língua, a
consolidação de uma prática de ensino multicultural e a construção de uma sociedade
antirracista. Para este fim, toma-se como embasamento teórico sobre literatura negra Cuti,
Eduardo Duarte, Conceição Evaristo. Também fundamentam esse estudo os seguintes
autores: Irandé Antunes, Mikhail Bakhtin, Frantz Fanon para compreender, respectivamente,
ensino da língua e linguagem e cultura negra.
Introdução
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racial é ainda mais gritante: são brancos 93,9% dos autores e autoras
estudados (3,6% não tiveram a cor identificada e os “não-brancos”, como
categoria coletiva, ficaram em meros 2,4%). (DALCASTAGNÈ,2008,p.89)
As reflexões de Stuart Hall referem-se a cultura não como matéria fixada, distanciada
dos rumos da vida e cheia de erudição. Ao contrário, tem a ver com o conjunto de
significados e de valores que são partilhados. Neste contexto, a literatura negra brasileira
apoiada pela Lei 10.639/03 se consolida como um momento em que é possível unir
discursividade negra, literatura e ensino da língua portuguesa.
2 Tradução minha.
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3 A organização das Nações Unidas (ONU) inicia, em 94, o reconhecimento dos direitos do povo negro.
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4 (...) descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas
desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles a responsabilidade moral e política de
combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem, os negros,
construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cida-
dãos. Não fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o trabalho
escravo possibilitou ao país (FANON, 1979)
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Pensando em qual currículo dará conta das questões anteriormente destacadas, isto é,
que a partir dos conhecimentos e saberes que o mesmo seleciona teremos uma sociedade
composta de pessoas que têm as suas subjetividades e suas identidades construídas nas
relações antirracistas e não-discriminatórias, que interpretam as histórias e culturas dos
Africanos e afro-brasileiros como seus lugares de pertencimento.
Destaco que Tomaz Tadeu da Silva alerta para o fato de que o “currículo é uma
questão de identidade porque “Está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido
naquilo que somos, naquilo que nos tornamos”(2001, p.16).
São as teorias pós-críticas que analisam as relações de poder na qual o currículo está
inserido e se mobiliza no sentido de que este poder seja descentralizado. São elas que mais do
que apontar a organização racista dos currículos, vão encaminhar no sentido de que os
mesmos refaçam os percursos de dominação, que afetam as questões de saber e de poder dos
negros no Continente Africano e na Diáspora.
Outro ponto a ser destacado é que a perspectiva de cultura de que trata a Lei se afasta
da ideia de folclorização, que retira da cultura este viés político dinamizador e a deixa
cristalizada e esvaziada das significações reais que são produtoras de uma discursividade
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Ainda caminhando com Tomaz Tadeu da Silva, para ratificar o papel da Lei 10639/03
para uma releitura, reescrita e reinterpretação do currículo e, no caso deste trabalho, em
contato com o ensino da língua concluo que
5 Este título é uma alusão ao texto de Stuart Hall, publicado primeiramente em 1992.
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complexas demandas sociais surgidas após a assinatura da Lei Aurea e representam o negro
brasileiro com suas caraterísticas fenotípicas depreciadas, com um comportamento que
sempre o aproxima de um negro sofredor e passivo, cuja história teve início “em coleiras de
ferro”6 ou de uma mulher que, sem identidade, é simplesmente mãe-preta7 . Eles apenas
deixam o negro no mesmo lugar de escravo8.
6Verso do poema Negro, escrito por Raul Bopp, poeta modernista que participou do Grupo da Semana de Arte
Moderna. Este poema faz parte do livro Poemas Negros que foi publicado em 1932.
8Tenho regularmente repetido este termo de maneira proposital para reforçar este pensamento do colonizador
que não reconhece o negro como sujeito que foi escravizado, mas como um objeto: o escravo.
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Neste lugar, então, o escritor negro realiza sua escrita como um engajamento político,
em que a cor de sua pele e os “dramas” (BHABHA,1998) que ela vivencia são expostos em
contradição com o discurso colonialista. Como única voz autorizada, fala de dentro desta
pele, como testemunha dos abusos sofridos, mas também como construtor de um presente e
de um futuro próprio.
(...) escreve para seu povo deve (...) fazê-lo com o propósito de abrir o
futuro, convidar à ação, fundar a esperança. Mas para garantir a esperança,
para dar-lhe densidade, é preciso participar da ação, engajar-se de corpo e
alma ao combate nacional (...) quando se decide falar dessa coisa (...) que
representa o fato de abrir o horizonte, de levar a luz à sua casa, de por em pé
o indivíduo e seu povo, então é necessário colaborar muscularmente.
(FANON, 1979, p.193).
Há uma humanidade que se individualiza – negra - em meio aos nove contos que
compõem o livro de Lia Vieira. Com o título Só as mulheres sangram, o livro de Vieira,
publicado em 2011 pela editora Nandyala, mostra, sem nenhum desvio, uma leitura (e escrita)
feminina de seu universo que assim ela proclama e “partilha consumada e
tranquila”(VIEIRA,2011).
9Expressão utilizada por Vicent Jouve para qualificar uma narrativa ficcional que traz informações de um dado
universo, mas essas não objetivas, explícitas. Elas vão se construindo no decorrer da narrativa.
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O conto tem o narrador em terceira pessoa, que não somente relata o fato, mas invade
e revela pensamentos de Daé. Observa-se também a presença de muitos polissílabos, estes
conferem ao texto um ritmo levemente arrastado e que se contrapõe a agilidade da situação
narrada.
A narrativa inicia com o verbo no tempo presente e assim descreve o local onde se
passa a história. As ações de Daé estão no pretérito perfeito o que enfatiza a simultaneidade
entre o fato e a narração.
Esta tecitura textual, com muitas tramas, forma uma leve cortina entre Daé e o leitor e
este não consegue ver o crime, mas, talvez, uma travessura de menino ou ainda a jornada de
um herói porque ao mostrar a intenção do menino em construir uma nova realidade há a
aproximação de uma narrativa mítica e, assim, assiste-se Daé pular o muro da casa, avançar
pelo corredor e encontrar todas as portas fechadas.
10Goodmam afirma que “ Na experiência estética, a emoção é um meio de discernir que propriedades uma obra
possui e exprime”. Com isso, a emoção manifesta é aquela que, fazendo parte do conteúdo da obra, identificam
esta obra e não deve ser confundida com a emoção sentida pelo leitor.
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Em seu caminho de volta, Daé vê uma espada de He Man incrustada nas brechas do
muro e volta para buscá-la
Porque o texto não tem nenhum objetivo de julgar ou justificar a atitude de Daé, a
imagem final é a de um herói que retorna à casa sem vitória, mas, de toda forma, iluminado
pela grandeza da perda.
Este personagem e todos os outros deste livro são cuidadosamente delineados por Lia
Vieira. É possível constatar suas consciências alertas para as mais variadas manifestações de
racismo por eles enfrentadas. Entretanto, cada um tem a sua individualidade humana bem
desenvolvida, concretizando uma reflexão poética da realidade.
Percebe-se também que estas questões não são dadas pela narrativa, mas suscitadas
por meio delas e, por isso, uma das importantes ferramentas para a condução do processo de
transformação social, tendo como eixo a eliminação dos conflitos e tensões raciais, é a
literatura. As perguntas que se levantam diante deste jogo da enunciação são: que Daé somos
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cada um de nós? Qual a minha aflição que Daé carrega consigo? Por que quando penso em
Daé ele me aparece com uma determinada cara, um determinado jeito, uma determinada
história?
É pela narrativa literária que Lia Vieira faz de dentro para fora uma reflexão social. As
imagens que as palavras dela desenham não estão diagramadas ou legendadas, mas
efetivamente colocam o leitor diante do conflito de cada uma delas. Um diante que não é
passivo mas dialético. Vieira tece o seu texto como quem escava emoções e refaz, nas muitas
tramas, a herança-memória que são colheitas de tempos fugazes (VIEIRA, 2010, p.40). Neste
caminho, a realidade narrada instiga a imaginação, remetendo a uma aventura que, embora
não seja dos contos de vida tem heroínas e heróis.
Não estão colocadas em Daé as discussões atuais sobre maioridade penal, arrastão,
impunidade.11 Daé não é uma notícia nem mero tema para debate. Ele é subjetividade de Lia
Vieira, do leitor e dele mesmo. Em nenhum momento a autora trata do tema de maneira
moralizante, porque trabalhando com a ética do lugar que ocupa (o de escritora) não lhe é
adequado aconselhar, no entanto leva o leitor a repensar a sociedade e temas relacionados à
pobreza, à infância, à negritude e à desigualdade social.
O livro de Lia Vieira revela que quando a imagem do negro se desloca das forças de
subordinação, chega também o entendimento de como se dão as relações raciais no campo
simbólico e como este é um grande desafio a ser vencido nos muitos espaços sociais em que
esses conflitos emergem.
Conclusão
Pensando em seu uso sala de aula, que deve aqui ser considerada como um ambiente
intercultural, será também um local propício para que ali emerjam as relações de alteridade .
Bakhtin (2003) alerta que o sistema de normas imutáveis deve abrir espaço para a
ideia de consciência subjetiva do locutor das várias comunidades linguísticas e em um
11O Brasil, desde, 2015 tem trazido para a pauta politica dos setores mais conservadores o tema da redução da
maioridade penal, como forma de combate a uma alegada impunidade relacionada a delitos que seriam pratica-
dos atualmente por menores de 18 anos de idade.
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determinado momento histórico. Isto é, o locutor deve contemplar a língua a partir de uma
realidade enunciativa concreta, na qual ele está imerso.
Impondo uma interação polifônica de que nos fala Bakhtin, na qual o sujeito que é
social, histórico, ideológico e também corpo é construído na linguagem e construído pelo
outro. Isto porque projeto de fala de um sujeito depende do “outro” e não apenas de sua
intenção. Primeiro é o “outro” com quem se fala; depois o “outro” ideológico porque é
constituído por outros discursos do contexto e, ao mesmo tempo, o sujeito é corpo constituído
por outras vozes. A polifonia é própria da literatura e, de acordo, com Rildo Cosson
Com isso, o uso da literatura negra na sala de aula, viabilizando um efetivo exercício
antirracista, deve se deslocar da consideração exclusiva das convenções canônicas do sistema
literário e buscar referências do signo com a realidade e com o indivíduo, de maneira que se
explique sua lógica interna, que é o que caracteriza a literatura como um uso da língua em
seu processo dinâmico e interativo, uma atividade e não um fato cristalizado.
No confronto dos elementos dos intertextos e das situações de produção é que surgem
os processos de compreensão da leitura assim como sua interpretação. Ao trabalhar com
literatura o professor poderá aproximar um “funk ostentação” 12 de um conto de Machado de
12 Estilo musical brasileiro em que o cantor fala ostensivamente de seus bens materiais. Referindo ao conto O
espelho que apresenta um personagem frívolo, preocupado com a opinião alheia, para quem “a felicidade é um
par de botas.
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Assis, ou um “funk proibidão”13 à clássica Guerra de Troia narrada por Homero, respeitando
suas construções textuais, reconhecendo-os como textos autênticos e significativos por conta
de sua circulação social. A alteridade é relevante neste contexto de discussão a respeito dos
aspectos relacionados à visibilidade do outro e sobre as questões de etnia, gênero, orientação
sexual e religiosa, que continuam gerando conflitos neste século XXI.
(...) se as pessoas não ficam mais capazes para – falando, lendo, escrevendo
e ouvindo – atuarem socialmente na melhoria do mundo, pela construção de
um novo discurso, de um novo sujeito, de uma nova sociedade, para que
aulas de português? (ANTUNES, 2014, p.176).
Referência Bibliográfica:
13Estilo musical de ritmo funk que traz exaltação ao tráfico de entorpecentes, neste caso, refiro-me especifica -
mente do funk de Mc Didô, que apresenta um episódio (não sei se real) em que um grupo se esconde num ca-
minhão da Light para invadir a favela da Rocinha.
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Consultado em 28 de agosto de 2015.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
1.Introdução
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Sendo assim, o foco deste trabalho recai sobre a presença da voz feminina em romances de
épocas e estilos distintos, cujas protagonistas são mulheres que tentam subverter padrões
sociais e literários tradicionalmente estabelecidos. Nosso interesse se justifica considerando-
se a necessidade de inovar a abordagem literária, que tradicionalmente vinha sendo feita sob
a perspectiva do acontecimento histórico (Miranda, 1999).
Com base nas leituras das obras: Senhora (José de Alencar), Memorial de Maria
Moura (Rachel de Queiroz) e Natália (Hélder Macedo), propuseram-se atividades em que os
alunos deveriam realizar análises comparativas entres as referidas obras, tendo em vista as
seguintes questões: Em que sentido e até que ponto as personagens subvertem os
representações literárias tradicionais? Verificou-se que tais protagonistas romperam, de certa
forma, com os padrões de comportamento, a partir da reivindicação de uma voz que fala de
um outro lugar social.
Pode-se dizer, grosso modo, que esta crítica volta-se para o estudo de práticas
culturais responsáveis pela construção do Outro. Essa construção vem ocorrendo ao longo da
história através de discursos que marginalizam grande parte da população, dentro da qual se
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
encontra a mulher. A partir dessa realidade urge a necessidade deste estudo devido à
consciência de que
Las formas mediantes las cuales la cultura se habla con palabras e imágenes –
los sistemas de signos que la comunican y las redes de mensajes que la
transmiten socialmente – encarnan y defienden intereses partidistamente
ligados a ciertas representaciones hegemónicas que refuerzan lineamentos de
poder, dominância y autoridad”. 14
Embora muitas escritoras tenham optado por reiterar tais ideologias culturais, outras
não o fizeram, preferindo questioná-las. A literatura que acena para este desocultamento,
tanto pelo viés temático quanto pelo viés expressivo-simbólico, contribui com esses estudos
de cunho desconstrucionistas.
14 RICHARD, 1993. p. 11. “As formas mediantes as quais a cultura se faz com palavras e imagens – os sistemas
de signos que a comunicam e as redes de mensagens que a transmitem socialmente – representam e defendem
interesses partidistamente ligados a certas representações hegemônicas que reforçam linhas de poder, domínio e
autoridade”. (tradução nossa)
15
RICHARD, 1993. p. 11. “As ideologias culturais se encarregam de ocultar (naturalizar) as construções e me -
diações dos signos, para fazer-nos crer que palavras e imagens falam por si mesmas e não pelas vozes interpos-
tas e concertadas dos discursos sociais que historicamente tramam seus sentidos. Desocultar os códigos de
transparência que ocultam o trabalho significante das ideologias culturais, é a primeira manobra de resistência
crítica à falsa suposição da neutralidade dos signos”. (tradução nossa)
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
18 Segundo Bourdieu os gêneros têm apenas uma existência relacional sendo cada qual produto de um trabalho
diário, ao mesmo tempo prático e teórico à sua produção como corpo socialmente diferenciado do gênero opos-
to (BOURDIEU, 1999:33).
19 Bourdieu lembra que “inscrita nas coisas, a ordem masculina se inscreve nos corpos através de injunções táci -
tas, implícitas nas rotinas da divisão do trabalho ou dos rituais coletivos ou privados” (BOURDIEU, 1999:34).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Assim podemos dizer que a “nudez” do primeiro par biológico criado, homem/mulher
é agora “vestida” pelo processo de genderização cultural, masculino/feminino. Essa nova
“roupagem” caiu-lhes tão bem, que por muito tempo não se pôde diferençar uma coisa da
outra. Explico-me melhor, masculino passou a ser condição para que se fosse homem e
feminino passou a ser condição para que se fosse mulher. Entretanto, quem define os
predicativos o faz de maneira subjetiva e a partir de estereótipos que nem todos podem
alcançar. Hoje, quando preconizamos (des) historicizar tal questão, destacando-lhes as partes,
para estudarmos os processos culturais de sua construção, porque nos beneficia, somos
incompreendidos e muitas vezes satanizados, uma vez que há sempre os que objetariam que
inúmeras mulheres romperam com as normas pré-estabelecidas pela tradição. Conscientes
desse fato precisamos indagar sobre até que ponto essa ruptura, essa libertação não
continuam subordinadas ao ponto de vista masculino.
Embora estejamos conscientes de que uma exposição teórica sobre o assunto seja
complexa, pretendemos levar esse estudo até os limites de nossa compreensão desse processo
de genderização cultural, porque acreditamos que, em alguns aspectos, tal processo impediu e
ainda impede que muitas mulheres, a maioria delas, construíssem suas próprias identidades.
Por fazermos parte de uma minoria que tem acesso a tal informação, vislumbramos a quebra
do silêncio a que fomos submetidas, servindo de ponte para aquelas (aqueles) que ignoram tal
saber, através do nosso discurso e da nossa dissertação. Assim estaremos fazendo eco à meta
básica da teoria feminista que, segundo Jane Flax:
À luz dos teóricos que expusemos até o momento e de outros, que citaremos
oportunamente, e ainda resgatando o olhar de Jane Flax, procuraremos refletir nesse artigo
sobre o modo como as relações de gênero são constituídas e experimentadas.
21
BUARQUE DE HOLLANDA (Org.). 1992, p. 217.
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À luz do que vimos até aqui, já podemos diferençar sexo e gênero. Recordamos que o
primeiro relaciona-se às diferenças biológicas, mais especificamente anatômicas entre o
corpo do homem e da mulher, sendo o segundo produto de uma construção social. Este foi
predicado de forma tão eficiente àquele que por pouco não nos damos conta da diferença
entre ambos.
O gênero, enquanto um constructo social, arrasta consigo a faculdade de oferecer
pertencimento a ambos os sexos. Isso devido as suas especificidades que, se bem
orquestradas (queremos dizer de forma equilibrada) promoveriam a satisfação plena do
homem e da mulher. Para alcançarmos esse ideal urgiria a compreensão de que cada sexo é
um modo de ser da pessoa humana devendo, por isso, realizar-se (cada qual) de forma plena e
integrada.
O mito criacionista lança luz sobre esse aspecto da vida humana, sobre essa
necessidade de realização e integração. Adão não era feliz no paraíso porque lhe faltava o
sexo oposto, Jeová cria-lhe uma companheira, Eva. Diante dela Adão rejubila e agradece. A
realização plena de ambos deve ser permitida, cada um respeitando a originalidade do outro.
A cena original da sexualidade aponta para a necessidade do relacionamento afetivo entre os
opostos. Obviamente não pretendemos absolutizar a sexualidade, colocando-a como condição
única para a realização plena do ser, mas acreditamos que ela seja uma peça importante no
jogo dessa realização. É possível que ela esteja relacionada com a originalidade a que nos
referimos anteriormente.
De fato, quando voltamos nosso olhar para a literatura brasileira notamos que é no
corpo que esta procura inscrever a diferença entre os sexos biológicos, “conformando-a aos
princípios de uma visão mítica do mundo enraizada na relação arbitrária de dominação dos
homens sobre as mulheres”22, caso em que a diferença biológica justifica, por assim dizer, a
diferença socialmente construída.
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diferentes. Por meio da leitura e das análises comparativas das obras Senhora (José de
Alencar), pertencente ao Romantismo; Memorial de Maria Moura (Rachel de Queiroz), obra
modernista, e Natália, de Hélder Macedo, representativa da literatura contemporânea
portuguesa. Os principais objetivos são reconhecer, nas referidas obras os conflitos e formas
de resistência do feminino, bem como a perpetuação de determinados discursos sobre a
mulher e o silenciamento de suas vozes.
Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-
lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos pardos
brilhavam as irradiações da inteligência. Operava-se nela uma revolução. O
princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para
concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do
homem (pag.31).
Percebe-se que o autor dá voz à mulher, pelo fato de Aurélia ser a própria
administradora de sua vida e sua riqueza, algo incomum na sociedade da época. Outra ironia
é Fernando que no passado abandonou Aurélia devido a sua pobreza, porém acabou sendo
comprado por ela, ou seja, vê-se aqui algo desafiador para a época uma mulher que compra
um marido, vive de aparências e o trata mal na intimidade, até que este prove que mudou e
que é digno do amor de Aurélia que se entrega a ele. A personagem desafia a sociedade da
época com atitudes inovadoras e tem um final feliz. Aqui a obra traz um pensamento
moderno, onde a mulher assume as decisões de sua vida e consegue superar os obstáculos e
sobreviver no final.
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Maria Moura, cuja personalidade pode ser revelada pela fala de Irineu: “O diabo é que a
Maria Moura, apesar de nova, não vai dar facilidade. Ela tem um jeito de encarar a gente que
parece um homem, olho duro e nariz pra cima, igual mesmo a um cabra macho” (pág. 50) e
ainda: “...A cabrita é capaz de se defender até de faca. A maneira dela é de mulher que
carrega punhal no corpete; ou não seria tão atrevida.” (Pág.50) ou pela própria boca de Maria
Moura: “- Aqui não tem mulher nenhuma, tem só o chefe de vocês. Se eu disser que atire,
vocês atiram; se eu disser que morra é pra morrer. Quem desobedecer paga caro...” (pág. 84).
A própria Maria se anuncia desafiante:
Nunca se viu mulher resistindo à força contra soldado. Mulher, pra homem
(...) só serve para dar faniquito. Pois, comigo eles vão ver. E, se eu sinto que
perco a parada, vou-me embora com meus homens, mas me retiro atirando. E
deixo um estrago feio atrás de mim. (...) pra ninguém mais querer botar o pé
no meu pescoço (pág. 92).
Vemos assim, que as personagens das obras que selecionamos como corpus de
análise para o projeto que aqui descrevemos são protagonistas que conseguem se desenredar
das amarras opressoras impostas ao gênero. Ao invés de aparecerem submissas,
desempenham papéis importantes e conquistam a própria voz, ao desafiarem o domínio
masculino da sociedade patriarcal.
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LP, 2008, p.15-16). No intuito de fomentar o estudo literário nesse âmbito, desenvolveu-se o
Projeto de Leitura Literária “A mulher na literatura lusófona- vozes que se aproximam”, que
faz parte de um Projeto maior de Pesquisa desenvolvido na UEMG (unidade de Carangola),
denominado Poéticas da Modernidade: um olhar para a diferença. Com o acompanhamento
de alunos do 3º período de Letras, sob a orientação das autoras supracitadas, o professor de
Língua Portuguesa da referida turma abordou o tópico 34 do CBC-LP (2008), cujo tema é “O
amor e a mulher” na literatura brasileira (nesse projeto, incluiu-se literatura portuguesa), com
foco nas diferentes formas de representação da mulher em contextos históricos e literários
diferentes (Beauvoir, 1980; Flax, 1992; Macedo, 1999). Com base nas leituras das obras:
Senhora (José de Alencar), Memorial de Maria Moura (Rachel de Queiroz) e Natália (Hélder
Macedo), propuseram-se atividades em que os alunos deveriam realizar análises
comparativas entres as referidas obras, tendo em vista as seguintes questões: Em que sentido
e até que ponto as personagens subvertem os representações literárias tradicionais?
NOME DO PROJETO
OBJETIVOS:
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TEXTOS BASES
ETAPAS DO PROJETO
4. Resultados e discussão
Debates
Seminários
7. Considerações finais
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8. Referências
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. v. 1 e v. 2. 9ª. ed. Trad. Sérgio Milliet. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
CÂNDIDO, Antônio. A educação pela noite: e outros ensaios. São Paulo: Editora Unicamp,
2009.
DEL PRIORE, Mary (Org.); BASSANESI, Carla (Coord. de texto). História das mulheres no
Brasil. 8. Ed. São Paulo: Contexto, 2006.
FLAX, Jane. Pós-modernismo e relações de gênero na teoria feminista. Trad. De C.A.C.
Moreno. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (Org.). Pós-modernismo e política, 2ª. ed.
Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica
da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MACEDO, Helder. Natália. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010.
MINAS GERAIS. Conteúdo Básico Comum – Proposta curricular de Português/Educação
Básica. Belo Horizonte: SEE, 2008
PERRONE-MOISÉS, L. O ensino da literatura. In: NITRINI, S. Literatura, artes e saberes.
São Paulo: Abralic/Hucitec, 2008. p. 15.
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contemporâneas
Esta Nova História permitia fazer, assim, contraponto ao modus operandi então domi-
nante, de uma historiografia mais tradicionalista que ganhou forma e peso no Novecentos,
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influenciada pelos ideais positivistas, e que, em linhas gerais, fixava a compreensão do pas-
sado à análise de documentos oficiais, escritos legitimados pelas classes dominantes e pelo
poder, e que limitavam o campo de trabalho historiográfico ao olhar dos vencedores, dos
grandes eventos e modelos explicativos, dos nomes e personagens de destaque, prezando pela
objetividade das análises, deixando ao largo a preocupação com as camadas menos privilegi-
adas e fatos considerados pouco relevantes, marginalizados e excluídos da História.
E esta “caça” promovida pela História ganhou, com o advento dos Annales, possibili-
dades variadas, proporcionando aos historiadores – os “ogros” a que se refere Bloch – refi-
23BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Edi -
tora da UNESP, 1989.
24
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.
54.
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namento científico no trato com seu objeto de trabalho: se tudo que faz referência ao homem
é História, os indícios, fontes e provas documentais passam a se multiplicar ao infinito. Cabe,
então, bom senso ao selecionar e dar voz às suas presas…
Uma destas fontes, das mais profícuas e que aqui torna-se foco desta análise, são os
escritos literários. Seja em formato de relatos de experiências ocorridas, seja através de textos
ficcionais, o certo é que a Literatura tem se firmado como parceria das mais pujantes para a
análise histórica. Uma aliança, cabe frisar, que não ocorre em mão única, mas antes, envolve
rotinas de circularidade, a troca de experiências entre os dois campos que, não raro ainda des-
conhecidos entre si ou vitimados pelos preconceitos de ambas as partes, reconhecem-se tão
próximos e complementares: se a Literatura é cara à História por ajudar na reconstrução das
lacunas deixadas pelas fontes, permitindo imaginar não o que exatamente foi (tarefa impos-
sível, é bom frisar) mas, ao menos, atingir a proximidade com o que pode ter sido, os sinto-
mas de um passado que se percebe mas do qual não se pode ter a completude pelos limites
impostos pela fonte documental, também a História faz-se fundamental aos escritores literá-
rios que utilizam da sua produção para uma reconstrução de época e ambientação de suas nar-
rativas mais próximas do fidedigno. Prova desta proximidade e colaboração mútua entre os
dois campos é a recorrência, em romances contemporâneos, de vasta citação de fontes docu-
mentais e bibliografia produzida por historiadores consultadas pelos romancistas para a com-
posição do ambiente, dos personagens e do enlace das narrativas. Autores como os portugue-
ses José Saramago e Mário Cláudio, o angolano Pepetela, e as brasileiras Ana Miranda e
Mary del Priore recorrem a esta estratégia em várias de suas obras25 . Ou, ao contrário, da uti-
lização de trechos de escrita ficcional por historiadores que auxiliam em sua descrição do
passado26.
Com exemplo de como representantes atuais das duas áreas enxergam estas interações
pode se perceber nas falas de Ana Miranda e Sandra Jatahy Pesavento. Para a romancista Ana
Miranda,
Eu não trabalho propriamente com a História – a arte, a ciência da História. Eu
não sou uma historiadora. Nós trabalhamos com a mesma matéria. Agora, nós
nos relacionamos com ela de maneira diferente. O historiador precisa ficar
isento, permanecer de fora do material para ter capacidade de fazer as análises,
não é? Ele tem de discernir da forma mais lógica, mais racional possível, aque-
le material que está sendo examinado. O ficcionista não: ele tem que mergulhar
25É o caso, por exemplo, dos romances históricos Memorial do Convento, de José Saramago (1982); Oríon
(2003), de Mário Cláudio; A Gloriosa Família: o tempo dos flamengos (1997), de Pepetela; Desmundo (1996) e
Amrik (1997), de Ana Miranda; O Príncipe Maldito (2006) e Beije-me onde o sol não alcança (2015), de Mary
del Priore.
26Referência recente, neste sentido, é o livro de Yllan de Mattos, A Inquisição Contestada, em que o autor utili -
zada, logo no início de sua introdução, trechos do clássico Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévisk, para
descrever o alvoroço popular gerado com a ação dos representantes do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição
na Modernidade. MATTOS, Yllan de. A Inquisição Contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício português
(1605-1681). Rio de Janeiro; Mauad, 2014.
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Cabe lembrar, porém, que, apesar de ser cada vez mais comum que romancistas e his-
toriadores usem obras de ambas as áreas em seus processos de escrita, desde muito antes do
advento dos Annales algumas experiências neste sentido já eram realizadas por autores cele-
brados no Novecentos, como Alexandre Herculano e Machado de Assis, só para ficar em
exemplos em língua portuguesa. Herculano dividir-se-ia entre a produção ficcional e a narra-
tiva histórica, escrevendo desde análises pioneiras e de densa pesquisa historiográfica, como
a História de Portugal (1846-1853), a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição
em Portugal (1854-1859), e a Portugaliae Monumenta Historica (1856-1873). Mas também
produziu vasta obra ficcional, em boa parte influenciada por temas e fontes históricas, como
Eurico, o Presbítero (1844) e Lendas e Narrativas (1851). Machado, por sua vez, produziu
romances e crônicas que espelhavam a sociedade em que vivia em suas mazelas, o que pode
ser percebido em seu clássico Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). A História também
se faz presente em temáticas abordadas em seus poemas, como se percebe em Americanas,
obra poética publicada em 1875, em especial, no poema “A cristã-nova”, em que o autor
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Antes de tudo, porém, recorramos à História. No último quartel do século XV, a Pe-
nínsula Ibérica vivenciaria o processo de monopólio da fé católica e, em consequência, a
proibição e repressão a qualquer crença ou prática religiosa que fosse considerada uma amea-
ça ao Catolicismo dominante. Primeiro, na Espanha, com a instauração do Tribunal do Santo
Ofício em Castela, no ano de 1478, e a posterior expulsão dos judeus e mouros, em 1492,
concluindo o processo de Reconquista sob o reinado de Isabel de Castela e Fernando de Ara-
gão. Com a unificação, considerável parcela dos judeus espanhóis, aproveitando-se da pro-
ximidade geográfica, da longa fronteira seca e dos laços com as comunidades judaicas portu-
guesas, atravessaram a fronteira lusa, e fixaram-se em no lado lusitano da Ibéria. Com a che-
gada dos judeus espanhóis, estima-se que os a comunidade judaica passou a corresponder por
cerca de 10 a 15 por cento da população do reino, cerca de cem a cento e cinquenta mil pes-
soas do total de um milhão de portugueses. Números altíssimo, que dão conta da importância
e da influência que os judeus exerceram na Lusitânia.
Poucos anos depois, os judeus sofreriam novo revés e uma segunda diáspora ibérica:
os interesses envolvendo o matrimônio do monarca português com a infanta espanhola daria
novo viés ao problema: uma das exigências para o casamento seria a implantação em Portu-
gal, aos moldes do que ocorrera na Espanha, do monopólio católico, o que levou D. Manuel I
a fixar prazo de dez meses para que judeus e mouros deixassem o reino. Findo o prazo, ao
invés de facilitar a saída dos judeus do reino, monarca os batizou forçadamente ao catolicis-
mo, transformando-os em batizados em pé, neoconversos ou cristãos-novos – para que fos-
sem assim diferenciados dos cristãos de origem.
Depois de anos de negociação e de idas e vindas com o Papado, em 1536, seria, en-
fim, instaurado o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal, responsável por zelar
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pela pureza e boa norma cristãs e perseguir aqueles considerados hereges. Os cristãos-novos -
antigos judeus batizados à força ao catolicismo -, suspeitos de judaizar em segredo, seriam,
ao mesmo tempo, o motivo primeiro para a implementação do Santo Ofício e as suas princi-
pais vítimas. Dos mais de quarenta mil processos do Tribunal do Santo Ofício português de-
positados no Arquivo Nacional da Torre o Tombo, em Lisboa, estima-se que mais de oitenta
por cento destes envolva acusações de prática de judaísmo. Dentre estes casos, chama a aten-
ção o papel exercido pelas mulheres na propagação da memória da fé dos antepassados. Seri-
am as mulheres as grandes responsáveis por repassar os ensinamentos judaicos às novas ge-
rações, exercendo, concomitantemente, as funções de mãe, professora, catequista e “rabina”.
Ensinavam o judaísmo ao mesmo tempo em que ensinavam as primeiras letras, enquanto cui-
davam dos variados afazeres domésticos, educando as novas gerações na “cultura do silên-
cio” e no “costume do segredo”, para que não fossem delatados por parentes, vizinhos, ami-
gos, inimigos e até mesmo desconhecidos... Um judaísmo limitado, oculto, diminuto, dissi-
mulado, feminino, oral, simplificado, longe das tradições, adaptado à nova realidade de ex-
clusão e proibição, sem rabinos, textos sagrados, festas públicas e propagação aberta dos en-
sinamentos, desconhecedor de determinadas regras e condutas, não raro permeado de práticas
não judaicas. Mas, enfim, o judaísmo possível, que permitiu sua resistência em ambiente de
total impedimento durante os séculos em que vigorou este quadro de exceção.
Não são poucos, nos últimos anos, os lançamentos de romances que usam as perse-
guições religiosas do período Moderno, o problema da expulsão dos judeus de Portugal e o
Santo Ofício e suas vítimas como pano de fundo. No Brasil, Dias Gomes foi um dos pionei-
ros, com a peça O Santo Inquérito, encenada prima volta em 1966, nos primórdios da Ditadu-
ra Militar instaurada no Brasil dois anos antes. Gomes perfila o drama da cristã-nova Branca
Dias, nome de uma das mais conhecidas vítimas da Inquisição no Brasil, seguidamente de-
nunciada durante a primeira visitação inquisitorial ao Brasil, mesmo já sendo morta à época,
e que se tornou figura mitológica e emblemática para a memória da presença neoconversa no
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Nordeste brasílico29. O processo contra Branca Dias – bem como os processos envolvendo
outros membros da sua família – encontra-se nos arquivos da Torre do Tombo, e pode ser
consultado em versão digitalizada no portal de pesquisas da instituição30. Misturando infor-
mações históricas e mitológicas sobre a personagem, o autor usa a intolerância inquisitorial
para dar voz ao silenciamento das ideias diversas do pensamento dominante e à falta de liber-
dade vivenciados no regime militar que denunciava:
Já Moacyr Scliar, em Na noite do ventre, o diamante 33, obra publicada em 2005, traça,
a partir, da trajetória de uma pedra preciosa, a representatividade do mito do “judeu errante”.
A narrativa persegue, na longa duração, o cruzamento de histórias que englobam as perse-
guições religiosas aos cristãos-novos na época da mineração no Brasil colônia, e se envereda
até a Rússia em tempos das revoluções de 1917, retornando, sem seguida, ao Brasil contem-
29A história de Branca Dias foi retratada em outros livros que misturam ficção e história para reconstrução de
sua trajetória. É o caso das obras de Miguel Real, Memórias de Branca Dias (Lisboa: Quidnovi, 2003) e de Ar-
naldo Niskier, Branca Dias: o martírio (Rio de Janeiro: Consultor, 2006).
30 http://digitarq.arquivos.pt.
31 GOMES, Dias. O Santo Inquérito. 26a ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 33.
32 FERREIRA, Luzilá Gonçalves. Os Rios Turvos. 3a ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
33 SCLIAR, Moacyr. Na noite do ventre, o diamante. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
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porâneo, interligando histórias e dramas ao longo de tempos e espaços diversos tão distintos
quanto próximos…
Em Portugal, a temática também tem ganhado força nos últimos anos. Não é raro en-
contrar, nas estantes das livrarias portuguesas, obras de ficção que se debruçam sobre o pas-
sado. Algumas editoras, inclusive, possuem coleções voltadas para este tipo de produção. É o
caso da coleção “A história de Portugal em romances”, da Editora Saída de Emergência. A
Editora usa, como um dos marketings para atração de leitores, o seguinte convite, um tanto
quanto questionável, estampado na quarta capa de alguns dos livros da coleção: “Venha des-
cobrir a História de Portugal, não no tom pesado dos historiadores, mas pela pena inspirada
dos grandes romancistas”. Um dos títulos da coleção é o romance O anjo e o inquisidor34, de
Pedro L. Torres. A obra, ambientada no Nordeste brasílico do final do Quinhentos, narra a
chegada da visitação do Santo Ofício e as transformações ocorridas no cotidiano local, com a
revelação, através das confissões e denúncias feitas ao visitador de comportamentos tidos
como heréticos, abalando relações sociais e minando o ambiente de convívio que então exis-
tia.
Um céu de desventuras – Mário Cláudio e a narrativa do desterro infantil
Um dos exemplos desta literatura preocupada com a releitura temática de fatos histó-
ricos é o romance Oríon, do português Mário Cláudio, que retrata as desditas de um grupo de
crianças neoconversas portuguesas arrancadas de suas famílias e enviadas para as inóspitas
ilhas de São Tomé e Príncipe, para serem criadas na religião cristã.
Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nome verdadeiro de Mário Cláudio, nasceu em 1941
na cidade do Porto, ao Norte de Portugal. Possuidor de variadas facetas - ficcionista, poeta,
dramaturgo, romancista, ensaísta – e um dos principais nomes entre os escritores contempo-
râneos portugueses, além de autor de vasta obra literária. É comum, em sua escrita, a relação
com a História, dando destaque a fatos e personagens reais como elementos estratégicos de
reconstrução de época. É o caso, dentre tantas outras obras, de Amadeo35 , em que relata o
percurso do pintor Amadeo de Souza-Cardoso, transitando entre as terras de Amarante e Paris
em inícios do Novecentos, e de Triunfo do Amor Português36, coletânea de histórias de amor
e transgressão presentes nas lendas e na História de Portugal reescritas pelo autor.
34 TORRES, Pedro L. O anjo e o inquisidor. 2a ed. São Pedro do Estoril: Saída de Emergência, 2015.
35 CLÁUDIO, Cláudio. Amadeo. Alfragide: Leya, 2008.
36 CLÁUDIO, Mário. Triunfo do amor português. 3a ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2014.
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contemporâneas
autor afirma que “cada constelação conta sete estrelas, e sete é o número dos personagens que
intervêm em cada romance da trilogia. Procurei aproveitar os três conjuntos de sete estrelas
como horizontes desejáveis para as três tribos de fragilizados que peregrinam ao longo das
várias histórias”37, refletindo os embates entre as minorias e o poder.
Eu completara há pouco os doze anos, mas adquirira já aquele porte dos man-
cebos, conscientes de que sobre a sua virilidade haverão de se apoiar as colunas
do futuro, e amordaçava o choro dentro de mim. Os guardas interpelavam-me,
não lhes respondia. Ocupava um lugarzinho ao fundo do carro, velando por que
não faltasse o ânimo aos restantes prisioneiros, alguns dos quais de tão tenra
idade se revelavam, carentes dos desvelos maternos, que se previa seguríssimo
o seu fim. E ao longo do percurso mais infantes se agregavam a nós, e o cortejo
de carripanas progredia por montes e vales, e debaixo da neve, parando aqui
para acender uma fogueira, interrompendo-se além diante da torrente de um rio
que cumpria galgar, desatrelados os cavalicoques, encaixados os pequenos em
botes que se procuravam como agulha em palheiro por léguas e léguas em re-
37 CLAÚDIO, Mário. Destino e escrita. Uma história vinda do passado. Entrevista ao site www.circuloleito -
res.pt. Acesso em 24 de julho de 2007.
38Outros autores contemporâneos também dedicaram obras ao assunto. Exemplo é o recente livro do escritor
santomense Orlando Piedade, Os meninos judeus desterrados: de Portugal para S. Tomé e Príncipe por ordem
d’el-Rei D. João II em 1493. Lisboa: Edições Colibri, 2014.
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contemporâneas
dor. E em cada aldeola onde constasse que se haviam acobertado hebreus idên-
tico espectáculo se representava, gritos e assassínios, lamentos e furtos, pragas
e maldições39.
Mas não apenas o destino de Abel aparace na narrativa marioclaudiana: uma a uma, as
desventuras das demais seis crianças e, através delas, de outras milhares de crianças e demais
infelizes que vivenciaram e coadunam-se pelo mesmo triste destino de exílio, trazido à tona
em flashes e memórias entremeadas com a história do narrador.
Desembarcou na Ilha uma leva de degredados, gente que mirava as novidades
da paisagem com uma brasa em cada olho, se deslocava numa lentidão de cau-
tela e de pasmo, hesitante quanto ao solo que pisava, mas decidida a beber até
ao seu termo a vida que lhes fora poupada. E constituíam este grupo homens e
mulheres que tinham presenciado cousas extraordinárias, nascidas de dentro e
de fora dos seus corações, e que se mostravam capazes de estripar um menino e
de comer uma salamandra, de arrombar o sacrário de uma igreja e de dormir
com o esqueleto de uma bruxa. Por morte do próximo e por feitiçaria, por adul-
tério e por traição, culpadosquase todos de imaginar crimes mais terríveis ainda
do que os que haviam cometido, apresentavam-se dispostos a cumprir a pena
com a crueza que lhes sobrava, carregando a alma com quantos pecados cou-
bessem na malícia da terra 42.
No recontar das histórias de cada um, o relembrar do drama dos judeus ibéricos, o
peso histórico da perseguição contra os descendentes de Moisés, ao mesmo tempo proibidos
de ficar e impedidos de sair, impossibilitados de manter a fé judaica e mal aceitos no catoli-
39 CLÁUDIO, Mário. Oríon. 2ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003, pp. 75-77.
40 Idem, p. 12.
41 Idem, p. 105.
42
Idem, p. 63-64.
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contemporâneas
nada como o infortúnio para nos ensinar com que linhas se cose o nosso desti-
no. Quando caímos num poço de atribulações, olhamos para trás, e tudo parece
corresponder à vontade de Deus. Desconhecemos o futuro, e o que importa
para o merecermos, mas achamo-nos na posse de um tesouro luminoso, capaz
de nos guiar na peregrinação 43.
43
Idem, p. 137.
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e eis que mais distante se situa a terra que não é de baixo, nem de cima, e onde
o leite flui, e o mel44.
Desta forma, a representação dos dramas vivenciados pelas sete crianças judias envia-
das para exílio em África no romance de Mário Cláudio percorre a história portuguesa em
uma de suas mais marcantes páginas, rememorando um tempo de exclusão e perseguição re-
ligiosa, de intolerância e de imposição, mas focando, para além do drama, no contrapelo, a
resistência. Dramas ficcionais que se aproximam do real, permitindo ao leitor o auxílio da
literatura na percepção mais refinada da História. Em Oríon, Mário Cláudio dá-nos mostra de
como esta interação pode ser benéfica. Afinal, nem a História nem a Literatura possuem o
monopólio sobre o passado, mas unidas, auxiliam a um olhar mais profundo sobre este.
Como bem lembra o autor, “A vida é reinvenção permanente. Tudo é mentira e tudo é real”45 .
Referências Bibliográficas:
ASSIS, Angelo Adriano Faria de & FRANCO, Roberta Guimarães. “Tecer a ficção
com os fios da história: as recriações estéticas de Mário Cláudio”. In: ROANI, Gerson Luiz
(org.). O Romance português contemporâneo: História, memória e identidade. Viçosa: Arka
Editora, 2011, pp. 227-240.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2001.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da Histo-
riografia. São Paulo: Editora da UNESP, 1989.
CLÁUDIO, Mário. Oríon. 2ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003.
CLÁUDIO, Cláudio. Amadeo. Alfragide: Leya, 2008.
CLÁUDIO, Mário. Triunfo do amor português. 3a ed. Lisboa: Publicações Dom Qui-
xote, 2014.
CLAÚDIO, Mário. Destino e escrita. Uma história vinda do passado. Entrevista ao
site www.circuloleitores.pt. Acesso em 24 de julho de 2007.
CLÁUDIO, Mário. “Sou incapaz de desinventar completamente uma vida”. Entrevista
ao jornal Público (29/06/2011).
FERREIRA, Luzilá Gonçalves. Os Rios Turvos. 3a ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
GOMES, Dias. O Santo Inquérito. 26a ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
MATTOS, Yllan de. A Inquisição Contestada: críticos e críticas ao Santo Ofício por-
tuguês (1605-1681). Rio de Janeiro; Mauad, 2014.
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contemporâneas
Antonio Lamenha
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
tonilamenha@gmail.com
1 - Breve antibiografia
Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, no ano de 1925, mas ainda
criança mudou-se para o Rio de Janeiro. Antes de se dedicar exclusivamente ao ofício de
escritor, estudou Direito e trabalhou como policial. Hoje, aos 91 anos, ainda escreve, publica
e, vez ou outra, vence algum prêmio literário, entre os quais já angariou o Jabuti, o Camões e,
recentemente, em 2015, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra.
Falar da biografia de Rubem Fonseca não é uma tarefa simples, pois, desde o início de
sua carreira literária, ele opta pela fuga dos holofotes, pela reclusão, assim como o escritor
curitibano Dalton Trevisan. Não há muitos registros de entrevista com o escritor, que
raramente cede a uma mínima exposição e participa de algum evento público. Talvez o fato
relacionado à vida pessoal que mais tenha causado rebuliço na mídia nos últimos anos seja a
sua saída da editora Companhia das Letras — e não se conhece ao certo o motivo. Muito se
especulou sobre o caso, mas poucas informações conclusivas foram dadas pela editora e pelo
escritor. Rubem Fonseca repele repórteres e fotógrafos, e não se sabe muito sobre ele, a não
ser o que se pode, fragilmente, vislumbrar dos livros.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
É impossível saber se Rubem Fonseca seria visto pelas editoras de hoje — o que
resulta em imprudência e precipitação de Draccon, muito ligado ao sucesso de vendas e aos
aplausos. Podemos afirmar, sim, que ele é um autor muito procurado nas livrarias e serve de
influência para a maioria dos escritores contemporâneos. Entre os muitos livros de contos e
romances do autor mineiro-carioca, Feliz ano novo (1989) e O cobrador (1979), por
exemplo, são considerados obras-primas e possuem muitos leitores. Há o reconhecimento
pela obra e, se houver pela pessoa, talvez seja apenas pela condição — ou sorte — de recluso.
A partir da leitura dos seus textos e dos poucos dados biográficos que mencionamos
anteriormente, podemos apontar alguns traços que recorrentemente se encontram na obra de
Rubem Fonseca.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Apesar de esse fragmento ser uma confissão de apenas um só leitor, o impacto que o
texto de Rubem Fonseca causa parece se repetir. Inclusive comigo: lembro-me do golpe que
sofri ao ler cada texto do autor na coletânea Os cem melhores contos brasileiros do século, de
Italo Moriconi, há mais ou menos sete anos. Desde lá, em uma mescla de desejar novamente
o mesmo golpe e precisar da dor fria daqueles personagens para sofrer junto e refletir,
busquei incessantemente outros textos de Rubem Fonseca. E, em experiências de apresentar o
autor a algum outro (novo) leitor ou grupo de leitores, pude presenciar o impacto, o golpe, o
choque. [Destaco a importância que o texto fonsequiano exerceu na minha formação de leitor.
Quando do primeiro contato com o autor, ainda adolescente, já havia lido diversos livros que
me marcaram profundamente, mas nada de tal forma carregado de tanta violência e crueza.]
Por fim, a própria reclusão de Rubem Fonseca lança reflexos nos seus escritos, em
personagens que apresentam a solidão e o desamparo do ser humano moderno ou “o
desamparo que o faz explodir o real” (2007, p. 873), como aponta Nejar. E ainda a reclusão
vista na recusa ao aparecimento na mídia e aos seus discursos veladamente parciais aparece
na sua obra, como diz Pellegrini (1999): “E é ela [linguagem da narrativa] que,
dialeticamente, ao mesmo tempo que aproxima, consegue distanciar a narrativa da
espetacularização que a mídia confere à violência, no quotidiano de suas imagens” (p. 102).
Assim veremos na análise do conto “Natureza-podre ou Franz Potocki e o mundo” (2009).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Nenhum artista consegue moldar a recepção exata e ideal de sua obra — até pela
multiplicidade, explicada por Calvino (1990), e pelas idiossincrasias de cada leitor,
defendidas por Borges (1984) —, mas certas leituras são desautorizadas pela própria obra.
Irritava Potocki algumas reações do público, como o narrador expressa no trecho: “Como
suportar, pois, frente aos seus quadros, homens perfumados fazendo piruetas, mulheres de
voz estridente gritando adjetivos, umas às outras?” (p. 95). Se há leituras desautorizadas,
também deve haver reações que nem em leituras se constituem, como as que aterrorizam
Potocki.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
um artista necessita de outro espaço para expor suas ideias (e o que lhe convenha de sua vida
pessoal) que não seja a sua obra? Muitos acreditam que sim. Já Rubem Fonseca e Franz
Potocki não. Estes parecem combater os leitores de entrevistas e incentivar os leitores de
livros. De certa forma, entre tantos outros gêneros de exposição midiática, a entrevista, que
mostra uma vida interessante e vendável, retira, da obra de arte, sua aura e seu valor, e os
repassa para o autor. [Não condeno aqui a exposição de escritores aos meios de comunicação.
Apenas ressalto um ponto a que Rubem Fonseca parece se ater: importa a obra, o escritor a
escreve e já se expõe ali. Pode ele também utilizar outros meios e recursos, mas a obra não
deve deixar de ser o foco.]
Talvez por isso os melhores admiradores de Potocki fossem as crianças, ainda não
contaminadas, na melhor das hipóteses, pelas dominações da mídia e do mercado. No conto,
porém, as dominações vêm de outro lado:
A Associação dos Pais de Família publicou nos jornais uma carta aberta aos
poderes competentes exigindo providências da parte das autoridades e dos
educadores no sentido de verificar se aquela influência não seria prejudicial
ao caráter infantil (p. 94).
Os pais de família, com medo da reação dos seus filhos à natureza-podre, querem
abolir, afastar, censurar. Ou, no mínimo, convencer-se da validade de manter aquele material
próximo às crianças se a avaliação dos “especialistas” (que profissional teria esse poder?) for
favorável. Pais sem autonomia, maleáveis, portanto, a um parecer governamental qualquer.
Note-se ainda a ironia na expressão pais de família: não integram a associação quaisquer
pais, só aqueles que forem pais de família, remetendo ao conservadorismo da instituição
familiar.
No final do conto, o declínio de Potocki traz à tona a efemeridade da recepção
apaixonadamente vazia, sem entendimento, sem reflexão, que não deixa marcas.
Paulatinamente, Potocki é esquecido. Seria por conta da reclusão? O texto mostra que havia
especulações sobre a vida pessoal de Potocki. A razão do declínio do pintor estava na
infidelidade do público, fruto do vínculo fraco, frágil e afetado que se estabelecera com a
obra. Vínculo apaixonado — após o desinteresse, surge a repulsa, que chega ao ápice no
momento em que “[...] centenas de pessoas, soube-se, queimaram os seus Potockis” (p. 96).
Por fim, ainda há, no conto, explicitamente em seus dois últimos parágrafos, a união
entre artista e obra. O painel mais famoso e divulgado de Potocki se situava no aeroporto da
cidade. No entanto, como consequência do desinteresse em relação ao pintor, o painel deveria
ser substituído por outro, de um cavalo, “[...] pintado por um médico que se tornara
pintor” (p. 97) — note-se que qualquer pessoa pode conquistar o efêmero sucesso, basta
“tornar-se” artista. E é no instante da substituição que percebemos a união de Potocki e sua
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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obra: “Foi ali, entre as pessoas que se acotovelavam para apreciar aquele animal [...] que
Potocki foi visto pela última vez” (p. 97). Se a obra desaparece, portanto, não há por que o
artista aparecer.
4 - Considerações finais
A obra fonsequiana e seu autor, nesse sentido, permitem a comparação com a união
artista-obra potockiana, tendo como elo fundamental não o fã passageiro, mas o leitor, fiel,
curioso, investigador e crítico.
5 - Referências
BORGES, J. L. Kafka y sus precursores. In: ______. Obras completas 1923–1972. Buenos
Aires: Emecé, 1984.
CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras,
1988.
COHEN, M. ‘Rubem Fonseca hoje não seria publicado’, diz diretor do selo Fantasy. O
Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/megazine/rubem-fonseca-hoje-nao-seria-
publicado-diz-diretor-do-selo-fantasy-9720135>. Acesso em: 25 jan. 2014.
FONSECA, R. Feliz ano novo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
______. Lúcia McCartney. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.
______. O caso Morel. Rio de Janeiro: Artenova, 1973.
______. O cobrador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
______. Os prisioneiros. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
NEJAR, C. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007.
OLIVA, O. P. Transgressão, violência e pornografia na ficção de Rubem Fonseca.
Unimontes Científica. Montes Claros, v. 6, nº 2, 39-50, jul./dez. 2004. Disponível em: http://
www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/viewFile/120/117. Acesso em 25 jul.
2016.
PELLEGRINI, T. A imagem e a letra: aspectos da ficção brasileira contemporânea.
Campinas: Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp, 1999.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Esses são alguns dos inúmeros questionamentos que nós professores ouvimos por
parte de nossos alunos em sala de aula, é inegável que atualmente o texto literário tradicional
tem passado por grandes resistências para ser mantido na escola talvez em virtude da
valorização e a presença excessiva de imagens, filmes, telenovelas que se fazem de forma
muito intensa na sociedade contemporânea, a qual “dispensaria” a mediação da escrita das
práticas culturais e sociais.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
O objetivo desse trabalho não é apresentar uma maneira correta e única para percorrer
o caminho da leitura, mas sim, de sugerir ideias, proporcionar reflexões que possam
colaborar e facilitar o contato entre o aluno e a literatura, fazendo da leitura uma experiência
prazerosa. Dessa forma, utilizaremos como fonte literária a prosa Drummondiana, mais
precisamente A incapacidade de ser verdadeiro, Flor, telefone, moça e A Doida, contos que
fazem parte do livro Contos de Aprendiz (2006), que ora parecem representar recortes do
cotidiano, ora aparentam ser volumes de memórias, enfim, são narrativas que possuem um
lirismo, uma linguagem poética, perpassada de ironia e humor e que mexem com a
imaginação do leitor, transportando-o para diversas aventuras que só a leitura pode
proporcionar, despertando no receptor, no ato da leitura, vários sentimentos como o trágico, o
medo, a descoberta, o amor, o cômico, o nostálgico etc.
46 Getúlio Dornelles Vargas foi um advogado e político brasileiro, líder civil da Revolução de 1930, que pôs fim
à República Velha.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Vale ressaltar que, os escritos dessa época também eram tidos como verdadeiros
documentos que representavam a realidade brasileira, caracterizando as denúncias sociais, a
relação do indivíduo com o mundo. Alguns personagens eram retratados de acordo com o seu
meio natural e social. Nesse contexto, tornava-se também perceptível a busca do homem
brasileiro em diversas regiões do país, como poderemos perceber nas produções do autor
nascido em Itabira do Mato dentro no estado de Minas Gerais em 31 de Outubro de 1902, ou
melhor, o escritor Carlos Drummond de Andrade, filho do fazendeiro Carlos de Paula
Andrade e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade.
Drummond sempre gostou muito das palavras, mesmo quando não sabia ler era
fascinado pelas letras encontradas em jornais e revistas, o aspecto visual lhe prendia a
atenção, causando uma impressão muito forte, e ele atribuiu sua produção literária a esse
primeiro contato com as palavras.
Como prosador, iniciou esta atividade na redação do Diário de Minas, tendo o seu
alcance de maior projeção no Rio; como cronista, assim como na poesia, se tornou um dos
mais notáveis na literatura, constituindo uma das partes de maior destaque em sua prosa. O
autor tinha o poder de transformar acontecimentos cotidianos desde os mais significativos e o
de menos relevância em literatura.
Cabe ressaltar que suas obras dividem- se em poesia, contos, crônicas, ensaios entre
outras. Verdadeiras obras-primas da Literatura Brasileira, dentro desse panorama literário
destacam-se as seguintes publicações:
Na Poesia: Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo
(1940), Poesias (1942), A Rosa do Povo (1945), Poesia Até Agora (1948), A Máquina do
Mundo (1949), Claro Enigma (1951), A Mesa (1951), Viola de Bolso (1952), Fazendeiro do
Ar e Poesia até agora (1954), Soneto da Buquinagem (1955), Ciclo (1957), Poemas (1959),
Lição de Coisas (1962), Versiprosa (1967), José e Outros (1967), Boitempo e A Falta que
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Ama (1968), As Impurezas do Branco (1973), Menino Antigo (1973), Amor Amores (1975), A
Visita (1977), Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977), O Marginal Clorindo Gato
(1978), Nudez (1979), Esquecer para Lembrar (1980), A Paixão Medida (1980), O Elefante
(1983), Caso do Vestido (1983), Corpo (1984), Mata Atlântica (1984), Amar se Aprende
Amanda (1985), O Prazer das Imagens (1987), Poesia Errante (1988), Arte em Exposição
(1990), O Amor Natural (1992), A Vida Passando a Limpo (1994), Farewell (1996), A Senha
do Mundo (1996), A Cor de Cada U m (1996).
Dentre essas obras citadas, Drummond também teve seus escritos traduzidos em
algumas línguas, Alemão, Búlgaro, Chinês, Dinamarquês, Espanhol, Francês, Holandês,
Inglês, Italiano, Latim, Norueguês, Tcheco, além de produções de antologias e livros em
braile.
O ensino da literatura e o espaço que esta ocupa atualmente nas escolas ainda é caso
de alguns questionamentos entre alguns teóricos. Apesar de o seu caráter educativo existir
antes do surgimento da escola formal, nota-se que nos dias de hoje, há certa resistência em
mantê-la no currículo escolar no Brasil. Para alguns estudiosos, a literatura ainda está
presente nas escolas por força da tradição e da inércia curricular, já que a educação literária é
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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um produto do século XIX e que não tem motivos para ser do século XXI; o que acaba
dificultando ainda mais essa relação tão estreita entre a literatura e a educação.
É notório que em nossa realidade não ocorre dessa forma, no ensino médio, por
exemplo, as tradicionais aulas de Literatura Brasileira, geralmente, se resumem a
memorização de características de estilos de épocas, dados biográficos dos autores e cânones,
o que podemos chamar de história da literatura. Os textos literários quando se fazem
presentes, são fragmentados e servem somente para comprovar se realmente as características
dos períodos literários estão no texto, logo esse processo de ensino-aprendizagem vem a
priorizar o ingresso do aluno para uma universidade, mas de forma alguma o prepara para a
futura vida acadêmica.
Quanto ao ensino fundamental, não há muita diferença, Cosson (2006), afirma que
nesse nível “a literatura tem um sentido tão extenso que engloba qualquer texto que apresente
parentesco com a ficção ou poesia”. E ainda acrescenta que são predominantes as
interpretações dos livros didáticos, as quais são feitas a partir de textos incompletos; o que ele
denomina de “falência do ensino de literatura”. Certamente essa metodologia é contraditória
as teorias de estudiosos que priorizam o estudo do texto literário, tendo esse como ponto de
47
DUARTE E WERNECK, A Literatura e o ensino de leitura para o público juvenil.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
partida, pois assim o aluno teria a oportunidade de construir e reconstruir conceitos, ideias e
desenvolver o senso crítico ao invés de se conformar com informações definidas dos livros
didáticos ou até mesmo com as do professor.
Logo, o próprio professor, com essa prática facilita a aversão à literatura impedindo
assim qualquer tentativa de leitura crítica e criativa de seus alunos e menosprezando o
processo de motivação, autoconfiança e a construção do saber literário
.
Antonio Candido em um de seus escritos intitulado O Direito à Literatura (2004)
reforça a ideia de que além de bens indispensáveis aos seres humanos como moradia, saúde,
vestuário, liberdade, alimentação, enfatiza também o direito à leitura, à literatura, à arte de
uma forma geral independentemente de cor, raça, crença ou posição social.
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De fato, no ambiente escolar, a leitura dos textos literários –quando ocorre- é cobrada
ou imposta ao invés de ser indicada, o que se torna para o aluno uma atividade tediosa e
cansativa, essa ideia o leva acreditar que a leitura é feita para a escola e não para si mesmo
uma vez que ela possibilita transformações e evoluções intelectuais e psicológicas.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Faz-se necessário enfatizar que, para a leitura de um texto literário, cabe a nós
professores, considerar não apenas a leitura retilínea, superficial aplicada ao texto, mas
destacar os inúmeros significados construídos a partir dele, que envolve a compreensão,
interpretação, apreensão daquilo que se está lendo, destacando o seu valor semântico uma vez
que o texto literário deve ter intertexto, intertextualidade, tecer sentidos, levando o aluno a
outras percepções, a concepções de culturas, de vida e de mundo.
O primeiro passo implica que, antes de qualquer atividade de leitura, é necessário que
se faça a motivação para introduzir os textos literários na sala de aula, ou seja, preparar o
aluno para “adentrar” no texto através de uma situação para que se estabeleçam laços
estreitos com o texto a ser lido.
50
Parâmetros Curriculares Nacionais, Língua portuguesa.
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sendo que esta tem que ser feita na íntegra, pois o contato com texto por completo
proporciona uma experiência estética que não temos ao lermos somente o resumo de uma
obra. É neste momento que o leitor aprecia a literatura como objeto estético.
Como podemos observar os contos, como narrativas breves, são muito adequadas para
um trabalho introdutório de aquisição de leitura e de formação de leitores efetivos. Os contos
podem ser ainda, considerados como uma preparação para a leitura de narrativas maiores,
como as novelas, os romances etc.
Atividades de motivação:
Por consequência de tantas histórias a mãe de Paulo aplicara a ele vários castigos, foi
proibido de jogar futebol durante quinze dias, ficou sem sobremesa e por fim foi levado ao
médico, o Dr. Epaminondas, a opinião do especialista foi surpreendente, pois ele dissera que
o menino era mesmo um caso de poesia. Uma vez que a imaginação o dominava, o
transportando para qualquer lugar que desejasse, e a poesia tem esse poder, criar, viajar,
imaginar, o poeta tem o poder de ser, de fingir, de descobrir os mais profundos desejos. Deste
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
modo Paulo também detinha esse poder, porque criava tão perfeitamente suas histórias que
eram para ele a mais pura realidade.
Assim que, este conto aborda a temática da imaginação, portanto antes de sua leitura,
o professor questionará a expressão “a incapacidade de ser verdadeiro”, o que é ser
verdadeiro? A mentira é necessária em alguns momentos da nossa vida? Quais os limites
entre mentira e imaginação?
No texto Flor, Moça, Telefone, relata a história de uma moça que morava próximo ao
cemitério São João Batista, Rio de Janeiro, que não só adquiriu o hábito de ver e acompanhar
os enterros que por ali passavam, como também, o de passear durante as tardes “pelas ruinhas
brancas do cemitério”. Tudo neste lugar era motivo de curiosidade, pois “olhava uma
inscrição... descobria uma figura de anjinho, uma coluna partida, uma águia, comparava as
covas ricas às covas pobres, fazia cálculos de idade dos defuntos…”.
Certo dia, em um de seus passeios, foi até a parte mais nova do cemitério, onde se
encontravam as covas mais modestas e justamente lá apanhou uma flor, como de costume,
chegou, depois amassou e jogou fora. Ao voltar para casa, poucos minutos em seguida o
telefone tocou e a moça atendeu do outro lado da linha era uma voz “longínqua, pausada,
surda” pedindo de volta a flor que a moça havia tirado da sua sepultura.
Desanimada, a moça passou a perder o apetite, o sono, o ânimo para sair, “sentia-se
miserável, escravizada a uma voz, uma flor, a um vago defunto que nem se quer conhecia”.
Depois de alguns meses, exausta, a moça falece e a voz finalmente deixa de perturbar.
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sim para estimular a criatividade dos alunos na produção textual e a curiosidade sobre o
conteúdo do conto que será lido.
A doida, é um conto que tem como personagem principal uma mulher tomada pela
loucura e que ao ser repudiada pela família, fora se abrigar em um chalé no centro do jardim
maltratado. Lá próximo havia um córrego, onde, os moleques que moravam pelas redondezas
costumavam tomar banho e, é claro, perturbá-la só para não perder o hábito; por medo, não
passavam do jardim, havia uma curiosidade em saber como ela era, se questionavam o
motivo da loucura e porque fora abandonada, já que morava por tanto tempo ali e gerações
sucessivas de moleques passavam pela porta e atiravam pedras.
Nesse contexto, o professor pode escolher uma das temáticas que o conto aborda, por
exemplo, o preconceito e fazer uma enquete sobre as pessoas que mais sofrem preconceitos
na nossa sociedade. Será registrado no quadro os três nomes mais votados para o professor
iniciar uma pequena discussão sobre esse assunto, para depois começar a leitura do conto.
Introdução e leitura:
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Interpretação:
Vale ressaltar que o cinema é um recurso que auxilia a interpretação do aluno, por isso
é fundamental primeiramente que o aluno tenha contato com o texto literário. Com a pintura,
os alunos poderão desenhar as cenas que mais lhe impressionaram, ou a que define a história
para cada um e confeccionar um mural.
Como vimos os contos abordam diversas temáticas, o que possibilita o trabalho com
temas transversais (ética, gênero, saúde, pluralidade cultural), logo é de extrema importância
o professor instigar o aluno a uma reflexão sobre temas presentes no cotidiano como: a
imaginação, a verdade ou a mentira; presentes no conto “A incapacidade de ser verdadeiro”;
os valores e os preconceitos sociais, a ausências das bases educacionais da família, o
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tratamento que a sociedade dá aos seus “doentes”, a descoberta individual etc., abordados em
“A doida”; o sobrenatural, os hábitos pessoais, a morte, entre outros que estão em destaque
em “Flor, Telefone, Moça”.
O educador precisa repensar a prática pedagógica, uma vez que ela implica o direito
de protestar, questionar o sistema de ensino, os “modismos” pedagógicos, mas sempre
refletindo sobre o seu fazer porque não existe fórmula para educar e sim sujeitos sociais,
inseridos num contexto específico forjando uma maneira de ler o mundo a qual deve ser
buscada no diálogo com uma literatura, que não seja sinônimo de “fardo”, castigo e suporte
gramatical.
Diante disso, novas teorias e maneiras de agir tentam modificar tal situação, as
atividades sem uma direção metodológica estabelecida podem até distrair os alunos, mas não
apresentarão a efetividade esperada de uma estratégica educacional. É claro que as atividades
de proposição de textos devem variar, levando-se em consideração a idade, a série, a
dificuldade do texto a ser abordado e a realidade do aluno.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Nesse sentido, não há receitas prontas. A leitura nos prepara para que nós nos
tornemos mais potencialmente humanos. A leitura nos informa, nos forma, nos conforma. A
leitura suscita diálogos com o nosso conhecimento prévio. Imediatamente, ao ler,
correlacionamos, formulamos associações, estabelecemos critérios de valor.
Todos os tipos de textos devem ser privilegiados em sala de aula. O presente trabalho
se concentrou em apenas uma modalidade textual. Isso não quer dizer que outros tipos de
textos não devam estar presentes na vida do aluno. Não há, também, qualquer
posicionamento contra a veiculação das imagens, já que as imagens são também
possibilidades textuais que exigem tipos de apreensão diferentes da apreensão que se dá em
um texto verbal.
A leitura deve preparar o indivíduo para a vida. A escola é apenas uma fase nessa
trajetória. Nem sempre a fase melhor. Cabe ao professor despertar esse gosto pelo belo, pelo
novo, pela palavra, pelas imagens, pelo estético, pela realidade, pela reflexão etc. etc. etc.
Referências bibliográficas:
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Brasileira, 2006.
__________, Carlos Drummond de,... [et al.]. Deixa que eu Conto: Antologias de Contos.
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BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 2008.
BRAGA, Patrícia Colavitti. O Ensino da Literatura na era dos Extremos. Revista Letra
Magna Eletrônica de divulgação Científica em Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura.
Ano 03. nº05. Semestre de 2006.
CÂNDIDO, Antonio. Vários Escritos 4ª Ed. Rio de Janeiro, 2004.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: Teoria e Prática. São Paulo: Contexto, 2006.
COUTINHO, Afrânio & COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil: era
Modernista. v.05. São Paulo: Global, 2001.
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contemporâneas
Resumo: este trabalho pretende estabelecer uma análise do conto A terceira margem do rio,
de Guimarães Rosa, baseando-se, principalmente, nas representações da memória traumática
do narrador-personagem observadas ao longo de seu discurso. Além disso, tenciona-se
apontar a importância do relato como mecanismo de elaboração e superação da memória
traumática por parte do narrador e a consequente construção de um entre-lugar desde o qual
este processo torna-se possível.
Em seu conto A terceira margem do rio, Guimarães Rosa nos traz o relato de um filho
sobre a decisão de seu pai de construir uma canoa para si e abandonar a família a fim de
habita-la sozinho, sem deixar claros os motivos que o levaram a tomar esta decisão. O
narrador-personagem mantém cuidados regulares com o pai, deixando mantimentos para ele
na beira do rio. A mãe tenta, inutilmente, fazer com que seu marido volte para casa.
Com o passar dos anos impõe-se um silêncio dentro da família através da proibição de
se mencionar o nome paterno. Pouco-a-pouco todos começam a ir embora, primeiro os
irmãos do narrador-personagem e em seguida sua mãe. No entanto, o narrador permanece.
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sequência ao trabalho paterno. No entanto, por ele ceder ao medo eacabar fugindo dessa tal
responsabilidade, seus sentimentos anteriores de angustia, e especialmente de culpa se
intensificam e chegam ao ápice.
Entendemos a necessidade do pai de habitar sozinho sua canoa no meio do rio como
uma busca por autoconhecimento, possivelmente para a elaboração de uma memória
traumática particular da qual o narrador-personagem não tem conhecimento. No entanto, o
distanciamento e silêncio paternos transmitiram o trauma ao filho, levando-o a sentir
necessidade de habitar sua própria canoa rumo à elaboração da vivência traumática e
compreensão de sua identidade. Pois, Márcio Seligmann-Silva, citando a Bohleber¹ coloca
que,
O narrador ainda se define como sendo um homem de tristes palavras, o que torna
ainda mais evidente a angustia que ele sente relacionada à memória traumática, não apenas
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decisão do narrador de construir sua própria canoa e assumir sua identidade no rio, na terceira
margem.
Este conceito está muito bem representado no conto através da ambiguidade vivida
pelo pai, que ao mesmo tempo em que vai embora de sua casa e abandona a família, não se
distancia de fato, passado a viver próximo deles no meio do rio. Habitar esse entre-lugar
significa ao mesmo tempo presença e ausência. É um eterno retorno cristalizado no tempo,
uma partida sem volta, visto que nunca se foi de fato. Como o próprio narrador define:
“Nosso pai não voltou, ele não tinha ido a nenhuma parte” (ROSA, 1988:33).
O narrador-personagem reconhece que ainda que seu pai tenha partido ele não havia
ido a parte alguma, de modo que pensar em seu retorno é algo incoerente. Assim ele admite
que este pai na verdade está habitando um lugar simbólico que se contrapõe ao real, um
entre-lugar.
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testemunho, que de acordo com o autor, em citação a Primo Levi¹, “expressa o ponto de vista
único e insubstituível do narrador” (SELIGMANN-SILVA, 2005:79), entendemos que o
caráter testemunhal do conto possibilitará ao narrador construir sua própria consciência, pois
é através do relato que ele pode superar os sentimentos de culpa e dor relacionados à ausência
da figura paterna.
Desse modo, ao não explicar tudo, criando lacunas que só podem ser preenchidas pela
interpretação do leitor, o narrador de A terceira margem do rio nos oferece uma história
atemporal e ampla no que tange a diversidade de interpretações possíveis, como as “sementes
de trigo que durante milhares de anos ficaram fechadas hermeticamente nas câmaras das
pirâmides e que conservam até hoje suas forças germinativas” (BENJAMIN, 1936:204).
Durante vários anos o narrador-personagem viu-se impedido por sua mãe de falar
sobre o pai, ainda que o assunto fosse uma constante em seus pensamentos. Seligmann-Silva,
citando a Walter Benjamin¹, nos revela que “a imagem do passado que cintila no agora da sua
reconhecibilidade é de modo geral uma imagem da memória. Ela assemelha-se às imagens do
passado que assaltam as pessoas” (SELIGMANN-SILVA, 2005:80). Entendemos que tal
imagem está representada no conto através da impossibilidade de se esquecer do pai, de
modo que sua lembrança permeia continuamente o universo familiar na figura de
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BIBLIOGRAFIA
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51Mestranda no Profletras - Mestrado Profissional de Letras – UNEB – Campus V – Santo Antonio de Jesus,
Bahia. Endereço eletrônico: rical_fsa@yahoo.com.br.
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Introdução
A Lei 10.639/03 que completou 13 anos recentemente e que foi fruto de Lutas de
Movimentos Negros ao longo do tempo surgiu da necessidade de ressignificar a valorização
da cultura africana que compõe a diversidade cultural brasileira. No entanto, em muitas
instituições escolares, o ensino sobre africanidades é tratado de modo insatisfatório, isso só
vem reforçar que o centro do ensino escolar ainda é “europeizado” deixando às margens uma
gama de conhecimentos voltados para a cultura de um povo que foi a base para a construção
econômica, principalmente, e social-cultural. Nesse sentido, a Lei Federal 10.639, sancionada
no dia 09 de janeiro de 2003, reacendeu uma discussão, pois falar em África para muitos, é
falar em miséria, sofrimento, fome e doença, criando-se assim, um estereótipo. No entanto,
outros defendem que:
Assim, a ideia defendida por Costa e Dutra (2009) está ancorada na Lei 10.639/03
que descreve:
52A Lei 10.645/08 estabelece a inserção obrigatória nos currículos escolares o ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena.
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Embora o Colégio esteja localizado em uma parte nobre de um bairro com boa
infraestrutura, a maioria dos alunos que estuda nesse colégio é oriunda de outros bairros
desprovidos de saneamento básico, infraestrutura e segurança, principalmente. Os educandos
do 9º ano A são, em sua maioria, de baixa renda, pertencem a uma família grande, com
muitos irmãos, muitos deles, filhos de pais separados, alguns moram com avós e são negros.
Por morarem longe de onde estudam e/ou trabalharem no turno oposto, os educandos, já
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chegam à escola cansados e sem estímulos para estudar, não gostam muito de ler e
apresentam um contato restrito com as literaturas nas aulas de Língua Portuguesa.
Apresentação da Proposição
Fundamentação Teórica
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pensamento” (1970, p.11), que a Literatura se originou. Ainda sobre a origem da Literatura
no Brasil, Afrânio Coutinho diz:
A literatura nasceu no Brasil sob o signo do Barroco, pela mão barroca dos
jesuístas. E foi ao gênio plástico do Barroco que se deveu a implantação do
longo processo de mestiçagem que constitui a principal característica da
cultura brasileira, adaptando as formas europeias ao novo ambiente, à custa
da transculturação[...]o europeu e o autóctone. (COUTINHO,1975, p.29)
53O termo “discussão” presente várias vezes no presente projeto faz alusão às diversas manifestações de inter -
ação entre os educandos e o professor em sala de aula.
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Nesse sentido, romper com as ideologias do passado, lutar pela conquista do espaço
no campo literário, foi o que fizeram os escritores do Jornal do MNU e dos Cadernos Negros.
O Jornal do MNU traz um conjunto de textos voltados à discussão do papel do negro nas
estâncias sociais e políticas. A partir daí, há uma desestabilidade dos estereótipos negativos
criados ao longo do tempo sobre os afrodescendentes. Nos Cadernos Negros, tem-se um
olhar voltado para a comunicabilidade com seus leitores através de uma linguagem simples
que atinja seu verdadeiro propósito: divulgar e valorizar a cultura dos afrodescendentes que
aqui residem. Em estudos realizados pela pesquisadora Florentina da Silva Souza, os
periódicos apresentados fazem parte de um discurso proferido pelos autores negros
brasileiros no intuito de tornar audível sua voz, abafada por tanto tempo. De acordo esses
estudos:
54Trecho extraído da Revista África e Africanidades – Ano I – n.1 – Maio. 2008 – ISSN 1983-2354 Disponível
em: < http://www.africaeafricanidades.com.br> Acesso em: 15 de julho de 2015.
55O termo “negritude” foi usado nesse contexto no sentido de orgulho, afirmação de identidade, de indepen -
dência, ultrapassando assim a ideia de movimento ideológico e político.
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Nessa visão, a autora expõe que a crise de identidade é consequência de uma série
de fatores que historicamente está impregnada na sociedade. Um deles, é a não aceitação de
sua identidade, negando assim sua cultura e sua etnia. Bernd afirma, ainda, para o querer “ser
negro” (1988, p.42), aceitar-se como negro restaurando daí sua própria identidade e suas
manifestações culturais.
56 Pesquisadora que contribuiu para a elaboração do livro História da Educação do Negro e outras histórias/
Organização: Jeruse Romão. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Mi-
nistério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2005.
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57 Rosemere Ferreira da Silva, em sua tese de doutorado “Trajetórias de dois Intelectuais Negros Brasileiros:
Abdias Nascimento e Milton Santos” investiga a importância das obras desses intelectuais na contemporaneida-
de.
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Objetivo Geral:
Objetivos Específicos:
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Outros contos que ainda apresentaram crianças e jovens como personagens também
apareceram no desenvolvimento da proposição. “Bife com batatas fritas”, de Cristiane
Sobral, trouxe como personagem principal, lóli, uma menina que, mesmo pertencendo à
classe social menos favorecida, é rechochunda por causa da má alimentação. Embora tivesse
uma mente criativa para obter e criar seus brinquedos, lóli viu sua infância indo embora ao
perder a sua mãe. Em “Conluio das perdas”, do escritor Cuti, os personagens, pai e filho,
sofreram o drama da perda de entes queridos, da desigualdade social, do preconceito e do
racismo. Dramas esses que oportunizaram reflexões acerca do cotidiano e do enfrentamento
dos problemas presentes na atualidade.
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Resultados Esperados
Referências bibliográficas
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geografia: representação dos negros e áfrica nos livros didáticos. In: 10º Encontro nacional
de Prática de Ensino em Geografia, 30 de agosto a 02 se setembro de 2009. Porto Alegre.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana S.A.,
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COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2ª ed., 4ª reimpressão. São Paulo:
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DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: Abordagens em sala de aula. Rio de
Janeiro: Pallas, 2014.
______. Literatura afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ao XX. Rio de Janeiro:
Pallas, 2014.
______. Notas sobre a literatura brasileira afro-descendente. In SCARPELLI, Marli Fantini
e DUARTE, Eduardo de Assis (Orgs.) Poéticas da diversidade. Belo Horizonte: FALE-
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FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA, 2008. Disponível em < http://kilombagem.org/wordpress/wp-content/uploads/
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HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. SOVIK. Liv (Org.). [Trad.
Adelaine La Guardia Resende… [et al]. Belo horizonte: UFMG; Brasília: Representação da
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______. Trajetórias de dois intelectuais negros brasileiros: Abdias Nascimento e Milton
Santos. Salvador: UFBA, 2010.233 f. Tese de Doutorado – Programa Multidisciplinar de Pós-
Graduação em estudos Étnicos e Africanos, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas -
Centro de Estudos Afro-Orientais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/8585/1/Silva.pdf> Acesso em: 14
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SOUZA, Florentina da Silva. Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU.
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Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. –
[Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005. 204p.: il.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Colônia de Portugal de 1515 até 1975 e possessão da Indonésia até 1999, Timor-Leste
sempre esteve no meio de conflitos ligados às grandes decisões político-econômicas do
mundo moderno. Devido a grandes movimentações históricas mundiais, foi duramente
invadido por conquistadores portugueses no século 16, por soldados japoneses e australianos
durante a Segunda Guerra Mundial e por soldados e milicianos Indonésios em 1975. Após
sofrer inúmeros episódios de violência em massa, o país foi somente conquistar seu direito de
autodeterminação em 1999, com a expulsão dos soldados indonésios.
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No livro III da República, após ter sido reverenciado como um ser divino, ungido com
óleos perfumados e coroado com uma grinalda de lã, o poeta é expulso da cidade idealizada
por Platão. A poesia constitui um problema para o platonismo e para organização da polis,
seguramente, dos mais desconcertantes. O texto faz referência aos poetas como aqueles que
não poderiam fazer parte do Estado, pois são perigosos. Os que poderiam acessar o mundo
das ideias seriam os filósofos (e o próprio Platão), mas ao descrever os poetas como uma
ameaça, Platão dá indícios para que se entenda que os poetas podem ultrapassar a ordem do
Estado, não respeitando-a e, mesmo assim, aceder ao mundo das ideias.
Segundo López, « el poeta es ese rezago de prácticas míticas que Platón quiso
eliminar, pero que no pudo, dado que todo gobierno precisa de cuerpos para efectuarse y la
poesía es sentir posibilidades de existencia.” (2005, p.125) Os poetas são concebidos em sua
59 Como o próprio autor aponta, para Eduardo Viveiros de Castro, o perspectivismo ameríndio é um
modo de pensamento diferente do animismo, mas com pontos de contato.
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Muitas versões deste mito foram colhidas por pesquisadores e os objetos variam.
Exemplos destes objectos são o tambor (Traube, 1986); a bandeira (Hohe, 2002) ou o livro
(Seixas, 2010; Engelenhoven, 2010). Na versão colhida por nossa pesquisa, durante uma aula
de estudos literários, em 2014, e escrita por um aluno, antes do irmão mais novo partir e
fundar Portugal, ele leva um livro, escrito em Timor, onde estariam escritos todos os
conhecimentos de Timor-Leste, inclusive as técnicas de telecomunicações.
A lógica de exclusão é parecida com a que guiou os contatos coloniais, e não espanta
que muitos timorenses tivessem se revoltado contra ela em seu imaginário. Importa salientar
também que, além disso forma, a de se pensar a cultura é diferente da ocidental.
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Os manuais são elaborados sobre ideias correntes que fazem parte da última “fase” de
transformação decisiva da “comunidade imaginada”62 da nação de Timor-Leste: a
consolidação do Estado e no seu reconhecimento por outras nações. Assim, as noções de
literatura são baseadas em conceitos como lusofonia nacionalismo, autorizadas pelo projeto
de governança do século XXI em Timor-Leste a estruturarem os discursos das instituições.
Apesar destas ideias de literatura veiculadas nos manuais, nos cursos de literatura,
para os alunos, literatura era baseada em outras concepções. Classificações narrativas em
63 Infelizmente não temos espaço suficiente neste artigo para comentar cada aspecto da análise, mas pro -
curaremos recuperar as que mais forem pertinentes ao desenvolvimento de nosso percurso teórico.
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tétum, vindas de verdadeiras tradições orais eram frequentemente empregadas pelos alunos
timorenses.
Tal caracterização das narrativas pode ser uma pista para que se
possa pensar a própria oralidade em relação à formação nacional de
Timor-Leste. Isso porque, se um grande número de timorenses
considera suas narrativas como sendo literatura, quer dizer que eles
veem atitudes literárias em suas narrativas orais, as quais não são, a
priori, literatura 65.
65 É importante esclarecer que, em acordo com as definições de Paul Zumthor, não consideramos a na -
rração oral como literatura, pois esta está ligada ontologicamente à letra escrita, é historicamente determinável e
sua abrangência acaba onde começa a distância etnológica de povos de tradição predominantemente oral. Com
base em tais argumentos é que Paul Zumthor adota a expressão “poesia ou poética da voz”, a qual seria mais
específica e menos comprometida com enfoques redutores e generalistas do que “literatura oral” (ZUMTHOR,
1983, p. 21).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Para que se possa pensar em como agir em relação a essas narrativas orais e refletir
sobre o modo de sua importância no ensino de literatura em Timor-Leste, propomos um
percurso que considere o cruzamento entre: a) uma perspectiva histórica que evidencie o
papel fundamental da oralidade para a Resistência Clandestina durante a invasão indonésia;
b) uma perspectiva etnológica que possa colocar em perspectiva a ontologia das narrativas
ocidentais (como a da lusofonia) e levar em conta a potência do pensamento contido na
ontologia das narrativas de contato sustentadas oralmente pelos timorenses e evidenciadas
pelo estudo etnológico.
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Dentro dessa perspectiva, importa para nosso trabalho que façamos o seguinte
questionamento: o discurso institucional dos manuais se cruza com quais contextos em
Timor-Leste?
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Entretanto, há o outro lado, a formação da “mão esquerda”, que não participa desse
processo. Durante o período da resistência timorense, formaram-se três fronts de resistência
timorense, e o terceiro seria composto pela chamada Résistência Clandestina, sempre referida
em descrições teóricas sobre o período da invasão indonésia (Anderson, 2008).
Aqueles que compunham esta resistência, salvo raras exceções, não fizeram parte do
projeto de governo colocado em execução em 2002. Isso porque era quase impossível
identificar quem fazia parte dessa resistência, pois o anonimato era sua forma imanente. A
Resistência Clandestina era formada pela pela população ou, segundo o termo utilizado por
Negri para descrever formações semelhantes, a multidão (Negri & Hardt, 2012, p.141 69).
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Negri & Hardt, (2012, p.147) se propõem a apresentar a maneira com que certas
forças da antimodernidade agem no seio dos processos de globalização capitalista e contra
eles, desvelando escapatórias à agressividade da cadeia desenvolvimentista. Sem isso, acaba-
se por se fazer o que o autor chama de hipermodernidade, que é o processo agressivo de
homogeneização em função de expectativas neoliberalistas. Nesse caso, eliminar o
analfabetismo pode também ser o caminho mais rápido para a destruição de mundos e em
direção a um desenvolvimento econômico no nível de Singapura, modelo de modernidade
escolhido.
70 « […] l'antimodernité traverse l'histoire du monde dominant, avec les rébelions d'esclaves, les révoltes
paysannes, les résistances prolétaires et tous les mouvements de libération. » (Negri & Hardt, 2012 p.157).
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Isso quer dizer que há uma imensa probabilidade da Resistência Clandestina não ser
71 É necessário salientar que a antimodernidade precisa ser relativizada e pode tanto representar resistên -
cia positiva no seio da modernidade quanto negativa. Basta lembrar as acusações correntes feitas a Xanana
Gusmão durante toda a sua permanência no governo de haver beneficiado apenas amigos e parentes com os be-
nefícios diretos do poder político.
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“criação” da Resistência Armada, e sua potência criativa não pode ser facilmente domada e
submetida pelo Estado. Diferentemente do “povo”, a multidão resulta de um processo de
constituição política mesmo se, embora o povo se forme como uma unidade graça a um poder
hegemônico que paira sobre o campo social plural, a multidão se forma através de
articulações sobre o plano da imanência e sem hegemonia. (NEGRI & HARDT, 2012, p.251).
Uma imprensa moderna, seja pelas mídias de informação como jornais, blogs e redes
sociais, seja pela literatura, pode fazer face a medidas repressoras e autoritárias de um Estado,
visando a articulação de minorias74. Entretanto, no século XX, quase um terço do país sofreu
deslocamentos forçados, que obrigaram as pessoas a abandonar tudo, salvo aquilo que
podiam carregar em suas memórias. Assim, à falta da imprensa, a oralidade foi e é
fundamental para os timorenses: valorizar e articular a memória oral de diferentes culturas foi
uma estratégia que as permitiu sobreviver e não serem assimiladas pelos indonésios. A voz
era o meio principal para garantir uma coesão.
73 O autor sugere uma “religião católica popular”, atuando em Timor de forma a difundir valores co -
muns. Essa religião católica popular resultava da atuação de padres que optaram por ficar em Timor durante a
invasão. Entretanto, é significativo ressaltar que, em muitos casos, as narrativas bíblicas foram absorvidas e res-
significadas oralmente pelas culturas tradicionais, o que provavelmente os ajuda a pensar as movimentações
históricas de outras formas.
74 Um exemplo é o papel das mídias alternativas no Brasil no sentido de denunciar o golpe de Estado
perpretado contra a presidenta Dilma Roussef em 2016.
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outro dentro de suas culturas.75Isso pode ser evidenciado por meio da narrativa do irmão mais
novo, comentada no início deste artigo, quando pode-se perceber que há um lugar para o
estrangeiro na cultura timorense.
Por outro lado, eles empreenderam o que se pode chamar de “atitudes literárias” com
suas narrativas. Isso destacou as narrativas do fundo sagrado para criar a base da comunidade
imaginária que era necessário criar, sem que as leis do sagrado de cada comunidade fosse
infringidas. Havia nesse comum apenas um resíduo ontológico que não podia mais mudar.
75 Nous ne voulons pas dire que ces récits n'étaient pas vehiculés avant, dans des autres processus histo -
riques, ni qu'il n'y a pas d'autres récits qui ont le même statut.
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Isso fortalece uma influência recíproca entre narrações orais e movimentos históricos.
Pode-se dizer que, de acordo com esta hipótese, estas atitudes literárias foram percebidas
pelos timorenses em relação às suas narrativas, o que explicaria que os estudantes que
escreveram as narrativas orais em nossas aulas classifiquem suas narrativas literatura.
É preciso deixar claro que inclusão do ponto de vista histórico não é para fazer uma
história anti-canônica, ou anti-qualquer coisa, mas para que se escreva e se fale sobre essas
relações sempre escondidas e não-ditas que emergem de outros meios de se pensar a cultura
«by reference to each other». Richter, p.871
76 Mas, diferentemente da escrita, a dinamicidade da oralidade favoreceu mais esse contexto que os mei -
os escritos aparentemente podiam. Isso porque naquele meio histórico era fundamental mudar e notar as mudan-
ças.
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A lusofonia, neste caso, passa a ser uma narrativa da busca do que é sempre igual a si
mesma, seja à língua portuguesa, seja a traços de cultura lusitana. Não há possibilidade de
modificação dessa identidade, ao contrário da ontologia timorense, que busca no outro o que
é diferente como forma de atualização.
Diante disso, achamos que não seria o caso de colocar em oposição trabalhos
canônicos e não canônicos, ou ocidentais ou não ocidentais, escritos e não escritos ou
lusófonos ou não lusófonos77. Não acreditamos que a solução seja declarar o cânone lusofone
e escrito como um antagonista político para que se possa substituí-lo à oralidade
multiculturalista. Essa polarização esconderia a questão do que seria a cultura da escola, de
fato.
Isso porque, à medida que alguém tem acesso apenas a obras da literatura lusófona na
escola, esses trabalhos serão legitimados como objetos de estudo do mesmo modo, por um
processo de desenraizamento das atuais circunstâncias culturais de sua produção e consumo.
(Guillory, 2013, p.862) Ceder o direito de definição do capital cultural à cultura
institucionalizada não é uma estratégia muito efetiva da « mão esquerda », e fatalmente as
narrativas orais tenderia a ser classificadas com categorias quase pejorativas como Folklore
ou algo semelhante.
Segundo Fanon (Negri & Hardt, 2013, p.160), o resultado último do processo
revolucionário deve criar uma nova humanidade que ultrapasse a oposição estática entre
modernidade e antimodernidade, e que se manifeste como dinâmica, em um processo criador.
É a ruptura e a transformação que define esse processo, e não a oposição, como a que poderia
se manifestar em uma discussão anti-cânone.
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Como se pode ver, o que está em jogo na relação entre os tipos de capital cultural é
uma diferença ontológica em relação ao conceito de cultura. O conceito de cultura que
embasa a cultura dos manuais é hierarquizante. Por outro lado, a ideia de cultura que
podemos desenvolver a partir das narrativas orais timorenses é muito mais anárquica e
insubmissa politicamente, por isso não interessa dentro dos domínios do Estado.
Miller (1983) aponta para uma alternativa que poderia colaborar para o
reconhecimento dos diversos capitais culturais e agenciamentos culturais dentro da escola e
da universidade. O autor investe no conceito de intercultural literacy, que consiste em um
modo de investigação que respeita a acumulação de símbolos compartilhados (daí o termo
literacy) mas também convida a pesquisar em processos em que culturas são formadas e,
particularmente, encoraja a análise de como as culturas constituem a si mesmas em relação a
outras.
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O lia-na'in é o mestre que narra os mitos e é semelhante ao poeta descrito por Paul
Zumthor: “O poeta é voz: linguagem que vem de além, das Musas, segundo Homero. Daí a
ideia grega de epos, palavra inaugural do ser e do mundo: não o logos racional, mas o que
manifesta phônê, voz ativa, presença plena, revelação dos deuses.” (Zumthor, 1983, p.5478) A
phônê não se une diretamente ao sentido, mas prepara o meio no qual ele se afirma.
De forma análoga, de acordo com Lopez (2015, p.122) no caso da ontologia animista,
no início não existe uma divisão radical de seres, porque o princípio comum deles é a
humanidade e a comunidade (como pode ser notado na narrativa do irmão mais novo). Não
existe um princípio regente conhecido como Ideia, no caso da ontologia platônica, ou Deus,
na ontologia cristã. Existe a humanidade e humanidades como princípios e deles é que vieram
as diferenciações materiais.
Do mesmo modo que essa humanidade animista, Paul Zumthor postula que a voz
seria anterior a toda diferenciação, indizibilidade apta a se revestir de linguagem. A voz teria
qualidades materiais, como o tom, o timbre, o alcance, a altura, o registro, e a cada uma delas
se ligaria um valor simbólico. A consequência disso é que a linguagem seria impensável sem
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quer dizer que você está constituído da linguagem de um mundo específico, uma casa
sagrada, por exemplo80.
5.2 Da ontologia timorense para a ontologia do texto literário (vamos comer Platão)
Librandi-Rocha ainda propõe que se considere “ouvir” o texto literário. Isso quer
80 Em uma das narrativas orais escritas por nosso alunos, tivemos a narrativa de Bui-Laho, (princesa
rata), que contava que um bebê, filho de uma rata, foi encontrado e criado por um humano. A menina rata tam-
bém recebia a visita de sua mãe rata, cresce, torna-se uma princesa e se casa com o príncipe de outra aldeia. No
dia do casamento, sua mãe rata morre, atacada por cães. Depois disso, os timorenses nunca mais comeram ratos,
em respeito à linhagem da princesa.
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A voz é presença e é algo que ultrapassa a língua, e a literatura também pode ser
pensada como algo que carrega este objetivo, pois ela cria uma nova linguagem para dizer o
indizível. Essa linguagem não pode ser confundida com a língua corrente, da qual a literatura
também busca livrar-se para alcançar o que ainda não foi dito, ao alcance de uma plenitude
que também se traduziria em presença.
81 Neste momento não há como não invocar mais uma vez o modelo da narrativa sobre os timorenses
que, após a morte, os voltam ao Timor como estrangeiros.
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Para que essas ideias seja exploradas, é necessário que se considere os alunos como
autores, não como analfabetos. A vocalização e a reescritura da literatura devem ser
possíveis a ponto de obras literárias serem narradas por alunos nas aldeias e recontadas de
outro jeito, já apropriadas pelos timorenses nas salas de aula. Junto a isso, advogamos que
seja possível fazer passar o mito pela obra e a obra pelo mito, com a possibilidade de
apropriação pela voz e de modificação intensa dos textos literários.
Bibliografia
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RAMOS, A. M. et al. Temas de literatura e cultura: manual do aluno de 10º ano. Dili:
Ministério da Educação de Tir-Leste, 2014.
GUILLORY, John. From Cultural Capital: The Problem of Literary Canon Formation. In
The Critical Tradition: Classics Texts and Contemporary Trends. 2016, Queens College of
the City University of New York.
LIBRANDI-ROCHA, Marilia. Escutar a escrita: por uma teoria literária ameríndia. In O eixo
e a roda: v. 21, n. 2, 2012
MILLER, Christopher L., Literary Studies and African literature: The Chalenge of
Intercultural Literacy, in Africa to the Social Sciences an Humanities, ed Robert H. Bates et
al. Chicago : University of Chicago Press, 1983
SILVA, Kelly & SOUSA, Lúcio (orgs.). Ita maun alin. O livro do irmão mais novo.
Afinidades antropológicas em torno de Timor-Leste. Lisboa: Edições Colibri. 281 pp
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. 2002. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros
Ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify. 552 pp.
TRAUBE, Elizabeth. Cosmology and Social Life. Ritual exchange among the Mambay of
East Timor. 1986, Chicago e Londres: The University of Chicago Press.
ZUMTHOR, Paul. La lettre et la voix. France: Seuil, 1987.
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prazer da novidade no cenário literário até questões mais antigas como as relacionadas à
memória e ao processo de formação de identidade.
O autor, nascido em 1977, é apenas dois anos mais novo do que a independência de
Angola, em 1975 e, deste modo, pode-se dizer que goza de uma posição e tempo
privilegiados quando se pretende retratar a situação política, econômica e social deste
período.
Podemos dizer que Ondjaki cresceu sobre os destroços da guerra que assolou Angola
durante décadas e sobre a reconstrução depois da independência do país. Claramente, sua
visão é um retrato de quem assistiu, sem participar dos conflitos mas, suas observações e
memórias dessa infância e adolescência durante esse período em Luanda contribuem,
indubitavelmente, para retratar este contexto na Literatura e mesmo na História.
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Angola, assim como o Brasil, é um país que enfrentou seu destino e agora luta por sua
afirmação, usando as armas que são, genuinamente, suas: as origens, o povo, a cultura. Esse
colonizador comum – ainda que os processos de independência tenham se dado de maneira
distinta entre os dois países – torna-se um elemento que soma no processo de independência e
de formação literária angolana. Referimo-nos, aqui, não apenas ao impulso, após a
independência do Brasil nas lutas pela libertação, mas, sobretudo, pela influência literária que
muitos escritores angolanos nunca fizeram questão de omitir. Conseguimos reconhecer as
influências de Guimarães Rosa, Manuel de Barros, Drummond, Jorge Amado, Graciliano
Ramos, entre outros, nas obras de autores como Luandino Vieira, Pepetela, Mia Couto,
Paulina Chiziani, João Melo, Manuel Rui, Manuel Lopes, José Eduardo Agualusa e Ondjaki.
Outro fato inegável é que a literatura continua desempenhando seu papel de instruir,
construir e consolidar a independência angolana. Os romances Bom dia camaradas (2006) e
Avó dezanove e o segredo do soviético (2009), por exemplo, retratam este período que
compreende os anos após 1975 e permitem observar questões pertinentes à formação da
identidade angolana pós-guerra amparada pela memória e, adotando o espaço – real e fictício
– como fio condutor dessa análise.
Como se dão essas relações entre memória, espaço e identidade, nesses dois romances
anteriormente citados, de Ondjaki, é a proposta para este trabalho, que será delineada a
seguir.
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Logo, podemos dizer que a memória passa, desde então, a ser vista como uma
ferramenta de resgate e de construção do meio social. É através dela, do que se lembram e do
que esquecem, que os indivíduos se sentem pertencentes a um (ou a vários) grupos sociais
como os quais se identifica.
O professor Andreas Huyssen inicia seu livro Seduzidos pela memória, de 2000, da
seguinte maneira:
Por este fragmento, podemos perceber que a memória ganha cada vez mais destaque
no século XXI, de modo que passa a ser uma das grandes preocupações para os indivíduos
contemporâneos.
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a a dispositivos capazes de armazená-la por tempo indeterminado. E, não raras vezes, jamais
acessamos essas recordações.
Este fragmento exemplifica, como já foi dito, a situação que ocorre em Angola pós
guerra. A ausência ou a pouca disponibilidade de documentos que relatam o processo e que
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seriam capazes de esclarecer questões acerca do processo de independência, faz com que
outras fontes precisem ser produzidas e observadas. Neste sentido, a literatura torna-se de
grande valor, como afirma Maria de Fátima Marinho:
Sendo assim, a literatura pode cumprir um papel de fonte documental porque, em sua
totalidade, é representação registrada de um contexto, com a linguagem, com as descrições de
cenário, com as ações da narrativa. Toda obra literária, portanto, é um registro de algum
momento, de locus e de ethos. É importante ressaltar que a literatura, como expressão
artística de caráter ficcional que é, não tem compromisso com a verdade, mas, ainda assim,
ela colabora no sentido de registrar, guardar e propagar as memórias e a identidade do
contexto que retrata.
A incipiente literatura angolana conta, por sua vez, com esse suporte a fim de analisar
e estudar o seu passado para compreender o seu presente e construir, consequentemente, seu
futuro.
A literatura de Angola está intimamente ligada à história de Angola e esta, por sua
vez, está ainda muito ligada à guerra. Logo, a constante presença da guerra nos textos
africanos de expressão portuguesa é justificada por Inocência Mata: “se é certo que à
independência literária precede a independência política, esta última situação não deixará de
influenciar, decisivamente, a história, a crítica e a avaliação do sistema literário” (MATA,
2003, s.p.).
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Neste sentido, vamos nos embasar na teoria de Pierre Nora e seus “lugares de
memória” para exemplificar os espaços físicos representados por Ondjaki nos romances
Bom dia camaradas e AvóDezanove e o segredo do soviético e o modo como eles são
retratados para que se possa analisar o processo de reurbanização de Luanda, a fim de
perceber como estes espaços são representações de memória para, deste modo, participarem
da formação da identidade angolana. Trata-se de dois romances que remetem à infância e
juventude do autor, portanto, romances memorialistas da Luanda de seu tempo. Para o
historiador francês:
Os lugares de memória (...) são lugares, com efeito nos três sentidos da
palavra, material, simbólico e funcional (...). Mesmo um lugar de aparência
puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória
se a imaginação o investe de uma aura simbólica. (NORA, 1993, p. 21)
O Bairro da Praia do Bispo, onde fica a casa da Avó Agnette, bastante explorada em
Avó Dezanove e o segredo do soviético, também constitui um lugar de memória, na obra. É
na vizinhança da casa e no interior da mesma, que se passam as ações da narrativa. É ali que
o mausoléu está sendo construído e, para tal, como já dissemos, algumas casas precisarão ser
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dinamitadas. Neste ponto, reafirma-se o significado desse lugar para o narrador, que
demonstra, ao longo do enredo, o seu carinho, bem como explicita o papel social e político
que se está pretendendo com a construção do “foguetão”.
Quer dizer, nunca ninguém fala das crianças, está certo que a nossa vida
ainda é pequenina, mas nós também gostamos muito da Praia do Bispo e os
mais velhos sempre esquecem que quando há problemas nós podemos
ajudar a resolver. (Ibidem, 2009, p. 106 - 107)
82O governo angolano, de tendência marxista-leninista, contou com o apoio do governo cubano na luta e na
manutenção das atividades primordiais, em Angola. Enviaram estrategistas de guerra, médicos e professores,
sendo estes últimos, figuras de grande admiração por parte dos alunos. No romance Bom dia camaradas, esta
boa relação fica evidente e confere ao texto, uma emocionante despedida quando os cubanos são mandados de
volta à cuba, já no fim da guerra civil.
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Desta maneira, o binômio espaço-literatura, tão difundido no final do século XX, mostra que
o espaço no qual o sujeito está inserido revela traços de sua origem e, logo, de sua identidade.
A tentativa de preservar o seu local, nos romances, mostra, também, a maneira como se dá a
relação desses sujeitos com outros anteriores a eles. O Mausoléu não é só uma construção de
concreto, é um símbolo, é uma alegoria da nova condição de Angola, que, ainda que
independente do colonizador, é oprimida pela guerra civil. Para o estudioso Davi da Silva
Gouveia:
Sendo assim, o espaço observado nas obras ondjakianas (ficcional) e o espaço dos territórios
de Luanda (real), se configuram de modo a representar o processo de consolidação da
independência angolana tomando a memória desses lugares como parte importante em um
outro processo que é resultante deste primeiro: o da identidade angolana, da angolanidade.
É importante observarmos, entretanto, que, neste momento, entramos num terreno que mais
problematiza do que soluciona o processo de formação dessa identidade angolana. Na,
verdade, a questão da identidade, semeada no Renascimento83, com o incentivo ao
Antropocentrismo em detrimento do Teocentrismo, largamente trabalhada no Barroco84 para
florescer no Iluminismo85, onde aparecem, de fato, o individualismo e a ideia de nação, que
também identifica o povo coletivamente torna-se, vem, novamente, à tona.
83 Historicamente, período que compreende o final do século XIV e o final do século XVII, em que o homem
figura como centro do universo, em que há a transição do sistema feudal para o capitalismo e que marca muda-
nças nos setores econômicos, sociais, culturais e religiosos que servirão de base para a sociedade moderna.
84 O estilo barroco, que surgiu como reflexo do pensamento renascentista, demonstra o início dos conflitos do
homem novo. Por ser, essencialmente, dualístico, o barroco problematizava questões como a vida terrena e
plano espiritual, razão e fé, homem e Deus.
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angolanos se organizam numa luta contra o colonizador europeu. É necessário, nesta fase,
reforçar as diferenças entre um e o outro. Mais uma vez, a memória e os espaços se fazem se
fazem fundamentais neste processo.
Num segundo momento, durante a guerra civil, essa identidade “africana”, diferente da
europeia, tanto ressaltada no primeiro momento, fragmenta-se, mais uma vez. A luta interna
que se estabelece neste contexto, reforça as variadas características das também variadas
etnias angolanas. Podemos inferir, então, que o processo de formação da identidade angolana
trata-se, na realidade, de um processo de reformulação de identidades angolanas. Stuart Hall,
alerta-nos sobre isso:
Referências
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LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão [et al.] Campinas: Editora da
UNICAMP, 1990.
MARINHO, Maria de Fátima. “A construção da memória”. In: Veredas. Revista da
Associação Internacional de Lusitanistas. Vol. 10. Santiago de Compostela, 2008. p. 135
– 148.
MATA, Inocência. “A condição pós-colonial das literaturas africanas de língua portuguesa:
algumas diferenças e convergências e muitos lugares-comuns”. In: LEÃO,
Ângela (org.). Contatos e Ressonâncias – Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Belo
Horizonte: Editora PUC-Minas, 2003 p. 43-72
NETO, Agostinho. Sagrada esperança. Lisboa: Sá da Costa, 1987. 11. ed.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São
Paulo: PUC-SP. N° 10, 1993.
ONDJAKI. Bom dia camaradas. Rio de Janeiro: Agir, 2006.
______. Avó dezanove e o segredo do soviético. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
SÁ, Celso Pereira de. A memória histórica numa perspectiva psicossocial. In: Morpheus -
Revista Eletrônica em Ciências Humanas - Ano 09, número 14, 2012 ISSN 1676-2924.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória Coletiva & Teoria Social. São Paulo:
Annablume, 2003.
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Lima Barreto e Eça de Queirós são exemplos de escritores que perseguiram formas de
escrever mais ágeis, comunicativas e em constante diálogo com os acontecimentos de seu
tempo. A partir dessa perspectiva, o trabalho propõe examinar os escritos jornalísticos de
Lima Barreto reunidos em Vida Urbana (1956) e de Eça de Queirós publicados em Textos de
imprensa IV (2002), analisar a relação que se estabeleceu entre jornal e literatura, seja no
conflito entre o discurso jornalístico e a concepção da escrita para o literato, seja na utilização
de novos espaços de publicação, que em última instância aponta para o processo de
profissionalização dos escritores e da constituição de um público leitor.
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legião de escravizados excluídos do convívio social e cultural, além de uma elevada taxa de
analfabetismo. Circunstâncias que impediam o progresso técnico e o avanço cultural.
Apesar deste contexto precário em relação aos meios de difusão, existia uma rede de
comunicação e sociabilidade já estabelecida entre a população, em decorrência de uma
cultura oral marcante na sociedade do período, prática que continuou mesmo com a
multiplicação no número de jornais a partir de 1822, como afirma Marialva Barbosa (2010, p.
21):
Mas serão necessários alguns decênios para que o cotidiano dos jornais faça
parte do universo oral/letrado de uma população mais vasta. A teia de
notícias é construída, sobretudo, pela rede de informações verbais, que
podem ter origem nas letras impressas, as quais são retransmitidas
oralmente a outros ou diretamente pela conversa oriunda dos ambientes
privados. Ao mesmo tempo, as letras impressas passam a se nutrir do jogo
das práticas orais.
Nesse contexto, surgiu em oito páginas, o jornal Ostensor Brasileiro – Jornal Literário
Pictoreal que circulou entre 1845 e 1846 propondo:
Nesse projeto de civilizar pela leitura e pela literatura, o jornal literário veiculava
poemas, romances, biografias e ensaios que sempre eram introduzidos tematicamente por
uma ilustração. De certo modo, o Ostensor e os jornais do período tomam para si a missão de
formar um público de leitores, a fim de constituírem uma cultura letrada diante das novas
circunstâncias socioculturais que advieram com a chegada da corte portuguesa em 1808 e
com a Independência do Brasil em 1822.
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86 Em 1974, Richard Sennet publicou o que atualmente, considera-se um clássico da área de Ciências Sociais, O
declínio do homem público. A partir de um panorama histórico da sociedade urbana do século XVIII, o estudio-
so aprofunda e problematiza as questões que envolvem a esfera pública, apresentando um outro foco em relação
às reflexões de Habermas, lançando luz sobre o que o próprio autor considerou como a tese do livro “ [...] os
sinais gritantes de uma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada [...] são resultantes de uma mu-
dança que começou com a queda do Antigo Regime e com a formação de uma nova cultura urbana, secular e
capitalista (SENNET, 1988, p. 30).
87 De acordo com Maurício Silva (1999) em “Profissionalização do escritor e publicidade editorial: dois capítu -
los da leitura pré-modernista no Brasil”, em 1846, o Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, contava
com mais de 6 mil leitores, cinquenta anos depois (1896), a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro já contava
com mais de 16 mil, para três mais tarde, ultrapassar a marca dos 20 mil. Estatísticas da Revista Universal Bra-
zileira de Instrução e Recreio (1848) e Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (1887).
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escritores como Olavo Bilac que lamentava a circulação restrita de jornais, reflexo do quadro
de leitores da época:
O fato é que alguns escritores para além da glória literária enxergavam no jornalismo
uma possibilidade de subsistência e visibilidade, como Lima Barreto, enquanto outros, como
Eça de Queirós, vislumbrava o prestígio sociocultural. Segundo Silva Ramos, em resposta à
enquete de João do Rio sobre o jornalismo como fator bom ou ruim para arte literária, o
jornalismo apresentava uma utilidade precípua para a literatura: oferecer ao literato um
emprego, abrigando-o das necessidades mais urgentes, o que facilitava os contatos e as
possibilidades de colocação no serviço público com vistas à estabilidade financeira e
aposentadoria (JOÃO DO RIO, 1908, p. 164)
As trajetórias literárias de Lima Barreto e Eça de Queirós são bem diversas, enquanto
Lima Barreto negro-mestiço, oriundo de família suburbana sem recursos, construiu sua
carreira literária enfrentando toda sorte de preconceitos e dificuldades, Eça de Queirós, por
sua vez, filho ilegítimo, mas procedente de uma família de recursos, obteve sólida formação,
formou-se advogado e seguiu a carreira diplomática, paralelamente tornou-se jornalista e um
dos mais prestigiados ficcionistas de Portugal.
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A partir dessa primeira experiência, o escritor passou a circular pelas rodas boêmias
de estudantes, filósofos e artistas, nos cafés da Rua do Ouvidor, tornando-se conhecido, o que
possibilitou, tempos depois, novas oportunidades de colaboração em periódicos e revistas,
como A Época, Fon-Fon, O País, O Debate, O Mundo Literário, A Voz do Trabalhador (com
o pseudônimo de Isaías Caminha), Floreal (revista literária criada por ele, durou quatro
números) e na revista Careta, para qual escreveu ao longo de quinze anos.
A presença de literatos nos jornais era uma maneira encontrada pelo jornal a fim de
melhorar a qualidade dos textos, do conteúdo e diversificar as formas que surgiam com as
demandas da imprensa, seja em função do cumprimento de prazos, seja para atender ao
anseio de novidades dos leitores. E nesse sentido, o folhetim foi o gênero por excelência que
aproveitou o rodapé dos jornais para veicular a ficção e muitos escritores surgiram a partir
dessa textualidade.
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evolução de Lima Barreto não se deu a partir de narcísicos refinamentos formais, mas de uma
proximidade cada vez maior com a matéria suja da vida e dos dias”.
A colaboração de Lima Barreto no Correio da Manhã foi breve e ele não voltaria a
frequentar suas colunas em função de seu romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha,
que retrata de forma sarcástica os bastidores da redação do jornal O Globo com seus tipos
característicos, como o redator Ricardo Loberant, o inflexível gramático Lobo e o superficial
crítico literário Floc. Logo que o romance chegou às mãos de leitores e escritores, as
referências ao Correio da Manhã mostraram-se evidentes, fazendo com que Lima Barreto
fosse preterido e mesmo excluído do Correio e de outros veículos de comunicação.
A participação diária de Lima Barreto nos jornais revela uma produção caudalosa de
textos de diferentes gêneros, mas isto não isentou o escritor de criticar os jornais, desvelando
a relação conflituosa entre o literato e o jornal, como as crônicas de Vida Urbana88 revelam.
No texto cronístico “Os nossos jornais”, Lima observa: “Os nossos jornais diários têm de
mais e têm de menos, têm lacunas e demasias. Uma grande parte deles é ocupada com
insignificantes notícias oficiais” (1956, p. 53) e prossegue ironizando a falta de conteúdo das
folhas diárias e a participação dos portugueses em nossa imprensa:
88As inúmeras colaborações de Lima Barreto em vários periódicos ficaram dispersas até a organização de sua
obra completa por Francisco de Assis Barbosa. O volume Vida urbana reúne artigos e crônicas do escritor em
diversas épocas de sua vida, em particular os textos publicados na revista Careta. Nestes e em outros textos, o
escritor demonstra que em seu horizonte de criação, cabia não somente a matéria ficcional, mas o contexto ime-
diato da vida em sociedade e do papel do escritor e de seus conflitos naquele momento.
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contemporâneas
Antes de ser escritor, Lima Barreto mostrou-se um leitor metódico, que tinha nos
jornais uma forma de pesquisa para a escrita ao fazer recortes e colagens em cadernos e até
nas paredes de sua casa, colecionando ainda revistas e suplementos. Alguns leitores do
período compartilhavam essa preferência pelos recortes, como relatou o escritor na crônica
“Velhos ‘Apedidos’ e velhos Anúncios”, a respeito de um vizinho idoso apaixonado pela
leitura dos jornais e pelos recortes. Pouco tempo antes de morrer entregou ao escritor
diversos retalhos de vários jornais, entre estes, folhetins de quarenta anos atrás:
Tentei ler os que recebi, mas não pude. Não há nada que envelheça tão
depressa como o que chamamos ainda nos jornais – humorismo, leveza,
graça, etc. Todos os relatos que recebi deviam ter no seu tempo essas
pretensões e como tal serem estimados, mas eu os achei soporíferos. Não sei
o que tem o tal gênero folhetim de tão estritamente atual, do momento, do
minuto em que é escrito que, passado esse fugace instante, rançam logo e
perdem todo o sabor. Considerem que eu já fiz, faço e farei folhetins...
Mas.... (1956, p.151).
Dessa maneira, Lima Barreto estabeleceu uma relação de leitor, de colaborador, como
folhetinista, cronista, contista e articulista nos jornais da primeira década do século XX, mas
isto não obliterou sua visão crítica em relação à participação do literato na construção do
discurso jornalístico e de seu espaço na imprensa.
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Fundado em 1875 por Elísio Mendes, Henrique Chaves e Ferreira de Alves, o jornal
Gazeta de Notícias oxigenou o cenário da imprensa brasileira ao baratear o exemplar,
deixando-o acessível ao público, investir na divulgação de artistas como pintores, músicos,
escultores e colaborações literárias de peso, como Machado de Assis e Ramalho Ortigão.
Circunstâncias que levavam os jovens aspirantes à carreira literária a sonhar com a
oportunidade de escrever na Gazeta de Notícias, como revela Olavo Bilac (1916):
Nunca houve dama, fidalga e bela, que mais inacessível parecesse ao amor
de um pobre namorado: escrever na Gazeta! Ser colaborador da Gazeta!; ser
da casa, estar ao lado da gente ilustre que dava brilho! Que sonho! [...] É
que a Gazeta, naquele tempo, era consagradora por excelência. Não era eu o
único que a namorava: todos os da minha geração tinham a alma inflada
daquela mesma ânsia ambiciosa. Não era o dinheiro o que queríamos:
queríamos consagração, queríamos fama, queríamos ver os nossos nomes ao
lado daqueles nomes célebres. Nós todos julgávamos, então, que a
publicidade era um gozo e que a celebridade era uma bem-aventurança.
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24/07/1880 tornando-se mensal até fevereiro de 1883 a 1886, quando houve um intervalo
sem publicações, retornando a colaboração em 1887.
E quem nos tem enraizado estes hábitos levianos? O jornal, que oferece
cada manhã, desde a crônica até aos anúncios, uma massa espumante de
juízos ligeiros, improvisados na véspera, das onze à meia noite, entre o
silvar do gás e o fervilhar das chalaças, por excelentes rapazes que entram à
pressa na redação, agarram uma tira de papel, e, sem tirar mesmo o chapéu,
decidem com dois rabiscos da pena, indiferentemente sobre uma crise do
Estado, ou sobre o mérito de um vaudeville. (QUEIRÓS apud MINE, 2002,
p. 459).
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Ora, foi para que o Brasil pudesse realizar ideal tão cômodo, que nós
criamos este Suplemento. Ele é o compte rendu desta famosa representação
que se dá no teatro da Europa, mandado cada semana pelo paquete, para que
o enredo e os atores possam ser conhecidos sem cansaço, a despesa, o tempo
consumido em atravessar as águas e vir ao teatro, que não é confortável,
nem bem ventilado, e está cheio de lazaretos. Melhor ainda! É a própria
representação condensada em meia folha de jornal, com uma seleção
cuidadosa dos seus episódios mais atraentes, dos seus personagens mais
característicos, das suas decorações mais vistosas e ricas. Neste Suplemento
vai o resumo de uma civilização.
Considerações finais
A ligação entre literatura e imprensa diária, conforme Arnold Hauser provocou “um
efeito tão revolucionário quanto o uso do vapor para fins industriais, toda a produção literária
muda de caráter” (2003, p. 739). O estudioso entende que novas relações econômicas se
estabeleceram entre os intelectuais e o capitalismo a partir das empresas jornalísticas, que em
última instância, transformou a condição do homem de letras na sociedade do período. E
nesse panorama emerge ainda um público leitor burguês, novas práticas de leituras e,
consequentemente, a democratização da cultura letrada.
Lima Barreto e Eça de Queirós vivenciaram esse processo, mas cada um com suas
batalhas pessoais. O escritor brasileiro enfrentando as dificuldades do negro-mestiço para
desenvolver o discurso jornalístico e literário numa imprensa elitista, enquanto Eça,
diplomata cosmopolita, usou o jornal também como visor para suas observações de outras
culturas em relação à realidade de Portugal.
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Eça e Lima iniciaram a experiência com a escrita nos jornais almejando a carreira
literária, a visibilidade de suas produções ficcionais nas colunas de jornais, contudo estes
espaços jornalísticos estavam comprometidos com os fatos cotidianos e imediatos. Os dois
literatos conseguiram manejar as formas que emergiram com as demandas de espaço do
jornal, dos conteúdos diários, como o artigo, a reportagem, a crônica. Textualidades
largamente desenvolvidas pelos escritores que contaminaram igualmente o discurso
jornalístico. No entanto, a despeito dessas participações ativas, Lima e Eça mantiveram suas
consciências críticas ao demonstrarem uma visão clara acerca da relação que se estabeleceu
naquele momento entre o literato-jornalista com suas demandas de criação artística em
oposição às exigências da escritura no jornal. Por isso em diversos artigos e crônicas
ironizaram impiedosamente a superficialidade das matérias, o despreparo dos jornalistas, as
imposições do jornal em relação à linguagem e na escolha de textos para publicação.
Dessa maneira, o liame entre literatura e jornalismo possibilitou aos romancistas Lima
Barreto e Eça de Queirós participar das transformações promovidas pelos meios de difusão
nas sociedades brasileira e portuguesa em fins do século XIX e primeiras décadas do XX,
proporcionando aos escritores a profissionalização do ofício de escrever e o reconhecimento
da importância do homem de letras em uma sociedade que vislumbrava ser moderna com o
avanço na comunicação.
Referências
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Resumo: de acordo com Patricia Waugh (1984, p. 6), “o menor denominador comum da
metaficção é simultaneamente criar uma ficção e fazer uma declaração sobre a criação
daquela ficção”. São esses dois processos que ocupam, juntos, uma tensão formal que tenta
eliminar a distinção entre criação e crítica. Podemos dizer que a metaficção tem um traço
constante e específico: a existência, no corpo do texto, de um comentário crítico, reflexivo e
consciente do narrador ou de um personagem-escritor sobre os procedimentos de composição
do próprio romance. Partindo de estudos teóricos sobre a metaficção (HUTCHEON, 1985;
OMMUNDSEN, 1993; WAUGH, 1984), propomos a análise do romance Um crime delicado,
de Sérgio Sant’Anna, publicado em 1997.
89∗ Este trabalho contribui para o projeto de pesquisa intitulado “O personagem-escritor e a questão da narrativa
metaficcional”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq nº
444438/2014-9), vinculado ao grupo de pesquisa “Estudos sobre a narrativa brasileira contemporânea” (CNPq).
A apresentação deste trabalho contou com o auxílio financeiro para participação em eventos científicos no exte-
rior da Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás – chamada púlbica nº 01/2016 – Auxílio
financeiro para participação em eventos).
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Há, no decorrer dessa narrativa um embate entre o crítico e o artista, entre a arte e a
crítica, representados respectivamente pelo crítico Antônio Martins e pelo artista plástico
Vitório Brancatti. A obra deste pode ser considerada um work in progress em decorrência de
uma mescla entre a pintura e a instalação que, por um lado, acaba por absorver e envolver em
seu cenário o próprio crítico Antônio Martins como um de seus personagens, e, por outro
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lado, o artista e sua obra também são incorporados à reflexão crítica de Antônio Martins ao
escrever sua própria peça de defesa.
Devemos advertir ao leitor que, no caso de Um crime delicado, estamos diante de uma
narrativa em que há a presença de um sujeito na escritura (KRYSINSKI, 2007). Neste caso, o
leitor se depara o tempo todo com constantes intervenções subjetivas, pois temos, no caso do
romance em questão, um personagem-escritor que exerce a função de crítico de teatro, e, ao
mesmo tempo, a de narrador, responsável direto pela escolha do que e de como serão
narrados os acontecimentos e os fatos que ele julga serem importantes em sua defesa. Temos,
portanto, uma questão referente à perspectiva narrativa à qual o leitor deve estar atento,
sobretudo o que se refere à representação da personagem feminina, Inês.
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Para ele, um homem de seus cinquenta anos, encerrado em sua solidão, o seu trabalho
como crítico demanda dele uma racionalidade exacerbada e aguçada. Além disso, em alguns
momentos, o crítico se vale da ironia como recurso estratégico para criticar, analisar e
comentar a encenação de alguma peça teatral. De modo geral, a sociedade, segundo ele, vê o
crítico ou o intelectual como um homem singular, arredio da vida social e cultural, alheio aos
problemas cotidianos, sociais e econômicos. No entanto, ele afirma que, apesar de
desempenhar com certo zelo a sua função como crítico de teatro, ele não consegue “evitar a
realidade externa, a rua” (SANT’ANNA, 1997, p. 12).
Posterior ao evento do Café, certo dia, quando Antônio Martins descia os degraus do
largo do Machado para adentrar na estação de trem, sentiu uma premonição de que algo
estava para acontecer, e de fato ocorreu que, nas escadas rolantes, enquanto descia, caiu atrás
dele Inês, que foi devidamente amparada de modo instintivo por ele, que percebeu e gravou
em sua memória a leveza de seu corpo: “Reconheci-a como a moça que me impressionara no
Café, o que os eventuais leitores desta peça escrita já terão antecipado há
muito” (SANT’ANNA, 1997, p. 14).
Além do reconhecimento de Antônio Martins de que a mulher que ele ampara é Inês,
o que salta aos olhos do leitor é o fato de ele, enquanto narrador/crítico e personagem-
escritor, estabelecer um diálogo com seu leitor, isto é, ele interrompe a “peça escrita” para
tecer um comentário de ordem crítica sobre a sua própria narrativa. Até então ele não havia
percebido que ela era coxa, mas esse fato, ao invés de provocar nele certa repulsa, causa-lhe
um maior fascínio e admiração por ela, por ser “[u]ma beleza que aquela imperfeição só
realçava” (SANT’ANNA, 1997, p. 32, grifo do autor), despertando ainda mais seus desejos
recônditos.
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Um crime delicado trata-se de uma narrativa metaficcional 90, uma peça escrita, teatral,
que explicita a sua encenação ao leitor, revelando o próprio caráter fictício tanto da narrativa
quanto do próprio narrador/crítico nesse jogo de espelhos: “Mas antes que o meu corpo
desaparecesse por inteiro no subterrâneo – e vejo a mim mesmo enquanto narro – tive a idéia
de olhar para trás” (SANT’ANNA, 1997, p. 14). Personagem de sua própria peça escrita, o
personagem-escritor vê sua imagem desdobrada, espelhada na narrativa tecida por ele,
revelando ao leitor sua artificialidade, fruto de um exercício rigoroso no processo de escrita.
O narrador/crítico tenta, pois, criar uma verdade, por meio de uma linguagem teatral e, ao
mesmo tempo, crítica, para convencer o seu leitor – este, por sua vez, é levado a reconhecer o
caráter artificial do relato.
Nesse sentido, o ato sexual entre Inês e o crítico pode ser compreendido como a
própria crítica da obra, que é dissecada no decorrer da narrativa pelo personagem-escritor,
que penetra nas entranhas de sua narrativa, em suas linhas e entrelinhas, mostrando suas
camadas mais profundas ao leitor, inclusive as sobreposições de diferentes registros em sua
composição, como, por exemplo, a imbricação entre ensaio e ficção.
90 Para Linda Hutcheon (1984, p. 39), a narrativa metaficcional deve ser compreendida como uma mimesis do
processo, ou seja, como uma narrativa que está em processo de construção e que explicita seu status ficcional
dentro do corpo do próprio texto literário.
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recensão crítica feita por Antônio Martins sobre a referida peça é, na verdade, o próprio
capítulo que lemos, ou seja, há aí uma sobreposição de registros de diferentes dicções – o da
crítica que se mescla e se funde ao da ficção – por meio dos quais o ele irá problematizar
várias estratégias referentes à composição da peça, tais como o cenário e a disposição dos
móveis, a performance dos atores, o tempo, e o próprio enredo.
Mas não seria a própria peça escrita de Antônio Martins balizada pela teatralidade e
pela simulação? Assim como o tempo da peça teatral é ficcional, outra leitura possível é a
própria natureza inventiva da narrativa que está sendo tecida pelo personagem-escritor que
busca a compreensão de uma verdade empírica ou das possíveis verdades que podem ser
criadas pela linguagem.
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A suposta amnésia parcial ou total, que acomete Antônio Martins após o excesso de
bebida, pode ser compreendida como um estratagema para convencer o leitor ou de sua
inocência ou de que o crime delicado cometido por ele contra Inês foi, de certa forma,
bloqueado em sua memória, graças à amnésia alcoólica. São os lapsos de memória que
provocam nele o sentimento de culpa e de apreensão em relação à violação da intimidade de
Inês, sendo, pois, o motor para que ele tente criar para o seu leitor uma ilusão de verdade em
sua defesa.
Afinal, o tempo todo ele faz conjecturas sobre os possíveis sentimentos de Inês por
ele, sentindo inclusive ciúmes dela ao saber que ela é a modelo de Vitório Brancatti. Essas
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conjecturas são utilizadas por ele, inclusive para se defender em sua peça processual, ao
afirmar em um dado momento que ela parecia ser uma mulher dissimulada, o que nos remete
a uma avaliação pejorativa de Antônio Martins, que tenta denegrir a imagem de Inês diante
do leitor para se defender, em uma tentativa de transpor a culpa de seu ato criminoso para a
própria mulher, que, segundo ele, foi condescendente ao permitir a conjunção carnal.
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por ele, de modo a apurar as possíveis verdades criadas pela linguagem. Ao decifrar a mulher,
ele decifra sua própria peça escrita:
é preciso organizar esse fluxo, como o tenho feito, para que eu próprio possa
segui-lo, dominá-lo ao menos nestas páginas, estas frases que se encadeiam,
como se elas, sim, criassem a verdadeira realidade. Uma realidade em que
voltava a destacar-se – destaca-se também agora, enquanto escrevo – a
presença do biombo, o biombo negro com ramagens prateadas
(SANT’ANNA, 1997, p. 29-30).
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Antônio Martins, com sua “força delicada”, sente sim um desejo de dar carinho a Inês.
O que para ele é visto como “carinho”, talvez tenha sido, na verdade, um ato sexual, pelos
indícios de seu próprio texto. A narrativa de Antônio Martins apresenta uma dicção
memorialística, e a memória é, por excelência, seletiva, apagando de nosso subconsciente
aquilo que pode de alguma forma nos desestabilizar. Talvez por isso o crítico não consiga,
nesse momento, resgatar os flashes de sua conjunção carnal com Inês, se é que de fato houve
a concretização do ato na noite em que esteve com ela.
Há, ainda, outro aspecto a ser abordado: Inês estava, supostamente, inconsciente, mas
como explicar o fato de Antônio Martins ter a impressão de que ela estava com os olhos
abertos? Estaria Inês dormindo? Se, de fato, ela trama essa encenação e o desenvolvimento
de sua performance com Vitório Brancatti para seduzir Antônio Martins, a estratégia, como
vimos, parece ter obtido sucesso.
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Talvez Inês não seja, de todo, inocente, pura, frágil e desprotegida, nessa peça de
natureza quase processual, mesmo porque ela é A modelo de Vitório Brancatti, que a sustenta
e, inclusive, custeia suas despesas, além de instalar no apartamento dela um cenário criado ao
seu bel prazer para que Inês se movimentasse nele. Tudo o que ocorre no apartamento é, na
verdade, uma encenação, uma performance de atores no palco da vida, de tal forma que o
personagem-escritor tenta, de todas as formas possíveis, eximir-se do sentimento de culpa,
provocado principalmente pelo lapso de memória: “a sequência de atos que eu narrara para
mim mesmo fora produzida por uma memória prejudicada, deixando vazios que
possivelmente encobririam algum ato que minha mente não ousava trazer à
tona” (SANT’ANNA, 1997, p. 38).
Nesse sentido, ele joga com a própria representação ficcional, durante seu processo de
criação, e com a verdade que ele almeja resgatar, mas a verdade é também uma criação da
própria linguagem, por meio da qual criamos mundos possíveis.
No dia seguinte a esse encontro entre Inês e Antônio Martins, este é convidado
gentilmente pela modelo para comparecer à mostra coletiva d’Os divergentes. O convite foi
feito por meio de um bilhete escrito por Inês e deixado na portaria do prédio onde o crítico
reside.
O que ocorre é que, ao ler o bilhete, ele continua fazendo conjecturas sobre os
sentimentos da jovem modelo por ele, interpretando o fato de ela ter escrito o bilhete de
próprio punho, em papel cor-de-rosa e suavemente perfumado, como um sinal de que ela não
guardara nenhuma mágoa do encontro na noite anterior.
Inês, em seu bilhete, mantém ou procura manter uma relação amistosa, mas sem
demonstrar indícios de sentimentos afetivos pelo crítico Antônio Martins ou ressentimentos
por algum delito cometido por ele. A impressão que o leitor tem é de que Inês e Vitório
Brancatti, de fato, já conheciam o crítico desde o primeiro instante em que o viram no Café
Lamas, e de que eles também já deviam ter conhecimento dos seus hábitos. O fato de ela
afirmar que leu no jornal a crítica sobre a peça Folhas de Outono, na qual o crítico comete o
delito de se deixar levar pela subjetividade e pela lembrança de Inês, mostra ao leitor que, ao
que parece, a estratégia empreendida por ela e pelo artista plástico está funcionando.
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Outro aspecto que merece atenção é o fato de o bilhete, assim como a crítica
ensaística sobre as peças teatrais e os recortes de jornais, ser um elemento constitutivo da
linguagem que compõe a peça escrita por Antônio Martins, o que nos remete à plasticidade e
à maleabilidade do gênero romance para assimilar outros gêneros literários e não literários
em sua composição (BAHKTIN, 1998, p. 400). Aliás, tanto o bilhete quanto a carta que o
crítico escreve e envia para Inês estão em duplo destaque no texto, recuados com espaço
entre as partes que os precedem e também estão em itálico, justamente para reafirmar que são
gêneros não literários.
Na passagem “o que se reflete no texto cheio de curvas que agora escrevo, também
pleno de interrogações”, percebemos o espelhamento da própria narrativa, uma ficção
dobradiça, por meio da qual o personagem-escritor se propõe a problematizar, logo em
seguida, questões referentes à representação ficcional versus realidade. Ele admite, portanto,
a impossibilidade de a arte, de modo geral, conseguir representar fotograficamente uma
realidade empírica, pois a partir do momento em que o artista se propõe a representar essa
realidade, seja ela qual for, ele está apenas partindo de um ponto da realidade para
transformá-lo, recriá-lo artisticamente.
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Essa crítica é estendida, inclusive, a alguns dos artistas da mostra d’Os divergentes,
em decorrência de haver em algumas das telas um excessivo realismo brutal e em outras um
“realismo mais inofensivo” (SANT’ANNA, 1997, p. 53). Fato que nos remete a certa
tendência do retorno do realismo ou do hiperrealismo nas artes plásticas e na literatura
contemporânea, assim como aquela multiplicidade de suportes e de tendências na arte
produzida recentemente, fato que é constatado pelo próprio crítico Antônio Martins.
É na exposição d’Os divergentes que Antônio Martins espera encontrar Inês, o que
não ocorre, pois ela não comparece. No entanto, o crítico se depara com o quadro, pintado
por Vitório Brancatti, que se encontra estrategicamente localizado em uma das paredes da
exposição. Ao se deparar com a tela, ele se dá conta de que está diante de uma obra que tenta
representar o cenário criado no apartamento de Inês, assim como a própria modelo, cujo
nome artístico é Inês Brancatti e não Maria Inês de Jesus, seu nome de batismo.
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Inês usa o sobrenome de Vitório Brancatti em seu nome artístico e, como artista que é,
pelos indícios do texto, planeja e leva adiante a sedução do crítico de teatro, de modo a
colocá-lo em contato com a obra de Vitório Brancatti, especialmente, com a tela A modelo,
em que há uma representação de Inês no cenário instalado em seu apartamento pelo artista
plástico, que é “como um verdadeiro pai” para ela.
Apesar de haver na tela uma tentativa de criar uma ilusão referencial ou uma ilusão de
realidade, cara aos artistas realistas, decorrente de uma representação que se quer muito
próxima da realidade empírica, a problematização da própria representação mimética é
instaurada, conscientemente ou não, por Vitório Brancatti, a partir do momento em que o
artista põe, no cenário instalado no apartamento de Inês, uma tela aparentemente em branco,
em um cavalete, próxima a pincéis e tintas, sobre a qual repousa uma muleta que, aliás, não é
usada por Inês em momento algum.
Em ambas as recensões críticas, o que nos interessa, de fato, são aquelas questões
sobre o processo de adaptação teatral, que, na maioria das vezes, distorcem o texto-base. No
caso da adaptação de Vestido de noiva, há uma crítica severa “à ausência dos véus do pecado
e das proibições” (SANT’ANNA, 1997, p. 75) em decorrência de uma releitura ou de uma
adaptação que resvala para o pornográfico, esquecendo a autora da peça que este recurso
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transparecer o mais natural possível naquele cenário instalado em seu apartamento por
Vitório Brancatti:
Como se trata de uma peça escrita, de natureza quase processual, devemos nos ater a
essa representação de Inês que vai sendo construída e realimentada no decorrer da narrativa,
de modo a indicar ao leitor que ela é ou foi a responsável por ele ter cometido um crime
delicado. Aliás, em suas conjecturas sobre os possíveis sentimentos de Inês, Antônio Martins,
partindo do pressuposto de que realmente possuiu Inês em um momento anterior, julga que
ela, naturalmente, estaria querendo reviver o passado, ou seja, na perspectiva de Antônio
Martins ela estaria usando de um artifício – o convite para um chá – para seduzi-lo
novamente.
O que Antônio Martins julga, ao seu bel prazer, ser um estremecimento de gozo é, na
verdade, como saberemos mais adiante, no decorrer do processo, uma crise convulsiva
provocada em Inês devido à sua disritmia cerebral. A rejeição de Inês, durante o ato sexual
criminoso, cometido pelo crítico, é interpretada por ele, em seu ardente desejo para possuí-la,
como uma resposta afirmativa, uma concessão. Frágil, delicada, com um corpo extremamente
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leve e, ainda por cima, deficiente, Inês se percebe acuada, coagida, não tendo como fugir ou
escapar de debaixo de Antônio Martins, por isso ela usa as suas mãos, braços e unhas para se
defender, o que provoca nele uma potencialização de seu desejo, ao invés de repulsa ou
interrupção do ato.
O exame de corpo de delito não detecta em Inês outros indícios além do sêmen de
Antônio Martins e dos resquícios de pele em baixo das unhas dela. Além disso, em momento
nenhum ele nega ter mantido conjunção carnal com Inês, pelo contrário, afirma com
veemência que julgou, pelo seu comportamento e alguns de seus gestos, que ela queria repetir
o que acontecera em outro momento, de que Inês afirmou não se lembrar. No entanto, ao
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saber da disritmia cerebral e dos medicamentos controlados que Inês regularmente toma para
evitar as crises provocadas pela doença, decorrente de um acidente de carro em sua infância,
responsável ainda pelo fato de ela ter ficado coxa, segundo os autos do inquérito, Antônio
Martins cai em uma dúvida visceral em relação ao crime delicado contra Inês.
Trata-se, pois, de “um processo estético, um jogo de xadrez entre [ele] e Vitório. O
crítico como criminoso, como louco, em sua racionalidade exacerbada, ou o artista enquanto
ambas as qualificações” (SANT’ANNA, 1997, p. 121).
Além disso, o próprio Antônio Martins, em sua peça escrita, vale-se de um relato de
natureza autobiográfica como um meio para que ele possa analiticamente tentar compreender
a obra de Brancatti por dentro, tanto que ele se torna um ator consciente de seu papel dentro
da produção do artista plástico. Esse processo de iluminação, ao qual o crítico se refere, é
justamente o procedimento de análise dos elementos composicionais da obra de arte, tanto
aqueles que compõem a instalação de Vitório Brancatti – o cenário, a modelo, os objetos, os
móveis e as ações – quanto os procedimentos internos à própria constituição do romance – o
narrador, as personagens, as ações, o espaço, o tempo, o enredo, e a própria representação
ficcional, ao buscar uma compreensão de uma verdade ou de várias verdades referentes à
representação de uma realidade.
Mas todos os que tiverem a condescendência de ler este relato, não atraídos
pelo simples escândalo – ainda que não passem de algumas centenas, pelas
exigências culturais e intelectuais requeridas para tal leitura –, poderão
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Desse modo, esse recurso contribui para uma simbiose entre ficção, crítica e memória
em um jogo de espelhamento por meio do qual o leitor se depara com uma narrativa
metaficcional, cujo personagem-escritor, um crítico de teatro, expõe deliberada e
conscientemente as engrenagens da narrativa em processo de construção, exigindo do leitor
uma cooperação ativa em seu percurso de leitura e compreensão da obra.
Referências
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contemporâneas
91 ROSA, Guimarães. Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 8° ed. Todas as referências a
esta obra são desta edição.
92COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. Todas as referências a esta obra são
desta edição.
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Neste estudo, pretendemos elaborar uma aproximação entre alguns elementos do conto
“Desenredo” de Terceiras Estórias, de Rosa, e a história da personagem Virgínia do romance
Terra Sonâmbula, de Mia Couto.
Este estudo não visa a esgotar o assunto e configura-se mais como uma hipótese de
trabalho para um aprofundamento maior posteriormente. Principalmente se consideramos a
especificidade da obra de Mia Couto, legítimo representante da literatura africana e, como tal,
fiel aos seus valores, e da possível dificuldade de analisar sua obra à luz de teorias literárias
ocidentais que não são capazes de fornecer um caminho tão seguro para a leitura de textos tão
particulares como o de Mia Couto.
Num primeiro momento, é possível observar uma semelhança sonora entre o nome da
personagem Virgínia e de Virília, esposa de Jó. Esta semelhança não está só no som. Virgínia
não muda de nome no decorrer da narrativa, como Vírília que assume, no início do conto, três
possibilidades de nome: Livíria, Rivília ou Irlívia e, encerra o conto, com o nome de Virília,
ou seja, nenhum nos nomes anteriores, mas todos advindos da reorganização das mesmas
letras. A reorganização das letras para formar outro nome materializa a jornada da
personagem no decorrer do conto já que esta assume outro nome, outra história, outro
presente e, consequentemente, outro futuro.
Nas palavras de Farida, reescrita por Kindzu, sobre Virgínia: “Dela o quanto se sabia
era pouco. Cabia em mão fechada, sobrando entre os dedos aquilo que mais queríamos
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agarrar. Vivia vagarosa como uma lágrima.” (p. 89). Como se nota, Virgínia tinha uma
existência difusa, cuja essência escapava pelos dedos. Vagarosa no viver e no ser.
Virgínia era portuguesa, morava na África, lugar que amava, e era casada com Romão
Pinto, homem que violentou Farida e com ela teve um filho, Gaspar.
Ainda neste momento da narrativa, quando Farida está contanto sua história, ela
expõe o comportamento confuso e melancólico da velha numa descrição bastante lírica do
momento em que Virgínia começa a reorganizar suas memórias:
E sorria, alegre desse mais tarde, consoante o sonhado. Ficava na janela
olhando o país que inexistia, desenhado em geografia da saudade. Tanto
esmolou a Deus um outro lugar que ela se foi fazendo remota e, aos poucos,
Farida receou que sua nova mãe nunca mais se acertasse. Sobre velhas
fotografias, com um lápis, a velha portuguesa desenhava outras imagens. Às
vezes, recortava-as com uma tesourinha e colava as figuras de umas fotos nas
outras. Era como se movesse o passado dentro do presente.
- Olha, vês? Este é meu tio. Foi quando ele veio cá visitar-nos.
Na passagem citada vemos como a personagem, após “esmolar” tanto a Deus por um
outro lugar, foi se fazendo remota, distante, reinventando, movendo seu passado dentro de
seu presente. Muito simbólica a ação de a personagem modificar as fotografias, seja
desenhando sobre elas ou recortando-as, num movimento de reorganização das lembranças e
de seus rastros.
Virgínia rememoriza visitas que nunca aconteceram, fica olhando pela janela, para um
país que inexiste, ansiando por estar em outro lugar. Interessante que, como resposta a esse
desejo, a velha senhora passa a reorganizar o lugar de suas memórias que passam a assumir
contornos espaciais, não só temporais, levando a personagem a momentos/lugares jamais
vividos.
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(...) O ser humano orientado por seus interesses em agir jamais dispõe por
completo da soma de suas lembranças. (ASSMANN, 2006, p. 72)
Jó Joaquim explora o que Assmann prevê, considera que a memória não é confiável e
que as recordações devem servir ao presente, selecionando o que ele, o povo e a própria
Virília deveriam lembrar e propondo até o questionamento: será que esta realidade é “mais
certa?”. É o próprio narrador do conto quem responde “O real e válido, na árvore, é a reta que
vai para cima. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos.” (Rosa, p. 75). Se o
real é o que está mais visível e “O grupo torna estáveis as lembranças.” (Assmann, 2006, p.
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144), no caso de Jó, a realidade recriada por ele também acaba sendo a certa, legitimada por
ele e pelo grupo, considerando que “todos já acreditavam” na inocência de Virília.
Assim como Jó, Virgínia refaz seu passado e as fotografias adulteradas marcam o
momento em que o plástico e contraditório rascunho das memórias é reprocessado. Farida
segue sua narrativa contando que, num determinado momento, Virgínia pediu que Farida lhe
escrevesse cartas:
Do que é feita, afinal, a memória? Assmann responde “uma massa plástica que é
sempre reformulada sob as diferentes perspectivas do presente.” (Assmann, p. 170). Virgínia
e Jó parecem perceber essa plasticidade e moldam seus passados, suas lembranças e suas
identidades para o presente e para escrever um outro futuro.
Jó, a partir da reinvenção do passado de Virília, alcançou sua felicidade “Três vezes
passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim e Virília retomaram-se, e conviveram,
convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida.” (Rosa, p. 75)
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Ela se refugiara onde nunca mais nem mortos nem vivos lhe pudessem
encontrar. Me recordei dos conselhos da minha infância. Me diziam: você,
miúdo, faça como o galo que mostra as penas do rabo. Quanto mais belas as
penas, menos você vai na panela. Virgínia exibia os coloridos sinais da
loucura. Assim, ninguém mais dela se recordaria. (Couto, p. 217)
Parece-nos que era esse um dos objetivos de Virgínia, ao reconstruir suas memórias,
abrigar-se num estado de insanidade, de desconfiança, de forma que tudo o que ela falasse
não pudesse mais ser confiável, e mais, explicitando em suas falas, em seu ser, toda a falta de
confiança que devemos atribuir à memória, como exposto por Assmann. Sugerindo que, para
as pessoas ainda lúcidas, a insegurança das memórias talvez seja menos visível do que se
torna para pessoas insanas, velhas ou para as crianças.
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momento em que Kindzu a vê e faz seu relato. Neste momento, Virgínia já está viúva há dez
anos e “Ali estava ela, varandeando no exercício de sua última meninez” (Couto, p. 192).
Prosseguindo com a descrição de Virgínia, Kindzu, a partir do que ouviu dizer (mais
uma narração dentro de outra), que “Dona Virgínia amealhava fantasias, cada vez mais se
infanciando. Suas únicas visitas são essas crianças que, desde a mais tenra manhã, enchem o
som de muitas cores. (...) A vida finge, e a velha faz conta. No final, as duas se escapam,
fugidias, ela e a vida.” (Idem, p. 192) e, ainda:
Os vizinhos não variavam: a velha durava mais que a validade de seu corpo.
Deixassem seu sonho enlouquecer. (...) É assim a velhice. Virgínia que
trocasse passado por futuro, sonhasse não com o fim da vida mas com as
nascenças que lhe faltavam. Tudo isso que importava? (Idem, p. 193)
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futuro está vinculada a valores culturais arraigados em sua criação europeia e na construção
de representação tipicamente infantis.
Bibliografia
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No âmbito das disputas realizadas sob a bandeira do valor essencial da arte literária,
numa “República Mundial das Letras”, como significou Pascale Casanova (2002), a literatura
não deixou de erigir pilares segregacionistas em prol de uma estrutura tentacular de natureza
purista que acab(ou)a por criar suas próprias hierarquias e violências, tanto por valorizações
diferenciadas mundialmente quanto dentro do âmbito nacional, o que, nos lembra
Dalcastagné (2012), não encontra soluções apenas no interior do campo literário. Assim, cabe
ao Contemporâneo, e a cada contemporâneo, fazer girar a roda das estéticas, como acontece
em nosso conturbado e instável presente, tempo em que sujeitos deslocados (identidade,
gênero, sexualidade, etnia, tempo/espaço) forjam (e forjam-se em) diálogos dispersos, a partir
das mais variadas paisagens culturais e das mais diversas formas de subjetivação, voltando-
se, em algum nível, para as poéticas das diversidades e, sem poder encontrar lastros
duradouros ou sólidos, potencializam a lacuna, o vazio, o silêncio.
Essa escrita fracionada tem sido estudada sob a ótica de uma diferenciação
estabelecida entre fragmentação e fragmentário, estando o primeiro destinado à obra em si,
com sintaxe e foco narrativo esfacelados; o segundo, à linguagem, na qualidade de fenômeno
sintático e semântico feito do entrelaçar de perspectivas na memória/digressão, no recurso da
intertextualidade, na linguagem sintomática, englobando uma conotação psicanalítica,
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tributária de estudos de Freud e Lacan, principalmente no que refere o Ser como linguagem.
Conforme Andrade (2007), “fragmentação/obra, fragmentário/linguagem”.
A performance ofertada por tal constituição não raro gira em torno da instituição de
formas lacunares de escrever, ler e compreender as artes, inclusive por conta das interfaces
trazidas pela internet. Podemos considerar, trazendo também a teoria de Blanchot (2010a),
tratar-se, a escrita de fragmentos, da busca por uma palavra plural afeita a transgredir tanto o
espaço inter-relacional, destinado ao diálogo e à unidade, quanto a comunicação dialética e
sua polarização antagônica. Em ambos os casos, a ordem é a unidade, a imagem idealizada de
um dizer uno capaz de solucionar as contradições e as diferenças do ser-mundo e que a
palavra plural não busca ratificar, tão ligada está ao estilhaçado espelho das
(im)possibilidades.
Nuno Ramos tece sua “sustentação estético-filosófica” (RENAN JI, 2011, p. 115)
arrebanhando materiais concretos de vocação plástica para contaminar a filiação verbal da
obra, também híbrida, por agregar aspectos das artes visuais, como se mostrasse uma
instalação. Ao colocar sob rasura qualquer possibilidade de comunicação desprovida de
complexidade, Ó lança um riso irônico-pessimista para realidades fundadas, ou mediadas,
pela racionalização dos saberes. Logo no primeiro ensaio, como parte das discussões
empreendidas acerca de uma possível genealogia ficcional da linguagem, pode-se ler uma
crítica aos pensadores que realizam seu torpor indagativo segundo um sistema de códigos
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epifânicos (do primeiro ao sétimo Ó), em que o escrito/dito prescinde de qualquer princípio
de coerência conhecido. Trata-se, então, de um “grito”, “sussurro”, “canto”, “zumbido”,
“hino”, “zurro”, que talvez tenha a intenção de ser choque capaz de nos deixar sem palavras,
como sugere o narrador, ao tratar da existência de uma etapa anterior à linguagem que
adotamos: “Quando entramos em choque com algo inaceitável ou excessivamente belo e
ficamos, literalmente, sem palavras, estamos recuperando esta etapa adormecida da nossa
natureza” (RAMOS, 2008, p. 24).
No “Sexto Ó” (RAMOS, 2008, p. 203-206), há menção a uma vida que prepara sua
vingança para quem a quer cantar, sendo tomados por traidores aqueles que a desejam em sua
potencialidade desaquietante. A despeito de toda a sanha continuadora, fica patente a
necessidade de libertarmos nossos fantasmas, a nós mesmos e a nossos deuses da pesada
carga das interpretações institucionalizadas:
[...] aqui viemos para olhar de frente e não para morrer de medo, viemos
para a grande transfusão de um peito coletivo, para a mordida na maçã de
uma glande mútua e feminina, viemos para, desarmados, querer, querer,
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para a luz vermelha, não essa mortiça e bege, cor de fórmica, viemos para
livrar nosso defunto de seus cravos, de suas vestes de domingo e levá-lo de
volta para a rua onde morava, para espantar seus corvos, viemos para beber
com ele rindo de tantas flores (RAMOS, 2008, p. 205-206).
A violência deslocadora dos fragmentos pode ser lida como uma solicitação a que se
inventem outros arremates e acabamentos para as representações e realidades. Entre as duas
possibilidades elencadas por Blanchot (2010b, p. 97) para a obra fragmentária, a partir da Ars
nova, a saber: “renúncia ao ato de compor”, como imitação de uma linguagem pré-musical
“ou, ao contrário, como a busca de uma forma nova para a escrita [...]”, pode-se asseverar
que a narrativa literária aqui destacada se situa no limiar da segunda possibilidade. Ó é
claramente tributária das chamadas vanguardas históricas, das tendências expressionistas e
surrealistas e molda, nos fragmentos também intitulados “Ó”, não uma renúncia ao “ato de
compor”, mas uma composição diferenciada, efetivando a reinvidicação de uma “nova”
forma para escrever o ser-mundo.
93 Conforme Blanchot (2010a, p. 30), Pascal escreve uma apologia, um discurso concatenado e coerente,
destinado a ensinar verdades cristãs, mas seu discurso “manifesta-se em curso desunido e interrompido que,
pela primeira vez, impõe a ideia de fragmento como coerência”.
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A teorização feita por Ramos ao indagar a linguagem sobre o que poderia fazê-la parte
das caóticas paisagens socioexistenciais e que, não sendo abrigo, pudesse ter a força de um
dizer entrecortado por significâncias questionadoras de racionalidades engessantes, tem um
correspondente fortemente reconhecível na forma desarticuladora com que Luiz Ruffato tece
o seu EEMC 94. Os “pedaços e destroços”, reunidos na obra, pelas cidades-sujeitos-linguagens
excluídos dentro da cidade, não deixam de ser parte da correnteza de “lava e de
morte” (RAMOS, 2008, p. 31) que faz o encadear dos episódios - coordenados
insubordinadamente e promíscuos no que tange ao entrecruzar de elementos gráficos95,
sintáticos, semânticos - e, ao mesmo tempo, o estilhaçar da relação causal das ações, como a
reunir, no interior da arqueologia citadina, pontos de exclusão e dispersão, somente
apreensíveis nessa coleção de limiares que faz a fragmentária poesia do cotidiano, suas
revoluções e resistências.
Mais do que representar uma cidade e seus povos, a obra (re)cria-os, com
singularidades anônimas, desgarradas, nômades; nem individuais nem pessoais, mas inseridas
no fluxo (não)identitário da brevidade de suas passagens; ser e mundo atravessados por
condições de vida cortantes, a compartilhar o mesmo horizonte de derivas. Tal atmosfera se
ergue das ruinas urbanas, de subjetividades e linguagens reunidas na dispersão de “destroços”
que dizem de cenários que não se tocam, de personagens que não se cruzam, de “narrativas
que não se encontram” (LAJOLO, 2007, p. 102), mesmo estando amalgamados em contextos
humanamente fortes de dores e esperanças, são atravessados por uma indiferença abissal que
os faz distantes, como se pode ler na forma como são organizados os fragmentos, na presença
de duas páginas pretas, sem nenhum escrito, ou na fala de um casal de personagens
explicitando a reação de impotência frente aos gemidos ouvidos lá fora: “– Deve ter sido
94 Não há qualquer intenção hierarquizante em relação às obras, mas entendimento de que as estratégias de
escrita de ambas trazem pontos de contatos aqui destacados.
95 Em advertência ao leitor, ressalto que a escrita de EEMC será citada, no presente trabalho, de forma a
preservar as marcas de sobreposição estabelecidas pelo autor, a exemplo do itálico, sublinhado e negrito, que
aparecem com sentidos rasurados em relação ao uso regulamentado para trabalhos acadêmicos.
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facada... pelo jeito...”, “– E a gente não vai fazer nada? – Fazer? Fazer o quê, mulher? Fica
quieta... E se tem alguém lá fora?, de tocaia?” (RUFFATO, 2013, p. 129).
Dessa forma, os índices, “coisas” coletadas nas ruas, impõem uma realidade que, não
sendo documental, atribui poesia aos textos que fazem o cotidiano da cidade e que poderiam
ser vistos como funcionais ao extremo para habitar as letras literárias. Esses índices da
cidade, tal como foram recolhidos, tornam-se importantes recursos para a montagem da
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(não)representatividade que a obra acaba por mostrar. Neles, o poeta não imprime rimas,
apenas evidencia a poesia patente às suas existências, procedimento que faz uma inversão
importante para o significar das ruas e suas etnoescrituras, inclusive no sentido de confrontar
a própria literatura com suas estratégias de exclusão.
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Em “13. Natureza-morta”, as imagens nos são dadas aos poucos, sem estardalhaço,
registrando acontecimentos desoladores para os membros de uma escola invadida, mas, de
alguma forma, triviais para a sociedade em geral. Escancarando o trágico da civilidade, as
cenas são exibidas, como se as lentes de uma câmera acompanhassem uma lição de
desesperança, expondo a perplexidade de quem apenas ousa balbuciar o horror da violência
dos subúrbios. Assim, somos levados a conhecer, pelo olhar das crianças e da
“tia” (professora), o resultado da invasão de arruaceiros viciados a uma instituição de ensino.
Percorrendo as dependências da escola, geográfica e simbolicamente, destruídas, podem ser
vistos “trabalhinhos rasgados, pincéis embebidos em fezes que riscaram abstrações nas
paredes brancas, pichações ininteligíveis, uma garrafa de Coca-Cola cheia de mijo, um
cachimbo improvisado de crack [...]” (RUFFATO, 2013, 29).
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A pontuação também busca aderência visual, feita para ser enxergada e significada,
muitas vezes, por transgressão das normas. O uso dos dois pontos, das vírgulas, das
interrogações faz a desautomação gramatical que conduz o entendimento do texto,
requerendo participação perspicaz do leitor. Os recursos linguísticos desfilam com valores
comunicativos diferenciados e, apresentando certa autonomia transgressora em relação a uma
esperada atuação coadjuvante, ditam ritmos, reordenam entendimentos, provocam questões, a
exemplo do uso dos parênteses, muitas vezes, chamados a protagonizar lugares subversivos,
como em “40. Onde estávamos a cem anos?”, abrindo e fechando ao contrário, “)o avô
materno [...] nasceu desse desencontro.(” (RUFFATO, 2013, p. 73). Ou como as
interrogações, em “21. Ele)”, que adensam os questionamentos, ressaltando a carga semântica
da enunciação:
e o dia?
é bonito o dia? e feio?
faz frio? faz calor?
¿e o vento embalou as nuvens no céu ou elas regaram
mansamente o asfalto?
¿um motoboy se esparramou na faixa de pedestres?
¿um executivo espancou um menino de rua com o laptop?
¿um cobrador impediu um assalto?
¿o mundo, o mundo acabou? (RUFFATO, 2013, p. 43).
Não é demais dizer que a identidade (ou identidades) buscada nas linhas da escrita de
Ruffato trilha a perspectiva das diferenças marginalizadas, compondo um arquivo-mundo
que, nas palavras de Foucault (2011, p. 151), estabelece que “somos diferença, que nossa
razão é a diferença dos discursos, nossa história a diferença dos tempos, nosso eu, a diferença
das máscaras”, porquanto traz um povo que se mostra em suas falências, gritando uma outra
possibilidade de nação. Há um trágico (tempo-espaço) perpassado por ações devastadoras da
unidade, há uma mistura de raças, crenças, gêneros, filiações, sotaques, e a certeza de que não
há linguagem beletrista capaz de uniformizá-los, de que não há veios identitários capazes de
representá-los hegemonicamente.
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Considerações finais
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Podemos situar o caráter performático das obras como eventos discursivos com
propensão por trazer a tradição do fragmento para o bojo das escuridões de uma presente
testemunha de todos os tempos e com o qual não é possível coincidir (AGAMBEM, 2013).
Trata-se de uma arte que não rejeita construções passadas, incorporando-as na
intempestividade de “um eterno retorno” (NIETZSCHE, 1999), cuja expressividade está
justamente na propensão por entrecruzar realidades distintas. É isso que, em última instância,
faz as margens limiares da literatura contemporânea, marcando, também, a poética do
fragmento. Sem projetismos salvadores para o futuro, sem nenhum consolo socioexistencial
ou indicação de fórmulas e modelos, o contemporâneo das obras abriga a multiplicidade de
tempos/espaços/conhecimentos que fazem confluir pontos dispersos integrantes de um
presente em eterno devir. A forma como os espaços fazem ressonância ao modo estilhaçado
com que a linguagem se edifica no interior dos livros, performatizando valores nômades,
extensivos aos lugares de fala, aos fluxos identitários, ao trânsito de saberes que apontam
tanto uma crítica à desumanização galopante, no cenário capitalista, quanto uma reflexão
acerca da necessidade dos sonhos, dos projetos, dos desejos, das pulsões que fazem o
humano.
Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad.
Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007 (Coleção Tópicos)
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reimpressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2011.
GOMES, R. C. Móbiles urbanos: eles eram muitos... In: HARRISON, Marguerite Itamar
(Org.). Uma cidade em camadas: ensaios sobre o romance “Eles eram muitos cavalos”, de
Luiz Ruffato. São Paulo: Editora horizonte, 2007, p. 132-140.
LAJOLO, Marisa. Uma paulicéia pra lá de desvairada. In: HARRISON, Marguerite Itamar.
Uma cidade em camadas: ensaios sobre o romance “Eles eram muitos cavalos”, de Luiz
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MAIA, Rousiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta. (Orgs.). Mídia, esfera pública e
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crítica literária, Núcleo de audiovisual e Literatura, Itaú cultural: Babel, 2011. Vários autores,
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SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Fragmentos do real e o real do fragmento. In: HARRISON,
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STEINER, George. A poesia do pensamento: do helenismo a Celan. Trad. Miguel Serras
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ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução Jerusa Pires e Suely Fenerich.
São Paulo: Cosac Naify, 2007
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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El presente artículo discurre sobre las narrativas e historias contadas al longo del
sertão nordestino, más precisamente en un fragmento de la región conocido como semiárido
y la construcción de una memoria que se tornó regionalista y que permanece en busca de la
comprensión del papel de la lengua portuguesa en sus más variadas vertientes. A través de un
trabajo que tuvo como tema el estudio de las casas de influencia colonial, encontradas al
longo del rio São Francisco, más precisamente en las ciudades de Juazeiro/BA, y Petrolina/
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PE, Brasil, construidas entre el final del siglo XIX y principio del siglo XX, podémonos
percibir a través de las narrativas y de los modos de presentación diario, el acercamiento de
un discurso reproducido en países como Portugal. La historia del cotidiano de esas ciudades
fue contada a través de historiadores y memorialistas, muchas veces repasadas por
informaciones extraídas de lo que permaneció en la memoria de sus habitantes más antiguos,
donde fiestas,” folguedos”, cantigas y rememoraciones que se hicieran informaciones que
delinearan la trayectoria de las ciudades y de los que ahí viven y vivieran con las
peculiaridades de cada familia. Así, su cultura, de cierto, permite evidenciar un modo de vida
con sus particularidades. Basado en una metodología cualitativa, de cuño bibliográfico y
utilizando la técnica de la historia oral, a través de las narrativas que permearan las
construcciones y las ocupaciones de esas casas, que inexorablemente se encuentran
impregnadas de las cuestiones culturales de la época, buscamos identificar trazos del
pensamiento local y sus peculiaridades en interposición a la producción literaria de carácter
regionalista, en la tarea de evidenciar sus convergencias y, o, distanciamientos. La idea que
norteará este trabajo es la de justamente trabajar en el microcosmo de las mentalidades de un
universo limitado y en vías de desaparecimiento.
Introdução
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Cidades e diversidades
O rio São Francisco é chamado rio da Unidade Nacional, quarto maior rio da
América do Sul e dos mais importantes cursos de água do Brasil, percorre 05 Estados e 2.830
km do território brasileiro, popularmente chamado de Velho Chico, apresenta uma das mais
belas paisagens naturais do Brasil. Ao longo de seu curso comercializavam-se vários produtos
que eram conduzidos por barcos para as diversas cidades. Estes barcos, chamados “gaiolas”,
asseguravam as ligações entre os assentamentos localizados nas margens do rio e o oceano e
levando a cultura de um lado ao outro.
Mas a cidade desenvolveu-se de forma cabocla, mestiça, nas margens do rio São
Francisco, mesclando estilos e adquirindo sua própria matriz. Em todos os tempos, esses
registros sobreviveram e conservaram assim sua história.
97Dissertação de Mestrado denominada Cal, Barro e Luz: Memória e Identidade Cultural de Moradores das
Casas com Desenhos nas Fachadas nas Cidades de Juazeiro/BA e Petrolina/PE
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Buscamos nas palavras da professora Nelly Carvalho98 mais uma vez, que diz:
Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é
interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser
ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes,
descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de
classe) para uma política de diferença. (p. 21).
Não é de maneira simplista que se define uma identidade. Mas pode ser com
simplicidade que criam raízes e transformam em tradição. As diferenças e as diversidades
fazem parte de uma construção que são heranças das tradições guardadas na memória
98 Em entrevista para a revista Universia Brasil em 16 de setembro de 2005, na matéria, O falar do Nordeste.
Também na mídia eletrônica. http://noticias.universia.com.br/ciencia-tecnologia/noticia/2005/09/16/462323/
falar-do-nordeste.html
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trazidos de gerações, como é o caso dos repentes e cordéis cantados no sertão nordestino.
Nesse sentido encontramos em algumas casas pesquisadas cantadores de repentes, cordelistas
e contadores de histórias que nos remete a autores famosos do Nordeste brasileiro como
Patativa do Assaré, Luís Gonzaga e Ariano Suassuna quando afirmando um português dito
popular, fazendo referência ao apelo típico do povo nordestino e as contradições de
sofrimento e alegria de viver.
Como todo grande artista, Luiz Gonzaga foi capaz de tomar uma criação
coletiva e torná-la universal: de absorver toda a vivência cultural de centenas
de milhares de pessoas e torná-la objeto de admiração e de afeto para
dezenas de milhões (2010, p. 16).
100Gênero Musical tocado no Nordeste, para Cascudo (2010), o baião tem ainda raízes no fado, fandango por -
tuguês e na batida modal da viola decantadores e repentistas.
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Segundo ONG:
ARTE MATUTA
Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.
Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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O poeta Patativa sempre cantou a poesia evocando a influência lusitana nos cordéis,
convivendo de forma harmoniosa com a escrita não reduzindo a maneira da sua transposição.
Carvalho declara que “Sua poesia é, continua sendo, e será oral” (2002, p. 3). É como se
sentissem o desejo de serem falados, lidos e cantados, unidos à performance, que como diz
Patativa, o poema é todo o corpo, é apresentar a verdade que enuncia. Os versos que possuem
variações nas palavras, não diminuem a grandeza da obra, percebemos a simplicidade da
comunicação, com o respeito que tanto a língua, quanto o povo merecem.
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Zumthor (1993) nos fala de três tipos de oralidade, relacionadas a três situações de
cultura:
Uma primária e imediata, não comporta nenhum contato com a escritura.
(...) Outros dois tipos de oralidade cujo traço comum é coexistirem com a
escritura, no seio de um grupo social. Denominei-os respectivamente
oralidade mista, quando a influência do escrito permanece externa, parcial e
atrasada; e oralidade segunda, quando se recompõe com base na escritura
num meio onde esta tende a esgotar os valores da voz no uso e no
imaginário (p. 18).
Patativa coloca o sua obra como se o pano de fundo fosse a voz, o escrito não sufoca
a oralidade, convive, dialoga com o ouvinte/leitor. São formatados como se fossem um apelo
em forma de versos, apelos estendidos ao seu povo, que constroem uma teia de significados e
ganhando uma forte identidade oral, apesar de ser considerada uma literatura dita “menor”.
Outro grande defensor da cultura nordestina foi o escritor Ariano Suassuna, nascido
na cidade de João Pessoa, Estado da Paraíba, autor das obras Auto da Compadecida e O
Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. Ariano volta a sua obra
como porta voz de uma coletividade, identificando as diferenças, buscando também nas
origens tradicionais ibéricas do Nordeste e reconhecendo na sua obra, personagens do Brasil
real, como os famintos, despossuídos, analfabetos e semianalfabetos, os que são ou foram
marginalizados.
Uma história contada torna-se domínio público. Causos, contos e lendas do sertão,
muitas vezes preenchidos de metáforas, amplia o universo no imaginário popular, recriando
elementos da cultura da identidade de cada individuo. Suassuna foi o criador de um
movimento denominado Armorial, um projeto que congregou músicos, pintores, poetas,
ceramistas, dramaturgos, coreógrafos, recriando em poética a maneira de ver a arte
industrializada, a partir das fontes populares rurais nordestinas.
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expressão de uma cultura nacional, já que acredita ser esta região do país o palco onde se
opera a convergência das três raças.
Conclusão
Hoje o preconceito linguístico com os sotaques tem perdido espaço por ser
considerado discriminatório, tornando-se mais brando que em tempos passados, mas no meio
acadêmico, lugar que abraça uma infinita diversidade cultural, ainda demanda muito debate,
uma vez que são em setores populares que a Universidade mais dialoga com as pesquisas.
Referências Bibliográficas
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contemporâneas
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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Lisboa: IELT, Edições Colibri, 2008.
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ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a literatura medieval. Tradução de Ferreira e Amálio
Pinheiro. São Paulo: Cia. Da Letras, 1993.
Quando a voz local ecoa em outras paragens: diálogos entre Jorge Amado e
Ariano Suassuna
Resumo: Jorge Amado e Ariano Suassuna, com as obras Tenda dos Milagres e Auto da
Compadecida, conseguem suscitar a discussão acerca da utilidade da ficção e da contribuição
que essa pode trazer, tocando em pontos cruciais da vida social. Tais obras, ao referirem-se a
uma região subalternizada economicamente, o Nordeste, optam por tornar audíveis as vozes
de figuras relegadas ao esquecimento pelo poder constituído oficialmente. Propositadamente,
elevam essa região a uma discussão maior: quem é o Brasil e qual a identidade deste povo
que o forma, voltando a literatura para a problemática da identidade nacional. Desse modo,
esta análise visibiliza uma cultura brasileira forjada a partir dos caracteres negro-mestiços, na
obra amadiana, e da cultura popular sertaneja, no texto suassuniano, a fim de tornar
perceptível a defesa dos autores por uma multiplicidade de estilos, de modos de vida, de
capacidade de pensar e agir. Eis aí a beleza da formação do caráter identitário nacional: do
heterogêneo eflui e subsiste a existência de uma nação, o Brasil. Tal discussão tem, como
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pressupostos teóricos, os estudos de Bakhtin (1993), Duarte (1997), Mendes (2008), Souza Jr.
(2003), dentre outros.
É desse modo que vejo a entrada de Jorge Amado e de Ariano Suassuna no espaço
mítico do cômico, na casa da pilhéria, a instância do riso e do farsesco, numa tentativa clara
de negar-se ao formalmente estabelecido, à sisudez da escrita e aos dogmas literários que,
muitas vezes, matam a palavra em vez de libertá-la de seu uso cotidiano: Segundo Lélia
Parreira Duarte, o riso é a “[...] defesa contra a morte por parte do homem consciente das
limitações da vida e da fragilidade do corpo [...]” (1997, p. 52).
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E aqui, a religião retorna à pauta central das minhas elucubrações. Tanto o autor
paraibano quanto o nascido na Bahia optam por recriar traços identitários nacionais através
de duas manifestações místicas nascidas no país: o candomblé, criado pelo encontro dos
negros escravizados advindos de diferentes regiões do continente africano em contato com as
religiões indígenas e portuguesa; e o catolicismo popular, gerado pelo movimento contínuo
de descaracterização do catolicismo tradicional e consequente recaracterização de uma
religião já inserida também de elementos negros e indígenas.
No entanto, as duas religiosidades, tratadas por Amado e Suassuna, são vistas sob uma
ótica menos severa, e cuja austeridade pode ser comprovada muito mais por meio de um
compromisso de fé de seus fiéis do que da seriedade de semblantes no trato com o divino. Em
ambos, a religião habita o altar do riso, reconhece-se no sacerdócio da alegria e é
materializada na verificação da pilhéria, do escárnio e da ironia:
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Nunca cheguei a saber, por exemplo, se a negra Rosa de Oxalá foi ou não a
mesma mulata Risoleta descendente de malês, ou a tal de Dorotéia do pacto
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No terreiro, os adeptos do axé são iniciados na música, na culinária, nas histórias, nas
relações hierárquicas. Enfim, é-lhes dado todo um arcabouço cultural para que seja repassado
à família e, posteriormente, às demais pessoas do convívio social.
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ato inofensivo de rir-se de algo ou alguém. E a dança une os dois elementos. Ao sambar,
Archanjo e seus semelhantes expurgam seus sofrimentos, ao mesmo tempo em que evocam a
proteção dos Orixás para suas vidas. A dança ainda possui uma função libertadora do corpo,
quando a sensualidade coexiste com o divino sem culpa e sem cobrança, num jogo rítmico,
que sintetiza a nova identidade brasileira defendida por Jorge Amado, que, vê surgir, o
movimento antagônico, vindo da base da pirâmide social para o topo, enegrecendo o país
culturalmente.
Cada ato burlesco do Auto é também um canto que exprime a fortaleza do nordestino.
Esse brasileiro, embora seja homem e por isso mesmo suscetível a falhas, muitas vezes,
reveste-se de herói e obtém forças para burlar a fome, a miséria, as desigualdades sociais, o
descaso do governo.
Ariano Suassuna consegue, através do Juízo Final, unir a ideologia católica com a
crítica social, tudo isso através do folclore nordestino, abusando de antíteses como morte
versus vida, bem versus mal, trevas versus luz. Para ele, a religião é a tábua de salvação,
quando todos os instrumentos terrenos falham, mas não uma religião que privilegie a dor,
contudo a alegria, o cômico. O catolicismo do Auto propicia que o homem zombe do
Encourado, ria da morte e sobrepuje a Deus através da dialética da sobrevivência.
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Manuel: Com quem você vai se pegar, João? Com algum santo?
João Grilo: O senhor não repare não, mas de besta eu só tenho a cara.
Meu trunfo é maior do que qualquer santo.
[...]
Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré!
A vaca mansa dá leite,
A braba dá quando quer.
A mansa dá sossegada,
A braba levanta o pé.
Já fui barco, fui navio,
Mas hoje sou escaler.
Já fui menino, fui homem,
Só me falta ser mulher.
[...]
Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus de Nazaré!
(SUASSUNA, 1957, p. 165; 168-170).
Na entrada do céu, no entrelugar que é a sala de julgamento, João Grilo está diante de
duas possibilidades acima citadas: perecer junto às hostes infernais ou expurgar-se por um
tempo ainda a ser determinado. O céu propriamente dito foi-lhe descartado.
Ora, se tais locais tem origem mítica, o malandro popular parece ter conhecido sua
representação terrena. Logo, tal experiência credencia-o a reviver, rompendo com o dogma
cristão da morte única e subvertendo as relações de poder. Nem sempre vence aquele que
possui maior força, mas o que tem maior capacidade de convencimento.
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Grilo consegue manter um humor que lhe é peculiar. Não basta enganar, mas tem que
fazê-lo de modo jocoso. Adquirir comida e dinheiro não serve se não expuser os poderosos à
execração pública. Grilo quer rir deles e dá autoridade para a plateia o fazê-lo também. Os
dois, Chicó e o público são cúmplices em todas as artimanhas do pícaro. Calados ou apenas
rindo dos feitos do Amarelo, ajudam-no, encorajando e concordando com os atos realizados.
João Grilo, então, protagoniza uma série de denúncias, o que inclui injustiça social,
falta de ação governamental e discriminação racial. Embora apenas apareça a discussão no
terceiro ato, a questão racial é focalizada na peça suassuniana ao desvelar o preconceito de
todos os personagens que estão diante do julgamento diante do Cristo negro:
Aquela que é a tônica central de Tenda dos Milagres aqui é desmascarada por
Emanuel através da recriminação das falas do Amarelo.
O tom da pele de Grilo comprova a sua identidade de sertanejo raquítico, descrito por
Euclides da Cunha (2000), e esse é o protótipo do brasileiro, na visão suassuniana, por
encerrar em sua formação físico-intelectual as características do homem tupiniquim: a
magreza pela alimentação precária, gerada pela exploração capitalista nas relações de
trabalho e a malandragem, que dera origem ao jeitinho brasileiro, temática discutida pelo
sociólogo Roberto da Damatta (1997).
Há, no Auto da Compadecida, uma força moralizadora muito grande, mas também
uma permissividade de ação do protagonista, cujos atos são perdoados em virtude das
mazelas por ele sofridas. O discurso final, proposto pelo palhaço, o narrador da peça, reforça
uma ética cristã popular pelo seu tom irônico beirando o deboche, o que revela a certeza de
que tal quadro de picardias, tramoias e vantagens, arcabouço rico utilizado pelo brasileiro
para lograr os mais diversos êxitos, não cessará.
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apresentados como instituições cujos pilares estão apodrecidos e necessitam de novas vigas.
Os discursos dos protagonistas das obras, quase inaudível aos detentores do poder, só
sobressaem por meio da ironia e do humor, artifícios que destroem a resistência séria do
cientificismo e do status quo há muito estabelecido na sociedade.
Nos dois textos, reverbera o discurso de Clastres (1990), ao afirmar que não basta a
voz, mas é preciso ter o poder de falar. Contudo, eles não se acovardam, mas forçam sua
entrada nos espaços proibidos, a saber: a Faculdade de Medicina e a Igreja. Se não podem
falar, porque não serão ouvidos, eles gritam. Não são meros gritos cheios de vazio, são
brados de inconformidade e de revolta, mas, sobretudo, constituem-se em clamores de
reforma do meio em que vivem.
Pedro Archanjo e João Grilo não detêm um capital cultural simbólico significativo,
baseando-me na teoria de Pierre Bourdieu (2006). Eles são pobres, mestiços, analfabetos ou
sem muito estudo formal, por isso mesmo, podem promover uma revolução ideológica na
Faculdade de Medicina e no sertão brasileiro. E retomando outro conceito de Bourdieu
(2007), se os gostos são forjados, também podem ser revistos e substituídos por outros menos
perniciosos e sectários.
Dessa forma, Jorge Amado conseguiu criar de maneira didática uma história
imbricada na outra, contrapondo o presente ao passado. Em sua obra, argumenta sobre a séria
questão do preconceito e suas sequelas, como a disparidade econômica e o patrulhamento
ideológico. Tais consequências encontram-se personificadas através da perseguição à religião
e costumes mestiços.
Ao mesmo tempo, Amado compôs uma obra de intensa criatividade, em que o real é
visitado constantemente pelo imaginário, trafegando de forma livre entre o físico e o
metafísico, lembrando aos leitores que Tenda dos Milagres não é um tratado científico.
Embora defenda a tese da equidade humana, seu livro não é ciência, mas ficção, e por isso
mesmo, um recorte mais livre e divertido da realidade.
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espectador aguarda, à distância que esse alguém pague o preço por esse
privilégio. (MENDES, 2008, p.6).
Nas obras, a catarse aponta para o fim de uma história e a proposição de outra, escrita
pela caneta da memória, cujos dados foram arquivados por muito tempo, só para citar
Derrida, mas que agora, trazidos à lembrança por movimentos miméticos e de constantes
escritas e reescritas, tais concepções partem das classes subalternizadas, que tomam a autoria
da sua própria cultura e podem, enfim, registrar as suas identidades.
Pedro Archanjo e João Grilo são, portanto, o símbolo do homo brasilis, aquele que
consegue sobreviver em meio a condições adversas, lograr êxito em lugares onde só havia
aridez, adversidade. Isso se levando em conta o ambiente em que vivem, os sentimentos que
nutrem, as relações sociais.
Por fim, habitando a casa da facécia, onde anedotas e chistes povoam livremente
aquele espaço e o riso ocupa toda a habitação, reproduzo, agora, aquele que seria um possível
diálogo pós-morte entre os dois autores. Ali, naquele sofá, lado a lado, Jorge Amado olha
ternamente para o escritor paraibano e questiona:
- Suassuna, seu João Grilo, viajante de todo o mundo, viera pousar no sertão. De Taperoá ao
céu e de volta a sua cidade-natal, será que ele, como meu Pedro Archanjo, passou por uma
verdadeira transformação, mas continuou defendendo a cultura popular?
- Meu caro Amado. Seu Archanjo é um anjo forte, uma rocha. O meu grilo, um inseto
aparentemente inofensivo, mas agraciado por Deus. Seu Archanjo perdera a fé, mas crescera
em argumentos em defesa da legítima cultura do povo. O meu grilo parece ter recobrado a
crença diante do altar divino.
- Meu Pedro viverá para sempre, ganhou vida própria, aprendeu a andar com seus próprios
pés e a falar com sua própria boca. Creio que o mesmo ocorre com seu João Grilo. São dois
malandros que transitam pelo litoral e pelo sertão e que, a seu modo, encarnam o que há de
bom e ruim no homem brasileiro.
- Não creio em perfeição, amado Jorge, mas em tentativas de melhorar o homem para
aprimorar a sociedade. Quem sabe um dia os dois não se encontram. Mesmo habitando locais
tão distintos, nada é impossível para um malandro andarilho como Grilo. Ele pode bater à
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porta da Tenda dos Milagres de Pedro Archanjo e Lídio Corró, fazerem amizade e saírem por
aí, travando conversas sem fim.
- Nesse dia, eu te perguntarei, Ariano, como isso pôde acontecer?
- E eu, vou responder-te, Jorge, “Não sei, só sei que foi assim”.
Referências
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SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Agir, 1957.
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[…] women from Jane Austen and Mary Shelley to Emily Brontë and Emily
Dickinson produced literary works that are in some sense palimpsestic,
works whose surface designs conceal or obscure deeper, less accessible (and
less socially acceptable) levels of meaning. Thus these authors managed the
difficult task of achieving true female literary authority by simultaneously
conforming to and subverting patriarchal literary standards (GILBERT;
GUBAR, 2000, p.73) 102.
Na seara das inculcações repressoras, parece que a virgindade surge enquanto “o mais
alto bem desejável pela mulher” (CHAUÍ, s/d, p. 201), mesmo à época de publicação do
volume de contos (1985). A virgindade foi, durante muito tempo, símbolo de elevação
espiritual e de ruptura com a morte (CHAUÍ, s/d), visto que o corpo e as práticas sexuais
102
Tradução livre minha: “ [...] mulheres, de Jane Austen e Mary Shelley a Emily Brontë e Emily Dickinson
produziram obras literárias que são, em algum sentido, palimpsésticos, obras cujo projeto superficialmente ocul-
tam ou obscurecem os mais profundos, menos acessíveis (e menos socialmente aceitáveis) níveis de significado.
Assim, essas autoras conseguiram a difícil tarefa de alcançar a verdadeira autoridade literária feminina ao simul-
taneamente conformar-se e subverter os padrões literários patriarcais.”
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implicavam o decaimento humano. No fim do século XX, ela era não apenas um bem
simbólico exigido das moças, mas também o termômetro da confiança e do amor dedicado ao
parceiro. É a partir desse viés que a protagonista de As doze cores do vermelho, assumindo o
próprio desejo pulsando no corpo, permite-se ofertar os seios, sob a blusa aberta, ao
namorado:
[...] depois do almoço você vai com ele para a varanda. Você abre a blusa e
chega mais perto e se encosta no braço dele e mais se comprime e mais abre
a blusa e a mão dele se atinge em devagar penetração. Você fecha os olhos.
Seu corpo é um rio que se abre em fluidas fozes. [...] Surpreendida você se
levanta com a blusa aberta. Você treme desestremecida. Você é obrigada a ir
para o quarto. [...] É preciso casar virgem? (ADCV, p. 15).
Como ela está submetida às normas, a transgressão esboçada é interditada pelo controle
familiar, o que não impede o questionamento. Embora, no fragmento anterior, tenha sido a
personagem feminina quem toma a iniciativa do contato entre os corpos, era comum os
namorados convencerem suas namoradas a manter relações sexuais, a perder a virgindade
com eles como prova de amor.
[...] você gosta que seu marido tire sua roupa devagar, peça por peça. Ele
olha sorrindo e pede que você tire a roupa depressa. Você gosta de sentir as
costas e as nádegas nuas nas fibras do lençol. Consistência de nervos. Você
quer se deitar em cima do corpo do seu marido e roçar sua pele nos pelos do
corpo dele. Ele deita em cima de você devagarmente depressa e não ouve
você pedir que passe a mão no seu seio. Você escuta o arfar do gozo e o sair
do corpo de dentro de você. Você fecha os olhos e vê ondas desvermelhas
em volta do seu corpo desredondo (ADCV, p. 19).
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A união da mulher ao homem costuma ser vista como meio de adquirir segurança
moral e financeira, além de prestígio social, resultante de uma mentalidade corrente no século
XIX, como assinala Maria Lúcia Rocha-Coutinho: “o casamento [...] enobrecia a mulher e
abria-se como a única possibilidade de ascensão social, em um tempo em que não eram
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Dividida entre os modelos sociais e a satisfação pessoal, ela oscila entre alavancar a
carreira de artista plástica e as solicitações familiares, sobretudo, do marido e da filha menor:
Você viaja e viaja. [...] Luzes e risos em novas exposições. [...] Você pede
uma ligação internacional. A voz de seu marido em recuadas margens. A
menina está viajando para cantar num festival de conjuntos de rock. A
menina não quer seguir a orientação do psiquiatra e recusa os medicamentos
e se nega a falar. Seu marido gagueja que você deve voltar. Limitações
distantemente próximas. Você está longe de seu corpo na cama. Você
cancela as duas últimas exposições (ADCV, p. 91).
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em sua apatia e inércia, ele não dispensa qualquer oportunidade de rebaixar as telas e a artista
ao não compreensível:
[...] uma carreira era praticamente inconcebível para a mulher nos anos 50 e
início dos anos 60 e sua educação, percebida como um luxo, visava
principalmente a criar mães melhores, companheiras agradáveis para seus
esposos e melhores companheiras para os maridos com carreiras. Embora
algumas mulheres tenham ido à universidade, a carreira ou o curso
universitário deveriam ser abandonados com o casamento (1994, p. 101).
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[...] o foco da vida da mulher, antes voltado para o outro, para a satisfação
das necessidades daqueles à sua volta, desloca-se, então, para seu
crescimento e desenvolvimento integral como ser humano. Esta nova ênfase
no crescimento pessoal acarretou uma série de mudanças sociais que
levaram à necessidade de um planejamento de vida mais individualizado. O
questionamento de que o casamento traz a felicidade eterna como esposa e
mãe levou as mulheres não só a buscar novas formas de realização pessoal
numa profissão ou trabalho como também a formas alternativas de
relacionamento afetivo e sexual (1994, p. 117).
Sair do lugar de abnegada e voltar-se para si, para sua realização pessoal,
proporciona à mulher um caminho de escolhas próprias, nem sempre com garantias de pleno
êxito, mas, sem dúvida, com uma ampliação das possibilidades de ser feliz, outrora reduzidas
à maternidade e ao casamento.
Oscilando entre as realidades de cada um dos lados, ela, todavia, não se esquece do
desejo de ser livre, gritado nas cores vibrantes e formas informes da sua arte:
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[...] ela nunca esquecerá as vozes rebatendo que a mulher deve ser dócil.
Peso do pesadelo ele o elo. Laço. Nó cego nas pernas dela. Ela nunca
esquecerá as censuras do marido todas as vezes que se isolou no quarto para
pintar suas estrelas e seus peixes e os vermelhos roxos. Ela nunca esquecerá
a latência dos seus gritos e o ápice de seus quereres. Ela reporá por breve
espaço as asas quebradas e comporá o vôo de rapidíssimos sorrisos. E nunca
esquecerá que se esqueceu de esquecer as doze cores do vermelho (ADCV,
p. 61).
Embora o desejo de liberdade esteja latente nas atitudes da protagonista, vê-se o peso
do embate entre a busca da satisfação pessoal pela arte e a conformação ao modelo familiar.
Entre o padrão tradicional e o emancipatório, vigora o conflito, como esclarece Maria Lúcia
Rocha-Coutinho:
[...] as mulheres têm sido levadas, nos últimos anos, assim, a buscar
um novo entendimento de seu papel. Querem pensar e agir por conta
própria, mas seu planejamento de vida ainda inclui a antiga identidade
feminina, o que faz com que sua vida se realize no conflito de
expectativas contraditórias como ter uma formação profissional e uma
carreira ou adaptar-se ao ciclo familiar, ter ou não ter filhos, entre
outras. A estas divisões resta sempre a posição conciliatória, a de
dividir-se entre os dois interesses, solução que leva a mulher a uma
sobrecarga física e emocional que muitas vezes ela quase não pode
suportar (1994, p. 62).
Consciente dos elos e nós que a mantém a serviço da família, presa às convenções
estabelecidas para a mulher, no lado de cá, ela decide dar o salto, transpor a margem: “ela
pensará nas vozes que diziam o marido é o chefe da família e a esposa é a companheira dócil
e pudica. [...] Bifurcação não. Ela dirá não. Não voltará” (ADCV, p. 93). Mas, como o peso
dos enquadramentos de gênero disseminados ao longo de toda uma vida não são
tranquilamente suplantados pelo desejo de se libertar, ela volta ao lugar da bifurcação, atada
ao desviver da filha menor agarrada aos bichos de pelúcia e às acusações do marido de
negligência na criação das filhas e de egoísmo na dedicação à carreira artística. Para ela, resta
ultrapassar, passar além dos dois lados, transpondo em alta velocidade o vermelho do
semáforo e do sangue. Se, por um lado, o acidente e a morte da personagem remetem à ideia
de punição por transgredir a lógica androcêntrica, amplamente presente na literatura, por
outro lado, leva também à possibilidade redentora de não se limitar a um dos lados: “os dois
lados as duas metades os dois semicírculos fundidos no círculo dissolvido. Além dos dois
lados o ápice estrelado da cordilheira” (ADCV, p. 109).
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[...] os olhos verdes duas folhas de hortelã acesas. [...] Sua amiga fala nas
experiências da vida amorosa de desquitada e nas facilidades da vida
financeira. E fala de suas reportagens que questionam os mecanismos
responsáveis pela opressão das mulheres e denunciam as estruturas sociais-
políticas-econômicas geradoras das milhares de prostitutas das cidades
grandes (ADCV, p. 23).
A amiga dos olhos verdes assume o lugar de quem tem completa autonomia e
questiona os esquemas mantenedores da lógica androcêntrica, evidenciando lugares sociais
de segregação ou inferiorização da mulher e dos seus direitos. Entre os temas defendidos por
ela, estão as prostitutas, o direito ao aborto, o incentivo a uma ampla vivência sexual
feminina, enfim, sua defesa é pela emancipação das mulheres, com forte direcionamento para
a libertação sexual. Essa personagem reflete bem um perfil feminino que surgiu na segunda
metade do século XX e se mantém até os dias de hoje, a da mulher independente
economicamente e liberada sexualmente, fruto do acesso feminino às universidades e da
disseminação da pílula anticoncepcional (PINSKY, 2012).
[...] sua amiga não quer mais compromissos amorosos. Você fica pensativa
quando sua amiga diz que sai com quem quer e trepa com quem gosta. Você
nada diz quando ela diz e dissesse que a mulher só se realiza no amor se
conhecer muitos homens e transar muitos paus. Você começa a chorar
quando ela diz dissera que você está perdendo mutações e cambiamentos e
cambiantes nuances (ADCV, p. 67).
[...] fazer da mulher alguém ‘dona de seu próprio corpo’, com ‘direito ao
prazer’, ao orgasmo, e a ter filhos ‘se e quando’ quisesse era bandeira de
luta. [...] Eram projetos verdadeiramente revolucionários que, se não
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Conhecedora dos fios invisíveis que amarram as mulheres nas esferas da dominação e
violência simbólica, a amiga dos olhos verdes acredita que é preciso desvencilhar, desde
cedo, as mulheres das teias da repressão sexual, que a construção da autonomia e do
empoderamento feminino deve ser empreendida a partir da meninice: “sua amiga dos olhos
verdes entra em seu apartamento com uma revista na mão. E lhe mostra o artigo que ela
escreveu sobre meninas que não são mais virgens. [...] Você se assusta porque ela defende a
emancipação da mulher desde os primeiros anos” (ADCV, p. 75). A amiga dos olhos verdes é
a figura que instabiliza as bases da pintora, que infiltra os modelos e que representa uma
experiência exitosa no lado de lá, o que não significa que não haja dores, ao contrário, a
superação das dificuldades amplia o valor de conduzir a própria vida.
As personagens evidenciam que sair do lugar da abnegação não assegura o êxito, mas
lhes proporciona a satisfação pessoal decorrente de ter escolhido o caminho por onde ir. Se
nem sempre elas são ou estão plenamente felizes, sobra-lhes a consciência de que a felicidade
é uma escolha delas.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. 10. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
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contemporâneas
CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida. São Paulo: Círculo do
Livro, s/d.
CUNHA, Helena Parente. As doze cores do vermelho. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1998.
GILBERT, Sandra M; GUBAR, Susan. The Madwoman in the Attic: The Woman Writer
and the Nineteenth-Century Literary Imagination. Columbia: University of Missouri Press,
2009.
GUIMARÃES, Marilene Silveira. A igualdade jurídica da mulher. In: STREY, Marlene
Neves (Org.). Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Unisinos, 1997, p. 29-37.
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia de gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de.
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos flexíveis. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
PEDRO, Joana Maria (Orgs). Nova história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2012.
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas
relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
SOARES, Angélica. (Ex)tensões: Adélia Prado, Helena Parente Cunha e Lya Luft em prosa e
verso. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.
Resumo: Na iminência de um sistema político fechado tal qual foi a Ditadura Militar no
Brasil na década de 1960, poucas vozes ousaram ecoar proferindo denúncias de um sistema
opressor, expondo a luta de classes e consolidando a “tetralogia dos excluídos” (ELIESER
CESAR, 2014) das roças de cacau do sul da Bahia, como fez o romancista baiano Euclides
Neto ao publicar sua obra “Os magros” em 1961. Por meio de uma narrativa fundante para
entender o contexto do Sul da Bahia durante a Era do Cacau, Euclides Neto expunha todas as
mazelas de uma parcela da população brasileira que vivia à margem de quaisquer sinais de
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desenvolvimento e/ou benefício social. Em meio ao auge da cultura cacaueira, lhe interessará
as relações injustas de trabalho no campo. Sobre essas relações lançaremos um olhar
minucioso a fim de investigar como a relação homem-terra se desenvolve nesta narrativa
euclidiana, pondo em evidência o espaço e o tempo enquanto elementos integrantes e
insubstituíveis no texto narrativo. É, pois, objetivo primeiro deste trabalho investigar no livro
“Os magros” de que modo ocorre a relação que se estabelece entre o homem e a terra – tendo
em vista que o romance é divido em duas narrativas que por meio da técnica do contraponto
expõe modos díspares de relacionamento telúrico de dois representantes da sociedade
cacaueira, o fazendeiro Jorge e o trabalhador (das roças de cacau) rural João –, que, por isso,
conferem valores simbólicos distintos à relação homem-terra. Para compreender esta relação,
far-se-á necessário apreender alguns conceitos da área da Geografia, tais como os de espaço,
lugar, paisagem e território. A apropriação destes conceitos por meio do discurso narrativo da
obra “Os magros” busca uma articulação entre o real e o imaginário e entre o objetivo e o
subjetivo, os quais nos fornecem uma melhor compreensão do discurso narrativo como forma
de representação do espaço geográfico excludente da região cacaueira da Bahia. A narrativa
se passa em dois espaços, o agrário no qual está localizada a Fazenda Fartura na região
cacaueira, onde João trabalha na produção do cacau, e no espaço urbano, mas precisamente,
em Salvador, onde mora Jorge (patrão de João e proprietário da Fazenda Fartura). Numa
aparente contradição da realidade socioeconômica da região cacaueira, constata-se a partir da
narrativa euclidiana, que a produção de cacau não trouxe riqueza para aqueles que
trabalharam na terra e produziram o produto de ouro do Sul da Bahia. A riqueza da região
concentrou-se em Ilhéus, Itabuna e Salvador, onde os latifundiários (a exemplo da
personagem Jorge) e seus familiares moram e desfrutam da fortuna proveniente do cacau.
Enquanto que para os que vivem no espaço agrário, (a exemplo de João e sua família) fica a
escassez, a fome, a morte, a falta de moradia, a desnutrição, o analfabetismo e a
impossibilidade de alterar o curso dessa situação precária.
1. Considerações iniciais
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acerca de uma realidade que conhecia de perto. O autor baiano que por vezes é tratado como
um “ilustre desconhecido” pela crítica atual – contíguo com os escritores Jorge Amado e
Adonias Filho – é responsável por grande parte da literatura produzida acerca do ciclo do
cacau.
São vários os caminhos para trilhar na literatura euclidiana, neste trabalho optou-se
por partir da investigação da relação entre o homem e a terra a fim de compreender na
narrativa ficcional “Os magros” de que modo os elementos telúricos presentes na obra
refletem a condição de um sujeito que sobrevive da mesma terra que o aniquila, num jogo
paradoxal que se torna perceptível no texto literário. Para tanto, fez-se necessário uma
imersão pela geografia para que algumas questões conceituais apoiassem o debate aqui
pretendido em torno das noções de “espaço”, “lugar”, “paisagem” e “território”; o referido
campo disciplinar também esclarece acerca dos aspectos políticos ligados à terra e aos
conflitos em decorrência da luta pela posse da terra no país.
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contemporâneas
Sobre esta tendência, Tristão de Ataíde (1996, p.1039) ponderou que “o regionalismo
é a predominância da terra sobre o homem; da nação sobre o continente; da aldeia sobre a
nação”, nesta perspectiva parece caminhar o romance “Os magros”. Euclides Neto,
advogado, político, militante das questões sociais, escolhe a escrita criativa para refletir
criticamente a situação do interior do país. Como advogado defendeu o povo pobre e os
camponeses; na condição de prefeito promoveu a primeira experiência de reforma agrária do
país; incansável na defesa da gente simples e mais necessitada das roças de cacau e arredores,
dono de uma bio/biblio/grafia coerente com suas preocupações ideológicas.
A atuação política de Euclides Neto não se limitou apenas ao período em que cursou
direito na Universidade Federal da Bahia. Advogado formado, assumiu como prefeito da
cidade de Ipiaú (Bahia) no interstício 1963-1967. Como advogado, orgulhava-se de nunca ter
defendido um fazendeiro, empenhava-se em amparar o homem pobre, o trabalhador rural.
Durante sua administração, promoveu a primeira experiência de reforma agrária no país, esse
feito lhe garantiu posteriormente um convite para assumir a Secretária de Reforma Agrária na
gestão do governador Waldir Pires, e durante o seu mandato como prefeito, rendeu-lhe a
interferência do governo militar durante sua gestão administrativa. Foi perseguido
politicamente pelo regime e precisou responder inquérito militar concluído no ano de 1964.
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“Os magros” retrata a vida de duas famílias, a primeira é a de João, com sua esposa e
mais oito filhos, viviam em uma casa simples e apertada nas proximidades da propriedade em
que trabalhava no sul da Bahia. Era muito pobre. Apesar da árdua luta diária do patriarca nas
roças de cacau, a família mal tinha o que comer. João era funcionário de Dr. Jorge; todavia,
pouco o encontrava, pois, a história se passa no momento em que os donos da fazenda
residiam em Salvador e apenas administravam os lucros das roças de cacau que ficavam
sobre os cuidados de um gerente (capataz). A segunda família tratada por Euclides é a de Dr.
Jorge, advogado, proprietário da fazenda, que mora com a mulher D. Helena e alguns
empregados em uma luxuosa residência na capital baiana.
Por meio da técnica do contraponto, Euclides nos apresenta a história dessas duas
famílias, que tinham uma relação de subordinação necessária (João é funcionário de Jorge e
um dos responsáveis pela sua riqueza) e viviam realidades adversas. São duas histórias
paralelas em uma mesma narrativa. Ao utilizar essa técnica de separação da sua narrativa em
duas histórias que se alternam e se completam, Euclides deixa transparecer algo de sua
ideologia. Retira de sua formação marxista, que o influenciou para além da literatura, a ideia
de uma sociedade dividida em classes.
No espaço de divisão social criado pelo escritor grapiúna, Dr. Jorge, de família rica,
casa-se com D. Helena, essa por sua vez, descobre-se grávida, contudo o marido não aceita a
gravidez e providencia os mais variados métodos para interromper o processo. D. Helena
torna-se uma mulher infeliz. Alguns anos depois por causa da fortuna que acumulou, Jorge
percebe que é chegado o momento de ter um herdeiro; entretanto não é mais possível junto à
esposa obter o que queria; tenta diversas vezes e não consegue. D. Helena abate-se. Jorge
torna-se um homem cada vez mais distante da esposa e, envergonhado por não conseguir um
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herdeiro para administrar suas riquezas, consegue uma amante, uma loira jovem, com quem
passa a dividir sua atividade preferida: comprar brilhantes. Enquanto isso, D. Helena se isola,
cada vez mais frustrada com a não-realização da maternidade. Do outro lado, temos a
narrativa da família de João, trabalhador do campo que luta para sobreviver no terreno da
exploração, o mesmo de onde advém a riqueza da já apresentada personagem, Jorge. É sobre
o núcleo familiar de João que concentraremos nossa análise neste trabalho. Para tanto, torna-
se imprescindível transitar por alguns conceitos no campo da geografia que trarão luz à
compreensão da relação entre o homem e a terra na narrativa “Os magros”.
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a história se dá” (p. 51). Então, o espaço se configura como uma totalidade, isto é, como um
conjunto absoluto das partes em relação mútua. Ele é a expressão da sociedade que o
organiza e que se configura através de um determinado modo de produção.
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uma sociedade de classes” (CORREIA, 1987, p. 47). Em outras palavras, geralmente, utiliza-
se o conceito de região como a diferenciação de área com o objetivo de manter o controle
“(...) territórios militarmente conquistados ou sob a dependência político-administrativa e
econômica de uma classe dominante” (p. 47). Faz-se necessário a revisão desses conceitos
pelos quais se debruçaram geógrafos e pesquisadores ao longo da história, para
compreendermos as relações de poder que se estabelece na luta pela terra, assim como a
relação de pertencimento que se pretende evidenciar neste trabalho entre o homem e a terra a
partir da narrativa euclidiana em “Os magros”.
As duas histórias não se cruzam, embora saibamos que a terra, se constitui, pois, no
elemento que vincula estas duas famílias, seja pela posse, como é o caso do proprietário da
fazenda Fartura, Dr. Jorge; seja pela forma de apropriação e/ou sobrevivência deste recurso,
como é o caso da família de João. Entendamos, pois como se consolida esta relação.
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Cândido (2011) aponta que tal associação “terra bela – pátria grande” evidenciaria, hora
ou outra, a consciência de subdesenvolvimento, posto que, por conseguinte, se percebeu a
realidade de “solos pobres, técnicas arcaicas, da miséria pasmosa das populações, da sua
incultura paralisante”. E, se tais imagens conflitavam com o cenário idílico construído pelo
escritor romântico, e para esse não serviam, serão sobre as mesmas que se debruçarão outros
escritores regionalistas modernos e contemporâneos numa perspectiva denunciante dos
problemas sociais que incidiram na terra, sobre a terra e em função das lutas pela apropriação
da terra. Vejamos o modus operandi do escritor Euclides Neto com esta temática.
A cena inaugural da obra, “Os magros”, escolhe a família de magros e descreve a forma
desumana com que existem aquele homem, sua esposa e seus oito filhos. A família vive num
casebre inóspito erguido no território da fazenda que paradoxalmente a esta realidade recebe
o nome de Fartura, de propriedade do fazendeiro Jorge. Fixar acampamento na terra é
condição para conseguir trabalho na lavoura, mesmo porque a família de João, devido a sua
pobreza, não tinha propriedade.
A referida cena simula o fim da migração do homem do campo que costumava fixar-se
no local que conseguia trabalho. Não era possível, pois, para este sujeito desvincular esta
relação, que se estabelecia para ele como condição, entre terra – que representa moradia –, e
terra – que se configura como o lócus da prática laboral. A literatura produzida por Euclides
Neto na década de 1960 reflete, não obstante, a realidade do trabalhador que diante da
precariedade da existência nos centros urbanos no sul da Bahia, buscava existir sobre estas
condições impostas pelos grandes latifundiários ao homem do campo. Segundo Dardel
(1990), “a situação de um homem supõe um espaço de onde ele se move; um conjunto de
relações e de troca; direções e distâncias que fixam de algum modo o lugar de sua existência”
(DARDEL, 1990, pág. 19 apud HOLZER, 1998, p.68), isso explicaria o porquê de nos
voltarmos para pensar as relações que este homem estabelece ao se fixar nesta terra, com a
própria terra e o com entorno. Essa submersão no lugar de sobrevivência de uma família rural
que nos possibilitará compreender os conflitos iminentes do homem na sua relação com a
terra originada no espaço físico e na subjetividade conflitante daquelas personagens.
Com uma família numerosa composta por oito filhos, João resigna-se em esconder este
número do encarregado 104 para garantir a estadia e o início da relação de trabalho. A relação
servil, que se estabelecia a partir da fixação do trabalhador à terra, extrapolava a relação de
trabalho, uma vez que o administrador da fazenda sentia-se livre para interferir em questões
pessoais que acreditava atrapalhar o desempenho e a produção do trabalhador. Com relação a
104Também conhecido como capataz é uma espécie de gerente responsável por administrar a Fazenda, represen -
ta a voz e a força do dono na terra
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esta migração em busca de terra para plantar e para morar que há muito aflige o trabalhador
brasileiro, o geógrafo Milton Santos (2007, p. 60) considera que há uma forma de
compreender este movimento sob um ponto de vista humano que seria o da ausência de
direito a um entorno permanente:
Admitir que o trabalhador residisse nas terras próximo à propriedade criava um vínculo
servil que dificultava a administração das relações que ora se confundiam, tanto pelo capataz,
quanto pelo trabalhador. Por vezes, o trabalhador irrefletidamente acreditava que deveria
gratidão ao proprietário por passar (mesmo que temporariamente) a ter uma moradia, ainda
que nas condições descritas abaixo, de acordo com a narrativa:
Oito meninos, abaixo dos doze anos, amontoavam-se pelo chão forrado com
esteiras esfiapadas. Estavam quase nus. Encolhidos, tinham os joelhos perto
do queixo. As mãos procuravam quentura entre as pernas. Com o
movimento do pai, mexeram-se na semiescuridão. Os menores choravam ou
grunhiam. Dois batiam os dentes. Outro disse um palavrão. Havia cheiro de
terra molhada e urina.
(EUCLIDES NETO, 2014, p.17)
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Ainda no mesmo capítulo, o mesmo pedaço de terra que exalava cheiros sugerindo
chuva serviu de palco para o castigo sofrido pelo caçula da família após ter chorado de forma
inconveniente e, por esta razão, foi punido sendo obrigado a ficar em pé no pedaço de chão
molhado. De tanto comer terra para enganar a fome, as crianças de João viviam moribundas,
suas feições eram frágeis e doentias. O caçula que fora penalizado por seu choro era descrito
da seguinte forma pelo narrador: “A cabeça pendia, ora para um, ora para outro lado como
boneco que perdeu a borracha. Era um meninozinho terroso, todo ossos, olhão de bicho
doente” (EUCLIDES NETO, 2014, p. 18). A terra aparece nesta passagem como adjetivo
sinônimo de insosso, pálido, insípido, doentio, que qualificam imediato sem necessidade de
maiores adjetivações para que o leitor compreenda o estado da criança diante do quadro de
fome, desnutrição e maus cuidados.
Se para João até então, “terra” era palavra de sentido aproximado a flagelo; para
Jorge, proprietário da Fazenda Fartura, “terra” era sinônimo de lucro, riqueza, fortuna,
sintetizadas no nome da sua propriedade e na quantidade de hectares que acumulou por meio
de herança familiar. Dr. Jorge gozava de uma riqueza hereditária que crescia a partir da mão
de obra escrava, do trabalho infantil dos filhos de trabalhadores e seus familiares fixados em
sua terra. Os centros urbanos não comportavam essas famílias, não haviam, escolas, trabalho,
condições mínimas para garantir uma alternativa diferente da condição imposta a que se
encontravam aqueles trabalhadores. O geógrafo Milton Santos refletindo, duas décadas
depois do tempo cronológico desenvolvido nesta narrativa, sobre cidadania do homem
urbano e do campo conclui que:
Ainda que tratemos de uma obra ficcional, não se pode perder de vista que seu autor
era uma homem atento às questões de seu tempo, a ponto de suas narrativas estarem
embrenhadas de realidade, dando a sua ficção um caráter de crônica. Em razão de sua
militância ter se dado também por meio da sua escrita, vida e obra se confundem, o que nos
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diária”, durante uma janta, para os demais irmãos, “Em seus dedos sujos, de unhas terrosas e
afiadas, como garras, estava a prenda. Quatro centímetros de tripa torrada” (EUCLIDES
NETO, 2014, p.35). Vale observar que a comparação estabelecida com as garras provoca uma
espécie de zoomorfização da criança, que sem atendimento às necessidades básicas da
infância, sobrevive na condição de um bicho. Tal condição faz com que aos poucos a família
de João vá diminuindo, tão logo ele perderá este filho caçula, assim como já perdera outros
cinco do mesmo mal.
No meio dos cacauais foi aberta uma vala na qual o corpo morto ficou depositado,
corpo este que serviu de alimento para as plantas que sugiram frondosas, conforme relata o
narrador, afirmando que daquelas plantas brotaram “frutos enormes”, “cheios de caroços”,
que doutor Jorge venderia para aumentar sua já afortunada riqueza. Essa imagem se concebe
como uma das mais impactantes da narrativa, posto que descreve a tragédia do flagelo
humano que serve de adubo para a terra que gerará ainda mais riqueza para o explorador,
numa lógica cruel cíclica na qual a pobreza e exploração extrema da família numerosa
daqueles trabalhadores rurais cauciona a profusão dos pequenos grupos de latifundiários, ou
seja, um contexto social marcado pela distinção do valor da vida e pela dessemelhança entre
o corpo do pobre e do rico.
Nesta narrativa, o corpo do pobre é um corpo feito para o trabalho, para a fuga e para
os maus tratos, um corpo fincado obrigatoriamente à terra, por necessidade, inclusive, de
sobrevivência. Ao passo que o corpo do rico aparece na narrativa como um manequim do
luxo – montado a partir da exploração do corpo alheio–, não há vínculo afetivo, de ocupação
ou permanência , a única relação desse corpo com a terra é de exploração desta para usufruto
noutro lugar, tendo em vista que no tempo da narrativa era comum as famílias de fazendeiros
viverem e criarem seus filhos na capital do estado, fato este que também é denunciado por
Euclides Neto com as personagens que compõe o núcleo familiar do doutor Jorge.
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constituído assim, um trabalhador, amigo de João acrescenta, dizendo que “Da terra, pobre só
tem direito de trabalhar para os outros. Se trabalha, labuta até morrer. Deus só faz terra para
os ricos” (EUCLIDES NETO, 2014, p. 82)
O desfecho da narrativa ocorre após semanas de muito trabalho na roça, quando João
consegue o dinheiro para comprar o facão novo e se dirige ao local para fazer a nova
aquisição, tentar desempenhar o seu trabalho com mais velocidade e aumentar um pouco seu
rendimento diário. Qual não foi a surpresa da personagem ao chegar na loja e ver que o preço
do instrumento tinha subido, não bastasse a frustração, fora humilhado pelos vendedores
quando perceberam que não tinha dinheiro para a aquisição. Essa “existência pisada105” da
personagem João é pesada demais para ele, que ao retornar para casa com sua dignidade
ultrajada, decide passar numa fazenda que fora tomada do seu pai numa expropriação
violenta ocorrida no passado. Lá, inicia-se um processo de enlouquecimento da personagem
que tomada por lembranças do passado, constrói a fantasia que naquela terra em que foi feliz
estaria escondida uma riqueza que daria uma vida digna a sua família. A terra que foi palco
de uma infância amena começa a ser escavada obstinadamente por aquele homem com seu
facão velho e cego. Tamanho é cova aberta, na indubitabilidade de que a posse de uma terra
seria a única saída daquela sua condição. A narrativa se conclui permitindo ao leitor imaginar
que aquele sujeito é engolido pelo seu sonho telúrico.
6. Considerações finais
105Como tão bem caracterizou a escritora Clarice Lispector ao se referir, em entrevista, a sua emblemática Ma -
cabéia, de “A hora da estrela”.
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se em tempos mais insólitos a terra serviu de alimento aos filhos de João, no fim, João,
símbolo maior da exploração a qual o trabalhador rural fora por décadas submetido por
grandes latifundiários, transforma-se em alimento para a própria terra, na cova cavada num
momento que simula o enlouquecimento, João e a terra são uma coisa só. Tamanha é a sua
fixidez e fixação naquele buraco aberto sob o sol escaldante no qual se encerrará sua
trajetória.
Euclides Neto, ao utilizar como mote a luta de classes, se inscreve no rol dos escritores
que se tornam universais pelas defesas dos temas também universais. Para além na
monocultura do cacau, da pobreza e da miséria do trabalhador sul baiano, da opulência dos
grandes latifundiários das roças de cacau, está a denúncia da luta entre o opressor e o
oprimido.
Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
SANTOS, M. Por uma geografia nova:da crítica da Geografia a uma Geografia crítica.
São Paulo. Ed. Hucitec, 1978.
SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. In: Revista Scripta Nova, nº
93, 15 de Julio de 2001. Disponível (http://www.ub.es/geocrit/sn-93.htm). Acesso:
25/08/2016.
Mayte Gorrostorrazo
Universidad de la República
mayte.gorrostorrazo@fic.edu.uy
Introducción
106 El presente artículo es una versión modificada del texto titulado «La propuesta de Pontis», publicado en
Pontis - Prácticas de Traducción, n.º 1, febrero-marzo 2016. Disponible en <http://www.revistapontis.com/p/es/
1/7>.
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Orígenes
De acuerdo con Rocca (2012), a principios del siglo xx ocurre cierta floración de
traducciones de obras brasileñas en el Río de la Plata; fueron algunas obras de Machado de
Assis las que originaron las primeras traducciones. En 1902 surge la primera traducción
mundial de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1885), en el folletín del diario La Razón,
realizada por el periodista y traductor uruguayo Julio Piquet. Dos años más tarde, la
Biblioteca de La Nación publica la traducción de Esaú y Jacob (1904).
A pesar de ese primer gran paso, las traducciones uruguayas de textos literarios
brasileños no han mantenido el mismo florecimiento hasta nuestros días. Para observar este
fenómeno, basta con pasar por las librerías de la capital montevideana y observar los
principales títulos de las vitrinas (casi ninguno refiere a la traducción de una obra brasileña).
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Creemos que estas son algunas de las razones por las cuales el sistema literario
uruguayo ha tenido escasa penetración de traducciones de obras brasileñas. De acuerdo con
Guedes, lo mismo sucede en toda Hispanoamérica: no es posible afirmar que las obras
literarias brasileñas formen parte de ese sistema, pues no se comparten modelos o reglas de
repertorio y es poco frecuente que los lectores hispanoamericanos de obras brasileñas
reconozcan dichas obras como parte de su repertorio cultural (EVEN-ZOHAR, 2010, y
VILA, 2012, en GUEDES, 2013).
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contamos con datos específicos, es posible conjeturar que lo mismo ocurre para el caso de
traducciones al portugués de textos de autores uruguayos.
A continuación, se detallan las etapas del proceso de traducción realizado para cada
número publicado de la revista.
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escogidos pertenecen a épocas en las que las normas ortográficas actuales aún no estaban
vigentes.
Una vez revisados los textos originales a ser traducidos, el equipo de Pontis organiza
la distribución de las traducciones: en caso de que sean al español, lengua materna de la
mayoría de los integrantes, las traducciones son individuales; en caso de que sean al
portugués, las traducciones son hechas en pareja, con el objetivo de propiciar el intercambio
de ideas y aprendizajes desde la primera versión de cada una de estas traducciones.
Cuando la primera versión está pronta, los documentos son compartidos virtualmente
con el resto del grupo para discutir sobre los aspectos que causaron mayores dudas y sobre
otros puntos que, en una lectura más general, puedan haber pasado desapercibidos por los
propios traductores. Luego, el equipo se reúne presencialmente para analizar con mayor
detalle los aspectos señalados en la instancia anterior, lo cual, finalmente, permite el envío de
las traducciones a alguna de las siguientes universidades brasileñas: Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Universidade de Brasília y Universidade Federal de Santa Catarina.
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Por último, la revista también cuenta con un blog en el que se publica información
referente al proyecto en particular y a la traducción literaria en general.
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contemporâneas
«¿Te das cuenta?»: diálogo entre amigos sobre las inconstancias femeninas.
Traducido por Mayte Gorrostorrazo.
«Si yo fuese otra…»: monólogo de una mujer ofendida por su marido.
Traducido por María Noel Melgar.
«Si, por un cataclismo…»: monólogo de un hombre acerca de las pretensas
habilidades manuales de las mujeres. Traducido por Carla Rapetti.
«¡Soñar es vivir!»: diálogo entre amigos sobre la importancia dada por las
mujeres a los sueños y sus interpretaciones. Traducido por SthefaniTechera.
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Bibliografía
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Resumo: este trabalho tem por objetivo revelar aproximações e distanciamentos entre duas
obras poéticas modernistas que se separam temporalmente entre si: Azulejos (1963), do poeta
maranhense Nascimento Morais Filho, e Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de
Andrade (1928), do poeta paulista Oswald de Andrade. Para fundamentar esse diálogo, nos
amparamos na teoria da Literatura Comparada pensada por Carvalhal (2003) e Perrone-
Moisés (1998).
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho direciona suas reflexões para alguns aspectos literários e linguísticos que
se destacam nas obras poéticas pertencentes ao Modernismo brasileiro Azulejos (1963) de
Nascimento Morais Filho e Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade
(1927) de Oswald de Andrade. Apontaremos, no decorrer da análise destas obras, como são
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Quando nos propomos a analisar duas obras literárias sob o viés comparatista,
buscamos fazer as relações entre os textos, observando além de seus aspectos externos–
época de produção, contexto social e estética literária – também seus aspectos internos, como
temática, técnicas de escrita e as peculiaridades e procedimentos de criação de cada um dos
autores escolhidos. Isto serve para conseguirmos estabelecer com sucesso as comparações e
proporcionar um olhar mais denso e pontual sobre essas obras.
Adotar como procedimento de estudo a verificação das relações nos textos literários
entre si ou destes com outras linguagens, é um dos objetivos dos estudos comparados como
um todo. Isto dá a amplidão de olhar que a arte literária busca. Os estudos comparados aqui
servirão para demonstrar o quão perto ou longe em sua arte poética Oswald de Andrade e
Nascimento Morais Filho se encontram e se afinam, apontando peculiaridades e eventuais
diferenças entre as obras, colocando-as em um patamar de interação.
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Para Cândido & Castello (2001, p. 77), Primeiro caderno busca uma interpretação
lírica do seu país, por meio de uma poesia reduzida ao essencial, despojada de artifício, cujo
efeito repousa na força sugestiva das palavras. O poder de uma linguagem sintética aliada a
um (re) descobrimento da pátria é uma característica que percebemos no poema anacronismo
(ANDRADE, 1974, p.158): “O português ficou comovido de achar/ Um mundo inesperado
nas águas/ E disse: Estados Unidos do Brasil.”
Em 1922, mesmo ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna e que a cidade de
São Paulo vivia a efervescência cultural ocasionada pelas ideias questionadoras dos
intelectuais modernistas, nascia em São Luís, capital do Maranhão, o autor Nascimento
Morais Filho. Filho de outro intelectual de renome, o escritor, professor e jornalista José do
Nascimento Moraes, Moraes Filho chega ao cenário intelectual maranhense sem ter tido as
mesmas condições financeiras de que desfrutou Andrade – este era burguês e rico; já o
maranhense vinha de família humilde porém bem projetada intelectualmente.
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Morais Filho faz parte de uma geração de poetas maranhenses, a “geração Bandeira
Tribuzzi”, que conheceu tardiamente os ventos modernistas. Esses intelectuais começam a
escrever poesia em fins da década de 1940 apropriando-se mais de elementos modernistas do
que seus antecessores, buscando uma linguagem próxima da expressão popular e abordando
temas de maior engajamento social. Ainda nesta década, Morais Filho funda o Centro
Cultural Gonçalves Dias, uma agremiação que tinha o intuito de trazer discussões literárias e
culturais mais amplas para aquela geração ludovicense, que ainda escrevia poesia ao estilo
parnasiano.
Em depoimento dado à Correa (1989, p.66-67), Morais Filho diz o seguinte a respeito
desta época no Maranhão e do Centro Cultural Gonçalves Dias:
Azulejos, publicada em 1963, é a segunda obra poética de Morais Filho e tem como
tema predominante a infância e a relação do menino José com sua mãe e com outras pessoas
de seu convívio, além de trazer questionamentos sobre o mundo que o cerca. É uma obra que
contém 168 poemas e emprega uma linguagem popular, com expressões caracteristicamente
maranhenses. Logo no primeiro poema, por exemplo, percebemos a força da linguagem
sintética, bem ao gosto modernista, aliada à presença da figura feminina:
“mamãe!” (MORAIS FILHO, 2013, p.11). Neste verso interpretamos como o grito de todos
nós, não só enquanto crianças, mas ainda adultos com a essência da criança viva em nós.
Observamos que existe uma lacuna de 36 anos entre as duas obras analisadas, e que
muito aconteceu no movimento modernista da década de 1920 até a década de 1960. O
próprio Oswald de Andrade já havia falecido quando Morais Filho publica seu Azulejos, em
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1963. Mesmo assim, encontramos aproximações entre elas, até mesmo no sentido da
maturidade de seus autores: Andrade tinha 37 anos quando publica Primeiro caderno do
aluno de poesia – mantinha na essência de sua escrita o humor e a crítica ao país para, em
seguida, delinear no Manifesto Antropófago sua proposta para uma literatura nacional. Já
Morais Filho tinha 41 anos quando publicou Azulejos em 1963, abordando a temática da
infância e tudo o que se remete a este universo – sem dúvida essencialmente diferente de sua
obra de estreia, Clamor da hora presente (1955), que continha uma poesia engajada
carregada de uma linguagem combativa e ferina.
A ironia está mais presente em Andrade do que em Morais Filho, como é bem
característico na primeira fase do Modernismo. O poema enjambement do cozinheiro preto
(ANDRADE, 1974, p.164), já contém ironia desde o título, ao mesmo tempo em que alia a
desconstrução da técnica do enjambement, termo francês usado para indicar um processo
poético que, segundo Goldstein (2008, p.92), é uma construção sintática especial que liga um
verso ao seguinte para completar seu sentido. O poema revela a profissão comum de José – a
de cozinheiro – e ainda destaca sua raça – a negra. O poema fala de forma engraçada sobre a
habilidade dele, cuja figura também está inserida no cotidiano comum da cidade:
Chamava-se José
José Prequeté
A sua habilidade consistia em matar de longe
Decepando com uma larga e certeira faca
Cabeças
De frangos, patos, marrecos, perus, enfim,
Da galinhada solta no quintal
Do Grande Hotel Melo
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Morais Filho também se vale do humor, não tão mordaz e irônico quanto Andrade,
para se referir a várias situações comuns na infância, como a do seu José e o que ele vende
em sua quitanda:
O humor consiste no pensamento da criança em não entender a razão de seu José não
cair em tentação: como é possível vender e não comer tantas coisas gostosas? Neste poema já
percebemos um elemento particular da cidade de São Luís, que é uma ilha: o camarão, muito
presente na culinária local.
Outra questão presente nas duas obras é a referência ao poder aquisitivo das classes
sociais, a classe burguesa e a classe humilde, revelada em um tom de crítica. O ambiente
familiar em Azulejos é mais humilde, porém rico em afeto; em épocas de fartura como o
Natal, o menino José não ganha presentes, apesar de muito o desejar: “o céu está branquinho
de papai noel! /e eu não ganhei um brinquedo...”(MORAIS FILHO, 2013, p.49)
Ou ainda no dia a dia, em que falta o suficiente para dar uma refeição satisfatória a
todos da casa: “...e mamãe também não come?/ - coma meu filho, que passa a fome de sua
mãe...”(MORAIS FILHO, 2013, p.154)
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De sua filha
Gilberta
(ANDRADE, 1974, p.161)
O camisolão
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O jarro
O passarinho
O oceano
A visita na casa que a gente sentava no sofá
A chuva como imagem poética aparece com intenções diferentes nas duas obras. A
chuva do poema soidão de Andrade (1974, p.171) reflete a imagem do cotidiano da cidade de
São Paulo, porém crítica, e ainda homenageia o poeta Mário de Andrade:
mamãe,
massico disse (ouviu?) que o trovão
é a zoada das cadeiras e da mesa lá no céu,
quando nossa senhora está arrumando a casa dela...
e que a chuva é a água
que cai daquele bando de buraquinhos do chão,
quando nossa senhora está lavando a casa dela...[...]
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mamãe,
as casas estão correndo!
olhe, mamãe!
- não são as casas, meu filho, é o automóvel!
Por fim, porém sem esgotar a análise entre essas duas obras ricas em imagens,
elementos e interpretações, encontramos em Primeiro caderno do aluno de poesia uma
característica peculiar e exibida de forma explícita que em Azulejos não encontramos: o
nacionalismo. A abordagem desta temática distancia as duas obras.
Ó Brasil
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Ainda em Primeiro Caderno, percebemos poemas que nos levam a (re) descobrir o
país, lembrando as três raças que formaram o povo brasileiro: o índio, o branco e o negro.
Além de trazer essa ideia, o poema brasil parodia um trecho do célebre poema I-Juca Pirama
do poeta romântico maranhense Gonçalves Dias:
E o povo
Ansioso
Airoso
Sacode no ar
A palheta
Da esperança
Vendo o dia
Tropical
Que vai passar
Na carruagem
Dos destinos
Do Brasil
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Este trabalho teve como objetivo comparar duas obras poéticas do movimento
modernista, Primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade (1927), de
Oswald de Andrade, e Azulejos (1963), de Nascimento Morais Filho, investigando como
essas duas obras e seus autores se aproximam e se distanciam.
Apesar de Azulejos ter sido escrita em 1963, ela reflete os frutos iniciados pelo grupo
do Centro Cultural Gonçalves Dias que havia se consolidado como modernista apenas na
década de 1940, pois no Maranhão a efetiva ruptura com o academicismo dá-se tardiamente.
Morais Filho foi atuante neste período de ruptura: liderou o Centro, editou semanários e
conclamou a nova geração a participar de debates sobre os autores modernistas que até então
não eram amplamente lidos pela jovem intelectualidade. Entendemos que os dois autores,
tanto Andrade quanto Morais Filho, se afinam no tocante ao espírito combativo e ao desejo
por mudanças, qualidades que ambos possuíam.
Mas para além das diferenças, o que permanece são as aproximações entre as duas
obras, que refletem bem algumas propostas do Modernismo, tais como: o predomínio da
oralidade na linguagem empregada nos poemas; a valorização de elementos da cultura
brasileira; os olhares sobre a cidade e seu progresso, bem como as relações sociais que se
estabelecem no século XX; e o humor, com veia irônica em Andrade ou mais singela em
Morais Filho.
Ressaltamos que o resultado positivo deste estudo comparativo entre as obras poéticas
é que pudemos substituir a ideia de “influência” de uma obra sobre outra pela ideia do
diálogo, que ambas mantém de forma rica e ampla, abrindo espaço futuro para outros
exercícios de análise. Também propomos, por meio deste trabalho, repensar a ideia de que
existe no Brasil uma literatura regionalista que se enxerga “menor” em detrimento de uma
literatura “nacional”, considerada mais representativa de nossa cultura e costumes. Ao
repensarmos a literatura brasileira de forma mais ampla, poderemos quebrar esse paradigma e
promover novos diálogos literários.
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ABSTRACT
This essay aims to reveal approaches and distances between two Modernist poetical works
which are timelly separated: Azulejos (1963), by Maranhense poet Nascimento Morais Filho,
and Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade (1928), by Paulista poet
Oswald de Andrade. As a basis for this dialogue, we were supported by Comparative
Literature theory and the thoughts of Carvalhal (2003) and Perrone-Moisés (1998).
Referências
ANDRADE, Oswald de. “Primeiro caderno do aluno de poesia”. In: Obras completas. VII.
Poesias reunidas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
ÁVILA, Affonso. Do Barroco ao Modernismo: o desenvolvimento cíclico do projeto literário
brasileiro. In: O Modernismo. São Paulo: Perspectiva, 1975.
______________. O poeta e a consciência crítica. 2ªed. São Paulo: Summus, 1978.
CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira:
Modernismo. História e Antologia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
CANDIDO, Antonio. Literatura e cultura de 1900 a 1945. In: Literatura e sociedade. Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 2003.
CORRÊA, Rossini. O Modernismo no Maranhão. Brasília: Corrêa e Corrêa Editores, 1989.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 2008.
MORAIS FILHO, Nascimento. Azulejos. São Luís: UNIGRAF, 2013.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura comparada: intertexto e antropofagia. In: Flores da
escrivaninha. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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Introdução.
Pensar-se-ia que a história de Macau começa a ser escrita na chegada dos portugueses
à península em 1513 (CANIATO, 2005), quando os navios da Coroa Portuguesa partiram da
Índia e chegaram na Ásia na busca de rotas de comércio entre as nações banhadas pelo mar
da China meridional, encontrando uma literatura de Ultramar nos relatórios enviados a
Portugal das expedições realizadas e das terras colonizadas. Uma narração descritiva e
testemunha das ações feitas pelos exploradores em prol de levar novos conhecimentos além
das fronteiras terrestres e marítimas.
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A história que antecede, parece ser simplificada na migração forçada produto das
guerras e colonizações ao interior do continente na mobilização de chineses em busca de
recursos marítimos para garantir a subsistência.
Seguindo esse raciocínio, a história de Macau é contada após o século XVI, quando
em 1520 surgiram hostilidades e ataques aos navios chineses por parte dos portugueses com o
objetivo de consolidar um porto mercantil estratégico capaz de oferecer facilidades de acesso
ao Japão, Singapura e Filipinas. Posteriormente os portugueses legitimaram seu poder nos
primeiros contatos comerciais com o Japão em 1540, estabelecendo “novas feitorias nas ilhas
de Sanchuang e Lampacau” (CANIATO, 2005, p. 112).
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espaço literário e sua influência na consolidação e agir das personagens, atuando várias vezes
como um sujeito historiador. Fleck (2005, p. 225-226), usando essa aproximação entre o
romancista histórico e historiador, salienta que:
O romance A trança Feiticeira (1993), daqui em diante identificado como (TF), narra
a história de Adozindo, um jovem descendente de família afortunada que se apaixona por A-
Leng, uma humilde aguadeira da cidade, que simbolizam a união da fé católica e budista e os
conflitos surgidos entre duas culturas dialogantes, demostrando “a contribuição de ambas as
culturas para Macau, tornando-o uma ponte entre Ocidente e Oriente” (BROOKSHAW, 2010,
p. 120).
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-Macau é uma terra sossegada. Ninguém fará mal a uma rapariga do povo
como ela
- Na china há uma guerra cada vez mais violenta. Muita gente adventícia
tem atravessado as Portas do Cerco.
-Boatos. A China é muito grande, e a guerra está muito longe. É no Norte e
em Xangai. Não chega tão depressa até nós, embora certamente iremos
sofrer com as consequências. O arroz já encareceu no mercado. Obras de
especuladores.
- Em Hong Kong, começaram distúrbios...
-É somente contra a comunidade japonesa. É natural, os ânimos estão
exaltados contra as barbaridades. Aqui em Macau não há japoneses. (TF, p.
137).
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A focalização não reside apenas nas personagens, mas também na descrição dos
cenários e dos fatos históricos, que consolidam uma configuração de nação híbrida,
intercultural e plurilinguística criando macro espaços que interagem com o leitor, fornecendo-
lhe informações detalhadas e descritivas da cidade de Macau.
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Imagina tu que já não posso arrotar depois da refeição. Que há de mal num
arroto? Ele significa que estamos repletos, satisfeitos, que a comida é boa. É
uma homenagem até ao anfitrião, ao cozinheiro. Mas para os “kuais”, é
malcriação. Não é uma gente muito peculiar? Aprendi a beber café um
bocado de vinho e comer pão com manteiga. Há uma coisa, no entanto, que
não admito. Beber chá com açúcar (...).
Com ela, por sua vez, abraçou Adozindo o hábito do banho, antes de se
deitar. Eram usos e costumes de duas culturas que se misturavam, sem
imposição, como se fossem a coisa mais natural deste mundo. (TF, P
156-168).
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Considerações finais
Referências Bibliográficas
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110Trata-se do texto “Do Cancioneiro das Donas ao Livro Delas”, introdução teórica ao Catálogo de mulheres
cordelistas e repentistas. Essa introdução foi, gentilmente, enviada pela autora por e-mail em arquivo de texto;
versão que utilizo no momento.
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entendymentos pera lhe lo no entenderen111” (ARTE DE TROVAR, ANO, p. 15). Por sua vez,
as de maldizer são “aquela[s] que fazen os trobadores mais descobertamente; en elas que
entram palavras que queren dizer mal e non auer[an] outro entendimento senon aquel que
querem dizer chaãmen[te] e outrossy as todos fazen dizer mais112” (ARTE DE TROVAR,
ANO, pp. 16-17). Pela definição do tratadista, a diferença está na crítica direta (maldizer) ou
na indireta (escárnio). Assim, em uma simplificação didática, presente, inclusive, em algumas
obras educacionais, pode-se dizer que há uma identificação do satirizado nas cantigas de
maldizer, chegando, em algumas composições, à zombaria aberta, enquanto, nas de escárnio,
a identificação do satirizado não está clara, tendendo à ironização do sujeito que é tema do
discurso poético.
Os quatro gêneros, comumente, estudados são definidos nesses três capítulos da arte
poética em questão. Fora a inclusão das cantigas de Santa Maria, são esses tipos de cantigas
que se encontram nos Fremosos cantares de Mongelli (2009), obra subtitulada como
“Antologia da lírica medieval galego-portuguesa”. Aliás, considero necessário lembrar que,
conforme Fokkema e Ibsch (2006), as antologias funcionam como definidoras de cânones.
Nesse sentido, o ato de reduzir as cantigas galego-portuguesas aos quatro gêneros produz
uma marginalização das outras modalidades poéticas trovadorescas, como, por exemplo, as
tenções. Essas são tema do capítulo seguinte do tratadista. Ele as define da seguinte maneira:
[...] tençoens [...] son feytas per maneira de rrazon que hu[um] aia contra o
outro, em que diga aquelo que por ben teuer na prima cobra e o outro
rresponda lhe outra dizend o contrayro. Estas se poden fazer d amor, ou d
amigo, ou d escarnho, ou de mal dizer, pero que deuen seer de mee[stria]. E
destas poden fazer quantas cobras quiseren, fazendo cada hũu a sua par[te];
se hy ouer d auer fijnda, faze[n] ambos senhas, ou duas duas, ca nom
conuem de fazer cada huu a mays cobras nen mays fii[n]das que o outro113
(ARTE DE TROVAR, ANO, pp. 17-18).
Por sua natureza dialogal, como se percebe no excerto, a tenção se faz como
expressão performática. No entanto, antes de tratar da tenção como performance, considero
necessário esclarecer três conceitos referentes à poesia medieval galego-portuguesa: cobra,
maestria e fiinda. A cobra corresponde à estrofe, podendo ser classificada em singulares ou
111Adaptação para o português contemporâneo: “os trovadores fazem querendo dizer mal de alguém nelas, e
dizem palavras encobertas, que tenham dois entendimentos para não lhe entenderem”.
112 “aquelas que fazem os trovadores mais descobertamente; entram nelas palavras que querem dizer mal e não
terão outro entendimento senão aquele que querem dizer claramente e outrossim todos as entenderão”.
113
“tenções são feitas pela razão de um agir contra o outro, em que diga aquilo que bem quiser na primeira
cobra e o outro responda com outra dizendo o contrário. Estas podem ser de amor, de amigo, de escárnio ou de
mal dizer, porém devem ser de maestria. E destas podem fazer quantas cobras quiserem, fazendo cada um a sua
parte, se haver finda, ambos fazem uma para cada um ou duas para cada um, aqui não convém um fazer mais
cobras nem mais fiindas que o outro”.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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uníssonas (MOISÉS, 2013). Estas são as que mantêm a rima igual ao longo das estrofes e
aquelas apresentam rima diferente em cada uma das estrofes. Também podem ser cobras
doblas, em que se segue a mesma rima a cada duas estrofes, e alternadas, em que há dois
esquemas de rimas: um para as estrofes pares e outra para as ímpares. A maestria, por sua
vez, é definida como a “espécie de cantiga de amor passada como a mais perfeita, tinha em
geral três estrofes regulares e termina com uma fiinda em que o trovador resumia o que disse
anteriormente” (SILVA, 2009, p. 180). Nessa definição de maestria, já há uma conceituação
do que é a fiinda, ou seja, a estrofe final que sintetiza o conteúdo da composição, possuindo,
ademais, uma estrutura própria, mas mantendo relação através da rima com as demais cobras
(MOISÉS, 2013).
A essa acusação, Aboim justifica a inabilidade do dito trovador, afirmando que ele não
consegue cantar e tocar por efeito da bebida e por causa do excesso da prática sexual.
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O debate sobre a inabilidade no tocar e cantar segue até as fiindas: defeito natural
(João Peres de Aboim) ou causado pelos excessos alcoólicos e sexuais (João Soares de
Coelho). Coelho é acusado de ser pago pelo satirizado e responde que dará a Aboim o que
recebeu e receberá como forma de invalidar a acusação de ter defendido o criticado em troca
de um pagamento.
O bem executar uma cantiga recobre-se, assim, de tal importância que é cogitada a
possibilidade de um trovador receber pagamento para defender outro que é acusado de não
conseguir realizar uma performance satisfatória. Infelizmente, a tenção de Aboim e Coelho
fica no plano do escárnio, pois, caso pendesse para o maldizer e nomeasse o poeta inapto,
poderia, ainda contando com a hipótese de que os textos tivessem sido preservados, ser
realizada uma avaliação estética das cantigas do trovador. Isso permitiria pensar como a
performance reflete na composição.
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Como procurei ilustrar ao longo desta seção do artigo, o tratado A arte de trovar,
apesar de fragmentário, enuncia importantes aspectos da poética trovadoresca; por exemplo, a
definição dos gêneros de cantigas. Ainda, ele suscita inferências acerca de questões como a
autoria e a performance, perspectivas que, de certa forma, permeiam a abordagem que
pretendo fazer a das tenções do corpus da pesquisa.
Fora a dificuldade da leitura devido à língua, o leitor, até pouco tempo, se deparava
com a falta de acessibilidade aos textos. Se a barreira da língua pode ainda afetar o leitor
iniciante nos textos medievais, o mesmo não se pode dizer da acessibilidade às cantigas: o
projeto Littera, coordenado pela professora Graça Videira Lopes, da Universidade Nova de
Lisboa, disponibiliza a totalidade das cantigas trovadorescas galego-portuguesas na base de
dados Cantigas medievais galego-portuguesas (http://cantigas.fcsh.unl.pt/).
A base de dados apresenta, entre as ferramentas de busca, a possibilidade de filtrar por
gênero de cantiga. Procedi a filtragem das tenções, resultando em 31 cantigas desse gênero115.
Dessas, optei por fazer um recorte que obedeceu o seguinte critério: possuírem alguma
relação com outro texto apontada na “Nota geral” na base de dados consultada, resultando em
8 tenções como corpus da pesquisa. Tal procedimento permite pensar a possível repercussão
das tenções no período em que foram produzidas, entrecruzando não só as tenções entre si,
mas elas com outras cantigas de outros gêneros.
115 Há outro filtro de busca em que é possível pesquisar as tenções de amor, em que são listadas mais duas can -
tigas (há uma terceira que aparece também na filtragem “tenção”), ampliando o corpus total das tenções nos
cancioneiros para 33 cantigas. Optei por considerar, neste trabalho, somente as 31 que aparecem na busca pelo
gênero amplo “tenção”.
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asseveram que, nessa rede de escárnios, gera-se uma tenção maior, como é perceptível no
excerto de Barros (2005, pp. 19-17):
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(7) Quem João Soares (7.1) Muito te vejo, (7.2) Por Deus, Lou-
ama Deus, Coelho e Lou- Lourenço, queixar, renço, mui desagui-
Lourenç’, am’a renço de João Garcia de sadas, de João Gar-
verdade Guilhade e Loure- cia Guilhade
nço
(8) Vós que Martim Moxa (8.1) Os privados,
soedes em cor- ou Anônimo --------------------- que d’el-rei ham, de
te morar Pedro, conde de Bar-
celos
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Nesse momento, pretendo fazer a abordagem do corpus por meio da sua análise
formal. Isso pode contribuir para pensar sobre a forma de composição, inferindo sobre
possíveis regras que regeriam a disputa poética entre dois trovadores.
No aspecto formal, considero importante a disposição das rimas nas tenções, uma vez
que, através do esquema rimático, se pode inferir possíveis regras da competição poética. Isso
se deve ao fato de que, como lembra Spina (2003, p. 211) ao abordar a poesia competitiva no
seu Manual de versificação românica medieval, “o que se impõe como regra é a fidelidade do
contendor em manter a forma estrófica e muitas vezes as próprias rimas utilizadas pelo
desafiante”. No entanto, é importante lembrar que as regras que proponho no quadro que
segue são hipotéticas, fruto de um recorte das tenções dos cancioneiros galego-portugueses e
da identificação de uniformidades entre as cantigas, o que permitiria pensar a composição
realizada em performance.
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Das oito tenções do corpus da pesquisa, consegui delimitar sete regras. O número é
quase idêntico ao de cantigas, o que não chega a indicar uma uniformidade. Todavia, ao fazer
o levantamento da disposição das rimas no corpus total das tenções, pode-se perceber uma
persistência das regras 2 e 3, o que corresponde a um terço das tenções galego-portuguesas
que foram registradas nos cancioneiros e encontram-se preservadas.
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Pero Garcia de Ambroa iniciou a tenção com o esquema rimático ABBACCA e João
Baveca respondeu em ABBADDA, alterando as rimas dos versos 5 e 6, o que aconteceu
também na quarta estrofe, uma vez que Ambroa fez a terceira em ABBAEEA e Baveca
redarguiu em ABBAFFA. O mesmo não ocorre na tenção Joam Soáres, de pram as melhores.
Na cantiga acima, João Soares Coelho seguiu, na segunda estrofe, o mesmo esquema
rimático daquele que Juião Bolseiro utilizara na primeira, ou seja, rimas em ABABCCA. É o
processo que ocorre nas regras 2, 3, 4 e 5, em que ocorrem as cobras doblas, em que o
segundo trovador segue o modelo indicado pelo primeiro.
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Na minha tese, faço um exame do conteúdo das tenções, no entanto, todavia, devido
aos limites deste artigo, opto em passar adiante e abordar a problemática da voz e da letra no
Trovadorismo galego-português. Na seção que conclui o artigo, pretendo lançar mão não só
de dados críticos e teóricos como também de elementos das tenções vistos até aqui.
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Lemaire (1987), no excerto acima, identifica um mito nas ciências humanas, ou seja,
que a “única e verdadeira literatura” é a escrita. Isso revela um preconceito scriptocentrista
que repete “a antiga tendência de sacralizar a letra” (ZUMTHOR, 2010, p. 8). Ademais, a
pesquisadora aponta para um rompimento com essa perspectiva, o que vem a reconsiderar as
tradições orais não mais como primitivas e atrasadas. Para essa ruptura, é preciso outro olhar
sobre as relações entre oralidade e escrita, como alude Ong (1998). De acordo com esse
autor, a nova compreensãopassa não só por uma abordagem ampla sobre as tradições orais
como também por uma visada que relativize a nossa percepção como habitantes do mundo
das letras e nos permita ouvir as vozes que ecoam perdidas nas noites dos tempos. Nesse
sentido, a perspectiva da relativização da compreensão letrada deve excluir a prerrogativa de
uma “revolução” que substituiu a voz pela letra em um corte radical, pois, como afirma
Havelock (1996) ao explicar a “revolução da literacia” no mundo grego antigo, a “palavra
revolução, apesar de conveniente e na moda, pode enganar, se for usada para sugerir a
substituição, de um só golpe, de um meio de comunicação por outro. [...] Aprendeu a
escrever e a ler enquanto ainda continuava a cantar (HAVELOCK, 1996, p. 35).
A mesma abordagem realizada por Havelock de uma convivência entre oral e escrito
na Grécia Antiga serve para a Idade Média. Como ensina Lemaire (2013), houve um processo
lento de passagem da voz para a manuscritura e desta para a escrita tipográfica. Ademais, a
pesquisadora demonstra que houve uma coexistência dos meios de comunicação oral,
manuscrito e tipográfico e que, por muito tempo, “o verbo ler significará: declamar ou cantar
um texto ditado/escrito perante um público” (LEMAIRE, 2013, p. 9).
Lemaire (2013) ainda fala que assim como o verbo ler modifica seu sentido até ter o
sentido que tem hoje, o verbo escrever passará por transformação parecida. No período
medieval, escrever corresponderá a “transportar para o papel a palavra cantada/declamada/
ditada, manuscrever ou transcrevê-la como suporte da memória oral”, o que é diferente do
“ato da escrita moderna que é muito mais um compor-escrevendo” (LEMAIRE, 2013, p. 9).
117
Tradução livre do autor: Há nas ciências humanas um mito que se constitui provavelmente um mito central:
a verdadeira literatura, a única tradição literária ocidental, é a literatura escrita, e escrita pelo homo sapiens, em
que uma tradição secular fundada pelo arquipoeta Homero, consigna as verdades essenciais e valores universais
da humanidade. Essencialismo e universalismo são as duas epistemes que o homo sapiens não cessa de repetir
durante séculos. Só muito recentemente é que os críticos começam a abalar seriamente esse mito solidamente
enraizado na nossa cultura e a demonstrar que o ponto de partida da nossa civilização moderna, bem como a da
civilização greco-romana, era todo outro: estas são tradições orais que, indubitavelmente, existiram antes do
advento da escrita (Havelock, Ong, Zumthor). Intimamente ligada a essa tese, encontramos uma segunda: essas
tradições orais não constituem um estágio anterior, primitivo, um preâmbulo ainda bruto e imperfeito da literatu-
ra escrita, mas sim um mundo, uma cultura, com formas de comunicação essencialmente diferentes que as con-
vicções estabelecidas das ciências humanas, fundadas no 'scriptocentrismo' (Lemaire T. 1984) irrefletido, não
fazem mais que deformar e transformar em incompreensíveis (Lemaire, 1987, pp. 20-21).
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118 A obra original é de 1983. Ademais, o autor retoma as quatro forma de oralidade no artigo “La permanencia
de la voz”, publicado no Correo da Unesco em agosto de 1985.
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[...] o conjunto dos textos legados a nós pelos séculos X, XI, XII e,
numa medida talvez menor, XIII e XIV passou pela voz não de modo
aleatório, mas em virtude de uma situação histórica que fazia desse trânsito
vocal o único modo possível de realização (de socialização) desses textos
(ZUMTHOR, 1996, p. 21).
Ao menos por três séculos, a voz, de acordo com o exposto acima, foi o meio de
comunicação privilegiado da palavra poética. O escrito existe durante o período, uma vez que
a “Idade Média” é “também – uma idade da escritura” (ZUMTHOR, 1996, p. 96), no entanto
ela está subordinada à oralidade, servindo de registro auxiliar da memória e fonte de renda
para os poetas.
Lemaire (2013), por sua vez, ensina que os poetas medievais da oralidade fazem uso
da tecnologia da escrita, subordinando-a à voz. Como forma de assistência ao processo
mnemônico, aquela tecnologia se manifesta através de cadernos manuscritos com poemas
mais longos, produzidos, muitas vezes, em execuções performáticas. Como fonte de renda,
surgem as folhas soltas, conhecidas também como folhas volantes, e os cadernos de jograis
em uma dimensão de 11x16 cm, 120 devido às condições de transporte na vida nômades dos
jograis.
Acerca da relação sobre a relação da letra com a voz, Zumthor alerta que a difusão da
escrita tenha se dado pela relação que mantém com a voz: “na medida em que a escrita servia
119 A oralidade mediatizada não é aplicável ao momento histórico tratado nesse ensaio, uma vez que ela provém
da utilização de meios técnicos constituídos a partir do século XIX, ou seja, é aquela que “hoy nos ofrecem la
radio, el disco y otros médio de comunicación” (“hoje nos oferecem a rádio, o disco e outros meios de comuni-
cação”) (ZUMTHOR, 1995, p. 5).
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para fixar mensagens inicialmente orais; contudo[...] porque o modo de codificação das
grafias medievais fazia destas uma base de oralização” (ZUMTHOR, 1996, p. 97).
121 Tradução livre do autor: “uma infinidade de matizes, tanto como os graus que existem, segundo as socieda -
des e os níveis de cultura, na difusão e no uso da escrita”.
122 Traduçãolivre do autor: “trovadores fazem cantigas de escárnio sobre jograis, em que afirmam que estes não
sabem escrever poesia e só fazem versos ruins”.
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Com o que abordei acima, é perceptível a que, na transição da oralidade para a escrita,
cada vez mais esta procura se sobrepor àquela, passando-se de um período de oralidade mista
para secundária. Mesmo com o aparente crescimento da importância da escrita durante a
época trovadoresca galego-portuguesa, defendo a hipótese de que as tenções tenham sido
compostas no próprio ato performático. Para defender essa pressuposição, volto-me para
elementos que funcionam como índices de oralidade. Nesse sentido, inspiro-me na defesa que
Lemaire (1987) faz das cantigas de amigo como improvisadas.
De acordo com a estudiosa, o próprio nome cantiga indica oralidade, uma vez que tem
seu trânsito através da música e da voz. Ademais, ela aponta para índices textuais como as
exclamações, as apóstrofes, os imperativos em primeira pessoa do plural e a presença de
personagens.
123
Tradução livre do autor: O caráter oral da performance das cantigas já se pressente com o nome de 'cantiga'
pela presença de um coro e que foi encontrada a música de sete canções. Outros índices textuais são as muitas
exclamações e as apóstrofes, bem como os imperativos na primeira pessoa do plural: vaiamos, bailemos e outras
formas do verbo sugerindo uma situação específica e a presença de personagens: rogo, digo, cantades, pergun-
tades. Esses são argumentos com base em critérios textuais, internos. Um argumento mais geral pode-se acres-
centar: durante toda a Idade Média e muito tempo depois, a poesia não foi lida, mas cantada.
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Da mesma forma que nas cantigas de amigos, pode-se identificar índices de oralidade
e performance nas tenções. Primeiramente, procedi ao levantamento dos versos que fazem
referência ao cantar e ao tocar no corpus, o que pode ser sintetizado no quadro abaixo.
(5)Pero da Pont’, e[m] um vosso can- 1 Pero da Pont’, e[m] um vosso cantar
tar
Como é apontado no quadro, há onze versos em quatro tenções que mencionam cantar
ou tocar. Dessas, uma das mais significativas é a que aparece no verso 16 de Joam Baveca, fé
que vós devedes, em que Pero de Ambroa diz que fará os seus cantares diante de alguém.
Além da referência às suas composições musicais, o trovador diz que os executará diante de
alguém, pressupondo um público expectador, elemento de suma importância para que ocorra
a performance como “ação complexa pela qual uma mensagem poética é simultaneamente,
aqui e agora, transmitida e percebida” (ZUMTHOR, 2010, p. 31).
Um segundo tipo de índice de oralidade nos textos são aquelas marcas que remetem a
dizer, falar, escutar, ouvir e perguntar. No corpus, são encontrados 43 versos em que se
identifica menções aos atos de dizer, falar, escutar, ouvir e perguntar. Esses registros são
importantes por se relacionarem com o ato performativo pelo diálogo entre dois poetas,
atestado pelos vocativos em sete tenções – outra marca da performance. A interpelação de um
pelo outro passa, muitas vezes, pela pergunta direta ou indireta. Em alguns casos, ela soa
como ordem e vem acompanhada do marcador temporal de presente, como quando Pero de
Ambroa pede para João Baveca: “me digades ora uma coisa” (digais agora uma coisa). No
jogo poético quodlibetico, é dever do poeta questionado responder a questão que lhe surge de
surpresa.
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Assim, temos, ao menos, quatro modos indiciais de oralidade nas tenções. Conforme
abordei acima, os elementos internos ao próprio texto permitem intuir a oralidade presente
nas tenções e podem ser marcas de improvisação performatizada.
Antes de encerrar o artigo, considero importante retomar a tenção Quem ama a Deus,
Lourenç’, ama a verdade. Essa gira em torno de um ataque direto a Lourenço e indireto a
João Garcia Guilhade proferido por João Soares Coelho. Ao mesmo tempo em que ataca
Lourenço por roubar tenções de Guilhade, o trovador ataca esse ao afirmar que as cantigas
roubadas e proferidas pelo jogral possuem defeitos de métrica e de rima. Dessa disputa,
advém o problema não só do litígio sobre a autoria como também a questão da possibilidade
da composição através do improviso.
124“E dizeis agora com muita força, trovador:/ ainda que vos chamaste de escudeiro ali,/ porque vos queixais
agora a mim,/ pelas minhas roupas, que não quero vos dar?”
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poéticas que nunca ocorreram 125. Em ambas conjecturas, entram em jogo as etapas de
produção, transmissão, recepção, conservação e repetição. Nesse sentido, enquanto a primeira
possibilidade concebe uma simultaneidade das fases 1, 2 e 3, a segunda desvencilha, só
aparentemente, 1 de 2 e 3, uma vez que ela tanto pode ter sido produzida no improviso
oralizado quando ser fruto de um ato de composição mnemônico ou manuscrito de Lourenço,
Guilhade ou outro poeta. Somando-se a esse aspecto contingente, há a incerteza sobre como
teria se dado a conservação do texto: através da memória ou de um manuscrito? Seja qual
fora o modo de conservação da cantiga, ela passou, eventualmente, pela repetição, gerando
outras transmissões e recepções através da performance de Lourenço. Em uma dessas,
Coelho ouviu a execução de Lourenço (“Pero, Lourenço, pero t’eu oia/ tençom desigual e que
nom rimava”126). Ainda, é provável que a repetição surgira de um pedido do público para que
Lourenço executasse a tenção, uma vez que a posição de jogral faz com que ele tenha que
agradar ao público; disso depende o seu sustento.
Referências:
125 Roberto Benjamin (2007), ao abordar a mítica cantoria entre Romano Mãe d’Água e Inácio da Catingueira,
que teria durado sete dias e sete noites, considera a admissibilidade da ocorrência do evento “pelo fato dos regis-
tros terem fontes diferentes e apresentarem diferentes vencedores. Caso contrario, se houvesse uma única fonte,
poderia se atribuir a uma criação de poetas-de-bancada [...]” (BENJAMIN, 2007, p. 178).
126 “Porém, Lourenço, porém de ti eu ouvia/ tenção desigual e que não rimava”.
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A proposta deste texto – que se apresenta mesmo como proposta, pois é ainda uma
tentativa inicial de problematizar a relação, que é mesmo uma necessidade, entre a Literatura
e História nos países africanos de língua portuguesa – parte do interesse diante de algumas
manifestações, ainda isoladas, de escritores angolanos e moçambicanos, mais
especificamente, de afastamento do paralelo Literatura/Identidade nacional.
Esse íntimo contato com a História se intensificou quando o texto literário passou a
expressar a tensão entre os dois espaços que constituem esses territórios, ou seja, a fronteira
entre o mundo africano e o mundo colonial, como podemos ver no conto "A fronteira de
asfalto", de Luandino Vieira, por exemplo. A necessidade de expressão de uma voz própria,
que combatesse – e aqui lembramos Manuel Rui com "Escrever então é viver. Escrever assim
é lutar" em O eu e o outro - o invasor (1987, p.310) – o discurso colonial, propagado também
através da literatura, faz com grupos se organizem em torno da questão identitária, da defesa
de uma cultura local, como é o caso do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, de
1948.
127 Este texto é parte do trabalho desenvolvido no projeto “Poder e silêncio(s): a pós-colonialidade entre o dis -
curso oficial e a criação ficcional”, financiado pela FAPEMIG.
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Passados pouco mais de quarenta anos das independências, a questão identitária ainda
é ponto crucial para essas sociedades e, consequentemente, para a literatura. No entanto, o
que queremos questionar aqui, a partir de algumas manifestações que destoam desse
paradigma, literatura/identidade nacional, é o olhar de compromisso que se direciona aos
escritores africanos. Compromisso com a nação, com a história, com a resistência e o
combate.
No texto que dá continuidade a epígrafe, Mia Couto desenvolve o seu ponto de vista
sobre o papel do escritor:
Explico-me: o escritor é um ser que deve estar aberto a viajar por outras
experiências, outras culturas, outras vidas. Deve estar disponível para se
negar a si mesmo. Porque só assim ele viaja entre identidades, um
contrabandista de almas. Não há escritor que não partilhe dessa condição:
uma criatura de fronteira, alguém que vive junto à janela, essa janela que se
abre para os territórios da interioridade. (2005, p. 59)
Todavia, aquilo que parece ser a dádiva do escritor, essa possibilidade de trânsito
entre variadas experiências e fronteiras, pode ser questionada quando olhamos para as
literaturas africanas. Não é à toa que o texto de Mia Couto tenha como título uma pergunta:
“Que África escreve o escritor africano?”, pois o autor vai colocar em debate a relação entre
tradição e modernidade, paradigma com o qual os escritores africanos parecem se debater,
fadados que estão a serem identificados com a defesa da tradição e, consequentemente,
afastados de noções que os liguem à modernidade. O próprio lugar do continente diante do
restante do mundo está aqui em questão, já que a ideia de identidade africana (assim mesmo
no singular) está, no senso comum, mas não só, atrelada a imagem de “África profunda”,
“continente mítico”, que remete a uma “inabalável tradição”, que resiste heroicamente a um
mundo que caminha. Dessa forma, o colonialismo não finda com as independências, como
afirma Mia Couto em outro texto – “Uma grande parte da visão que temos do passado do
nosso país e do nosso continente é ditado pelos mesmos pressupostos que ergueram a história
colonial. Ou melhor, a história colonizada” (COUTO; 2005, p. 11) –, pois mantêm esses
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Portanto, a proposta aqui é pensar essa tradição como obrigação, que leva a uma
obrigação da memória, especialmente da memória histórica, pensada aqui através das
reflexões de Maurice Halbwachs (1990). Entrelaçada aos pressupostos da teoria pós-colonial,
essa obrigação pode se transformar em uma armadilha redutora que aprisiona os escritores de
espaços que foram colonizados a uma escrita marcadamente identitária, ou ainda presa à uma
memória que se quer outra, distinta daquela produzida pelo Norte, pela lógica de subjugação
do Sul.
Luiz Costa Lima, em texto publicado na folha de São Paulo, em agosto de 2006,
problematiza a ideia da literatura como elemento de nacionalidade, e ressaltamos que é a
ideia travestida de obrigação. A literatura pode ser um elemento de nacionalidade, mas ela
deve ser, tem essa função? Costa Lima afirma, no caso do Brasil, que:
Para que a teoria da literatura se firmasse entre nós teria ela de contrariar um
modo de pensar que se fixou desde Gonçalves de Magalhães [1811-82]. Em
seu “Discurso sobre a História da Literatura no Brasil” (1836), a literatura
era apresentada como a quintessência do que haveria de melhor e mais
autêntico em um povo.
E, como o país se tornara independente sem um sentimento de
nacionalidade que integrasse as regiões, o serviço que ela, de imediato,
haveria de prestar seria de propagá-lo.
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Portanto, como aponta Schmidt, o processo que ocorre nos Estados Unidos tem um
resultado bastante distinto no caso do Brasil. Diante da possibilidade de revisão do cânone, a
partir de uma proposta estadunidense, ou seja, lida como imposta do norte para o sul, os
pesquisadores brasileiros intensificam a relação entre a literatura e a ideia de nação ou de
identidade nacional, ignorando o quanto essa relação nos chega emprestada pela lógica
colonial.
No entanto, antes dessas obras Onjaki publicou, por exemplo, O Assobiador (2002),
em Portugal. Nesta novela, que narra a chegada de um forasteiro a uma pacata aldeia, não
temos localização espacial ou temporal, ou qualquer ligação com o espaço angolano e sua
história. Nas palavras do próprio Onjaki, em carta para Ana Paula Tavares que acompanha a
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obra, O Assobiador é descrito como "um livro com um mar secreto no coração de uma
personagem lágrima, um comboio de doçura num caixeiro convidado, e tantos mistérios que
compõem a solidão na voz densa de um homem que assobia..."(ONDJAKI, 2002, p. 113). E o
livro é isso, a transformação das personagens a partir do assobio de um desconhecido, sem
nome, sem passado, sem destino:
Uma produção mais recente, o livro de contos Sonhos azuis pelas esquinas, de 2014
(também em Portugal), surpreende o leitor que aguarda a relação entre escritor angolano e
narrativas sobre Angola. Já no índice, os títulos dos contos apontam caminhos diferentes:
Buenos Aires, Budapeste, Madrid, Giurgiu, Gorée, Macau, Praga, Oaxaca, Nairobi,
Zanzibar, Shangai, Ouagadougou, Dar es Salaam, Siena, Moçâmades, Laranjeiras, Tânger,
Santiago de Compostela, Massoxiangango, Mussulo. Vários lugares espalhados pelo globo
dão a exata noção daquilo que falava Mia Couto, sobre o escritor que pode atravessar
fronteiras. É possível vislumbrar o escritor (ou um escritor), como no conto Budapeste,
narrado por alguém que faz a viagem Lisboa-Budapeste para lançar um livro, mas o que
prevalece é uma narrativa misteriosa, sobre um alfarrabista húngaro que vive em Lisboa, um
anão, um ator morto, e mensagens anônimas que chegam ao escritor.
Em outro texto, ainda a ser publicado128, faço uma análise da obra Campo de trânsito,
do escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho. Embora a minha análise naquele texto
aponte para a relação existente entre a obra e a história de Moçambique no pós-
independência e os campos de reeducação criados pela FRELIMO - hipótese que ainda
sustento -, é importante ressaltar a opção de Borges Coelho pela não localização espacial e
temporal da sua narrativa. O escritor, também professor de História, possui uma vasta obra
ligada ao espaço moçambicano, como As duas sombras do rio (2003), ou os dois livros de
contos Índicos Indícios I. Setentrião, e Índicos Indícios II. Meridião, ambos publicados em
2005. No entanto, em Campo de trânsito essa referência fica em aberto, como dizendo ao
leitor que as ações que fazem parte daquela narrativa são próprias de seres humanos, e que
aquilo que consideramos absurdo, no tratamento dos presos, por exemplo, não é uma
particularidade africana ou moçambicana, pode acontecer em qualquer lugar.
128 O texto "A ausência enquanto silêncio ou a invisível transformação: reflexões sobre Campo de trânsito, de
João Paulo Borges Coelho" faz parte de uma coletânea organizada pelos professores Silvio Renato Jorge e Re-
nata Flávia da Silva, a ser publicada pela EDUFF.
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129 No romance Rainha Ginga (2014), Agualusa, embora traga no título a grande personagem da história ango -
lana do século XVII, aponta em seu subtítulo - “e de como os africanos inventaram o mundo” -, esse olhar para
fora, tanto que é a personagem do padre pernambucano que assumirá o foco central da narrativa.
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O que quero deixar aqui como reflexão - tanto para a escrita literária, como para o
trabalho da crítica - é tentarmos compreender os porquês que envolvem essa cobrança
identitária quando falamos das literaturas africanas. E volto as proposições de Mia Couto:
Nessa visão caberia ao escritor africano provar o que é através das suas obras. provar
que não é um "parasita", para retomar Silviano Santiago, que está desligado do Ocidente, do
Norte, da Metrópole, ou seja, completamente independente. Ironia a parte, independência na
dependência de ser o modelo pensado e construído de uma ideia singular de África.
É interessante observar que em uma palestra intitulada "O perigo de uma história
única", a escritora nigeriana Chimamanda Adichie também fala nessa suposta “autenticidade
africana”, quando conta sobre a sua chegada nos Estados Unidos e a surpresa de sua colega
de quarto, quando descobre que ela fala inglês, sabe usar um fogão e tem como música
"tribal" um cd da Mariah Carey.
Portanto, evidenciar essas falas é chamar a atenção para o quanto o discurso sobre a
"autenticidade" do outro é nada mais do que o estereótipo travestido de lugar de fala que o
Ocidente “concede” à África. Nesse sentido, as formas de ruptura com os rastros das
memórias que construíram essas literaturas, configura-se como um salto importante para um
novo movimento de olhar para as produções africanas em língua portuguesa, pensando essa
desnacionalização, tanto da produção literária, como a da própria crítica, que parece ler a
História e a Memória nas literaturas africanas de língua portuguesa, antes mesmo de ler o
título da obra (e aqui faço, obviamente, a mea culpa).
Referências bibliográficas
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Revista dos tribunais LTDA. 1990.
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Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/09/1511606-a-literatura-
brasileira-a-luz-do-pos-colonialismo.shtml
SCHMIDT, Rita Therezinha. “Disputas e impasses no campo minado”. In: Travessia (UFSC),
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TAVARES, Ana Paula. "Contar Histórias". In: Lendo Angola. Porto: Edições Afrontamento,
2008, pp. 39-50.
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Sendo assim, as questões que pretendemos abordar neste trabalho partem da condição
de que há um gesto do olhar, movimento dos olhos que constitui a visão, pois “Só se vê o que
se olha”, nos ensina Merleau-Ponty (2004, p. 16); mas também partem de uma outra
condição, desdobrável da anterior, que estabelece que tal gesto não se dá como um
movimento gratuito, uma ação aleatória, mas sim como uma antecipação da própria visão no
olhar, como uma possibilidade que se sugere ao olho antes mesmo que ele se fixe no seu
objeto. Dessa forma, olhar e visão se fundem como “partes totais do mesmo Ser” (Ibidem, p.
16), ser vidente que se incorpora no ser visível, imbricada dialética que recobre aquilo que é
visto com a descoberta daquele que vê. Daí a possibilidade de pensarmos em fronteiras,
margens, limites onde as condições se invertem, onde o que vê torna-se o que é visto e o que
é visto torna-se o que vê, frestas afiadas que, acreditamos, são também uma condição de
poesia, ou de alguma poesia, e através das quais se insinuam também algumas imagens e
algumas memórias, definindo assim certas perguntas a serem exploradas: Onde afinal se
situam tais frestas? O que escondem e o que deixam vislumbrar em suas múltiplas condições
de imagem, memória e poesia?
Uma primeira hipótese, que alimenta todas as outras, sugere que se busque tais frestas
em um poema, esse lugar fronteiriço, extremo, propício às condições das quais partimos e às
quais retornamos insistentemente. Nossa exploração começa, então, por um poema de Sérgio
Alcides, poeta, ensaísta e professor que tem se destacado no contexto da poesia e da crítica
literária brasileiras contemporânea. O poema intitulado “Está caindo” se aproxima das
questões inicialmente levantadas sobre a visão e o olhar e as lança adiante, em novos
desdobramentos que buscaremos indicar a partir dos versos transcritos a seguir:
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– através – a poesia.
Já no primeiro verso nos deparamos com um olhar que se conjuga com um querer,
uma ação atrelada a uma vontade ou desejo que se antecipa nela, determinando-a e
moldando-a. A visão já conhece seu objeto, já o pressente antes mesmo dele se concretizar no
olhar, é capaz de medi-lo e especificá-lo entre as variáveis possíveis. E as variáveis se
apresentam, pois o objeto em questão é o que poderíamos chamar de um objeto complexo
para a visão, não algo que se coloca no mundo natural “da circunstância”; não algo que
“naturalmente” se coloca “do outro lado da vista”, reforça o poema; mas algo que constitui a
própria visão, ou se situa dentro dela, ou mesmo a precede: a lente, imagem que se abre a
figurações igualmente ricas em desdobramentos.
Uma delas, de natureza metonímica, nos faz pensar na parte de uma câmera, na lente
como ponto de convergência de um olhar e de um objeto, fronteira onde ambos se encontram
e implicam, submetidos a esse artefato que acentua suas delimitações: o olhar recortado pelo
enquadramento da imagem; o objeto também recortado nesse mesmo enquadramento. Tal
lente, fotográfica ou cinematográfica – e tal diferenciação não nos parece particularmente
relevante no momento, e nem pretendemos explorá-la aqui, apenas confessar desde já que o
olhar detido e concentrado que prevalece no poema e a atenção voltada à “circunstância”,
com sua natureza momentânea e particular, definem uma predileção pela fotografia –, tal
lente, concentração da câmera em sua máxima potência ótica, introduz novas questões dentre
as quais escolho uma: sua natureza técnica, instrumental, associada a uma ação consciente e
planejada; questão que, introduzida, nos faz pensar em Walter Benjamin e seus escritos sobre
o tema, sobre sua natureza técnica, mas também – e uma nova questão brota da anterior –
mágica; escritos dos quais destacamos o trecho a seguir, que se detém na imagem fotográfica
e no dispositivo que a produz:
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para trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é
outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado
conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre
inconscientemente. [...] Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como
só a psicanálise revela o inconsciente pulsional. (BENJAMIN, 1994, p. 94)
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Mas de onde vem essa inevitável poesia? De que fresta ela surge, sem poder ser
ignorada? De que fenda ou fissura? Afinal, como o verso destaca, a poesia não é a ranhura,
mas no entanto se deixa surpreender através dela; como a magia que se revela no
chamuscamento da foto, na sua falha, na sua falta, mais do que no detalhe imperceptível da
imagem. E é preciso insistir nessa negatividade, nesse caráter de perda que parece presidir as
ações e objetos desta leitura, e que sugere uma chave para uma compreensão profunda desses
fenômenos: a instituição de presenças incontornáveis a partir de ausências, positividades que
se impõem a partir de negatividades, o caráter falível de um instrumento que se afirma
justamente pela sua precariedade. E o poema em questão não se furta a essa reviravolta
dialética que lhe confere essa condição ambígua, paradoxal, de uma negatividade positiva.
Afinal, à impossível invisibilidade da poesia que se revela através da ranhura se soma a
poeira-poesia (feliz paronomásia) que cai e cobre, por fim, as mercadorias, sendo ao mesmo
tempo uma adição e um resto; índice da passagem do tempo, mas que se assenta sobre essa
lapso e assume seus contornos, destacando sua forma.
Nos deparamos assim com um objeto que revela, mais do que sua forma acabada, a
forma do instrumento que lhe deu acabamento, e que se desenha no vazio que resta após a
lapidação ou escavação. Pensamos aqui na leitura que Georges Didi-Huberman (2009) faz da
obra do escultor italiano Giuseppe Penone, cujas mãos se imprimem nos vazios que
provocam na matéria prima com que o artista trabalha, como um rio que se pode entrever nas
formas do leito lapidado pelo fluxo das águas, como a marca que resta após o contato, como a
cicatriz que denuncia o formato da lâmina. Ouçamos o que diz o próprio escultor:
A partir da lição de Penone podemos concluir, então, que, se o olhar deseja a ranhura,
encontra a poesia, o fantasma incontornável de uma presença que se manifesta como
ausência, de uma potência que se afirma como falha, de uma linguagem que se constitui
como um silêncio, um sacrifício. E daí talvez certa dimensão sagrada dessa poeira-poesia que
“cobre as mercadorias”, oriunda do sagrado que Georges Bataille (2003) associa às artes que
procuram formas verbais ou figurativas para traduzir as inquietudes do “espírito moderno”,
livres dos limites da representação; formas não substanciais que se caracterizam pela
impossibilidade de permanência, que fogem assim que aparecem, e que não se deixam
apreender totalmente; formas cujos objetos se revelam justamente ao revelarem a
incapacidade dessas mesmas formas para apreendê-los, ponto extremo ou “instante
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Mas as questões levantadas pelo escultor nos lançam outro problema: E se, no lugar
da imagem metonímica da lente que figura a câmera, nos deparássemos com a imagem
metafórica da lente que figura o olho? Um olho com suas ranhuras, como um corpo com suas
cicatrizes, imagens e memórias através das quais brotam outras imagens e outras memórias?
Algo como se a ranhura da lente, as frestas e imperfeições da linguagem, se reproduzissem ou
fossem a reprodução de uma falha prévia que se projetasse no olhar como a visão, e o
movimento metapoético se revirasse sobre si mesmo para encontrar um sujeito que vê e se
projeta no visível. Ou, se insistirmos no paradigma da precariedade, se aprofundarmos seu
corte, algo como se a ranhura do olho, sua falha ou fresta, marcasse justamente a exclusão
desse sujeito de uma linguagem que se quer autônoma, tal como a define Michel Foucault
(2009), para quem a literatura moderna, desde Sade e Hölderlin, se caracteriza pelo seu
trânsito em direção ao exterior, espaço instaurado pelo próprio discurso e que se configura
como um vazio, uma abertura ao infinito por onde se propaga a própria linguagem, ao mesmo
tempo em que o sujeito se fragmenta até o desaparecimento. Diz o pensador francês:
Mas será mesmo tão estável essa condição do eu na linguagem? Afinal, não falamos
de uma dialética tensa, de uma ausência-presença? Por que não pensarmos então em um jogo
anadiômeno, como o que propõe Didi-Huberman (1998) a partir das dialéticas do olhar, de
avanços e recuos, de aparecimentos e desaparecimentos, de superfícies e profundezas? Por
que não pensarmos a partir de um outro poema, diferente do primeiro com o qual iniciamos
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nossa leitura, mas no qual é possível identificarmos rastros das questões que percorreram
aquele e tantos outros? E por preferir pensar assim, a partir da materialidade paradoxal dos
versos, transcrevemos a seguir o poema “Reflexos”, do também poeta, ensaísta e professor
Alexandre Rodrigues da Costa, cuja produção se destaca por explorar as fronteiras entre a
literatura e outras artes:
Sem acontecimentos
que a dissimulem, sem
presença
que a obstrua,
apenas
eu,
e me fere.
Aqui não temos o olhar nem a visão, pelo menos não explicitados no poema, mas
podemos dizer que sobrevive uma condição precária que hesita entra a presença e a ausência.
Afinal, não há acontecimentos nem presença que dissimulem e obstruam algo que, entretanto,
não está; algo que joga aquele jogo de avanços e recuos, aparecimentos e desaparecimentos
do qual falamos há pouco; algo que não aparece mas que, contudo, é inevitável, como a
poesia que “não se podia deixar de ver”. Algo que se mostra de viés, através da máscara
incerta com a qual se nomeia, a máscara da forma poética a que tantos poetas recorrem, “a
fim de fazer do homem só uma multidão, da identidade negativa a multiplicidade positiva ou
a universalidade do ser”, destaca Michael Hamburguer (2007, p. 107): esse eu que retorna
como uma cicatriz na linguagem, a marca de um corpo extirpado, o rastro de sua exclusão;
que retorna como memória, como sobrevivência. Talvez um corpo coletivo, um sujeito
universal que, a despeito de nossas idiossincrasias e de nossa historicidade, concretiza na
palavra nossa humanidade incerta, vacilante e precária, mas um corpo que mais uma vez se
abre a esse dilaceramento, a essa dissolução, reintroduzindo em nossa leitura a questão do
sacrifício, que consiste, segundo Marcel Mauss e Henri Hubert (2005), em um ato religioso
que modifica o estado de quem o efetua ou dos objetos a ele ligados. Aplicada à linguagem,
tal modificação faz nascer a poesia; aplicada ao homem, ou ao nome do homem, ou mesmo
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ao seu pronome, não realizaria uma transformação análoga? Não consagraria sua
individualidade à universalidade de uma condição exemplar, registro de um tempo e um
espaço que devem ser preservados, de impressões que se somam a outras para fundar o
edifício de nossas memórias?
Não falamos aqui das personalidades conhecidas ou das massas anônimas que
pontuam os livros de história, mas daquilo que sobrevive ao mesmo tempo em nossa
individualidade e em nossa coletividade, a memória de vivências e experiências acumuladas
ao longo do tempo e a partir do tempo, da sua passagem e das marcas deixadas por ela, a
despeito da sobrevivência ou não das civilizações.
Assim, desfeitas as máscaras, mais uma vez nos deparamos com uma poesia que se
mostra através: ela que não pode ser dissimulada; ela que não pode ser obstruída; ela que se
nomeia com o pronome para ferir. Mas ferir quem? Inútil responder: o jogo anadiômeno nos
conduzirá pela ferida aberta entre a visão e o olhar, entre eu e me, aberta entre a linguagem e
o corpo, entre o indivíduo que fere a página com a escrita e a humanidade que o atravessa em
direção ao texto; feridas que se sobrepõem umas às outras, que se penetram e implicam;
ranhuras nas lentes, nos olhos, nas peles; recordações por onde brota e resta, inelutável, a
poesia.
Referências
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130Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (2008). Atualmente é professor adjunto da Universi -
dade do Estado de Mato Grosso e Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da
Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Goiás sob orientação do Prof. Dr. Flávio Pereira Camargo.
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Júlia Lopes irá desenvolver idéias inovadoras, incentivando estas mulheres ao trabalho e à
instrução, antevendo possibilidades de a mulher se libertar da sua condição subalterna.
Estrategicamente, Júlia Lopes buscou equilíbrio no contexto oitocentista desfavorável à
mulher; ela, através de uma escrita caracterizada por posições de avanços e recuos, usou
estratégias discursivas que contribuíram para uma maior consciência acerca da condição
feminina brasileira no apagar do século XIX. O jogo discursivo entre o avançar e o recuar foi
uma das estratégias encontradas por Júlia Lopes de Almeida para ser reconhecida e aceita
junto à hegemonia patriarcal na sociedade da época. Júlia Lopes, estrategicamente, aceita
mostrar para suas pares que as mudanças da condição feminina, primeiramente, deveriam
partir de suas atitudes de liberdade, da independência via trabalho profissional e da instrução.
À época, o discurso ambivalente de Júlia Lopes de Almeida, isto é, o discurso que se
apresentava como politicamente agradável à burguesia carioca, usa uma linguagem
construída na sutileza do dizer e do não-dizer, um discurso escondido nas malhas frágeis do
contar estórias e narrar fatos.
INTRODUÇÃO
A mulher brasileira conhece que pode querer mais, do que até aqui tem
querido; que pode fazer mais, do que até aqui tem feito. Precisamos
compreender antes de tudo e afirmar aos outros, atados por preconceitos e
que julgam toda a liberdade de ação prejudicial à mulher na família,
principalmente dela, que necessitamos de desenvolvimento intelectual e do
apoio seguro de uma educação bem feita. (ALMEIDA, 1897, p. 3)
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Não é sem algum espanto que eu escrevo este artigo, para um jornal novo, e,
de mulheres! (...)
A mulher brasileira conhece que pode querer mais, do que até aqui tem
querido; que pode fazer mais, do que até aqui tem feito. Precisamos
compreender antes de tudo e afirmar aos outros, atados por preconceitos e
que julgam toda a liberdade de ação prejudicial à mulher na família,
principalmente dela, que necessitamos de desenvolvimento intelectual e do
apoio seguro de uma educação bem feita.
Os povos mais fortes, mais práticos, mais ativos, e mais felizes são aqueles
onde a mulher não figura como mero objeto de ornamento; em que são
guiadas para as vicissitudes da vida com uma profissão que as ampare num
dia de luta, e uma boa dose de noções e conhecimentos sólidos que lhe
aperfeiçoem as qualidades morais.
Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora dos seus deveres,
marcará, funda indestrutivelmente, no espírito do seu filho, o sentimento da
ordem, do estudo e do trabalho, de que tanto carecemos (ALMEIDA, 1987,
p. 03).
No Brasil do século XIX, assim como Júlia Lopes de Almeida, várias escritoras
tiveram importante papel na literatura oitocentista. Em seus escritos, elas deixaram reflexões
que indicam as dificuldades da trajetória do feminino. Ao valorizar a educação, elas
procuraram redimensionar o papel e a posição da mulher na sociedade e nas funções
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DESENVOLVIMENTO
A primeira narrativa brasileira, que ficou conhecida pelo público, tem como
personagem feminina Carolina, em A Moreninha (1944), de Joaquim Manoel de Macedo, e
dá origem ao mito sentimental; logo depois, a imaginação do escritor brasileiro vai se
espraiando na busca de narrativas que representem o tempo, o espaço e a personagem
feminina perfeita:
Sob a ótica dessa nova interpretação literária, ou seja, a da crítica feminista, o sim de
Maria, tradicionalmente considerado submisso, pode transformar-se em ousadia, fortaleza e
independência, pois Maria, por vontade própria, enfrenta inúmeros problemas à época: o
preconceito social, o risco de ser apedrejada, de perder o marido, entre outros. E, ainda assim,
deu-se ao direito de dizer sim a novos e maiores problemas que viria a sofrer para fazer
cumprir as escrituras, ou seja: conceber Jesus e conduzi-lo por trinta e três anos.
A ação de Eva e Dalila também pode ser analisada por outro ângulo na visão literária
da crítica feminista. Elas podem tornar-se marco inicial de uma nova visão de mundo: a
mulher tida como submissa e recatada, além de indefesa, descobre-se parceira do homem,
pois, como parte dele, já que veio de sua costela, é também forte e capaz, igual a ele.
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Os escritores podem nos passar essas ou outras concepções em seus diversos escritos,
pois, como diz Antonio Candido:
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto
numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de
vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela
convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam
como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos ainda que,
o externo (no caso o social) importa, não como causa, como significado,
mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição do
escritor [a], tornando-se, portanto, interno (1985, p. 04).
A partir dessas considerações de Valéria de Marco, não podemos negar, portanto, que
há uma estreita relação entre a consolidação do romance e a figuração da personagem
feminina, pois ambos percorreram muitos caminhos até chegarem a ocupar o lugar merecido
na literatura. Podemos dizer que a figura feminina dos escritos literários de hoje é a soma das
múltiplas interpretações e desconstruções da escrita literária ao longo dos tempos.
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Caramuru (1781), de Frei Santa Rita Durão, que ilustra a dor de não aceitar a perda do
homem amado e prefere morrer nadando; além de muitas outras personagens épicas e líricas
que marcaram a nossa literatura antes do romance.
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coletivo e torna-se político, universalizando a experiência feminina quando esta dialoga com
as estórias de mulheres escritoras.
A autoria masculina, por sua vez, constrói o enredo atribuindo características do ser
mulher a partir da visão falocêntrica, ou seja, como o feminino deve ou não deve proceder no
universo imaginado pelo masculino.
Nessa perspectiva, temos, na obra Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934), em pleno
século XIX, uma ficção romanceada que tem a mulher como centro da narrativa. Através das
personagens, Júlia Lopes irá desenvolver idéias inovadoras, incentivando estas mulheres ao
trabalho e à instrução, antevendo possibilidades de a mulher se libertar da sua condição
subalterna.
O jogo discursivo entre o avançar e o recuar foi uma das estratégias encontradas por
Júlia Lopes de Almeida para ser reconhecida e aceita junto à hegemonia patriarcal na
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sociedade da época.
Júlia Lopes, estrategicamente, aceita mostrar para suas pares que as mudanças da
condição feminina, primeiramente, deveriam partir de suas atitudes de liberdade, da
independência via trabalho profissional e da instrução.
Enquanto a maioria das mulheres era somente instruída por preceptoras, ou nos
colégios particulares, nos quais elas recebiam uma formação escolar modelar, patriarcal, Júlia
Lopes, desde cedo, se interessou pela literatura. Devido a sua educação e a influência de seu
núcleo familiar; já mostrava sua inclinação para a escrita, embora não fosse de bom tom que
a mulher se dedicasse a esse ofício. Por isso, fazia versos escondidos, como revelou ao
escritor João do Rio, em entrevista reproduzida n’ O Momento Literário:
Pois eu em moça fazia versos. Ah! Não imagina com que encanto. Era como
um prazer proibido! Sentia ao mesmo tempo a delícia de os compor e o
medo de que acabassem por descobri-los. Fechava-me no quarto, bem
fechada, abria a secretária, estendia pela alvura do papel uma porção de
rimas... De repente, um susto. Alguém batia à porta. E eu, com a voz
embargada, dando voltas à chave da secretária: já vai! A mim sempre me
parecia que se viessem a saber desses versos, viria o mundo abaixo. Um dia,
porém, eu estava muito entretida na composição de uma história, uma
história em verso, com descrições e diálogo, quando ouvi por trás de mim
uma voz alegre: – Peguei-te menina! Estremeci, pus as duas mãos em cima
do papel, no arranco de defesa, mas não me foi possível. Minha irmã,
adejando triunfalmente a folha e rindo a perder, bradava: – Então a menina
faz versos? Vou mostrá-los ao papá! (RIO, 1994, p. 28).
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Nesse contexto histórico, é interessante considerar que Júlia Lopes de Almeida tenha
estreado na imprensa por incentivo do próprio pai, que ela temera pudesse castigá-la pelo
possível crime de escrever versos. Foi em 1881, com um artigo sobre Gemma Cuniberti, atriz
italiana que fazia teatro infantil no Brasil, publicado na gazeta de Campinas, sua estréia nas
letras. Depois, foi convidada a escrever em outros periódicos, como A Semana, quando
conheceu Filinto de Almeida, com quem se casaria.
Pois bem. Foi mais ou menos nesse meio que conheci Júlia Lopes; e mais
uma vez confesso que chamou-me a atenção aquela moça que sempre
respondia com um sorriso a todos que a cumprimentavam, ao passo que as
outras, ou não respondiam, ou faziam-no com um simples inclinar de
cabeça, severo, patriarcal; que sabia conversar tão bem com um homem
sobre artes ou literatura como, sobre costura e bordado, com uma mulher;
que distinguia-se, enfim, tanto de suas companheiras pelos modos gentis e
delicados, pela educação e modéstia, que forçoso era admirá-la (SHARPE,
1999, p. 15).
Como Peggy Sharpe, sabemos que essa facilidade de transitar “livremente” entre o
espaço masculino e o feminino não fora obra do acaso. Pois a educação esmerada e
diferenciada é uma característica marcante na formação da família do Visconde de S.
Valentim, uma vez que todos os membros de sua família eram envolvidos com atividades
artísticas como literatura e música.
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Júlia Lopes casa-se em Lisboa no dia 28 de novembro de 1887 com o poeta português
Filinto de Almeida, naturalizado brasileiro. Coincidentemente, parece que a vocação de
escrever uniu Júlia Lopes a Filinto de Almeida com quem viveu, por quase cinqüenta anos,
até 30 de maio de 1934, data de falecimento da escritora.
Júlia assumiu, em sua vida particular e em toda sua obra, a idéia precípua de que a
mulher deve ser instruída para poder desempenhar sua função social, em especial no que se
refere à educação dos filhos. Sua escrita reflete a luta constante contra a idéia de que uma
mulher reclusa e ociosa, voltada somente para os afazeres domésticos, seria apenas sombra
do sujeito que poderia e deveria realmente ser.
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CONCLUSÃO
Sendo que a escrita de autoria feminina vai muito além do significante, ou seja, a
escrita feminina está posta como forma, primeiramente; mas que, para se chegar ao real
problemático do feminino na escrita, é preciso levar em conta a condição feminina e como se
possibilita tal escrita com as questões históricas e culturais do feminino.
Júlia Lopes de Almeida foi bastante política no sentido de conseguir manter-se, bem
aceita, numa sociedade onde o simples fato de uma mulher expor seu pensamento, fosse
escrevendo ou de qualquer outro modo, era considerado uma grande ousadia.
Sua aceitação também pela crítica da época é visível e a coloca entre os maiores
escritores de seu tempo, como o crítico José Veríssimo afirma: “com seu novo livro A
Falência a senhora D. Júlia Lopes de Almeida toma decididamente seu lugar (...) entre nossos
romancistas” (VERÍSSIMO, 1910, p.141). Será ele, José Veríssimo, quem a equipará a
Taunay, Aluísio de Azevedo, Machado de Assis e acima de Coelho Neto:
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Júlia Lopes de Almeida, interagindo com seu contexto histórico e social, procurou
questionar, por meio de suas personagens, a condição feminina de sua época. O caminho
percorrido por ela não é só individual, mas pareceu sinalizar um novo percurso a ser trilhado
também por outras mulheres na busca de um lugar onde, juntamente com os homens,
pudessem usufruir uma melhor eqüidade entre os sexos. Nesse caminho, Júlia Lopes de
Almeida tem seu reconhecimento literário no fim do século XIX e início do século XX na
chamada Belle Époque carioca.
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WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Círculo do livro: 1994.
Resumo: os estudos voltados à poesia para crianças, na literatura brasileira, têm concordado
quanto ao aspecto lúdico do gênero que desenvolve a surpresa das imagens incomuns,
alertando para a aproximação do pensamento infantil à criação poética. Esta pesquisa discute
essa relação entre poesia e infância, partindo de uma retomada dos principais autores e obras
voltadas à poesia para crianças na crítica nacional, com o objetivo de compreender os
modelos de trabalho apontados e como se tem discutido a especificidade desse gênero
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Introdução
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Os teóricos que se aventuraram pela poética partiram dos ensinamentos dos estudos
da poética clássica, dando sequência às primeiras formulações de Aristóteles. Segundo o
filósofo, “imitar é natural ao homem desde a infância” (1997, p. 21), por isso poiesis constitui
em sua essência uma imitação da ação humana, mas que varia conforme a seriedade ou não
das ações a serem imitadas. Ações nobres devem constituir em gêneros maiores, como a
tragédia e a epopeia, e ações ridículas, na comédia. Muito diferentemente do modo como
entendemos uma forma de poema na contemporaneidade, o filósofo chama de poema todas as
artes imitativas de ações, tais como a pintura, a escultura, a tragédia, a comédia, a epopeia, a
lírica, a dança e a música. A imitação, por meio das narrativas e dos gestos, é contemplada na
poesia e no teatro e a imitação somente de gestos é representada na dança, enquanto a de sons
e ritmos estão na música. Ao enfocar as ações nobres, o autor privilegia o estudo da tragédia,
deixando de lado a comédia e a lírica, essa última por vê-la essencialmente relacionada à
música.
Por sua natureza imitativa e ao mesmo tempo criativa, a poesia para crianças não
destoa das formas de composição da poesia não-infantil. O poeta para crianças, não se
pretendendo trágico, não irá imitar ações nobres, mas poderá ter preferência pelas ridículas, a
fim de alcançar o humor, ou ainda poderá fazer da musicalidade e do ritmo do poema uma
parte essencial de sua composição, buscando a harmonia imitativa no jogo da imagem poética
que aproxima poesia e infância.
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figurado, um sentido que não precisa ser especificamente metafórico, mas pode ser alegórico
ou simbólico.
A teoria de Vico, ao mostrar que a mitologia deve ser entendida, não como retórica,
mas como expressão do pensamento dos homens primitivos, ou seja de modos singulares de
ver o mundo em tempos antigos, descortina uma nova ciência, um novo modo de
compreender o pensamento dos fundadores das nações. Nas narrativas míticas, o homem
primitivo expressa o seu modo de entender os fenômenos naturais e tudo aquilo que não lhe
era possível entender de outra forma que não fosse por meio da fantasia, por isso sentiram
necessidade de dar vida a deuses, assim como crianças dão vida a objetos de brinquedos.
O poema visto como um convite ao jogo traz palavras que são experimentos. O
vocabulário simples e usual poderá ganhar significações insólitas; a comparação e a metáfora
poderão unir o que logicamente é inconciliável. Desse modo, a poesia assume características
defendidas pela teoria dos formalistas que exaltam o estranhamento provocado por uma
linguagem autocentrada. Não somente o estranhamento, mas traços modernistas, como
irreverência, humor, poemas breves, poema em prosa, poemas piada, presentes na produção
atual, são também refletidos na poesia para crianças de modernos e contemporâneos como
Manoel de Barros, Elias José, José Paulo Paes, Luís Camargo, Roseana Murray, entre outros.
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Paz explica a lógica da imagem poética do mesmo modo como percebe o pensamento
infantil, ou seja, um sentido que se faz sem racionalizações. Para as crianças é difícil alcançar
a abstração do pensamento matemático, por isso exemplifica que é com espanto que uma
criança recebe a informação da equivalência entre um quilo de pedras e um quilo de plumas.
No poema, o poeta também opera de modo similar, poderá igualar ou distinguir um quilo de
plumas e de pedras, mas não influenciado por uma lógica das ciências naturais ou
matemáticas que o fará comparar pesos, mas levado a pensar pela lógica do poema, pelo
sentido que a imagem possui para ele. Para o poeta, um quilo de plumas suaves, macias e
sonhadoras, não é igual a um quilo de pedras rudes, pesadas e concretas. Apenas poderiam
ser imagens identificadas se o simbolismo da pluma e da pedra fosse único, que fizesse
despertar no poeta sentimentos de mesma proporção.
A realidade poética da imagem não pode aspirar a dizer a verdade, mas sim o que é
verossímil, ainda que impossível, assim como se mostra a imaginação da criança (PAZ, 1990,
p. 421). Esse mesmo sentido da imagem poética é explicado nos versos de Manoel de Barros
em Livro sobre nada: “A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá/ Mas não
pode medir seus encantos” (1996, p. 53).
Mais do que arte da retórica, a poesia alcança para Paz um sentido mágico-religioso:
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contemporâneas
Nessa operação que consegue pôr o homem fora de si mesmo; fazê-lo enxergar e
enxergar-se em situações que não conhecia, a poesia pode despertar no leitor o
reconhecimento de sua humanidade e fazê-lo experimentar a vida em sua forma mais
completa e verdadeira. Por esse alcance, Paz afirma ser a poesia a forma natural de
convivência entre os homens; é ela que vai nos ajudar a descobrir quem realmente somos
(1990, p. 45). Daí a importância primordial do poeta para a construção da cultura, para a
inscrição do homem e seus símbolos e também a importância do envolvimento das crianças
com o poema. Assim, entendemos que a imagem poética não se explica, não pretende ser
explicada tão somente, mas sobretudo sentida, aprendida, experimentada, vivida como a
proposta de um convite à brincadeira.
A poesia como forma artística que se aproxima do pensamento infantil também foi
considerada por críticos da área que assim como Glória Maria Fialho Pondé observaram que
a poesia faz parte da infância do ser humano. Em seu estudo sobre o tema, a autora ressalta
que tanto a criança quanto o poeta se enveredam pela criação de novas linguagens, dando
vazão a uma lógica particular (1986, p. 126). A magia natural da poesia é vista como aliada
característica que revela a rejeição do universo autoritário do adulto. Assim, a autora
reconhece nos efeitos cômicos, lúdicos e absurdos da poesia infantil “a perplexidade do
jovem diante da lógica adulta, sugerindo mais uma contestação do que acomodação” (1986,
p. 131).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Na busca dessa relação entre poesia e infância, recorremos aos principais autores que
trilharam o caminho da poesia em solo nacional. Os primeiros autores que se voltaram à
produção de poesia para crianças no Brasil acompanharam o clima de valorização da
instrução da escola e a tarefa patriótica que marcavam a literatura infantil do momento.
Zalina Rolim, que já em 1893 incluíra alguns poemas no seu livro Coração, em 1897 publica
o Livro das crianças em parceria com João Köpke. Em 1904, Olavo Bilac, publica Poesias
infantis e em 1912 Francisca Júlia e Júlio da Silva lançam Alma infantil. Ao lado desses
títulos, também estiveram presentes antologias folclóricas e temáticas produzidas com o
objetivo de constituírem material adequado para celebrações escolares. Ainda que nascida
sob a insígnia da doutrinação, atendendo às propostas de um projeto político e ideológico que
convocava escritores parnasianistas a esse propósito, essas obras possuem valor literário e
documental. Contudo, correm o risco de não proporcionar à criança o voo da imaginação,
devido às exigências dos autores que deveriam submeter-se aos ditames do contexto de
nacionalização da literatura.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Contudo, essa produção para crianças não é esquecida pela crítica, pois costuma ser lembrada
nas comparações em que se pretende destoar da produção contemporânea, como é o caso do
poema A pátria, de Olavo Bilac. Na ordem do imperativo reconhecemos o tom da poesia
ordenadora que se quer respeitada e seguida, como a voz do adulto: “Ama, com fé e orgulho,
a terra em que nasceste!/ Criança! Não verás nenhum país como este! (BILAC apud
LAJOLO; ZILBERMAN, 1984, p. 39).
Poemas como esse de Bilac devem ser lidos dentro do contexto de sua produção,
pensados como uma produção no estilo parnasiano e que atende a um projeto político e
pedagógico que corresponde a interesses governamentais. Contudo, para o envolvimento do
leitor é necessário que essa poesia passe por uma transcriação no ler e no criar, na recriação,
de modo que a criança possa reconstruir o poema como um espaço de descobertas
convidativo à interação. Essa recriação e rompimento com a poética tradicional se dá,
conforme Zilberman e Lajolo, aos poucos, desvencilhando-se do recorte didático e
pedagógico, seguindo o mesmo caminho da poesia não-infantil. Segundo as pesquisadoras, o
rompimento com o universo ideológico em que se movia a poesia de tradição bilaquiana
deflagra uma reviravolta formal que tem afinidades com a “poética da modernidade na qual
já se move a poesia não-infantil desde os anos 20” (1984, p. 146). Autores como Sidônio
Muralha, Cecília Meireles e Vinícius de Moraes são exemplos dessa nova poética que se
liberta das imposições ditáticas e ideológicas, deixando voar a imaginação da criança no jogo
da imagem poética. Contudo, a crítica de Vera Teixeira de Aguiar e João Luís Ceccantini
considera que muitos dos poetas infantis importantes e ainda ativos do século XXI iniciaram
sua produção nas últimas décadas do século XX, ou seja, “estão ainda influenciados por
temas e formas do século passado em um movimento que é muito mais de continuidade do
que de ruptura” (2012, p. 13). A continuidade pode ser vista na produção de poetas em que a
construção lúdica, o humor e a transgressão de formas tradicionais são a permanência desse
caminho trilhado a partir das inovações modernistas.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
estrondejante que exalta deveres cívicos e familiares” (1986, p. 8). Sobre essa adjetivação
conclui,
Embora devendo escapar das restrições que lhe impõe o adjetivo, a poesia infantil
constrói-se formando características próprias. Bordini descreve no nível fônico predomínio
de aliterações e assonâncias, a onipresença de rimas internas e finais, recursos
onomatopaicos, uso de refrão, esquema rítmico simples, marcado pela repetição de metros
regulares e breves, na poesia de origem folclórica, com ênfase nas redondilhas, irregulares ou
ausentes, na poesia culta moderna (1986, p. 63). Assim, embora haja a experimentação
formal, os artifícios de composição, segundo Bordini, se inclinam mais para as fórmulas
efetivas da tradição, em especial a poesia oralizante da tradição folclórica (1986, p. 65). No
que se refere à temática, o poema infantil contempla, de modo geral, temas da vida cotidiana,
os animais (dentre eles em primeiro lugar estão os passarinhos “provavelmente por evocarem
a pequeneza infantil” (1986, p. 65), as meninas e, em segundo plano, os meninos. Por fim, a
autora também defende que a poesia infantil brasileira está emancipada de seu passado
utilitarista e repressor e “ombreia com a grande arte na missão de conscientizar para as
possibilidades criadoras da palavra” (1986, p. 67). Nesse ponto reside o maior alcance dessa
literatura, possibilitar transformações dos elementos da realidade pela criação da palavra, sem
menosprezar o papel do lúdico e o prazer que ele desperta.
Em A poesia pede passagem: um guia para levar a poesia às escolas, Elias José parte
da afirmativa de que a poesia é um jogo de linguagem, um jogo cheio de fantasia que espera
ser jogado. Sem a intenção de tratar de teorias afirma que seu livro era para ser só um
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depoimento sobre seu trabalho, “misturando fala de poesia com vivencias, linguagem de
explicar com linguagem literária, mas...” (JOSÉ, 2003, p. 11). O poeta e autor relaciona
poesia com a realidade com outras artes, com a poesia e o poema, tratando também de sua
função metalinguística, do significado e da fantasia que envolve a palavra poética. Sua
definição de poesia infantil está comprometida com o lúdico, com a descoberta prazerosa do
poema:
Quer o jogo envolva a sonoridade, quer envolva a imagem, a abertura do poema deve
iniciar pela porta do prazer. Conforme assinala Maria da Zilda Cunha, há vários modos de
abordarmos o poema (o modo lexical, o sintático, o fônico o semântico), mas a criança desde
muito cedo aprecia o reino do lúdico. Portanto, qualquer desses modos de adentrar no poema
deve permitir alcançar esse reino. Considerando a importância de despertar no aluno o prazer
no ler e no criar, Maria Lúcia Gonçalves Balestriero (1998), organiza e aplica em pesquisa de
doutorado diferentes atividades com alunos de 5ª série, pensadas de acordo com os níveis que
participam da estruturação do poema. Por exemplo, no trabalho com o nível fônico, a autora
inclui atividades com a rima, o ritmo, a sonoridade. Já com o nível semântico, inclui a
liberação do imaginário e no sintático traz propostas envolvendo a espacialização, com
caligramas, anagramas, desenhos, etc.
Para o exercício do jogo, buscamos a poesia para crianças de três poetas do contexto
nacional e atual da literatura brasileira e que trazem em comum o trabalho original e
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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convidativo com a imagem poética: Manoel de Barros (1916-2014); José Paulo Paes
(1926-1998) e Luís Camargo (1954-).
A poesia para crianças de Manoel de Barros ganha destaque com Exercícios de ser
criança, obra em que presenciamos a criança tornar-se conteúdo dos dois poemas que seguem
na obra O Menino que carregava água na peneira e A menina avoada. A temática da infância
é mostrada como um exercício de liberdade, liberdade de agir e de falar, liberdade de
fantasiar a criação de um mundo em que é possível até carregar água na peneira. As
transformações sugeridas no poema permite ao leitor imaginar-se em transformação com o
personagem criança, capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. As palavras
são as chaves para a porta da liberdade, por isso o menino aprendeu a usar as palavras para
exercer sua liberdade de ser criança. “Fazer peraltagem com as palavras” é o seu exercício,
exercício também proposto ao leitor.
O pensamento infantil faz o que parece ser em vão, aos olhos de uma sociedade
tecnicista e utilitarista. A poesia para crianças se atém ao supérfluo, ao despropósito, que
resiste ao consumismo da fala simplificada, prática e útil. Assim, “carregar água na peneira”
que também era o mesmo que “roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos
irmãos”, o mesmo que “catar espinhos na água”, o mesmo que “criar peixes no bolso” é,
sobretudo, libertar-se do mundo adulto. A poesia desse modo se mostra como o fazer
desnecessário, mágico que contraria a lei da gravidade, da razão, das ciências e do
racionalismo que marca a humanidade.
De modo diferente, mas também elucidativo do pensamento infantil, José Paulo Paes
trabalha a linguagem convidativa à brincadeira com as palavras, como presenciamos no
poema Convite, em Poemas para brincar. O autor “assume a bandeira de uma poesia
bastante lúdica e de exigente artesanato” (AGUIAR; CECCANTINI, 2012,p. 34). Conforme
ele próprio esclarece:
Não menos lúdica, a poesia de Luís Camargo volta-se à imaginação infantil, propondo
uma leitura de imagens, formas e cores em que o leitor deve reconhecer não somente a
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mensagem das palavras, mas o significado de desenhos e pinturas que o poeta ilustrador
trabalha em coerência intersemiótica com sua proposta de poesia.
Sem intentar um trabalho comparativo desses três diferentes poetas, a proposta com
poesia infantil pretende focar a imagem como forma de apresentação de realidades contrárias
que são identificadas ou distanciadas, conforme o jogo metafórico proposto. Se aceitamos,
conforme exemplifica Paz (1990, p. 47), que o poeta não descreve a cadeira, mas coloca-a
diante de nós como no momento de sua percepção, com todas suas qualidades, reconciliando
nome e objeto, propomos um trabalho com o poema que ponha em evidência a percepção da
imagem poética que reconcilia signos e significantes, transcendendo significados usuais para
dar ao leitor a possibilidade da leitura além das palavras, a possibilidade do sonho e do jogo.
Ao propor atividades que não simplifiquem, não intencionem resumir o significado do
poema, mas sim dar margem para que a criança amplie o sentido que se descobre no texto e
se permita dar-lhe forma, contornos e voz.
No momento de leitura, são lidos em voz alta os poemas selecionados, O menino que
carregava água na peneira, de Manoel de Barros, Uma flor e Uma estrela, de Luís Camargo,
e por fim o poema Cadê de José Paulo Paes. Os leitores crianças serão convidados a dar voz
ao poema, buscando diferentes formas e sonoridades no ato de ler. Após a leitura, é proposto
o jogo de investigar os sentidos pela significação das cores, momento em que se propõe
colorir as palavras do poema. Será entregue uma cópia dos poemas e lápis coloridos a cada
criança que será convidada a colorir as palavras que compõem o poema e explicar a escolha
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das cores. Nesse momento, todos serão estimulados a dizer o porquê cada signo trouxe uma
cor diferente e o que as diferentes cores representam para o aluno, de acordo com os
sentimentos que percebem envolvidos no significado das cores.
A criança será orientada a entender que as palavras trazem significados para nossas
vidas, assim como as cores, um significado que não é apenas cultural, mas tem a ver com
nossas emoções, com nossas vivências. Para finalizar, no momento exterior, na concretização
do sentido, cada aluno poderá criar um poema que seja uma resposta aos poemas
apresentados, um poema com despropósitos e imagens absurdas, sem sentido racional do
universo do adulto, ou um poema com imagens de adivinha como de Paes e/ou com imagens
comparativas, como de Luís Camargo.
Nesta proposta, estaremos propondo três nuances do trabalho com a imagem poética.
Essa poderá revelar-se metafórica, trazendo imagens contrárias que são igualadas, como em
Barros; poderá ser comparativa, com imagens aproximadas, como em Camargo e poderá ser
descritiva, voltada a um referente, como em Paes. Desse modo, a imagem poética se desenha
ao leitor em toda sua potencialidade e semantismo, exercitando sua capacidade de
interpretação. Assim, ainda que o professor não as nomeie e ainda que não as explique, elas
existem; ganham vida na leitura da criança. O leitor é estimulado a aprender “fazer
peraltagens com as palavras”, a se valer delas ao seu próprio sabor, sendo levada a entender
que há várias formas e caminhos para estudar um poema e um deles é pelo jogo, pelo lúdico,
porta de entrada para que se chegue a um prazer estético e um passo a mais na construção do
leitor.
Conclusão
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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O poema apreciado pelo prazer da leitura é defendido como um caminho seguro para
a conquista e interação da criança leitora. Manoel de Barros, José Paulo Paes e Luís Camargo
são nomes da poesia para crianças em que o trabalho com a imagem forma o convite à
liberdade de fantasiar e interação com o poema, contrariando a visão de uma sociedade
tecnicista e utilitarista. Sem pretender qualquer finalidade moralizante, a poesia desses
autores se atém ao lúdico, resistindo a qualquer forma de domesticação e submissão. Em
coerência às características estilísticas desses três poetas e também em coerência ao que
discutimos acerca da força criadora da imagem poética e sua relação com o pensamento
infantil apresentamos a proposta com poesia infantil, enfocando a percepção da imagem
poética reconciliadora de significados e convidativa ao jogo.
Referências bibliográficas:
AGUIAR, Vera Teixeira de; CECCANTINI João Luís (Orgs.). Poesia infantil e juvenil
brasileira: uma ciranda sem fim. São Paulo: Cultura acadêmica, 2012.
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO (tradução por Jaime Bruna) 7 ª ed. A poética
clássica. São Paulo: Cultrix, 1997.
BARROS, Manoel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.
_______. Manoel. Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Ática, 1986.
CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Humanitas, 2006.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
“Quem sou eu?” Nao sou o negro do “Navio negreiro”: um olhar sobre o
negro nos poemas de Castrol Alvez e Luiz Gama
Resumo: o presente trabalho visa discutir sobre a vida e obra de Luiz Gama, um dos autores
mais importantes do século XIX, que se destacou sublimemente na luta pelos direitos dos
africanos, povo do qual era descendente. Pretendemos analisar seu lugar no círculo canônico
brasileiro fazendo um comparativo entre a sua poesia resistente e sarcástica e a poesia do
negro-vítima de Castro Alves. Esse trabalho observa porque Luiz Gama tem seus escritos e
feitos ainda pouco discutidos em detrimento de outros autores como Castro Alves que é
considerado o “Poeta dos Escravos” e constantemente revisitado nos espaços acadêmicos e
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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escolares. Nas academias por muito tempo não se falava sobre autores negros e poesia negra
com amplitude. Com novos estudos, a Literatura Afrodescendente vem ocupando seu espaço.
Nesse trabalho faremos um breve passeio sobre a trajetória de vida de Luiz Gama, o espaço
que este ocupa e sobre a poesia-resistente que tinha como principal estilo o sarcasmo,
utilizado pelo autor com maestria. Assim, esperamos que esse autor que possui uma obra tão
rica, seja analisado e estudado com mais amplitude em nosso meio acadêmico e também nos
espaços escolares pela importância de seus escritos e pela contribuição que estes ainda podem
dar no que diz respeito a questões como resistência, poesia, consciência e identidade.
INTRODUÇÃO
Luiz Gama, célebre escritor negro, viveu na segunda metade do século XIX e dedicou
sua vida e sua história em defesa dos(as) negros(as) escravizados em terras brasileiras.
“Perante o Direito, é justificável o crime do escravo perpetrado na pessoa do Senhor”. Com
esta frase pronunciada num momento de indignação, esse poeta, advogado e político reagiu
ao linchamento de quatro escravos que foram condenados por matar um fazendeiro.
A maneira incisiva e peculiar com que este autor utilizava as palavras ajudou diversos
negros e negras a serem libertados(as) quando a aristocracia escravocrata queria manter, a
todo custo, o sistema de exploração desumana impetrada a população negra.
Contemporâneo de Castro Alves, Gama utilizou não só seus versos, mas também
ações práticas no combate a escravidão. Na maioria dos manuais literários a que temos
acesso, a vasta história de Luiz Gama aparece reduzida a um ou dois parágrafos deixando de
apresentar aos leitores uma das mais importantes vozes da Literatura Afro-brasileira.
A escolha de Luiz Gama como sujeito de estudo, se deu pelo fato de que nos círculos
acadêmicos somos acostumados sempre a revisitar os mesmos autores e poetas, muitas vezes,
deixando em segundo plano, diversas vozes e escritores que certamente contribuiriam e
podem contribuir para o enriquecimento de nossa Literatura Brasileira, como foi o caso do
autor de Luiz Gama.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Não menos importante temos os escritos de Luiz Gama que não aparece com tanta
frequência nos estudos sobre Literatura apesar de ter uma obra riquíssima que trazia o(a)
negro (a) como sujeito e não como aquele que necessitava de alguém que o defendesse.
Assim, a discussão sobre esse poeta negro que ocupa um lugar invisível no círculo
acadêmico é de suma importância para o enriquecimento da produção intelectual dando
destaque a quem lutou incessantemente pela liberdade.
SOUZA (2006) discorre que quando nos referimos à Literatura Brasileira, não
precisamos usar literatura branca, porém, é fácil perceber que, entre os textos consagrados
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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como cânone literário, o autor e autora negra, aparecem muito pouco, e, quando aparecem
são quase sempre caracterizados pelos modos inferiorizantes como a sociedade os percebe.
A voz negra autoral foi por muito tempo encoberta e/ou calada pelos modelos
etnocêntricos e excludentes da nossa sociedade que tinha seus propósitos e seus modelos a
serem seguidos sem dar o espaço devido a novas e pulsantes vozes literárias.
Assim temos uma produção que está dentro da literatura brasileira, porque
se utiliza da mesma língua e, praticamente, das mesmas formas, gêneros,
processos e procedimentos de expressão. Mas que está fora porque, entre
outros fatores não se enquadra na “missão” romântica, tão bem detectada
por Antônio Cândido, de instituir o advento do espírito nacional. Uma
literatura empenhada, sim, mas num projeto suplementar (no sentido
derridiano) ao da literatura brasileira canônica: o de edificar, no âmbito da
cultura letrada produzida pelos afro-descendentes, uma escritura que seja
não apenas a sua expressão enquanto sujeitos de cultura e arte, mas que
aponte o etnocentrismo que os exclui do mundo das letras e da própria
civilização. Daí seu caráter muitas vezes marginal, porque fundado na
diferença que questiona e abala a trajetória progressiva e linear da
historiografia literária canônica (DUARTE, 2007, p. 8).
Nossa Literatura vista hoje por alguns como “um elemento importante para a
configuração identitária de setores das elites” (SOUZA, 2005, p. 64) determina quem deve
ser exaltado e quem deve ser esquecido dentro de nossas leituras e em nossa vivência
enquanto conhecedores e/ou estudiosos em literatura.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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do momento em que esse negro literário aparece sempre à margem, ou nem aparece, no
processo da construção social e literária brasileira. Nesse sentido pode-se analisar a
construção da Literatura Negra ou Afrodescendente como uma forma de dar visibilidade e
discutir sobre temáticas a partir do olhar do sujeito participante do processo e não somente
daquele que leu, viu ou tem uma ideia do que foi a história do povo negro uma vez que este é
mantido insistentemente na posição de objeto.
Nesta perspectiva, dentro da Literatura Afro-brasileira surge um nome que a meu ver
representa a resistência e luta em prol da abolição da escravatura. Luiz Gama e sua poesia de
protesto que incomodavam a burguesia escravocrata e destacou-se como importante sujeito
de representação no cenário das lutas abolicionistas. Suas produções servem-nos hoje como
base para estudos que trazem os (as) negros (as) como sujeitos de sua história.
Paulino (2010) ao falar sobre a única obra literária impressa de Luiz Gama, afirma
que esta é uma referência cultural e literária desconsiderada pela história da Literatura
Brasileira durante décadas. Embora tenha ocupado lugar de destaque com sua originalidade
na cultura oitocentista, o poeta Luiz Gama negro pertenceu ao grupo de marginalizados dessa
época, tanto como agente econômico, quanto como agente social e cultural o que parece ter
provocado o “esquecimento” sofrido por sua obra pelo cânone da Literatura ao longo de
praticamente todo o século XX.
Ferreira (2000) discute uma ideia ainda permeada pelo preconceito de quem
reconhecia os escritos de Gama como pioneiros, mas apresentava uma perspectiva de
inferioridade.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Muitos escritores afro-brasileiros, dentre eles Luiz Gama, que ‘ao assumir sua
afrodescendência e invocar a “musa de azeviche” (DUARTE, p 14,2011) mostra a relação de
pertencimento com suas origens. A importante obra de Gama deveria ser estudada mais
profundamente nos espaços acadêmicos e apresentada como um valioso escrito literário na
discussão de cultura e identidade.
Filho de negra africana de descendência muçulmana, Luiz Gama conviveu com ela até
os dez anos de idade e em seus escritos posteriores a descrevia como:
(...) negra, africana livre, da Costa de Mina, (Nagô) de nome Luiza Mahin,
pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto
retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito
altiva, geniosa, insofrida e vingativa. Dava-se ao comercio - era
quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Baía, foi presa como
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Foi rejeitado por diversos compradores pelo fato de ser baiano, pois naquela época ser
baiano era sinônimo de baderna e revoltas. Qualquer senhor de escravos temia todos que
fossem procedentes da Bahia. Acabou ficando sob o julgo do alferes Antônio Pereira Cardoso
– negociante e contrabandista que tentou vender Gama sem sucesso.
Aos 17 anos aprendeu a ler e escrever com um hóspede do Sr. Cardoso. Em 1848,
sabendo ler e escrever e tendo obtido “ardilosa e secretamente provas
inconcussas” (MENUCCI, 1938, p.24) de sua liberdade, fugiu da casa do alferes Cardoso e
foi “assentar praça”. (MENUCCI, 1938, p.24).
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Texto original da Carta de Luiz Gama à Lucio de Mendonça in: O precursor do Abolicionismo no Brasil
(Luiz Gama) de Sud Menucci.
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No ano de 1869, Luiz Gama já se figurava como uma das pessoas mais importantes e
influentes da cidade de São Paulo nas questões referente à Abolição da Escravatura,
escrevendo sobre as arbitrariedades de advogados e juízes, advogando em favor dos negros e
criticando o sistema vigente com sua poesia sarcástica e ferina. No período de 1870 a 1881,
dedicou-se extremamente às questões políticas e lutas abolicionistas. No ano de 1882, falece
o grande poeta negro e defensor de ideais libertários, fato que parou a cidade de São Paulo e
que segundo
Foi o maior jamais visto na cidade de São Paulo. Nele acotovelavam-se
negros e brancos, cativos e doutores, gentalha e figurões, abolicionistas e
senhores de escravos, conservadores e republicanos, brasileiros e
imigrantes. Durante meses, os jornais paulistanos dão notícias das
incontáveis homenagens póstumas, por vezes festivas, que ocorrem por toda
a província e pelo país. (FERREIRA, 2000: LXXXVI).
Infelizmente, Gama não viu a sua luta se concretizar efetivamente, pois a abolição da
escravatura se deu seis anos depois de sua morte, mas este não deixou de ser um ícone da luta
pela libertação de um povo.
Nos poemas de Castro Alves a vida e a história negra serviram de inspiração para
inúmeros escritos que até hoje são utilizados incansavelmente nas comemorações do dia 13
de maio ou 20 de novembro, algumas vezes, retratando a vida do negro (a) como naquela
época. A vitimização demonstrada em muitos desses poemas leva-nos a refletir qual o papel
foi reservado a estes na sociedade brasileira.
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foi imputado à população africana, retirada de suas terras e escravizada. Quem não leu ao
menos já ouviu falar dos versos que trazem uma visão romantizada e conformista do que foi a
maior barbárie contra um povo:
A prisão imputada mostra somente a visão de aceitação da própria sorte, sem expressar
reação ou resistência, coisa que seria natural quando se é forçado a fazer algo que não se
deseja.
(...)
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
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Negros (as) conformados com a prisão, não esboçam nenhuma espécie de reação. O
desespero parece ser inerente a essas pessoas que são tratadas de forma que os afastam do
que seria humano, desfazendo-se da ideia de ancestralidade e memória, já que na alma destes
parece só estar presente a dor e angústia das “algemas nos braços”.
Castro Alves e sua poesia têm seus méritos ao abordar uma temática que ia de
encontro aos interesses econômicos e sociais da burguesia da época. Esta só queria a
manutenção do regime escravocrata e continuidade do modelo de sociedade que privilegiava
uma determinada etnia.
Mesmo dando importância a massa oprimida escrava, Castro Alves o fez muitas vezes
de forma excessivamente paternalista que não se vinculava a figura do negro como sujeito,
resistente e consciente, mas sim a de vítima que precisava ser defendido por alguém. Na
maioria de suas poesias acabava “reforçando no negro os estigmas de primitivo, desprovido
de intelectualidade, dócil ou agressivo, conforme os animais a que os escravos são
comparados” (SILVA, 2007, p2).
Apesar de discutir a temática, o fazia nos moldes que serviam à burguesia, utilizava a
Literatura para pressionar os aristocratas, mas reforçando de algum modo os valores da classe
dominante da qual fazia parte. O negro na poesia de Castro Alves quase sempre era um
“demônio”, o vingativo, o injustiçado e ressentido ou ainda o negro-vítima. Silva (2007)
evidencia essa ideia quando afirma que:
Mas o que dizer da abordagem da mesma temática sob a visão de Luiz Gama? Este
poeta que por muitas vezes utilizou-se do sarcasmo e certa acidez em suas poesias para
denunciar o subjugo provocado pela escravatura no século XIX. Luiz Gama dedicou sua vida
em favor da contestação dos moldes repressores, além de ter se destacado, desde a juventude,
em lutar pela liberdade. Hostilizado pela elite branca, sofreu perseguições, mas nem por isso
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deixou-se abater, continuando sua luta pela abolição e utilizando para isso também a sua
poesia e seu conhecimento em defesa de um ideal.
Essas estrofes dão mostras de como esse autor utilizava-se das palavras em defesa
daquilo que acreditava. Comparou a mais alta aristocracia a “bodes” devolvendo-lhes assim a
expressão que utilizavam para menosprezar o povo negro. Assim em seus versos colocou no
mesmo patamar todas as pessoas independentemente de cor ou classe social. Assim Gama
expressava em sua poesia que ser branco ou negro não era uma questão de cor da pele e sim
de ascendência. Marca das poesias de Luiz Gama, o sarcasmo o acompanhou na maioria dos
seus escritos o que não o impediu de dedicar à mulher negra um lugar de destaque jamais
imaginado na poesia romântica que tinham como musa as mulheres brancas como a neve.
Luiz Gama “comparece na historia da Literatura como o primeiro poeta a cantar a beleza
palpitante da mulher negra e a paixão que ela inspira.” (FERREIRA, 2000XLVII).
(...)
Tão formosa crioula, ou Tethis negra,
Tem por olhos dois astros cintilantes
(...)
O colo de veludo Vênus bela
Trocara pelo seu, de inveja morta (GAMA, 2000, p. 243-244).
No poema “Lá vai verso” o termo “carapinha” chama-nos atenção por fazer referência
a uma característica física do povo negro que hoje é uma marca de resistência e
autoafirmação em que o(a) negro(a) assume-se naturalmente e considera o cabelo como
elemento referencial identitário.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Ser negro no século XIX era sinônimo de escravo, pois mesmo aqueles que se
destacavam na sociedade essencialmente elitista eram de algum modo, rechaçados e
desqualificados, como aconteceu com Luiz Gama, ou negavam sua ancestralidade e origem
como muitos mulatos. Gama apresentava seu orgulho em ser negro, na defesa e representação
de uma população resistente, emprestando sua voz e suas letras na busca de um ideal. Não se
deixou abater pela vida injusta que teve e partiu em busca do que acreditava. Percebe-se em
Gama que ao assumir-se negro e poder falar sobre tal, há uma referência de uma luta e
resistência explícita, muito diferente daquela que era veiculada por alguns escritos – a do
negro como vítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Esse esquecimento proposital de alguns escritores, está sendo analisado com novo
olhar e novo sentido, para assim situar histórico-literariamente a quem tem tanto conteúdo
quanto os autores já consagrados e tão insistentemente (re)discutidos em nossas Academias.
Assim, Gama merece nosso reconhecimento não só por ser negro, mas por preencher
lacunas e trazer a tona discussões importantes e enriquecedoras sobre o que é ser negro(a) e
aceitar-se como tal numa sociedade que prega a igualdade e a justiça em seu discurso, mas
peca nas ações reais relativas à desmistificação e quebra de preconceitos no que diz respeito a
padrões e conceitos estabelecidos. Luiz Gama expressava em sua poesia que ser branco ou
negro não era uma questão de cor da pele e sim de ascendência. Em seus poemas, não se
limitava a afirmar-se enquanto negro. Possuía intencionalidades em seu discurso. Para Gama
a liberdade do negro era o direito de expressar-se, ter seu pensamento e ações livres.
Gama foi realmente um “precursor” das ideias abolicionistas no Brasil como afirma
Menucci, não só por colocar em prática suas concepções, lutando por aquilo que acreditava,
mas por continuar, ainda hoje, despertando interesse por sua belíssima história de resistência.
Referências
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Sally Inkpin
Universidade do Estado da Bahia
sally.inkpin@uol.com.br
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Inspirado por Morrison (1993), Edward Said (1994) em Culture and imperialism
ressalta a importância da literatura da fundação europeia em criar e justificar a superioridade
do branco sobre o negro. O autor demonstra como a partir do século XVI, uma forte tradição
de obras de literatura, filosofia, história e pesquisas científicas, dos maiores poderes
econômicos da Europa fundamentou e nutriu a construção de um mundo de referências e uma
posição de autoridade acadêmica e moral sobre outros mundos. Até o final do século XIX, os
intelectuais, escritores, religiosos e cientistas europeus moldaram e foram moldados por um
senso de superioridade e missão que possibilitou a colonização e a subsequente repressão de
mais da metade das terras do globo.
132 Este trabalho, novo em sua forma presente, apresenta trechos de meu ensaio (2016) e tese (2014), ambos
intitulados, Signos, códigos e estratégias literárias da negrura e da brancura na literatura brasileira. Também
aproveitei de meu artigo, Batalhas da literatura negro-brasileira, apresentado no SINBAIANIDADE, em 2015
(UNEB). No presente artigo, quando faço uso do termo “ao estudo”, refiro-me à investigação de doutoramento,
que foi muito mais amplo do que este texto.
133 Morrison usa o termo “literatura de fundação” para designar obras literárias que contribuíram (e continuam a
contribuir) para definir a identidade nacional dos Estados Unidos. Eu também uso o termo e o da “literatura
fundadora” para me referir a obras que contribuíram para definir a identidade nacional (racial e étnica) do Bra-
sil.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A autora dialoga com a discussão levantada por Raminelli (1996), demonstrando que,
a partir de século XVI, as imagens do homem do Novo Mundo foram apresentadas como
“selvagens bondosos e inocentes”, por um lado, e “agressivos e demonizados”, por outro. A
autora explica que o olhar etnográfico sobre o Brasil foi gerado por um olhar dicotômico
sobre o outro. O índio foi percebido como um ser diferente e automaticamente inferior. O
olhar dicotômico propulsionou ou a assimilação à cultura eurocêntrica ou a inferiorização dos
habitantes brasileiros, gerando estereótipos sobre as pessoas. As culturas milenares dos índios
e dos africanos não foram contempladas no imaginário emergente da nova colônia, cujas
imagens pendulavam entre extremos de negativo ou positivo. Entretanto, houve a idealização
do mameluco (o mestiço de branco com indígena) nas obras de Jean Fernando Denis
(1798-1890), que eram extremamente influentes entre os intelectuais brasileiros nos meados
do século XIX, fato que reforçava a onda do nativismo que reinava desde a época da
Independência. Desse modo, do lado das imagens extremas de “bom selvagem” e do “bárbaro
demonizado”, existia também a figura mestiça heróica no mameluco. O negro, por seu estado
escravizado, mal aparecia nos estudos etnográficos da época (CARRIZO, 2001).
Do mesmo modo, Toni Morrison (1993) afirma que um dos meios importantes para
manter a hegemonia sociocultural branca nos Estados Unidos é que desde a época de sua
Independência nas representações e discursos da literatura canônica, as cores preto e branco e
as tonalidades de pele entre elas têm sido contaminadas por diversos sentidos, relacionados
entre outros a comportamentos sexuais e socioculturais e atingindo práticas e crenças éticas,
políticas, econômicas e religiosas.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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negrura como uma exploração reflexiva sobre o que o autor sente em relação à presença do
negro na sociedade. Do mesmo modo, ela se interessa pelos meios literários inventados para
“explodir e se contrapor” (MORRISON, 1993, p.16) a essas construções.
Por seu lado, brancura e negrura brasileiras são extremamente complexas, devido ao
fato de o Brasil ter sido dominado, durante vários séculos, por uma pequena elite de
descendência branca, que usa a retórica ideológica da mestiçagem e da democracia racial, a
fim de incluir e/ou excluir outros, que formam a grande maioria da população. Os discursos e
imagens veiculados pelas ideologias de mestiçagem e democracia racial incluem todos,
entretanto os costumes e as tradições culturais e literárias de séculos, aliados à exclusão das
massas – sobretudo, negando-lhes o direito à educação de qualidade e as boas condições de
trabalho – têm criado uma hierarquização social que mantém uma pequena elite branca no
topo da pirâmide social.
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padrões que abrangeram áreas amplas, tais como: as de aparência física (o tipo de cabelo e a
cor de pele); crença religiosa; nível de educação; comportamentos culturais, sexuais, morais e
de lazer (culinários, musicais, de vestuário, o próprio jeito de andar, entre outros).
O crítico literário e poeta, Cuti (2010), observa que normas subjazem à representação
do negro e das relações inter-raciais dentro da tradição literária canônica do Brasil. Tais
normas refletem a concepção da inferioridade do negro, sua passividade e a predominância
de harmonia nas relações entre as raças. O autor também identifica um sistema representativo
da instrumentalização do negro dentro da literatura brasileira, que cria a impressão que sua
existência gira em torno do branco, como se só existisse para servir à comunidade branca e
nada mais. O crítico aponta que, muitas vezes, o negro é aniquilado ao longo da narrativa:
Cuti sinaliza que o personagem negro morre ou sua descendência clareia ao longo da
trajetória de sua representação em muitas narrativas. Para sustentar suas palavras, o crítico
aponta uma série de romances em que o protagonista negro morre como O mulato, de Aluísio
Azevedo, de 1881; Bom crioulo, de Adolpho Caminha, de 1895; e Negro Leo, de Chico
Anísio, de 1980. Por outro lado, ele se refere a Os tambores de São Luís, de Josué Montello,
de 1965 e Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, de 1984, para apontar o
clareamento da linha dos antecedentes índios, negros e mestiços.
Nosso estudo sobre brancura e negrura aponta três vias principais de inferiorização do
negro. O primeiro é uma economia de estereótipos negros e tipos brancos (incluindo mestiços
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134 Na minha tese, lido também extensivamente com a figura do indígena na literatura. Ela recebe o mesmo tra -
tamento binário, recebido pelo negro sendo idealizada quando adere aos padrões europeus e cristãos e rebaixa-
da, se rebelar contra tais normas. As mulheres indígenas e negras recebem o mesmo tipo de tratamento, muitas
vezes, de modo ainda mais exagerado.
135 Quando falamos do negro, referimo-nos às pessoas que pertencem às categorias identitárias de preto e pardo,
como definidas pelos censos brasileiros. Pelo fato de lidar com a mestiçagem e os sentidos de que a pele de tons
variados representa, há a necessidade de nos referir, às vezes, ao preto ou ao mestiço, a fim de distinguir as pes-
soas que pertencem ao grupo que chamamos de negro. Tratamos também de outras descrições identitárias como
as do mulato, mameluco etc., mas explicamos essas denominações ao longo do texto. A necessidade de usar
essas conceituações surge em relação ao uso que diferentes autores fazem dessas palavras.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Nessa época, a mulher negra se apresenta mais comumente pela figura da servidora
doméstica. Sua existência gira em torno de seus serviços à família branca. Ela não tem
família própria ou perde o direito de criar seu filho e tende também a ser representada de
forma dessexualizada. Há também a figura da mãe não branca, que se sacrifica para sua
progênie com o senhor. Essa ganhou a sua primeira configuração na peça de Alencar, A mãe,
de 1865. Mas essa representação reaparece ao longo da trajetória da literatura brasileira,
apresentando-se em personagens como Iracema, no romance homônimo, e Domingas, em O
mulato.
Entretanto, a personagem central da negrura brasileira que estrela em suas obras mais
antigas (e ainda se apresenta, até hoje, como na cerimônia do final das Olimpíadas de 2016) é
a da mulata. A representação da mulata, geralmente, libidinosa, infiel e irresponsável age
como pivô para manter a posição moral superior do senhor (do branco). Por sua
‘irresistibilidade e amoralidade’ (QUEIROZ JÚNIOR, 2010), ela se torna responsável por sua
própria violação. O senhor não consegue resistir a ela e, assim, não pode ser responsabilizado
pelo ato da violação sexual. A imagem altamente erótica dela também contribui para a
propagação e manutenção do mito das relações harmoniosas da escravidão brasileira, porque
implica ao menos sua cooperação sexual e senão sua deliberada provocação para ter relações
sexuais. As imagens dos milhões de mulheres negras e indígenas que foram estupradas e/ou
mortas ao longo dos séculos são afastadas do imaginário pela representação da mulata sempre
sexualmente disponível.
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Crenças herdadas de pensadores das ciências raciais como o Conde Artur de Gobineau
e Louis Agassiz eram extremamente influentes na segunda metade do século XIX entre os
intelectuais brasileiros. Elas providenciavam uma estrutura de apoio que manteve o calibre
das relações entre os principais atores em cena. A crença na superioridade do branco em
relação a seus dotes físicos, intelectuais e espirituais era essencial para manter sua posição no
pico da hierarquia social, possibilitando a subordinação de seus servidores.
Na Belle Époque, a esfera da brancura literária, com sua idealização do branco, ganha
uma nova representação no personagem do imigrante europeu recém-chegado. Lembramos
que essa configuração coincide com a imigração massiva de europeus ao longo desse período
(de 1880 a 1920). A imigração europeia dificultou a possibilidade do negro recém-liberto se
inserir no mercado de trabalho pelo fato de que o trabalhador europeu foi preferido na
maioria dos casos, especialmente em áreas de trabalho que exigiam mais do que a força
braçal (FERNANDES, 2013). Representações masculinas e femininas dos imigrantes, como
nas pessoas de Olga, em O triste fim de Policarpo Quaresma, e Milkau, em Canaã,
apresentam-se como figuras salvadoras de um Brasil do futuro. Nas palavras de Joaquim
Nabuco, essas representações são emblemáticas da esperança da maioria dos intelectuais
brasileiros da época, de que o contato e miscigenação do brasileiro com “o novo sangue
caucasiano” (SKIDMORE, 1995, p. 24) poderiam renovar e melhorar o país.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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meio negro desregrado136. Nas configurações literárias analisadas aqui, o desvio do branco do
caminho certo é devido, normalmente, à sua contaminação moral pelos negros que o cercam,
como nos casos de Cândida, em As vítimas algozes, e Jerônimo e Pombinha, em O cortiço.
Na época modernista, vemos a mesma contaminação ocorrer através do contato dos senhores
com as mulatas, em Menino de engenho.
Por outro lado, na Belle Époque, o imigrante alemão Milkau e a descendente alemã,
Maria, em Canaã, também se tornam figuras mestiças devido a sua afinidade com a cultura e
a natureza brasileiras. Eles se juntam com as construções indígenas e mestiças
embranquecidas, moral-, cultural- e/ou fisicamente como Peri, Poti, Ubirajara, Araci, Iracema
(personagens alencarianos) ou Raimundo (O mulato) e Isaura (A escrava Isaura) e com os
personagens brancos enegrecidos, como Carolina, em A moreninha, e Jerônimo e Pombinha,
de O Cortiço, para se tornar ícones nacionais.
136 Aqui e em outras partes deste trabalho, observa-se que as referências à “vida negra desregrada” de Fernan -
des (2008) e ao “mundo negro”, de Zilá Bernd (1988) e David Brookshaw (1983) não são entendidas a partir de
sentidos “naturais” e/ou “essencialistas”, mas como aspectos da sociedade habitada, em sua maior parte, pela
população negra, que surgiu como resultado da exclusão do negro de meios econômicos e sociais para alcançar
uma sobrevivência mais digna.
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Eneida Matos da Rosa (2009), em seu estudo de doutorado, define Rita Baiana, n’O cortiço,
de Aluísio de Azevedo, 1890, como malandra.
a palavra negro
Tem sua história e segredo
veias de são francisco
Prantos do amazonas
e um mistério atlântico
a palavra negro
Tem grito de estrelas ao longe
Sons sob as retinas
de tambores que embalam as meninas
dos olhos
[...]
a palavra negro
que muitos não gostam
tem gosto do sol que nasce
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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[...]
a palavra negro
tem sua história e segredo
e a cura do medo
do nosso país
(CUTI, 2007)
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Duarte reverencia os nomes de Mestre Didi 137 e Mãe Beata de Yemonjá 138, por sua
escritura da memória ancestral, e, nesse sentido, lembramos ainda que, recentemente, Mãe
Stella de Oxóssi139 tornou-se imortal, assumindo a cátedra 33 da ALB – Academia de Letras
da Bahia, também pela sua produção literária referente à memória ancestral, à cultura afro-
brasileira. Os dramas vividos pelo negro na modernidade brasileira são transmitidos nas
escritas de Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Oswaldo de Camargo e nas
“escrevivências” de Conceição Evaristo, entre muitos outros. Em 2007, houve o lançamento
da obra épica Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, que apresenta uma ampla rede de
histórias narradas a partir da perspectiva de uma mulher negra, de origem africana, que se
torna uma cidadã brasileira. Porém, Duarte observa que o negro não é tema obrigatório do
escritor negro, senão poderia se tornar uma camisa de força.
Os dramas vividos pelo negro na modernidade brasileira são transmitidos nas escritas
de Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, Oswaldo de Camargo e nas “escrevivências” de
Conceição Evaristo, entre muitos outros. Em 2007, houve o lançamento da obra épica Um
defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, que apresenta uma ampla rede de histórias narradas
da perspectiva de uma mulher negra, de origem africana que se torna cidadã brasileira.
137 Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, foi consagrado artista plástico da arte sacra afro-brasi -
leira. Fundou a Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Asipá do culto aos ancestrais Egun, em Salvador, em 1980.
Expôs suas obras em Gana, Senegal, Inglaterra, França e Nova York. No Brasil, ganhou reconhecimento após a
23ª Bienal de São Paulo, em 1996, quando recebeu uma sala exclusiva para expor suas obras. Desenvolveu pes-
quisas comparativas entre Brasil e África, com o apoio da UNESCO. Escreveu sobre cultura afro-brasileira. Em
1950, “os conhecimentos de Mestre Didi sobre a língua yorubá levaram-no a publicar um pequeno dicionário,
intitulado Yorubá tal qual se fala” (DOURADO, 2014, p. 54).
138 “Com inspiração e competência, Mãe Beata escreve contos, poemas e constrói histórias sedutoras sobre o
mundo místico dos orixás e a vivência dos nossos ancestrais” (COSTA, 2010, p. 15). “Alta sacerdotisa do can-
domblé, líder religiosa, militante das causas feminista e racial, sempre atenta para perfilar as demandas coleti-
vas” (ibidem, p. 18). “Mãe Beata ganhou o mundo, participando de conferências e seminários internacionais,
atuando em uma peça de teatro em Berlim, com enorme reconhecimento do povo e da mídia local. Já escreveu
um livro e está, neste momento, finalizando outro. Hoje, é uma referência para a comunidade negra” (VICTOR,
2010, p. 12).
139 Mãe Stella de Oxóssi “recebeu o título de doutora honoris causa outorgado por duas universidades públicas
baianas: a UFBA, em 2005, e a UNEB, em 2009” (DOURADO, 2014, p. 38). “O conjunto da sua produção lite-
rária é composto por cinco livros: E daí aconteceu o encanto (1988), escrito com a escritora Cléo Martins; Meu
tempo é agora (1993); Òsósi, o caçador de alegrias (2006), Owé, Provérbios (2007); e Epé Laiyé: terra viva
(2009), voltado para o público infanto-juvenil. [...] A partir de 02 março de 2011, passou a escrever regularmen-
te no jornal baiano A Tarde, de circulação no Norte-Nordeste brasileiro, assinando artigos quinzenais na seção
Opinião, publicados às quartas-feiras, dias consagrados a Xangô. Segundo o blog Mundo Afro, editado pela
jornalista Clediana Ramos, repórter do próprio jornal, ‘é a primeira vez, desde a fundação de A Tarde, em 1912,
que uma ocupante do mais alto posto da hierarquia do candomblé se torna articulista de forma regular no perió-
dico’” (ibidem, p. 47).
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Porém, Duarte observa que o negro não é tema obrigatório do escritor negro, senão poderia se
tornar uma camisa de força.
Em relação à autoria, Duarte afirma que a interpretação do texto não deve ser mediada
por dados sobre a cor da pele e a posição social do autor, já que tais dados não são
determinantes sobre a postura do autor. Ele cita Zilá Bernd, para explicar que o autor dessa
literatura apresenta um sujeito de enunciação que se afirma como negro e sente orgulho de
sua negritude. Essa voz representa sua comunidade, e o lugar que assume é do subalterno.
Essas observações de Duarte e Zilá Bernd sobre a autoria ecoam com as preocupações
sobre autoria da “literatura menor”, termo cunhado por Deleuze e Guattari, em 1977, para
falar de literaturas como as de Franz Kafka e Samuel Beckett. Segundo sua definição, a
literatura menor é de escritores, cuja língua nativa e espaço geográfico são dominados por
uma cultura/língua alheia, e a única opção que eles têm para se expressar e serem ouvidos é
na língua dos dominadores. Bernd oferece o termo “contraliteratura” para a literatura negra,
como alternativo ao termo “literatura menor”, que poderia ser entendido de forma negativa. A
contraliteratura, um termo primeiro cunhado por Bernard Mouralis, nega-se a assumir os
discursos ufanistas e nacionalistas que encobrem a realidade e desmascaram os aspectos
deprimentes da sociedade. Tal literatura se expressa de forma única: seus recursos retóricos,
símbolos e estratégias literárias não podem ser usurpados por outro meio discursivo.
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Além das áreas de temática, autoria, ponto de vista e linguagem, Duarte destaca a área
do público-alvo como distinta para a literatura negra. Ele explica que o público visado pela
literatura negra também é negro. Abdias do Nascimento, Solano Trindade, Oswaldo de
Camargo e diversos autores contemporâneos negros são citados como os primeiros que foram
buscar seu público nas ruas, em eventos alternativos, em saraus públicos, rodas de poesia e de
rap e manifestações políticas. Essa movimentação140 ainda está em evidencia hoje, em
eventos pelo país todo, ampliando-se para áreas digitais como sites, portais e blogs na
internet.
140 “Citamos os exemplos da COOPERIFA, idealizada pelo escritor e agitador cultural Sérgio Vaz e promovida
pela comunidade de uma periferia da zona sul paulistana. Lá, semanalmente, em um bar, realiza-se um sarau em
que se lêem textos literários produzidos por autores consagrados ou não. Além disso, ocorre a promoção de
eventos – como a Semana de Arte da Antropofagia Periférica – ações de distribuição de livros, divulgação de
autores da comunidade, saraus nas escolas, oficinas de escrita criativa etc. No cenário baiano, o Sarau Bem
Black, mobilizado pelo professor universitário de Literatura Brasileira, Nelson Maca, ocorre todas as quartas-
feiras, nas esquinas do Centro Histórico de Salvador, sustentado pela ideia de unir quem gosta de dizer e ouvir a
poesia – por eles designada de divergente e associada às vertentes negras e periféricas da Literatura Brasileira.
[...] O Sarau Bem Black iniciou suas atividades num espaço intitulado Sankofa African Bar. Todavia, após o
fechamento desse espaço, em dezembro de 2013, o sarau passou a ser realizado nas esquinas do
Pelourinho.” (GONÇALVES, 2014, p. 198).
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autora ainda comenta que o português brasileiro já contém muitos substantivos das línguas
africanas e indígenas e uma musicalidade distinta do português europeu, significando que o
poeta negro sente que essa língua também é dele. A autora enfatiza os esforços
sociodidáticos de conscientização política e autoafirmação do escritor e poeta negro dos CN
que usam uma linguagem simples e direta, visando um público negro e combatendo as
estratégias narrativas dualistas e ambíguas da brancura e negrura.
A pesquisadora aponta o forte diálogo com a tradição das primeiras edições como
exemplificado no poema Outra nega fulô da edição 11 dos CN de 1988:
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Hoje em dia, CN é a revista literária mais vigorosa do país, comemorada por sua
construção de uma estética negra positiva e sua reconstrução da participação negra da história
do país com o resgate de heróis negros como Zumbi e Luíza Mahin, entre outros. Souza
comenta que:
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seus próprios contos e poesias e, hoje em dia, já há grandes romancistas entre elas, como
Conceição Evaristo.
Terminamos o presente artigo com a poesia de Ana Cruz (s/d), intitulada Coração
tição, em que se glorifica negritude e herança africana, firmemente negando os pressupostos
que dão apoio ao mito da mulata, já descritos aqui como pedra fundadora da ideologia da
negrura. A poetisa levanta o braço com punho cerrado e se declara dona de suas próprias
verdades:
Referências
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ALENCAR, José de. Ubirajara. São Paulo: Ática, 2007 [1874].
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A arte é um fenômeno que desperta o homem para suas apreensões espirituais e de sua
natureza dentro do contexto em que foi produzida, indo além disso para tempos e lugares
diversos. O objeto artístico é capaz de expressar um momento, sendo um espelho em que
vemos refletida a visão de mundo predominante de um autor ou de diferentes autores que
influenciaram uns aos outros, sendo uma experiência daquele que criou a arte, bem como
naquele que a aprecia.
Tal artístico renova a criação para que se manifeste uma arte subjetiva e influenciada
por certo irracionalismo ou esfera caótica. Justamente por isso, é uma arte
intelectualizada,cheia de estilo próprio com uma tendência de mudar o antigo e o novo. Essa
modernidade perdura em séculos com sua agressividade que invade tempos e lugares para se
fixar com tal. Nas palavras de Gilberto de Mendonça Teles:
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A simbólica procura do ser na arte literária reflete uma estréia de Clarice no mundo
da literatura nacional. Sua narrativa foi recebida com entusiasmo pela crítica, pois
surpreendeu os leitores com seu estilo inovador ao romper com os padrões estéticos vigentes
que a linearidade e a técnica de narrativas cuja representação focava no real de modo mais
fiel possível.
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contemporâneas
Clarice Lispector [...] era a mais rara personalidade literária no nosso mundo
das letras; algo de excepcional; dotada de uma estonteante riqueza verbal; o
livro em seu conjunto é um milagre de equilíbrio, perfeitamente construído,
combinando a lucidez intelectual dos personagens de Dostoiévski com a
pureza de uma criança. Em outubro de 1944 o livro ganhou o prestigioso
Prêmio Graça Aranha de melhor obra de estréia de 1943(MOSER, 2013, p.
223).
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contemporâneas
consciência, monologo interior, solilóquio, que são algumas técnicas usadas por escritores de
romances modernos para enfatizar ou analisar a natureza do ser interior das personagens.
Conforme o fragmento acima, pela voz da personagem a ficcionista deixa claro que
sua arte não se fundamente nos valores canônicos para sustentá-la, valores tais como a
personagem ter necessariamente atuar num ação, em um espaço geográfico, e num tempo
cronológico. Desaparecem aqui os limites entre passado, presente e futuro, o tempo mais
importante é o presente, a tudo se funde na tentativa de captura do instante e da expressão.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Vemos, então, que Joana queria conhecer o mundo a partir do seu Ser, até mesmo
obter a compreensão do uso dos objetos mais simples até a compreensão mais sofisticada
sobre o tempo e sobre sensações provocadas em seus sentidos e sua relação coma natureza.
Joana queria apreender todos os fenômenos não a partir se sua aparência, mas a partir de sua
própria existência, a partir de seu Ser. Mas sabia que para isso, precisaria, a priori, questionar
o seu próprio ser. Quem fala, fala sempre sobre si, mesmo quando fala do ou para outro, por
isso as coisas não podem exatamente falar.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
certeza de estar vivendo? Não, não passo bem. Pois ninguém se faz essas perguntas e eu...
Mas é que basta silenciar para só enxergar, abaixo de todas as realidades, a única irredutível,
a da existência” (Clarice Lispector)
Para Heidegger (2014) “um enigma já está sempre inserido a priori em todo ater-se e
ser para o ente como ente. Por vivermos sempre numa compreensão de ser e o sentido de ser
estar, ao mesmo tempo, envolto em obscuridade”. A estética clariceana nos provoca
estranhamento, quando nos deparamos com seu texto somos impelidos a caçar também, não
deciframos sentidos, somo desafiados pela indeterminação dos limites já que o parâmetro que
tínhamos foi reprogramado a arte aqui instaura um tempo novo: o tempo do espírito.
Pressentimos a perda dos valores cotidianos, adquirindo valores puramente artísticos,
procuramos o potencial de significações; sentido cotidiano da palavra.
“É necessário certo grau de cegueira para enxergar certas determinadas coisas. É essa
talvez a marca do artista. Qualquer homem pode saber mais que do que ele e raciocinar em
segurança, segundo a verdade. Mas exatamente aquelas coisas escapam à luz acesa. Na
escuridão tornam-se fosforescentes” (Clarice Lispector)
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Isso nos remete aos padrões desconstruídos pela arte moderna pelo romance de
Clarice Lispector. Vale ressaltar que essas características de rupturas de paradigmas tiveram
suas fontes no raiar da arte moderna, nas vanguardas européias e no Brasil, intensamente,
essa ânsia pelo novo e pela quebra do antigo, da negação na semana de 22.
Referências
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contemporâneas
Claudia Berliner,
Conversas com tradutores (2003, p. 72)
Resumo: será tratado neste artigo uma análise sobre a tradução das obras “O Amante
Japonês” e “O Alquimista” fundamentando-se na desconstrução promovida por Jacque
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Derrida. O objetivo deste trabalho é analisar as escolhas do tradutor nos trechos das
traduções das obras sob o ponto de vista desconstrutivista. Os trechos das obras foram
selecionados e a análise foi feita comparando o trecho original com o texto traduzido,
analisando assim, as escolhas do tradutor. Foram coletados textos como referência para uma
breve definição do conceito “desconstrução”, para uma breve abordagem sobre tradução
literária e para um breve resumo da biografia dos autores Isabel Allende e Paulo Coelho.
Durante o trabalho, pôde-se notar que na tradução literária, como em outras áreas da
tradução, o “literal” não é algo mais tão relevante dentro da área, mas a interpretação, a
recriação, o contexto e a linguagem, dominam uma tradução tão fluente, quanto o texto de
partida.
Resumen: serán tratados en este artículo un análisis de la traducción de las obras "El amante
japonés" y "El alquimista" con base de la deconstrucción promovida por Jacques Derrida. El
objetivo de este estudio es analizar las opciones del traductor en los extractos de la traducción
de las obras desde un punto de vista deconstructivista. Se seleccionaron los extractos de las
obras y fue hecha un análisis mediante la comparación del texto original con el texto
traducido, por tanto, el análisis de las opciones del traductor. Fueron colecionado textos como
referencia para una breve definición del término "deconstrucción", para un breve abordaje a
la traducción literaria y un breve resumen de la biografía de los autores Isabel Allende y
Paulo Coelho. Durante el trabajo, cabe señalar que en la traducción literaria, como en otros
ámbitos de la traducción, el "literal" no es algo más relevante dentro del área, pero la
interpretación, la recreación, el contexto y el lenguaje, dominan una traducción tan fluido
como el texto de origen.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como finalidade apresentar uma analise sobre tradução
literária da obra “Um amante japonês” da escritora peruana Isabel Allende e da obra “O
alquimista” do escritor brasileiro Paulo Coelho sob a ótica da desconstrução proposta por
Jacques Derrida.
Foram selecionados trechos dessas obras, comparando a obra original com a sua respectiva
tradução, analisando a desconstrução do tradutor. Será abordada a “desconstrução” como algo
livre de qualquer teoria e qualquer regra. Além disso, o trabalho tem uma breve abordagem
sobre o tema “tradução literária” a fim de explicar as tomadas de decisões do tradutor na hora
de traduzir determinados trechos das obras.
!373
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Isabel Allende, autora de Um Amante Japonês, é uma escritora peruana que nasceu em Lima,
em 2 de Agosto de 1942. Além de escritora, Isabel também é jornalista, trabalhou em
revistas, jornais e na televisão chilena. Ela é considerada a escritora contemporânea mais
famosa da América Latina. A autora recebeu o Prêmio Nacional de Literatura, em 2010, no
Chile e o Prêmio Hans Christian Andersen, em 2012. Além deste, ela recebeu outros diversos
prêmios devido a suas obras e honras devido a Fundação “Isabel Allende”.
2. A TRADUÇÃO LITERÁRIA
A tradução literária é algo tão complexo quanto as outras áreas existentes dentro da
tradução. Isto ocorre desde a sua definição até as técnicas utilizadas para a sua realização.
(ALFA, v.35, p.1,1991), Uma das condições para uma tradução literária é o tradutor sentir-se
motivado por aquilo que está traduzindo; é sentir-se atraído pelo assunto, pela cultura, pelo
conteúdo e pelo tipo de línguagem. Isto é semelhante ao processo de criação, pois o tradutor
sente-se “livre” quando trabalha com um texto que gostaria de ter escrito, uma vez que a
tradução literária é um processo de recriação. (ALFA, v.35, p.4,1991)
Assim como o autor, ser criativo na hora de traduzir o texto é tão importante quanto,
assim como todo texto a ser traduzido e todo autor, há escolhas a serem feitas.
É necessário avaliar tanto com as palavras usadas quanto com o que ele quer dizer,
sendo assim, o tradutor tem a responsabilidade de fazer um novo texto na língua de chegada
tão fluente quanto o texto da língua de partida. Conhecido como “coesão emocional” quando
o autor insistir no fator dialético, sendo ele manifestado como positivo ou negativo, emotivo
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ou neutro. É necessário que o tradutor coloque a sua própria emoção no texto, levando em
consideração que o tradutor está reproduzindo um texto novo.
Ao mesmo tempo em que há estudos sobre ser “fiel” à obra, há outros estudos que
mostram, que se deve “adaptar” a obra para um público diferente, com a intenção de
influenciar a forma como é lida a obra, preocupando-se assim com o papel da tradução na
cultura da língua de chegada, pois a tradução abre caminhos, colocando uma cultura-fonte
para uma cultura-alvo.
Rosemary Arrojo mostra que há interpretações intermináveis sobre o texto, por mais
que quisessemos “proteger” o significado do texto, nunca teremos o controle das
interpretções, das leituras, das visões que cada pessoa terá do texto.
Tendo em vista que para a realização de uma tradução literária, como já comentada
anteriormente e levando em consideração a reflexão do trecho acima, o conhecimento sobre
literatura, o conhecimento do assunto abordado, o conhecimento sobre o autor é de extrema
importância.
3. A DESCONSTRUÇÃO
Durante a expansão da literatura sobre a tradução, muitos estudos tiveram como base
o estruturalismo da linguagem, foram examinados os processos da tradução, tentando
estabelecer métodos e descrevendo dados, comparando a tradução com o texto original.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Para a desconstrução, a verdade não existe, porém ela é criada pelo sujeito; o texto
não é estável e não guarda significados construídos pelo leitor. Baseando-se nas reflexões da
desconstrução, não é possível resgatar o significado do texto original e transporta-lo para uma
língua de chegada, partindo do principio que cada sujeito entenderá o texto de um jeito
diferente e nem sempre o entendimento é o mesmo que aquilo que se quer dizer. Sendo assim
o tradutor não precisa mais se preocupar em ser fiel ou correto a tradução. (SILVA, 2005, p.
17)
Na visão de Jacques Derrida, aquele significado que o autor do texto criou, deixa de
existir, a partir do momento que o texto expressa vários significados, sendo assim o texto
possui convenções variadas e seus próprios códigos.
De acordo com Paulo César Duque Estrada (Coordenador Central de Pós Graduação e
Pesquisa – PUC-Rio) “A desconstrução trata-se, antes, de um trabalho de pensamento que
procura investigar os limites de toda teorização e, portanto, de toda pretensão de totalização
que se encontra operante em um discurso.”
4. METODOLOGIA
!376
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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literária. Com o tema decidido, o trabalho foi iniciado através de pesquisas sobre as obras a
serem utilizadas. Durante o processo, houve dificuldade para achar obras brasileiras
traduzidas para o espanhol, pois poucas obras brasileiras de autores brasileiros como Paulo
Coelho, são traduzidas para outros idiomas. Ao perceber algumas dificuldades para a escolha
das obras, foi decidido trabalhar com autores renomados, tanto no Brasil como em outros
países. Decidiu-se então, que trabalhar com “O Alquimista” de Paulo Coelho e “O Amante
Japonês” de Isabel Allende, levando em consideração que os autores trabalhados devem ser
contemporâneos.
Uma vez decidido quais obras utilizar, foram coletados criteriosamente alguns textos
como referência sobre o tema desconstrução, tradução literária e textos que abordavam a vida
dos autores escolhidos. O controle dos textos coletados foi feito através de uma planilha,
assim para não correr a coleta de textos repetidos.
Após a coleta dos textos, o trabalho foi iniciado e as ideias foram surgindo no
decorrer do dos dias. Houve organização do tempo para a realização do trabalho, tendo em
vista que as pesquisas e as ideias colocadas aqui foram cuidadosamente selecionadas e
demandavam tempo. O trabalho foi finalizado de acordo com o propósito de mostrar a
desconstrução dentro da tradução literária.
5. AS OBRAS ANALISADAS
A história desenvolve-se a partir da chegada de Irina, uma jovem que vai trabalhar
em uma casa de repouso. Nesta casa de repouso, Irina conhece a Alma, uma senhora de mais
de 70 anos que mora na casa de repouso e então elas viram grandes amigas.
Irina, então conhece o neto da Alma. Ambos percebem que Alma recebe várias cartas
e alguns presentes que indica que ela tem um romance com uma pessoa misteriosa. Após
Irina e o neto de Alma investigar, eles percebem que o romance de Alma não é algo recente,
mas é algo que vem estendendo-se já há anos, desde a infância de Alma. Então, vem a tona
para o presente a paixão secreta de Alma e Ichimei. Aos poucos, eles vão tentando entender o
que aconteceu na vida e no passado de Alma.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Quando a história volta ao passado, a autora retrata cenários da Segunda Guerra Mundial, da
ocupação nazista na Polônia, a autora narra sobre preconceitos, sobre acontecimentos
históricos. Neste período, no passado, foi uma fase decisiva na história, pois Alma quando era
criança conheceu Ichimei, o filho do jardineiro da família e por conta da Segunda Guerra e do
ataque de Pearl Harbor, eles tiveram que se separar.
Isabel traz aspectos positivos e negativos dos personagens, ela permitiu que o leitor
compreendesse o perfil de cada personagem. Ao mesmo tempo a autora mostra que na vida,
as pessoas também têm estes pontos positivos e negativos. A história aborda a identidade dos
personagens, o abandono, o amor, o destino das pessoas, aborda fatos históricos e mostra
como estes fatos podem mudar a vida e o destino de muitas pessoas.
O alquimista é uma das mais importantes obras literárias do século XX, publicada em
1988 chegou ao primeiro lugar na lista dos mais vendidos em 18 países. Foi traduzida para 80
idiomas, editada em mais de 170 países e teve 210 milhões de exemplares no mundo.
O Alquimista foi publicado em 1988 e até hoje é o livro brasileiro mais vendido. Foi
uma das obras literárias mais importantes do século XX. A obra teve sucesso no mercado
internacional e elogiado por pessoas do mundo inteiro.
Nesta obra, Paulo Coelho da liberdade para pensarmos em assuntos que são
abordados na obra e fazem parte da vida como a sorte, a coincidência, a fé, o destino, os
sinais de Deus, etc.
A obra trata-se sobre Santiago, um pastor de ovelhas que começa a ter o mesmo sonho
repetidamente, por várias noites. O sonho dizia que havia um tesouro escondido nas
pirâmides do Egito e ele precisava ir atrás deste tesouro. Santiago enxerga este sonho como
algo especial. Ele sente que há algum motivo para este sonho e ele sente que ele precisa saber
o motivo de estar sonhando a mesma coisa todas as noites. A partir daquele momento, e este
sonho “define” o que será a vida dele.
Santiago encontra uma cigana, porém ela não consegue ajuda-lo totalmente, como ele
queria, porém ela oferece uma pista de como ele pode começar a descobrir o que aquele
sonho significa. Santiago encontra um homem que diz-se ser “Rei de Salem” e ele tenta
provar para Santiago que ele é confiável e que ele está dizendo a verdade (e ele consegue de
certa forma provar isso). Este Rei diz que ele devia seguir os seus sonhos.
A partir disto, Santiago percebe que tudo isso é somente o começo de uma longa
jornada.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Então, Santiago saiu da Espanha e foi para a África, onde ele precisava atravessar o
Deserto do Saara. Durante este trajeto, Santiago conheceu várias pessoas, fez amigos,
apaixonou-se, foi roubado e aprendeu sobre muitas coisas.
Depois de algum tempo, Santiago começa a ter o mesmo sonho outra vez e ele resolve
não desistir de ir atrás de seu sonho. Ele passa por várias situações, por emoções, guerras e
depois ele consegue chegar no lugar que ele precisava.
Quando Santiago chega ao local, ele percebe que o tesouro de seu sonho não era real e
o tesouro físico não estava ali, mas estava em outro lugar e ele vai atrás deste outro tesouro,
pois Santiago quer ficar rico.
O livro aborda vários assuntos envolvendo a sorte, a fé, o destino, os sinais de Deus, a
razão da vida, os sonhos. A obra mostra que não devemos desmerecer os sonhos das pessoas
e nem os nossos sonhos.
Santiago mostra na história que se sabemos o que queremos na vida, nós devemos ir
atrás, devemos ir além para alcançar aquele sonho ou aquilo que desejamos, seja naquele
momento ou no futuro.
6. A N Á L I S E D A S T R A D U Ç Õ E S D A S O B R A S A PA R T I R D A
DESCONSTRUÇÃO
Texto de partida:
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Texto de chegada:
Observa-se que o trecho traduzido acima, pela Joana Angélica d’Avila Melo, em
primeiro lugar, chama atenção para as características descritas na história, então: “Irina se
apresentou no empego com a sua melhor calça jeans e uma camisa discreta”. Partindo do
príncipio, que cada leitor terá uma visão diferente da cena descrita, Irina seria interpretada ou
imaginada de formas diferentes (alta, baixa, magra, ruiva, morena). O ao ler o trecho,
incoscientement imagina a cena e as caracteristicas.
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Pôde-se notar semelhanças nas palavras do texto de partida para o texto de chegada,
porém mesmo com esta semelhanças podemos interpretar, ler e analisar o trecho de uma
forma diferente que a autora do texto de partida quis mostrar para o leitor.
Analisando a tradução do trecho a seguir da obra de Paulo Coelho “El Alquimista” com o
texto original:
Texto de partida:
Texto de chegada:
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No trecho do texto original comparado com o texto traduzido pela Montserrat Mira,
não houve mudanças dos “significados das palavras”, interpretadas individualmente, porém ,
tanto dentro do trecho selecionado quanto na história toda, inconscientemente, o texto e a
história é interpretada de jeitos e maneiras diferente. A ovelha por exemplo, tem um
significado relioso grande para pessoas que “praticam e acreditam” no catolicismo, sendo
assim, dentro da história ela teria um significado e uma importancia maior e diferente para
este leitor.
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7. CONCLUSÃO
A tradução, tanto literária quanto em outras áreas, ainda é vista como algo mecânico
e objetivo. No entanto, ela não é um processo mecânico de “transporte”, onde pegamos o
texto da língua de partida e transportamos para a língua de chegada exatamente como ele (o
texto) está. A tradução não é algo estático, ela está sempre em constante mudança, como foi
visto. Além de ser criativo, todo texto é recriado pelo tradutor; devido as diferentes leituras,
interpretações do texto, sendo assim, impossível manter o significado daquilo que foi dito e
escrito, pois cada pessoa carrega uma “bagagem de conhecimento” e experiência de vida
diferente. Vimos que a relevância das diferentes leituras torna-se mais importante do que o
texto original, sendo que toda nova tradução é um novo texto, um texto que foi recriado pelo
tradutor conforme o seu conhecimento de mundo, conforme sua “bagagem” cultural e de
vida, ideologias e sociais. Porém o conhecimento sobre o assunto abordado também é
relevante para a realização da tradução.
Analisando as obras, foi perceptível que cada sujeito tem uma interpretação diferente
do que está escrito. Foi relacionado a prática de tradução literária à desconstrução, mostrando
assim que a teoria e a prática estão ligadas e assim não podem ser separadas e nem pensadas
individualmente.
8. Referências
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BENEDETTI, Ivone C.; SOBRAL, Adail (Org.). Conversas com tradutores: balanços e
perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola, 2003. 214 p.
BIOGRAFIA. Disponível em: http://www.academia.org.br/academicos/paulo-coelho/
biografia Acesso em: 16 jul. 2016
CARVALHAL, Tania Franco. A tradução literária. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/
%20organon/%20article/%20viewFile/%2039381/25174>. Acesso em: 30 mai. 2016
CARVALHO, Marcos Luz de. Disponível em: <http://dospalabras.com.br/vida-e-obra-de-
isabel-allende/>. Acesso em: 16 jul. 2016
COELHO, Paulo. El Alquimista. Barcelona: Editorial Planeta, 2007. 257 p. Montserrat Mira.
COELHO, Paulo. O Alquimista. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. 171 p.
GONÇALVES, Lourdes Bernardes. Avaliando a tradução literária. 1999. Disponível em:
<http://www.revistadeletras.ufc.br/rl21Art06.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2016
ISABEL Allende. Disponível em: < http://www.isabelallende.com/>. Acesso em: 16 jul. 2016
LIMA, Erica; SISCAR,Marcos. O decálago de desconstrução: Tradução e desconstrução na
obra de Jacques Derrida. 2000. Disponível em: < http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/
4282/3871>. Acesso em: 15 mai. 2016
MENESES, Ramiro Délio Borges de. A desconstrução em Jacques Derrida: O que é e o que
não é pela estratégia. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/unph/v30n60/
v30n60a09.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2016
PEDROSO JUNIOR, Neurivaldo Campos. Jacques Derrida e a Desconstrução: Uma
introdução. Disponível em: < http://www.encontrosdevista.com.br/Artigos/
Neurivaldo_Junior_Derrida_e_a_desconstrucao_uma_introducao_final.pdf> Acesso em: 15
mai.2016
SILVA, Patrícia Mara da. O senhor dos anéis – A tradutora na obra traduzida. 2005.
Disponível em: < http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93908/
silva_pm_me_sjrp.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 ago. 2016
VASCONCELOS, José Antonio. O que é a desconstrução? 2003. Disponível em: < http://
www2.pucpr.br/reol/index.php/RF?dd1=117&dd99=pdf>. Acesso em: 15 mai. 2016
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contemporâneas
Amandla Gandhi
Universidade de Brasília
amandlagandhi@gmail.com
Pensando no fato de que a maioria dos processos elaborados para o ensino de línguas
são pautados apenas sob o básico necessário e obrigatório para adquirir uma segunda língua
(ou uma língua adicional) e não são, muitas vezes, explorados para as diversas áreas que os
alunos já tiveram contato na escola ou na universidade e ao longo da vida. Sintaxe,
morfologia, acentuação, pontuação, semântica, fonética, fonologia e ortografia fazem parte
do pacote que serve como base para o aluno aprender como é estruturada a Língua
Portuguesa e assim, começar a adquirir elementos da fala e da escrita, desse modo, o Projeto
ingressa como mediador e complemento diferenciado para inserção dos aprendizes no
cotidiano e na cultura brasileira.
Referências
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contemporâneas
PACHECO, José. PACHECO, Maria de Fátima. Escola da Ponte: Uma escola pública em
d e b a t e . 2 0 0 4 . D i s p o n í v e l e m : h t t p : / / u r a n t i a g a i a . o rg / e d u c a c i o n a l / e s c o l a /
escola_ponte_sob_multiplos_olhares.pdf Acesso em: 15 de setembro de 2014.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade [recurso eletrônico] / Paulo Freire. 1.
ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos/Paulo Freire. 14. ed. rev.
atual - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
141
Mestranda em Línguística Aplicada ao Ensino de Línguas Estrangeiras pela UFMG.
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Estudos mais recentes, como o de Cope and Kalantzis (2013) propõem a evolução
para o termo multiletramentos, que envolvem tanto a multiculturalidade como a
multimodalidade:
O português brasileiro passou a ser uma língua muito estudada por estrangeiros
oriundos de todas as partes do mundo, devido à expansão da visibilidade que o Brasil possui
e graças às motivações das políticas linguísticas, como a oficialização e a internacionalização
do Exame Celpe-Bras143. Isso faz com que a variante brasileira da Língua Portuguesa seja
alvo de estudo também de pesquisadores e linguistas.
142 O banco de teses da CAPES disponibiliza trabalhos apresentados a partir de 2010. O acesso pode ser feito
pelo endereço eletrônico <http://bancodeteses.capes.gov.br/>. A consulta foi realizada em 2/7/2015.
143 No site do INEP, órgão responsável pela aplicação do Celpe-Bras, encontra-se a seguinte descrição: “O Cel -
pe-Bras é um Exame que possibilita a Certificação de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros.
Desenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação (MEC), aplicado no Brasil e em outros países com o
apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) é o único certificado de proficiência em português como
língua estrangeira reconhecido oficialmente pelo governo do Brasil. Internacionalmente, é aceito em empresas e
instituições de ensino como comprovação de competência na língua portuguesa e no Brasil é exigido pelas uni-
versidades para ingresso em cursos de graduação e em programas de pós-graduação, bem como para validação
de diplomas de profissionais estrangeiros que pretendem trabalhar no país.”
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Boa parte dos estudos de Português Língua Adicional recai sobre o processo de ensino
e aprendizagem e, consequentemente, sobre o livro didático, já que esse é um grande aliado
do professor e do aluno. De acordo com Diniz et al (2009),
Constata-se que ainda não foi investigada a relação entre os elementos multimodais
presentes nos livros didáticos de português como língua adicional e, sobretudo, que esse é um
tema pertinente de pesquisa, uma vez que traz grande contribuição ao professor e também ao
aluno.
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2 METODOLOGIA
Optamos por analisar a página de abertura das oito unidades do volume 1 (em anexo).
Na análise, consideramos tanto os elementos visuais quanto os verbais, procurando
estabelecer uma relação entre eles. Primeiro, analisamos as imagens, procurando extrair
significado delas. Em seguida, analisamos o texto verbal. Por fim, fizemos a relação entre os
dois.
3 O SUJEITO
Viva! Língua Portuguesa para Estrangeiros foi feito em aulas particulares com um
sujeito. Destinamos esta seção à explicação de quem é esse aluno e de em que condições
aconteceram a análise proposta.
Como destacado anteriormente, sempre que nos referirmos a ele, utilizaremos a sigla
SI, visando à preservação de sua identidade. SI é japonês e tem 26 anos. Ele está no Brasil a
trabalho e durante dois meses não terá atividades profissionais, somente estudará português.
Ainda que SI vá trabalhar no Brasil, não se pode enquadrar seu curso no grupo “português
para negócios”, pois no desempenho de suas funções, sempre que necessitar, terá um tradutor
à sua disposição. O objetivo das aulas, então, é fazer com que ele consiga comunicar-se no
dia-a-dia com as pessoas nos mais variados lugares e, assim, viver no país de forma
independente, sem precisar do auxílio de um tradutor ou de um nativo.
!390
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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A produção oral do aluno, por sua vez, pode ser considerada intermediária, visto que
ele ainda não consegue expressar em português tudo o que deseja. É importante destacar,
então, que muitas vezes o sujeito, para transmitir a mensagem que gostaria, fez uso de
dicionários, gesticulou ou recorreu a outra língua. Como nosso objetivo não era avaliar a sua
produção na língua portuguesa, e sim, captar qual é a interpretação que faz da página de
abertura das unidades apresentadas a ele, permitimos que ele se apoiasse nesses outros modos
de transmissão para transmitir sua mensagem e fizemos o máximo esforço para compreender
o que o aluno queria dizer.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Ainda que as páginas multimodais permitam ao aluno traçar o seu caminho de leitura,
optamos por permitir que o aluno visse o segundo elemento somente após analisar o
primeiro; o terceiro, após analisar o segundo; o quarto, após o terceiro, a fim de que o sentido
de um não se sobrepusesse a outro. Sabemos que isso pôde influenciar na construção de
sentido, mas foi uma escolha metodológica que objetivou a análise inicialmente individual
dos elementos e somente posteriormente coletiva.
A escolha do termo página de abertura foi feita com base no nome que Claudio
Romanichen, o autor da coleção, dá a cada seção do livro. Além disso, optamos pelo seu uso
no singular justamente para deixar claro que cada unidade possui somente uma página
introdutória. Nas primeiras páginas do livro, Romanichen explica a que se destina cada uma
das sete seções das unidades e o apêndice. O autor traz a seguinte definição para a página de
abertura: “Todas as unidades têm uma página de abertura que introduz o tema a ser
trabalhado. Ali são apresentadas informações para discutir diferenças e semelhanças entre o
Brasil e outros países”.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
etc. Quando percebíamos que o sujeito já não tinha mais o que falar e quando já não havia
mais perguntas a fazer sobre as imagens, indicávamos a leitura do texto verbal, normalmente
curto. Na explicação das páginas de forma individual, daremos mais informações sobre o
texto verbal apresentada em cada uma delas. Em seguida, discutíamos novas questões
propostas pelo texto verbal e pedíamos que o aluno estabelecesse uma relação entre os três
elementos - título, texto visual e texto verbal. Em algumas situações, após a análise do aluno,
fizemos algumas perguntas visando ao aprofundamento da discussão sobre temas em pauta na
atualidade, direcionando o pensamento do sujeito, mas sem limitar sua possibilidade de
resposta. Esses casos serão ressaltados na análise das páginas de forma individual.
O título de cada seção terá o mesmo título dado à unidade, respeitando-se sua
sequência de apresentação. As cores dominantes na página de abertura e na unidade como um
todo são verde, alaranjada e azul. Ou seja, a unidade 1 é verde, a unidade 2 é alaranjada, a
unidade 3 é azul, e assim sucessivamente. Esse é um recurso que facilita, ao olhar o livro de
lado e ao folheá-lo, a identificação de a que unidade pertence cada página. Em todas as
páginas do livro, é colocado o número da página em algarismo e por extenso, o que
indiretamente faz com que o aluno trabalhe esse vocabulário
É importante destacar que a análise de todas as páginas de abertura não foi feita no
mesmo dia, visto que a aula não consistia apenas nisso. Em um dia, analisamos a unidade 1.
Em outro, as unidades 2, 3 e 4. Em mais uma aula, a unidade 5. Por fim, analisamos as
unidades 6, 7 e 8. Essa divisão foi feita de acordo com o rendimento do assunto proposto em
cada unidade e também do interesse que o sujeito demonstrava no dia por cada tema.
Por fim, as perguntas apresentadas são: “O que mais você sabe sobre o
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Brasil?”; “Você já visitou o país alguma vez? Quais lugares?”; “Você conhece algum
brasileiro? Como são os brasileiros que você conhece?”; “Entre as coisas que você conhece,
do que você gosta no Brasil e nos brasileiros?”; “Por que você quer estudar português?”.
A análise feita pelo aluno em relação ao título foi proveitosa, visto que ele já
mencionou, sem ver as fotos, algumas das situações apresentadas nelas. Ele disse:
“festa, futebol, diversidade e floresta”. Como ele predisse o que as imagens trariam,
passamos logo para a análise das imagens.
Em relação às cinco imagens, o primeiro aspecto que chamou a atenção foi a ordem
em que SI começou a analisar as imagens: ele começou pela imagem da seleção brasileira.
Segundo ele, a seleção representa não somente o time de futebol, mas toda a nação.
Deixamos que ele fizesse todas as observações de todas as imagens e, então, perguntamos o
porquê de ter começado pela imagem do futebol, pensando que ele fosse responder que esse é
o aspecto mais representativo do Brasil. SI disse que começou pela foto do futebol, porque
esse é o assunto mais fácil para ele e porque é a maior foto, e, por isso, está em destaque.
A segunda foto analisada pelo sujeito foi a do carnaval. Ele, ao final das contas, fez
uma leitura das imagens da direita para a esquerda. A foto apresenta um sambódromo em
noite de desfile de carnaval. SI destacou que outro detalhe que chamou a atenção dele foi que
tanto a foto sobre o futebol quanto a foto do carnaval estão “em movimento”.
A terceira foto mostra uma índia, diante da qual SI falou da origem do povo brasileiro.
O sujeito também comentou que, em seus primeiros contatos ou ainda em seus
prejulgamentos do Brasil, ele pensava que aqui tinha mais índios e que nós podíamos vê-los
na rua. Depois de pouco tempo morando aqui ele já pôde perceber que não é bem assim.
Sobre a quarta foto, ele disse que, ainda que não mostrasse a floresta que ele estava
imaginando, é uma paisagem e, justamente por não ser o que a maioria das pessoas pensa,
representa a diversidade da qual ele havia falado logo no início, quando questionado pelo
significado do título.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
De forma geral, no que se refere às imagens, o sujeito disse que as cores são
parecidas, especialmente o amarelo.
Em relação ao texto verbal, SI não demonstrou muito interesse, visto que da maioria
das informações ele já tinha conhecimento. Segundo ele, elas serviram apenas para “explicar”
as imagens.
As perguntas dessa página de abertura não foram tão aplicáveis ao sujeito, visto que
ele já mora no Brasil e já tem contato com muitos brasileiros. Inclusive, mora na casa de uma
família em que é tratado como um integrante verdadeiro, participando das refeições, das
festas e do dia-a-dia dela. Ele disse que quer conhecer ainda muitos lugares do Brasil e que o
que mais lhe impressiona nos brasileiros é a alegria com que levam a vida.
A autora nos lembra ainda que outro bom motivo para essa valorização do ensino de línguas
estrangeiras é o debate da inclusão da diversidade - social, étnico-racial, etária, de gênero e
orientação sexual, física - no currículo escolar.
SI não conhecia a expressão “a hora é essa!”. Para não induzir uma interpretação,
optamos por mostrar, logo, as imagens. Na página de abertura da unidade 2 há também cinco
fotos: o MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand; uma pessoa votando;
algumas pessoas brindando; uma mulher sozinha olhando para algum lugar; uma mulher
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contemporâneas
sorrindo e olhando em direção ao leitor, mas aparentemente para outra pessoa que aparece na
foto, de costas.
Após ver as imagens, o sujeito disse continuar sem entender o que significava a
expressão “A hora é essa!”. Então, explicamos que está relacionada a momentos importantes
na vida de uma pessoa, sendo ou não importantes coletivamente. Usamos também exemplos,
como o primeiro emprego ou a chance de conseguir um grande emprego. SI falou: “Agora
entendo as imagens”. Com essa simples frase, acreditamos que ele não sabia que estava
“explicando” a multimodalidade: diferentes modos semióticos para construir o sentido geral.
A segunda imagem analisada foi a do brinde. É possível perceber que são quatro
pessoas, pois há quatro copos, mas de duas só se vê as mãos. Os rostos mostrados são de duas
mulheres que estão bem felizes. SI disse que elas estão comemorando algum momento
importante.
A terceira foto sobre a qual o sujeito se debruçou foi a do Museu. Como o nome do
efifício está pouco legível, SI comentou que poderia ser uma Prefeitura ou até mesmo uma
Universidade, que têm a ver com o título. Quando solicitamos que ele tentasse ler o que
estava escrito na placa, ele descobriu que era um Museu e disse que também faz sentido se
relacionado ao título, pois, em suas palavras, “o Museu é a imagem da história”.
A penúltima foto analisada por SI foi a da mulher que está olhando para o horizonte,
com a cabeça um pouco mais empinada. Ele disse que ela provavelmente está pensando em
algo ou decidindo algo importante. Talvez ela vá fazer uma prova e e está em frente à
universidade (lembrando que não é possível ver para onde ela está olhando).
A última foto foi a da mulher sorrindo. SI disse que talvez ele seja o “homem da vida
dela” e eles ainda estão se conhecendo ou ela ainda não se deu conta disso. Aparentemente, a
mulher não está olhando para o homem. Segundo o sujeito, intencionalmente, na foto, há
duas pessoas e elas estão na mesma “roda”, no mesmo grupo, o que sugere que há uma
relação entre elas, ainda que não seja direta.
Pedimos que ele relacionasse a imagem da mulher olhando para não sabemos onde
com a do Museu e ele disse que talvez ela queira trabalhar lá e está lá em frente para fazer
uma entrevista.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Perguntamos, para finalizar a análise das imagens, quais fotos representariam melhor
o título e, segundo SI, ainda que ele não tenha achado algumas imagens claras, sobretudo a
do Museu e a da mulher olhando para algum lugar, é um tema um pouco difícil de ser
ilustrado, pois geralmente “a hora H” tem muitos detalhes não passíveis de serem
fotografados.
Nessa página de abertura, não há, de fato, um texto verbal. O que se apresenta é a
imagem da folha de uma agenda, de um sábado, 13 de setembro, em que os compromissos da
pessoa são: 7h Café da manhã; 10h Reunião do departamento; 12h Almoço com Célia;
13:30h Terminar o relatório; 16h Apresentação do relatório; 18h Pegar a Cris no colégio; 19h
Jantar na casa do Tio Chico. Conversando, chegamos à conclusão de que essa agenda é de
uma pessoa muito atarefada, porque, inclusive no sábado, tem muitos compromissos laborais.
Pensamos também que talvez a escolha da página do sábado não tenha sido a mais adequada,
pois, à noite, a pessoa tem que buscar alguém no colégio.
Em relação às perguntas - “Como o seu dia costuma ser? Quais são seus
compromissos diários?”; “O seu dia é parecido com o que está descrito na agenda?”; “Qual é
o melhor dia da semana para você? Por quê? E qual é o pior?”; “E qual é a melhor hora do
seu dia? O que você faz?” - SI lembrou que, por enquanto, dedica-se somente ao estudo da
língua portuguesa durante todo o dia, mas que no Japão e na África do Sul, países nos quais
já trabalhou, sua rotina não era muito diferente da descrita na agenda.
SI mostrou compreender bem o sentido do título, inclusive por ter semelhança com a
mesma expressão em outras línguas. Ele disse que é sempre bom falar de comida e,
sobretudo, experimentar as comidas dos diferentes lugares.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Em relação a essas fotos, SI fez basicamente a mesma descrição breve que apresentei
acima. Ele falou que há uma variedade grande de saladas, muitos vegetais, mas que a
variedade poderia ser de tipos de comidas. O sujeito destacou que nem todos os pratos que
ele vê na imagem são de origem brasileira e que essa é uma tendência atual. Aqui, ele
afirmou que há uma predominância das cores verde e vermelho. Passamos logo à análise do
texto verbal e, ainda, de um cardápio, apresentado na página.
O texto apresenta os restaurantes “por quilo” e apresenta seu esquema: “você se serve
de todos os tipos de comida que desejar e paga pelo pelo do seu prato”. SI contou-nos que no
Japão não é comum esse tipo de restaurante. Ele afirmou que o tipo de restaurante mais
comum lá é a la carte. São assim, inclusive, os restaurante do dia-a-dia, a que as pessoas vão
no rápido horário de almoço das empresas. Ele ressaltou que, logicamente, existem diferenças
de preço, variedade e qualidade entre os restaurantes do dia-a-dia e os a que as pessoas vão
como lazer ou em um jantar especial. Explicamos a ele que no Brasil há uma variedade muito
grande inclusive dos tipos de restaurante - a la carte, “por quilo”, “por pessoa”,
buffet, rodízio - e que as pessoas frequentam quase todos, respeitando alguma relação
econômica social.
SI falou que é comum ter cardápios escritos de giz em quadros no Japão também,
devido à praticidade de escrever e apagar, facilitando a troca de um dia para o outro: “normal,
menu muda todo dia. É fácil de apagar e escrever no outro dia”, ele afirmou. Ele fez uma
ressalva em relação ao espaço “carnes”, presente no cardápio, fazendo que não entendeu por
que o título é “carne” e peixe é o primeiro nome citado. Explicamos, então, que muitas vezes
peixe é considerado carne, sobretudo em restaurantes em que só se pode escolher um tipo de
carne e que, em outras vezes, por exemplo, em questões religiosas, carne e peixe são
diferentes.
Em relação às perguntas - “Quais desses pratos você nunca encontra em seu país?”;
“A que tipo de restaurante você prefere ir?; “O que você costuma pedir quando vai ao
restaurante?”; “Qual a sua comida favorita?” -, SI não as respondeu diretamente, visto que a
discussão anterior já dava alguma ideia.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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As perguntas apresentadas são “Você gosta de viajar?”, “Qual desses destinos você
prefere? Por quê?”; “Você já visitou o Brasil?”; “Qual foi a melhor viagem da sua vida?”;
“Qual vai ser a sua próxima viagem?”. Nem todas se aplicam a SI, pois ele já mora no Brasil.
Ele disse que tem vontade de conhecer todos os lugares apresentados na página de abertura e
que sua próxima viagem seria para
SI compreende bem o que significa álbum de família e disse que no Japão a maioria
das famílias faz álbum de fotos, assim como aqui no Brasil. A família com que ele mora,
além de ter álbuns tradicionais, tem muitas fotos espalhadas pela casa.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Perguntamos por que na única foto que não há o casal, tem-se a mãe com a filha, e
não o pai. Ele respondeu que provavelmente é porque é mais comum as mães criarem filhos
sozinhos do que os pais. Perguntamos, ainda, se ele achava que os grupos que não foram
representados ali - índios, homossexuais - poderiam sentir-se excluídos, por isso. Ele disse
que talvez sim, mas fez a seguinte declaração: “Eu não pensaria tão profundo olhando essa
página. As imagens servem só para ilustrar”. Diante deste depoimento, refletimos sobre o
papel que as imagens ocupam nos livros didáticos e no ensino de línguas adicionais. Essa
questão será retomada no tópico 5.
As perguntas dessa página de abertura são “Como era a família dos seus pais?”, “O
que mudou de uma época para a outra?”, “Quem mora na sua casa?”, “Em seu país, é comum
haver casais sem filhos?”, “Na sua casa, as pessoas conversam durante as refeições?”. SI
disse que já mora sozinho há algum tempo e que tem quatro irmãos. Sua mãe tem três irmão,
ou seja, são quatro filhos. Bem parecido com a sua casa. Seu pai é filho único, então há uma
diferença entre as gerações, mas que é mais particular do que coletiva. No Japão,
normalmente as pessoas fazem apenas a refeição da noite juntos, e que sim, conversam
durante ela.
Nosso sujeito tem uma compreensão literal da expressão que dá título à unidade. De
acordo com SI, “bate bola” pode significar “bater com o pé” - chutar - ou “com a mão” -
mandar, arremessar.
Ao deixarmos que ele visse as imagens, SI se surpreendeu por “bate bola” também
poder ser usado para se referir a esportes nos quais não se usa bola. As fotos mostram pessoas
praticando esportes variados, como surf, natação, skateboard, karatê, basquete. O sujeito
disse ainda que sobretudo na imagem que mostra uma luta, não é possível afirmar com
precisão qual é essa luta e que, no karatê “original”, a roupa utilizada não é a mostrada na
foto. O que mais chamou a atenção de SI no que se refere às imagens, não somente nessa
unidade, foram as fotos que “mostram movimento”. Além disso, ele afirmou que a foto da
piscina e a do basquete chamam mais atenção, porque são maiores e, além disso, a da piscina
está no centro da página.
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contemporâneas
As perguntas dessa página de abertura são: “Você pratica algum esporte? Qual?”; “O
que é necessário para praticar esse esporte?”; “Qual é o esporte mais popular de seu país?”,
“Há algum esporte que não seja praticado em seu país?”. SI gostou de saber que há um nome
que caracteriza a forma como ele pratica futebol: “atleta de fim de semana”, trazido pelo
texto. Ele disse que no Japão não há a supremacia de um esporte, como no Brasil há o
futebol, pois lá as pessoas, de forma geral, praticam muitos esportes, como tênis, golfe. Sobre
a pergunta de qual esporte não é praticado no Japão, SI disse que a capoeira e que não sabe
muito sobre esse esporte.
Na análise dessa página de abertura foi possível perceber, mais uma vez, que os
diferentes recursos semióticos - fotos, palavras, tabelas, números - foram relacionados para a
construção de um sentido geral.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
O título da unidade 7 é bem direto. Como que filosofando, SI fez uma relação de
“vida” com as seguintes palavras: tecnologia, transporte, segurança, democracia, liberdade,
cultura, moda. Questionamos se “igualdade” não poderia ser incluída nessa lista e ele disse
que sim e que pensou nisso quando disse “liberdade”.
As imagens, segundo SI, revelam a vida moderna brasileira: trânsito muito ruim;
ônibus cheios; falta de dinheiro; barulho; filas em “lugares oficiais” públicos e privados -
Correios, locais para tirar documentos como carteira de trabalho e CPF, aeroportos; um chefe
brigando com seu subordinado. Nesta último, foi possível identificar qual era a situação e
quem eram as pessoas envolvidas graças a recursos possíveis somente em imagens: o chefe
está desenhado maior, em destaque; está gesticulando, com o braço levantado; e sua boca
aberta com “voltinhas” nela, sinalizando que está gritando. O subordinado, por sua vez, está
desenhado pequeno, encolhido, estressado, o que se pode notar por seus olhos fechados em
consequência do mal-estar que provocam os gritos de seu chefe.
O pequeno texto verbal apresentado aqui é uma citação das diferentes situações da
vida cotidiana moderna que causam estresse e funcionaria, talvez, como legenda das imagens.
Portanto, não foi para SI nenhuma surpresa.
As perguntas são “Qual dessas imagens chama mais sua atenção? Por quê?”; “O que
você faz numa situação como essa?”; “Você sabe o que é estresse?”, “Além dos elementos
mostrados nas fotos, o que mais deixa você estressado(a) ou irritado(a)?”; “O que você faz
quando está estressado(a) para aliviar a tensão?”.
Para aliviar o estresse, o sujeito afirma praticar esportes, ir a locais em que se pode ter
contato direto com a natureza, conversar com os amigos, viajar.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A unidade 8, por fim, trabalha os diferentes “tipos de pessoa”. Para SI, o título sugere
o tema “moda”, “mundo fashion”, cores, tipos de roupa. Ele disse que a frase “Com que
roupa?” normalmente é utilizada quando temos que ir a alguma festa ou a algum lugar ou
evento especial. Além disso, o sujeito afirmou se tratar de uma prática individual com
preocupação social: “as pessoas se preocupam com o que os outros prensam”.
São apresentadas seis fotos com pessoas vestidas de maneiras bastante diversificadas.
Chamou mais a atenção de SI a foto da mulher de óculos, porque está no centro e porque ela
está muito arrumada, como para ir a uma festa. O sujeito deu a entender que a considera
“perua” e ressaltou que esse termo podeser empregado em um sentido bom ou em um ruim. A
segunda foto comentada foi a do homem que está na parte mais baixa da página, o qual SI
descreveu como: pank, do rock. O sujeito pensa que atualmente esse tipo de pessoa não muito
bem visto na sociedade. Em seguida, a foto analisada foi a da mulher mais da direita, que é
hippie. SI disse que acha que agora os hippies estão “extintos”. A quarta foto sobre a qual SI
se debruçou foi a que apresenta meninos skatistas, para ele, normalmente os skatistas são
pessoas mais jovens e que são respeitados pela sociedade tanto quanto o homem da quinta
foto, que está vestindo uma roupa caracterizada pelo sujeito como “muito simples”, quer
dizer, uma roupa do dia-a-dia, sem ser social: calça jeans e camisa de malha. A última foto
mostra uma senhora com roupa de própria para fazer atividade física: tênis, calça mais larga e
uma blusa de malha.
As perguntas propostas nessa página de abertura são: “Você segue algum estilo?
Qual?”; “O que as suas roupas dizem sobre você?”; “O que é mais importante para você:
estilo ou conforto?”; “Você acha importante se vestir na moda?”. Para todas as perguntas, SI
deu a seguinte resposta: “Agora não sigo nenhum estilo, mas quando eu tinha treze ou quinze
anos, eu era skatista, no Japão. Era tratado igualmente pelas pessoas na rua e usava o mesmo
estilo de roupa representado na foto. Agora, minhas roupas indicam que não sou punk, nem
hippie, nem hippie hop. Minhas roupas dependem da situação em que estou, porque para
trabalhar vou de camisa e de gravata, para mostrar seriedade; no dia-a-dia, uso calça jeans e
camisa polo. Acessórios como anel, cordão, pulseira e bolsas também podem ‘falar quem a
pessoa é’. Para mim, conforto é mais importante, mas nas festa e no trabalho, o estilo é mais
importante. Na minha opinião, a moda não é tão importante. Acho que as mulheres se
preocupam mais com isso, independentemente da cultura, porque gostam de comprar e vestir
roupas novas”.
5 A MULTIMODALIDADE E A MULTICULTURALIDADE
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O uso de diferentes modos semióticos obriga o leitor a pensar diferente, a ler de forma
inovadora, visto que, ao longo de sua vida escolar, foi habituado a ler o texto escrito, devido à
supremacia que o verbal alcançou sobre o visual. É pensando nisso que o presente artigo
destina-se ao trabalho com textos multimodais, observando qual é o impacto da integração de
formas verbais e visuais na leitura e, consequentemente, na interpretação dos alunos. A partir
da descrição da análise da página de abertura de cada unidade, foi possível perceber que SI,
sujeito de nossa pesquisa, nem sempre “respeitou” a ordem proposta na página. Quase
sempre ele começou a interpretação pela imagem da direita ou pela que estava no centro ou
pela que mais chamava sua atenção pelo jogo de cores ou pelos movimentos. Isso nos mostra
que ele atuou efetivamente como designer, de acordo com a teoria de Kress (2006), traçando
seu próprio percurso de leitura e atribuindo seus pensamentos e cultura à interpretação dos
textos multimodais. Como lembra-nos Mattos (2011), “a multimodalidade acaba por
influenciar também a produção e a leitura de textos que anteriormente teriam sido produzidos
e lidos de forma tradicional” (p. 36).
Os estudos dos multiletramentos propõem esse olhar crítico para as salas de aula e
para os materiais didáticos. Paes de Barros (2009 apud Barros e Costa, 2012, p.45) propõe
quatro estratégias de observação da multimodalidade, baseadas em alguns pressupostos da
Semiótica Social e em pressupostos teóricos enunciativo-discursivos:
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Percebe-se que, além dessa grande função que multimodalidade tem de fazer o leitor
ativar “diversas capacidades linguístico-discursivas e de leitura aliadas à organização e
observação das informações”, as imagens e os textos verbais da página de abertura de cada
uma das oito unidades do livro Viva! Língua Portuguesa para estrangeiros - volume 1
reforçam a teoria de Mendes (2004; 2011) de que língua e cultura são indissociáveis:
“conhecer a língua e conhecer através da língua” (MENDES, 2011, p. 148). A cada novo
elemento que o aluno tem para analisar, ele conhece um pouco mais da cultura brasileira e
tem a oportunidade de compartilhar, ainda que somente com o professor, como no caso de SI,
sua cultura.
6 CONCLUSÃO
Na análise da página de abertura das oito unidades do livro Viva! Língua Portuguesa
para estrangeiros - volume 1, de Claudio Romanichen, percebemos que o autor absorveu a
perspectiva dos multiletramentos, uma vez que uniu de forma bastante satisfatória as
dimensões da multimodalidade e da multiculturalidade.
Concluímos que o livro Viva! é o sinal de que os autores de livros didáticos estão
atentando-se às teorias discutidas na área da linguística aplicada e estão buscando incluí-las
em sua coleção, dando espaço a elementos visuais não só com a função de ilustração, mas
integrando-os aos elementos verbais para a construção de todo significativo, como propõe a
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Referências
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É verdade que não se pode entrar no “mesmo” rio dias vezes, mas também é verdade que “a
mesma” ideia não pode entrar duas vezes no rio dos pensamentos.
Zygmunt Bauman
Resumo: este trabalho visa fazer uma investigação inicial do exame para a Certificação de
Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros no Brasil (Celpe-Bras), considerando-
se a multiculturalidade como elemento-chave no processo de aprendizagem do Português
como Língua Estrangeira (PLE). A motivação para tal abordagem está centrada na
possibilidade de abordar o resultado do processo de ensino/aprendizagem de PLE, a partir do
contexto de uso da Língua Portuguesa por falantes estrangeiros, no contexto do exame que
tem por objetivo avaliar o grau de proficiência em Língua Portuguesa dos aludidos
candidatos, de modo a lhes conferir a certificação. Para isso, como aporte teórico que toma o
discurso por objeto de estudo, mobiliza-se a Análise do Discurso de linha francesa,
fundamentada, principalmente, por Michel Pêcheux. A metodologia utilizada para o
desenvolvimento da pesquisa se volta à abordagem qualitativa, a partir da qual a perspectiva
teórica é aplicada a materiais coletados nas aplicações do processo avaliativo no Celpe-Bras.
Por esse viés, aspectos relativos ao exame passam a receber um olhar do ponto de vista sócio-
histórico e ideológico, em detrimento de uma visão subjetivista dos fenômenos de
(re)produção de efeitos de sentido na linguagem, conferindo maior objetividade à
investigação científica. A multiculturalidade surge como materialidade discursiva, cuja
propriedade é de proporcionar a instauração de sentidos, constituindo-se como parte de uma
relação interdiscursiva regida pela tensão entre o dizer e o pré-construído, entre a paráfrase e
a polissemia. Mediante a análise de dados referentes ao Celpe-Bras, passa a ser possível
identificar como o aspecto multicultural se faz presente no universo do candidato e de que
modo se materializa no processo avaliativo em tela, proporcionando uma melhor
compreensão do papel da multiculturalidade no contexto de aprendizagem do PLE.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Introdução
Com isso, espera-se apresentar uma reflexão que leve a identificar algumas
perspectivas da multiculturalidade que estão (ou poderiam estar) não silenciadas,
materializadas no texto do exame. O resultado do estudo visa à identificação de elemento
presentes (ou ausentes) cuja propriedade seja a de direcionar o candidato à utilização da
linguagem de modo a não somente reproduzir informações sobre a cultura brasileira, mas a
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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relacionar redes discursivas para a constituição de textos nos quais se cristalize esse ambiente
de pluralidade que caracterizam o ambiente social e, consequentemente, a realidade
multicultural.
Há quem diga que o mundo está cada vez mais pluralizado. Verdade ou não, o fato é
que, desde a metade do século XX, o pós-modernismo vem promovendo mudanças de
diferentes naturezas, as quais vão desde as artes até as ciências. Diante da presença dos
media, juntamente com o surgimento e o avanço das novas tecnologias, tais mudanças têm se
tornado, se não mais constantes, ao menos mais perceptíveis.
A atribuição desse valor, por sua vez, não se fundamenta em estudos científicos, nem
em fatos comprobatórios, por isso que surge como uma concepção prévia. O efeito que essa
posição causa é o de valorizar mais a cultura escrita do que a oralidade, em uma polarização
que vai de encontro à perspectiva de Marcuschi (2005, p. 19): “Até mesmo os analfabetos,
em sociedades com escrita, estão sob a influência do que contemporaneamente se
convencionou chamar de práticas de letramento”. A supervalorização da escrita pela
sociedade passa a conceber o letrado em detrimento do analfabeto, a privilegiar certos
lugares sociais e não outros, remetendo à realidade da luta e da divisão de classes.
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contemporâneas
social indispensável para a compreensão das peculiaridades das sociedades, como explica
Santos (2006, p. 19):
Apesar de servir para caracterizar variadas manifestações sociais, tal acepção ligada à
cultura é concebida como proveniente do “conceito antropológico descritivo”, o que a torna
simples e vaga. Por esse viés, utilizar a cultura para caracterizar as variadas manifestações
que singularizam e distinguem nações, além de anular a perspectiva de valor (considerando-
se a equidade entre tais manifestações), torna a noção vaga, na medida em que é tomada em
sua pluralidade. Na Paidéia o que se procura evidenciar é o processo de constituição do
homem grego e, com isso, o contexto de desenvolvimento dos princípios formativos dos
povos do ocidente. É a partir daí que a Grécia é tida como o berço cultural das civilizações
ocidentais, retomando-se, pois, a ideia de relevância ao conceito de cultura.
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Com esse breve apanhado acerca das noções de cultura, pode-se perceber o quão
complexo e diversificado é o espaço de (re)significação desse conceito, evidenciando a
heterogeneidade que o recobre. Para este trabalho, a cultura vai ser refletida a partir de um
campo um pouco diferente, o qual se torna necessário para a abordagem analítica que se
propõe realizar. Sendo assim, este termo receberá uma reflexão por meio da ideia de
(multi)cultura(lidade), de forma a tornar possível a utilização de um conceito viável à
percepção das condições multiculturais que se estabelecem na rede interdiscursiva de
constituição dos dizeres materializados em uma avaliação do Celpe-Bras, como forma de
contribuir para o estudo de PLE no Brasil.
Em seus estudos, Candau (2013, p. 19) identifica pelo menos dois caminhos para a
abordagem da questão multicultural: o descritivo e o propositivo. O primeiro, como o próprio
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A prova do Celpe-Bras está estruturada em dois momentos distintos: uma parte oral e
outra parte escrita, nas quais o estrangeiro deverá demonstrar algum grau de proficiência no
processo de comunicação e interação em Língua Portuguesa. De acordo com o seu
desempenho e com as notas obtidas, cada candidato será classificado em um dos cinco níveis
de proficiência adotados pelo Celpe-Bras. São eles: Básico, Intermediário, Intermediário
Superior, Avançado e Avançado Superior. Aqueles que não obtiverem um desempenho
minimamente satisfatório, tendo alcançado média abaixo de 1 ponto, são classificados como
candidatos sem certificação.
Aplicada em cada posto para todos os candidatos neles inscritos, a parte escrita da
prova é composta de quatro questões diferentes (denominadas de tarefas 1, 2, 3 e 4) nas quais
se exige a elaboração de um texto/resposta, de acordo com as exigências e expectativas
contidas em cada uma delas. Tais exigências e expectativas estão voltadas para aspectos
lingüísticos e comunicativos, como o gênero textual adequado para o contexto sócio-
comunicativo em evidência na proposição da tarefa, além de propósitos e interlocutores
inseridos nesses contextos. Os aspectos relativos à adequação gramatical e lexical devem
estar a serviço da construção do texto que se pede, visando concretizar, de modo efetivo, a
interação e comunicação entre os interlocutores envolvidos.
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texto/resposta, elaborado individualmente por cada candidato, que deverá se projetar como
um “sujeito” distinto em cada tarefa da prova. Assim, pode-se afirmar, em certa instância de
análise discursiva, que não é necessariamente o próprio estrangeiro que elabora o seu texto,
mas sim um outro sujeito (um “personagem”) distinto, que se apresenta no processo
linguístico-discursivo para dar respostas e interagir no contexto sugerido por cada tarefa
proposta pelo exame Celpe-Bras.
Ainda falando sobre os textos presentes nas provas do Celpe-Bras, vale salientar que
seus conteúdos versam sobre aspectos diversos do cotidiano dos brasileiros, bem como sobre
elementos culturais, artísticos, sociais, históricos, geográficos... Além disso, tais textos
abordam aspectos relativos ao comportamento, à moda, gastronomia, vida na cidade e no
campo, agricultura, curiosidades, dentre outros temas diversos. De certo modo, isto contribui
para fazer com que os candidatos sintam-se mais inseridos na cultura brasileira e possam,
assim, demonstrar, através da realização das tarefas contidas na prova, seu nível de
proficiência no idioma brasileiro.
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que exigirá do candidato uma tomada de posição diante de determinada situação, devendo
esta ser evidenciada em seu texto/resposta.
3 Análise do corpus
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aproveitar integralmente tudo o que ia para a cozinha” (CELPE-BRAS, 2015, p. 6). O contato
do indivíduo com este ambiente sócio-histórico faz com que, ao se subjetivar (ou seja, ao se
tornar sujeito do discurso), se insira, na dispersão da forma-sujeito, em um lugar social que
concebe a relevância do aproveitamento integral dos alimentos, diante de um contexto de
necessidade, de sobrevivência. Essa citação remete a condições sócio-históricas relacionadas
a um dos estados nordestinos marcados pela pobreza e pela exclusão, o que remete à
realidade cultural cuja construção se inscreve nas relações de poder:
As relações culturais não são relações idílicas, não são relações românticas,
elas estão construídas na história e, portanto, estão atravessadas por
questões de poder, por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo
preconceito e discriminação de determinados grupos. (CANDAU, 2013, p.
23)
Essas relações de poder se vinculam ao que Althusser (2003, p. 70) vai denominar de
os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) e Aparelhos Repressores de Estado (ARE), os
quais têm seus modos de funcionamento definidos da seguinte maneira:
Desse modo, vê-se, nas políticas públicas, como Aparelhos de Estado, um processo
marcado pela assimetria na distribuição de recursos, propiciando a desigualdade entre
distintos grupos sociais e, com isso, o impacto nesse cenário multicultural: “Já no Rio, a
partir de 2001, revoltou-se ao se deparar com o desperdício em feiras livres”.
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Conclusão
Referências
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ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 9. ed. Trad. Walter José Evangelista
e Maria Laura Viveiros de Castro: Introdução crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003.
BAUMAN, Zygmunt. Ensaios sobre o conceito de cultura. Trad. Carlos Alberto Medeiros.
Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In:
_____; MOREIRA, Antonio Flávio (orgs.). Multiculturalismo: Diferenças Culturais e
Práticas Pedagógicas. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013, p. 13-37.
CELPE-BRAS. Parte Escrita: Caderno de Questões 2015/2. São Paulo, 2015, p. 9.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Trad. Eni P.
Orlandi. Campinas: Pontes, 2003.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 6. ed.
São Paulo: Cortez, 2005.
ORLANDI, Eni. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 2007.
PÊCHEUX. M & FUCHS C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e
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discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradutores Bethania S. Mariani... [et al.]
3. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006.
Muitas discussões têm sido travadas sobre o tema ensino de português para
estrangeiros (PLE) ou português língua 2 (PL2) ou, ainda, português para falantes de outras
línguas (PFOL). Independente de como nomeamos esta prática, o que se observa é que tais
discussões remetem-se, com frequência, a questões voltadas aos conteúdos gramaticais a
serem ensinados, ao desenvolvimento de pronúncias consideradas grau ótimo, ao domínio de
determinadas situações comunicativas e alguns gêneros mais correntes nas práticas em que
alunos estrangeiros se inserem dentro e fora da sala de aula. Este trabalho objetiva tratar de
atividades exteriores à sala de aula e se insere numa pedagogia de ensino de língua na
modalidade estrangeira por uma visão que relaciona língua e cultura. Assim, apresenta uma
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Pontos de Partida
Partimos do princípio que ensinar língua materna exige saberes diversos. A começar
por saber que língua é essa que se pretende ensinar, a quem e como se deseja ensinar. Exige
também o conhecimento do que se constrói fora da língua e a partir dela, em um contínuo
exercício de integrar os saberes da língua e os construídos na experiência da vida que se vive.
Língua heterogênea, sujeitos diversos, múltiplos saberes, de acordo com Mendes e
Castro (2008). Do mesmo modo, para ensinar língua estrangeira – o português na modalidade
estrangeira – as exigências se multiplicam, pois não se trata de um aluno que cresceu e se
formou ouvindo, assistindo, participando, partilhando fatos, histórias, saberes vividos e
vivenciados próprios de seu contexto, como é o caso dos alunos nativos, fator que,
possivelmente, facilita o aprendizado deles. Ao aluno estrangeiro deve ser oferecida a
oportunidade de conhecimento e de vivência da história do país da língua que está
aprendendo. Nesse sentido, acreditamos que conhecer os monumentos materiais e imateriais
do brasileiro amplia as possibilidades de aprendizado da língua bem como favorece a
inserção do aprendiz numa parcela do universo cultural brasileiro.
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restritivas, de modo a realçar o diálogo entre culturas. Nesse sentido, Silveira, desde 1998,
vem propondo um tratamento intercultural à prática pedagógica do ensino de português
língua estrangeira como forma de contribuir para o sucesso desse aluno, pois surge a
possibilidade de ele refletir, compreender, avaliar e aceitar sua própria cultura pela
compreensão da cultura do outro, percebida pela língua nova. Isso significa dar-lhe
consciência de sua própria cultura. Já Mendes ( 2008, p. 61) atribui ao que chama
qualificação intercultural ( do ensino de PLE)
Por esse pressuposto, deve-se entender que ensinar/aprender outra língua não é
sobrepor a cultura da língua alvo à cultura de origem do aluno, mas o aluno, na medida em
que é levado a assimilar a cultura da nova língua, enriquece-se, modifica-se, cresce, pois é, ao
mesmo tempo, levado a tomar consciência de suas próprias identidades. Desse modo, deve-se
compreender que ensinar língua para estrangeiro não é ensinar apenas uma outra língua, mas
também a cultura de seus falantes.
As aulas guiadas
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Para este trabalho, selecionamos, a título de exemplificação, uma situação: uma aula
possível no Memorial da América Latina no Mercado Municipal de São Paulo. Para a
realização da atividade, faz-se necessário recuperar e apresentar informações sobre o espaço a
ser visitado, a fim de que professor e alunos estejam preparados para interagirem na
construção positiva de conhecimento pela experiência.
Fonte: https://binged.it/2bXwQj8
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Como o propósito da aula com a visita guiada é construir conhecimento para o aluno
aliando lingua e cultura, o segundo momento é o da visita em si, quando o professor deve
saber explorar todos os espaços disponíveis, neste caso, no Memorial. É nesta etapa que
conhecimentos mais amplos e diversificados são exigidos do professor, pois, o aluno
estimulado, tem oportunidade de questionar sobre diversos assuntos relacionados ao que já
conhece de outras experiências e ao que neste instante vivencia. Desse modo, destacamos
alguns pontos obrigatórios a serem tratados durante a visita, por exemplo:
Cabe explicitar que os alunos para os quais esta atividade tem sido aplicada
apresentam, em sua maioria, formação acadêmica e cultural ampla, pois são graduados em
áreas diversificadas, têm profissão definida ou desenvolvem pesquisas acadêmicas, o que
estimula muito o interesse em saber sobre o Brasil e o brasileiro.
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Desse modo, compete também ao professor saber e tratar com os alunos aspectos
sobre a concepção antropológica de Darcy Ribeiro que o orientou na projeção artística que
ilustra e figurativiza os diferentes ambientes do Memorial, especialmente, o Salão dos Atos,
com trabalhos de dois importantes artistas – Portinari, brasileiro, e Carybé, argentino, que
viveu no Brasil a maior parte de sua vida – cujas obras compõem, por um processo
metonímico, um painel integrador, histórico e cultural, da América Latina, com valor
inestimável. Por esse painel, é possível recuperar, para o aluno, a história do Brasil - e dos
países vizinhos – pelos quadros que representam, por exemplo, os processos de colonização,
de produção econômica ao longo dos tempos, pela extração mineral e vegetal, as lutas pela
dominação ou defesa dos territórios, entre outros de igual importância.
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Fonte: http://bit.ly/2bQrDJj
Ao professor cabe prepara o aluno para a vivencia in loco com uma variedade
indescritível de produtos. Algumas questões tornam-se obrigatórias para a observação dos
alunos e o professor debe explorar, por exemplo:
Não há duvidas sobre a riqueza a ser explorada num aula ambientada no espaço como
o do Mercado Municipal de São Paulo. Por essa razão, o professor deve estar preparado
para analisar junto com os alunos a expressividade dos 32 painéis, subdivididos em 72
vitrais onde se pode identificar o trabalho manual do produtor rural no lavor da terra, no
cultivo e na colheita de produtos típicos, a tração animal para o arado e o transporte, a
criação do gado e de aves, a paisagem brasileira. Todo esse universo de modo a representar
toda a produção alimentícia, todo o valor da produção e do trabalho humano e dos hábitos
do povo brasileiro.
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Fonte: http://bit.ly/2bAnaHd
Muitos outros pontos podem ser trazidos para a discussão em aula, a fim de conduzir
uma reflexão e uma consientização, por exemplo, a arquitetura que coloca em foco a
modernidade brasileira versus a antiguidade europeia; o valor das raízes históricas
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Todos esses procedimentos possibilitam ao aluno fazer uso da língua que está
aprendendo, verbalizar suas impressões, interagir de modo a resolver sua necessidade de
compra, avaliar seu preparo para colocar a nova lingua em situação real de uso.
À guisa de conclusão
Referências
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1- Introdução
O primeiro passo para cumprir este novo desafio foi buscar um aporte teórico no qual
o projeto pudesse se embasar. Chegou-se ao conceito de língua de acolhimento, proposto por
Grosso (2010), o qual será explorado posteriormente neste trabalho. E, embora o Centro de
Línguas e Interculturalidade (Celin-UFPR) da universidade tenha mais de 20 anos de
experiência no ensino de português como língua estrangeira (PLE), verificou-se que seus
materiais didáticos não eram adequados às necessidades do público atendido pelo PBMIH.
Tampouco existiam no mercado editorial livros voltados à população refugiada no Brasil.
Decidiu-se, então, que o PBMIH produziria seu próprio material didático, voltado à realidade
de seus alunos.
2- Desenvolvimento
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O Programa conta com seis projetos de extensão, coordenados por seis cursos de
graduação da UFPR: Letras (aulas de português brasileiro); Direito (assessoria jurídica);
Informática (ensino de informática e letramento digital); Psicologia (assistência psicológica);
146 A Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), criada em 2003 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR) tem como o objetivo o incentivo à pesquisa e a produção acadêmica relacionada ao Direi-
to Internacional dos Refugiados.
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De setembro de 2013 a junho de 2016, o projeto atendeu a 1138 alunos. Destes, 992
são haitianos e 146 são de outros países – Síria, Tunísia, República Democrática do Congo,
Nigéria, Egito, Marrocos, Paquistão, Bangladesh, Colômbia, Peru e Venezuela.
Todas as ações do PBMIH possuem como base o ensino de português brasileiro como
língua de acolhimento. Cabete (2010) apoia-se em Soto Aranda e El-Madkouri (2006) para
definir esta língua como um idioma adquirido em contexto migratório, como a situação em
que se encontram os alunos do PBMIH. Grosso (2010) vai além e afirma que a língua de
acolhimento é aquela orientada para a ação e, sobretudo, para um saber fazer voltado à
interação social e às condições de vida que o migrante encontrará na nova sociedade
acolhedora.
147 Mais informações sobre o perfil dos alunos, como idade, sexo, classe social e distribuição em Curitiba e re -
gião podem ser acessadas em Ruano e Cursino (2015).
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A partir deste conceito proposto por Grosso (2010), percebemos a relação entre a
aprendizagem do idioma do país de acolhimento e a inserção do migrante na sociedade
acolhedora. O desenvolvimento de políticas linguísticas voltadas a este público recém-
chegado faz-se necessário, uma vez que “quem chega precisa de agir linguisticamente de
forma autônoma, num contexto que não lhe é familiar”, (GROSSO, 2010, p.66) e não tê-las
significa deixar migrantes e refugiados às margens da guetização, uma vez que, conforme
ressalta Amado (2013), esses sujeitos chegam ao país de acolhimento em situação de miséria,
seja ela econômica, social ou moral.
Para que o formato “Porta Giratória” possa funcionar, cada grupo conta com dois ou
três professores - em geral, alunos do curso de graduação e pós-graduação em Letras da
UFPR, além de professores da mesma instituição. Deste modo, sempre há um professor
pronto para receber o novo aprendiz e auxiliá-lo em sua adaptação na sala de aula e nos
conteúdos já trabalhados. Há, ainda, uma grande preocupação com a formação dos docentes,
principalmente por que abordagens teóricas sobre as práticas de português como língua
estrangeira e língua de acolhimento são muito recentes na UFPR e no Brasil de maneira
geral. Deste modo, todos os professores do projeto passam por um curso de formação
148 O conceito de Ensino em Trânsito é melhor explorado por Ruano e Grahl (2015).
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continuada cujos objetivos vão ao encontro das demandas do PBMIH. São encontros
semanais com o intuito de discutir aspectos relevantes sobre o português brasileiro e de
refletir sobre práticas didáticas e sobre a produção de material didático voltado para
migrantes e refugiados, de acordo com as particularidades deste grupo de estudantes.
No início do projeto PBMIH uma necessidade urgente foi o material didático a ser
utilizado nas aulas. Primeiramente foram utilizadas as atividades aplicadas pelos cursos
regulares do Português como Língua Estrangeira (PLE) no Celin-UFPR, porém tais propostas
logo se demonstraram ineficientes e insuficientes para os desafios que se apresentavam.
Embora o empenho em preparar material didático próprio tenha sido considerado complexo,
optou-se por dar início a esse empreendimento. As razões por essa opção foram a busca por
adequar-se ao perfil dos alunos, suas necessidades e interesses. Foi então que, nas reuniões
semanais do grupo, discussões foram feitas para buscar embasamentos teóricos e didático-
metodológicos que auxiliassem os professores a produzirem seus materiais.
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explica Mendes (2011): “A busca pelo equilíbrio entre teoria e prática, entre desejo e
realização, entre o ideal e o factível tem sido a principal meta daqueles imbuídos na tarefa de
ensinar língua” (MENDES, 2011, p.145).
O ensino de línguas por tarefas ganha corpo dentro do enfoque comunicativo pela
necessidade de envolver os aprendizes de línguas na produção de tarefas contextualizadas,
com um propósito e situações semelhantes as do mundo real. Como enfoque comunicativo
consideramos orientações metodológicas no campo do ensino de línguas que evidenciam o
caráter funcional da língua como instrumento de comunicação. O conhecimento
sociocultural, discursivo, estratégico e gramatical faz parte do uso funcional da língua.
De acordo com Paiva (2005) foi Dell Hymes (1972) quem forneceu um dos conceitos
estruturantes do enfoque comunicativo. De acordo com a autora, “para Hymes, um falante
para ser comunicativamente competente não deve apenas dominar as estruturas linguísticas,
mas saber, também, como a língua é usada pelos membros de uma comunidade de fala”.
(PAIVA, 2005, p. 158).
Além disso, Paiva (2005) cita como fundamentais para o enfoque comunicativo as
ideias de Wilkins (1976) e Widdowson (1978). A autora enfatiza que Wilkins contribui com
um novo olhar para o ensino de línguas quando propõe que a organização do material
didático seja feito pelas noções, ou seja, pelos significados (lugar, espaço, tempo,
movimento) e pelas funções da linguagem ou atos comunicativos, por exemplo: pedir e dar
informações, fazer um pedido em um restaurante; etc.
No final dos anos 1980 um estudo realizado por Prabhu (1987) dá início à concepção
do ELT - Ensino de Línguas por Tarefas. Nesse estudo o linguista indiano descreve um
projeto de ensino de língua no sul da Índia em que foram utilizadas tarefas. Segundo Santos
(2014), nesse projeto o direcionamento era para o significado e procurava-se evitar a pré-
seleção da linguagem e atividades focalizadas na forma. Acreditava-se que a forma seria
melhor aprendida quando a atenção dos alunos estivesse voltada para o significado.
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Na mesma época o linguista David Nunan (1989) publica uma edição voltada à
descrição e orientação quanto ao ELT. O objetivo do livro – Designing tasks for the
communicative classroom – é fornecer aos professores uma introdução prática para o design e
desenvolvimento de tarefas para o ensino de línguas. O autor apresenta cinco variáveis que
devem ser levadas em conta para a análise de uma tarefa: objetivos, insumo, atividades, papel
do professor, papel do aluno e contexto.
No Brasil um dos primeiros estudos na área do ELT foi de Barbirato (1999). Segundo
a autora “o uso de tarefas no ensino de línguas não é algo novo, nem uma descoberta inédita
do enfoque comunicativo. O que é novo e diferente é a maneira como o uso delas é
tratado” (BARBIRATO, 1999, p.60). Segundo Santos (2014), houve uma mudança em
relação à valorização das tarefas enquanto estratégia de ensino, à organização de programa de
curso e à sua inclusão em estudos acadêmicos.
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O exemplo acima está mostrando uma tarefa oral e outra escrita que fazem parte de
uma unidade temática cujo objetivo é praticar situações de comunicação relacionadas a
despesas mensais. Os enunciados das tarefas apresentam um locutor, que é alguém que
precisa cumprir um objetivo, um interlocutor (Sanepar149 e a Prefeitura), o propósito a ser
cumprido (fazer uma reclamação), o gênero do texto a ser realizado. A condição dos
interlocutores pressupõe um registro linguístico formal e por isso o ideal é que esses alunos
sejam orientados a produzi-los, e ainda, terem lido ou ouvido um texto semelhante.
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A definição de qual proposta de texto solicitar aos alunos deve seguir um rígido
processo de observação dos gêneros de partida (para leitura e análise) que já foram estudados
pelos alunos e o que eles ainda necessitam praticar ou aprender.
... Com efeito, assim como qualquer organismo executa qualquer sinfonia,
olhando para a partitura a qual talvez ele não fosse capaz de compor nem de
executar de cor só com a voz ou com o órgão, assim também por que é que
não há o professor de ensinar na escola todas as coisas, se tudo aquilo que
deverá ensinar e, bem assim, os modos como o há de ensinar, o tem escrito
como que em partituras? (Comenius, 1627: XXXII-4).
A citação foi escrita por Comenius em sua Didacta Magna e ressaltava a importância
do planejamento das aulas e a sua execução como uma sinfonia. O cuidado ao qual o autor se
refere em relação às práticas de ensino são uma preocupação antiga e a harmonia entre as
atividades, a escolha dos textos que farão parte dela e os objetivos de ensino são elementos
que precisam ser cuidadosamente pensados.
Deste modo, o ponto de partida para a elaboração das UTs deve ser o programa de
curso elaborado a partir de estudo ou pesquisa sobre o perfil, as necessidades e os interesses
dos alunos. O programa de curso é como um mapa que permite visualizar os propósitos do
curso, os gêneros discursivos a serem lidos e praticados, as tarefas a serem cumpridas pelos
alunos, os temas a serem abordados, os principais tópicos culturais e os tópicos linguísticos a
serem explorados.
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Seguindo estes objetivos, a confecção das UTs segue algumas etapas que são:
garimpagem de textos (orais e escritos); didatização destes textos com propostas de pré e pós-
leitura; elaboração de tarefas de produção de textos; elaboração de atividades de reflexão
sobre as estruturas linguísticas e exercícios de pronúncia e prosódia, assim como exercícios
de prática gramatical.
Após a definição dos textos inicia-se o processo de didatização dos textos. Essa etapa
implica em propor perguntas de interpretação, compreensão e discussão que constituem dois
momentos, pré-leitura e pós-leitura.
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As etapas aqui citadas devem seguir de guia para a confecção das UTs, porém não
devem ser vistas como uma camisa de força que limita a criatividade do professor elaborador
de materiais. A criação das propostas de ensino deve acontecer de modo a surpreender os
alunos e instigá-los a envolver-se com a proposta e a produzir as tarefas e as discussões. Os
anexos 1 e 2 mostram o resultado de todas essas etapas. O primeiro é uma UT para alunos do
PBMIH-Haiti. O segundo é voltado para um dos grupos do PBMIH-Acolhimento.
3. Considerações Finais
O PBMIH é uma iniciativa com diversos desafios: alunos com diferentes níveis de
proficiência da língua-alvo em uma mesma turma, déficit de letramento em língua materna, a
realidade colocada pelo formato “Porta-Giratória” (uma vez que o aluno não segue todas as
aulas do semestre) além da própria condição de vida em que muitos dos estudantes se
encontram. Todos esses fatores impõem uma complexidade ao processo de ensino-
aprendizagem e, consequentemente, à produção de material didático do projeto.
Entendemos que dominar a língua é sinônimo de maior autonomia e, por sua vez, de
maior inserção social. Deste modo, as Unidades Temáticas criadas pela equipe de professores
do PBMIH trazem assuntos relacionados ao dia a dia (vida profissional, como ir ao médico,
como funciona o sistema de educação do Brasil, entre outros), à inserção sociocultural
(opções de lazer em Curitiba, etc.) e reflexões sobre a realidade brasileira atual (questões
políticas, preconceito racial, questões de gênero). Acreditamos, assim, que a sala de aula não
é espaço apenas de sistematização do idioma, mas sim de aprendizagem e reflexão das
diversas facetas da sociedade acolhedora.
Sabemos também que um dos maiores desafios da migração é a aceitação deste outro
que chega a uma nova sociedade. O primeiro passo para que o migrante seja, de fato, aceito é
a criação de espaços de trocas de experiências culturais. Ao longo de sua existência, o projeto
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Vale ressaltar, por fim, que no decorrer dos últimos quatro anos, os professores do
projeto PBMIH vêm se dedicando a pensar a produção dos materiais didáticos e também as
práticas de ensino. Conseguimos elaborar várias UTs que agora estão sendo compiladas em
uma apostila e em breve serão disponibilizadas para os alunos. Essa é uma importante
conquista se pensamos no curso tempo do projeto e que os professores são voluntários. No
entanto, sabe-se que há muito por fazer, principalmente no aprimoramento dos materiais
disponíveis atualmente, sempre tendo em mente que as UTs e a sala de aula são etapas
importantes para que migrantes possam recomeçar suas vidas em uma sociedade que deve
acolher e transformar plenamente sua configuração social.
Referências
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2. A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA
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Libâneo propõe que a atitude reflexiva ultrapasse a vivência da sala de aula para a
busca de soluções que vão além das soluções imediatas.
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A formação do professor por meio da prática reflexiva tem como propósito essencial
levar o acadêmico a alcançar uma autonomia profissional através da pesquisa na ação.
Desta forma, objetiva-se que o professor reflexivo possa ser capaz de agir de uma
forma mais autônoma, inteligente, flexível, sendo um construtor e reconstrutor de seu próprio
conhecimento. Neste prisma, o professor reflexivo passa a agir como um ser humano criativo,
capaz de repensar, analisar, indagar a sua prática a fim de agir sobre ela e não somente
reproduzir ideias e práticas que lhes são incumbidas.
Todas essas ações se inter-relacionam para assegurar uma intervenção mais eficiente e
corroboram para uma prática docente mais flexível e coerente com a dinâmica de ensino da
língua, observando o contexto comunicativo, psicológico e sociocultural de ensino.
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O documento QuaREPE (2012, pág. 15) disserta sobre o uso do discurso oral como
uma competência comunicativa que deve realizar-se sob o contexto de desempenho “das
atividades linguísticas de recepção, produção, interação e mediação, oralmente e por escrito”,
segundo cada nível de aprendizagem.
Neste entrecho a Linguística Aplicada surge como uma atividade que busca em outras
áreas de saberes o suporte para identificar problemas metodológicos e organizar a
aprendizagem, apoiando-se nos conhecimentos oferecidos pela linguística teórica.
Posto isso, como uma das possibilidades de ações a serem realizadas para o
desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa nos aprendentes, sugerimos o
trabalho com as expressões idiomáticas (EI), observado por Zuluaga (apud FERNÁNDEZ et
al., 2004, p. 6-7). Uma vez que EI sempre sofrem com possíveis desvios e por isso tendem a
ser evitadas pelo falantes não maternos da língua, caracterizando sua fala como estrangeira.
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Certamente a carência de obras bilíngues que tratem deste tema nos materiais
didáticos para o ensino de PLE, colaboram com o trabalho do professor reflexivo que deverá
buscar atividades significativas que apresentem situações/problemas aos quais os alunos
serão motivados a buscar soluções.
Além disso, o autor Zuluaga (apud FERNÁNDEZ et al., 2004, p. 6-7), também
caracteriza as EI como estruturas que:
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CONCLUSÃO
Está claro que os professores de PLE devem buscar ideias teóricas renovadoras para
viabilizar o esforço da aprendizagem mostrando uma postura mais amadurecida por
oportunidades propiciadas pela formação contínua, garantindo experiências tanto na grandeza
da dimensão social, bem como na singularidade de cada eu.
Assim, será capaz de desenvolver novas ações que possam lidar de forma aberta,
construtiva e tolerante com outras identidades sociais, valorizando seus comportamentos
culturais e relacionando atividades que propiciem aos alunos uma troca de informações
inerentes a cultura em presença através do incentivo da comparação das vários hábitos e
vivências culturais.
Referências
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes O Português como língua não-materna: Concepções e
contexto de ensino.
_____________________ Fundamentos de Abordagem e Formação no Ensino de PLE e
Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores, 2011.
CARVALHO BATISTA, M. & LASCAR ALARCON, Y. Especificidades do Ensino de PLE.
GIMENEZ, Telma; FURTOSO, Viviane Bagio. Formação de professores de português para
falantes de outras línguas: alguns apontamentos. In: CUNHA, Maria Jandyra
SANTOS GARGALLO, I. (1999): Lingüística aplicada a la enseñanza/aprendizaje del
español como lengua extranjera. Madrid, Arco/Libros.
SANTOS, E.M.O. Abordagem comunicativa intercultural (ACIN). Uma proposta para
ensinar e aprender língua no diálogo entre culturas. Campinas, 2004. 440f. Tese (doutorado
em Linguística Aplicada) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
SANTOS, Percilia & ALVAREZ, Maria Luisa Ortíz. Língua e Cultura no Contexto de
Português Língua Estrangeira. Percilia Santos e Maria Luisa Alvarez (Orgs.). Campinas, SP:
Pontes Editores, 2010, 239p. ISBN: 978-85-7113-321-1.
Bibliografia
ABRAHÃO, MH. “A prática de Ensino e o Estágio Supervisionado como Foco de Pesquisa
na Formação do Professor de LE”. Contexturas – Ensino Critico de Língua Inglesa, nº1, São
Paulo: APLIESP. 1992.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Resumo: este trabalho busca discutir os modos como o livro didático Fala Brasil –
Português para estrangeiros (1ª edição de 1989 e 16ª edição de 2007), da autoria de Pierre
Coudry e Elizabeth Fontão, aborda textos literários no ensino de Português do Brasil para
Estrangeiros (PBE). Tal discussão pauta-se numa necessária preocupação com as
textualidades literárias, considerando-as como formas de representação e reinterpretação do
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
mundo e dos mundos possíveis nas sociedades humanas. Num livro didático, no que diz
respeito a um texto literário, leituras culturais e estéticas devem ser feitas, ampliando-se as
discussões que retomam os meandros culturais/interculturais e estéticos da literatura. Ao
propor textos literários para os alunos/leitores, um livro didático de PBE deve considerar o
que Cyana Leahy chama de “triangularidade epistemológica da educação literária”. Para a
autora, o trabalho com a literatura em sala de aula deve assentar-se metodologicamente nos
princípios teóricos linguísticos, gramaticais e literários (LEAHY, 2004, p. 59). Na abordagem
de textos literários, além do manuseio com as interfaces entre os conhecimentos linguísticos,
gramaticais e literários, os autores de LD de PBE também não devem se esquecer dos
horizontes de expectativas dos alunos (LAJOLO, 1999, p. 94), mormente em se tratando estes
de sujeitos cujas identidades e visões de mundo reportam a diferentes culturas que não as
brasileiras. Em suma, se os textos literários são gêneros textuais específicos, o trabalho com
esses textos, proposto por um LD, deve levar em conta tal especificidade. A análise aqui
proposta detém-se nos textos literários utilizados pelo LD em questão e nas atividades que
são formuladas pelo mesmo livro a partir desses textos. Tais reflexões pretendem colaborar
com a produção de LDs de PBE de qualidade no que diz respeito ao letramento literário de
estrangeiros em língua portuguesa.
Ensinar uma língua para estrangeiros, ou seja, fazer com que falantes de uma língua
que não lhes seja materna a aprendam, é tarefa complexa que não se resume, obviamente, em
um processo de alfabetização. Os alunos de português em país que lhes é estrangeiro são em
sua maioria adultos. No mínimo, são falantes de sua(s) própria(s) língua(s) e, em grande parte
dos casos, já passaram pela alfabetização.
Nesse sentido, muito se discute sobre como ensinar, no âmbito do trabalho com uma
língua, as culturas que lhe são próprias. Muito se discute; no entanto pouco se resolve. Em
termos gerais, o ensino da língua, e aqui no caso de uma língua estrangeira, prende-se mais
em análises linguístico-gramaticais sem um devido tratamento dos aspectos literários de um
texto artístico quando se utilizam, por exemplo, letras de músicas, poemas, crônicas literárias,
contos, romances, contos, cantigas de roda etc. Tem havido nas últimas décadas grande
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Um argumento contrário ao que venho afirmando pode ser este: os textos literários
também não são discursos dentro de uma língua e, portanto, não são também estruturas
linguísticas que podem e devem ser analisadas linguisticamente? O que chamo aqui de
análise linguística é aquela leitura que se perfaz em reflexões sobre os diferentes usos de uma
língua, os seus funcionamentos fonéticos, fonológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos.
A esse argumento aventado, respondo que textos literários podem e devem ser
analisados linguisticamente. Não se faz literatura sem um trabalho com a língua. Nesse
sentido, nada impede que um professor utilize um texto da literatura para trabalhar reflexões
linguísticas. Vejo tantos teóricos e professores horrorizados com isso, defendendo que o texto
literário é sui generis, que ele não se presta a uma aula de gramática, ortografia, produção de
texto ou, como queiram, de reflexões linguísticas. Tal cogitação coloca, mesmo que de modo
inconsciente, a arte da palavra num pedestal, como se lá em cima tivéssemos textos artísticos
e cá embaixo, no cotidiano comunicativo das pessoas, tivéssemos a língua com sua função
comunicativa, pragmática. Essa postura é perigosa e errônea, pois não vê a literatura como
parte da língua e também não enxerga as funções comunicativas e também pragmáticas do
trabalho estético com a linguagem. Não quero dizer com isso que um poema, por exemplo,
sendo manifestação/construção discursiva dentro de uma língua, não deva ser tratado em sua
especificidade estética. Coloco simplesmente que um poema também se presta ao estudo de
uma língua, já que dela ele é uma estrutura. No entanto, ao se utilizá-lo apenas nesse viés, o
que teremos é aula de reflexão linguística e não aula de literatura. Em outros termos, o que
temos nesse caso é aula de letramento linguístico no âmbito da língua em seu funcionamento,
mas não de letramento literário no âmbito da construção estética da linguagem.
Como chegar então, no ensino de uma língua, ao trabalho de fato com o letramento
literário? E, mais especificamente no ensino de Português do Brasil para Estrangeiros (PBE),
como propor em sala um letramento literário dentro das reflexões linguísticas sobre essa
língua?
Num livro didático, no que diz respeito a um texto literário, leituras culturais e
estéticas devem ser feitas, ampliando-se as discussões que retomam os meandros culturais/
interculturais e estéticos da literatura. Ao propor textos literários para os alunos/leitores, um
livro didático de PBE deve considerar o que Cyana Leahy chama de “triangularidade
epistemológica da educação literária”. Para a autora, o trabalho com a literatura em sala de
150 Doravante, farei referências a “aspectos linguísticos” querendo dizer “aspectos linguístico-gramaticais”.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Não se faz literatura sem um manuseio com a língua, com as suas múltiplas
possibilidades fonéticas, fonológicas, morfológicas, semânticas e pragmáticas. Um texto real
tem contexto(s) de produção e de leitura. Poetas e escritores manuseiam a língua buscando
efeitos de sentido para além da comunicabilidade direta. A atividade literária coloca em
suspensão o caráter meramente referencial da linguagem, chamando direta ou indiretamente a
atenção do leitor para a opacidade da linguagem. Não é necessário haver metalinguagem
explícita para que isso se revele. Fazer romance não é simplesmente contar uma história, mas
mostrar os meandros dessa construção, fazendo o leitor perceber as diversas possibilidades do
dizer de modo poético e enviesado. Fazer um poema ou letra de música, de modo artístico,
não é fazer desabafo simplesmente. Pode até haver desabafo num poema. Mas este será
trabalho de arte se houver nele um agrupamento de palavras que permita um caráter inusitado
do texto, um jogo de palavras que construam imagens não corriqueiras na linguagem do dia-
a-dia, cujo principal objetivo é a comunicação do referente. Os leitores também podem fazer
vários usos do texto literário. Mas, sem perceberem e vivenciarem o trabalho estético com a
linguagem, não desenvolverão a possibilidade de fruição daquilo que há de específico nesse
texto.
Em suma, se os textos literários são gêneros textuais específicos, o trabalho com esses
textos, proposto por um LD, deve levar em conta tal especificidade. Como todo domínio
discursivo, o literário também se constitui historicamente, tanto no nível da produção quanto
no da recepção. E isso porque, como qualquer outro discurso, ele traz em si motivações,
objetivos, valores sociais, visões de mundo. Nesse sentido, cabe ao professor, em sala de aula
de PBE, sondar seus alunos, buscando saber se eles já compartilham ou não competências e
habilidades de, por exemplo, leitura de poemas em suas próprias línguas. E caso
compartilhem, deve verificar se tais experiências de leitura são esporádicas ou corriqueiras.
Obviamente, quanto mais afastado estiver o discente da prática de leitura literária, mais
complexo se torna o trabalho do docente de aproximá-lo da leitura de obras literárias.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Sendo assim, deve-se compreender que o livro didático não é necessariamente o curso
a ser dado pelo professor. Qualquer realidade concreta de sala de aula demonstra isso.
Simplesmente adotar um livro e segui-lo ipses litteris, sem nada mais, é desconsiderar as
reais necessidades e os interesses concretos do alunado. Como ponto de apoio, o livro
didático é a possibilidade de o professor ter uma referência, e não é um guia a ser seguido
linear e inquestionavelmente.
Ponderando sobre a importância do livro didático em sala de aula, este trabalho busca
discutir os modos como o livro didático Fala Brasil – Português para estrangeiros (1ª edição
de 1989 e 16ª edição de 2007), da autoria de Pierre Coudry e Elizabeth Fontão, aborda textos
literários no ensino de Português do Brasil para Estrangeiros (PBE). Tal discussão pauta-se
numa necessária preocupação com as textualidades literárias, considerando-as como formas
de representação e reinterpretação do mundo e dos mundos possíveis nas sociedades
humanas. E considerando-as, principalmente, como discursos em que a linguagem é atriz
primeira, em que o como se diz é mais importante do que o que se diz. Um poeta, um
cronista, um autor de letra de música – enfim, um artista da palavra – podem abordar
quaisquer temas. No entanto, as formas que esses artistas constroem é que devem chamar
mais a atenção do leitor. O que se revela na literatura, principalmente nos discursos que nela
primam pela poesia – como em poemas, letras de música, prosa poética etc. –, são os
mecanismos da linguagem a serviço de uma opacidade que faz dilatar mais a duração, o
prazo mesmo, do processo comunicativo. Daí a necessária entrega do leitor para os ditames
do texto literário, pois este nos informa, porém faz isso com mais vagar, com mais minúcia
de um debruçar-se sobre a linguagem. Nesse sentido, a apreciação de um texto artístico
demanda mais tempo: tempo para mirar a linguagem; para apreciar os mecanismos de
construção nela possíveis; para entender, pouco a pouco, os mundos e vozes criados pelos
textos. Mundos e vozes esses não necessariamente factuais, mas sem dúvida alguma
representativos de nossas vidas, de nossas realidades em suas complexidades.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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O livro didático em foco é de confecção dos anos de 1980. No entanto, vem passando
por várias outras edições, infelizmente sem revisões e atualizações metodológicas. É
importante analisá-lo, pois se trata de material muito usado por professores de PBE em sala.
As suas diversas edições demonstram isso.
“Sinal fechado” – de Paulino da Viola com voz de Chico Buarque e Maria Bethânia
(COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 59) – e “Você só mente” – de Noel Rosa e Hélio Rosa com
interpretação do Grupo Rumo (COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 151) – são letras de música
utilizadas para que o aluno somente as veja, ouça e leia, caso o professor assim proponha.
Isso porque nenhuma atividade se coloca para o estudante.
“Trem do Pantanal”, de Paulo Simões / Geraldo Roca com voz de Almir Sater
(COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 221), também se oferece apenas para a audição151. Não se
discute o contexto da ditadura militar no Brasil (essa música foi composta em 1975). Não se
151 Na apresentação do livro didático em análise, os autores dizem acompanhar a obra um “conjunto de fitas
K7”, para a audição de diálogos (textos artificiais escritos para o livro, com fins pedagógicos) e de letras de mú-
sica. Na aquisição que fiz da 16ª edição da obra, porém, tal conjunto de fitas não estava à venda. Vale ressaltar
que comprei o livro novo e não usado.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
leva o aluno a analisar as imagens poéticas da voz que enuncia, do sujeito poético que fala de
sua fuga para Santa Cruz de La Sierra na Bolívia, sujeito que leva consigo o medo – um
medo personificado e portanto mais forte – e que cuja família aguarda um postal em que ele
diga que ainda vive. Vejam-se os versos que falam poeticamente disso:
O medo também viaja. Eis a personificação do terror. Terror que transforma em fuga
aquilo que poderia ser viagem turística, alegre, de desbravamento do mundo pelo doce prazer
de conhecer outros lugares. “Pantanal” rima com “postal”, o que apela para a beleza do lugar.
No entanto, o postal de que fala o texto é uma mensagem de um fugitivo, de um sujeito em
fuga; mensagem de alguém que, se mandar uma correspondência, é para dizer que ainda está
“muito bem vivo”. Questões como essas (estéticas, culturais e políticas) não são propostas em
nenhum momento pelo LD. Questões estéticas antes de tudo, como se percebe na
personificação referenciada, na rima que produz um sentido outro, por exemplo, para a
palavra “postal”.
“Samba de uma nota só”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, com voz de Tom Jobim
(COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 84), serve-se ao trabalho com pronomes indefinidos. Em
nenhum momento os autores do LD procuram estimular a percepção do tom monocórdico do
discurso da letra, com repetições de palavras e estruturas sintáticas, sempre no intuito do
sujeito poético de demonstrar seu apego inevitável ao ser amado. Em “Samba de uma nota
só”, tem-se um sentimento amoroso que se diz o tempo todo, que não sai do lugar, do ponto
de vista discursivo e, portanto, temático.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Charles Chaplin) soma-se à imagem da esperança equilibrando-se em corda bamba, para falar
da arte como resistência: a arte de Carlitos, a arte da própria letra em questão.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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explorada em atividades. Além disso, o texto é fragmentado, com algumas partes excluídas
da transcrição. Isso impossibilita ao aluno de entender, por exemplo, uma afirmação do
narrador-personagem como esta: “Fiquei na janela, olhando a rua à-toa numa tristeza
indefinível” (BRAGA apud COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 138). Qual o porquê dessa
tristeza? E por que ela é indefinida? São questões que não se colocam e que, se colocadas,
não teriam resposta, pois na transcrição fragmentada não há pistas textuais para uma
elucidação.
152 Define-se “literariedade” como sendo o conjunto de elementos que tornam literária a linguagem. Tais ele -
mentos são produtos num processo de manuseio com a língua realizado pelo escritor e pelo leitor de um texto
literário. O conceito de literariedade foi desenvolvido por estudiosos da literatura, do chamado Formalismo Rus-
so, no início da primeira metade do século XX.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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pensa que é a polícia que está chamando, mas não é: trata-se justamente do homem a quem
ele deve.
A coisa amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por
que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu
rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os
pratos e o serviço, ela atacou...” (DRUMMOND DE ANDRADE apud
COUDRY; FONTÃO, 2007, p. 213).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Essas leituras da crônica “No restaurante” que aqui se propõem não são contempladas
pelo LD. Nem mesmo a referência ao livro em que tal crônica foi publicada comparece.153 É
fundamental discutir que esse livro de Drummond, intitulado justamente O poder ultrajovem,
é um conjunto de textos escritos em fins da década de 1960 e início da seguinte. Deve-se
frisar, também, que há nesse livro diversas histórias protagonizadas por crianças e
adolescentes dobrando os adultos. Isso é bem apontado por Haron Gamal:
153Nenhuma das crônicas transcritas em Fala Brasil (bem como nenhuma das letras de música) apresenta refe -
rências. Isso reforça o trabalho de fragmentação com o texto literário, não possibilitando ao aluno um entendi-
mento mais amplo do texto, o que seria possível na percepção do contexto das obras como um todo.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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A partir dos comentários acima, referentes aos quinze textos literários que
comparecem no livro Fala Brasil – Português para estrangeiros, podem-se agora tecer, à
guisa de conclusão, alguns comentários que recapitulem questões já apontadas.
Observa-se que quarenta por cento das letras de música selecionadas por Fala Brasil
dialogam predominantemente com temas políticos caros ao Brasil dos anos de 1980. A
primeira edição desse LD, reitero, ocorreu em 1989. Das dez canções, quatro (“Sinal
fechado”, “Trem do Pantanal”, “O bêbado e a equilibrista”, “Canção da América”) discutem
os processos político-culturais do Brasil e da América ainda latentes à época, considerando-se
que a ditadura militar brasileira se iniciou em 31 de março de 1964 (com o Golpe Militar que
derrubou João Goulart) e encerrou-se a 15 de janeiro de 1985 (com a eleição de Tancredo
Neves). Ainda assim, no caso dessas quatro músicas, nem mesmo as questões políticas
esteticamente trabalhadas são objeto de análise em propostas de leituras a ser feitas pelos
alunos. Mesmo nas outras canções, faltam análises que se detenham sobre as construções
estéticas no seio da linguagem.
Referências Bibliográficas
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Introdução
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contemporâneas
Neste contexto, o Brasil, por ser um país com uma superpopulação urbana, má distri-
buição de renda, altos índices de desemprego, e uma Previdência Social que conduz a um
quadro em que "o trabalhador aposentado continua trabalhando" (FREITAS, 2001, p. 528),
posiciona-se no bloco dos países em desenvolvimento. E nesta posição, participa do processo
de reposição populacional por meio da migração de brasileiros, em sua grande maioria para
países do primeiro bloco e para o trabalho com baixa exigência de escolarização e qualifica-
ção.
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exterior, sendo que as maiores concentrações se encontravam nos Estados Unidos, com 750
mil; 350 mil no Paraguai, e 220 mil no Japão. Atualmente, apesar da crise econômica de 2008
e do grande terremoto de 2011, segundo a Embaixada do Brasil em Tokyo (2016), encon-
tram-se ainda mais de 230 mil brasileiros residentes no Japão.
Quadro 1 Quadro evolutivo do número de estrangeiros na cidade de Hamamatsu (30 Junho 2006)
154 Desde julho de 2012, entraram em vigor as novas leis da imigração japonesa. De acordo com o novo sistema,
com exceção do residente permanente especial, os estrangeiros que forem admitidos com status de permanência
superior a três meses serão denominados como "residentes de médio e longo período". A finalidade do novo
sistema de gestão de residência é a de possibilitar ao Ministério da Justiça dispor constantemente da informação
necessária para gerenciar a residência dos cidadãos estrangeiros que residem no Japão durante períodos de mé-
dio a largo prazo com status de residente e poder oferecer maior conveniência aos ditos cidadãos estrangeiros,
tais como período máximo de estadia de cinco anos, em vez dos correntes três anos, e um novo sistema de per-
missão para reentrada que abre mão das formalidades para a obtenção da permissão para reentrada aos cidadãos
estrangeiros que saem e entram no Japão dentro de um ano da data de saída original (IMMIGRATION BURE-
AU OF JAPAN, 2016).
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contemporâneas
Fonte: Kikoku-Gaikokujin Jidou Seito Toukeihyou (Quadros Estatísticos das Crianças-Alunos Estrangeiros e
Japoneses que Retornaram do Estrangeiro), Prefeitura da Cidade de Hamamatsu, Hamamatsu-shi Kyouiku An
Inkai Shidouka (Comitê de Educação da Cidade de Hamamatsu – Setor de Orientação), e Kyouiku Soudan Gu-
rupu (Grupo de Aconselhamento Educacional) e Gaikokujin Kodomo Kyouiku Shienshitsu (Repartição de Ajuda
à Educação da Criança Estrangeira), 30 de junho de 2006.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Ao se observar outro documento publicado pelo governo local sobre as crianças es-
trangeiras matriculadas em escolas públicas japonesas, notou-se que ao longo dos 17 anos,
entre 1989 e 2006, houve um aumento anual de matrículas tanto no nível primário como no
ginasial. Notou-se também que o número de matrículas no nível primário era substancialmen-
te maior em comparação ao número de matrículas no nível ginasial, e este fato nos levou a
suspeitar de possíveis obstáculos que impediam que crianças estrangeiras matriculadas em
escolas públicas japonesas ascendessem naturalmente de um nível a outro (ver Quadro 3).
Quadro 3 Número de crianças estrangeiras matriculadas nas escolas públicas japonesas de nível primário
e ginasial da cidade de Hamamatsu – 1989 a 2006
Data Nível Subtotal Total Brasil Peru Vietnam China Filipinas Outros
1.5.1989 Primário 31 3 14 6 1 7
Ginásio 1 32 1
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1.5.1990 Primário 72 37 11 8 3 13
Ginásio 14 86 3 8 1 1 1
Ginásio 35 210 14 15 2 1 3
Ginásio 84 395 54 2 17 4 2 5
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Fonte: Kikoku-Gaikokujin Jidou Seito Toukeihyou (Quadros Estatísticos das Crianças-Alunos Estrangeiros e
Japoneses que Retornaram do Estrangeiro), Prefeitura da Cidade de Hamamatsu, Hamamatsu-shi Kyouiku An
Inkai Shidouka (Comitê de Educação da Cidade de Hamamatsu – Setor de Orientação), e Kyouiku Soudan Gu-
rupu (Grupo de Aconselhamento Educacional) e Gaikokujin Kodomo Kyouiku Shienshitsu (Repartição de Aju-
da à Educação da Criança Estrangeira), 30 de junho de 2006.
Quadro 4 Número de crianças brasileiras matriculadas em escolas públicas japonesas de ensino ginasial
na cidade de Hamamatsu
73 68 43 184
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Fonte: Quadro organizado com base em informações obtidas nas escolas públicas japonesas de ensino ginasial
da cidade de Hamamatsu, pelo Hamamatsu Shiritsu Koutou Gakkou (Colégio Municipal de Ensino Secundário
de Hamamatsu), em 17 de outubro de 2006.
Os dados obtidos este momento haviam nos permitido concluir que muitas crianças
brasileiras buscavam a escola pública japonesa, mas, uma vez dentro do sistema educacional
japonês, nem todas percorriam o processo de escolarização até a sua conclusão. Os fatos con-
duziram-nos à certeza de que existia entre as crianças brasileiras migrantes um fator gerador
do fracasso escolar expresso pela evasão escolar, com maior ocorrência durante a passagem
de um nível para outro e após o ingresso no curso ginasial.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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2004155, definiu as normas para as escolas de educação básica que atendem a cidadãos brasi-
leiros residentes no País. Em 2005, graças à referida medida do governo brasileiro, havia em
todo o Japão, oito mil crianças estudando nas 50 escolas brasileiras homologadas pelo
MEC156 (BBC BRASIL, 2005).
04.1990 25 4 0 14 1 6
Fonte: Kikoku-Gaikokujin Jidou Seito Toukeihyou (Quadros Estatísticos das Crianças-Alunos Estrangeiros e
Japoneses que Retornaram do Estrangeiro), Prefeitura da Cidade de Hamamatsu, Hamamatsu-shi Kyouiku An
Inkai Shidouka (Comitê de Educação da Cidade de Hamamatsu – Setor de Orientação), e Kyouiku Soudan Gu-
rupu (Grupo de Aconselhamento Educacional) e Gaikokujin Kodomo Kyouiku Shienshitsu (Repartição de Aju-
da à Educação da Criança Estrangeira), 30 de junho de 2006.
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Dando continuidade ao trabalho de campo, foi realizada no ano de 2006, uma visita ao
Comitê de Educação da cidade de Hamamatsu, e na ocasião, observamos que este, na época,
não somente incentivava como também orientava as famílias brasileiras residentes na locali-
dade quanto aos procedimentos de matrícula nas escolas públicas japonesas, com ênfase no
ensino primário. Para tanto, era mantida uma funcionária brasileira que desempenhava, den-
tre outras funções, a de fornecer, em português, orientações específicas aos pais e às crianças
sobre o sistema público de educação local. Seguramente, ao longo dos anos, a política de in-
serção na escola pública japonesa exibia os seus efeitos nos índices de matrícula, os quais,
entre 1989 e 2006, revelavam um aumento de 41,28 vezes (23 para 1.321) em termos de cri-
anças estrangeiras, e de 210,75 vezes (4 para 843), em termos de crianças brasileiras (ver
Quadro 3).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Desse modo, as famílias brasileiras inserem seus filhos na escola pública japonesa, de
um lado, pelo fato da escola brasileira ser privada e, de outro, em atendimento aos intensos
apelos da sociedade e dos setores do governo local à matrícula das crianças no sistema edu-
cacional japonês.
Considerando que existe uma política de inserção da criança estrangeira na escola pú-
blica japonesa e uma política de não reprovação da criança dentro do sistema educacional
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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japonês, supõe-se que os filhos dos migrantes se encontram protegidos pelos princípios da
inclusão e da permanência na escola.
Dessa forma, por meio das visitas às escolas, verificamos que a criança migrante é
retirada da sala de aula e encaminhada para as salas especiais. Nas escolas de nível primário,
de um modo geral, as crianças estrangeiras são agrupadas para serem alfabetizadas, e nas es-
colas de nível ginasial, enquanto algumas se alfabetizam, outras recebem atendimento quanto
aos conteúdos escolares. Desse modo, em um contexto concretamente complexo, na escola
pública japonesa onde se inserem crianças migrantes brasileiras, o currículo comum se de-
senvolve em paralelo a um currículo plural.
Desse modo, a criança brasileira ao ser inserida na escola pública japonesa, segue os
mesmos trâmites das crianças de nacionalidade japonesa. No entanto, conforme o seu grau de
domínio da língua local, a criança brasileira é isenta de assistir às aulas de disciplinas que re-
querem maior competência linguística, e levada a uma sala especial para receber apoio volta-
do ao aprendizado da língua local e à realização das tarefas escolares.
O abandono da escola pública japonesa: uma escuta sensível das crianças brasileiras
Embora as crianças brasileiras recebam apoio por parte da escola pública japonesa,
muitas delas abandonam os estudos. Por quê?
Para responder à questão crucial do estudo sobre as causas do abandono da escola pú-
blica japonesa, foi realizado um trabalho de escuta junto a 18 crianças, adolescentes e jovens
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Nas entrevistas, todas as crianças contam que logo após terem sido inseridas na escola
japonesa, pelo fato de desconhecerem por completo a língua local, foram encaminhadas para
as classes especiais para o desenvolvimento da oralidade, leitura e escrita do japonês. Dentro
do processo de aquisição da língua japonesa, todos relatam suas difíceis experiências por
consequência da não compreensão do que lhes era dito e da falta de dispositivos linguísticos
para expressarem seus pensamentos e sentimentos no idioma japonês, ou pelo menos, em in-
glês. A despeito das dificuldades, todas elas informaram que contaram com a intermediação
de colegas japoneses, principalmente das meninas, e também da família, especialmente dos
pais.
“Sei, é claro que eu sei falar japonês, sei me virar quando é preciso, só que
quando o professor está falando, eu não entendo o que que ele fala, não sei
do que ele está falando, que matéria [...] A melhor nota que eu tirei ? Acho
que é Inglês [...] Acho que vai assim, de Inglês, foi até 14. Acho que no
resto, eu tiro tudo zero !”. (C12-RY)
“Eu acho que o que a gente mais aprende da escola japonesa é realmente
o idioma, porque as matérias, a gente não consegue acompanhar realmen-
te muito. A gente entende, que nem Inglês, e Matemática, dá até pra você
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
acompanhar. Daí, mais por a gente fazer amizade, com os japoneses, [...],
conhecer a cultura. Essas coisas assim”. (C6-MR)
UB1-FL, na ocasião do estudo era uma estudante brasileira do ensino superior que
chegara ao Japão com nove anos de idade, quando cursava a 3a série do ensino fundamental
em uma escola privada no Brasil. Ela lembra que ao ser inserida na escola japonesa,
Desse modo, o estudo mostrou que no campo da educação, há dois aspectos que se
destacam no processo de escolarização das crianças brasileiras migrantes no Japão, os quais
são cruciais à análise da problemática da inserção escolar versus evasão escolar. Estes aspec-
tos são: a relação entre obrigatoriedade escolar e aprovação automática, e a relação entre edu-
cação e trabalho. Ambos os aspectos vinculam-se diretamente às causas da evasão escolar e,
por isso, merecem especial atenção nas discussões que tratam das políticas educacionais dire-
cionadas às crianças brasileiras de famílias trabalhadoras residentes no Japão.
Considerações finais
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Conforme afirma Sacristán (2002), em uma sociedade capitalista, "saber ler e escre-
ver, ou ser incapaz de fazê-lo, introduziu uma das divisões sociais mais determinantes nas
sociedades modernas quanto a essa capacidade de acesso: a que se produz entre os alfabeti-
zados e os analfabetos. Uma divisão que estabelece a fronteira entre a inclusão e a exclusão
social" (p. 61-2).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
arábicos, todos eles aprendidos ao longo do ensino primário. Especificamente quanto aos
kanji, o Ministério da Educação do Japão, em 1947, oficializou a lista contendo 1.900 kanji
essenciais ao uso em documentos, jornais e revistas, dos quais 996 são ensinados durante os
seis anos do curso primário, assim distribuídos: 76 no 1° ano, 145 no 2° ano, 195 no 3° ano,
195 no 4° ano, 195 no 5° ano e 190 no 6° ano. O restante é ensinado gradativamente até o
término do ensino secundário, e aqueles que prosseguem os estudos de nível superior, de três
anos, aprendem mais outros kanji principalmente aqueles utilizados na literatura técnica ou
científica. Desse modo, a criança que é inserida na série conforme sua idade sempre apresen-
ta uma considerável desvantagem em comparação com seus colegas de classe, desvantagem
esta de difícil superação em pouco tempo.
Tendo já vivenciado a escola no Brasil, as crianças sabem que lá, a não apreensão dos
conteúdos resulta em uma reprovação, mas sua experiência na escola japonesa leva-as à
compreensão de que a progressão depende meramente da presença escolar. Com isso, mesmo
assistindo às aulas de algumas matérias, as crianças brasileiras logo percebem que os princí-
pios de estruturação do currículo especialmente pensado para elas subordinam objetivos pe-
dagógicos que não privilegiam o conhecimento dos conteúdos escolares. Mais adiante, dedu-
zem o quanto a escola japonesa é ligada à função de controle (disciplina, frequência, etc.) e
desligada da função instrumental, de formação do sujeito cultural e cognitivamente escolari-
zado. Aqui, podemos dizer, está a razão principal para o seu afastamento da escola. Assim,
parte delas se evade, e outra, resiste permanecendo na escola alheia a tudo até a sua conclu-
são, à espera de sua inserção no mundo do trabalho.
Ainda, quando as crianças brasileiras mostram o entendimento de que seu futuro está
previamente programado para o trabalho na fábrica, e que para a sua inserção no mercado
laboral, o aprendizado escolar não é um requisito importante, revelam a sua compreensão so-
bre a relação entre educação e trabalho no Japão. No trabalho, visto que a aprendizagem dos
conteúdos escolares e da língua local é irrelevante, ou pelo menos, secundária, as crianças
intuem que a educação escolar não tem utilidade prática e funcional para a sua vida profissio-
nal, portanto, o vínculo entre educação e trabalho é fraco, e evidentemente dispensável. Aqui,
notadamente, se encontra o segundo fator motriz da evasão.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
dessa fronteira, sobrevive sem expectativas entre a sua caótica inserção escolar e a predesti-
nada exclusão social.
Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
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Introdução
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Os povos indígenas são diferentes uns dos outros, possuindo uma lógica própria de
relações entre seus membros e histórias específicas. Habitam áreas ecológicas, seus costumes
e práticas culturais estão estreitamente ligados à preservação da natureza e com princípios de
conservar o meio ambiente, pois é seu habitat, é de onde vieram. Possuem diferenças
ideológicas com o não índio sobre territorialidade, onde a natureza não tem demarcação, é de
uso comum, e ainda hoje existem lutas judiciais para se identificar e delimitar algumas terras
indígenas.
Segundo Silva (2003), há uma realidade sobre esses povos que não aparece em livros,
tampouco em livros didáticos, mas ao contrário, o que há são estereótipos tais como: “- os
índios vivem exclusivamente da caça e pesca; - os índios são preguiçosos, só as mulheres
trabalham; - os índios falam a língua Tupi; - todos os índios dormem em rede, etc.” (SILVA,
2003, p. 110). Conforme o autor, o índio dedica-se a seus afazeres e faz com satisfação as
tarefas que cabem a ele na organização de sua sociedade e ainda, os povos indígenas têm seus
próprios processos de socialização, que acontece durante todas as fazes de sua vida.
Sendo assim, para que a educação escolar indígena aconteça, há a necessidade de que
os próprios índios sejam preparados para atuarem nas aldeias ou comunidades indígenas, ou
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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mesmo ainda, o não índio necessita entender o modo de vida dos povos indígenas e se
adequar a sua cultura e princípios, uma vez que o índio precisa reconhecer no não índio
alguém que gosta dele como ele é.
Como já mencionado acima, cada povo ou etnia pode possuir uma língua própria,
dessa forma uma cultura própria e que “pede” para ser entendida e respeitada.
Com o objetivo de dimensionar essa diversidade, trago abaixo uma relação dos nomes
dos povos indígenas existentes no estado de Mato Grosso, as grafias na língua indígena e na
língua portuguesa, a língua falada, e os estados que fazem fronteira indicando a existência de
membros do mesmo povo em outra localidade, e uma estimativa de população considerando
os estados vizinhos. Algumas grafias do nome do povo na língua indígena não foram
localizadas.
UF (Brasil) População
Nome em Portu-
guês Outros nomes e Família / língua países senso /
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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guarani
Araras-do-aripuanã,
Arara-do-rio-bran-
co, Tupi-arara MT 391
Arara-do-beiradão
Enumaniá, Auetö
Coxiponé,
Coroados, Porrudos,
Boe
Kayapó (subgrupos:
Gorotire, A’ucre,
Cuben-cran-quen,
Cocraimoro,
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Mentuctire, Xicrin,
Cararaô)
Nambikwara
Nambiquara-do-cam-
po,
Nambiquara-do-norte,
Nambiquara-do-sul)
Noruvotos Caribe MT 78
Kehnakarore, kreen
Índios gigantes da
Amazônia
Tapaiúnas Tapayuna Jê MT 58
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contemporâneas
Wau
Uaurás ja Aruaque MT 321
Xa- 960
vantes (Jê) Akwen MT 2
Yawalapi-
Iaualapitis ti Aruaque MT 208
Juru- Yud-
nas já Juruna PA e MT 278
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao
Na tabela acima é possível perceber com mais clareza visual a rica variedade de
línguas e povos indígenas, algumas com uma população bastante significativa e outras com
poucos representantes ainda vivos. Faz-se urgente dessa forma que pesquisas que envolvam
estudos e descrição dessas línguas, sejam feitas para que não percamos os registros e os
povos que primeiro habitaram estas terras.
As primeiras escolas para índios foram as mesmas e nos mesmos padrões dos não
índios, o que causou bastante conflito, pois segundo Cupudunepá (2005), ao se ensinar a ler e
escrever em português, o objetivo era integrar o indígena à sociedade do não indígena sem
respeitar seu modo de vida, e ainda, na década de 50 e 60, por vezes era até proibido que o
aluno índio se comunicasse em sua própria língua.
Com o passar dos anos, surge a demanda pela formação de professores indígenas para
atuarem nas escolas de suas comunidades. E atendendo a essa necessidade, diferentes
programas de formação foram iniciados pioneiramente por organizações da sociedade civil de
apoio aos índios e assumidos, hoje, por Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e por
Instituições de Ensino Superior, apoiadas, principalmente, pelo MEC e pela Funai. Muitas
dessas experiências de formação de professores indígenas estão em diferentes regiões do
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A verdade é que já se alcançou muito com o passar dos anos, mas vale ressaltar ainda
que a presença de jovens indígenas nas escolas urbanas como, por exemplo, os Paresi, que
frequentam escolas na cidade de Tangará da Serra, Campo Novo dos Pareci, entre outras no
estado do Mato Grosso, são jovens que têm a língua Paresi como língua materna e a língua
portuguesa como segunda língua (SANTANA, 2010). Diante disso, como um professor de
língua portuguesa poderá lidar com tal situação se não viu no curso de Letras questões
básicas relacionadas ao estudo de uma língua indígena? Mas não é tarefa fácil a formação dos
próprios índios como professores ou mesmo comunidade em geral, devido a heterogeneidade
e diversidade de situações sociolinguísticas, culturais e históricas dos grupos indígenas.
Ainda outro aspecto sobre a educação escolar, é que esta também deveria levar em
conta a presença de possíveis alunos índios, e para tanto, os cursos de Letras também
deveriam encontrar meios para que a formação de professores fosse incluído conhecimentos
sobre esses povos e sua situação cultural e linguística.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
relacionadas à língua de uso das tribos, indicada aqui como Língua Materna157 e o
aprendizado da língua portuguesa como segunda língua. As entrevistas foram realizadas com
alunos que atualmente já encerraram a graduação pelo projeto 3º Grau Indígena e passaram a
atuar como professores em suas aldeias, relatando aspectos culturais e linguísticos desse
processo de formação e posterior trabalho na educação de seus povos.
Inicio a análise com um dos artigos, relacionado ao índio Paresi, Rony Walter
Azoinayce158, tecendo considerações e sequencio com o outro entrevistado o índio Ikpeng
Korotowi Taffarel159, observando as semelhanças e diferenças de cultura e de conduta com a
língua materna e o português de ambos os povos.
O índio Rony, após concluir sua graduação, foi morar e trabalhar na aldeia indígena
Seringal, uma das mais tradicionais, localizada no município de Campo Novo dos Parecis a
22 km da cidade, no estado de Mato Grosso, recebendo esse nome pelo fato de haver muitas
árvores Seringueiras nativas na região. Segundo o entrevistado as casas da aldeia ainda são
tradicionais, chamadas de hati, e são feitas “de palha de indaiá, madeira de kwari-kwari, ripas
de palmeiras e cipó para amarrar a madeira com as ripas e palhas” (AZOINAYCE e
157 Há algumas ressalvas para o uso deste termo, pois a língua materna de alguns povos indígenas é a língua
portuguesa, não podendo ser ela então a segunda língua destes. Porém, como abordo povos que o português é
realmente sua segunda ou terceira língua, opto por permanecer com o uso de Língua Materna para línguas indí-
genas e Segunda Língua para o português.
158 Para maiores informações ver: AZOINAYCE, R. W.; JANUÁRIO, E. Entrevista com o professor Rony Pare -
si. In.: Cadernos de Educação Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: Unemat, v. 3, n. 1, 2004
159 Para maiores informações ver: TAFFAREL, K.; JANUÁRIO, E. Entrevista com o professor Ikpeng Koroto -
wi Taffarel. In.: Cadernos de Educação Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: Unemat, v. 4, n.
1, 2005.
160 Para maiores informações sobre Troncos e Famílias linguísticas, consultar: http://pib.socioambiental.org/pt/
c/no-brasil-atual/linguas/troncos-e-familias
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contemporâneas
JANUÁRIO, 2004, p. 158), a disposição das casas é paralela uma a outra e as portas tem
sentido leste-oeste e a aldeia ainda fica rodeada por mata, cerrados e campos. Rony também
indica que a localidade possui cerca de 70 pessoas e ainda possui uma escola com turmas de
1ª a 4ª série “com estudo específico, diferenciado e bilíngue, conforme assegura a
Constituição brasileira de l988” (AZOINAYCE e JANUÁRIO, 2004, p. 158), onde estudam
22 alunos. Embora tenham contato com não indígenas, todos os moradores da aldeia tem
como primeira língua o Paresi e estes mantêm as tradições como “as danças, os rituais e os
esportes tradicionais como: jikunahati, tidimore, jakatiye, kolídiho e matoyo.” (AZOINAYCE
e JANUÁRIO, 2004, p. 158).
Podemos inferir que ainda há muito que se fazer em relação às pesquisas no âmbito da
valorização à preservação da língua e cultura indígena. E para tal, o projeto 3º Grau Indígena
tem sido muito valioso em todo o território nacional.
Rony iniciou seus estudos quando criança em uma aldeia indígena, mas segundo ele
não compreendia os objetivos de ir para a escola, mas foi quando seus pais se mudaram para
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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a cidade de Cuiabá161 onde, a partir de um exame para verificar seu grau de escolaridade,
começou cursando a 3ª série em uma escola estadual. Segundo ele encontrou sérias
dificuldades por conta da língua e das diferenças culturais, porém relata que encontrou apoio
e esclarecimentos junto a seu pai quando lembra “[...] o meu pai foi um grande companheiro
e amigo nos momentos de dificuldade da minha vida.” (AZOINAYCE e JANUÁRIO, 2004,
p. 160). Nos relatos do segundo entrevistado, mais abaixo, também encontramos a figura do
pai, ou pais, bastante significativa, ou seja, é através deles que as crianças e jovens
descobrem e conhecem o mundo. Como os conhecimentos nos povos indígenas são
transmitidos dos mais velhos para os mais novos, estes estão em companhia dos mais velhos
o tempo todo e todos são responsáveis pelas crianças da aldeia (ALBUQUERQUE, 2008).
O entrevistado indica ter sido a língua sua maior dificuldade no contato com a cidade,
pois ao sair da aldeia falava e compreendia cerca de 10% apenas da língua portuguesa. Relata
também que ao tentar se expressar em português se atrapalhava e as pessoas zombavam, por
isso chegando até a pensar em desistir dos estudos, porém, concluiu a 3ª série com
dificuldades, mas contando sempre com o apoio dos pais. No ano seguinte, 1990, seu pai foi
transferido para a FUNAI e se mudaram para Tangará da Serra, cidade localizada mais ao sul
do estado de Mato Grosso é o quinto município mais populoso, onde concluiu seu ensino
fundamental e médio. Rony relata uma passagem que o marcou muito ainda no ensino
fundamental, quando em uma aula de história, entre as atividades de uma prova, havia
algumas perguntas sobre a moradia dos índios, o que comiam, o que mais gostavam de fazer,
e segundo ele, isso foi um choque,
Com esse relato é possível perceber como nossas escolas brasileiras, escolas do não
índio, e nossos educadores, educadores não índios, não estão preparadas para receber o aluno
índio, necessitando esse realmente de um ambiente escolar com as especificidades de sua
cultura e que trate de assuntos relacionados à sociedade em geral, bem como ao aprendizado
do português como segunda língua, para que possam se comunicar livremente em território
nacional, e ainda nos dizeres de Bampi e Diel (2015, p. 112) “não pode mais a educação não
indígena ensinar o indígena, não pode ela mais contar do indígena, mas possibilitar e
oportunizar a presença da manifestação indígena para que ela forneça sua visão de história e
educação”. A exemplo, também, do relato de Rony sobre sua dificuldade com a segunda
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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língua ao se mudar para a cidade, destaca-se que o número de pesquisas sobre esse assunto
tem aumentado (MAIA, 2005; FRANCHETTO, 2002 e 2004; ALBUQUERQUE, 2008;
SILVA, 2005; para citar alguns), o que possibilitou e possibilita ações para que as crianças
não necessitem passar por essa dificuldade na atualidade, e as escolas indígenas nas aldeias
tem minimizado possíveis impactos com a língua portuguesa. Atualmente, segundo Bampi e
Diel (2015, p. 110) “no Parque Nacional do Xingu, a questão do bilinguismo e
multilinguismo é um fato real e presente no cotidiano de diversos povos.”, ainda ressaltam
que o português é utilizado como língua de contato entre os diversos povos do Parque, bem
como diversos membros de diferentes etnias demonstram domínio, além das línguas nativas,
de várias outras línguas.
Em relação ao seu trabalho junto à educação indígena, o entrevistado relata que após
encerrar o ensino médio tentou entrar para a universidade, mas sem sucesso inicialmente,
logo ficou sabendo do 3º Grau Indígena, fez o vestibular e passou. Recebeu um convite de
seu tio, para trabalhar na sua aldeia de origem, com receio de não se adaptar novamente com
a cultura da aldeia, depois de muitos anos vivendo na cidade, juntamente com sua esposa,
aceitou o convite. Rony indicou que seu primeiro dia de aula (ainda lembrava a data, 10 de
setembro de 2001) foi muito bom e que tem sido muito bom trabalhar como professor, fazer
algo pelo seu povo. Segundo ele há uma grande diferença entre a escola da cidade e a escola
indígena,
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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tradicional deve ser estimulada, pois o que acontece por vezes é o índio se “encantar” pela
cultura do não índio e possivelmente desvalorizar a sua.
A esse respeito Rony apresenta algo importante sobre como o curso na universidade,
o 3º Grau Indígena, tem auxiliado seu trabalho na aldeia, por estimular a pesquisa e o estudo
das tradições como “[...] (cantos, danças, esporte tradicional, na ortografia da língua materna,
ervas medicinais, pajelança, rituais sagrados, e principalmente na revitalização das pinturas
corporais Paresi-Haliti).” (AZOINAYCE e JANUÁRIO, 2004, p. 162). Também acrescenta
que está aprendendo mais sobre a parte pedagógica do trabalho do professor, bem como
outros assuntos relacionados à política,à economia, à saúde, ressaltando que “preciso estar
atualizado para poder enfrentar as mudanças que estão ocorrendo no mundo e assim ajudar
meu povo nesse processo e também outros povos quando solicitado.” (AZOINAYCE e
JANUÁRIO, 2004, p. 161).
Na mesma aldeia do índio Korotowi moram outros povos como os Kayabi, Suyá,
Trumai, Kamaiurá que casaram-se com mulheres Ikpeng, e a língua da aldeia permanece
sendo Ikpeng. O povo Ikpeng foi o penúltimo povoado indígena a ser contactado pelos
irmãos Villas Boas162 e o contato com os não índios, a exemplo do primeiro entrevistado, os
reduziu a 53 pessoas que foram levadas para o Xingu, e atualmente são aproximadamente
1.400 índios.
Korotowi Taffarel é filho de um índio Kayabi e uma índia Ikpeng e morou no Posto
Leonardo até seus sete anos, depois foram moram em uma aldeia Kayabi onde viveu parte de
sua infância, e em 1978 é que foram moram na aldeia em que reside atualmente, e assim que
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
abriu uma escola indígena no Pavuru, em 1984, e seu pai pediu que fosse estudar. Falante de
duas línguas, Ikpeng e Kayabi ; começou a aprender o português com doze anos. Segundo
ele, a exemplo do primeiro entrevistado Rony, com bastante dificuldade. Quando começou a
trabalhar foi como atendente na área da saúde e como tinha uma madrinha parteira
acompanhava-a quando era chamado, aprendeu a fazer partos.
Segundo o entrevistado, a cultura de seu povo permanece bem viva, fazem seus rituais
anualmente e em convívio com outras aldeias que vivem no Parque do Xingu aprenderam
novas culturas como danças e a festa mais importante para eles é a Festa Moyngo, com a qual
comemoram a iniciação dos meninos com furação de orelhas e tatuagens. Mas ainda estão
resgatando outras festam culturais que a maioria dos jovens não chegou a conhecer, pois
deixou de ser realizada a muitos anos, como por exemplo a Festa da Guerra.
[...] os meus pais me incentivavam sempre, falando que tinha que estudar.
Meu pai falava que os brancos estavam chegando, ele sabia, por isso ele
falava que tinha que aprender as coisas dos brancos, para poder estar
vivendo o mundo dos brancos, e para poder ensinar meus irmãos também,
então nunca parei de estudar. (JANUÁRIO e TAFFAREL, 2005, p. 167)
Durante seu trabalho na saúde aprendeu mais duas línguas, o Aruak e o Kamaiurá
para poder se comunicar com os pacientes, pois havia muitos índios idosos que não falavam o
português. Em 1989 foi indicado para lecionar na escola indígena, não aceitou no momento,
porém em uma nova indicação no ano seguinte acabou aceitando, onde começa sua vida na
educação lecionando português. Korotowi acrescentou que o mais difícil no seu trabalho na
educação era a língua, pois não tinha material para ensino, dificuldade existente até aquele
momento, segundo o mesmo, para ele e para os demais professores. Ele comenta que “é
importante a produção de matérias específicos para as escolas indígenas, principalmente
materiais de alfabetização, de matemática, de geografia, entre outros.” (JANUÁRIO e
TAFFAREL, 2005, p. 170).
Um aspecto interessante, indicado pelo índio, sobre sua formação com graduação é
que após a conclusão do 3º grau indígena ele ganhou mais respeito, que já tinha, porém
agora, “[...] consigo discutir, não só na minha comunidade, mas em geral no Xingu [...] como
um informante nas reuniões, tudo que aprendo aqui levo para a minha comunidade para
ajudar meu povo.” (JANUÁRIO e TAFFAREL, 2005, p. 171).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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reflexão sobre esse assunto era difícil até para os próprios professores que atuam na área, pois
há falta de conhecimento sobre seus direitos relacionados à educação. A educação
diferenciada dos indígenas é importante ser ressaltada, pois os adultos repassam
conhecimentos e saberes indispensáveis às suas crianças sobre a vida na aldeia e na floresta,
manejando um conjunto de metodologias, técnicas e tecnologias que são importantes para a
vida na comunidade indígena, bem como sua sobrevivência individual, caso seja necessário,
tudo isso cercado “por um conjunto de valores de respeito, solidariedade, amizade,
compartilhamento, determinação, coragem e persistência.” (BAMPI e DIEL, 2015, p. 109).
Percebo que é por esses aspectos culturais que a figura do pai como amigo que orienta é
citada por Rony e por Korotowi nas duas entrevistas.
Korotowi acrescenta que eles têm conseguido construir seu próprio Projeto Político
Pedagógico das escolas, amparado com as leis que conhecem eles trabalham com as
realidades específicas das comunidades, como por exemplo, “se um aluno foi pescar, nós não
damos falta porque ele foi pescar, é uma educação que ele está aprendendo, e essa educação
veio de muito tempo, porque a nossa educação é feita na prática, trabalhando, vendo o pai
fazer, acompanhando o pai.” (JANUÁRIO e TAFFAREL, 2005, p. 171). É assim que eles
educam os filhos, eles têm que acompanhar os pais nas atividades da comunidade “então não
estamos colocando os alunos só dentro da sala de aula” (JANUÁRIO e TAFFAREL, 2005, p.
172), e é isso que faz com que calendários de escolas indígenas sejam diferenciados de
escolas urbanas. Faz-se importante ressaltar ainda que a ação de pescar para o não índio
remete a ideia de uma ação de lazer, porém para o indígena “tal atividade tem sentido de
trabalho para a comunidade indígena, pois é por ela que ocorre a busca da
sobrevivência” (BAMPI e DIEL, 2015, p. 109). Assim, pode-se perceber que sobre uma
mesma ideia, ação, é possível haver diferentes interpretações de povos indígenas e do não
índio, diferentes valores nos demonstrando o quão importante se faz conhecer a realidade
cultural e linguística desse povo, também brasileiro.
Considerações finais
De caráter incompleto, este artigo ainda não contempla muitas questões relacionadas
à língua portuguesa e a relação de povos indígenas com a mesma, pois compreendemos que
muitas pesquisas ainda necessitam ser feitas inserindo-se nas aldeias e no cotidiano dos
índios para coleta de dados mais aprofundada e reflexões baseadas em suas culturas únicas.
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Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
MAIA, M. Uma mente, duas línguas: reflexões sobre a transferência de padrões de ordem
vocabular em textos de falantes indígenas bilíngues. In.: Cadernos de Educação Escolar
Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: Unemat, v. 4, n. 1, 2005.
OLIVEIRA, L. R., et al. A pesquisa sociolinguística nas línguas indígenas brasileiras. Web-
Revista Sociodialeto. Campo Grande: UEMS, v. 4, n. 12, 2014.
SANTANA, Áurea Cavalcante & DUNCK-CINTRA, Ema Marta. Diversidade e Políticas
Lingüísticas: uma experiência com os Chiquitano do Brasil. Cuiabá (MT): Edufmt, 2009.
SILVA, M. A. da. Uma etnografia do Iakuigady: o jeito de viver Bakairi. In.: Cadernos de
Educação Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: Unemat, v. 2, n. 1, 2003.
SOCIOAMBIENTAL, Línguas Indígenas do Brasil. Disponível em: http://
pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral acesso em 10 de dezembro de 2015.
JANUÁRIO, E.; TAFFAREL, K. Entrevista com o professor Ikpeng Korotowi Taffarel. In.:
Cadernos de Educação Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: Unemat, v. 4,
n. 1, 2005.
Lucía Muñoz
Universidad Nacional Del Nordeste
mu_lucia@yahoo.com.ar
Marcela Redchuk
Universidad Nacional Del Nordeste
marcela_redchuk@yahoo.com.ar
Resumen: esta ponencia tiene como objetivo compartir una propuesta de producción/
construcción de Material Didáctico hipertextual e hipermedial (HTML) para Portugués LCE
(Lengua Cultura Extranjera), nivel superior, abordando algunos aspectos socioculturales de
Bahía -Brasil.
El mismo se basa en una investigación que se realizó sobre algunas características que
hacen al uso de Internet. Estas son: la Interactividad y la Hipertextualidad.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Introducción
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Metodología
!500
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Maria Bethânia
gogoya
xo.
https://sites.google.com/site/materialdidacticoportugues/reconvexo
!501
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Cabe resaltar que los alumnos tenían total libertad para seleccionar el tema de
pesquisa, dentro de las posibilidades que ofrecían tanto los links, como la propia
interpretación global de la letra de la canción.
Los resultados mostraron un mayor interés de los alumnos por cuestiones referentes a
la religión afrobrasileña (Candomblé, Umbanda, Terreiro de Gantois, os Orixás), el Pelô
(como foco de la cultura esclavista y cuna brasileña de la Raza Negra), los ritmos y danzas
(Samba de Roda y otras), la música y percusión (descripción y origen de los instrumentos),
Olodum (la escola y actividades que desarrolla esta ONG), carnaval (aportes de la
africanidad), futbol (historia e inclusión del negro en los clubes del Brasil).
La evidencia, verificada en los temas investigados, gana cuerpo y sentido más preciso
cuando apuntamos en las cuestiones que tocan las manifestaciones culturales163 y hechos
históricos. Queremos decir, fue notoriamente observable una sensibilización e interés de los
alumnos por los temas que entrañaban un enraizamiento con el origen esclavista de la
presencia negra en la cultura brasileña, y los indicios de la discriminación y de la lucha por la
inclusión que atravesó y atraviesa la comunidad afrodescendiente en Brasil.
Con respecto al material didáctico utilizado, podemos decir que los diferentes medios
de significación semiótica –escrita, auditiva y audiovisual- fueron trabajados
simultáneamente, conformando una amalgama de signos, una complementación de diferentes
formas de información, proporcionadas por las características y propiedades que ofrece el
lenguaje HTML de Internet.
163En este punto, es importante aclarar que las manifestaciones culturales que fueron tratadas aquí no se con -
fundan con la idea ligada a la producción de la industria cultural (videoclips, TV, filmes, shows, etc.)
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contemporâneas
Conclusiones
Bibliografía
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contemporâneas
SANZ GIL, M. "Aportaciones actuales de las TIC al campo educativo" TESIS DOCTORAL.
Castellón:2003.
O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
João Guimarães Rosa
Esse artigo busca apresentar o ensino da língua portuguesa para os haitianos nos
cursos da Missão Paz, centro de acolhida de imigrantes recém-chegados na cidade de São
Paulo. As aulas de português se iniciaram em 2013, em carácter emergencial, e a partir de
2014 se estruturaram no curso que hoje é oferecido. Para tanto, buscamos retratar um breve
panorama da imigração em São Paulo e nos situarmos nas questões que contribuíram para a
vinda de tantos haitianos para a capital paulista.
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Ainda de acordo com o CONARE, a lei brasileira é mais abrangente que a Convenção
de 1951, pois “prevê também a concessão de refúgio em casos de grave e generalizada
violação dos direitos humanos”. Muitos dos que estão no Brasil são provenientes de países
em conflitos e turbulências internas, onde seus direitos primordiais são violados.
A cidade de São Paulo, que conta com mais de 20 milhões de habitantes em sua
região metropolitana, tem sua história fortemente marcada pela presença de migrantes e
imigrantes. Em 21 de junho de 2016, um projeto de lei para a população imigrante foi
aprovado por unanimidade de votos na plenária da Câmara Municipal de São Paulo168 e
acaba de ser sancionado pelo prefeito Fernando Haddad. O projeto de lei institui uma política
que estabelece garantias de direitos fundamentais aos imigrantes, acesso aos direitos sociais,
166 Tzevan Todorov. A conquista da América a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1982
168 http://migramundo.com/politica-municipal-para-a-populacao-imigrante-e-aprovada-em-sao-paulo-e-vai-
para-sancao-do-executivo/ acesso em julho de 2016
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aos serviços públicos, estabelece como metas o combate à xenofobia, ao racismo e a previsão
da formação de um Conselho Municipal de Migrante, com a função de fiscalizar o
cumprimento das políticas públicas e sensibilizar dos agentes públicos para um atendimento
humanizado em relação à temática migratória.
A conjuntura da Restauração Meiji, ocorrida em 1868, no Japão, fez com que muitos
de seus habitantes partissem para várias partes do mundo. Em 1908, chegava ao Brasil o
primeiro grupo de japoneses, o que se repetiu de forma mais acentuada a partir dos anos
1930. A maioria veio trabalhar da agricultura, principalmente no plantio do café e na
produção de hortifrutigranjeiros. Na cidade de São Paulo, os japoneses se fixaram
primeiramente no bairro da Liberdade, ainda hoje conhecido como o bairro oriental da
capital.
A partir do final do século XIX, os conflitos acontecidos dentro dos Impérios Turco-
Otomano e Britânicos desencadearam os deslocamentos de milhares de pessoas da região do
Oriente Médio. Imigrantes vindos do Líbano, Síria, Palestina, entre outros, fixaram-se em
São Paulo onde começaram a desenvolver atividades comerciais. Até hoje são conhecidos por
serem proprietários de lojas no centro da cidade, notadamente na região da rua 25 de março,
o mais importante centro de comércio popular.
169 Os dados a seguir foram coletados no site do Museu da Imigração de São Paulo http://museudaimigra -
cao.org.br/ acesso em 12 de julho de 2016
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Estrangeiros
● Imigrante: s.m. e s.f. Pessoa que habita e possui residência fixa (legal ou ilegal) num
país estrangeiro. adj. Diz-se da pessoa que se estabelece ou se encontra estabelecida
num país estrangeiro; que imigra ou imigrou.
● Refugiado: s.m. Indivíduo que se mudou para um lugar seguro, buscando proteção.
Aquele que foi obrigado a sair de sua terra natal por qualquer tipo de perseguição;
quem se refugiou; pessoa que busca escapar de um perigo. Refugiado político. Quem
foi obrigado a deixar sua pátria por sofrer perseguição política. adj. Que se encontra
em refúgio, em local seguro e protegido.
● Expatriado é s.m. Indivíduo que foi alvo de expatriação; quem se expatriou; pessoa
que foi obrigada ou não a viver fora de seu país. adj. Que foi alvo de expatriação; que
se conseguiu expatriar.
● Apátrida adj. e s.m. e s.f. Quem ou aquele(a) que perdeu a nacionalidade de origem e
não adquiriu outra; sem pátria.
170 http://www.pf.gov.br/servicos-pf/estrangeiro
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Dentre tantas denominações, o imigrante haitiano é muitas vezes retratado por parte
da mídia brasileira como refugiado, no entanto, a lei 9474/97172 traz em seu primeiro artigo a
seguinte definição:
Levando em conta toda a calamidade que ainda hoje assola o Haiti, como poderíamos
chamar o imigrante haitiano? Como vimos acima, a lei brasileira não considera as catástrofes
ambientais, o que ocorre é que o governo federal concede aos haitianos vistos humanitários,
como nos diz Amado:
172 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm
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escritor haitiano Dany Lafferière descreve o exato momento do terremoto, às 16h53, em uma
série de pequenos contos em Tout bouge autor de moi (2011), relatando o caos que se instalou
na vida das pessoas a partir desse instante. Dentre esses, reproduzo abaixo:
O lugar174:
174 Tradução minha. Texto original: Le lieu. Au moment où c’est arrivé, les gens étaient éparpillés un peu par -
tout: dans les maisons (les grands-parents et les malades), dans les écoles (ceux qui traînaient car les classes
étaient terminées depuis près d’une heure), dans les bureaux (les meilleurs employés sont solvente les derniers à
partir), dans les supermarchés (ceux qui ont un salaire régulier), dans les marchés publics qui sont générale-
ment en plein air (ceux-là ne risquaient rien), dans les rues (plus de la moitié de la population). Un grand nom-
bre de gens étaient encore pris dans les embouteillages monstres qui paralysent Port-au-Prince aux heures de
pointe. Toute cette agitation s’est brusquement arrêtée à 16h53 Le moment fatal qui a coupé le temps haïtien en
deux. Nous regardons Port-au-Prince avec l’aire hébété d’un enfant dont le jouet vient d’être, par mégarde,
piétiné par un adulte.
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“Diga às pessoas que, cada vez que enviarem um saco de arroz, que enviem também um saco
de livros, pois no Haiti, não comemos para viver, comemos para ler”176.
176 Tradução minha. Texto original: Dites aux gens que, chaque fois qu’ils envoient un sac de riz, qu’ils en -
voient en même temps un sac de livres, car en Haïti, nous ne mangeons pas pour vivre, nous mangeons pour
lire.
178http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/sp-recebe-novo-grupo-de-haitianos-vindo-do-acre.html acesso
em julho 2016
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do Haiti diretamente para São Paulo em voos comerciais, com escala no Panamá, já portando
o visto humanitário desde a saída de seu país.
É necessário observar que nem todos os imigrantes são acolhidos da mesma forma no
Brasil. Sylvain Souchaud (2010) revela que, assim como os imigrantes bolivianos, os
haitianos são por muitas vezes discriminados. No caso dos haitianos, essa discriminação se dá
devido, principalmente, à cor da pele negra, o que evidencia o racismo velado existente na
sociedade brasileira. Santos e Cecchetti (2016) relatam que alguns habitantes da cidade de
Curitiba, diante do alerta de casos de ebola na África e por desconhecerem a posição
geográfica do Haiti, revelaram o preconceito diante dos haitianos.
De forma cada vez mais frequente, os imigrantes haitianos são vítimas de violentas
agressões, chegando até mesmo à morte, como ocorrido na cidade de Navegantes, no estado
de Santa Catarina, região Sul do país179. Muito provavelmente ainda por conta desse
preconceito, mesmo os haitianos que chegam com maior qualificação e que se esforçam nos
cursos de português, não encontram empregos. O preconceito linguístico no país é algo
latente e desestrutura as pessoas na sociedade que passam a ser qualificadas como falantes do
“bom” português ou do português “errado”.
Não só os imigrantes, mas também a população mais pobre, com menos acesso à
escolaridade, sofre com esse preconceito. O sociolinguista Marcos Bagno (1999) alega que:
O domínio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa que não
tenha seus direitos de cidadão reconhecidos plenamente, a uma pessoa
que viva numa zona rural onde um punhado de senhores feudais
controlam extensões gigantescas de terra fértil, enquanto milhões de
famílias de lavradores sem-terra não têm o que comer. (...) É preciso
garantir, sim, a todos os brasileiros o reconhecimento (sem o
tradicional julgamento de valor) da variação linguística, porque o
mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um
momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivíduo
179http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/10/1696121-haitiano-e-agredido-ate-a-morte-em-santa-catari -
na.shtml
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Dentro de todo esse contexto, que envolve questões tão importantes e delicadas, cabe
recorrer à teoria sobre o pensamento complexo de Edgar Morin exposta em Ethique (2002),
sexto volume de sua obra La Méthode. Para o autor, o mal pensar ignora os contextos, vê
somente a unidade na diversidade, vê apenas o imediato, esquece o passado, vê apenas um
futuro próximo, elimina o que escapa à racionalidade e obedece ao paradigma da
simplificação, o que impede de conceber laços de um conhecimento com seu contexto,
mutilando a compreensão.
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Por outro lado, ao se trabalhar o bem pensar, o ser humano abre e religa os
conhecimentos, abandona o ponto de vista mutilado (de disciplinas separadas), reconhece a
multiplicidade na unidade e a unidade na multiplicidade; tem método para tratar as
complexidades; concebe uma racionalidade aberta; opera diagnósticos levando em
consideração contextos e as relações global-local; reconhece os poderes da cegueira e da
ilusão; conduz a lutar contra deformações da memória ou esquecimentos seletivos,
reconhecendo a complexidade humana.
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A Missão Paz
É importante destacar que a assistência social da Missão Paz não atende apenas
haitianos, ainda que estes componham o grupo maioritário, recebe imigrantes provenientes de
diversos países, tais como: Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Camarões, Ruanda, Angola,
República Democrática do Congo, África do Sul, Marrocos, Palestina, Iraque, Síria, Bolívia,
Peru, Colômbia, entre outros, incluindo não apenas adultos, mas também adolescentes e
crianças.
181 Dados disponíveis no site da Missão Paz http://www.missaonspaz.org/ acesso em julho de 2016.
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No módulo básico, as aulas são dadas de acordo com a seguinte ordem de temas, funcionando
também como um manual de sobrevivência:
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Somente há pouco tempo a Missão conseguiu angariar uma verba para cópias das
apostilas. Até então, os alunos deveriam copiar tudo da lousa, sem ajuda de um material
como suporte. A questão da verba também impossibilita que recursos audiovisuais sejam
utilizados. Em entrevista, o aluno do intermediário Etienne Sainmeliers, haitiano, agrônomo,
32 anos, há dois meses no Brasil, aponta para a importância de haver livros e outros materiais
extras que possam ajudar a avançar no aprendizado da língua, que segundo ele se dá pouco a
pouco, pelo fato de não apenas a língua, mas a cultura ser outra. Etienne relata que as aulas
de português já o ajudaram em algumas situações como: recarregar o Bilhete Único (cartão
de ônibus de São Paulo), na solicitação da carteira de trabalho e na hora de fazer compras ou
conversar com outras pessoas.
182 Poriniciativa do professor Luis Antonio Bittar Venturi, e coordenador do projeto vinculado à Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP, que conta com a parceria da Cáritas Arquidiocesana de São
Paulo. A faculdade de Geografia da USP oferece o ensino de geografia para refugiados e imigrantes, contando
com a presença de haitianos, apoiando a adaptação destes ao país.
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experiência diferente das aulas de PLE que preparam alunos para atuarem em empresas
multinacionais ou para o CELPE-BRAS, ter contato com os haitianos, falantes de francês,
língua na qual também possuo formação pela Faculdade de Letras da USP e, principalmente,
contribuir para a integração dos imigrantes.
A diversidade de nacionalidades pode, por um lado, aparentar que as aulas sejam uma
Babel ou, por outro, que os imigrantes da América Latina, falantes de espanhol, tenham mais
facilidades diante da proximidade dos pares linguísticos, o que não deixa de ser verdade. No
entanto, o que se nota é que essa diversidade linguística e cultural enriquece as aulas e
produzem momentos de cooperação e solidariedade entre os alunos, que se ajudam e
traduzem palavras, frases ou expressões para os colegas que não compreendem. Em
entrevista, a professora voluntária Helena Camargo, doutoranda em Linguística Aplicada na
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) diz:
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emprego fixo, muito difícil ter carteira assinada, então tem uma certa
relação de semelhança constatável do ponto de vista social, que eles
não são tão diversificados em relação à realidade em que vivem, mas
são diversificados em relação à língua. Alguns falam francês, outros
falam espanhol. A maioria é haitiana e muitos deles compreendem
francês, assim como os imigrantes de origem africana que vêm para a
aula falam francês, um ou outro imigrante fala inglês e alguns falam
espanhol. Em geral, estão numa realidade bastante parecida, com
dificuldades e modos de pensar parecidos.
Diante da complexidade desse contexto, considero que o ensino PLE para esses
imigrantes se abre também como uma nova área de pesquisa que deve abordar as
especificidades e as circunstâncias desse tipo de ensino e a importância de uma abordagem
intercultural, promovendo o diálogo e a tolerância como nos mostra Edgar Morin (2002) com
suas reflexões sobre o pensamento complexo.
Considerações Finais
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Relatos dos alunos imigrantes mostram que uma de suas maiores dificuldades ao
chegarem ao país é o fato de não conhecerem a língua portuguesa. Diante do contato com
culturas diferentes, os choques culturais são frequentes e nos interrogamos em como ajudar a
integração do imigrante na sociedade brasileira e como o professor pode ajudar e oferecer
meios para que alguns desses obstáculos sejam superados.
Na cidade de São Paulo, há outros núcleos de assistência aos imigrantes que oferecem
cursos de português, como a ADUS (SP) - Instituto de Reintegração do Refugiado. Há até
mesmo inclusão dos imigrantes como professores de suas línguas maternas em cursos para
alunos brasileiros, como acontece na BibliAspa.
Referências Bibliográficas
AMADO, Rosane de Sá. O ensino de português como língua de acolhimento para refugiados.
Revista do SIPLE, Brasília, ano 4, n.2, out 2013. http://www.siple.org.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=309:o-ensino-de-portugues-como-lingua-de-
acolhimento-para-refugiados&catid=70:edicao-7&Itemid=113 (acesso em agosto de 2016)
183 https://cursos.unila.edu.br/selecao-haiti
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Loyola, 1999
LAFERRIÈRE, Dany. Tout bouge autor de moi. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 2011.
RABATÉ, Emile. Haïti soigne ses mots. Libération - 29 août 2014. Disponível em http://
next.liberation.fr/culture/2014/08/29/haiti-soigne-ses-mots_1089683 (acesso em agosto de
2016).
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Resumo: o objetivo deste trabalho é pesquisar o impacto que podem exercer matérias
utilizadas em exames ou testes de proficiência, como o Certificado de Proficiência em Língua
Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), sobre candidatos, no que se refere à formação do
cidadão e à aquisição/ampliação de conhecimento sobre o Brasil e sua cultura. Para tal são
discutidos os conceitos de efeito retroativo, impacto e validade consequencial para, em
seguida, tentar-se entender como se dá o fenômeno do impacto no exame Celpe-Bras. Parte-
se da hipótese de que matérias (vídeos, áudios, textos escritos e imagéticos) utilizadas como
instrumentos para avaliar os examinandos podem influenciá-los, desde o aprimoramento de
conhecimentos linguísticos e não linguísticos, até causar impacto no seu dia a dia. A
metodologia adotada é a pesquisa qualitativa, com entrevistas realizadas com sete (07)
participantes. Os resultados preliminares da análise das entrevistas apontam indícios de
impacto do exame nos candidatos.
Introdução
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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princípio de impacto dos testes. Para tal são discutidos os conceitos de impacto/efeito
retroativo e validade consequencial, para em seguida, tentar-se entender como esse tipo de
impacto ocorre dentro do Celpe-Bras.
modalidades Implicações
no ensino
na forma como os
professores ensinam
Ensino
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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ensinam
influência
na gradação e sequên-
cia
do ensino
no gradação e
profundidade de en-
sino
Na época em que essas hipóteses foram levantas, não exitiam estudos empíricos que
confirmassem a existência do tal efeito retroativo. Hoje em dia a questão não é mais se existe
efeito retroativo, mas como trabalhar para garantir um efeito retroativo positivo nas salas de
aula (MESSICK, 1996: 244-245).
O próprio Silva (op cit) também considera os dois conceitos como sinônimos. Outros
estudiosos como Bachman e Palmer (1996: p 30) e Brown e Abeywickrama (2010)
classificam o efeito retroativo dentro do impacto, considerado como mais amplo. O intuito
em tratar brevemente de efeito retroativo, aqui, é distingui-lo de impacto. Desta forma, filio-
me à tradição que separa os dois conceitos, sendo que efeito retroativo se limita àquilo que
acontece em sala de aula no que diz respeito ao conteúdo e à forma como os professores
ensinam e como os aprendizes aprendem, e que impacto representa aquilo que pode acontecer
na própria vida das pessoas, na sociedade e nas políticas educacionais, dentro ou fora da sala
de aula.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Os testes têm consequências nos indivíduos e na sociedade em função dos usos que
são feitos dos resultados. Isso pode determinar, por exemplo, se um candidato a naturalização
pode ser aprovado ou não, ou ainda se um estudante pode ser aceito em determinado curos ou
universidade. Eles são criados e apliacados sempre com o intuito de atender a demandas do
sistema educacional e da sociedade a longo prazo (BACHMAN, 1990 apud BACHMAN e
PALMER, ibid.).
Ainda segundo os autores Bachman e Palmer (ibidem), cada escolha feita no processo
de preparação de um teste ou exame determina o(s) impacto(s) nos indivíduos ou no sistema
educaticional ou na sociedade a longo prazo. Isso pode ser direto, no caso dos indivíduos
diretamente envolvidos como os candidatos e professores, ou indireto, no caso do sistema
educacional ou da sociedade a longo prazo.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
posições sobre a questão da ética em testes de língua, de um lado os que tomam a questão
num sentido amplo (visão da responsabilidade social) e do outro lado os que a tomam num
sentido restrito (visão tradicional). A seguinte afirmação do estudioso merece atenção
particular:
Isso mostra o quanto a validade de um teste está ligada ao impacto que ele pode ter nos
indivíduos envolvidos e na sociedade. Essa atenção e monitoramento dos efeitos positivos e
negativos do teste deve ser uma preocupação real e contínua dos diferentes atores dos testes.
Ou seja, a atenção dada ao impacto do teste promove a sua validade consequencial. Cabe
ressaltar que o tipo de impacto neste trabalho comtemplado difere do tipo de impacto descrito
por McNamara. É apenas um novo aspecto do que é o impacto. Mesmo assim cabe interessar-
se pelo fenômeno.
Apresentação da pesquisa
Este trabalho representa a fase inicial de minha pesquisa de mestrado. Ele se origina
de uma experiência pessoal em relação ao Celpe-Bras. Em outubro de 2015 eu prestei o
exame Celpe-Bras, edição de 2015/2. Sendo a parte escrita dividida em quatro tarefas, o
vídeo da tarefa I dessa edição, foi uma reportagem sobre o uso do cinto de segurança dentro
dos carros. Precisamente, era uma reportagem em que foram dadas informações sobre a
legislação com respeito ao uso do cinto no Brasil, os riscos em não usá-lo, nos bancos de trás
185 No texto original: “Those who advocate the position of socially responsible language testing reject the view
that language testing is merely a scientific and technical activity. They appeal to recent developments in thinking
about validity, especially to the notion of consequential validity. In general, this means that the evaluation of a
test’s validity needs to take into account the wanted and unwanted consequences that follow from the introduc-
tion of the test. Some take the view that consequential validity, like validity of other kinds […], is the responsi-
bility of the test developer and needs to be taken into account, not only by anticipating possible consequences in
test design, but also by monitoring its effects in implementation.”
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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como da frente, com relatos de experiências vividas por pessoas que sobreviveram a batidas,
graças ao cinto. Na reportagem, especial atenção foi dada ao não-uso do cinto no banco
traseiro e suas consequências. Desta forma os candidatos foram convidados a produzir, com
base nas informações da matéria, um panfleto a ser distribuido para taxistas, com o objetivo
de incentivá-los a exigir que os passageiros usem o cinto no banco traseiro.
Antes das entrevistas propriamente ditas procurei os materiais dos editais passados
disponíveis no site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no endereço
eletrônico <http://www.ufrgs.br/acervocelpebras/acervo>. O intuito era usar os mesmos
186 Entre parênteses estão os anos e edições do exame Celpe-Bras que eles prestaram.
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textos multimodais da prova que cada um deles prestou, para estimular a sua memória. As
entrevistas foram realizadas etapa por etapa, seguindo a ordem das quatro tarefas da Parte
Escrita do exame e, depois, eles foram convidados a olhar os vinte Elementos Provocadores
(EPs) e, dentre eles, indicar os três utilizados na Parte Oral. Cabe notificar que nem todos
conseguiram reconhecer todas as tarefas e/ou EPs. Visto que não temos um espaço maior, não
serão anexas as tarefas e EPs, nem as transcrições das entrevistas. As provas aqui
mencionadas podem ser encontradas no site da UFRGS.
Resultados
S1 reconhece a tarefa 1 (um), intitulada Pescando letras, que é uma reportagem sobre
uma campanha de alfabetização de pescadores de várias cidades do Brasil. Ela admitiu que a
própria iniciativa a fez refletir sobre a situação de seu país, quanto ao analfabetismo. A tarefa
2 intitula-se Ecomoda e é uma reportagem de rádio sobre roupas e acessórios feitos com
materiais reciclados como garrafas PET, bambu, etc. Ela admitiu que a matéria foi
informativa para ela, pois ignorava que podiam-se fazer roupas com materiais reciclados,
com o objetivo de preservar o meio ambiente. Quanto à parte oral, ela reconheceu dois EPs
dos três. O primeiro é o n°7, intitulado Doe sangue. A informante afirma que, por ter passado
por uma situação de saúde, em que ela precisou de sangue, o que foi difícil de conseguir, o
EP lhe chamou a atenção. Ainda a respeito do mesmo EP, S1 diz o seguinte:
Mais interessante ainda é saber que ela afirma ter ido a um centro de doação de
sangue para se tornar doadora, mas ela foi declarada inapta para doar sangue. E ao ser
questionada se houve uma relação entre sua decisão de começar a doar sangue e o EP em
questão, ela afirma:
“[...] foi [...] como uma conexão, eu diria” e acrescenta: “[...] pode ser
que ele [o EP] tenha talvez mudado um pouco minha percepção, mas
influenciar [hesitação] ele me fez refletir, na verdade; mas não sei se
seria mesmo uma influência [...]”.
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“Eu não tinha percebido, por assim dizer, a diferença tão marcada
que tem no Brasil com relação às raças.” Em seu depoimento, ela vai
além e diz: “Me impactou muito [...] eu não tinha percebido que,
digamos, [Lá zaro Ramos] seria o primeiro galã [negro] de novelas
brasileiras [...] aí, me impactou mesmo”.
A fala da própria informante diz muito sobre o sentimento que a animou quando ela
viu a imagem do EP e como isso mudou a sua percepção em relação ao lugar que ocupam os
negros no cinema brasileiro, situação que quem está fora do Brasil pode não perceber.
Apesar de ser arquiteta S2 não sabia que existiam estruturas adaptadas para pessoas
com capacidade reduzida para o turismo. O feito de ter-se deparado com uma matéria sobre
turismo adaptado a esse tipo de pessoas suscitou nela interesse sobre o assunto.
S3, que é arqueteta, afirma que o seu interesse em conhecer a capital federal brasileira
é antigo, por ser uma cidade inteiramente planejada. A informação sobre a beleza do céu da
cidade e o fato de ele poder se tornar Partrimônio Natural da Humanidade só veio reforçar
esse desejo nela. E ela afirma:
Já em S5, que prestou a mesma prova que S2 e S3, o impacto da tarefa 1 (um) foi
mais explícito. Ele afirma :
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país: “ A gente não tem tido até agora muita facilidade para
deficiente físico”.
“é um negócio que quero também voltar aplicar, né, nas minhas obras
[...] que eu trabalhe”.
Quanto a A6 (2014/1), a matéria da tarefa 1 (um), intitulada Café, lhe trouxe uma
informação nova de conhecimento geral. Ele próprio afirma:
Quanto aos EPs, ele afirma que o n°17, intitulado Prêmio à inovação, despertou,
interesse nele. Ele afirma que o EP o impactou no sentido de incentivá-lo à inovação nas
pesquisas, daí, o interesse em concorrer ao prêmio. S4 e S7 não se lembraram das tarefas e
EPs que foram utilizados em suas edições respectivas. Isso pode ser a causa da ausência de
impactos neles.
Discussão
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exemplo, ganha novas informações sobre reciclagem de materiais para fazer roupas e
acessórios; e S6 aprende que o Brasil é o maior produtor de café do mundo.
Considerações finais
Estas não são conclusões definitivas. A pesquisa ainda está em andamento. Mas os
resultados preliminares aqui apresentados apontam indícios de impacto em alguns dos
participantes desta pesquisa. A continuação será considerado um número maior de
participantes. Os depoimentos dos participantes revelam elementos que indicam um tipo de
impacto que ainda se deve investigar. Esse tipo de impacto não aparece ainda na literatura
sobre testes de proficiência. Na continuação deste trabalho, tratar-se-á de reponder à
pergunta: qual relação existe entre este tipo de impacto e as matérias do Celpe-Bras?
Referências bibliográficas
ALDERSON, J. Charles; WALL, Diane. Does Washback exist?. In: Applied Linguistics,
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contemporâneas
PRODROMOU, Luke. The backwash effect: from testing to teaching. ELT Journals 49/1:
Oxford University Press, p. 13/25, 1995.
1- Introdução
Foi com a maior satisfação e agrado que recebi a vossa Carta de Aceite da minha
proposta para participar neste I Congresso Internacional de Língua Portuguesa:
experiências culturais e linguístico-literárias contemporâneas.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Serve isto para concluir que nenhum compêndio, nem curso de formação nos diz
como desempenhar a função, naquilo que ela tem a ver com as características de cada espaço
físico e tecido social onde o leitorado está implantado.
Feita esta introdução, passemos então ao âmago da minha intervenção que pretende,
de uma forma muito sumária, partilhar convosco vivências de quem teve o privilégio de, ao
serviço do seu país, cumprir missões em 3 continentes: Europa, América e África. Por isso
lhe chamei: «Uma experiência triangular de diferentes geografias e gramáticas de língua»,
considerando aqui o termo gramática na sua mais livre aceção, ou seja, não só o estudo dos
187
Leia-se Ciência, Cultura e Língua em Portugal no séc. XX – Da Junta de Educação Nacional ao Instituto
Camões, Maria Fernanda Rolo, Maria Inês Queiroz, Tiago Brandão, Ângelo Salgueiro, Fevereiro de 2012, IC/
INCM
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Antes de viajar até à minha primeira missão, penso que devo começar por vos
confessar as razões que me motivaram a ser leitora, já que qualquer percurso profissional
remete sempre para questões ligadas à esfera da nossa vida privada e familiar, em que «o Eu
ganha importância relativamente ao Nós, mas não exige o desaparecimento do grupo
familiar»188.
Foram-me dados a escolher três postos, nos seguintes países: Finlândia, Gabão e
Índia. Na prática, eram apenas dois, porque a Índia estabelecia como condição que fosse um
homem a ocupar o cargo. Apesar de ter vivido em África até aos 27 anos, e aí ter iniciado a
minha carreira docente, a verdade é que a minha opção recaiu sobre a Finlândia. Por um lado,
sentia uma enorme curiosidade em perceber por que é que jovens habitantes da península
escandinava se interessavam por estudar português189, por outro, vivera uma infância
fascinada pelos postais de natal que representavam mantos de neve salpicados de casas
vermelhas fumegantes. Teria agora a oportunidade de realizar um sonho, há anos a povoar o
meu imaginário - entrar num postal de natal!
Corria o ano de 1989. Não foi assim há tanto tempo, mas o suficiente para que
possamos falar das assimetrias de um Portugal antes e depois. Vejamos: os telemóveis eram
escassos, tinham o formato de um rádio e estavam ligados ao sistema elétrico dos carros; as
zonas urbanas apresentavam-se dotadas de muito poucas caixas multibanco, e os cartões de
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
crédito levavam um mês a serem emitidos; a internet não existia e o faxe era o meio de
comunicação mais rápido para remeter documentos urgentes; a televisão funcionava com
programação confinada a dois canais públicos190 e os portugueses ainda não passavam férias
nas Caraíbas.
Não tenho vergonha de dizer que o meu universo europeu se limitava a umas
incursões por Espanha, e o mais longe, até onde me aventurara, fora Paris. Imaginem, por
isso, o meu deslumbramento perante tanta limpeza, ordem e sentido de organização de uma
sociedade que me oferecia novidades a cada esquina e não regateava ajuda a um estrangeiro.
Como parece que tem sido sina minha (na altura não o sabia ainda), substituir colegas
cuja saída estava associada a episódios socialmente menos recomendáveis, deparei-me com
um gabinete vazio de passado, ou seja, onde não existiam registos dos protagonistas de
missões anteriores. Inexperiente e sem referências a trabalho já desenvolvido, vi-me obrigada
a partir do nada e a elaborar programas e materiais para oito cadeiras. Repito oito!192 Não fez
de mim uma heroína, mas admito que trabalhei imenso porque, além das aulas, me matriculei
em cursos de finlandês.
Não era de todo necessário para poder comunicar, mas para mim era importante
descodificar a toponímia, as mensagens escritas da publicidade envolvente, sob pena de viver
num rico arquipélago linguístico, mas isolada numa ilha sem palavra-passe de acesso.
Descobri, depois, que os alunos apreciam e valorizam o facto de estudarmos a sua língua e o
interesse deles pela nossa cresce de forma diretamente proporcional ao que manifestamos
pela deles.193 Além disso, podemos trocar pequenos gestos de cortesia na língua do anfitrião,
que gera maior proximidade e uma química de empatia que facilita as relações. Registe-se
ainda a facilidade de tradução de certas expressões, que nos permitem estar a um outro nível
de compreensão que, de outro modo, não seria possível.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Dizer que somos todos europeus, é uma verdade inquestionável, mas não corresponde
nem pouco mais ou menos a dizer que somos todos iguais. E só quando vivemos por dentro
de uma outra cultura percebemos essa diferença.
Fiz duas missões (8 anos) e saí com pena, mas com a certeza do dever cumprido.
Depois de um aumento substancial do número de alunos, consegui que este se mantivesse ao
nível da centena, na totalidade das disciplinas.
194
Texto apresentado ao 1º Congresso do Português Língua Não-Materna, 21 a 23 de Outubro de 1999, Forum
Telecom-Picoas, Lisboa
195 Nas universidades finlandesa os exames são feitos a lápis.
196
Referido na p. 116 da crónica, op. cit.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
mas também não fora excluída. Em bom português: fazia parte de um refugo de artigos com
defeito, mas que ainda podia ser aproveitado.
Manuela Marujo apostou em mim e, terminada a minha missão, ainda hoje, apesar
deste mar imenso que nos separa, há um universo de projetos que nos une, e que continuamos
a partilhar.
Tendo em conta que o Canadá é um país que inscreve na sua matriz identitária a
política do multiculturalismo, resultado do fluxo de correntes migratórias das mais diversas
proveniências, o tecido humano da cidade de Toronto espelha bem essa variedade étnica.
Assim, os nossos alunos são maioritariamente hifenizados, ou seja, provenientes de vários
cruzamentos étnicos, a que se acrescenta um grupo representativo de lusodescendentes.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Quer dizer que, em termos de prática didática e pedagógica, estamos perante PLE
mas, face à existência deste grupo específico de alunos, as estratégias mudam e têm de ser
ajustadas a uma nova realidade. Situando-nos em níveis mais avançados, em que podemos ter
alunos com anos de escolaridade concluídos em Portugal, diria mesmo que nos deparamos
com a situação invertida, ou seja, apesar de ter sido o Português a língua materna e o Inglês a
língua segunda, torna-se imperativo alterar a estratégia de atuação, ou seja, trabalhar o
Português como língua segunda (PL2), sem esquecer os outros alunos para quem esta é
sempre PLE.
Em 2003, e sem que nada o fizesse prever, a minha missão de seis anos (como fora
determinado pelo então presidente Jorge Couto) terminou ao fim de cinco anos, sem que
alguma vez soubesse porquê. Nestas guerras de gabinetes, não é o leitor quem sai perdedor,
mas sempre, e repito, sempre, a língua portuguesa e o prestígio do país que a representa,
provocando-se, muitas vezes, danos irreparáveis.
Perde-se ainda o respeito pelo parceiro com quem se negoceia que o mesmo será
dizer, desperdiça-se todo um capital que o leitor, com o seu esforçado trabalho, levou tempo a
acumular. Regressei a Portugal, magoada e ferida198, mas, como é meu timbre, não desisti.
Descobrira que ensinar a minha língua a estrangeiros era aquilo que eu gostava de fazer e que
me realizava profissionalmente.
197 Passaporte Inconformado, Chão da Renúncia, Entre Margens de Afectos e Abraço de Mar entre Ilhas e Con -
tinentes, são livros que reúnem muitas das crónicas escritas enquanto leitora.
198
Aida Baptista, crónica O Perfume das Cerejeiras, p. 189, in Passaporte Inconformado, 2004, MinervaCoim -
bra.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Toda a tradição literária diz que não devemos voltar aos lugares onde fomos felizes,
mas eu quis desfazer esse mito e candidatei-me. As provas de candidatura desse ano, 2004,
constituídas por um exame escrito (com uma componente de didática de língua e outra de
cultura geral) testes psicotécnicos e entrevista aberta, foram das mais rigorosas. Tinha 55
anos e vi-me a entrar para uma sala de exames rodeada de jovens acabadinhos de sair das
universidades.
Como devem calcular, a realidade que me esperava nada tinha a ver com as
experiências anteriores. Tivera o privilégio de trabalhar em países com níveis de excelência
máxima e vi-me, de repente, privada das mínimas condições de trabalho que me obrigavam a
um gasto redobrado de energias, sem que os resultados correspondessem aos esforços
despendidos199, como o provam muitos dos episódios relatados em Chão da Renúncia,
crónicas da minha experiência em Angola.
199Aida Baptista, crónica PRÓBLÉMA QU'ISTAMOS COM ELE!, pág. 61, Chão da Renúncia, 2008, Miner -
vaCoimbra.
200Professor contratado ou requisitado pelo Instituto Camões com a finalidade de lecionar Língua Portuguesa
em universidades dos PALOP. São designados formadores pois formam professores de língua portuguesa (nº 2 e
4 do Artº 20 do Decreto-Lei 170/97 de 5 de Julho).
201
Texto apresentado ao 1º Congresso do Português Língua Não-Materna, 21 a 23 de Outubro de 1999, Forum
Telecom-Picoas, Lisboa
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Ora, não foi por acaso que ressalvei «à luz da norma europeia». Como refere Bordieu
(1992)203, «No que diz respeito ao que é transmitido, a língua e a cultura, devemos ter em
mente que se trata de representações construídas e legitimadas pela cultura dominante».
Assim, no caso dos PALOP, estamos perante línguas em transformação, cujas mudanças são
por um lado resultado de empréstimos e por outro de interferências de substrato, que se vão
traduzir em novas construções fonéticas, morfológicas e lexicais de que autores como
Luandino Vieira, Mia Couto e mais recentemente Ondjaki (só para citar alguns) se revelam
lídimos representantes.
202
Angola torna-se independente em 11 de Novembro de 1975.
203 Bordieu, Pierre, O Poder Simbólico, 1992, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
204
Registe-se que todas as obras de autores provenientes dos PALOP vinham, desde há muito, acompanhadas de
um glossário final.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A missão, programada para quatro anos, acabou por ficar reduzida a dois, por razões
de natureza estritamente pessoais. Apesar de curta, permitiu-me viver a minha primeira
experiência de docente de Português Língua Segunda (PL2), bastante diferente das anteriores,
mas igualmente enriquecedora.
5- Conclusão
205In Revista Travessias, 1/1999, Mudança Linguística em Situação de Contacto de Línguas: o caso do Changa -
na e do Português, Conferência proferida na abertura do V Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais
(Maputo, setembro de 1998)
206 In op. cit., 1/1999, Forças Centrífugas e Forças Centrípetas nas Relações entre os Países de Língua Portu -
guesa, Conferência proferida na abertura do V Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais (Maputo,
setembro de 1998)
207
Era presidente do Instituto Camões em 1989, quando iniciei a minha primeira missão em Helsínquia.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Acreditando no futuro da língua, e na certeza de que há sempre um tempo para nascer e outro
para renascer, deixo-vos com este simbólico excerto do poema, de David Mourão Ferreira208:
Tem-se por objetivo geral contribuir com o ensino de língua portuguesa para
estrangeiros, de modo a tratar a partir das designações lexicais, a culinária maranhenses e os
208
Do tempo ao coração, 1962-66.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
O discurso, visto como uma estrutura, revela o sistema da língua manifestado em suas
regras gramaticais e em seu léxico. No que se refere ao léxico, as designações contêm
implícitos culturais relativos às raízes históricas da miscigenação no Maranhão, e o léxico da
culinária é um ponto para estudar a representação histórica pelas expressões e pelos
neologismos que passam a instituir as crenças presentes nos marcos de cognições sociais de
cada grupo. O discurso visto como interação social implica a dialética entre o novo e o velho
(cf. SILVEIRA, 2004). No que se refere à culinária, as designações léxicas articulam hábitos
alimentares do Velho e do Novo Mundo.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Ressalte-se, ainda, que a cultura decorre de um conjunto de crenças que define quem
nós somos, quem pensamos que somos e quem queremos ser (cf. SILVEIRA, 2004). A esse
ponto de vista, DaMatta (1998, 17) complementa que “cultura exprime precisamente um
estilo, um modo e jeito, repito, de fazer coisas”. Nesse sentido, tem-se por hipótese que na
diversidade cultural dos grupos sociais há possibilidade de encontrar-se uma unidade extra
grupal que define a culinária maranhense no âmbito brasileiro (SILVEIRA e NELO, 2002).
Essa diferenciação da culinária maranhense pode ser distinguida pela designação lexical e
pelo modo de transformar os produtos in natura.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A cidade de São Luís do Maranhão situa-se numa “ilha de maré e oceano”, condição
favorável para receber e acolher povos de diferentes lugares e continentes. Esses povos, ao
chegarem aqui, encontraram os nativos indígenas de hábitos alimentares simples, que
obtinham da natureza a pesca e a caça. Esses alimentos eram armazenados após o
processamento do moquém, feito em fogão de tacuruba - fogo de chão feito entre três pedra
(LIMA: 1998, 2). Os nativos consumiam, também, vegetais, legumes, frutas, que por serem
sazonais, eram consumidas de acordo com a época de produção, para esses produtos não
havia técnica de armazenamento nem o clima favorecia durabilidade para consumo a
posteriori.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
arte culinária, predominante em São Luís, tem origem indígena e é pouco elaborada, quase in
natura e sem temperos.
Das palavras selecionadas pelos alunos, destacam-se aquelas que passam por processo
de transformação antes de servir à mesa. São em geral pratos quentes, salgados, consistentes,
de sabores exóticos, possivelmente, contêm influências portuguesa e africana. Verificam-se
nas designações dos verbetes do Novo dicionário de Aurélio (2009), que as palavras têm
origem indígena, africana e intervenção portuguesa:
angu [De or. Afro.] s.m. 1 Massa espessa, geralmente de farinha mandioca
ou de milho, frequente na cozinha brasileira. 2 Massa feita de banana cozida.
3. Barulho, complicação, confusão.
arroz de cuxá s.m. Bras. Cul. Arroz cozido em água e sal, que se come
acompanhado de cuxá. [Pl.: arrozes de cuxá]. Cuxá [Tupi = ‘o que
conserva’, + o tupi = ‘azedo’.]. s.m 1. Bras. Guin. Bot. V. caruru-azedo. 2.
Bras. Cul. Molho feito com folhas de caruru-azedo (q. v.), gengibre e outros
temperos.
Panelada [De panela + -ada] s.f. 1. Panela cheia. 2. Grande porção de
panelas. 3. Ruídos de ar na mucosidade da laringe e dos brônquios. 4. Bras.
N.E. Prato semelhante ao cozido, e que se faz com mocotó, intestinos e
alguns miúdos de boi, toucinho e verduras; bambiá.
xambari [escrita chambaril]. Trata-se da carne mais dura do boi, mas que
com fogo ela amolece; 2. Ossobuco ou chambaril.
jurará [Do tupi.] s.m. Bras. MA Zool. V. tartaruga-do-amazonas (muçuã ou
pequenos quelônios), ... jurarás doirados... (Aluísio Azevedo, O Mulato, p.
96).
peixadas de escabeche [De peixe + -ada]. S.f. Bras. 1. Cul. Prato de peixe
cozido ou guisado. “Vão obrigar uma criatura assim a deglutir uma peixada
de escabeche e meio centro de laranjas”! (Graciliano Ramos, Linhas Tortas,
p. 75). 2. Grande porção de peixe cozido.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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verbetes, selecionados pelos alunos, que as palavras têm origem indígena, e intervenção afro-
portuguesa, de acordo com o Novo dicionário de Aurélio (2009).
bacuri [Do tupi] s.m. Bras. Amaz. 1. Bot. Árvore da família das gutiferácea
(Platonia insignis), de fruto grande e carnoso, com polpa amarela, muito
apreciado como alimento (...).
buriti [Do tupi] s.m. Bras. PA SP 1. Bot. Palmácea (...) dotada de fruto
amarelo do qual se extrai óleo; e broto terminal comestível, e como espique
e espádices se fabrica o vinho de buriti; os pecíolos das folhas fornecem
material us. em artesanato.
caju [Do tupi] s.m. 1. Pedicelo tuberizado, comestível, do fruto cajueiro (q.
v.) 2. Moç. Bebida fermentada feita de caju espremido: “Nunca mais beber
caju/ Na minha sombra do Chibuto” (Orlando Mendes, Véspera Confiada, p.
62). 3. Bras. Ano de existência.
cupuaçu [Do tupi = ‘cupu grande’] s.m. Bras. N. N. E. L. Bot. 1. Árvore
(Theobroma grandidiflorum), grande ou pequena, da família das
esterculiáceas, cujo fruto, cápsula oblonga, tem polpa aromática, doce,
comestível, usada em compotas e refrescos, e cujas sementes lembram, no
sabor, o cacau-verdadeiro, sendo as flores vermelho-purpúreas com as
margens alvas, e dispostas em panículas: “Cupuaçu, o veludo perfumado da
casca do estojo ovalado onde se abrigam os bagos carnudos” (Tiago de
Melo, Mormaço na Floresta, p. 77). 2. O fruto dessa árvore. 3. V. cacau-do-
peru.
murici [Do tupi] s.m. Bot. 1. Bras. Designação comum a várias espécies do
gênero Byrsonima (v. birsônima), da família das malpighiáceas, árvores e
arbustos que produzem um tipo de fruto drupáceo, do mesmo nome, de
polpa edula, e que habitam maciçamente os cerrados; muricizeiro. 2. Esse
fruto.
jussara (escrita juçara) [Do tupi] s.m. Bras. Bot. 1. Palmeira delgada, alta
e elegante (Euterpe edulis), própria da floresta atlântica, de folhas longas e
segmentadas, flores em espigas, frutos pequeninos, drupáceos, e cujo gomo
terminal, longo e macio, constitui o chamado palmito; palmito-juçara, açaí.
2. açaí. [Var.: jiçara.]
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e dos costumes alimentares de alguns sabores maranhenses. Por sua vez, esses sabores são
formas memoriais de como os maranhenses com suas peculiaridades gastronômicas
representam o mundo. Todas as formas e conhecimentos da culinária recebem influências e
transformações em cada contemporaneidade histórica. Dessa forma, Silveira (2004) confirma
que se houver mudança no ponto de vista, haverá mudança na forma de representar os
mesmos fatos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Observamos que o tratamento dado ao conteúdo sobre culinária nas aulas PLE
permitiu aos alunos falarem sobre situações do cotidiano deles, de acontecimentos e de
eventos, que, para eles não faziam sentido por falta de conhecimentos histórico-culturais. Em
suma, foram realizadas múltiplas leituras, análises e trocas de saberes sobre pratos quentes,
salgados, doces, bebidas, frutas, raízes, amêndoas, formas de transformar, acompanhar, servir
alimentos desde a natureza às oferendas festivas ou não, de indígenas, africanos e europeus.
Um outro aspecto abordado nas aulas foi relacionado às crenças, manifestações de identidade
cultural dos segredos domésticos imprescindíveis às suas peculiaridades históricas
institucionais, “[...] a nota mais popular da terra das palmeiras; casas ricas da terra, dos nobres da
cidade, como existia, também, na cuia do pobre e era até apregoado nas ruas por negras
respeitáveis” (SERRA, 1965).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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REFERÊNCIAS
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DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? 9 ed. Rio de janeiro: Rocco, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário de Aurélio da língua
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FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaios sobre a comida dos mineiros. Belo
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LANDOWSKI, Eric e FIORIN, José Luiz (eds.). O gosto da gente, o gosto das coisas,
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MACEDO, Walmírio. O livro de semântica: estudo dos signos linguísticos. Rio de Janeiro:
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SERRA, Astolfo. Guia histórico e sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro,
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SILVEIRA, Regina C. Pagliuchi da e NELO, Maria José. Discurso e expressões linguísticas
do português brasileiro: aspectos histórico-culturais nas designações da culinária
brasileira. Taubaté-SP, GEL, 2002.
SILVEIRA, Regina C. Pagliuchi da. Implícitos culturais: ideologia e cultura em expressões
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portuguesa em calidoscópio. São Paulo: EDUC, 2004. (Série Eventos).
VAN DIJK, T. Discourse como Social Interacion, Discourse Studies: a multidiciplinary
introduction. London: Sage Publications, 1997 b. Vol. 2.
______ El discurso como interación en la sociedad. In: El discurso como estrutura y
proceso, estudios sobre o discurso I una introducción multidisciplanaria. VAN DIJK
(comp.) Barcelona, Espanha: Gedisa, 2001. Vol. 2.
______ El discurso como interación en la sociedad. In: El discurso como estrutura y
proceso, estudios sobre o discurso I una introducción multidisciplanaria. VAN DIJK
(comp.) Barcelona, Espanha: Gedisa, 2008. Vol. 1.
______ Discurso e contexto, uma abordagem sociocognitiva. ILARI, Rodolfo (trad.). São
Paulo: Contexto, 2012.
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http://www.dicio.com.br/culinaria/
ANEXO
Quitutes da cidade
A cozinha da cidade não oferece grandes pratos, nem é rica de variedades. Predomina geralmente a
fartura de pratos à portuguesa. Mas nem por isso, desapareceram de todo os quitutes regionais.
É certo que, nestes tempos, quase ninguém conhece, ali, o decantado “arroz de cuxá”, espécie de angu
feito com especial cuidado e que foi, outrora, o prato mais afamado de S. Luís; arroz de cuxá
imprescindível em todas as mesas; e que era, como o vatapá baiano, a nota mais popular da terra das
palmeiras; casas ricas da terra, dos nobres da cidade, como existia, também, na cuia do pobre e era até
apregoado nas ruas por negras respeitáveis.
Esse arroz, de que Aluísio de Azevedo se serviu para uma nota regionalista no seu “O Mulato”, já não
existe mais! É outra tradição que desapareceu da cidade histórica. Que pena!
De pratos típicos ainda há as “tortas” de camarão feitas em azeite de gergelim, em frigideiras de barro,
com os deliciosos camarões de Alcântara ou Guimarães.
As paneladas são brutalmente indigestas, mas deliciosas a valer; os xambaris, cozidos típicos; as
peixadas de escabeche quente; os leitões de forno. Existem pratos regionais como “casquinhos de
jurarás” (muçuã ou pequenos quelônios), caranguejos de forno, jaçanãs, com arroz.
Em matéria de doces variados é o cardápio. Doces de “bacuri” de “murici”, de “buriti”, de “cupuaçu”.
Cajus-secos, caju em calda.
Quitutes secularmente vencedores como beijus-sicas, beijus, pés-de-moleques, bolos de tapioca.
Sorvetes especiais de Jussara (açaí), de maracujá do mato, de cajazinho. Não é abundante o uso de
doces importados.
Toda casa fabrica seus doces para sobremesa e para as visitas.
E que fartura!
As frutas regionais são variadíssimas. Bananas ótimas, de qualidade e comuns; ananás, abacates,
mamão, araçás, jambos, cajus maduros deliciosos. Mangas admiráveis e jacas tão enormes que dariam
sobremesa para três famílias.
Atas (frutas de conde ou pinha) bem crescidas e doces. Nada há que desbanque o cardápio de frutas,
os saborosíssimos sapotis da cidade, ou as sapotas! São tão perfumadas, tão delicadas ao paladar, que
até parecem um pudim, que Deus miraculosamente fabricasse naquelas terras árvores pejadas de
frutos maduros. O coco de praia é abundante e barato.
Os pregões de rua passam anunciando a fartura da cidade. É tanta fruta regional que não há como
escolher, tal a variedade e a gostosura das mesmas.
Uma fruta é tipicamente solidarista em S. Luís: a melancia. Tempo de melancia é tempo de agradáveis
reuniões em certos bairros.
Numerosas famílias vão, por exemplo, à praia do Caju, somente para comer melancia madura, tão
maduras quanto maravilhosamente doces. Bocas alegres de jovens felizes mergulham nas polpas
vermelhas das melancias na mais popular das gulodices da terra! (SERRA, Astolfo. Guia histórico
e sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira).
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Resumo: Este artigo tem por fito falar sobre a importância da prática para uma aula de
português como língua estrangeira, ou seja, o quão significante é que o professor esteja com o
pé na sala de aula de PLE, indo além do ser meramente teórico. O objetivo principal se
mostra nos diversos relatos de experiências docentes em PLE, aclarando-se, de maneira
inconteste, a relevância da experiência em sala de aula de PLE (física ou virtual) para que os
professores em formação possam ser críticos e ter uma visão ampla dos porquês que advêm
de alguns assuntos em sala de aula; para que possam contrapor teorias, possam testá-las e (re/
a)prová-las. A metodologia adotada para a feitura deste trabalho assemelha-se àquela
apresentada por Dell’Isola (1995), tendo-se como sujeitos os professores entrevistados, sendo
o material utilizado um questionário formulado e enviado previamente aos docentes, cuja
tarefa era a leitura e assimilação das perguntas para a entrevista propriamente, a qual se
efetivou por meio eletrônico ou presencial. Procedeu-se à análise e aos comentários do
conjunto de entrevistas, sendo realizada uma discussão ao final. Em Almeida Filho &
Lombello (Orgs.), 1997, surgem os primeiros destaques para os pressupostos do PLE e, mais
recente, em Silva et al, são realçados novos olhares em direção à formação de professores de
línguas, sempre com a preocupação na qualidade do profissional em constante aprendizado.
Resultou da análise de todas as entrevistas concedidas, ratificar a importância do
acompanhamento de alguém mais experiente, logo no início da atuação; o peso positivo da
formação continuada, bem como o quão relevante é o conhecer a cultura do outro, inclusive
para que o docente possa preparar o cotejo entre todas as culturas envolvidas no ensino de
PLE.
Introdução
Seu aluno estrangeiro deixou você numa saia justa? Dê a volta por cima e transforme
a sua dificuldade numa grande oportunidade. Diga: “Você me deixou numa saia justa!”
209
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa INFORTEC-CEFET/MG. Professora Leitora de Português na Pontifícia
Universidade Católica de Santiago-Chile. Contato: c96157089@gmail.com
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Explique o que é saia justa, ou seja, que é uma expressão idiomática e que significa “em uma
situação difícil, complicada, embaraçosa” e que foi o que acabou de lhe acontecer. Aproveite
para falar sobre o vestuário se ainda não deu uma aula sobre o assunto e vá emendando as
informações que julgar pertinentes! Por exemplo, se o seu grupo de alunos é uma turma
homogênea de falantes de espanhol, faça a associação, imediatamente de “embaraço” com
embarazo210 e vá levando, “de boa”, a sua aula. Faça valer o termo “tempestade cerebral 211” e
vá tocando o seu barco, mesmo que em águas turbulentas. Mas ainda tem a pergunta ou
situação que levou você a ficar “numa saia justa”. Se você não sabe, naquele momento, a
resposta, assuma a pesquisa sobre o tema ou assunto e se comprometa a levar a resposta na
próxima aula, mandar por e-mail ou da forma que lhe aprouver. Mas não se sinta
constrangido por não saber responder algo. Jamais.
Sim, é isso mesmo! É assim que acontece dentro de uma sala de aula de PLE. Você
pode até não ter tido esta experiência ainda, mas se está lendo este artigo, pode ser que venha
a passar por ela em breve. Se já teve uma experiência desse naipe está sorrindo e se
lembrando de vários episódios semelhantes. Pois é. O cotidiano em uma sala de aula de PLE
não é fácil, não é simples, mas é extremamente enriquecedor e constrói um professor crítico e
inovador, ademais de possibilitar um testar constante de nossa própria cultura e, às vezes, um
gostinho bom da cultura alheia, como ocorre de forma mais acentuada, nos casos de
leitorado.
Este singelo artigo tem por fito falar sobre a importância da prática real e verdadeira
em sala de aula para que o professor de PLE seja prático, além de teórico. Não basta discutir
temas de relevância na área de docência de PLE, como por exemplo, saber que é também
designado PLA desde o expresso por Schlatter & Garcez (2009, pág. 128)212, conforme vem
citado na apresentação do livro Português como Língua Adicional: reflexões para a prática
docente, organizado por Schoffen, Kunrath, Andrighetti e Santos (2012), terminologia
questionada diretamente por expert da área de PLE em palestra virtual, proferida em
novembro de 2014 aos estudantes de pós-graduação na área de Letras do CEFET-MG, mas
210 Gravidez.
211Do inglês brainstorming , a tempestade cerebral é um método criado nos Estados Unidos, pelo
publicitário Alex Osborn, usado para testar e explorar a capacidade criativa de indivíduos ou grupos, principal-
mente nas áreas de relações humanas, dinâmicas de grupo, publicidade e propaganda. Disponível em: <http://
www.significados.com.br/brainstorming/>. Acesso em: mar. 2016.
212Apresentação do livro: Português como Língua Adicional: reflexões para a prática docente, organizado por
SCHOFFEN, KUNRATH, ANDRIGHETTI e SANTOS (2012) “...o reconhecimento de que no Brasil se falam
outras línguas, como nas comunidades surdas, indígenas, de imigrantes e descendentes de imigrantes, possibilita
entender o português como um acréscimo à(s) língua(s) que esses indivíduos já falam. Em todas essas situações,
o português não será necessariamente ‘língua estrangeira’, mas sim estará entre as “línguas adicionais, úteis e
necessárias” para a cidadania contemporânea (SCHLATTER e GARCEZ, 2009, p. 128). Respondendo a esse
redimensionamento do status da língua portuguesa na atualidade, referimo-nos aqui ao ensino de Português
como Língua Adicional (PLA), e não mais Português como Língua Estrangeira.”
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saber que um grupo heterogêneo tem que ter uma mirada diferente do professor quando em
sala de aula e que mesmo sabendo inglês, espanhol ou francês escorreitos, se tiver alunos que
não dominam tais idiomas, não deverá privilegiar o uso de nenhum deles, pois estará
excluindo seu aluno não anglófono, não hispano-falante, não francófono etc.
Mas voltando lá ao início, quando daquela pergunta que deixou você numa saia justa.
Foi uma pergunta constrangedora? Algo que tenha peias culturais, sociais ou algo que o
valha? Nada melhor que ser diret@ nesse tipo de situação. Exemplifico: alun@ lhe perguntou
o significado de algum palavrão (palavra de baixo calão), daquelas bem “cabeludas”? Você
pode, de acordo com sua vontade, disposição, conhecimento do termo, dentre outras
possibilidades, responder diretamente seu/sua alun@; indicar-lhe o dicionário do palavrão213
ou, se não lhe ocorrer, de imediato essa preciosa dica, dizer ao discente que vá ao estádio de
futebol e participe, efetivamente, de uma torcida de algum time bem relevante naquela cidade
e, claro, que faça amizade com brasileiros, que eles poderão ensinar, rapidinho, não apenas
esse palavrão que ele/ela deseja saber o significado, mas vários outros. Que você,
professor@, por questões religiosas, por pudor, por vergonha, por constrangimento, por
desconhecimento (ou qualquer motivo que não esteja explicitado), irá deixar por conta d@
discente, pesquisar a respeito e, inclusive, deixe-@ à vontade para repassar a informação para
os colegas de classe, colocando seu aprendiz na posição de alguém que ensina. Dê-lhe
autonomia e faça-@ sentir na pele o que é ser professor, permitindo-lhe assumir esse papel
em algumas classes. Com isso, estará possibilitando a esse/a aprendiz da língua-cultura do
outro, a oportunidade de assumir o seu papel de docente e, quem sabe, isso possa despertá-l@
para algo que ainda não valorizou?
Seguindo com o objetivo maior nestas palavras que se pautam em diversos relatos de
experiências docentes em PLE, desejo aclarar de maneira inconteste, a importância da
experiência em sala de aula de PLE para que os professores em formação possam ser críticos/
reflexivos e que tenham uma visão ampla dos porquês que advêm de alguns assuntos em sala
de aula, para que tais professores, mesmo que inexperientes, possam contrapor teorias,
possam testá-las e (re/a)prová-las.
É interessante ouvir alguns pesquisadores dizendo que têm pânico de sala de aula. Por
quê? Alun@ já lhe mordeu? Alun@ já o expulsou da sala de aula? Alun@ já jogou ovo podre
em você? Alun@ já o criticou? Mesmo que uma ou várias dessas situações já tenham lhe
ocorrido, nada é mais fortalecedor do que a superação dos obstáculos e a certeza de que os
alunos que mais contestam, são por vezes os mais interessados e, quiçá, a forma de
213 MAIOR, Mário Souto. Dicionário do palavrão e termos afins. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2010.
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participação eleita tenha sido exatamente a que menos lhe convém como professor@. São os
percalços ou desafios de uma profissão árdua e, infelizmente, mal remunerada.
Mas não é para falar da precariedade salarial que me propus a escrever este artigo. O
escopo deste trabalho é destacar o quão relevante é a presença do docente de PLE(PLA) na
sala de aula afim, não apenas como teórico das realidades cotidianas, mas como um ser que
põe seus pés na sala de aula, que dá a sua cara a tapa, que assume seu papel.
Exatamente por isso, busquei dentre os pares, tanto nacionais quanto estrangeiros, ora
em contexto de imersão e ora em contexto de não imersão, por meio de entrevistas
espontâneas a partir de um questionário por todos respondido, formar um corpus significativo
e por meio do qual eu pudesse ter um perfil do quão importante é o início dessa tão
dignificante quanto árdua carreira: a de professor de PLE(PLA).
Metodologia
Citado questionário (ANEXO 1), foi composto por uma típica estrutura de inserção no
contexto do ensino, com o quando, como e onde; ademais, pautou-se na preocupação com a
formação precípua para a docência em apreço: se ela se efetivou academicamente, em curso
específico, na graduação ou não; enfim, como ela se deu. Foram buscadas informações acerca
da experiência primeira e como ela se concretizou e o quão importante foi para cada
entrevistad@.
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Questionário
Docentes entrevistados
(E1Fe) X X (E9Ra) X X
(E2Le) X X (E10Pa) X X
(E3He) X X (E11Na) X X
(E4Is) X X (E12Va) X X
(E5Li) X X (E13Id) X X
(E6Iz) X X (E14Au) X X
(E7Gl) X X (E15Ya) X X
(E8Br) X X (E16AP) X X
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(E17AL) X X
(E18MC) X X
(E19Da) X X
(E20AE) X X
(E21Ca) X X
(E22Ma) X X
(E23Mi) X X
Resultados
Dos 23 entrevistados, apenas 3 são falantes não nativos (citados, neste trabalho, como
estrangeiros), sendo 20, portanto, falantes nativos. Dos 3 citados, apenas um em contexto de
imersão; os outros dois em contexto de não imersão, ou seja, em Santiago-Chile. E, dentre os
20 brasileiros (FN), metade, à época da entrevista, em contexto de imersão; demais,
espalhados pelo mundo.
As sinopses das respostas que foram dadas pelos 23 entrevistados estão no ANEXO 2.
E, embora se trate de sinopse, cada resposta que é apresentada tenta ser o mais fidedigna
possível, centrando-se, a cada pergunta, no cerne daquilo que foi respondido pelos docentes
informantes.
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Para a primeira pergunta feita, tem-se que a maioria está atuando diretamente na
docência de PLE, especificamente em sala de aula, junto aos estrangeiros, havendo alguns
entrevistados que já se encontram em fase de formação de novos docentes. Quanto ao tempo
dedicado à prática em apreço, pode-se dizer que há uma tripartição do grupo, havendo uma
parte que atua há cerca de 30 anos (ou algo em torno disso); um grupo está na docência de
PLE há aproximadamente 20 anos (ou quase isso); e, por fim, uma expressiva quantidade está
há menos tempo na docência, isto é, nos últimos 4 anos, ou por volta disso.
Quanto ao quesito quinto, que versa sobre oportunizar aos neófitos o saber-fazer a
partir da experiência do outro, apenas 10 dos 23 entrevistados tiveram essa possibilidade,
sendo que uma das pessoas o fez voluntariamente, pedindo para ser ouvinte em sala de aula
onde se ensinava o PLE, antes de vir para o Chile, por já alimentar o desejo de ministrar aulas
dessa natureza. Alguns ressaltaram que o acompanhamento se deu em relação às aulas dos
estagiários que haviam chegado na seleção anterior do CENEX e, portanto, eram professores
nem tão experientes assim…
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Discussões finais
Essa preocupação com o início da docência na área de PLE (ou PLA, terminologia
que vem sendo adotada em algumas instituições e foi ouvida em algumas entrevistas) é
visando, primordialmente, realçar a necessidade ímpar que há de que se criem com a maior
brevidade possível, cursos específicos, tanto no Brasil quanto no exterior, os quais visem
sobretudo formar e capacitar professores na área em apreço, pois acredita-se que não haja
cursos em quantidade suficiente – frente à demanda – e que a prática acaba por “empurrar” os
docentes para a frente e estes, por si mesmos, tentam capacitar-se da melhor forma possível,
realizando o que popularmente corresponde ao “correr atrás”. O ideal, entende-se, é que haja
formação afim, que o profissional possa ser preparado especificamente para a docência de
PLE, que o docente saiba onde está e o que deverá fazer; que o docente não seja relegado a
um plano de “se vira”: antes, durante e após a sua aula. O famoso: faça o que puder, que
depois os problemas que surgirem serão resolvidos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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formação continuada, como bem o destaca entrevistad@ 16, ao relatar sobre esse momento
da formação, a capacitarem os novos docentes que chegam: é muito legal perceber que hoje,
está na posição já de poder ajudar aos que estão começando, pois passou a integrar o grupo
dos mais experientes. Ressalte-se, isso em tão somente 4 anos de prática docente, o que
mostra que estão trilhando o caminho certo ao manterem a coesão desse grupo de PLA junto
a essa instituição, da forma como o fazem.
É bem verdade, conforme ressaltam Brenneisen & Tarini (2008, pág. 90), que os
conteúdos programáticos, as metodologias de ensino e as avaliações são as mesmas, mas os
alunos são diferentes e é exatamente aí que acredito residir o grande diferencial de se ensinar
o PLE, pois sempre e constantemente serão diferentes de cada um de nós, em relação à nossa
cultura brasileira, além de nos incitarem a aprender, o que alcançamos ao buscar conhecer a
cultura de cada discente a cada nova turma, seja ela um grupo homogêneo ou não, em
contexto de imersão ou não. Estando eles (alunos) em uma sala de aula do tipo auditório com
300 alunos, como nos preparatórios para a participação do Programa Mais Médicos, antes de
eles irem para o Brasil, ou estando num curso quase particular, com 4 alunos tão somente,
sempre configurarão um constante desafio para que busquemos um entre-lugar que conforme
uma intercultura, que não nos mold, mas nos refaça, renove a cada novo dia de aula.
Como bem nominou entrevistad@ 11, esse caldeirão cultural é real e torna a poção
mágica do ensinar, nessa caixinha mágica, como denominou o espaço da sala de aula
entrevistad@ 22, nosso alimento, eternos magos da nossa própria cultura.
Para Mendes (2011, pág. 145), em uma perspectiva dialógica, centrada nas relações
interculturais, as experiências de ensinar e aprender pressupõem um constante ir e vir entre
teoria e prática, entre fazer e desfazer, entre construir, desconstruir e reconstruir
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É imprescindível que não se perca de vista em nossa atuação, como bem o lembrou
entrevistad@ 4, como sendo algo que é preciso que se resgate, é que o foco do nosso
trabalho é o aluno, no que encontrou eco em palavras d@ entrevistad@ 22, que disse que ter
o pé na sala de aula de PLE significa ter compromisso com o aprendiz.
Em sala de aula é de fazer o brilho nos olhos se intensificar, quando um aluno do nível
básico, depois de uma semana de aula, apenas – para a qual costuma chegar sem nenhum
conhecimento da língua-alvo – consegue expressar seu sentimento em relação ao docente que
lhe ensina cotidianamente, em relação à própria cultura, na mescla com a cultura do outro e
até surpreender com o grau de sofisticação que alcança gradativamente e, inclusive, com as
possibilidades que traça para a própria vida, como estrangeiro, a partir do momento em que
se dá conta de que é detentor de um conhecimento além do meramente textual; é
simplesmente incrível e vale a pena o desafio de se tentar superar todos e quaisquer
obstáculos que porventura surjam.
Finalizo com uma fala da educadora Rita Pierson, bastante significativa para todos
nós, a qual expressa a esperança naquilo em que muitos de nós investimos toda nossa vida: Is
this job tough?You betcha. Oh God, you betcha. But it is not impossible. We can do this.
We’re educators. We’re born to make a difference.
Referências
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MARTINEZ, Pierre. Didática de línguas estrangeiras. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
Trad. Marco Marcionilo.
MENDES, Edleise. Diálogos interculturais: ensino e formação em português língua
estrangeira. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
MICCOLI, Laura. Aproximando teoria e prática para professores de línguas
estrangeiras. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2013.
SILVA, K. A. et al. (Orgs.). A formação de professores de línguas: novos olhares. Coleção:
Novas Perspectivas em Linguística Aplicada. Campinas, SP: Pontes Editores. Vol. I, 2011 e
vol. II, 2012.
SCHOFFEN, J. R. et al. (Orgs.) Português como língua adicional: reflexões para a prática
docente. Porto Alegre: Bem Brasil, 2012.
Cumprimentos...
1) Atualmente, você é professor(a) de PLE? Se, sim, há quanto tempo? Se não, você dá
aula de quê?
2) Conte alguma experiência de quando você começou a trabalhar em uma sala de aula
(ou espaço assemelhado – caso das aulas virtuais) para ensinar PLE.
3) Você teve uma formação acadêmica para ensinar PLE? Se, sim, que tipo de curso fre-
quentou?
4) Você teve algum estágio acadêmico? Se, sim, quantas horas de estágio? Ou profission-
alizante? Se, sim, por quanto tempo?
5) Você teve a oportunidade de acompanhar algum(a) professor(a) mais experiente antes
de você adentrar a uma sala de aula para a docência sozinho(a)? Conte como foi.
6) Você pode relatar alguma dificuldade que sentiu no início de sua experiência em sala de
aula? Se, sim, de que natureza foi?
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contemporâneas
7) Na sua opinião, o que é mais importante para resolver uma dificuldade (ou uma “saia
justa”) em sala de aula: teoria ou prática? Você acredita que a teoria é suficiente para aten-
der e resolver um problema em sala de aula?
8) Você se sente (ou se sentiu) satisfeito(a) com sua atuação em sala de aula no início da
docência na área de PLE? Justifique.
9) Como o conhecimento da cultura do povo brasileiro pode ser fundamental para ser
um(a) bom(boa) professor(a)? Se não acreditar que esse conhecimento seja importante,
justifique o porquê.
10) Faz ou fez durante algum tempo cursos para se capacitar como professor(a) de PLE?
Que tipo de curso? De curta duração? De aperfeiçoamento? De longa duração – uma pós-
graduação?
11) Você conhece a expressão “ter o pé”? Por exemplo, Fulano tem o pé na agricultura
(significa que Fulano está envolvido integralmente, está imerso no tema, no assunto. Está
dentro; integra; participa) Para você, o que significa ter o pé na sala de aula de PLE?
Agradecimentos...
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2 Chegou meio Em 2012 foi quando Um dos primeiros trabalhos Fez graduação na UnB. À época
d e “ p a r a q u e- começou propria- finais que fez com uma ficou tentad@ a integrar o grupo
das” no Peru. mente a atuar em turma bem heterogênea, de PLE, mas se licenciou em
No edital que sala de aula de PLE. versava sobre cultura; a espanhol e começou logo em
seguida o mestrado e depois
buscava profes- Antes, sua experiên- partir daí acredita advir seu
passou num concurso numa
sor@ para cia era com o italiano interesse pela área. A per- universidade no Ceará e, com
trabalhar no e em caráter particu- gunta desse trabalho que deu isso, morreu o interesse pelo
Peru dizia lar é que ensinava muito certo, foi parar em sua PLE por algum tempo. Quando
professor@ de português, mas para dissertação e era algo que se teve os primeiros contatos com o
Literatura e só grupos homogêneos. assemelha a: “O que faz o PLE levou muito em conta a
quando chegou No começo, no Brasil, Brasil? E quais as experiência pretérita que @
foi que desco- CENEX, começou (des)semelhanças entre a formara como docente, oportu -
nidade em que pôde, de fato,
briu que seriam com turmas mistas. própria cultura e a do lugar
saber o que é ser professor@. A
aulas de PLE. Foi bem diferente; onde estava em imersão Escola Normal (que forma
Dava aula antes foi desafiador e, com (BH)?” Normalista) mostrou-lhe o
de LM. Foi uma o passar do tempo, ofício, a arte de ensinar.
experiência pode dizer que foi
interessante. No prazeroso.
final, os alunos
organizaram um
festival de
cinema, do que
f o i e x p e c t a-
dor@, apenas.
3 Formação pela Não teve formação Sim, porque passou na Já havia dado aula de portu-
PUC. Habili- acadêmica para ensi- seleção do CENEX, tendo se guês como LM e inglês/espan-
tação: português- nar português como formado para iniciar na hol, aquele com possibilidade
língua estrangeira.
inglês e total- docência da área. O curso de ensinar e, este, estágio
Formou- se em Letras
mente voltada com habilitação em foi ministrado por quem à universitário.
para Literatura. italiano. Em sua época coordenava. O curso
instituição de gra- finalizou com uma aula que
duação tinha uma cada um tinha que dar.
disciplina de PLE, Durante esse curso leu textos
ministrada para doente teóricos e conheceu LDs da
da Linguística. Já área. Também fez, à época,
achava interessante,
uma capacitação para aplicar
mas não se integrou ao
grupo; ficou no ita- o Celpe-Bras. Assistia às
liano. Quando surgiu a aulas dos professores que já
oportunidade, poste- estavam há mais tempo na
riormente, foi que área.
voltou seu interesse
pelo PLE.
4 Estágio em PLE, Na área de PLE, não. O período que permaneceu Estágio universitário para a
NÃO. Procurou no CENEX: de 2005 a 2008, licenciatura em espanhol.
ajuda no Centro considera que lhe valeu
Cultural Brasil-
como estágio profissionali-
Peru, para se
inteirar do que zante.
era PLE. Em
seguida, passou a
integrar o grupo
de estudos do-
centes dali, que
se reunia todas
as sextas-feiras,
pela manhã. A
p r i n c í p i o , foi
e s s a s u a f o r-
mação/estágio na
área e, depois,
acredita que a
intuição ajudou
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5 Antes de chegar Também não. Quan- Sim, como já respondeu em 3. Não, não acompanhou nen-
ao Peru, em do entrou para o Os acompanhamentos que fez hum@ professor@ mais expe-
maio/2010, mestrado, surgiu a foram muito úteis porque eram riente, quando iniciou com o
didáticas distintas: uma muito
nunca tinha oportunidade de PLE.
expositiva (estruturalista) e
nem ouvido começar a trabalhar outra mais comunicativa. Esta,
falar de PLE. A no CENEX, reali- fazia adaptações à realidade de
partir de junho zando-se trocas e inserção dos alunos, para
daquele ano discussões entre os contextualizar temática do LD.
teve a oportuni- próprios professores, O bom foi pegar o que de
dade de acom- sem que tenha tido a melhor havia em cada didática
panhar algumas possibilidade de de cada docente mais expe-
riente acompanhad@.
aulas de alguns assistir a alguma aula
professores no de professor@ mais
Centro Cultural experiente.
Brasil-Peru.
6 No início foram A maior dificuldade Era muito envolvid@ com a No Ceará, quando lhe surgi-
várias dificulda- foi ser professor de um língua inglesa. Seu primeiro ram as primeiras oportunida-
des. Não sabia grupo heterogêneo, já semestre, falava inglês des de ensinar PLE, as maiores
nem o que sele- que sua experiência
demais na sala e seus alunos dificuldades foram em relação
cionar para dar até então era com um
suas aulas. Co- grupo homogêneo de LM inglesa adoravam. à seleção de MD. Acredita que
meçou a seguir o específico: falantes de No início tinha dificuldade suas experiências docentes
que lhe indica- italiano. Fazia trabalho em usar o português; acredi- anteriores ajudaram muito.
vam, mas depois contrastivo português ta que por influência da Teve que encontrar formas de
seu senso crítico x italiano, por ser língua inglesa em sua vida ensinar o português não como
começou a ajudar profund@ conhece- profissional e acadêmica LM, mas como LE.
e deixou algumas dor@ dessa língua e, também (sua habilitação é
coisas que não por vezes, partir do
inglês).
funcionavam alunado esse interesse
bem, de lado, pelo contraste. Então
passando a criar. se deu conta que teria
Pode dizer que que usar outros recur-
sua maior difi- sos; que não daria
culdade foi com certo da mesma
MD. Além disso, forma.
teve turma muito
heterogênea
quanto ao nível
de conhecimento
e com 70 alunos.
7 Hoje, pode Só a teoria não basta; Mais a prática. Acha que A experiência de ter sido alun@
dizer que tem prática e teoria se além da “saia justa”, amplia- na Escola Normal prova a impor-
mais embasa- complementam, na ria para a interculturalidade, tância da prática. Nenhuma
teoria dá conta sozinha, mas é
mento teórico. verdade. Mas a que é um conflito negociável
louvável que não se prescinda
No início não prática é, sem dúvi- (algo “líquido”, movimen- dela também. Algo que é preciso
tinha noção de da, muito importante tando-se num entre-lugar). A que se resgate, é que o foco do
nada; tudo era porque é quando se teoria certamente ajuda nosso trabalho é o aluno. Algu-
voltado à práti- começa a entender muito, entendendo que mas fidelidades teóricas às vezes
ca. Acredita que que nem tudo fun- andam juntas. Diria que a podem ter consequências preo-
tudo colabora: ciona do mesmo prática tem um papel pre- cupantes para o processo de
teoria/prática e jeito, em todas as ponderante. A teoria sozinha ensino/aprendizagem, porque na
verdade, nenhuma teoria dá
até a forcinha turmas. O docente não dá conta. É bom enfren-
conta da realidade como um
da intuição. tem que mudar, que tar conflitos, na prática, com todo. Cada teoria aporta um
Ta m b é m é se adaptar mesmo. algum conhecimento teóri- pouquinho de contribuição para
importante e Através da prática se co). as dificuldades que são sempre
ajuda muito um tem a oportunidade novas. Parece também que é
curso de capaci- d e v i v e n c i a r s i- fundamental na formação do
tação, um es- tuações por isso é professor de PLE ter a perspecti-
paço para dis- fundamental. va do observador que vai apren-
dendo a partir das dificuldades
cussão na área.
que vão se colocando. E um
Discussão e outro ponto é a habilidade de
reflexão em transposição didática que leva
conjunto com a um certo tempo para que surja.
prática, resu- Não são todos que, partindo da
mindo. teoria, conseguem lhe dar uma
aplicação prática. Que corporifi-
quem as teorias na prática. As
referências como alun@ também
foram muito importantes na
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8 No início, até No comecinho, Sim. Chegou a ser elogiad@ Não se sentia no início e não se
começar a estu- período de adap- por docente mais experiente sente agora. Todos os dias
dar melhor, até tação, não. Se cobra- que acompanhava suas encontra desafios diferentes
que pode dizer va muito, pensava primeiras aulas. para os quais não encontra
que foi muito
que podia ter feito solução. No início encontrou
bem-sucedid@.
Alguma coisa diferente, melhor. mais dificuldades que hoje,
funcionou. Hoje, Mas acha isso nor- mas considera que ainda há
com mais emba- mal, pois era quando um longo caminho a trilhar.
samento, pois ainda tinha muito o
teve que correr que aprender.
muito atrás, faria
muita coisa
diferente e o
curso que ofere-
ceu à época,
certamente seria
melhor e mais
bem-sucedido.
9 Acredita muito O conhecimento da Para alguém se dizer um ser Não existe trabalho de língua
no conhecimento cultura é fundamen- intercultural, tem que ter sem trabalho de cultura. Nenhu-
da cultura e que tal porque quando se atitude não apenas para con- ma língua se forma, se cria e se
isso influencia no hecer a cultura do outro, mas mantém viva fora de contextos
ensina, se ensina
ensino, até também a própria cultura. E culturais os mais diversos. Isso
mesmo porque cultura, porque como vai alcançar isso? Len- faz com que uma língua seja
língua é cultura. ambas são insepará- do, estudando, interagindo. É várias línguas ao mesmo tempo
Há, no Brasil, veis. fundamental saber sobre a porque pode formar às vezes
uma diversidade própria cultura, porque ensinar culturas muito diferentes, como é
cultural muito língua, é ensinar cultura. Aliás, o caso do português que, dentro
grande. O não diria língua e cultura, mas do próprio Brasil já é diversifi-
ensinoda língua “linguacultura”, sem hífen, cado. Uma língua nunca vive
reside no ensino inclusive. Até os gestos são isolada, sobretudo quando ela se
da cultura. O cultura; a sua forma de ensi- dá num contexto de aprendiza-
mais interessante nar, passar um conteúdo, é gem de uma LE. É pelo outro
do ensino de cultura. Cultura é tudo. Saber que nossa identidade se afirma.
línguas é propi- cultura é fundamental para o Não há como trabalhar com o
ciar ao discente ensino de língua diria que a ensino de língua sem trabalhar
que encontre o cultura é o sabor da aula; é a com as culturas envolvidas. O
seu lugar. carne que preenche o esquele- jogo que se estabelece num
to; língua e cultura são indis- ensino de língua é intercultural.
sociáveis. Ser um docente que Além disso, nem sempre o
se instrui sobre a própria docente tem o português como
cultura é ler as obras fundado- sua LM e é preciso se levar isso
ras dela em nosso país, é ir ao em conta também.
teatro, é ir ao cinema, é curtir
a música brasileira.
10 Referência: o O mestrado não foi O mestrado foi “o curso” sobre Fez o mestrado na área de
INFORTEC. Ao na área de PLE; o PLE. Foi uma experiência Teoria da Literatura, mas isso
retornar ao doutorado será. Mas riquíssima, podendo dizer que não significa que não busque
foi um grande curso de aper-
Brasil estudou fez curso de aper- se formar na área. Mas essa
feiçoamento na área. Minicur-
com afinco na feiçoamento no sos em congressos em que formação se dá de forma mais
área e seu mes- CEFET, que foi o de participou; um curso na Casa autônoma, por leituras, parti-
trado é voltado ensino de PLE ba- do Brasil, na Argentina, sobre cipação em eventos, tendo
à variação seado em tarefas, confecção de MD de PLE. O inclusive feito disciplina
linguística no com 15 horas de curso foi online pelo Portal do isolada na pós-graduação do
MD de PLE. duração e também o Professor de PLE. CEFET-MG, voltada ao PLE.
Fez bastante curso de capacitação As formações
para aplicação/avaliação/
coisa no âmbito para a aplicação do
elaboração do Celpe-Bras. Os
do PLE e pode Celpe-Bras, na cursos que já ministra, versan-
dizer que alca- UFMG e também na do sobre cultura, no CEFET-
nçou um bom Coreia do Sul, em MG. Cursos de férias na
currículo. 2015. Participava de UFMG; oficina de MD em
grupo de estudos Córdoba, que ministrou em
com os colegas parceria; uma semana de curso
docentes, sob orien- em Diamantina, dentre outros.
Agora, o doutorado, na área
tação de docente
também.
coordenador.
!568
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
11 Conhece a É no sentido de ter Não só fisicamente, mas é Pode significar muitas coisas
expressão equi- jeito para a coisa, principalmente estar envol- diferentes. Contexto e necessi-
valente: “Tá no estar inserido naque- vido o tempo todo; não se dades variam com o país, o
sangue”. É estar le ambiente, sentir-se desligar da atividade precí- perfil do alunado, as finalida-
conectad@ com à vontade. É o PLE pua. É pensar no fazer diário, des desse grupo de aprender. O
a disciplina e fazer parte da sua adequando material a públi- ensino de uma língua como LE
tudo que ela vida, ser o seu tra- co. É estar assistindo TV e pressupõe sempre um certo
possa oferecer; balho; é ter intimida- pensar no PLE; é ir assistir a processo de internacionali-
é estar intima- de com esse tipo de um filme (e fazer o mesmo). zação da língua portuguesa,
mente ligad@; é ensino. É respirar o PLE. É estar que no início se deu sem ini-
muito mais pesquisando na área, atuali- ciativa pedagógica, mas hoje é
prazeroso ensi- zad@, informando-se sobre diferente. Que implicações
nar sua própria a própria cultura; participar tem no nosso trabalho coti-
cultura. O legal do Celpe-Bras. Sempre diano a influência que o portu-
de ensinar o pesquisando, produzindo guês exerce em todos esses
PLE é poder MD, conversando e trocan- países onde ele é falado? Cada
sair do lugar do ideias com os colegas, novo contexto vai ressignificar
comum e poder indo a Congressos, dando esse processo de ensino e de
se colocar no aulas maravilhosas; é isso aprendizagem de PLE. Como
lugar do outro. que soma para todos na área. nós (docentes) vamos nos
O PLE, as pes- preparando para reagir e atuar
soas que trabal- nessas situações tão diversas?
ham com o Esse processo de ensino-
ensino de PLE, aprendizagem pode abrir
enfim, são todos muitas portas, despertar novos
apaixonantes. interesses, criar novas necessi-
dades, fazer com que surjam
novos caminhos de integração
entre culturas e populações
diferentes.
1 Atualmente dá Sim. Atualmente está Sim. Formou em 2014 como De maneira informal, quebrando
aula de PLE dando aula de PLA na tradutor@ e no mesmo ano o galho, atuava em seu país, em
num curso bem UFMG, na graduação, começou a trabalhar dando 2014.E de maneira formal, no
específico. São desde março/2016. aulas como Bolsista do CEFET, em fevereiro de 2016,
aulas de escrita Camões. no módulo cultura de um curso
de PLE. Atuou no ensino de
acadêmica para
espanhol: 5 a 6 meses antes de ir
6 alunos de pós- para o Brasil, onde também atua
graduação. como docente de francês para
estrangeiros. Formou-se para o
ensino de espanhol, na verdade.
!569
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
3 Fez o primeiro Em 2012 não tinha Não. Em sua instituição são A formação acadêmica foi
curso de exten- nenhuma formação na formad@s para serem tradu- para o espanhol, mas muito do
são sobre PLE área. Sabia da possibi- tor@s. que aprendeu, aproveita para
que o CEFET- lidade de se ensinar o o PLE; afinal, são línguas
MG ofereceu. português para estran- estrangeiras. Mas o que vale
Acompanhou geiros, mas nunca mesmo é o que aprende na
imaginou que faria
alguns professo- prática.
isso, porque tem
res e isso ajudou formação plena em
muito, mas língua portuguesa e
considera que imaginava que só
ainda tem muito poderiam dar aula de
a aprender na português para estran-
área. geiros as pessoas que
têm alguma LE em sua
formação; por exem-
plo, quem é formado
em inglês daria aula de
português para os
falantes nativos dessa
língua. Adveio daí sua
angústia, já que não
tinha formação em
outra língua. Para
lecionar em Timor-
Leste apoiou-se nos
conhecimentos que
detinha como alun@
de LE, no caso, espan-
hol e inglês. Depois
que retornou de Ti-
m o r- L e s t e foi e m
busca de formação na
área de PLA no CE-
FET-MG e na UFMG.
!570
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
4 Não. Infelizmen- Na verdade, não, O estágio tem que ser em Não teve estágio acadêmico
te, não fez nen- embora o PQLP tradução. Não é na área de para o ensino de ELE. Atuou
hum estágio aponte estágio de docência. diretamente. Em PLE, teve
acadêmico na docência para a ativi- 15h/aula antes de atuar em
dade que exerceu.
área de PLE. fevereiro/2016. São essas suas
Embora concurso
público, com essa experiências na área.
terminologia, permite
ao Governo eximir-se
de responsabilidades
empregatícias, além de
lhe gerar um menor
custo-benefício,
mesmo frente a pes-
soal qualificado. Hoje
sim, faz um trabalho
que considera um
estágio de docência,
5 Sim. Acompan- Em PLA, não. Mas Não. Começou só. Ganhou a Sim. No ano de 2015, em
hou docente no estágio acadêmi- bolsa e lhe falaram que tinha julho, numa turma de francó-
mais experiente co pôde acompanhar que dar aula. Então tentou se fonos, acompanhou três pro-
lembrar daquilo que mais
antes de aden- professores de língua fessores para colher dados
gostava em seus professores,
trar sozinh@ portuguesa no ensino para fazer igual. Tentou criar para sua pesquisa sobre a
em uma sala de fundamental. uma personagem para tirar interlíngua de francófonos.
aula e isso foi seus discentes do “conforto”. Foram 30h/aula que ajudaram
muito bom, pois muito para quando foi atuar
pôde observar o só na docência de PLE.
tempo que era
gasto com cada
atividade, o tipo
de material, a
didática desse
docente.
6 A dificuldade Com certeza aconte- Dificuldades: primeiro, falta Dificuldades: maior preocu-
no primeiro ceram muitas difi- de experiência. pação é com o MD, LD,
curso foi com culdades. A que se Enfrentar uma turma com porque nem sempre as coisas
relação ao lembrou e relatou diz pessoas mais velhas que são compatíveis com os obje-
vocabulário, respeito a sua falta de quem os ensina, por não tivos docentes. Tem aprovei-
porque os alu- conhecimento da saber se acreditariam em si. tado bastante do que é dispo-
nos estavam cultura do outro. Foi Estabelecer uma metodolo- nibilizado no PPPLE, mas às
num nível muito e m Ti m o r- L e s t e ; gia, porque seus alun@s não vezes tem que fazer adap-
básico e eram queria que seus querem aprender gramática; tações. É um desafio muito
muito jovens. alunos aprendessem mas querem aprender portu- grande. Acredita que qualquer
No atual curso, as maneiras infor- guês pelos mais diferentes pessoa pode ser profissional
que também mais de cumprimen- motivos, como por exemplo, do ensino de qualidade se tem
partilha com tar que os brasileiros por uma paixão (caso de um bom material. Uma preo-
outro docente, usam. Dentre as amor). cupação que tem é como
teve dificuldade possibilidades estava Ter medo de não saber res- ensinar gramática sem ser
em saber a o “Oi” e um aluno, ponder uma pergunta de muito estruturalista.
quantidade de ao final da aula, um@ alun@.
material que disse que não com-
levaria e quanto preendia o porquê de
tempo dedicaria ser usado o “Oi” e,
a cada atividade. depois de alguma
Mas isso foi conversa, ele expli-
apenas no início, cou que na cultura de
antes de conhe- seu povo, aquele
cer o alunado; som era para provo-
agora está mais car ao inimigo.
tranquilo esse
controle de
tempo.
!571
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
7 Tanto a teoria Pergunta difícil. Já A teoria não é suficiente. Nem só a teoria, nem só a práti-
quanto a prática viveu situações em Tem que ser um balanço ca há para resolver as coisas. A
são muito im- que era necessário perfeito entre teoria e prática. pessoa pode ter um doutorado,
portantes para conhecimento, mas a um pós- doutorado e ser docente
deplorável. Ou pode ter só uma
resolver um prática também faz
licenciatura e ser profissional
problema em falta e muitas vezes competente. Depende de como
sala de aula. sente isso. A prática se combina teoria e prática.
Claro que a nos ajuda a contor- Sabe-se que o ensino de língua
prática permite nar alguma situação, tem que ter uma abordagem
ter alguns con- como o exemplo intercultural, mas na prática será
hecimentos cultural que citou que isso é feito pelos docentes?
testados, mas a anteriormente. A A autoavaliação dos docentes
ajuda a pensar na prática afim.
teoria permite a prática é importante
Juntar teoria e prática é um
reflexão sobre e tem que ser valori- desafio, mas é o melhor caminho
algumas ques- zada. para fazer com que a teoria seja
tões para a colocada em prática, para ver se
resolução de a coisa está mesmo funcionan-
possíveis pro- do; a teoria está presente na
blemas. A práti- prática é para facilitar as coisas.
ca, em alguns
momentos se
sobressai, como
por exemplo,
para resolver
uma saia justa.
Mas acredita
que as duas
andam juntas.
8 Considera que está Não, de forma al- Um@ docente nunca se sente Acredita que houve satisfação.
bem no início guma. Sentiu muita realmente satisfeit@. O bom O desafio não foi tão grande.
ainda da docência
em PLE. Não dificuldade, princi- é quando se reencontra com Todas as condições favoráveis
considera que palmente para criar um ex- aluno e ouve relatos estavam reunidas. Nada a
nasceu para dar MD, que acredita ser do quanto o curso tem sido reclamar.
aula, principal-
mente depois que o que dá mais tra- útil em sua vida.
terminou a gra- balho na área. A 1ª.
duação; ficou experiência foi com
m e i o uma cultura muito
desanimad@; mas
viu na área de PLE diferente. Considera
uma oportunidade que havia um abis-
muito boa, porque mo entre as duas
as turmas com as
quais se trabalha culturas: a sua e a de
n o C E F E T- M G seus aprendizes e
são bem pequenas tinha que produzir
e o público é MD que fizesse
bastante interessa-
do. Além disso, o algum sentido para
fato de aliar a sala eles. Houve momen-
de aula com a tos em que conse-
pesquisa é o
diferencial que guiu produzir mate-
gerou a atração. rial e dar uma aula
Coisas que não que foram eficientes
percebia na gra- e outros momentos
duação e tampou-
co com o estágio, em que não alcançou
agora consegue êxito.
perceber com o
PLE. Por isso que
acha essa prática
vinculando sala de
aula e pesquisa
9 Não tem como Acredita que é A cultura é realmente muito É muito importante para
separar o ensino da
língua, da cultura; importante sim, importante; a língua é um qualquer pessoa que queira
um está atrelado ao inclusive porque sistema que tem que ser ensinar ou aprender o portu-
outro. Conhecer a
nossa cultura é temos termos e contextualizado. guês. Há todo um modo de
imprescindível; é expressões que são ver o mundo que está por
fundamental para
que possamos típicos da cultura detrás de uma língua. Para se
proporcionar ao brasileira. Interes- dar bem em uma sociedade há
nosso aluno uma
reflexão sobre a sante comparar o que se entender os aspectos
nossa cultura e a português do Brasil culturais.
dele próprio. E, a
partir daí, estabele- com o português
cer comparações europeu e o portu-
desconstruindo
estereótipos que guês africano e com
muitos carregam isso se perceber o
consigo. Há que
trabalhar com as quanto a língua está
diversas culturas relacionada à cultura
que há no Brasil
para formar melhor e vice-versa.
o aluno.
!572
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
3 Graduação em Ainda faz o curso de No início, não. Não tinha Formação em Letras, português.
Letras – sem prepa- Letras, mas é de nenhuma preparação. Teve o privilégio de trabalhar no
ro para atuar em Te c n o l o g i a s d e Começou a buscar disci- CENEX, com a turma de PLE,
participou do Celpe-Bras, tudo
P L E . Teve p a r a Edição, não se plinas dentro da FALE
sob a coordenação de docente
inglês e para portu- podendo dizer que (UFMG) que trabalhas- experiente. Tudo começou com
guês como língua prepara para a do- sem metodologia de disciplina na área, que fez depois
materna. Começou cência. Contudo, fez linguagem e de ensino de de ter sido alertada por uma
a fazer disciplinas dois cursos de capa- língua, uma vez que sua colega de curso que não havia
e a participar de citação, os de núme- formação não privilegiava exigência do conhecimento da
cursos de capaci- ro III e IV de um esses aspectos, impres- língua inglesa para cursar tal
tação e, ao iniciar o projeto, alcançando cindíveis ao PLE, pois sua disciplina, coisa que acreditava
ser necessária. A partir daí, ao
mestrado, foi que o de ensino baseado formação basilar é a
demonstrar seu interesse, aca-
passou a ter essa em tarefas e o de licenciatura do português bou prestando o concurso no
formação para preparar o docente como LM. Nessa busca foi CENEX- FALE, tendo sido
ensinar PLE. para o curso prepa- que descobriu que havia o aprovada e passou a atuar desde
ratório ao Celpe- PLE no CENEX, que então na área do PLE. Foi uma
Bras, respectiva- havia alguém ali expert no excelente maneira de se aper-
mente. Acredita ter assunto e, então, sempre feiçoar e de aprender, no âmbito
aprendido muito que disciplinas na área universitário.
mais foi na prática eram ofertadas, matricu-
mesmo. lava-se. Engajada na área
foi se aprimorando de
várias formas e faz isso
até hoje por acreditar que
a formação é algo contí-
nuo.
4 Sim. Não teve estágio Entende que a preparação Como estágio da preparação
acadêmico ainda, mas para se tornar professor@, para se tornar professor@ de
participou por propiciada pelo CENEX, PLE do CENEX-FALE, tinha
10 meses do projeto que apresentar relatórios das
que foi algo em torno de
de extensão que aulas às quais assistia (foram
20 horas antes de começar duas), dos demais professores de
visava a capacitação em sala de aula, propria- PLE, seus antecessores. Tais
de professores de mente, tenha funcionado relatórios tinham que ser entre-
PLE e por mais 10 como estágio. Período gues à coordenação da área.
meses na pesquisa de mais longo, a título de Teve, depois disso, ainda no
iniciação científica, estágio, não fez. processo seletivo, que dar uma
a qual focou nessa aula e, a seguir, partiu par a sala
questão do PLE e, de aula, sendo a fase de aprendiz
pode-se dizer, a como professor@, oportunidade
em que contou com a ajuda da
partir de então,
coordenação, dos demais que
mergulhou de ca- estavam lá há mais tempo, bem
beça no PLE. como do material que encontrou
já pronto na sala do curso. Esse
estágio foi feito em alguns
(poucos) dias e depois já foi
direto para a sala de aula mes-
mo.
!573
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
5 Não. Já começou a Acompanhou sim, Acompanhava algumas Sim, dois professores que já
dar aula direto, mas tendo sido uma expe- aulas antes de entrar sozin- eram integrantes do grupo
como já dava aula riência maravilhosa. ha em sala de aula, no docente do PLE, à época de
de inglês, acredita Tratava-se de um período do estágio no CE- sua seleção, mas apenas uma
grupo homogêneo, de
que isso ajudou NEX-FALE. aula de cada, para cumprir a
hispano-falantes,
muito. alunos do CEFET na programação do processo
pós-graduação em seletivo, como relatou ante-
Engenharia, prove- riormente. A salinha (forma
nientes da República carinhosa) do PLE era um
Dominicana, sendo constante ponto de encontro,
bem hábeis no manu- apoio e ajuda recíproca. Era
seio da LA e o curso muito importante. Mas, preci-
foi de escrita acadê-
sava mesmo era de ir para a
mica. Teve a oportu-
nidade de ver a prepa- sala de aula!
ração e acompanhar a
aula propriamente
sendo ministrada,
observando a partici-
pação e interação dos
alunos. Infelizmente,
foi sua única expe-
riência de como se
portar, atitude, plane-
jamento docente, uma
aula não apenas
falada, mas visando a
interação e a atividade
prática dos alunos em
sala. Foi uma expe-
riência muito provei-
tosa.
6 Sim. Dificuldade Além do já relatado A 1ª. dificuldade acredita Teve várias dificuldades. A 1ª.
em relação ao na resposta 2, teve que tenha sido em relação é a barreira da língua mesmo;
material didático. algumas dificulda- à seleção de conteúdo. O não saber o inglês. Tem que
Os cursos deman- des. Admitir as que selecionar? O que falar em português mesmo...
dam material muito próprias dificulda- seria relevante? Entender Contudo, para o aluno, traz
específico. Dificil- des, dar conta das qual era o seu público. De um conforto quando se enten-
mente se encontra perguntas inespera- onde começar a ensinar de o que ele quer dizer. Nem
material que atenda das, as quais tiravam esse português, já que era todos têm segurança. Para
90% à turma. Daí o foco que tinha a sua LM ensinada como esses, precisava sim, que
a necessidade de para a aula. LE? O 2º. Ponto é o soubesse o inglês para apoiá-
montar o próprio desafio da seleção de MD, los e, como ainda não tinha
material e, no que está muito atrelado à esse domínio, sentia-se um
início, gera insegu- 1ª. dificuldade apontada. pouco mal. Outra coisa foi na
rança. É conhecer o MD, fazer elaboração do MD, no início.
uma seleção desses MDs, Ainda é, às vezes, porque
em trabalho colaborativo sempre busca algo que tenha
com os demais colegas do tudo a ver com seus alunos. A
CENEX- FALE. E, nessa gramática, por exemplo.
sequência, a elaboração de Ensiná- la de uma forma
MD por perceber que eles interessante, gerou muitas
não eram adequados para vezes, dificuldades em sua
o que era importante/ prática docente.
necessário aos seus alu-
nos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
8 A satisfação é uma Não se sentiu nem Sentia-se satisfeit@ sim e Não se sentiu satisfeita e,
constante na vida um pouco. Hoje, sim. o feedback para isso era a inclusive até hoje, muitas
de um professor. No começo era mais reação dos próprios alu- vezes não se sente satisfeita;
No início, conse- nervosismo do que nos. A satisfação decorria acredita que isso é uma
guiu cumprir o seu tudo; aquela sen- de uma prévia e cuidadosa marca de sua personalidade.
papel. Hoje, não sação de não estar preparação e pesquisa. Não Sempre acha que poderia ter
sabe se faria da com a preparação é pelo fato de estar dando feito mais. No início isso era
mesma maneira. suficiente. A insatis- aula da própria língua que ainda pior.
Para a experiência fação é decorrente do faz/permite prescindir da
que tinha, crê que despreparo mesmo. qualidade no/do preparo
deu tudo certo. da aula. Importante lem-
Agora, querer brar que o público discen-
melhorar é caracte- te com que somos brin-
rístico de um dad@s advém de letra-
professor. mentos/bagagens culturais
diversos, o que demanda,
por conseguinte, nossa
excelência na preparação
de nossas aulas. Embora
essa situação possa assus-
tar um pouco, é algo
desafiador a impulsionar o
docente cotidianamente.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
10 O mestrado é na área O mestrado não foi na O mestrado não é na área, Seu mestrado é com foco em
de PLE, especifica- área de PLE, mas de mas pode fazer disciplina línguas estrangeiras. Cursos
mente a parte escrita correção de texto. O de Pedagogia. de capacitação: foco na forma
do Celpe-Bras. 1º. Contato com e outro: variação linguística.
Agora está fazendo o teórico da área foi por
TICs no ensino de línguas,
doutorado também uma palestra a que
com foco no Celpe- assistiu, no CEFET- num seminário online, os
Bras, desta feita o MG, ao ex-diretor do quais resultaram muito pro-
escopo é a parte oral, IILP pronunciar-se veitosos. Os dois primeiros
tentando pesquisar sobre o PLE. Depois foram de 15 horas cada.
sobre questões de fez disciplina isolada
validade e confiabi- na pós-graduação,
lidade do exame. sobre ensino e pesqui -
Como é que um sa em PLE. Fez 2 ou 3
exame de língua cursos oferecidos pela
reflete o ensino, pois Extensão do CEFET-
no CEFET-MG dão MG, abrangendo o
aula para alunos que ensino de PLE e,
irão prestar o exame. também, ao exame
No próprio curso de Celpe-Bras. Depois
escrita acadêmica, os fez mais uma discipli -
alunos demandaram na na pós-graduação
um simuladão sobre do CEFET-MG, sobre
o Celpe-Bras. É o o tema avaliação de
sempre vincular o produção oral e, mais
ensino à pesquisa. recente, na UFMG,
Atualmente não está sobre PLA. O douto -
fazendo nenhum rado: letramento
curso de capacitação acadêmico em PLA.
em BH, mas o pró-
ximo que for ofere-
cido, certamente
fará.
11 Conhece a expres- É (re)pensar nossa É estar se atualizando É estar completamente envol-
são e é algo que língua, nossa cultu- sempre; adaptar aulas aos vido; preocupar-se com a
quer. Acredita que é ra, nossa prática alunos que tem. Conhecer própria prática daí melhora,
estar preparad@ enquanto docentes, aos alunos ajuda bastante pois tem consciência daquilo
para a diversidade porque nosso públi- para adequar as aulas ao que faz.
que vai encontrar na co pode nos sur- perfil deles.
sala de aula e estar preender em muitos
preparad@ a usar aspectos, ou melhor,
MD e recursos propor desafios para
didáticos que aten- nós.
dam a essa diversi-
dade. É estabelecer
um diálogo entre
essa diversidade, é
trabalhar língua-
cultura de forma
indissociável e
também se preparar
para nunca ter
material pronto e
acabado. É estar
ligad@ ao fato de
se dar bem, de ser
um@ bom(boa)
professor@.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
10 Cursos de curta Como já havia abor- Por achar que sempre se A universidade onde atuava
duração, tendo sido dado, de alguma pode aprimorar, constan- em Hong Kong dava cursos
o primeiro deles no forma em sua respos- temente, participa de cur- de pequena duração (um dia)
estilo seminário. ta 3, complementou, sos de capacitação, seja e pôde fazer um sobre MD e
Reuniões decorren- sinalizando que como discente ou como outro sobre como elaborar
tes dos cursos de pretende fazer o docente. Foi através desses provas e foi bem interessante.
PLE que sempre mestrado na área. cursos de capacitação que Sua pós-graduação é em
estão acontecendo lhe foi possível con- educação infantil. Fez em
no CEFET, crê que tatar com teorias mais Hong Kong como uma possi-
também têm um abrangentes e com várias bilidade (financeira, sobretu-
papel importante na outras questões que per- do) a mais de trabalho.
formação, pois passam o ensino de PLE,
muitos temas rele- como por exemplo, o que
vantes ao docente se relaciona a identidade,
neófito são discuti- análise do discurso, Lin-
dos nelas. guística Aplicada. Acredita
Metrado sobre a que, sem uma capacitação,
formação de pro- podemos nos tornar pro-
fessores para ensi- fessores superficiais, só da
nar PLE em MG. prática; não se torna o
professor reflexivo que é
fundamental que sejamos.
4 Sim. O CENEX- Não teve estágio Sim, desde 2008, quando Fez o curso de Letras, licencia-
FALE era o estágio acadêmico, já que o trabalhou com o PEC-G. tura português e depois espan-
acadêmico, profis- bacharelado em Foi estagiária do CENEX. hol e, para cada uma dessas
licenciaturas fez 120 horas de
sionalizante. Foi a tradução não o prevê. Cessou em 2012. Em 2015
estágio. Mas o estágio de PLA,
sua escola para seu Em relação ao PLE, e 2016: estágio de docên- a experiência é realmente o
trabalho com o foi na prática mesmo cia, durante seu mestrado. CENEX. Foram 5 semestres
PLE. Atuou lá que se profissionali- com pelo menos 60 horas cada
durante sua gra- zou. e, em alguns deles, ministrava
duação, no mestra- aula par duas turmas. O CE-
do e, inclusive, NEX é um estágio muito bom
quando já cursava porque é supervisionado pelo
professor@/orientador@ e tem
o doutorado.
reuniões fixadas previamente,
nas quais @ professor@ apren-
diz tem a oportunidade de
discutir dúvidas, saná-las, ver
qual a melhor conduta aplicável
a cada caso. É muito interessan-
te. Nesse grupo que se reúne
sempre tem os professores mais
experientes que ajudam bastan-
te a quem está começando e é
muito legal perceber que hoje,
está na posição já de poder
ajudar aos que estão começan-
do, pois passou a integrar o
grupo dos mais experientes. É
muito legal.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
5 Professor@ expe- Não. A primeira Sim. Foi monitor@, inclusi- Não teve a oportunidade de
riente, no padrão experiência com ve, de um@ professor@ acompanhar a nenhum docen-
dos que se compa- um@ professor@ mais experiente. te mais experiente, tendo seu
ram ao responsável mais experiente foi o contato se restringido às
pela coordenação, acompanhamento a reuniões, nos encontros
não. Pôde observar docente, retrocitado. quinzenais. Acredita muito na
outros estagiários, Monitorou docente da importância dessa presença
mais precisamente área de Fonética por 4 em sala de aula coo observa-
àqueles que @ anos, voluntariamen- dor@, para se ver como (não)
antecederam no te, em todos os cursos fazer. Após um ano e meio de
CENEX-FALE e intensivos ministra- atuação no CENEX ocorreu
pode dizer que esse dos a estrangeiros, uma nova seleção, ocasião
acompanhamento tendo a oportunidade em que a coordenação do
foi muito válido. de acompanhar, inclu- PLA sugeriu que montassem
sive, as aulas. Contu- um curso para esses novos
do, à época (2008 a candidatos. Surgiram várias
2011), já atuava como questões, desde as mais
docente. Mas consi- triviais, até as mais comple-
dera que foi uma xas, como por exemplo, que
oportunidade ímpar. tipo de exemplo de brasilei-
ro você quer ser para seu
alunado? Até questões gra-
maticais, propriamente. Foi
oportunizado aos interessa-
dos acompanharem algumas
aulas dos professores que já
estavam atuando. Fazendo
uma correlação dessa impor-
tância da observação da
prática do mais experiente, vê
o quanto é válida a inserção
dos futuros aplicadores do
Celpe-Bras no espaço do
exame, para que possam se
capacitar adequadamente.
8 Sim, mesmo com Mais do que insatisfeit@, Como conhecimento Sim. Sente-se satisfeita. É
todas as dificulda- ficou frustrado por não saber que tinha na época, claro que há situações para
des. resolver o problema da turma dedicava-se muito. No as quais hoje, pensa: “Meu
de nível avançado que citou início lhe faltou reflexão Deus, por que eu agi daque-
na pergunta 2. crítica. Sente-se satisfei- la maneira?” Hoje faria
diferente. Mas sempre se
ta porque fez tudo que
esforçou muito para dar as
lhe foi possível fazer. melhore aulas até mesmo
Gostaria de haver co- porque caiu meio de
meçado melhor prepara- “paraquedas” na área,
da. Considera que à embora sempre tenha sido
época, com o que sabia, seu sonho ser professor@,
dedicou-se bastante. jamais havia pensado que
atuaria na área de PLA, pois
sonhava ensinar português
para brasileiros, coisa que
não mais lhe passa pela
cabeça. Hoje se realiza
dando aula de PLA. Mas é
inevitável que no início
deixe a desejar. Um exem-
plo bem simples para
ilustrar isso é o uso do MD.
Seus primeiros cursos, no
CENEX-FALE, apoiavam-
se em um LD e o seguia à
risca no 1º. semestre; do 2º.
em diante não tanto mais;
não pulava nada! Só levava
algo novo quando o mate-
rial (LD) acabava. Era bem
fiel ao LD No início, mas
com o passar do tempo se
descobriu autônoma. Acre-
dita que isso se associa à
cultura de ensinar do brasi-
leiro.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
9 Hoje, vê que tão Cultura não são as lembran- Conhecimento crítico- Realmente o conhecimento
importante quanto cinhas que se compram em cultural que seja capaz da cultura do povo brasilei-
conhecer a cultura lojas de aeroporto, de acordo de mostrar os diversos ro é fundamental para uma
do povo brasileiro, com a fala de ex-docente que brasis que há no Brasil; é boa atuação como profes-
nisso que aposta em sor@ de PLA. Tem-se
é conhecer a lhe marcou. Há duas vertentes
termos de alguém poder exemplos desde gramaticais
cultura do outro, importantes sobre a cultura, até práticas sociais, como
do estrangeiro, até no âmbito do ensino de PLE, ser apontado como um
por exemplo o uso de ‘tu’ e
para se resolver para as quais deve estar atento bom professor quanto a
‘vós’; como, em diferentes
alguns impasses o docente: esse aspecto. regiões, os brasileiros se
que advenham - o modo de ser, pensar e agir cumprimentam? As músicas
desse choque do povo brasileiro, conve- brasileiras se mostram em
cultural que cos- nções sociais, para se desfa- quantos ritmos? Estes se
referem a que parcela da
tuma surgir quan- zer estereótipos com os quais
nossa sociedade? Qual
do chegam a um chegam aos professores os (des)prestígio representa
contexto de imer- alunos estrangeiros. socialmente? Qual desses
são e também para será eleito pelo professor@
valorizar tanto a para levar para a sala de
língua quanto a aula? Escolher trabalhar
cultura desse país com um funk em sala de
que eles (estrangei- aula poderia depor contra o
bom nome d@ professor@?
ros) estão adotan-
Em contraponto à escolha
do para estudar, de uma MPB, por exemplo?
para trabalhar ou Quando @ professor@ faz
para viver. Portan- sua opção a esse respeito, o
to, considera que ele, na verdade, está
fundamental que o assumindo? Tem-se a teoria
docente, além da do Letramento Ideológico
língua, passe eu defende que @ profes-
sor@ pode escolher trabal-
também a cultura
har só com MPB e descon-
brasileira aos seus siderar todos os demais
alunos. ritmos musicais, desde que
faça essa escolha de forma
consciente de que gerará
desdobramentos para a sua
aula. Igualmente @ profes-
sor@ que escolhe trabalhar
com o funk e sabe que será
criticado por isso, mas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
1 Sim. Há aproxima- Sim. Dá aula desde Atualmente não dá mais Não, atualmente não se encon-
damente 4 anos. 2014. Começou aula de PLE para estran- tra atuando como professor@
Letras em outubro/ geiros. Está na capacitação de PLE, devido à mudança de
país. Atuou em Hong Kong e,
2013 e buscou al- de futuros professores de
caso estivesse lá estaria atuando
gum grupo de pes- PLE. Começou a ensinar ainda. Esteve lá desde 2012 até
quisa no qual pudes- PLE em 2000. março/2016. O curso começou
se se engajar, co- sob sua tutela e, quando saiu,
meçando já em 2014 estava sendo aberta uma turma
em sala de aula. de PLE 3, mostrando a evo-
lução/interesse crescente pela
área. Esta última turma (nova),
infelizmente, por causa da
mudança, não pôde assumir.
7 Teoria não resolve É uma combinação Sem uma teoria, as respos- Tudo tem que ser contextua-
nada sozinha. de ambas para resol- tas para uma saia justa que lizado e atualizado também.
Prática, idem. A ver um problema em possa acontecer na prática, Por isso, acredita que ambas:
junção das duas sala de aula. A teoria elas podem ser superfi- teoria e prática. Não acredita,
seria o ideal para é importante porque ciais. Sobretudo se não é portanto, que a teoria seja
resolver alguns gera embasamento, um docente experiente. suficiente para resolver um
aspectos e cada mas prática traz a Quanto à teoria ser sufi- problema em sala de aula.
docente o faz de realidade e não ape- ciente, acredita que não,
um jeito. nas os modelos de porque ela não consegue
aula, de aluno. Apre- prever todas as saias justas
goados pela teoria. que possamos vir a ter.
Então entra a experiência,
pois um docente mais
vivido em sala de aula já
terá passado, por conse-
guinte, por mais situações
de conflito ou desconfor-
táveis, na prática, e isso
auxiliará até mesmo no
próprio construto teórico.
!580
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
11 Por mais que pense Significa que “a Significa ter o pé nessa É a pessoa se engajar de
em fazer outra gente sai da sala de sala, mas com cabeça e alguma forma. Mesmo que a
coisa, sempre irá aula, mas a sala de coração abertos para a pessoa seja de outra área, ela
voltar para a sala de aula não sai da gen - diversidade, para a tole- também atua e se desempen-
aula, ambiente que te”. “É ser 24 horas/ rância, para a formação, ha bem na área do PLE. Ou,
testa e realiza. dia professor@!” É para a sensibilidade cultu- então, ter os pés fincados no
Quem começa a pensar sempre em ral, para o conhecimento PLE; é aquilo que faz (é ser
trabalhar com PLE, novas maneiras de linguístico, enfim, estar aquilo). É sentir saudades
quer estar atuando. ensinar e se aper - imerso em um caldeirão quando, por algum motivo, a
É uma área diferen- feiçoar sempre. Ter o cultural e estar sempre pessoa se afasta do PLE... É
te. É querer trabal- pé na sala de aula de atent@ e preparad@ para querer voltar!
har com a sua PLE é ter o corpo tudo que ele possa nos dar.
cultura, mostrando- inteiro na sala de aula
a ao outro e, com de PLE.
isso, um pouco de
você para o mundo.
1 Atualmente, sim, é Sim, desde 2008, inin- Sim, desde 2007. Sim. Atualmente dá aula na
professor@ de terruptamente e é a graduação da UFMG, numa
PLE. Nos últimos única aula à qual se parceria entre a SRI e a FALE,
4 anos está trabal- dedica. sendo o seu segundo semestre,
hando diretamente com intercalação de um entre
com os estrangei- ambos. Já está na docência há
ros, na universida- 4 anos, ou seja, desde o 1º.
de. Há mais de 10 semestre de 2012.
anos trabalhou
com o PLE em
cursos de exten-
são. Conta com
uma experiência
de em torno de 20
anos.
!581
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
3 Não. É da geração Apesar de ter se for- Na instituição onde se No início começou como
em que se aprendia mado em tradução formou em Letras não tem estagiári@ no curso de
tudo na prática, inglês- português, o o ensino específico, mas extensão da UFMG e não
que fez com que se
pegando e fazen- sempre buscou saber a tinha formação acadêmica
mantivesse na Letras
do, sob a orien- foi o PLE. respeito através de enga- nenhuma, estando, à época,
tação de docente Como parte da gra- jamento, na prática, com no 4º./5º. período do curso
expert na área; duação, não teve uma disciplinas que passaram a de Letras. Ainda não havia
participando de formação para ensinar ser ofertadas, na área, após cursado nenhuma disciplina
Congressos, face PLE. O processo de sua graduação. Depois da relacionada não. No mestra-
ao incentivo que seleção para lecionar formação como licenciada do, fez a opção de trabalhar
recebia e só mes- no CENEX considera em espanhol também se com o ensino de PLA e então
que fez parte de sua
mo quando já licenciou em português e, fez disciplinas relacionadas
formação, tanto na
estava cursando o parte teórica quanto na posteriormente, no mes- com o ensino de língua
doutorado foi que prática, quando teve a trado, passou a focar preci- estrangeira.
teve a oportunida- oportunidade de testar samente em PLA.
de de ser alun@ de algumas aulas para o
disciplina na área PEC-G. Houve o
de PLE, com a acompanhamento por
mesma orientação docente que fazia o
doutorado à época e
de que já dispunha.
isso permitia uma
Então seu começo visão crítica do que
na carreira foi estava fazendo em sala.
pondo a mão na
massa, errando/
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
6 No início teve Há dois episódios mar- Dificuldade maior: nunca Que principiante que não
muita dificuldade, cantes: em uma turma tinha observado o portu- tem dificuldade? Sentiu
principalmente com muitos francófonos, guês como uma língua dificuldade para lidar com
turmas heterogêneas porque,
relacionada à fez uma brincadeira sobre estrangeira.
apesar de haver um teste de
gramática, até futebol com um argentino nivelamento, em uma turma
mesmo por causa e outro aluno, da Tunísia, sempre há alunos de dife -
do tipo de for- sentiu-se ofendido, to- rentes níveis, com necessi -
mação recebida na mando as dores do outro, dades diferentes. Essa
UFMG. Foi uma considerou bullying, diferença citada acredita ser
época em que racismo e preconceito e o grande desafio do profes -
estudou muito a reclamou, inclusive na sor iniciante. Em contrapar -
tida, numa turma homogê -
gramática. Tudo coordenação do curso.
nea, sobretudo se for de
isso porque os Isso lhe gerou ansiedade falantes de uma mesma
discentes deman- e considera que lhe faltou língua, quando esta é do
davam muito sobre jogo de cintura para domínio/conhecimento do
aspectos gramati- mostrar ao tunisiano que docente, que este não se
cais e não se tinha isso faz parte da cultura apoie constantemente no
essa prática na brasileira e é normal. Foi, recurso da tradução, porque
universidade. na verdade, uma dificul- tentar explicar com imagens,
palavras, mímicas, muitas
Como por exem- dade de adaptação do
vezes, torna-se muito difícil
plo, conjugar os tunisiano à cultura alvo. quando @ professor@ está
verbos em todos os O outro fato era a difi- com a tradução na ponta da
tempos, o uso de culdade de selecionar língua. Conforme a metodo -
pronomes. Teve MD em quantidade sufi- logia adotada, acaba tradu -
uma saia justa ciente para uma carga zindo, visando ganhar tempo
certa feita, com um horária maior, para um na aula ou para garantir a
conteúdo gramati- grupo de alunos em aulas compreensão do aluno. Em
sua opinião essa não é a
cal e não conse- particulares.
melhor saída até mesmo
guia resolver o porque o aluno pode vir a se
problema. apegar a esse recurso e, nem
sempre terá quem o favo -
reça com essa tradução.
Exemplo recente foi sua
experiência no grupo Mais
Médicos, no qual evitava
“entregar de bandeja” a
tradução e se respaldava na
realidade com a qual depara -
riam todos aqueles médicos,
nos rincões brasileiros, onde
não contariam com um
tradutor...
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
7 Acredita que as Na verdade, não; teoria A teoria ajuda muito, É uma questão muito
duas: teoria e práti- não é suficiente para mas a prática tem um difícil. É de opinião que
ca, mas ainda acha resolver todos os proble- papel principal. Se esta teoria e prática caminham
que esta última é mas, especialmente vier acompanhada da juntas. Em uma situação
mais importante. porque o ensino de PLE teoria, melhor. Em de saia justa não saberia
deve levar em conta a verdade, ambas são qual delas escolher, qual
nacionalidade dos apren- essenciais. ajudaria muito. Têm que
dizes e considerando que estar aliadas a fim de
cada um apresenta suas resolver o problema. A
especificidades, suas teoria muitas vezes sugere
idiossincrasias, é compli- atuações que nem sempre
cado aplicar uma teoria são possíveis e, nesses
que valha a qualquer casos, a prática finda por
contexto de ensino. E é sobressair-se. Para os
válida a experiência iniciantes, ir para a sala
(prática) e quanto mais com o respaldo de teorias
abrangente em termos de gera muito mais segurança
público for, melhor será e para a aula, por já ter o
poderá dar conta daquilo domínio/conhecimento da
que a teoria por si só não área. Na área de PLA, não
alcançaria. acredita que haja uma
grande lacuna entre teoria
e prática, por se tratar de
área muito nova, tendo a
teoria se desenvolvido
junto com a prática. Há,
tem-se conhecimento, de
muitos trabalhos sobre
sala de aula, sobre MD, o
que é muito interessante e
ajuda bastante ao profes-
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contemporâneas
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contemporâneas
1 Sim. Começou a Sim. Há 34 anos na do- Sim. Há 21 anos atuando Nesse momento, não. Está
trabalhar em 2001, cência de PLE. como docente de PLE. afastad@ por questões de
no CENEX. Aqui, no saúde. Não está podendo
lecionar devido a proble-
Chile, desde 2008, na
mas auditivos; está con-
universidade. fundindo as palavras com
o zumbido que tem no
ouvido, a tonteira que
sente... Trabalha na mesma
instituição há mais de 36
anos.
2 A heterogeneidade de Foi chamad@, em 1982, Algumas experiências. Foi @ primeir@ contrata-
turmas grandes, de para dar aulas no antigo Não sabia espanhol. Foi da@ local. Teve muita
nível básico, inter- CEB, atual CCBRACH. O escrever colher, em es- sorte porque @ diretor@
então diretor preparava o da instituição à época lhe
mediário e avançado; panhol, e escreveu como
material que os docentes ensinou a lecionar. Qual-
contato com formas usavam. Um dia, foi se ouve: cutiara* e os quer dúvida que tinha, era
de aprender diferen- embora e todos ficaram alunos não entendiam o ajudad@ pel@ diretor@,
tes, levando à própria sem material. Daí que que era. Verbos semear e que lhe mostrou o percurso
aprendizagem de percebeu que o estilo que nomear. Ao ensiná-los, docente a ser trilhado. Daí
como dar aula. esse diretor usava na fazia perguntas que os poder dizer que não teve a
preparação do material era alunos respondiam, mas dificuldade encontrada por
similar ao dos cursos de sem entender do que se outros docentes no início
inglês, à época, e começou da prática precípua. Co-
tratava.
a seguir o que estes últi- meçou no primeiro nível e,
mos ensinavam, fazendo depois que já tinha segura-
as devidas adaptações ao nça, foi passando à docên-
ensino do português. cia de outros níveis.
3 Não uma formação Não. Formação acadê- Estudou Letras com menção É professor@ licen-
em inglês. Nunca pensou que
acadêmica, mas um mica, não. Quase todos fosse ensinar português para ciad@, mas para outra
curso que selecionava os professores são estrangeiros. Por ter se casado área. Para o PLE pode
dentre os aprovados, “jogados” na sala e têm com chilen@, ao vir morar em dizer que sua formação
quem seria o futuro que se virar. Agora é um Santiago, preparou um mate- foi pelos ensinamentos
rial em português, para a
professor do CE- pouco menos; antes era casualidade de conhecer dess@ antig@ diretor@.
NEX. Durava 40 assim. alguém que quisesse aprender Na UnB era tudo muito
horas, com pressu- a língua para ir ao Brasil. teórico quando estudou
Antes, ensinava português
postos teóricos, como língua materna. Chegou lá. Veio parar no Chile ao
palestras, trabalho a ensinar inglês também. 15 pedir uma bolsa para vir
autônomo, em sala de dias depois de já estar moran- estudar aqui algo mais
aula e, inclusive, do em Santiago, passou em prático. Voltou ao Brasil
frente ao Centro Cultura, na
acompanhando pro- Embaixada do Brasil e per- para dar aula já bastante
fessores mais expe- guntou ao guarda o que se preparad@ e isso @
rientes, elaboração de fazia ali e ele lhe disse: “aqui ajudou muito como
se dá aulas de português.”
relatórios etc. Começou tudo a partir daí. professor@.
4 Esse período no Teve estágio acadêmico na Teve estágio acadêmico de Fez estágio também nesse
CENEX, considera própria área. Fez Normal umas 800 horas, em São período no Chile.
como um estágio na Escola Caetano de Paulo, chegando a dar
Campos, em São Paulo e,
mais do tipo profis- aulas de inglês, em escola
depois, História, na USP.
sionalizante, porque Para ambos fez estágio e municipal, à época.
tinha autonomia. teve que apresentar tra-
balho, considerando que a
didática é o seu destaque.
5 Foi muito bom Não. Foi como aprender Não. Lamentavelmente, Não. Teve acompanha-
acompanhar aulas de a andar, andando. A não. Recebeu o material e a mento, como já relatou.
professores mais expressão de (des)agra- ordem para entrar na sala e
dar a aula, porque os alunos
experientes; foi do dos alunos foi/é/
estavam esperando. Co-
fundamental para a continua sendo o sinali- meçou aos trancos e barran-
própria formação, zador a cada aula. Ci- cos. A sorte foi que tinha
pois antes era docen- tação: Caminante, no experiência de dar aulas de
te de língua materna, hay camino/ se hace português como língua
1
em ensino fundamen- materna. Foi se reinventan-
tal. do e o faz até hoje. É docen-
te performátic@, pode-se
assim dizer.
caminho al andar.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
6 Discente de nível À época, como docente, A dificuldade foi não Tinha medo de falar bes-
avançado colocar na não tinha nem mesmo entender o espanhol. Não teira; medo de reagir
parede, durante uma consciência das dificul- tinha (e não tem) medo de diante de certas coisas.
explicação de item dades. Antes, não se enfrentar a sala de aula, Mas, com o tempo, a
gramatical que ensi- vergonha vai embora. No
tinha ideia do que é mas de a aula não dar
nava o fenômeno da início, passou vários
crase. Agora, explica ensinar português, como certo. Na hora da aula, é apertos. Como por
qualquer dúvida, se tem hoje. professor@, mas antes e exemplo, não saber o
independente do nível depois disso, é amig@ significado de algumas
da turma. também. palavras, porque usavam
textos muito difíceis,
inclusive regionais.
6 Não pode dizer que Não, não sentiu dificuldade. Com certeza. No começo, sempre nos
sentiu grandes dificulda- deparamos com alguma dificuldade ou
des no início, porque outra. Acha que alguns conteúdos gra-
maticais. Alguma pergunta que alun@
sempre se sente à vonta-
faz e que você nunca na vida tinha
de em uma sala de aula. pensado nisso e aquilo pode ser difícil
Gosta do que faz. de se responder no repente, de imediato.
O fato de ser professor@ de espanhol
ajudou-@ bastante aqui, no Chile,
pois sabia de algumas dificuldades
que o alunado tinha e resultou ser uma
troca de experiências muito profícua,
gratificante por ter a experiência que
tem com o espanhol. Lembra-se de um
alun@ estadunidense, quando deu aula
em uma empresa, que aprendia o espan-
hol e o português simultaneamente e,
nessa época, estava distanciad@ de seus
conhecimentos de inglês e, portanto, foi
mais difícil ensinar a essa pessoa, por-
que não era alun@ com o conhecimento
do espanhol para embasar o aprendizado
do português. Já havia tido outros alu-
nos, de outras nacionalidades: franceses,
alemão, mas todos já sabiam o espanhol
e, portanto, era mais fácil lidar com eles.
10 Até 5 anos atrás tinham Fez vários cursos de capacitação como Na verdade, pretende, doravante,
muitos cursos de capaci- citou anteriormente. especializar-se mais na área de Litera-
tação, tinham encontros tura. Trabalhar com a área de estudos
de professores de PLE literários e também estudos latino-
em Santiago e até chega- americanos e, talvez, mais para a
ram a ir para o exterior frente, não atuar mais como profes-
para tais encontros. Mas, sor@ de PLE.
de 5 anos para cá, não
têm mais nada.
11 É estar totalmente envol- Significa compromisso com o aprendiz; Acha que é estar completamente
vido com o ensino do que para @ docente, o que está entre- envolvid@ em todos os aspectos da
idioma, com o alunado, gando vai ter um resultado positivo. E língua, da cultura, enfim, tudo que
porque como têm um isso é o mais gostoso da sala de aula: abranja o PLE. É uma coisa que
curso livre, têm muitas que se tem o retorno permanente. Por talvez nos falte, a nós, docentes, que é
diferenças entre os dis- exemplo: no ano de 2015 teve uma o estar envolvid@s com o âmbito
centes: idade, incapaci- turma grande que quis prestar o exame integral do ensino de PLE. Ocorre
dade (limitações físicas, Celpe-Bras e todos prestaram, tendo que alguns miram para uma área,
como surdez, cegueira); sido todos aprovados, sendo que 2 outros para áreas diferentes, dentro do
daí que @ docente tem deles com o nível avançado. Isso é um próprio PLE, impedindo a integração
que ter o pé fortemente conforto. É um indicador de que deve do ensino.
preso à aula de PLE para estar aportando o que precisa. Mas não
conseguir lidar com toda quer dizer que é o ótimo, o melhor.
essa diversidade. Sempre deve melhorar, capacitar-se.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
7 Não, a teoria não é As duas coisas. Quando se As duas caminham juntas: Não. Acha que são as duas:
suficiente. A teoria é tem a teoria, há embasamen- teoria e prática; de mãos teoria e prática. As pessoas
orientadora; é muito to, mas a prática também é dadas. têm maneiras diferentes de
aprender. Para @ entrevis-
importante. A prática importante.
tad@ a gramática é muito
também é muito importante para aprender.
importante. Ambas Entende que se há que
são necessárias numa abranger as várias maneiras
mesma dose. de um discente aprender,
pois há individualidades em
uma classe, quanto à forma
de aprender e ela costuma
ser diferente. Qualquer
ferramenta para o ensino é
válida.
8 Bem no início, não No início, sim! Agora é que Satisfeit@ completamen- Sim. Porque ess@ dire-
era muito satisfeit@ não tem satisfação. Aumen- te, não. Mas também não tor@ que monitorava suas
com seu desempen- tou a reflexão, a autocrítica. insatisfeit@. Sempre aulas era tão rigoros@,
ho. Passou a se pre- procurou fazer o melhor. que @ forçava a uma
parar muito para se Se conseguir dar a meta- preparação de alto nível
sentir mais segur@. de do que se propôs, está para as aulas que minis-
satisfeit@. trava.
9 É fundamental por- A cultura é importantíssi- A língua sem a cultura é É muito importante.
que a língua se ex- ma no ensino de PLE. O como um cabide sem Muitas vezes o público
pressa pela cultura e interesse por aquilo que roupa. Saber os aspectos que demanda o curso na
vice-versa. Tudo da está acontecendo no país culturais aproxima aos instituição o procura pelo
nossa cultura que transmite a ideia de que a próprios alunos do povo aspecto cultural que possa
possa ser transparen- língua é algo vivo. brasileiro. aprender. A nossa cultura
tado pela língua, há (brasileira) chama muito a
que ser passo aos atenção dos chilenos. E é
aprendizes. por aí que se tem uma
grande possibilidade de
chegar a eles (alunado).
Eles amam a nossa músi-
ca; nossa mistura racial; a
forma como vemos,
vivemos a vida, compa-
rando à deles, que é muito
diferente.
10 Desde o curso prepa- Em 1995 houve a primeira Fizeram alguns cursos na Fez/Todos na instituição
ratório do CENEX, capacitação no CEB. Um instituição com os pro- fizeram vários cursos de
depois o aprendizado curso com José Carlos fessores: Edleise Men- capacitação pelo MRE.
sobre o Celpe-Bras: Paes de Almeida Filho e des, Regina L. P. Dell’I- Foram excelentes oportu-
aplicação, avaliação. Elizabeth Fontão. Foi um s o l a , N e l s o n Vi a n a , nidades para se capacitar
O mestrado foi na encontro de vários profes- Jerônimo Coura-Sobrin- e, também, conhecer
área, focando no sores de CEBs da América ho e José Carlos Paes de outros professores e
público hispano- do Sul. Pelo MRE, foram à Almeida Filho. Depois conhecer a realidade de
falante, mais preci- Argentina, que tinha um foram ao Brasil e fizeram outros países.
samente aspectos da projeto de vender o pró- outros cursos; também
escrita. Aqui, no prio LD para outros CEBs. foram à USACH e fize-
Chile, fez o curso Foram 15 dias de curso. ram cursos com alguns
Diplomado en la Depois foram ao Peru. Sob professores de lá. O fato
enseñanza del espa- a direção de Elisa Lopes, de não estar em imersão
ñol como lengua até 2010, tiveram vários gera defasagem. A língua
extranjera, área cursos: ora ministrados é um rio vivo e o docente
afim, que ajudou a pela própria diretora, ora não pode ficar numa
pensar sobre o PLE, pelos contatos dela que lagoa ou numa poça. Um
sempre seu foco. passassem por Santiago. pedido veemente: que
haja atualizados dos
docentes da instituição
que integra.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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11 É estar envolvid@, É estar envolvid@, preo- Em parte, tudo que já foi A integração entre os
estar dentro, cupar-se com o que faz e dito. Visar melhorar alunos tem que existir.
inegrad@; nunca com o que se discute sobre docentes e discente como Entre os professores
aceitou estar fora da PLE. É fazer autoava- tal, cada qual de acordo também. Estes, cientes de
sala de aula, apesar liação, ter autocrítica. com seu papel, com que a aula é para @
das demais ativida- Buscar atualizar-se per- preparo e coerência, alun@, deverá aproveitar
des. É não abrir mão manentemente. caminhando juntos. É ter a aula para se expressar.
de estar em sala de responsabilidade com o Ter o pé na sala de aula
aula. contexto e a atualização de PLE é esquecer do
no âmbito ensino/apren- mundo, esquecer de tudo
dizagem. que há fora daquele es-
paço. Acredita que tod@
professor@ é assim.
1 Sim. Há mais ou menos Exatamente. Há 17 anos, em Santia- A 1ª. experiência como professor@ de
uns 16 anos. go. Antes disso, foi professor@ de PLE foi em 2012, no Chile. Antes tinha
espanhol no Instituto de Línguas, em dado aula somente de espanhol.
SP, nos anos 80. Já estava ali há uns
2/3 anos quando @ diretor@ lhe
pediu que substituísse professor@ de
PLE que estava doente. À proposta
considerou ridículo, porque é chilen@
e se encontrava em imersão (no Bra-
sil), mas a confiança d@ diretor@ @
levou a aceitar esse desafio. El@ se
comprometera a assistir a suas aulas.
Essa substituição acabou se transfor-
mando num longo período. Não tem
formação acadêmica como profes-
sor@, o que @ levou a, obrigatoria-
mente, estudar mais. A substituição
alcançou o período de um ano; depois
de 3/4 aulas, @ diretor@ lhe deu o
aval de que poderia continuar e assim
o fez.
2 As experiências são A 1ª. turma de PLE para a qual lecionou, Uma experiência bonita e marcante foi
sempre boas, porque os lembra-se que era formada por alunos de uma atividade de produção escrita que
alunos vão aprender o diversos primeiros níveis, que se junta- propôs a sua turma de português V, no
ram formando uma grande turma de
português na instituição ano de 2015, com o título: “O que é ser
nível 2. Não havia integração entre eles.
onde trabalha, volunta- As dinâmicas não fluíam naturalmente. mulher?” e, ao final dessa atividade,
riamente. Uma vez um@ Então decidiu que iria favorecer à inte- eles entregaram um poema, uma defi-
alun@ fez uma pintura gração dessa turma e resolveu selecionar nição do que significava para cada um
de um tema que tinha a algumas situações cotidianas que teriam deles. E muitos alunos lhe escreveram
ver com o Brasil e dedi- que encenar. Lembra-se que, à época, depois que, coo pessoas do sexo mascu-
cou ao curso. estava na moda o brinquinho nos ho- lino, nunca haviam pensado o que é ser
mens, o que gerava atritos/críticas entre mulher e que tinha sido muito bonito
familiares/amigos. Elegeu esse tema
pensar e refletir sobre isso. Acredita que
para que o preparassem O resultado foi
uma maravilha; eles apresentaram muito quando se consegue fazer o outro pensar
bem. A cada novo tema, armava novos de uma forma diferente ou em algo
grupos. Com isso, os discentes passaram novo, isso é muito bonito.
a se conhecer e formaram uma turma
integrada. Os alunos foram obrigados a
se conhecer(em) e aí a coisa fluiu.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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3 Não. Foi capacitada pelo Para ensinar o português, não teve Formação acadêmica para ensinar PLE,
MRE do Centro onde formação acadêmica. Mas, quando especificamente, não. Sua formação na
atua e também pelo ingressou no CEB, o 1º. curso de capaci - UFBA foi para o espanhol como língua
Instituto de Idiomas tação que pôde fazer foi em Buenos estrangeira, depois de haver estudado o
Aires, na temática abordagem comunica -
onde começou a dar português. Ao chegar ao Chile, acabou
tiva. Foi um curso de vários dias (10 ou
aulas de português. 15), de carga horária diária plena (manhã retomando o português e hoje está na
Recebeu capacitações e tarde). Depois participou do PROFIC, docência de PLE.
no decorrer de sua em Assunção (em 2007) e outro curso de
carreira. capacitação, em Lima (em 2010). No
próprio CEB, fez cursos sobre tarefas
comunicativas e avaliação do aprendiz;
fonética e fonologia, tópicos gramaticais
no ensino de português, prática do ensino
de português, produção escrita e outros.
4 Não. No seu curso acadêmico teve um ano Teve estágio acadêmico como professor@
de estágio e, depois, no Instituto de de espanhol. Obrigatório, por 2 semestres.
Idiomas, em SP, ficou 3 meses fazendo Por problemas nas escolas públicas do
Brasil, à época, acabou atuando no Ciência
estágio.
sem Fronteira e então deu aula aos discen-
tes que viajavam pelo programa em apreço.
5 Não. Não. Chegou, inicialmente no CEB, Sim. Antes de vir para o Chile, já tinha a
como professor@ horista, tendo pretensão de atuar no ensino de PLE e
recebido apenas uma turma, mas isso então acompanhou, na UFBA, grupo que
ofertava curso afim para alunos intercam-
lhe gerou uma sensação tão gostosa,
bistas, coordenado por expert daquela
porque essa caixinha mágica que se instituição. Pediu para acompanhar aulas,
chama sala de aula, faculta-lhe o como ouvinte, de alguns professores desse
esquecimento de mil dores; esquece grupo, PROEL, se não se equivoca, opor-
tudo: os problemas somem quando tunidade em que recebia desses docentes
ingressa em uma sala de aula. Na 1ª. mais experientes o material das aulas por
aula já se sentiu completamente à eles ministradas e isso @ ajudou muito
vontade. nesse começo.
7 Não. Acredita que teoria Vai depender da natureza da saia justa. Não. Acha que a experiência, a prática.
e prática andam juntas. A Porque se é algo de natureza compor- Por exemplo: hoje sente muito mais
teoria é muito importante tamental, é lógico que a prática, a expe- segurança em sala de aula; tem experiên-
cia para prever quais as dificuldades que
para poder ratificar à riência que resolve. Mas se for no
os seus alunos terão, quando vai trabal-
prática e, portanto, as sentido de conteúdo, demandará um har com eles determinado conteúdo,
duas têm que andar conhecimento profundo. Como lembra diferentemente de como estava, em
juntas. sempre aos alunos, professor@ não é termos de preparo, quando começou, em
Deus. Houve ocasião em que ficou sem 2012, a dar aulas de PLE. No seu 1º.
responder de imediato a uma dúvida de Curso, lembra-se que lhe chegavam
alun@, por desconhecer o que lhe coisas e tinha que se inventar, buscando
perguntava e pediu que aguardasse um soluções para determinados assuntos:
como explicá-los? Qual a melhor forma?
pouco para lhe dar a resposta.
Hoje já tem um pouco mais de experiên-
cia.
8 Sim, sentia-se muito No início, sentia que deveria ter uma Acha que não se sente satisfeita até
entusiasmad@. Acredita maior autocobrança, estudar mais. Bus- agora. Não porque seja perfeccionis-
que saía com mais ener- cou se preparar. ta, mas por sentir que tem muito
gia do que entrava com ainda para aprender. Daí que, toda
ela para dar aula, porque vez que termina uma aula, anota
r e c e b i a e n e rg i a d o s todas as coisas que funcionaram, mas
alunos. No início era também as que sente que não e, com
muito fantástico. isso, vai buscando melhorar cada vez
mais. Sente que ainda não alcançou o
nível docente a que almeja.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
9 Nós não podemos sepa- Esse conhecimento é importantíssimo. Acha que esse conhecimento é essencial
rar a cultura da língua. Língua e cultura são duas linhas parale- porque a língua e a cultura são assim:
Sempre há o aspecto las que se complementam. Partindo da “grudadinhas”. Não há como separá-las.
cultural no ensino de ideia de que o idioma cumpre uma Não tem como ensinar LP, ou seja, a
variante brasileira, sem estarem inseri-
uma língua. função social e que é usado dentro de
dos aí os aspectos culturais. Acha que,
um contexto histórico, político e social, além disso, a interculturalidade, a iden-
não tendo esse referente (cultura), tidade que @ alun@ vai criar a partir do
trunca. A cultura nos aproxima muito momento em que for conhecendo essa
mais do conhecimento do idioma. A nova língua (português), vai ser funda-
língua deve ser o veículo para levar a mental para o processo de seu aprendi-
cultura à sala de aula. zado. Não apenas para que alcance
compreender uma expressão, mas tam-
bém como ela se formou, por que surgiu.
Se para o próprio brasileiro já é difícil
entender essa diversidade, imagina para
um estrangeiro. É um desafio para nós,
docentes, pois ninguém dá conta de
todos esses aspectos.
Abstract: hoje nós temos um novo tipo de aluno em sala de aula, o aluno 2.0, que pertence à
conhecida Geração X. Este tipo de aluno precisa aprender línguas estrangeiras para cumprir
diferentes objetivos, mas também precisa aprender certas habilidades para questionar-se e
resolver problemas no futuro em contextos culturais diferentes. A maioria de nossos alunos
está vinculada às redes sociais e à internet recebendo muita informação. Nosso dever como
professores é guiá-los para que possam processar e entender bem essa informação na língua-
alvo. Neste trabalho, gostaria de debater três pontos importantes: Por que o Pensamento
Crítico é importante? O que é mesmo Pensamento Crítico? Como o integramos ao ensino de
Português Língua Estrangeira (PLE)? Além disso, gostaria também de ver como adaptar
atividades às diferentes sub-habilidades do Pensamento Crítico: Entender, Aplicar, Analisar,
Avaliar, Criar.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Introdução
No nosso caso, como professores de PLE, a questão é ir além da avaliação escrita, dos
exercícios simples de completar as lacunas ou responder perguntas simples com um sim ou
não. Nosso trabalho deveria estar focado em proporcionar o ambiente e os elementos
adequados para que os alunos possam desenvolver suas habilidades para solucionar
problemas, especialmente aqueles que eles devem encarar, com o objetivo de adquirir a
língua-alvo.
Por outro lado, nossos alunos recebem informação todos os dias em seus telefones,
tablets e computadores. Eles interagem com essa informação, pois reagem a ela e até
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Então é importante que nossos alunos “usem” o cérebro, conhecido como a Máquina
do Pensamento Crítico, que eles sejam capazes não só de reunir informação, mas também de
usá-la, analisá-la e, inclusive, de produzir na língua-alvo com base nela.
No caso do Centro Cultural Brasil – Peru, somos nós os professores, junto com a
coordenação pedagógica e a direção, que criamos o material a ser usado em sala de aula, isto
é, existe uma produção de material autêntico. O objetivo do material é expor nossos alunos a
diferentes experiências comunicativas possíveis e que eles possam buscar solução para
problemas na língua-alvo, através de debates, discussão, elaboração de projetos, etc.
Nosso material inclui textos que podem ser explorados pelos colegas professores de
PLE de forma que possam ser aproveitados totalmente pelos alunos.
Por exemplo, incluímos um texto no qual uma ex-aluna do CCBP, que hoje estuda no
Brasil, conta a sua experiência de buscar e encontrar um lugar onde morar. O texto pode ser
usado para a realização de diferentes atividades, de acordo com o planejamento de cada
professor e do andamento do curso com a turma específica. No meu caso, planejei uma aula
usando as sub-habilidades do pensamento crítico e pensei em uma atividade para cada fase.
1) Entender: O objetivo aqui era ajudar os alunos a entender o texto em geral. Para isto, planejei
um exercício de localização de informação, por exemplo: lugar onde mora, instituição onde
estuda, tipo de moradia preferida, tipo de moradia escolhida, etc.
2) Aplicar: Os alunos aqui tiveram que usar a informação do texto em uma tarefa específica.
Neste caso, planejei algumas frases para que eles decidissem se os conceitos eram verdadeiros
ou falsos.
3) Analisar: Logo depois, veio a fase de análise mas de uma análise da linguagem. O objetivo
era que o aluno não só identificasse a informação. Ele foi orientado a ressaltar a informação
que alicerçava os fatos apresentados.
4) Avaliar: Fiz uma atividade em que escolhi seis frases do texto e pedi para eles as
classificarem como explicitadoras de fatos ou opiniões. Além disso, eles puderam identificara
a estrutura da língua e observar como os fatos e as opiniões foram descritos no texto.
5) Criar: Os alunos elaboraram uma pasta na qual tinham que reunir e organizar informações
referentes a moradias, transporte, etc., criando assim um produto pessoal ou grupal. Desta
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maneira, personalizam a informação obtida. É importante mencionar que o trabalho não foi
criação do aluno.
Reflexões
- As atividades planejadas com a leitura do texto deram muito certo pois os alunos se
envolveram desde o início no tema que foi do interesse deles.
- Levar este tipo de textos (temas) à sala de aula desperta a curiosidade do alunos, já
que os assuntos e experiências tratados ou citados no texto fazem parte do cotidiano dos
mesmos.
- Embora as atividades tenham sido feitas pelos alunos na língua-alvo, na parte final
da discussão em grupos, cerca de 20% da turma usou a língua materna para se comunicar. Em
uma nova sessão a conversa em grupos poderia ser guiada através de perguntas numeradas.
Nesse caso, a atividade foi indicada apenas com instruções orais.
- A atividade final (5) poderia ser trocada por uma reportagem. Isto é, o aluno teria que
procurar um amigo/pessoa que foi estudar no Brasil e teria que entrevistá-lo para depois
elaborar uma reportagem escrita.
Conclusões
- O pensamento crítico faz com que os alunos não só reúnam essa informação e a
armazenem, mas também que possam usá-la para (comentá-la) uma produção adequada e
criativa na língua-alvo.
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contemporâneas
Bibliografia
- Hughes, J. (2014). Critical Thinking in the Language Classroom. Reino Unido: Eli.
- Office of the Press Sercretary (2010). The White House: Remarks of the President to the
United States Hispanic Chamber of Commerce. Washington, D.C, EUA. Recuperado de:
https://www.whitehouse.gov/the-press-office/remarks-president-united-states-hispanic-
chamber-commerce
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Introdução
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contemporâneas
condizem com o que vem sendo discutido a nível acadêmico. Para tanto, traçaremos, a seguir,
um percurso que vai da concepção acerca dos gêneros aqui adotada às práticas de ensino que
reconfiguram esse entendimento, transpondo-o para a sala de aula.
Para que seja possível atuar nas realidades em que estamos imersos, os gêneros
configuram-se como orientadores não só na ação, mas também ao refletirem práticas de
linguagem revestidas de intersubjetividades, nas formas de ser e conhecer, encontrando
amparo na recorrência e na compreensão em como os eventos são/estão socioculturalmente
ambientados, apresentando graus de estabilidade suficientemente reconhecíveis, o que auxilia
estrategicamente nas dinâmicas e coerências comunicativas. (BAWARSHI & REIFF, 2013)
O que parece haver são rotinas e práticas interacionais que, através dos gêneros, são
tornadas possíveis mediante a negociação e produção de sentidos, pelas “[...] pessoas, que
como membros de grupos sociais, se engajam em eventos comunicativos por intermédio da
linguagem”, como afirma Acosta Pereira (2007, p.1708), em dinâmicas que favorecem o
(re)conhecimento de um mundo dotado de alguma estabilidade, beneficiando uma atuação
conjuntamente instituída entre agentes, que se envolvem não na objetividade em si mesma,
mas são “regidos” sob seus efeitos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Percebemos que o uso da linguagem, e os textos que resultam desse uso, mantêm
vínculo com as necessidades e demandas das formações sociais. Sendo assim, o
entendimento de linguagem vinculado a sua natureza social permite pensarmos o ensino de
língua de maneira mais ampla, integrando “os principais eixos do ensino: leitura, produção e
análise linguística” (BUNZEN, 2004, p.222) de modo a aproximar as práticas pedagógicas ao
contexto dos alunos, às características culturais e sociais do meio em que as interações
discursivas acontecem naturalmente. A leitura, enquanto um dos eixos de ensino, possibilita-
nos observar a relevância de considerar não apenas o conhecimento linguístico, mas também
o que é da ordem do textual e do social para que as inferências possam acontecer e os textos
tornem-se significativos.
Moita Lopes (1996) menciona dois tipos de conhecimentos ligados à prática da leitura
e interpretação, seriam eles o conhecimento esquemático, referente aos elementos
extralinguísticos que auxiliam nas inferências do leitor e o conhecimento sistêmico, esse da
ordem do linguístico (lexical, sintático e semântico). Para o autor, “fazendo uso do
conhecimento esquemático e sistêmico, o leitor seria visto como parte de um processo de
negociação do significado com o autor” (idem, p.141). Dessa forma, a perspectiva
decodificadora do ensino de língua materna junto às atividades meramente gramaticais
perdem força quando confrontadas ao entendimento de língua no âmbito social, motivando
um tratamento didático voltado ao desenvolvimento cognitivo e cultural e ao conhecimento
dos gêneros que circulam nas esferas de comunicação predominantes na vivência
comunicativa do aluno.
Uma das áreas que tem desenvolvido importantes contribuições a respeito do uso e
ensino da Linguagem é a Linguística Aplicada (LA), tendo como uma de suas características
centrais a transdisciplinaridade. É possível observar no trabalho dos pesquisadores dessa área
uma preocupação em desenvolver estudos que aproximem disciplinas em torno de um eixo
central, objetivando investigar e oferecer possibilidades aos desafios advindos do uso da
Linguagem. Moita Lopes (2013) recobra as discussões já realizadas em torno da LA,
pensando-a vinculada ao contexto escolar, área de interesse da nossa discussão. Discorrendo
sobre o desenvolvimento epistemológico da disciplina, o autor pontua a noção de sujeito,
desenvolvendo um percurso que vai dos pressupostos positivistas ao entendimento do sujeito
social, abordagem consolidada nos anos 90. Desse modo, a LA “o coloca como crucial em
sua subjetividade ou intersubjetividade, tornando-o inseparável do conhecimento produzido
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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sobre ele mesmo assim como das visões, valores e ideologias do próprio pesquisador” (2013,
p. 17). Nessa perspectiva qualitativa, os interesses caminham para a observação do uso da
linguagem em consonância com as condições políticas, ideológicas e éticas, descentralizando
às atenções voltadas às generalizações.
Considerações finais
Sobre as reflexões aqui propostas, um dos pontos que podemos mencionar como
herança é o entendimento de que o que reverbera, indubitavelmente, se assim considerarmos,
são os aspectos que envolvem tanto a cultura como o poder e os desdobramentos das ações
linguajeiras em cada uma das instâncias comunicativas onde os interlocutores acabam por se
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
situar. Bunzen (2004) afirma que esse processo concerne a aspectos de valores, prioridades e
deslocamentos, em circunstâncias mais ou menos imediatas, dentro de certas tradições e/ou
espaços escolares, nos mecanismos e movimentos com os quais lidam para/nas conduções e
apropriações de práticas de linguagem, bem como no quanto esses direcionamentos
circunstanciam, reduzem ou ampliam, textualidades e discursivizações significativas, nos
diálogos ali travados, em (re)construções e desconstruções, apontando e orientando, através
de encaminhamentos, para o que de ideológico, cultural, social, institucional e rotineiro cabe
e concentra a ampla e instigante diferença entre os constructos, que ganham força e
relevância nas (co)ocorrências e possibilidades, tanto no que se refere a mudanças como no
que condiz às persistências e/ou resistências, bem como naquilo que desemboca em uma
língua acompanhada de vida e dinamicidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAWARSHI, Anis S.; REIFF, Mary Jo. Gêneros - história, teoria, pesquisa e ensino.
Tradução Benedito Gomes Bezerra. 1a ed. São Paulo: Parábola, 2013.
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MILLER, Carolyn R. Genre as social action. In: Freedman & Medway (Orgs.) Genre and
the New Rhetoric. London, Taylor & Francis Publishers, [1984] 1994.
KOCH, Ingedore G. Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender- os sentidos do texto.
São Paulo: Contexto, 2012.
KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 13aed. São
Paulo: Cortez, 2011.
ROJO, Roxane. A Prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs/ - São Paulo:
Mercado de Letras, 2000.
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contemporâneas
FALE/UFMG
anadecarvalholeite@gmail.com
1 Contextualização da pesquisa
Cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato social. Os fatos
sociais consistem em ações sociais significativas realizadas pela
linguagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através de formas
textuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis, ou gêneros [...]
(BAZERMAN, 2005, p.22).
Nosso trabalho se inscreve nesse quadro, uma vez que parte das dificuldades
encontradas por alunos que concluem o Ensino Médio em realizar um dos processos de
textualização que julgamos fundamental na produção textual, a referenciação. Para lidar com
a questão, procuramos respaldo na Linguística Textual, na Pedagogia e na Psicologia
Educacional, bem como em propostas curriculares para o Ensino da Língua Portuguesa no
Brasil quais sejam, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998), o Conteúdo Básico
Comum de Língua Portuguesa (CBC-LP, 2008) e a Proposta Curricular para a Educação de
Jovens e Adultos (PCEJA, 2002).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Assim, tendo em vista os princípios que regem a EJA para o ensino de Língua
Portuguesa, condizentes com nossas opções teórico-metodológicas, com a colaboração do
professor de Língua Portuguesa da referida turma, elaboramos um Projeto Didático com
Carta Aberta (doravante PD), que guarda muitos pontos em comum com a noção de
Sequência Didática (DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004).
Apesar das várias reformas de ensino da língua que buscaram melhores propostas de
produção textual, não é prática comum na escola proporcionar experiências de interação entre
os interlocutores por meio de textos escritos em situações comunicativas concretas. Significa
que as atividades de escrita são, na maioria das vezes, de caráter simulado e prescritivo, nas
quais não se define com precisão a quem o aluno deve se dirigir quando escreve e com que
finalidade. Além disso, os textos dos alunos são feitos em versões únicas, sem revisões, o que
não permite que as dificuldades possam ser discutidas e trabalhadas e, por consequência, que
avanços sejam detectados. O tratamento didático equivocado dado à atividade de produção
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escrita pode ser atestado pelas redações de exames oficiais, que são bons indicadores de um
ensino centrado em regras gramaticais, vistas como únicas ferramentas para intervir nos
textos dos alunos.
3 Fundamentação teórica
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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pelo enunciador. No âmbito do ensino, esse modelo de análise pode guiar o trabalho com o
aluno para o desenvolvimento das seguintes capacidades de linguagem, segundo Dolz &
Schneuwly (1998):
Pelos pontos em comum que apresentam, de acordo com a visão processual do texto
aqui assumida, procuramos conjugar as duas propostas, tomando-as como diretrizes para
nosso trabalho. Em nossas análises, procuramos realizar esse movimento descendente,
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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sugerido pelos autores supracitados, o que nos permitiu colocar em evidência as capacidades
de linguagem dos alunos, bem como algumas habilidades que dizem respeito ao mecanismo
de textualização que consideramos essencial ao estabelecimento da coesão nominal: a
referenciação
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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continuidade do texto, que serve de instrução de que elementos devem ser conectados.
Seguindo instruções dessa cadeia o leitor pode estabelecer relações, associando termos e
expressões novos a antecedentes anteriormente dados (CAFIERO, 2002, p.32-33).
5 Procedimentos Metodológicos
Com base nos conceitos explicitados sobre produção escrita, gênero textual e
Sequência Didática, explicitamos nesta seção como foi estruturado o Projeto Didático com
Carta Aberta PD), utilizado como principal instrumento de nossa pesquisa. Ao planejar esse
procedimento, procuramos inicialmente responder às questões que dizem respeito aos
objetivos da realização de uma sequência de atividades, às necessidades sociais e de
aprendizagem dos alunos, às capacidades de linguagem e habilidades mobilizadas, ao nível
de ensino e à escolha do gênero textual. Defendemos a posição de que a habilidade dos
alunos em empregar essas estratégias, formando cadeias de referência, concorre de forma
bastante significativa para o estabelecimento da coesão na produção de textos; defendemos
também que tal habilidade pode ser trabalhada sistematicamente na aula de Português.
!610
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Apresentação da proposta
Tomar contato com a proposta de trabalho
Discutir sobre a produção de textos escritos e sua função na sociedade.
Apresentar a proposta da pesquisa, seus objetivos e modos de participação
.01 AULA
OFICINA 2: ESCREVER PARA DENUNCIAR – OS PROBLEMAS DA CIDADE
Identificar problemas locais
Escolher o gênero textual
Fazer levantamento dos problemas da cidade e escolher o tema.
Ler diferentes textos sobre o tema e escolher o gênero mais adequado para a situação.
02 AULAS
OFICINA 3:RECONHECENDO UMA CARTA ABERTA
Ler exemplares de Carta Aberta para reconhecer características próprias desse gênero textual
Procurar em revistas e jornais exemplos de Carta Aberta.
Ler para identificar as situações em que são produzidas.
Identificar o conteúdo temático, a função social e a estrutura composicional recorrentes.
01 AULA
OFICINA 4: ESCREVENDO UMA CARTA ABERTA – PRIMEIRA VERSÃO
Produzir a primeira versão da Carta Aberta Definir a situação de produção: a escolha dos interlocuto-
res, e o conteúdo temático da carta e o suporte de circulação.
Propor a escrita de uma Carta Aberta, com base nas características observadas na Oficina
02 AULAS
OFICINA 5: A CARTA ABERTA – RECONHECENDO AS CARACTERÍSTICAS
Analisar um exemplar de Carta Aberta para aprofundar suas características próprias do gênero Sele-
cionar uma Carta Aberta para estudar mais detalhadamente sua função social, sua estrutura composi-
cional, sequências discursivas predominantes, estruturas linguísticas recorrentes.
Identificar as vozes presentes na Carta Aberta.
02 AULAS
OFICINA 6: ENCADEANDO AS IDEIAS
Identificar e usar estratégias de manutenção e retomada temática Ler e observar em textos diver-
sos como as ideias são introduzidas e encadeadas.
Realizar atividades de reconhecimento e de criação de cadeias referenciais
02 AULAS
OFICINA 7: DISCUTINDO SOBRE O TEMA: A SAÚDE EM NOSSO MUNICÍPIO
Buscar informações sobre o tema
Discutir os resultados
Produzir texto coletivo ajuda do professor
Pesquisar sobre o tema em revistas e jornais locais.
Apresentar slides sobre o tema e realizar debates.
01 AULA
OFICINA 8: ESCREVENDO A CARTA ABERTA – VERSÃO FINAL
Revisar e melhorar o texto inicial
Produzir a versão final da Carta Aberta
Retomar as oficinas anteriores.
Em duplas, revisar e melhorar as produções iniciais.
Escrever individualmente a versão final da Carta Aberta.
02 AULAS
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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do gênero Carta Aberta, para abordar seus diferentes níveis de construção. Sem perder de
vista os demais níveis da planificação textual, buscamos dar especial enfoque às operações de
textualização que dizem respeito à referenciação, empregadas pelos referidos alunos em suas
Produções Iniciais e Produções Finais. Por meio desse procedimento, foi possível uma
análise mais aprofundada do objeto de pesquisa, uma vez que permitiu a visualização e a
identificação de estratégias de referenciação realizadas em textos reais, produzidos por alunos
em uma situação concreta de produção de texto.
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Após a aplicação do PD, verificamos que, em relação ao plano global, a maior parte
dos textos analisados se insere de forma concreta no campo social discursivo da Carta Aberta,
uma vez que os alunos cuidam em denunciar problemas na saúde pública do município e
reivindicar providências junto ao interlocutor previsto. Todos os textos se organizam em
torno da denúncia de um problema, sendo que alguns alunos fazem descrições detalhadas de
episódios de descaso, mau atendimento, discriminação, realmente vivenciados por eles ou por
pessoas próximas, que geraram denúncias, por meio das quais foi possível aos alunos
expressarem pontos de vista, com maior ou menor grau de argumentação. O tema é
sintetizado logo no início dos textos e progride com o detalhamento de situações relacionadas
com o problema apresentado.
Observamos que os alunos são capazes de formar CR em seus textos iniciais, usando
diferentes estratégias; entretanto, o emprego de tais estratégias pode ser potencializado e
realizado com mais eficácia em seus textos finais, a partir de um trabalho sistematizado com
os recursos linguístico-discursivos, já previstos nas propostas curriculares para o ensino de
Língua Portuguesa. O que dizemos aqui pode ser ilustrado pelo exemplo a seguir.
Exemplo 1 – Produção Inicial (PI) e Produção Final (PF) do Sujeito de pesquisa oito (S8)
S8 PI
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Eu, morador do município de Manhumirim venho apresentar-lhe esta carta a você se-
cretário de saúde uma situação [1] do qual ocorre em minha cidade (Manhumirim)
[2], que no qual ocorre um desrespeito á população. [1a] Manhumirim [2a] tem um
meio de Saúde muito precário [1b] o baixo número das fichas nos postos de saúde
[1c] isso [1d] vem como consequência as pessoas [3] terem que sair de suas casas de
madrugadas e acontece sempre as pessoas[3a] saírem cedo esperarem nas enormes
filas[1e] para no final o médico [4]falta a sua consulta[4a] e a pessoa [3b] sem ter ou-
tra saída ele[3c] é obrigado a enfrentar novamente as enormes filas[1g] pra remarcar
novamente a consulta[4a] Tem outro exemplo é o hospital[5] que tem a sua parte do
SUS ( sistema único de saúde) [5ª]e o particular[5b] que o mesmo médico do SUS
[5c]e o que atende no particular[5d] mais assim se em algum momento chegar uma
pessoa [3d]para ser atendido no particular[5e] o paciente do SUS[3e] fica (rodado).
Por fim protestamos contra essa palhaçada [1h] que é o nosso sistema de saúde [1i]
nos desejamos que á secretaria de saúde atenda nossos humildes pedidos porque a po-
pulação [3f] já está cansada
S8 PF
Carta Aberta a Secretaria Municipal da Saúde
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
7. Considerações finais
Acreditamos que projetos como esse podem se tornar cada vez mais frequentes na sala
de aula, com a real adoção de um ensino contextualizado da língua, segundo o qual os papéis
dos recursos linguístico-discursivos sejam compreendidos na construção dos diferentes níveis
do texto. Para isso, é fundamental que sejam dadas aos professores, além das diretrizes
teórico-metodológicas, condições para que possam desenvolver suas capacidades
profissionais e encontrar o verdadeiro sentido de renovação do ensino do Português.
Por fim, com a experiência aqui relatada, reiteramos que a formação de um aluno
capaz de intervir nas decisões sociais por meio da escrita, pauta-se por vivências sistemáticas
de produção de textos na escola que se traduzam em práticas sociais significantes, nas quais
aluno e professor realmente se envolvam e percebam a possibilidade se produzir textos bem
sucedidos.
8- Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Segundo Lipovetsky (2004, p. 16), a disciplina, cujo maior objetivo é controlar e não
libertar, é um “conjunto de regras e técnicas específicas (vigilância hierárquica, sanção
normatizadora, exame de avaliação) que têm por efeito produzir uma conduta normatizada e
padronizada, adestrar os indivíduos e submetê-los a uma fôrma idêntica para otimizar-lhes as
faculdades produtivas”. Ao romper com esses pressupostos disciplinares, conforme o autor,
entramos na era da pós-modernidade, essencialmente marcada pelo efêmero, pelo fluido, pela
lógica da moda, do consumo.
Nesse período histórico, a palavra de ordem é investir na aparência, por meio da qual
marcam-se também o paradoxo das classes sociais, opondo-se as mais prestigiadas às menos
prestigiadas. Somente a partir da segunda metade do século XX é que a produção e o
consumo não mais estão reservados somente a uma classe privilegiada. Há então uma
expansão do gosto por aquilo que é considerado novo, “da promoção do fútil e do frívolo, do
culto ao desenvolvimento pessoal e ao bem-estar” (LIPOVETSKY, 2004, p. 24).
Com a potencialização cada dia mais acirrada do dispêndio, inicia-se uma nova fase
marcada por um excesso de narcisismo e de consumo, e, por que não dizer, marcada por um
hipernarcisismo e um hiperconsumo, denominada hipermodernidade. Nessa nova fase
histórica, a hipermodernidade pode ser descrita como se constituindo de uma sociedade
essencialmente liberal, “caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela
flexibilidade” (LIPOVETSKY, 2004, p. 26).
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É nesse contexto que ganham ascensão as mais diversas formas de usos dos espaços
hipermidiáticos, entre eles a literatura eletrônica, as mídias sociais e os aplicativos
interativos. Nesse viés, muito se tem falado sobre a cultura da convergência, especialmente
nos contextos que possuem como pauta a tecnologia e suas influências cada vez mais
acirradas nas práticas de produção, recepção e divulgação de conhecimentos, tais como
publicidade, entretenimento, educação, dentre outros.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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criando as suas próprias referências e, por isso mesmo, fazendo originar os seus próprios
sentidos sobre o que está sendo distribuído e hibridação de linguagens, que acabam por se
tornar protagonistas na constituição de uma literatura digital contemporânea, de gêneros
digitais hipermodernos. Com essas linguagens, há a inserção de novas semioses no meio
sociocultural, uma vez que é ela (a linguagem) que veicula esse recente modo de pensar e de
se expressar do homem. Dentre essas novas possibilidades de produção e recepção de
gêneros encontram-se os ciberpoemas, os hipercontos, os memes, os minicontos digitais,
além de aplicativos como o Instagram, que, se por um lado apresentam releituras de
literaturas cânones que migram do impresso para o virtual, também retratam produções
criadas exclusivamente nos espaços digitais.
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supostas anotações sobre um poema, com uma série de outros [...] Como
pioneiro no uso de ambiente CAVE para literatura interativa [...] (HAYLES,
2009, p.24-28).
Um dos desafios dessa nova proposição de leitura é não ler a tela do computador
como a página de um livro, em certa medida estática e linear, mas, sim, perceber que nesse
formato literário há a hibridação de texto escrito, oralizado e animado, elementos de jogos de
computador, gráficos, imagens, textos e palavras que ondulam e balançam no espaço virtual
em que a obra se constitui. Nativos das leituras canônicas, muitas vezes os leitores precisam
se deslocar dos espaços de leitura nos quais se constituíam até então e migrar para espaços
hipermodernos que requerem novos olhares e novas posturas leitoras. Conforme Hayles
(2009),
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interagir e se deleitar com a obra. Essa afinidade parece ser imprescindível para que a leitura
se efetive, pois muitas obras podem causar estranheza, pela sua própria estrutura
composicional (BAKHTIN, 2003[1979]) diferenciada e em muitos casos inusitada, podendo
inclusive afastar o leitor ao invés de interpelá-lo para a leitura. O leitor precisa acessar a obra
com certo sentimento de pertença àquele ambiente hipermidiático, sabendo que poderá
encontrar propostas de composição literária que até então desconhecia.
Ciberpoemas
Convicta da importância dessa elucidação, a autora reitera que “mídias são meios, e
meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais
físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais
transitam” (SANTAELLA, 2010, p. 25). Partindo-se dessas premissas, ênfase deve ser dada
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Abandona-se assim a estruturação do poema em verso, seja ele em sua forma fixa ou
livre; a palavra, por sua vez, não é mais o signo exclusivo com que o poeta tece suas
metáforas. O papel também não é mais o único espaço de materialização da linguagem.
Como um móbile flutuando na espacialidade virtual da tela, o ciberpoema é dotado de
movimentos (imagético e sonoro) uma vez que os signos agora podem se converter, no
âmago da tessitura linguística e metafórica do texto, no próprio ato que significam, o que faz
com que a palavra vá muito além de seu conteúdo semântico. A exemplo dos movimentos das
vanguardas européias do início do século XX, “as palavras devem existir em liberdade e não
presas ao procedimento linear, fixadas pela sintaxe e pelas convenções gramaticais. O tipo e a
escrita libertam-se da opressão de serem meros suportes de sentido” (CAPARELLI et al.,
2000, p. 70).
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sempre existiu. Por outro vértice, o que ocorre com o advento da era digital é uma nova
experimentação de cruzamento dos signos (imagético e linguístico), uma vez que agora a
concepção do texto será feita a partir das novas tecnologias, o que fará surgir uma “imagem
sintética” e uma “escrita eletrônica” (SANTAELLA, 2010), elementos semióticos
relativamente novos que inauguram uma nova linguagem da qual o ciberpoema apropria-se
para a constituição de seu corpus.
Memes
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Isso ocorre porque o meme visa a transmitir significados de forma mais crítica,
utilizando-se de argumentos irônicos para chamar a atenção do leitor e levá-lo à reflexão
acerca do que se pretende transmitir. Ao abordar a questão da replicação do meme, Dawkins
(2015) faz uma alusão à reprodução biológica e orgânica, ao caráter de mutação. Trazendo
essa reflexão para os contextos hipermidiáticos contemporâneos, observa-se que a
comunicação, nos processos de interação, é estabelecida por uma estrutura, uma mensagem.
Os sujeitos envolvidos podem fazer com que as significações e ressignificações sejam cada
vez mais difundidas e/ou modificadas dependendo dos contextos em que são empregadas.
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Minicontos digitais
O miniconto é uma narrativa que tem como principal característica o fato de ser
condensada, concisa, sem descrições e detalhes e mantendo a essência da narrativa (começo,
meio e fim) com a presença de um personagem. Por outro lado, é um gênero, por mais curto e
breve que seja, que não pode ser atrofiado, pois é necessário que contenha uma estrutura
narrativa para que não perca o seu efeito único (SPALDING, 2008). É uma narrativa que se
expande para além do dito, não se configurando como o fragmento de um texto isolado, ou
uma frase solta. O enredo se apresenta como a ponta de um iceberg para que o leitor construa
os acontecimentos a partir da leitura do miniconto.
Spalding (2008, p.15) afirma que é “um tipo de narrativa que tenta a economia
máxima de recursos para obter também o máximo de expressividade, o que resulta num
impacto instantâneo sobre o leitor”. Nesse sentido, a redução de linguagem não deixa de
contar algo e dar ao leitor elementos para que se possa construir a história. É possível
afirmar que o miniconto digital é um gênero contemporâneo e hipermoderno que constitui-se
de uma narrativa virtual e que se vale das mesmas características dos miniconto cânone. É
desenvolvido em ambiente virtual, agrega interatividade e hibridiza recursos sonoros, visuais
e movimento.
Aplicativo Instagram
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Segundo Bakhtin (2003[1979]), toda vez que um indivíduo usa a linguagem para se
comunicar, conscientemente ou não, esse enunciado é um tipo de texto.
As coleções de corpos que ocorriam há pouco tempo atrás possuíam como cerne o
próprio eu, mas passaram por um processo de descoleção e constituição de novas coleções,
nesse caso para uma coleção mais rígida, em que o corpo torna-se objeto. A beleza e a saúde
tornam-se então condicionadas a uma alimentação restrita, exercícios físicos intensos e
roupas pré-determinadas. Essa nova concepção de corpo remete a uma reorganização dos
vínculos entre grupos e sistemas simbólicos, e essa descoleção não representa apenas um
grupo. Embora essa nova concepção tenha surgido em estratos sociais mais favorecidos, já
não é possível vincular rigidamente as classes sociais com os estratos culturais, pois esses
novos padrões de corpos também são coleções para as classes menos abastadas.
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Atualmente, os corpos são diferentes, e o local prioritário desses novos corpos pode
também ser o Instagram, espaço onde se reinventam o corpo e o seu uso, onde criam-se novas
coleções. O conceito de Estádio do Espelho (LACAN, 1998[1949]) auxilia no entendimento
de como as coleções de corpos e imagens divulgadas no Instagram influenciam na
constituição e no estilo de vida dos usuários. Lacan, partindo dos trabalhos de Henri Wallon,
de 1931, sobre “Prova do espelho e a noção do próprio corpo”, teorizou sobre a constituição
do eu a partir da identificação com a imagem do outro.
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Hipercontos
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Considerações finais
Ao analisar e refletir acerca dos gêneros digitais, observa-se que há uma confluência
de inúmeras semioses, uma apropriação de diversas linguagens, advindas das mais variadas
vertentes semióticas para a constituição de novos gêneros. Produtos da hipermodernidade ou
não, a produção e o consumo desses gêneros constituem uma inegável realidade.
Os ciberpoemas, minicontos digitais, memes, Instagram, hipercontos são fontes
inesgotáveis de (re)leituras, sendo a (re)configuração desses gêneros e aplicativos um
interessante produto da cultura literária e digital, não sendo possível permanecer à margem da
sala de aula de ensino de língua portuguesa. Seja dando movimento às palavras na tela, seja
desenhando formas concretas ou abstratas, ou ainda produzindo música na fenda de outros
signos, os gêneros digitais estão presentes nos ambientes virtuais e podem se configurar
como uma possibilidade de proporcionar aos docentes e discentes a oportunidade para o
desenvolvimento de interações para além de atividades de apenas assistir vídeos no Youtube,
navegar pelas redes sociais ou participar de jogos online.
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próximos e familiares ao homem, cuja pedra no meio do caminho pode ser deletada com um
único dedo, no estalar rápido de um simples clic!
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martin
Fontes, 2003[1979].
CAPARELLI, S. et al. Poesia visual, hipertexto e ciberpoesia. In: Revista FAMECOS. Porto
Alegre, n 13, dezembro de 2000, p. 69-82.
HAYLES, N. K. Literatura eletrônica: novos horizontes para o literário. São Paulo: Global:
Fundação Universidade de Passo Fundo, 2009.
LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do Eu. In: LACAN, J. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998[1949], p. 97-103.
LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. Tradução Reginaldo
Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.
MISKOLCI, R. Life as a Work of Art – Foucault, Wilde and the Aesthetics of Existence. In:
MISKOLCI, R. Cultural Production. Amsterdam: Amsterdam School for Cultural Analysis,
Anais do Evento Trajectories of Commitment and Complicity: Knowledge, Politics, Cultural
Production. 2006, p. 42-48.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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um leitor privilegiado do aluno, torna-se relevante refletir sobre quais seriam os limites entre
personalização e padronização na hora de elaborar os comentários (RUIZ, 2010; ABAURRE
& ABAURRE, 2012) que orientarão o trabalho de revisão e (re)escrita dos alunos. Esta
pesquisa se justifica, uma vez que o projeto de engenharia didática possibilita ao professor
investigar a própria prática e também a de seus alunos, de modo a reorientar as atividades de
ensino que possam culminar no desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita do
resumo.
1.0 Introdução
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Ana Maria Netto Machado (2007) observa duas abordagens quanto ao ensino de
língua: um ensino baseado em modelos, que permearia toda a educação básica e considerável
parcela da superior, incapaz de produzir a autoria; e uma prática entre dois sujeitos,
orientando e orientador, engajados em uma atividade de escrita que prescinde de modelos
estritos. Assim, os manuais de metodologia “favorecem a produção de textos-padrão, e levam
a mirar-se em modelos idealizados, enquanto os orientadores, quando experientes, podem
incentivar o desenvolvimento do estilo do autor” (MACHADO, 2007: 188). Isso aconteceria
porque,
finalmente, o aluno tem como aliado uma personagem cujo trabalho não pode
se desenvolver sem o seu escrito. [...] A relação orientador-orientando tem, em
decorrência, de centrar-se na produção escrita do aluno, um caráter
completamente distinto da relação professor-alunos de sala de aula da
graduação. (MACHADO, 2007: 190).
Ao que parece, a condição de autor, de uma escrita crítica e criativa, seria conquistada
por meio de uma relação pessoal e artesanal diante do processo de escrever, possível na
relação orientador-orientando e difícil na relação professor-alunos. Isso aconteceria em
função do esvaziamento da experiência de escrever. Nas palavras de Machado:
Temos evidências de que não se aprende a escrever a não ser com/no próprio
corpo e recursos. Entretanto, a maneira como se ensina a escrever na escola
deixa de lado o cultivo da experiência subjetiva de escrita, e segue o caminho
das normas, regras e modelos (MACHADO, 2007: 185)
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os alunos não deveriam produzir “redações”, meros produtos escolares, mas textos
diversos que se aproximassem dos usos extra-escolares, com função específica e
situada dentro de uma prática social escolar. Se assumirmos tal posicionamento,
apostaremos em um ensino muito mais procedimental e reflexivo (e menos
transmissivo), que leva em consideração o próprio processo de produção de textos e
que vê a sala de aula, assim como as esferas da comunicação humana, como um lugar
de interação verbal. (BUNZEN, 2006: 149)
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implicados, o professor e os alunos. Uma avaliação conforme proposta por Antunes (2006)
poderia estar mais próxima do alcance a partir de desenvolvimentos e inovações que
buscassem a ergonomia do trabalho do professor.
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Na rotina do trabalho docente, não é impossível que o feedback dado aos alunos
resulte ambíguo, inespecífico ou inútil para que eles desenvolvam suas habilidades de
linguagem. Daí o interesse em refletir teoricamente sobre uma questão que, inicial e
embrionariamente poderia ser posta em torno dos princípios que deveria seguir o professor
em seu trabalho rotineiro de avaliação da escrita e dos instrumentos, inclusive tecnológicos,
que permitiriam potencializar a mediação realizada nas condições típicas (às vezes, adversas)
em que se realiza o trabalho de leitura e avaliação dos textos.
A mesma autora faz uma distinção entre os conceitos de corrigir e avaliar. Para ela, a
correção “é o conjunto das intervenções que o professor faz na redação pondo em evidência
os defeitos e os erros, com a finalidade de ajudar o aluno a identificar os seus pontos fracos e
melhorar” ([1985] 1995: 97). Por seu turno, a avaliação consiste no “julgamento que o
professor dá ao texto, através de uma nota ou de um comentário verbal, com o objetivo de
quantificar seu resultado em relação aso demais alunos e aos resultados anteriores do próprio
aluno” (Idem). Neste trabalho, tomaremos o termo avaliação em sentido mais amplo,
recobrindo o conceito de correção acima apresentado. Conforme Antunes (2006: 164-165),
estamos considerando a avaliação como atividade que inclui auto avaliação e avaliação
socializada, anteriores à avaliação realizada pelo professor e em que pese a dificuldade
prática de realizá-las nas contingências do tempo escolar.
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3.0 Metodologia
Para atender a essa demanda, o gênero resumo apresenta-se como opção inicial útil
não só por permitir o desenvolvimento de competências leitora e escritora, mas também
permitir o contato interessado com textos fonte típicos do domínio discursivo científico.
Além disso, há a necessidade de cumprir a dimensão propedêutica da disciplina, na qual se
encontram conceitos e conteúdos relacionados aos Estudos Linguísticos e cuja transposição
didática precisa precaver-se contra os exageros terminológicos indicados por Buzen (2006:
152).
Dessa forma, o corpus analisado constitui-se de um projeto de Engenharia Didática e
suas respectivas sequências didáticas planejadas e implementadas com a finalidade de
desenvolver uma abordagem situada ao gênero resumo e, paralelamente, a outros gêneros e
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A seleção de possíveis textos fonte para os resumos foi outra preocupação inicial.
Procuramos responder a ela a partir das demandas programáticas da disciplina Redação e
Estudos Linguísticos, que, em sua primeira unidade, previa a reflexão sobre os conceitos de
língua, linguagem e variação linguística. Assim, aproveitamos esse estudo teórico para
apresentar exemplares do discurso científico e para situar a produção dos resumos. O contrato
didático implicaria ler e resumir os textos científicos com a finalidade de conhecer os
conceitos neles abordados. A primeira consequência dessa escolha é o grau de dificuldade das
leituras selecionadas, certamente superior às capacidades de vários alunos. Para lidar com
esses obstáculos na realização das atividades, foram idealizados apoios em forma de roteiros
de leitura e roteiros para esquematização dos textos fontes, a serem progressivamente
retirados à medida que as atividades se sucedessem.
Com essas reflexões em mente, a segunda fase dedicou-se à criação dos protótipos de
dispositivos didáticos, os quais se organizaram em torno de sequências didáticas, ou “um
conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero
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textual oral ou escrito” (Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2004, p.97). Nesta etapa, foram
planejadas quatro atividades a serem desenvolvidas ao longo do primeiro semestre letivo de
2016. No percurso, outras duas foram acrescentadas em função dos resultados obtidos na
primeira avaliação formativa realizada.
4.2 Experimentação
P.3.a 27 e 28 51
Atividades
Avaliação horizontal
extras P.3.b 27 e 28 53
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As diferentes fases até o momento descritas não são estanques. Tanto é que podem
levar a reorientações e adaptações ao longo do caminho. Em nosso caso, as atividades extras
(P.3.a e P.3.b), resultantes da avaliação formativa, foram elaboradas com a finalidade de
sistematizar algumas características composicionais do resumo.
Como etapa de preparação das atividades constituintes das sequências didáticas, uma
só grade de desempenhos (abaixo) foi elaborada para avaliar todas as atividades em suas
sucessivas versões. Inicialmente, essa providência foi tomada tendo em vista a padronização
do trabalho. Todavia, a aplicação da grade terminou por suscitar dúvidas quanto à exatidão e
detalhamento dos seus descritores. Talvez fosse o caso de criar maior quantidade de níveis de
desempenho a fim de indicar aos alunos mais detalhes sobre a avaliação de seus textos. De
outro lado, a maneira de descrever um desempenho também poderia ter sido alterada para
refletir um maior grau de pessoalidade.
Nível Descritor
Nível Descritor
Desenvolve precariamente a temática apresentada no texto base. Apresenta cópias e/ou acrés-
0 cimo de fatos e opiniões dele ausentes. Desenvolve precariamente o gênero resumo.
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Apresenta a temática a partir de cópias do texto base e/ou acréscimo de fatos e opiniões dele
1 ausentes. Apresenta indícios que permitem identificar o gênero resumo.
Desenvolve razoavelmente a temática por meio de cópias do texto base. Apresenta elementos
2 da estrutura prevista no gênero resumo.
Seleciona e usa com propriedade as ideias apresentadas no texto base. Desenvolve a temática
3 empregando vários elementos previstos na estrutura do gênero resumo.
Nível Descritor
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porém esta não nos parece uma hipótese muito forte na medida em que percebemos alto grau
de comprometimento dos alunos na realização das tarefo, o que pode ser atestado pelo baixo
quantidade de omissões.
Em compensação, a busca pelos mesmos índices durante a leitura da P.4.v1 revela que
em apenas 4 (3% dos 116 textos avaliados) não constam informações sobre autoria e título do
texto fonte já nas linhas iniciais. Essa redução expressiva revela que, ao menos por ora,
considerável parcela dos alunos modificou suas representações sobre o gênero resumo.
! !
!
!
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Um dos critérios de validação das inovações técnicas passa pela eficácia ergonômica
para o trabalho do professor, que é complicada pelas condições mesmas de trabalho em que
ele frequentemente se encontra. No caso dessa pesquisa, a proposta foi tratar a avaliação a
partir de tecnologias popularmente conhecidas a fim de alcançar a ergonomia: se já são
conhecidas, o professor poderá criar, desenvolver (e consertar) seus instrumentos com maior
autonomia. Para realizar a avaliação dos textos dos alunos, armazenar os dados obtidos e
organizar uma resposta a mais clara possível, empregamos dois aplicativos: o Microsoft
Excel e o Microsoft Word. Enquanto o primeiro se encarrega de efetuar cálculos e organizar
comentários aos textos, o segundo procede à comunicação das intervenções e dos resultados
da avaliação propriamente dita.
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Coluna Função
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N.o Registra uma chave primária para identificar com exclusividade um aluno.
Nome Acrescentam informações sobre o aluno. Ocasionalmente, estas colunas podem ser subdivi-
das para expressar datas, nomes de cursos e prenomes de alunos. Isso pode ser útil se a mala
Turma direta gerar e-mails, caso da avaliação de textos produzidos em suporte digital.
C.1.1
Registram o nível de desempenho alcançado pelo aluno em uma dada competência. Haverá
C.2.1 tantas colunas quantas forem as competências previstas na grade de avaliação de uma ativi-
dade.
C.n.1
D.1.1 Servem para expressar o descritor corresponde ao nível de desempenho alcançado em uma
competência dada. Por meio da função PROC, a célula D.1.1 lê o valor contido na célula C.
D.2.1 1.1, procura o texto correspondente àquele nível na grade de desempenhos (Quadro 2) e pas-
sa a expressar esse texto.
D.n.1
Efetua o cálculo da nota a partir dos níveis de desempenho atribuídos. As fórmulas podem
Nota 1 ser alteradas e considerar diferentes cálculos (soma, média) ou diferentes pesos para as com-
petências em avaliação.
Contém o texto de um comentário feito ao trabalho do aluno. Abriga no máximo 255 caracte-
Obs.1.1 res com espaços. Comentários podem ser padronizados para reutilização e formatados (co-
res) para destacar questões recorrentes nos trabalhos dos alunos.
Obs.2.1
Ct.2.1
Obs.n.1
Ct.n.1
C.1.2 a Na continuação da grade de avaliação, os mesmos campos descritos acima foram duplicados
Nota 2 para abrigar a avaliação pertinente à 2ª versão de uma atividade qualquer.
Quadro 3. Descrição da planilha matriz a partir da qual foram copiadas as planilhas de avaliação das diferentes atividades.
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Considerações finais
Iniciamos este artigo com uma questão relativa aos métodos que permitiriam o
desenvolvimento do gênero resumo por estudantes de cursos técnicos de nível médio. Assim,
partindo da hipótese de que o gênero resumo propiciaria o desenvolvimento das
competências leitora e escritora, traçamos o objetivo de determinar as características de um
projeto de Engenharia Didática que permitisse a aproximação gradual dos estudantes a outros
gêneros do domínio discursivo científico. Paralelamente, buscávamos apresentar reflexões
sobre o trabalho de avaliar empreendido pelo professor.
Como princípio, Serafini defende que poucos erros devem ser marcados em um texto.
Isso ocorreria porque a capacidade de o aluno concentrar-se neles é limitada. Por essa causa
ou outra, o confronto das segundas versões com as primeiras realmente revelou a
desconsideração das orientações recebidas. Como tarefa futura, há que se determinar o
significado quantitativo dessas ocorrências e, a depender de sua permanência, buscar formas
de contornar essa dificuldade, ou, no mínimo, tentar determinar uma quantidade ótima de
indicações a fazer em certos textos.
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Diferentemente do que propõem Abaurre & Abaurre (2012), incluímos um nível zero
em nossa grade de desempenhos (assim como em outras grades utilizadas em exames de
escrita). Todavia, a não ser em caso de inadequação total ao gênero, a existência desse nível
implicaria aceitar a possibilidade de um grau zero de letramento e ainda, a aceitar a tarefa de
discernir entre esse nível e o imediatamente superior. A grade conforme a apresentamos
requer mais reflexão: de um lado, abandonar os níveis zero de desempenho e, de outro,
aumentar a quantidade de níveis para favorecer uma separação mais precisa entre os atuais
níveis 2 e 3, onde se localizam muitos dos textos. O detalhamento dos descritores deverá
corresponder a uma avaliação mais justa.
Referências bibliográficas
ARTIGUE, M. Engenharia Didática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Tradução de:
Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. Cap. 4. p.193-217.
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contemporâneas
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCNHEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita:
apresentação de um procedimento. In: SCNHEUWLY. B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos
na escola. Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras,
2004.
DOLZ, Joaquim. As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia
didática. DELTA, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 237-260, Abr. 2016. Disponível em <http://
dx.doi.org/10.1590/0102-4450321726287520541>. Acesso em 18 Fev. 2016.
MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In:
BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.) Português no ensino médio e formação do
professor. São Paulo: Parábola, 2006, p. 139-161.
RUIZ, Eliana Donaio. Como corrigir redações na escola: uma proposta textual
interativa. São Paulo: Contexto, 2010.
SERAFINI, M. T. (1985). Como escrever textos. Trad. Maria Augusta Bastos de Mattos.
7.ed. São Paulo: Globo, 1995.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 15. ed. rev. São Paulo:
Cortez Editora, 1989.
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Resumo: o estudo da língua em situações reais de uso, em forma de ação, implica estabelecer
uma relação que justifique esse uso ou a escolha de determinadas palavras no discurso
assumidas por um sujeito. Evidencia-se, ainda, no aspecto semântico, o estabelecimento da
relação dos signos com as condições de um enunciado, que determina a significação em
função de oposições instituídas no interior do sistema linguístico e exterior a ele. Benveniste
(2006) destaca a dêixis (pessoal, espacial e temporal) como marca explícita da relação do
sujeito com o enunciado. Dessa forma, os elementos dêiticos, referem-se à realidade do
discurso e só podem ser identificados em termos de locução, implicando, assim, as relações
de subjetividade que envolvem o locutor e um alocutário por ele instituído. Faz-se relevante
destacar que Benveniste deteve-se em uma vertente de análise da língua em uso, em ação, em
sua dimensão enunciativa, pois para ele “a enunciação é este colocar em funcionamento a
língua por um ato individual de funcionamento” (BENVENISTE, 2006, p. 82). Com base
nessas questões buscamos analisar a dêixis no processo de representação da subjetividade em
epitáfios, tendo como base a Teoria da Enunciação de Émile Benveniste (2005 e 2006).
Utilizamos, nesse estudo, o método de pesquisa qualitativa, de caráter descritivo. Esperamos,
dessa forma, ampliar as discussões em torno da teoria enunciativa de Émile Benveniste,
destacando, principalmente, o viés semântico, proporcionando uma reflexão sobre a língua
em uso e a sua função mediadora numa perspectiva dialógica, possibilitando modos de se
conceber a linguagem e suas implicações metodológicas no ensino da língua portuguesa.
214
Mestranda em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco e Professora de Língua
Portuguesa da Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Instituto Federal de Alagoas - Brasil.
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contemporâneas
se refieren a la realidad del discurso y sólo pueden ser identificados en termos de locución,
implicando, así, las relaciones de subjetividad que envuelven el locutor y un alocutário por él
establecido. Es importante destacar que Benveniste se detuvo en una línea de análisis de la
lengua en uso, en acción, en su dimensión enunciativa, porque para él "la enunciación ES
esse poner a funcionar La lengua por um acto individual de utilización” (BENVENISTE,
2006, p. 82). Dentro de esta base de datos buscamos analizar la deixis en el proceso de
representación de la subjetividad en epitafios, teniendo como soporte La teoría de la
Enunciación de Émile Benveniste (2005 y 2006). Utilizamos, en este trabajo, la investigación
cualitativa, de carácter descriptivo. Esperamos así ampliar las discusiones relativas a la teoría
enunciativa de Émile Benveniste, destacando, en especial el semántico, posibilitando una
reflexión sobre la lengua en uso y su función mediadora en una visión dialógica,
posibilitando maneras de concebir la lenguaje y sus implicaciones metodológicas en la
enseñanza de la lengua portuguesa.
Introdução
215Curso de Linguística Geral é uma obra póstuma de Ferdinand de Saussure publicada em 1916, organizada
por seus discípulos Albert Sechehaye e Charles Bally, a partir de três cursos ministrados por Saussure na Uni-
versidade de Genebra, entre os anos de 1906 e 1911. Nele, Saussure elege a língua em oposição à linguagem
como objeto central da Linguística, concebendo, dessa forma, o status de ciência autônoma à Linguística e deli-
neando um método de estudo desse objeto que, posteriormente ficou conhecido como estruturalismo.
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[...] é uma nova forma de encarar os fenômenos [linguísticos] porque faz com
que a significação dependa, completa e exclusivamente, das suas relações
íntimas e liberta esta concepção de outros postulados, falsos ou unilaterais, que
tinham sido explicitamente enunciados e através dos quais se devia deduzir a
existência de relações vagas e indistintas. (CAMARA JR, 2013, p. 134)
216
Apesar de ser a teoria saussuriana a fundadora do estruturalismo, é importante salientar que Saussure, em seu
Curso, não utilizou a palavra estrutura e sim a palavra sistema. (NORMAND, 2009).
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[...] antes de qualquer coisa a linguagem significa, tal é seu caráter primordial,
sua vocação original que transcende e explica todas as funções que ela assegura
no meio humano. [...] bem antes de comunicar a linguagem serve para viver
(BENVENISTE, 2006, p. 222).
[...] cada signo entra numa rede de relações e de oposições com os outros
signos que o definem, que o delimitam no interior da língua. Quem diz
“semiótico” diz “intralingüístico”. Cada signo tem de próprio o que o distingue
dos outros signos. Ser distintivo e ser significativo é a mesma coisa
(BENVENISTE, 2006, p. 227-228).
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Nas palavras de Merleau-Ponty “(...) os signos, um por um, nada significam” (apud
DOSSE, 2007, p. 74). É a sua relação dentro de um sistema que os tornam significativos.
[...] vemos desta vez na língua sua função mediadora entre o homem e o
homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas, transitando a
informação, comunicando a experiência, impondo a adesão, suscitando a
resposta, implorando, constrangendo; em resumo, organizando toda a vida dos
homens (BENVENISTE, 2006, p. 229).
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217Flores (2013) evidencia que a expressão “Teoria da Enunciação” não consta da obra de Benveniste, e que a
mesma decorre de “uma dedução feita, a posteriori, pelos leitores dos artigos reunidos em PLG I e II do que
propriamente um propósito explícito de Benveniste”(FLORES, 2013, p. 28).
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Dessa forma, a utilização dos dêiticos torna possível ao sujeito que os assume, no momento
de uso, vincular “seu enunciado ao seu próprio dizer” (Ibidem, p. 114).
Para Benveniste os dêiticos são formas vazias, sem qualquer referência material, que
se tornam plenos à medida que o locutor os assume no discurso. Dessa forma, eles se referem
à realidade do discurso e só podem ser identificados em termos de locução. A base
constitutiva dos dêiticos recai sobre os termos “eu/tu – aqui – agora”, desses se derivam
outras categorias que têm sempre o sujeito, a pessoa, como centro da enunciação. Segundo
Flores (2009, p. 77), a dêixis é considerada um “mecanismo que relaciona a indicação de um
objeto através de uma palavra à instância de discurso que a contém”, portanto,
2. Procedimentos metodológicos
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[...] aquele que fala se apropria desse eu, este eu que, no inventário das formas
da língua, não é senão um dado lexical semelhante a qualquer outro, mas que,
posto em ação no discurso, aí introduz a presença da pessoa sem a qual
nenhuma linguagem é possível. (BENVENISTE, 2006, p. 68-69).
Nesta perspectiva, os pronomes não devem ser considerados como uma “classe
unitária” quando se referem à forma e função, pois, para Benveniste, a forma está vinculada à
sintaxe da língua, enquanto a função vincula-se ao aspecto funcional, característico da
instância do discurso.
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Segundo Benveniste (2015), eu é quem diz eu, no entanto, no gênero textual epitáfio,
especificamente, nem sempre é a imagem do eu (locutor) que se revela à primeira instância,
fazendo-se necessário que o tu (alocutário) determine, dentre as diferentes escolhas possíveis,
a representação do eu que, nesse caso, projeta no ato discursivo a imagem de um eu ausente,
apenas revelado na instância enunciativa em questão, pois, eu refere-se unicamente a uma
realidade discursiva (BENVENISTE, 2005).
O termo Epitáfio, do grego epitáfios, significa “sobre o túmulo”. Este termo se refere
às frases que são escritas, geralmente em placas de mármore ou de metal e colocadas sobre o
túmulo, ou mausoléus nos cemitérios, com o fim de homenagear seus mortos sepultados
naquele local. Estas placas são chamadas de lápides.
Nesse sentido, faremos uma análise dos dêiticos, tendo como base a teoria
benvenistiana, em epitáfios coletados de lápides218 no Cemitério Nossa Senhora da Piedade,
no município de Maceió/AL-Brasil, a fim de se observar como se dá a representação da
subjetividade nesse processo discursivo.
Figura 1
“Pense em mim. Saudades eterna de seus filhos, esposo, irmãos, primos, noras demais
parentes e amigos”
218Os nomes e datas presentes nas lápides foram omitidos por questões éticas e pelo fato de o estudo centrar-se
exclusivamente em análises dos epitáfios evidenciados.
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Figura 2
“Enfim cumpri minha missão na terra. Agora estou no paraíso, vou continuar a
minha vida porque breve nos encontraremos. No amor que não morre nunca, mas que
eterniza, fica a saudade eterna de seus familiares e amigos”,
Considerações finais
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O recorte teórico utilizado nesse estudo contribuiu para uma vertente de análise da
língua em uso, em ação, em sua dimensão enunciativa, uma vez que a enunciação é sempre
única. Nesse sentido, entendemos que a Teoria benvenistiana possibilita modos de se
conceber a linguagem em sua dinamicidade e singularidade, tornando o ensino da língua
portuguesa atrativo e significativo, pois fornece subsídios para o trabalho com a língua como
nós a conhecemos: em funcionamento.
REFERÊNCIAS
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Abstract: this reports an experience of teaching reading and texts production in Ead courses,
blended mode in undergraduate courses at the Barra Mansa University Centre (RJ), for
beginners in several courses. The distance education (DE) in Brazil has grown considerably
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since Web 2.0 potentiated forms of publishing, sharing and organizing information and
expanded space for interaction between participants of the process. Based on this assumption,
the reported experience was anchored in the study of text linguistics, who presented effective
once they understand that the textual relations are much more than a sum of items, and it
employed cognitive and metacognitive strategies to support the specific material created and
used for the target audience in question. Such material, with the experience, it is also the
subject of this article.
Introdução
A Ead mostra-se cada vez mais adequada aos novos tempos, uma vez que é capaz de
incorporar as transformações culturais por que o mundo passou nos últimos anos. Manuels
Castells, em “A Galáxia da Internet” (2003), afirma que a cultura dos produtores da internet
moldou o meio, os sistemas tecnológicos são socialmente produzidos e a produção social é
estruturada culturalmente. A cultura da internet é uma construção coletiva que transcende as
preferências individuais e influencia a prática dos seus produtores/usuários.
Desse modo, a Ead ao fazer uso da Internet também deve incorporar sua cultura,
principalmente no que diz respeito à construção de um aluno autônomo e criativo. No nosso
caso, dois construtos teóricos serviram de base à organização das aulas e à construção do
material didático: a linguística textual e os estudos em cognição e metacognição.
Na organização das aulas, tomamos por base a abordagem exposta nos trabalhos de
Fávero e Koch (2009), Koch e Travaglia (2009) e Val (1999) e a reflexão que tais autores
trazem sobre a construção da coerência textual, em primeiro lugar. Na elaboração dos
exercícios propostos, optamos por organizá-los a partir das reflexões de Kato (1995) e
Kleiman (1999), pois acreditamos numa concepção de aprendizagem associada aos avanços
das ciências cognitivas, uma vez que o aluno constrói ativamente a compreensão do mundo.
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Assim, este artigo fará num primeiro momento a exposição das teorias citadas e logo
depois a exposição do material didático e uma análise.
Pressupostos teóricos
Primeiramente, era necessário definir com que conceito de língua e linguagem iríamos
trabalhar. Ao aceitar uma concepção em que o indivíduo realiza ações, atua sobre o
interlocutor, ou seja, os usuários da língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que
ocupam ‘lugares sociais’, era necessário buscar um ramo dos estudos linguísticos que tivesse
o texto como unidade de foco analítico. Dessa forma, a linguística textual se apresentou
eficaz uma vez que entende que as relações textuais são muito mais do que um somatório de
itens ou sintagmas.
Fávero e Koch (2009), Koch e Travaglia (2009) apresentam o texto a partir de inúmeras
conceituações sob um enfoque muito amplo, uma vez que consideram texto como toda e
qualquer forma de comunicação, até uma abordagem bem restrita segundo a qual texto é uma
unidade linguística de sentido e de forma de extensão variável, desde que inserido em uma
situação comunicativa. Corrobora com os autores a perspectiva adotada por Val (1999) para
quem um texto deve possuir uma relação sociocomunicativa, semântica e formal, ou seja,
deve ser dotado de “textualidade”, um conjunto de características que fazem com que um
texto seja um texto.
Para esses autores, o escopo das perspectivas passa a compreender, além da noção de
texto, a noção de contexto pragmático, que consiste nas condições de produção, recepção e
interpretação que compõem o entorno do texto (FÁVERO e KOCH, 2009).
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Apresentação do material
FIG 1
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As ferramentas disponíveis são: avisos, que exibem anúncios para as disciplinas nas
quais o aluno está matriculado e comunicam informações confidenciais e com prazo;
calendário, que expõe eventos que os instrutores adicionaram; tarefas, que controlam o
trabalho com tarefas que seus professores adicionaram e outras pessoais adicionadas por ele
mesmo; minhas notas, que exibem o status de itens avaliáveis, como testes, exercícios,
entradas de blog e diário, e publicações do grupo de discussão; enviar e-mail, que conecta
todos os alunos por uma lista de disciplinas; e ainda outros recursos que, no momento, não
são foco de análise.
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Vejamos um exemplo:
FIG 2
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FIG 3
Considerações finais
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texto, a reflexão sobre o funcionamento da língua, sobre os recursos que a língua oferece para
a construção de sentido.
A inserção dos estudos em cognição traz como efeito o entendimento de que a reflexão
teórica e aplicada sobre o processo de leitura precisa levar em conta os conhecimentos
prévios trazidos pelos alunos e as atividades propostas devem propor objetivos para a prática
didática da leitura, a fim de levar os alunos a refletir sobre os significados que estão
construindo.
REFERÊNCIAS:
COSTA VAL, Maria da Graça Redação e Textualidade. 2 ed. São Paulo. Ed.Martins Fontes,
1999.
FAVERO, L. L.; KOCH, I. G. V. Linguística Textual: uma introdução. 3°ed. São Paulo;
Cortez, 2009.
FLAVEL, J.H, MILLER, P.H.; MILLER, S.A; trad. Claudia Dornelles. Desenvolvimento
Cognitivo. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999.
KLEIMAN, Ângela. Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. Campinas, São Paulo:
Pontes, 1999.
KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. A Coerência Textual. 17° ed. São Paulo; Contexto,
2009.
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Introdução
Este trabalho tem como um dos objetivos refletir sobre a engenharia didática em sala
de aula na produção de textos por alunos de uma escola técnica federal. Como a prática de
produção de texto dissertativo-argumentativo é muito comum aos alunos do terceiro ano,
tendo em vista o Exame Nacional do Ensino Médio, que os permite ingressar no ensino
superior, identificamos uma obrigação e uma necessidade de que estes alunos demonstrem
competências e habilidades bem desenvolvidas nesta fase de escolarização. É notória a
influência do exame e do modelo de redação por ele proposto, o tipo textual é o dissertativo-
argumentativo e o gênero, por sua consolidação e uso social, pode ser chamado de redação do
Enem. Interessa-nos observar, nos textos produzidos pelos alunos, as marcas presentes de
suas leituras dos textos motivadores apresentados na proposta de redação. Entendemos que,
para isso, o estudante pode lançar mão de citação, paráfrase, alusão, cópia entre as categorias
de retomada dos textos fontes. Para organização deste trabalho, propomos três partes: na
primeira desenvolvemos os principais conceitos sobre engenharia didática, gêneros textuais,
redação do Enem e leitura e intertextualidade. Na segunda parte, apresentamos uma análise
de textos produzidos por alunos de terceiro ano de uma escola técnica federal e evidenciando
os artifícios usados por eles na retomada de textos lidos para a redação; na terceira parte,
apresentamos as conclusões acerca do trabalho realizado com vistas à contribuição para um
melhor manejo didático em sala de aula.
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tecnologias da comunicação. Ou seja, ela deve fomentar e facilitar as ações para o sucesso da
aprendizagem, como orientar as intervenções dos professores.
O engenheiro deve conhecer bem o seu trabalho e o objeto sobre o qual ele vai atuar
para poder agir conforme a necessidade e também refletir, identificando as prováveis causas
de insucesso ou falhas no desenvolvimento com vistas à adequada intervenção. Neste
processo, Dolz aponta quatro fases da engenharia didática:
Estas fases apontadas por Dolz permitem ao professor, na sala de aula, conhecer,
aplicar e intervir sobre o objeto de ensino aprendizagem, permitm ainda avaliar os resultados
obtidos para posterior intervenção. Vamos apresentar estas fases numa proposta de produção
de texto desenvolvida com alunos no terceiro ano. As três primeiras fases forma
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desenvolvidas para este trabalho, e o balanço do que foi identificado será objeto da discussão
feita nas seções posteriores.
Por se tratar de ensino de gênero textual, esse conceito também é necessário. Quando
pensamos em texto, pensamos em interação em movimento de quem escreve e de quem lê,
que se apropriam desse objeto e fazem uso dele em situações legítimas e socialmente
estabelecidas que seja na escola ou fora dela. Compreendemos o texto na perspectiva
apresentada e discutida por Beaugrande (1997) “um evento comunicativo no qual convergem
ações sociais, cognitivas e linguísticas”.
A redação do Enem, vem normalmente designada pelo tipo discursivo e/ou textual: o
tipo dissertativo argumentativo. Apesar de ser denominada pelo tipo a redação já se
cristalizou, ao longo dos anos como um gênero que se aproxima especialmente de gêneros do
domínio discursivo jornalístico: artigo de opinião e editorial. Tais gêneros apresentam
características que são pertinentes para a compreensão do gênero proposto pelo Enem. Desta
forma tratamos nesta subseção da caracterização desses gêneros textuais.
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Dell‘Isola (2007) afirma que o artigo de opinião é constituído por pessoas que buscam
exprimir um ou mais pontos de vista em relação a um tema controverso. Segundo ela, trata-se
de um evento comunicativo real veiculado quase sempre em esferas jornalísticas e se utiliza
da argumentação para “informar sobre um assunto e de comentar sobre o tema informado, a
partir de determinada fundamentação.” (DELL‘ISOLA, 2007, p. 54). Köche et al. (2010, p.
33-34) e Bräkling (2002, p. 226-227) apontam para o fato de que o artigo utiliza da
argumentação para analisar, avaliar e responder a uma questão controversa, buscando
influenciar o outro e mudando seus valores por meio da argumentação a favor de uma
posição e de refutação de possíveis opiniões divergentes. Segundo Rodrigues (2005, p. 172) a
valorização social e profissional do articulista confere credibilidade a sua fala, elevando-o à
posição de “articulista” de um ponto de vista autorizado, de formador de opinião. A sua
opinião é de relevância social tanto para o jornal como para o público leitor. “Ele é um autor
da elite, pois é um leitor selecionado e autorizado pela empresa jornalística para assumir a
palavra; está, portanto, em uma relação de superioridade, em uma situação de interação
vertical.” Por outro lado, embora seja uma autoridade, faz uso de outras vozes para validar
seu posicionamento.
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Ao produzir o artigo, o seu autor pode fazer uso de uma linguagem tanto cuidada,
quanto comum. A sua escolha será determinada pelo público a que se destina o texto.
Quanto ao seu propósito comunicativo, Köche et al. (2010, p. 60) afirmam que o autor
desse gênero defende um posicionamento diante dos fatos do dia a dia, num espaço repleto de
contradições, e ainda promove conciliação entre os interesses de diferentes leitores. Isso
implica dizer que, além de atender aos interesses do jornal ou revista a quem representa, ele
precisa avaliar o resultado de seu trabalho nos seus leitores. Nesse sentido, o editorial,
necessariamente, precisa posicionar-se, pois sua função primeira é aconselhar e dirigir
opiniões dos leitores.
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Para Dell‘Isola (2007, p. 50), e de modo semelhante também para Köche (2010) e
Melo (1985), os editoriais variam. Essa variação pode ser observada em relação à morfologia:
alguns se inserem na página opinativa, formatação especial de um jornal; uns apresentam
comentários atuais; outros, comentários críticos; há ainda aqueles que advertem o leitor de
algo que é importante ser lembrado. Tudo isso em um espaço predeterminado, de pouca
extensão, porque os espaços são pagos e são caros. Quanto ao conteúdo, eles podem ser 1.
Informativo – quando procuram esclarecer fatos, ideias ou situações aos leitores; 2.
Normativo – quando procuram convencer o leitor a fazer o que querem; 3. Ilustrativo-
quando buscam trazer maiores conhecimentos ao leitor, buscam ensinar algo. Seu estilo pode
adequar-se às situações, buscando alcançar racionalmente o leitor ou buscando sensibilizá-lo.
O editorial pode variar, ainda, de acordo com a natureza. Pode ser: a. promocional (quando
acompanhar regularmente todos os acontecimentos e fatos atuais.) b. circunstancial –
eventualmente para estabilizar e mostrar apreço sobre prováveis sucessos, circunstâncias ou
posicionamento.) c. polêmico (eminentemente doutrinário) ele não se limita a opinar,
clarificar fatos obscuros, analisar, interpretar, entre outros. A impessoalidade é uma
característica peculiar desse gênero em sua transição jornalística que deixou de ser uma
instituição familiar para ser organização complexa.
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Ao produzir a redação o aluno deve estar atento aos textos que servem de subsídio
para produção do texto. Geralmente o enunciado da prova pede que o aluno parta da leitura
dos textos presentes na proposta para a escrita. E nesse processo, os textos motivadores não
podem ser copiados, pois isso levaria à minimização da nota, uma vez que a cópia é
descontada enquanto a paráfrase recebe nota baixa, o máximo alcançado é o nível dois num
universo de cinco níveis em que o cinco é o máximo.
1. Epígrafe: trata-se de um texto inicial, que objetiva abrir uma narrativa. É, assim, um
registro inicial usado como orientação do discurso central, de certa forma, é capaz de resumir
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e dar forma à filosofia do escritor. A palavra ‘epígrafe’ origina-se do grego e pode ser
traduzida aproximadamente como ‘escrita na posição superior’.
2. Citação: é a referência a direta e identificada do discurso de outro usada no meio de um
texto, convencionalmente de vir escrita entre aspas e acompanhada da autoria.
3. Tradução: esta intertextualidade é a adaptação de um texto composto em outro idioma à
língua falada no país onde a obra é traduzida.
4. Pastiche: há uma união de diversos conteúdos e o resultado é uma colcha de retalhos. Não
é difícil de compreender: este recurso ocorre quando se realiza a combinação de um
determinado texto com um ou mais discursos.
5. Referência e Alusão: não se indica abertamente o evento em foco, faz-se uma insinuação
por meio de qualidades menos importantes ou alegóricas, ou seja, é dar-se a entender sem
falar abertamente.
6. Paráfrase: ocorre quando se reinventa um texto pré-existente, com instrumentos
apropriados, fazendo-se a manutenção da filosofia, do sentido original do texto fonte. O
termo provém do grego “para-phrasis”, que tem o sentido de reproduzir uma frase. Ou seja,
usa-se outros termos para dizer o mesmo.
7. Paródia: quando se apodera de um discurso alheio e, ao invés de manter o sentido original,
faz-se-lhe oposição discreta ou explicitamente. O discurso prévio pode ser adulterado,
desvirtuado, subvertido, seja por desejar criticá-lo ou por querer tecer uma ironia.
Nos textos produzidos pelos alunos, buscamos identificar quais mecanismos de
intertextualidade com o textos motivadores, os alunos mais usam e se o fazem de maneira
explícita ou implícita. A hipótese é a de que são usados os principais categorias explícitas:
citação, referência/ alusão e a implícita, paráfrase.
A produção de texto, foi desenvolvida em sala de aula com uma turma de alunos do
terceiro ano de um curso técnico de uma escola federal, foram em média 24 alunos e duas
propostas de produção de texto dissertativo-argumentativo que seguia os moldes do ENEM.
O total de textos foi considerado em função dos participantes que fizeram as duas propostas
voluntariamente. Para este trabalho, analisamos o total de quarenta e quatro textos. Na
primeira produção, quanto na segunda os alunos, receberam a proposta em sala de aula,
leram-na e escreveram seus textos em dois módulos-aula de cinquenta minutos. As propostas
fazem parte da rotina prevista para produção ao longo do ano.
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A atividade aplicada buscou seguir as fases da engenharia didática proposta por Dolz
(2016):
Primeira fase: Buscamos aplicar e desenvolver em sala de aula o gênero redação modelo
ENEM, cuja concepção teórica de linguagem é a interação, o texto segue os moldes padrão
previsto para o gênero e a modalidade de registro de linguagem é a urbana de prestígio.
Segunda fase: O modelo protótipo usado foi uma sequência didática curta, em que o protótipo
inicial é a primeira versão do texto, escrito tem sala de aula a partir da leitura de textos
motivadores e seguida de produção de texto dissertativo-argumentativo.
Terceira fase: O objeto produzido é devolvido ao estudante para reformulação e reescrita com
vistas a melhorar o produto entregue em uma segunda versão. Esta fase não será contemplada
neste artigo, pois o foco do trabalho incide sobre os mecanismos de intertextualidade usados
na primeira versão
Quarta fase: os textos produzidos são avaliados buscando –se observar a ocorrência de
intertextualidade e principais tipos usados pelos alunos na apropriação dos textos
motivadores. Nesta fase, buscamos identificar nos texto as apropriações ou intertextualidade
produzidas, para isso usamos a parte o quadro de análise a seguir.
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Total textos 14 17 1 6 0
Total ocorrências 15 26 1 6 0
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Total textos 02 17 01 18 0
Total ocorrências 03 28 01 26 0
Outros 1 Epígrafe
4 Citações de
argumento de
autoridade
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Os dados revelam que, entre os alunos pesquisados, a maior parte usa o mecanismo de
alusão e referência ao tema, seguido de paráfrase e citação. Em seguida, em número pouco
significativo, aparece a cópia. Não se registra ocorrência de paródia.
Os dados são positivos no que tange ao que se espera do estudante, quando não
copiam ou usam menos a paráfrase, uma vez que no exame, é valorizada a construção de uma
proposição consistente, de argumentação que lança mão de diversificadas fontes. No entanto,
quando a paráfrase aparece em segundo colocação, nota-se que há um trabalho a ser
desenvolvido nas aulas a fim de que estes alunos aprendam a lançar mão de outras formas de
apropriação do discurso, do interdiscurso.
Foi ainda relevante perceber que a escolha de textos com mais ou menos elementos
numéricos e dados estatísticos bem como de textos apenas discursivos interferem no tipo de
mecanismo intertextual escolhido pelo aluno.
Ocorrências, que não foram foco deste trabalho, cujo foco foi a apropriação dos textos
motivadores presentes na proposta de redação estilo ENEM, sugiram: a epígrafe e a citação
de argumento de autoridade. O uso de tais mecanismos sugere mais conhecimento prévio e
capacidade de correlacionar o discurso de outras fontes ao tema proposto, o que Rodrigues
(2005) sugere como a capacidade de fazer uso de outras vozes para validar seu
posicionamento. Essa é uma competência extremamente pertinente à redação do exame e à
proficiência linguística em geral.
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4. Conclusões
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 4ª. ed. Trad.
Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BEAUGRANDE, R. de. New Foundations for a Science of Text and discourse: Cognition,
Communication, and the Freedom of Access to Knowledge and Society. Norwood, Ablex,
1997.
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Introdução
(1) Então eles vão fazer esses sistemas todos subterrâneos. (100 S7 DID)220
∗∗
Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - CAMPUS XIV (Conceição do Coité) / PP-
GEL (Salvador), Brasil. crystycarvalho@yahoo.com.br.
219
Nesse contexto, o rótulo construção hipotática remete à sentença complexa constituída, nos termos da gra -
mática tradicional de orações principal e subordinada adverbial final.
220 Exemplos (1) e (2) extraídos de Oliveira (2006, p. 137 e 35, respectivamente.).
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(5) olha só o regulamento que tem dentro do apartamento (..) você não pode ligar um
som alto, não pode fazer isso, não pode fazer aquilo, não pode bater um papo na
rua porta – ou você manda a pessoa entrar ou você tem que descer para conversar
na rua. Quer dizer, isso tudo é chato à pampa. (Gonçalves et al. 2007: ex. 27, p.
112) 223 .
(6) mas que adianta um casamento tão lindo… gastam tanto .. Pra no final eh .. Viv/
fica dois .. Três dias … depois se separam … entendeu? Eu acho isso aí um
absurdo… porque… poxa… eu sei lá… sabe? Num né?A vida/ tudo bem … está
tudo difícil … mas a pessoa … eu acho que ….(Martelotta, 2004: 101, ex. 5)
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Para tanto, são utilizados, como amostras, textos da modalidade falada do português -
brasileiro, europeu, angolano e moçambicano - contemporâneo (século XX), integrantes dos
bancos de dados do Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC)224 e do
Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de Salvador (PEPP)225.
Visando contemplar a discussão aqui proposta, este artigo está estruturado em três
seções. Na primeira, explicitam-se algumas premissas do funcionalismo linguístico,
sobretudo no que diz respeito à vertente americana. Na segunda, abordam-se os conceitos de
gramaticalização e construção e suas implicações a partir do que vem sendo chamado de
gramaticalização de construções (Traugott, 2009; Noël, 2007; Bybee, 2003, 2010; Traugott &
Trousdale, 2013, dentre outros). Na terceira, apresentam-se os resultados preliminares da
análise dos dados. Por fim, tecem-se as considerações finais em relação à análise efetuada e
ao questionamento aqui levantado.
224 O CRPC representa “um vasto corpus electrónico da variedade europeia do Português e de outras variedades
(Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Goa, Macau, Timor-
Leste)” (www.clul.ul.pt). Engloba tanto textos falados como escritos pertencentes a diferentes gêneros e/ou tipos
textuais (literários, jornalístico, técnico, científicos, didácticos, folhetos, decisões do Supremo Tribunal de Justi-
ça, sessões parlamentares, monólogos, diálogos, conversas, telefonemas, leituras, homilias etc).
225O PEPP é um Programa desenvolvido na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no Brasil, sob a coorde -
nação da Professora Norma Lopes. O Banco de Dados do PEPP é composto por quarenta e oito entrevistas reali-
zadas, no período de 1998 a 2000, com informantes que são naturais de Salvador e aí permaneceram a maior
parte de suas vidas.
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Com base em Givón (1995), Martelotta e Areas (2003, p. 28), com o intuito de
caracterizarem a visão funcionalista da linguagem, mencionam suas premissas básicas. Serão
aqui explicitadas algumas dessas premissas: (a) a linguagem é uma atividade sociocultural;
(b) a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; (c) mudança e variação estão sempre
presentes; (d) o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; (e) as categorias não
são discretas; (f) a estrutura é maleável e não-rígida; (g) as gramáticas são emergentes.
226Nos termos de Ferrari (2011), a linguística cognitiva, diferentemente da teoria gerativa, adota uma perspecti -
va não modular da linguagem, assumindo: (i) a atuação de princípios cognitivos gerais compartilhados pela lin-
guagem e outras capacidades cognitivas (tais como raciocínio matemático, percepção etc); (ii) a integração entre
os módulos da linguagem tradicionalmente estabelecidos (fonológico, morfológico, sintático, semântico e prag-
mático) e, mais especificamente, a interação entre estrutura linguística e conteúdo conceptual.
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Para a LFCU, segundo Rosário (2015), três conceitos - gramática, uso e discurso -
ocupam lugar de destaque no desenvolvimento da investigação científica. O autor cita
Oliveira & Votre (2009) para explicar a imbricação dessas noções:
[...] ganha relevo a vinculação entre discurso e gramática, na defesa de que fatores de
natureza pragmático-comunicativa não só podem ser responsáveis pela regularização
gramatical, como também atuam na seleção e na organização daquilo que a própria
gramática atualiza. Em outros termos, uma vez sistematizados, os constituintes
gramaticais são usados conforme as condições interacionais, são dependentes de fatores
que marcam as práticas envolvidas no uso (Oliveira & Votre, 2009, p. 105 apud
Rosário, 2015, p. 37).
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compõem” (Martelotta; Votre; Cezario, 1996, p. 57), em toda a construção, que perde o valor
progressivo e adquire o valor de futuro.
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(9) Eu acho que a televisão atrapalha. Tanto que, de tarde, quando ela ... depois do
almoço, ela almoça lá embaixo, ele também, depois ela sobe, fica aqui, sem
televisão, sem nada, pra ele poder estudar.(PB230, PEPP, Inf. 1, p. 10)231
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(11) 17: Eu me achava dona da casa, colocava aquelas velhas do abrigo noturno lá em
casa porque se botasse moderna disse que meu pai papava... (PB, PEPP, Inf. 17,
p.01-02 )
Antes de se começar a análise dos dados propriamente dita, faz-se necessária uma
observação: como a pesquisa ainda se encontra em execução (e justamente na fase de análise
dos dados), nesta seção, apresentam-se resultados preliminares dessa análise, procedendo-se a
uma descrição das construções investigadas. Nesse sentido, tais resultados se restringem ao
exame das seguintes construções verbais gramaticalizadas: (i) construções com verbos
epistêmicos235, no caso, com o verbo achar no contexto morfossintático de P1 - eu acho
(que); (ii) construções com evidenciais, no caso, dizer no contexto de P3 - diz/disse que.
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(12) Até o próprio professor ensina, educa, como... [...] Eles vão lá e ensinam a
maneira de você ser, e eles passam que você não use drogas, não vai, não faz
bem para a saúde. Não compre, que não vai fazer bem para a saúde, se você não
praticar, você vai cansar, sua mente não vai aceitar, não vai... não vai ficar
controlada. Então eles ensinam e como eu falei pra você, se eles praticassem o
esporte ia mudar totalmente o índice até de drogas de alguns, algumas pessoas.
Acho que o esporte ajuda muito o cidadão. (PB, PEPP, inf. 20, p.13)236
(13) Ah, tratavam muito bem né, mas não eram, mas não eram pessoas de recurso,
esse lado dos G..., apesar de ter um outro lado que era assim digamos metido a
rico né, mas o meu lado de cá era bem pobre, de forma que a gente foi eh,
passando né desse jeito, quando o meu pai morreu, eu estava acho que com
doze anos aí eu fui morar com a minha tia lá no Rio Vermelho, foi aí que eu me
realizei da, como assim o prazer de menino de, de conhecer o mar, [...]. (PB,
PEPP, inf. 14, p.1)
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fechadas no, e, não é o ser mais fechadas, mais, tudo mais isolado. (PE238 , CRPC,
As Grandes Cidades239, p. 1)
(17) - e qual é a sua maior aspiração depois de ter conseguido ultrapassar com muitas
dificuldades ao, ah, de ter-se triunfado na vida, digamos assim, com algumas
dificuldades, qual é a maior aspiração para o futuro que pensa realizar?
-> bem, a minha aspiração nesse momento seria mesmo trabalhar na informação,
porque eu... tenho o, o segundo ano de jornalismo, não é, apesar de não ter
terminado, faltavam dois, e portanto, eu me esforço um bocadinho que é para
ver se entro, portanto, na Rádio Luanda, ou em qualquer emissora que é para
mim poder aprofundar um bocadinho a minha experiência, porque eu sei na
realidade que, acho que a minha, minha vocação seria mesmo rádio. (PA,
CRPC, O Jovem Gaspar, p. 3)
238 PE, PM e PA significam, respectivamente, português europeu, português moçambicano e português angola -
no.
239 Na amostra do CRPC, cada texto tem um título, que tem a ver com a temática discutida durante a entrevista.
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advérbio pode ser evidenciado não só pelo seu sentido de dúvida mas também pela sua
posição deslocada na sentença: intercalada (13) e final (14), (18). Nos dados analisados, não
se registrou esse uso de eu acho que na variedade moçambicana.
(18) - eu acho que as pessoas do Porto têm uma maneira muito especial de viver, não
é,
-> eh, sim, eh, não sei, eh, eu, como sou daqui, sempre fui, nascido e criado aqui,
não sei. não posso muito falar, acho. de facto, sei lá, não gosto de Lisboa, por
exemplo. (PE, CRPC, As Grandes Cidades, p. 1)
(19) - é só porque vive só é que esta facilidade lhe está, é porque, é só porque vive só
é que tem esta facilidade?
-> sim, sim. é porque tenho essa facilidade. porque se fosse, se eu vivesse com
mais alguém acho que esse dinheiro, di[...], dinheiro não chegava. nem para mim,
nem para a pessoa com quem eu vivesse e para o meu filho. (PA, CRPC, O Jovem
Gaspar, p. 1)
(20) DOC: Mas essa história aí o que foi mesmo que a sua tia colocou em seu pé?
02: Toucinho quente, eh, eu furei...
DOC: Pra que?
02: Disse que é ótimo, eh, eu furei o, o pé com prego enferrujado, aí a minha tia
pegou, e minha avó, juntou todo mundo colocou toucinho quente, eu sei que
foi o maior auê, minha mãe querendo...
DOC: Pra facilitar o prego sair é?
02: Não, disse que é bom pra não, eu acho que não, não inflamar. (PB, PEPP, Inf.
02, p.02)242
(21) 31: [...] agora mesmo a gente está no aviso aí, a gente está trabalhando no aviso,
eu vou aproveitar, é, está no aviso aqui todo mundo.
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(22) -> naquele tempo não, não, não se andava muito ah, ah, sozinho, era, tinha de ser.
isto, já está a ver, há sessenta e tal anos. eu estou com oitenta e quatro, faz favor
de ver.
- eh, eh, disse que naquele tempo não se andava muito sozinho.
-> não.
- ao contrário do que se passa hoje, não é,
-> oh, oh, hoje é uma desgraça. só, as, os pequenas - tenho uma sobrinha-neta que
aos catorze ou quinze anos já queria, sei lá, andar sozinha, não queria n[...], era de
noite e de dia, tudo mais, já sabe como é. elas agora entendem que a, que a
liberdade e a felicidade que se constrói assim mas... está bem. (PE, CRPC, - A
juventude ontem e hoje, p. 1)
(23) - e muitas vezes na tradição africana, as pessoas usam mesmo, eh, pulseiras, e
porque realmente acreditam em qualquer coisa de mágica. quando se vê, muitas
vezes, muitas mulheres africanas, sobretudo quando a gente viaja um pouco mais
para o interior, a gente vê pulseiras justamente, era mesmo, eh, algumas delas têm
qualquer coisa a ver com a tradição.
segundo o que se diz, pelo menos pelos muílas, onde eu andei muito pouco
tempo, não é, quer dizer, conheci um pouquinho aí, mas, diz-se que as pulseira
têm um poder energético, eh, muito forte, assim para, e que dá resistência às
pessoas. (PA, CRPC, Um Conto Tradicional, p. 2)
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explicitado em Carvalho (2015), a mudança categorial operou da seguinte forma: (ele) diz/
disse que > diz/disse que243. Nos termos da autora, essa trajetória sinaliza que: de um lado, a
fonte da informação é direta, tendo sempre um sujeito que pode estar explícito ou implícito,
responsável por esse dizer; do outro, a fonte da informação passou a ser indireta e incerta e,
nesse caso, não há como se se explicitar o sujeito, que adquire um caráter indeterminado.
Considerações finais
Respondendo à pergunta inicial da pesquisa, pode-se dizer que existe, para algumas
construções verbais, no que concerne a padrões de usos, uma tendência à gramaticalização
nas variedades da língua portuguesa, como ilustram os empregos de eu acho (que) e disse
que. As construções diz que e diz-se que parecem constituir contraevidências dessa tendência
intralinguística já que, nas amostras analisadas, foram registradas apenas nos dados do
português brasileiro e no português angolano, respectivamente. No entanto, se se assumir a
hipótese de que uma construção derivou da outra (diz-se que > diz que), mais uma vez,
haveria a confirmação de uma tendência intralinguística.
(i) Quando as construções gramaticalizadas emergem, elas já são recrutadas por todas
as variedades de uma língua?
(ii) Se não há esse recrutamento instantâneo das construções gramaticalizadas, como
elas são difundidas de uma variedade para outra?
243Para tal consideração, Carvalho (2015) partiu, além dos dados analisados, do continuum estabelecido por
Galvão (2001) para a construção diz que: (ele) diz que > diz que.
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Referências
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Resumo: este texto objetiva contribuir para a compreensão e o debate acerca do trinômio
educação, ensino de Língua Portuguesa e desenvolvimento da expressão oral, à luz de um
percurso investigativo delineado por quase uma década.
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Alguns estudos assinalam que, na gênese deste fenômeno, está o pouco espaço
atribuído à oralidade em sala de aula, graças ao privilégio que a instituição escolar
historicamente tem dedicado à linguagem escrita. Dinéa Muniz (1986), em sua dissertação de
mestrado, procedeu a uma pesquisa em uma escola da rede pública de Salvador em que
buscou identificar como e quando ocorre a prática da expressão oral no ensino de Língua
Materna. Os resultados indicaram que, embora atribuam importância à prática da expressão
oral em sala de aula, as professoras observadas realizavam, em seu exercício, atividades de
produção oral condicionada à modalidade escrita - ou no máximo, atividades que propunham
a oralização da escrita, mas que não buscavam desenvolver as estratégias discursivas
necessárias à interação oral.
Por outro lado, como ainda explica Muniz (1986), graças ao valor que a modalidade
escrita adquiriu na sociedade, o que consagrou à escola o status de promotora de sua
aprendizagem, o ensino de Língua Portuguesa passou cada vez mais a focalizar um trabalho a
partir dos usos linguísticos da modalidade escrita, muitas vezes tomando, equivocadamente, a
fala como recodificação da escrita (e não o contrário!).
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modalidade oral da língua a esse ensino, como é o caso da Pedagogia do Oral (MILANEZ,
1993), da Psicopedagogia da Língua Oral (DEL RIO, 1996), d’A Língua Falada no Ensino
de Português (CASTILHO, 1998), d’O Espaço da Oralidade na Sala de Aula (RAMOS,
1997), d’Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de língua materna (FÁVERO;
ANDRADE; AQUINO, 1999)...
Entretanto, como, anos antes, anunciara Ball (1973), se, por um lado, a dificuldade
que os estudantes demonstram para se expressar oralmente é o resultado do caráter artificial
do ensino de Língua Portuguesa, cujas estratégias, além de enfatizarem o uso abstrato da
língua e a hegemonia da língua escrita, não priorizam as exigências das situações reais de
comunicação, por outro, está intimamente relacionada com a organização didático-
metodológica do ensino, em que o formalismo disciplinar impede a promoção dos atos de
fala do estudante e dificultam sua manifestação.
Estudos desenvolvidos por teóricos que buscaram uma compreensão da gênese dos
recalques que atuam na dinâmica da personalidade esclarecem o quanto as situações
traumáticas vivenciadas na educação causam nos indivíduos determinados padrões
automáticos de defesa que contribuem para conter a sua expressividade natural. Como
explica Reich (1988), sem a possibilidade de expressar com autenticidade seus sentimentos,
suas percepções, seus questionamentos, os estudantes registram em seu aparelho psíquico
uma série de bloqueios que, por sua vez, passam a impedir o livre fluxo de sua energia, da
sua emoção, atuando no sentido de restringir a sua expressividade natural - e, por
conseguinte, a sua capacidade de expressão oral. Não é sem razão que, nas situações em que
necessitam se expor oralmente, os estudantes, em geral, revelam que possuem diversas
dificuldades.
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Como docente de LEO, executava um programa que propunha a cada aula uma
sucessão de atividades agrupadas de acordo com um grau crescente de estímulo à
espontaneidade pessoal: partíamos de realizações coletivas (a que denominei atividades de
“sensibilização” e “liberação”) - para exposições individualizadas (“produção”) e, finalmente,
uma partilha sobre a experiência vivenciada a cada encontro (“avaliação”). Desde dinâmicas
e jogos da cultura tradicional, passando por técnicas de expressão corporal e vocal, investi em
uma série de atividades lúdicas que buscavam proporcionar a exploração de diversos tipos de
linguagem, na tentativa de ajudar os estudantes a superar limites restritivos à sua
expressividade. Ao longo das diferentes turmas/semestres, identifiquei que esse trabalho
possibilitava aos graduandos um intensa “presença” em sala de aula, abrindo espaço para
que, progressivamente, além de reflexões e partilhas acerca das dificuldades enfrentadas por
cada um com relação à sua expressividade, eles começassem a se arriscar mais em situações
que se lhes apresentavam como desafios de superação individual.
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Com a munição desse referencial, foi possível compreender que, enquanto qualidade
que conduz os educandos à experiência interna da inteireza, favorecendo o seu envolvimento
pleno em suas realizações e integrando as suas qualidades essenciais, a ludicidade mostra-se
um recurso potencial para desenvolver nos sujeitos a sua criatividade, a sua espontaneidade e
a sua auto-expressão. As diversas técnicas de coleta de dados utilizadas, como as
observações, as entrevistas realizadas na sondagem final da pesquisa e os relatórios de cada
encontro, progressivamente revelavam uma mudança significativa na postura dos estudantes:
o olhar assertivo já os deixava menos evasivos, a firmeza das palavras e o corpo mais
relaxado e mais presente mostravam-se mais condizente com o que o seu conjunto buscava
dizer... Embora demostrassem ter consciência de limitações que ainda se faziam presentes, os
estudantes alteraram fundamentalmente o modo de se relacionar com tais dificuldades: já não
mais as encaravam como algo que os deixava marginalizados em contextos diversos, mas
como um elemento que os conduzia ao conhecimento profundo sobre si e com o qual estavam
aprendendo a conviver de uma forma mais saudável e equilibrada.
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244 Segundo Reich (1998), a partir das situações com as quais se depara ao longo de sua existência, cada indiví -
duo vai construindo seus limites e possibilidades no interagir com o mundo. A persistência de uma mesma si-
tuação adversa vivida no cotidiano ou de frequentes conflitos entre as próprias necessidades e o mundo exterior
vão desencadeando, na estruturado ego, um processo de rigidez que origina o que denominou couraça de cará-
ter. Em suas investigações, constatou que estas couraças de caráter são funcionalmente idênticas às couraças
musculares, segmentos de estrutura anelar que se apresentam dispostos horizontalmente ao longo do corpo, de
modo a formar ângulos retos com a espinha dorsal. Assim, ao mesmo tempo em que se configuram como um
mecanismo de autodefesa, de proteção automática, estas couraças também restringem a motilidade do indivíduo,
o fluxo de sua energia biológica, inibindo a sua expressividade.
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3 “Para não dizer que não falei das flores”: a Pedagogia Waldorf e o
desenvolvimento da expressão oral dos educandos
245Esses excertos (condensados e revisados para apresentação neste estudo sem, contudo, alterar o sentido ori -
ginal) foram extraídos do texto produzido por ex-alunos Waldorf de São Paulo, publicado no site da Sociedade
Antroposófica do Brasil: http://sab.org.br/pedag-wal/artigos/gea-sabe-waldorf.htm.
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prerrogativas, por apresentar um desempenho comunicativo oral marcado por uma notória
autonomia - o que faz com que, em diferentes plateias a que estejam expostos, independente
do grau de formalidade do registro de linguagem, consigam se expressar com segurança e
adequação. Segurança, aliás, não parece ser o único atributo que caracteriza a expressão oral
desses estudantes.
Por outro lado, em um estudo para a UNESCO, Heiner Ullrich (1994) também
esclarece que pesquisas que se propõem a diagnosticar o grau de inserção do ex-estudante
Waldorf no contexto social sinalizam que, além de se mostrarem preparados para enfrentar os
desafios da vida e apresentarem maior capacidade de lidar com tarefas e responsabilidades
sociais, esses indivíduos demonstram ser portadores de uma grande autoconfiança - elemento
indispensável para um bom domínio da expressão oral.
Diante desse panorama, uma pergunta se abre para a compreensão das relações entre
educação e desenvolvimento da expressão oral: o que faz com que os estudantes Waldorf,
conforme atestam estudos e depoimentos, apresentem um domínio satisfatório da expressão
oral? Por que a Pedagogia Waldorf tem-se mostrado eficiente na promoção de um bom
desempenho comunicativo e expressivo dos estudantes? Que fundamentos e estratégias a
caracterizam? E como esses fundamentos ou estratégias relacionam-se ao desenvolvimento
da fluência expressiva dos educandos?
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Pode-se destacar como uma das características da Pedadogia Waldorf o fato de que a
sua fundamentação epistemológica e a sua orientação didático-metodológica estão embasadas
na Antroposofia, um método de conhecimento científico, filosófico e espiritual elaborado por
Steiner para compreender a natureza, o ser humano e o universo (bem como suas inter-
relações). Embora se proponha a integrar o conhecimento científico produzido a partir da
cosmovisão moderna, ao constatar de que o universo e o ser humano não são constituídos
apenas de matéria e energia físicas e redutíveis a processos puramente físico-químicos, a
Antroposofia postula a existência de um mundo sutil estruturado de forma complexa em
vários níveis, transcendendo, assim, a tradição positivista - que só considera válidos os
fenômenos verificáveis pelos órgãos dos sentidos físicos e suas extensões. Portanto, nos
primórdios do século XX, Rudolf Steiner já anunciava os fundamentos para uma
epistemologia baseada num enfoque transdisciplinar, atualmente bastante aclamada, ao
menos conceitualmente, em nossos círculos acadêmicos e científicos247. Além de possuir uma
aplicação prática na educação, a Antroposofia também fundamentado outras áreas do saber,
como a medicina, a agricultura, a arquitetura, a economia... enfim, diversas áreas do
conhecimento humano.
Como anunciou Steiner, “para saber como educar, é preciso saber primeiro o que é o
ser humano”. Apoiando-se num conhecimento do ser humano obtido a partir da compreensão
das etapas evolutivas que, segundo a Antroposofia, regem o seu desenvolvimento, Steiner
elaborou os princípios da Pedagogia Waldorf: o seu currículo e suas orientações didático-
metodológicas foram estruturados a partir desses fundamentos, de modo a orientarem-se para
as necessidades do educando em sua fase específica de desenvolvimento. Ampliando a teoria
aristotélica sobre a estruturação da vida segundo os setênios, Steiner (1996, 2003) explica o
desenvolvimento da criança segundo ciclos de sete anos: cada ciclo é marcado por
significativas modificações biológicas, fisiológicas e cognitivas que, por sua vez, exigem do
currículo métodos de aprendizagem e de ensino diferenciados (FEWB, 1999).
247 Segundo Nicolescu (2001), a física quântica, ao esclarecer que as leis físicas são diferentes para os níveis
das escalas subatômicas (microfísico) e atômicas (macrofísico), e ao constatar que é possível a esses pares de
escalas contraditórias coexistirem nos sistemas naturais, instituiu uma ruptura na lógica e na epistemologia mo-
derna, preconizando que cada um desses dois níveis é regido por suas próprias leis - o que destitui o dogma da
cosmovisão mecanicista: a existência de um único nível de realidade.
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acabada. Em nenhuma outra etapa da vida, os órgãos do corpo físico sofrerão tantas
modificações como acontece nesses primeiros sete anos de vida.
Compreendendo a importância desse período para toda a vida do ser humano, Steiner
propôs um Jardim de Infância como um ambiente propício para que as crianças fossem
estimuladas ao movimento, ao livre brincar - e também às vivências imaginativas ricas. No
Jardim Waldorf, pois, as crianças brincam muito: mas, ao contrário do que usualmente tem
ocorrido nos jardins convencionais, não se busca direcionar o brincar da criança para um
determinado fim ou uma meta; antes, cuida-se para que esse brincar seja movido a partir da
própria demanda da criança, de seu próprio interesse e iniciativa. O fundamental é possibilitar
que a criança permaneça ao máximo no estado de fantasia proporcionado pela brincadeira,
que a sua imaginação seja exercitada ao máximo. Quanto ao trabalho dirigido do professor,
este ocorre, sim, muitas vezes com o objetivo de conduzir a criança para a vivência de sua
própria corporalidade através do movimento - mas isto se dá em momentos específicos,
sobretudo na condução da roda rítmica, que sempre acontece no início do dia, possibilitando
trabalhar, de forma bem lúdica, tanto o movimento da criança, quanto a sua imaginação e a
sua expressividade, recorrendo a uma série de estratégias como versos acompanhados de
movimentos organizados, recitação de poemas, canções...
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Por outro lado, assinala Joseph Pearce (2002, p. 160), ao ouvir uma narrativa, o
cérebro da criança é estimulado a criar um fluxo correspondente de imagens - um desafio
para ela, já que este ato requer a atividade de muitos campos neurais. Cada nova narrativa a
que a criança é submetida gera uma nova sequência de interações entre os campos neurais. E
“quanto mais forte e permanente se torna a capacidade de interação verbo-visual, mais fortes
se tornam a conceituação, a imaginação e a atenção, enquanto o escopo e a flexibilidade das
capacidades neurais em geral aumentam”.
248 Trata-se do processo de revestimento dos axônios por uma capa ou bainha de mielina, substância lipoproteica
que possibilita aumentar a velocidade da transmissão dos estímulos nervosos ou impulsos elétricos (sinapses),
atribuindo maior eficiência na transmissão da informação pelos neurotransmissores. Uma vez que o processo de
mielinização, que se inicia ainda no período embrionário, mais precisamente no sétimo mês de gravidez, esten-
de-se até os seis/sete anos, a alfabetização precoce, ao estimular demasiadamente uma parte do cérebro racional,
proporciona um grande desgaste para o sistema nervoso central, de modo a favorecer, posteriormente, o desen-
volvimento de patologias degenerativas.
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249Assim como Steiner, também Piaget (1967, 1975), em sua teoria psicogenética, compreende que no período
dos 6/7 até os 12 anos, a que denomina de estágio operatório concreto, embora já manipule objetos da realida-
de, aproximando-se das regras, das operações lógicas, a criança ainda não o faz com abstração característica da
próxima etapa, o estágio das operações formais ou abstratas.
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conceitual do indivíduo - base para a formação do seu julgamento pessoal. Essa modificação
adequa-se a um ensino que estimule a vivência de princípios verificáveis e o estudo da
realidade fundamentado no exercício científico e intelectual. Como esclarece Rudolf Lanz
(2003), enquanto no ensino fundamental Waldorf os conteúdos giravam em torno da
realidade (e não da abstração), proporcionando a observação e descrição dos fenômenos,
nesse novo ciclo, o ensino volta-se para a abordagem das teorias conceituais, possibilitando a
compreensão da realidade através de princípios verificáveis e demonstrando as possíveis
explicações para os fenômenos.
De acordo com a Antroposofia, somente nesse setênio deve-se iniciar o estudo das
abordagens puramente formais, pois é nesse estágio de desenvolvimento que o sistema neuro-
sensorial do jovem apresenta a maturação necessária para cumprir essa tarefa sem prejudicar
outros aspectos do seu desenvolvimento; só então é que ele apresenta maturidade suficiente
para encarar o mundo do ponto de vista conceitual250.
Vale observar que, assim como a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio Waldorf são organizados, respectivamente, de modo a atenderem às especificidades do
desenvolvimento dos aspectos volitivos (fazer), psico-emocionais (sentir) e cognitivos
(pensar) do educando, também a orientação didático-metodológica de cada aula, a partir do
ensino fundamental, busca a harmonização da tríade pensar, sentir, fazer, evitando a
unilateralidade em uma ou outra esfera, e procurando um equilíbrio entre conteúdos formais,
atividades artísticas e atividades corporais. A aula principal é organizada de modo a obedecer
esse princípio, alternando atividade mais intelectualizada e atividade prática ou artística.
Como na Educação Infantil, é também iniciada com atividades rítmicas: exercícios de canto
coral, recitação de poemas, música (flauta doce), intercalados por muito movimento, ritmo e
percussão corporal, atividades que possibilitam a vivência do próprio corpo, da lateralidade,
do espaço, com exercícios que também trabalham a linguagem oral, através da articulação e
da dicção.
Após a roda rítmica, é iniciada a parte da aula na qual o estudante faz uma
retrospectiva das atividades e do conteúdo trabalhado no dia anterior (pensar). No próximo
momento, para introduzir o conteúdo do dia, a professora primeiramente apresenta-o sob
forma de imagem (sentir), contextualizando-o através de alguma narrativa elaborada para
esse fim específico, para então, no dia seguinte, após a retrospectiva feita pelos estudantes,
dar-lhe novo tratamento, expandindo a abordagem. Finalmente, a professora solicita que,
através da escrita e/ou do desenho/pintura, exercitem a matéria apresentada no dia anterior na
250 Também para Piaget (1967, 1975), é nesse estágio, que denomina de estágio das operações formais ou abs -
tratas, que o adolescente apresenta estruturas mentais que o permitem realizar operações baseadas num tipo de
raciocínio abstrato.
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etapa (fazer). Dá-se, então, início à narrativa de um conto (ou continuação do conto) pelo
professor - que também é precedido pela retrospectiva no que fora narrado no dia anterior.
Sueli Passerini (1998) esclarece que há um material narrativo específico para cada estágio de
desenvolvimento do coletivo de estudantes da classe, e que esse material constitui o pilar
fundamental sobre o qual se desenvolvem todos os conteúdos específicos do ano letivo.
Se, a partir do que nos ensinou Luckesi, podemos dizer que uma educação lúdica é
aquela que propicia a plenitude da experiência formativa, reivindicando não apenas a
racionalidade do educando, mas sua presença “inteira” em sala de aula (pensar, sentir e fazer
integrados e, em uníssono, favorecendo e estimulando aprendizagens verdadeiramente
significativas), podemos, portanto, concluir que a Pedagogia Waldorf atende,
verdadeiramente, aos pressupostos essenciais da educação lúdica. Como vimos, a grande
contribuição da Pedagogia Waldorf é demonstrar, em sua organização curricular e
metodológica, um caminho efetivamente em curso em direção à integração entre o pensar, o
sentir e o fazer no âmbito da educação formal, atendendo aos anseios e necessidades do
paradigma educacional emergente. Ao anunciar que “a educação deve contribuir para o
desenvolvimento total da pessoa - espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido
estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade” (DELORS, 2001, p.99), o Relatório da
Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI referenda e convalida o que,
desde o início do século XX, vem sendo desenvolvido pelas escolas orientadas pela
cosmovisão de Rudolf Steiner.
251 A Euritmia é uma arte de movimento corporal criada por indicação de Rudolf Steiner.
252A Arteda Fala é uma atividade que explora os sons das palavras dispostas poeticamente, enfatizando os fo -
nemas do ponto de vista rítmico ou a métrica implícita em versos intencionalmente selecionados.
253Diferentemente da rotina escolar convencional, quando em um turno se sucedem aulas de várias matérias, na
Pedagogia Waldorf, durante o período de aproximadamente um mês, uma única matéria é destacada como tema
principal, de modo que as demais atividades que compõem o currículo são a ela relacionadas com o intuito de
complementá-la, sob perspectiva interdisciplinar.
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instrumento fundamental através do qual a criança expressa o que ainda não consegue
exprimir através da fala, sendo o fundamento essencial que a possibilita dar os primeiros
passos a caminho de uma auto-expressão que se manifestará de forma mais elaborada através
da linguagem oral.
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Waldorf, logo identificaremos que o estudante desfruta de uma quantidade de turnos de fala
proporcionalmente correspondentes àqueles utilizados por seu professor, de modo que,
diferentemente do que é usual nas instituições tradicionais de ensino, a fala, nessas escolas,
não se configura como uma atividade eminentemente docente.
Cabem, ainda, algumas considerações sobre o que o Ensino Médio Waldorf traz de
específico com relação ao desenvolvimento expressão oral dos estudantes. Considerando-se
que, no terceiro setênio, o jovem está, de acordo com a Antroposofia, pronto para o pensar
lógico, analítico e sintético, o grande esforço dessa Pedagogia, agora, é promover situações
nas quais esse jovem possa formular o seu próprio juízo de valor. Esse esforço perpassa pela
disposição de seus professores em criar situações, também através da linguagem oral, para
que os estudantes sejam estimulados a exercitar o seu pensamento de forma autônoma e
crítica. Assim, tendo passado pelo estímulo à elaboração pessoal através do exercício diário
da retrospectiva dos conteúdos do dia anterior, esses jovens dão um passo adiante no que se
refere ao desenvolvimento do seu potencial comunicativo e expressivo, em prol da
construção de um discurso pessoal.
254 Graças a ajudas financeiras provenientes de organismos internacionais, a escola pesquisada recebe estudan -
tes de diferentes segmentos sociais. Dentre os estudantes do 5º ano, 30% eram beneficiados pelo programa de
bolsas concedidas àqueles que integram categorias menos favorecidas socioeconomicamente: 23,33% estudan-
tes recebiam bolsa integral e 6,66% bolsa parcial.
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ensino fundamental. Além de não terem manifestado facilidade para exprimirem seus
pensamentos e seus sentimentos, demonstrando muita dificuldade para destacar o objetivo e
essencial para a comunicação, os egressos de escolas convencionais frequentemente
utilizavam a fala de modo agressivo e/ou desrespeitavam os turnos de fala alheios,
evidenciando uma grande dificuldade de ouvir e partilhar o espaço de enunciação - o que os
diferenciava muito dos veteranos da classe.
Por sua vez, o diagnóstico final possibilitou constatar que houve um crescimento
significativo do grupo com relação às suas habilidades comunicadoras, quer na qualidade dos
enunciados, que evidenciavam uma maior objetividade e seleção do essencial a ser
comunicado, quer na segurança e desenvoltura manifestas por esses estudantes nas ocasiões
de exposição oral - inclusive em se tratando daqueles que haviam se destacado por apresentar
maior timidez. Entretanto, por se tratar de uma classe composta por indivíduos que possuíam
singularidades e histórias de vidas diferenciadas (o que é uma realidade em todas as classes
de toda e qualquer escola), que atende estudantes com realidades socioeconômicas e culturais
diferenciadas e também convive com indivíduos portadores de habilidades e necessidades
cognitivas e psico-emocionais específicas, não se pode afirmar que todas as conquistas
tenham se deixado flagrar com a mesma intensidade ou de modo uniforme. Como
comprovam os dados, conquistas relacionadas ao desempenho comunicativo e expressivo dos
estudantes indubitavelmente foram asseguradas: embora algumas tenham sido mais notórias
do que outras, todas anunciam que houve um movimento crescente e consistente nesse
sentido.
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Creio que, através do entrelaçado neste texto, é possível compreender o motivo pelo
qual a Pedagogia Waldorf tem criado meios para que, através de sua perspectiva ludoestética,
os estudantes possam desenvolver as várias instâncias constitutivas do seu SER em
(trans)formação, apropriando-se de uma auto-expressão mais inteira e significativa. Do latim
expressione, “expressão”, em seu sentido primordial, significa pressão para fora. Se
relacionarmos a acepção desse vocábulo com o correspondente etimológico de “educação” -
do latim educere: conduzir de dentro de, identificaremos que, em seu significado essencial, a
educação traz para si o compromisso de promover o desabrochar da autêntica expressão do
sujeito, de modo a criar condições para que a sua interioridade possa emergir de forma plena.
Afinal, só um sujeito que se constitui enquanto tal é que poderá se apropriar da sua expressão
em plenitude. E esse tem sido, historicamente, um compromisso da Pedagogia Waldorf.
REFERÊNCIAS
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1 Introdução
Este trabalho insere-se nas pesquisas realizadas no projeto “Gêneros do jornal como
objetos de transposição didática”, desenvolvido na Universidade Estadual do Norte do Paraná
(UENP), Paraná, Brasil, cujo objeto são os processos de transposição didática
(CHEVALLARD, 1989) de gêneros jornalísticos desenvolvidos no contexto do subprojeto de
ensino “Letramentos na Escola: práticas de leitura e produção textual”, inserido no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) financiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Nos anos de 2014 e 2015 tal subprojeto desenvolveu ações em torno de um projeto
didático voltado para a construção de um jornal escolar (O Jornal PIBID), tendo como
respaldo os pressupostos teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscurso (ISD)
(BRONCKART, 2003; SCHNEUWLY; DOLZ, 2004; entre outros), valendo-se da
metodologia das sequências didáticas de gêneros (cf. DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY,
2004; BARROS, 2013).
Para este trabalho, o objetivo é buscar indícios (com apoio do paradigma indiciário de
GINZBURG, 2007) de concepções do ensino e do papel do professor de língua portuguesa
pressupostos pela discursividade da escrita de diários de campo e pela planificação de
sequências didáticas elaboradas por pibidianos, professores em formação inicial. A finalidade
é verificar como os futuros professores estão representando o ensino, já que a formação
recebida no subprojeto centra-se num paradigma interacionista, numa proposta de
rompimento com o ensino tradicional e fragmentado da língua portuguesa.
A análise não parte, dessa forma, de categorias pré-estabelecidas, mas busca, por meio
da articulação com o contexto da produção, interpretar as concepções de ensino e do papel
dos professores em formação, explícitas ou subentendidas, reveladas nos diários das
intervenções e nos materiais didáticos produzidos pelos docentes em formação. Nesse
processo, objetiva-se, também, trazer à tona os gestos didáticos (AEBY-DAGHÉ; DOLZ,
2008; NASCIMENTO, 2014) pressupostos nas na planificação das SDG e nos diários críticos
escritos após as intervenções didáticas.
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Para dar conta dessa proposta, as ações do subprojeto PIBID são planejadas, levando-se
em conta tanto a formação docente como a execução das atividades didáticas de sala de aula.
De forma geral, as ações são estruturadas da seguinte forma: 1) leituras diversas para
discutir questões teórico-metodológicas que fundamentam o subprojeto; 2) observação do
contexto de intervenção; 3) realização de oficinas de leitura nas escolas-parceiras (turmas
pré-selecionadas); 4) oficinas de elaboração de gêneros do jornal; 5) elaboração de modelos
didáticos dos gêneros selecionados para fazer parte do jornal escolar; 6) elaboração das
sinopses das SDG a serem produzidas; ; 7) planificação das SDG, a partir de uma linguagem
instrucional, uma vez que, ao final, elas são transformadas em um caderno pedagógico a ser
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distribuído na rede pública de ensino da região; 8) intervenção nas turmas selecionadas, com
escrita de diários reflexivos.
Para a análise tomamos como corpus diários das intervenções didáticas escritos por
dois pibidianos nos anos de 2014 e 2015, assim como duas SDG que conduziram as
intervenções realizadas pelos dois alunos-pibidianos (professores em formação incial) no ano
2015, produzidas colaborativamente pelos participantes do subprojeto: uma do gênero
“reportagem” e outra do gênero “artigo de opinião”. A escolha dos sujeitos de pesquisa deve-
se ao fato de os dois participarem do subprojeto nos dois anos anteriores: 2014 e 2015. Dessa
forma, é possível traçar uma comparação entre as concepções assumidas ano a ano. De certa
forma, nós também somos sujeito da pesquisa, pois a pesquisa maior que dá embasamento a
essa análise parte de uma pesquisa colaborativa da qualfaço parte, como coordenadora do
subprojeto PIBID.
Tendo como base esse paradima metodológico, a análise não parte, assim, de categorias
pré-estabelecidas, mas busca, por meio indícios discursivos e enunciativos, subsidiar
interpretações pertinentes aos objetivos traçados.
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O ISD, assim como desenhado pelo Grupo de Genebra, se inscreve ao mesmo tempo
em uma variante e um prolongamento do Interacionismo Social (VIGOTSKI, 2008),
aceitando, a priori, as principais ideias fundadoras desse segmento. Mais que uma ciência
linguística, psicológica ou sociológica, o ISD pretende ser uma corrente da ciência do
humano, cuja problemática central está no desvendamento das atividades linguageiras.
Conhecimentos não são, com poucas exceções, criados para serem ensinados, mas para
serem usados. Ensinar um conjunto de conhecimentos é, portanto, um projeto altamente
artificial. A transição do conhecimento como ferramenta para ser colocada em uso a um
conhecimento como algo a ser ensinado e aprendido é precisamente o que tenho
denominado de transposição didática do conhecimento (CHEVALLARD, 1989, p. 6 –
tradução nossa).
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A vertente didática do ISD toma como objeto principal do ensino da língua os gêneros
textuais, instrumentos semióticos, de cunho sócio-histórico, que estão na base do
desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Entretanto, na nossa sociedade, para que
haja realmente a sua apropriação, é preciso que sejam mobilizadas instituições educacionais
formalizadas, ou seja, essa é uma tarefa que compete, sobretudo, às escolas.
. preparar os alunos para dominar sua língua nas situações mais diversas da vida
cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos, imediatamente eficazes, para
melhorar suas capacidades de escrever e de falar.
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circulam no meio social) para o mais simples (toda a engrenagem linguística que aciona o
funcionamento da língua em sua completude).
Essa imagem [do ensino tradicional] foi se transformando, ao longo das últimas
décadas, em um conhecimento definitivo e tem possibilitado escrever a história desse
ensino. [...] [A pesquisa] evidenciou que o ensino tradicional não pode ser
compreendido como um lugar estável nem único. Sob a sua denominação geral se
escondem etapas que se sucedem, cada uma delas trazendo pequenas alterações em
relação à etapa anterior, que são acréscimos, ajustes para se adequar às exigências
vividas em cada período (ANGELO, 2005, p. vi).
Nesse sentido, não é possível dar uma única definição para ensino tradicional, pois é
um conceito que vai ganhando contornos diferentes a cada contexto. Dessa forma, nas nossas
análises tomamos o cuidado de explicar a concepção de ensino tradicional pressuposta nos
dados pesquisados.
Um dos focos de análise dos dados gerados pela nossa pesquisa são os gestos
didáticos255 do professor (cf. AEBY-DAGHÉ; DOLZ, 2008; NASCIMENTO, 2014),
movimentos discursivos e pragmáticos – ou seja, verbais e não verbais – que direcionam o
agir docente. Neste trabalho desassociamos a noção de gestos didáticos exclusivamente das
ações corporais: “trata-se de movimentos didáticos, configurações de ações que favorecem a
construção do objeto ensinado em sala de aula, visando à aprendizagem do
aluno” (OLIVEIRA, 2012).
Quanto aos gestos didáticos fundadores, Aeby-Daghé e Dolz (2008, p. 85-86), com
base em suas pesquisas no contexto suíço, propõem a seguinte classificação:
255Neste trabalho, consideramos os gestos didáticos como um subconjunto dos gestos profissionais, uma vez
que contemplamos a atividade do professor dentro do âmbito profissional – como trabalho.
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04 Implementação de atividades São os meios para enquadrar uma atividade escolar – pressu-
dispositivos didáticos põe a mobilização de suportes (textos, esquemas, objetos reais,
etc.).
Em relação aos gestos didáticos específicos, entendemos que eles estão sempre em
articulação a um gesto fundador, sempre a serviço da construção dos objetos de ensino, no
processo da transposição didática interna. Ou seja, eles moldam-se às necessidades da
didatização dos objetos escolares, assim como esses objetos vão sendo internalizados à
medida que os gestos didáticos do professor vão se incorporando à atividade de ensino-
aprendizagem.
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Para essa análise, primeiramente, trazemos um olhar para duas SDG produzidas
colaborativamente pelos pibidianos, desenvolvida no ano de 2015 em uma escola pública de
uma cidade interiorana: uma do gênero “reportagem” (9º ano C) e outra do gênero “artigo de
opinião” (9º ano A). Cada gênero foi objeto de uma engenharia didática (SCHNEUWLY;
DOLZ, 2004), que resultou na elaboração de um modelo didático do gênero e de uma
sequência didática (com planificação de atividades, tarefas e dispositivos didáticos).
256No contexto brasileiro, podemos citar os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Diretrizes Estaduais da Edu -
cação Básica e Projeto Político Pedagógico da escola.
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o que inviabiliza um projeto de fôlego, como pressupõe a SDG. Ou seja, a notícia já estaria
velha quando essa fosse publicada no Jornal PIBID.
02 O lugar da opinião nos jornais impres- Diferença entre reportagem noticiosa de temáti-
sos: os gêneros “artigo de opinião” e ca.
“charge”.
05 O plano textual global do artigo de opi- Retextualização da entrevista oral em texto es-
nião: primeira análise. crito formal.
08 Plano textual global do artigo de opi- Plano textual global da reportagem temática.
nião.
09 A argumentação no artigo de opinião. A opinião na reportagem
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11 Diferença entre o artigo de opinião (de- Citação das vozes dos entrevistados na reporta-
fesa de uma tese) e o ensaio dissertativo gem: verbos do dizer e discurso direto e indire-
(discussão de uma problemática). to.
14 Debate regrado a partir das questões Infográfico como gênero conjugado à reporta-
polêmicas privilegiadas pela produção gem.
dos alunos.
Esse quadro mostra certas escolhas relacionados aos gestos de modelização didática
dos gêneros. É possível observar que nas duas SDG os pibidianos, ao acionar o gesto didático
fundador de implementação de dispositivos didáticos, privilegiam a estratégia didática de
“comparação”. Na primeira há a comparação de dois gêneros, o artigo de opinião e a charge,
dois gêneros do argumentar, mas que expressam essa argumentatividade de formas
discursivas muito diferentes: um com a linguagem verbal e, outro, sobretudo com a
linguagem imagética. A SDG de reportagem, por sua vez, traz uma comparação entre dois
subgêneros (sobre esse conceito, cf. BONINI, 2014): a reportagem noticiosa e temática; já
que essa diferença é uma dimensão ensinável relevante quando se pretende colocar em
evidência um tipo específico de reportagem. A concepção de ensino que vemos por meio
deste gesto é, sem dúvida, uma concepção de um ensino produtivo, que “quer ajudar o aluno
a estender o uso de sua língua materna de maneira mais eficiente” (TRAVAGLIA, 2008, p.
39). A comparação força o aluno a refletir sobre os objetos em evidência. No caso dos
gêneros, faz com que ele articule os usos linguístico-discursivos à situação de produção, pois
as diferenças “visíveis” pela textualidade têm sempre uma explicação contextual.
Outro ponto que podemos destacar quanto ao gesto didático de modelização do objeto
de ensino diz respeito à delimitação do conteúdo “organizadores textuais” pelas duas SDG.
Esse gesto, relacionado à transposição didática externa dos gêneros, revela uma concepção de
ensino que busca associar os usos linguísticos com os elementos gramaticas. Aqui revela-se
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[...] o tratamento de outros pontos não está, em geral, diretamente integrado nas
atividades propostas. Trata-se, particularmente, de questões relativas à sintaxe da frase,
à morfologia verbal ou à ortografia. No entanto, ao produzir um texto, o aluno
confronta-se forçosamente com problemas provenientes desses domínios [...]. Alguns
elos parecem evidentes. Assim, a recorrência de formas verbais ligadas ao gênero [...]
cria a ocasião para abordar ou retomar essas formas [...], de maneira paralela ao
trabalho realizado na sequência. [...] Os textos produzidos durante as sequências
permutem levantar os pontos problemáticos e construir corpora de “frases a serem
melhoradas” (DOLZ: NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 115).
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Diferentemente dos textos instrucionais planificados para a elaboração das SDG que
tomam como foco prescrições para o agir docente, ou seja, o foco é a figura do professor, nos
diários reflexivos, geralmente, são os alunos que são colocados em evidência. Dessa forma, o
primeiro texto parece preocupar-se mais com o ensino e suas ferramentas e, o segundo, com a
aprendizagem do aluno (sem desconsiderar os dois outros componentes da tríade: professor e
ferramentas/meios de ensino). Esse foco, como podemos verificar nos trechos de diários a
seguir, pressupõe uma concepção que não desassocia o ensino da aprendizagem, isto é, o
toma como um amálgama: ensino-aprendizagem:
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Outro indício que chamou a atenção na pesquisa exploratória inicial dos dados foi a
ênfase dada à dicotomia desinteresse vs. motivação/ludicidade. Essa é uma concepção de
ensino um pouco equivocada, mas que parece imperar, inclusive, em documentos oficiais da
educação. Uma concepção de que o ensino deve ser sempre “agradável”, “gostoso”,
“divertido”, “descontraído”, “lúdico”, “informal”, etc. Ou seja, parece ir contra à concepção
defendida pelo ISD de escrita como trabalho: “A complexidade da atividade de escrita
justifica o caráter longo e árduo de sua aprendizagem” (DOLZ; GAGNON, DECÂNDIO,
2010, p. 31 – grifos nossos). Vejamos alguns trechos dos diários que revelam uma concepção
ancorada nessa visão dicotômica entre falta de interesse dos alunos e motivação pela
ludicidade e pelo “diferente”:
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Uma concepção que emergiu das nossas análises, em muitos momentos, sobretudo
nos diários de 2015, foi a do aluno como protagonista do seu aprendizado, com ênfase para a
questão da autonomia no fazer e no dizer. Essa observação mostra, pois, que há um avanço
em relação às concepções assumidas pelos alunos no decorrer dos dois anos. Esses trechos
revelam como os professores em formação inicial ou tentam dar uma autonomia maior ao
aluno ou valorizam seu protagonismo no desenvolvimento das atividades, como mostra os
trechos 4.d e 4.e, ou a sua opinião, como no trecho 4.c.
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trazem explicitamente essa comparação entre os dois anos, como os 5.a e 5.b. Podemos
perceber também como os professores em formação compreenderam como, nessa concepção
de ensino, é natural as reconcepções do trabalho docente (MACHADO; LOUSADA, 2010),
como é possível observar no trecho 5.e.
7 Considerações Finais
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Referências
AEBY-DAGHÉ, Sandrine; DOLZ, Joaquim. Des gestes didactiques fondateurs aux gestes
spécifiques à l’enseignement-apprentissage du texte d’opinion. In : BUCHETON,
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l’enseignement du français: un défi pour la recherche et la formation. Bruxelas: De Boeck,
2008, p.83-105.
!741
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Gêneros do discurso. In: ____. Estética da criação verbal. Trad. Paulo
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____. A relação entre prática social e gênero textual: questão de pesquisa e ensino. Veredas
Online, Juiz de Fora, n.2, 2007, p. 58-77.
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GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4.ed. 4.tiragem. São Paulo: Martins
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GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. 2,ed. 2.reimpressão. São Paulo: Companhia
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Inéia Abreu
Universidade de Aveiro - UA258
ineia.abreu@ua.pt
1. Introdução
258
Professora Assistente da Faculdade de Letras da UFPA e aluna do Doutoramento em Educação da UA.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Segundo Oliveira (2008), o Brasil tem hoje mais de 200 línguas (170 autóctones, 30
alóctones e 2 línguas de sinais das comunidades surdas), o que nos coloca no grande grupo
dos países do mundo (94%) que são plurilíngues. Então, achar que o Brasil é monolíngue é
desconsiderar toda a história de um país que possui tanto uma diversidade linguística por
conta das várias línguas faladas em seu território, quanto uma diversidade intralinguística por
conta das variedades da LP. As políticas linguísticas voltadas para as minorias linguísticas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
261
Remanescentes de escravos africanos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
promulgação da Constituição Federal em 1988. Embora seja a única língua oficial do país, é
importante ressaltar que esta é uma língua que apresenta grande diversidade intralinguística,
tornando-se, portanto, difícil definir a variedade padrão da língua. Até meados do século XX,
a variedade carioca era considerada a variedade padrão do Português Brasileiro, sendo
utilizada nos manuais didáticos elaborados e impressos no Rio de Janeiro. No entanto, por
falta de aprofundamento científico, não ficou comprovado que as classes cultas brasileiras
utilizavam ou passavam a utilizar tal variedade apenas por imposição (CASTILHO, 2010).
Surgiram, então, nos anos de 1970, projetos desenvolvidos pelas ciências linguísticas
para a descrição da variedade brasileira da LP, a partir dos quais evidenciou-se a existência de
um policentrismo do padrão linguístico, em que, cada região do Brasil apresenta uma
variedade considerada núcleo padrão de variedade do Português Brasileiro. Cada padrão tem
suas especificidades fonéticas e léxicas que fazem transparecer os diferentes modos dos
falares cultos brasileiros e que devem ser considerados ao serem ensinados nas escolas,
mostrando, assim, que é “Impossível (...) escolher uma variedade regional e considerá-la o
padrão do Português Brasileiro” (CASTILHO, 2010, p. 5).
Esse policentrismo evidente no Brasil é fruto das diversas influências que contituem a
língua portuguesa brasileira, pois desde a sua “descoberta” pelos europeus, o Brasil tem
recebido influências linguístico-culturais de diversos povos. Quando no Brasil chegaram, os
portugueses mesclaram sua língua às línguas nativas (indígenas) e, em seguida, às línguas
africanas através dos negros que foram escravizados. Além disso, muitos outros povos
imigrantes, entre eles os descendentes de japoneses, contribuíram e continuam contribuindo
para o aumento da diversidade linguística que o Português Brasileiro apresenta (PAIVA,
2008).
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
A partir da Lei de Diretrizes e Bases a educação escolar no Brasil passou a ser dividida
em dois níveis: Educação Básica e Ensino Superior. A Educação básica compreende a Educação
Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. A Educação Infantil é opcional, cabendo,
portanto, à comunidade indígena decidir o que lhe convém, de acordo com as especificidades de
cada comunidade. Há povos indígenas que entendem que o convívio com seus familiares nas
aldeias é o que garante a formação da criança indígena dentro da cultura de seu povo, como
integrante de sua comunidade, falante da sua língua. Por outro lado, em algumas aldeias urbanas
as mulheres indígenas precisam de apoio, e, nesse caso, a FUNAI deve apresentar a Educação
Infantil aos povos indígenas não como uma obrigação, mas uma opção, caso isso faça sentido
para eles.
262
Fundação Nacional do Índio.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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A educação escolar indígena tem dado bons frutos, ainda que escassos. Em 2015, um
integrante da etnia Guarani, Almires Martins Machado, recebeu o título de doutor em
Antropologia após defender sua tese intitulada De Sonhos ao Oguatá Guassú em busca da(s)
Terra(s) Isenta(s) de Mal, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Ele foi o primeiro
indígena doutor formado na Universidade Federal do Pará265.
263
Ministério da Educação e Cultura.
264 Estas informações foram obtidas no site http://portal.mec.gov.br/educacao-indigena/apresentacao em
26/08/2016
265
Informação obtida em https://www.portal.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=11023 acessado em 26/08/2016.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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No entanto, não é suficiente que se criem leis para implementação do ensino referente
às culturas afro-brasileira e indígena, é necessário pensar na formação dos professores que
atuarão nas comunidades quilombolas, indígenas e mesmo nas escolas urbanas que
obrigatoriamente devem abodar tais temas.
266
Informações obtidas no site http://www.cpisp.org.br/html/sobre_cpi.html da Comissão Pró-Índio de São Pau -
lo - e http://www.quilombo.org.br/#!historia/c1860
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não basta que a sociedade obtenha o conhecimento sobre estes grupos, mas
também que a população quilombola se veja dentro da sociedade atual, que o
conhecimento ocidentalizado, eurocêntrico, presente nas escolas formais abra um
espaço significativo para a vivência e educação destas comunidades.(PARÉ;
OLIVEIRA; VELLOSO, 2007, p. 217).
A maior parte dos pais queria que seus filhos aprendessem a língua e os
costumes japoneses, tendo em vista o retorno a seu país de origem; caso as
crianças não fossem educadas à maneira japonesa, poderiam ser marginalizadas
ao voltar (DEMARTINI, 2000, p. 45)
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contemporâneas
Entretanto, um dos maiores problemas enfrentados por esses imigrantes foi a falta de
apoio do governo em relação à educação das crianças. No início do século XX, a escola
formal não era um direito de todos, não havia escolas suficientes nem para as crianças
brasileiras, portanto, os imigrantes ficavam responsáveis por suas próprias questões
educacionais. Outro obstáculo que os imigrantes japoneses enfrentaram em relação à
educação foram as medidas nacionalistas do governo de Getúlio Vargas, que proibiu a
educação japonesa, “induzindo à transformação dessas escolas ou provocando seu
desaparecimento” (DEMARTINI, 2000, p. 46).
O curso de Letras 267, com habilitação em Língua Portuguesa, foi implementado pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) na cidade de Castanhal, no nordeste paraense, no ano de
1986. Recentemente o curso passou por uma reformulação em seu Projeto Político de Curso
(PPC) e recebeu nota 4 na avaliação do MEC. Tem como objetivo
1. uso da língua/linguagem;
2. reflexão sobre a língua/linguagem;
267 O curso de Letras da UFPA de Castanhal será objeto de análise da tese a que se vincula este artigo.
268
Informação obtida no PPC do Curso de Letras da Universidade Federal do Pará, campus de Castanhal.
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3. prática profissional;
4. atividades complementares;
5. trabalho de conclusão de curso.
4. Considerações
269
Informação obtida no PPC do Curso de Letras da Universidade Federal do Pará, campus de Castanhal.
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Sob a inspiração dos ítan (mitos yorubanos), foram (re)criados mitos afro-brasileiros,
por Vanda Machado e Carlos Petrovich (2004a), que passaram a nortear o currículo da Escola
Municipal Eugênia Anna dos Santos desde 1999. A escola segue o Projeto Político
Pedagógico Irê Ayó (Caminho da Alegria), de autoria da educadora Vanda Machado (2004b).
Esses mitos afro-brasileiros, herdados da oralidade ancestre, de fato, mobilizam todas as
ações da escola. Assim, foram observadas as vivências com lexias africanas e afro-brasileiras
na escola, e cada uma delas, de maneiras diversas, propicia a compreensão do léxico
associada ao entendimento cultural africano e afro-brasileiro.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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provérbios (òwe). Nas escolas, principais espaços de letramento, considerando o seu caráter
laico, é possível retomar: os oriki, por sua riqueza poética; os ítan, por agregar histórias
propagadas pela literatura oral yorubana; e os òwe, por aglutinar lições sintetizadas em
provérbios. Defendo a relevância desses conteúdos no currículo escolar, pois é através da
palavra que é mantida a memória coletiva, a verdadeira modeladora da alma africana e
arquivo de sua história, conforme Amadou Hampâté Bâ (1979 [1973]), ao se pronunciar
sobre o poder da palavra.
Acredito que as ideias norteadoras da minha tese também possam ser aplicadas nas
escolas da rede pública de ensino de Alagoinhas – cidade baiana de grande contingente
populacional negro, onde há muitos quilombos 270 e terreiros271 –, considerando as
características e configurações culturais da comunidade escolar local, na condução do ensino-
270 O Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural – PPGCC da UNEB, inclusive, sediou o I Encontro dos
Quilombos de Alagoinhas com os Governos Federal, Estadual e Municipal em maio de 2013. Disponível em: <
http://www.poscritica.uneb.br/?p=2187>.
271Conforme Luzia Silva, em As comunidades de terreiro de Alagoinhas: memória, tradição oral e a constru -
ção da identidade cultural, há muitos terreiros em Alagoinhas e cidades circunvizinhas: Inhambupe, Mata de
São João, Catu e Pojuca.
Disponível em: <http://www.seara.uneb.br/sumario/alunos/luziamartins.pdf>.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
272A cidade de Tombuctu, localizada no norte do Mali, na África, é conhecida como depositório de saber, guar -
diã de antigos manuscritos científicos.
273 “A instituição foi uma das principais escolas islâmicas durante a Idade Média. As instalações da universida -
de, as mesquitas e os mausoléus de alguns dos mestres são patrimônio tombado pela UNESCO. Parte desses
prédios foi destruída durante a ocupação dos radicais islâmicos e há risco de que alguns dos 20 mil manuscritos
das escolas tenham sido roubados” (Gazeta do Povo, Curitiba, 28/01/2013). Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/m/conteudo.phtml?id=1339842&tit=Militares-da-Franca-controlam-aces-
sos-a-cidade-historica-no-Mali>
Acesso em: jun. 2013.
274
SOBRAL, Cristiane. Provocações. 03/08/2012.
Disponível em: <http://cristianesobral.blogspot.com.br/2012/08/provocacoes.html>
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Nas ações de letramento previstas no projeto Xirê de palavras, o acesso a tal literatura
pretende possibilitar a construção de um novo espaço simbólico, no qual predomine a
ampliação do repertório de palavras de origem africana e a reversão da condição subalterna
imposta pela escravização africana, ao contrário do que, por exemplo, acontece nas obras
infanto-juvenis de Monteiro Lobato. Nestas, todos os deuses e heróis são brancos, alguns
deles gregos275, e as personagens negras são, muitas vezes, associadas ao folclórico e
diabólico, como o Saci Pererê, ou ao subalterno, como a tia Anastácia e tio Barnabé,
desprovidos de família, sempre prontos a servir, representados de maneira caricatural. Em
seus livros de Literatura Infantil, Lobato, como muitos escritores ocidentais da sua época (e
275 No livro O Minotauro (LOBATO, 1939), os netos da personagem Dona Benta vivem aventuras na Grécia
antiga, encontrando personagens da mitologia desse país, e os leitores dessa Literatura Infantil passam a conhe-
cer características, façanhas e nomes de deuses, heróis e lugares: Péricles; Atenas; Fídias; Partenon; Palas Atena;
Tessália; Olimpo; Hércules; Sócrates; Hidra de Lerna; Ninfas; Náiades; Dríades; Sátiros; Esfinge; Oráculo;
Apolo; Labirinto de Creta; Sófocles etc. Essas aventuras continuam no livro Os doze trabalhos de Hércules
(LOBATO, 1944), no qual se podem observar os nomes: Hércules; Nemeia; Centauros; Micenas; Medusa; Mon-
te Cirineu; Erimanto; Fênix; Pã, o deus da Arcádia; os Argonautas; o rei Áugias; Medeia; Dionísio; Euristeu;
Dédalo; Delfos; Temiscira; Faetone; Clóris; Nereu; Prometeu; Belerofonte; Cérbero.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Sem dúvida, os educandos têm direito a ter acesso a todos esses referenciais, afinal,
“entre a Ática e a África, tanto podemos aproximar Hefesto e Ogum, ferreiros divinos, ou
Hermes e Exu, mensageiros itifálicos, quanto podemos apartá-los” (RISÉRIO, 1996, p.71). A
questão é que, diante do silenciamento histórico dos léxicos não brancos, diante do “dobre a
sua língua”, das incessantes tentativas de apagamento das vozes e letras pretas, faz-se
necessário acender a tinta das palavras, ou seja, prioritariamente, oportunizar aos educandos
novas perspectivas de letramento, possibilitando-lhes a ampliação de um repertório lexical
rico em referenciais negros.
Nos livros de História do Brasil, durante muitos anos, houve uma grande lacuna sobre
a participação dos negros na formação sociocultural deste país, merecendo registros apenas
atividades relacionada ao trabalho escravo. A invisibilidade social negra é consequência do
processo de racialização do negro e do branco, que vem ocorrendo há cinco séculos. Esse
processo foi construído no circuito transatlântico da diáspora africana. O negro, em situação
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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de escravidão, foi considerado inferior e teve a sua cultura desvalorizada; e o branco, tido
como superior, esmagou as culturas dos colonizados e escravizados, impondo-lhes a sua,
tornando-a hegemônica. Mesmo com a abolição da escravatura, ainda permanecem na
contemporaneidade todas as consequências da desassistência social às comunidades negras
proveniente do sistema escravocrata – o subemprego, a mendicância, a criminalidade, a falta
de moradia digna, a fome, a desnutrição, as doenças, o não acesso ou o difícil acesso à
educação institucionalizada de qualidade, a inicial proibição e a contínua demonização das
religiões de matriz africana pelos adeptos das religiões dos colonizadores etc.
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Como se pode constatar, o ainda superficial diálogo entre tradições culturais negras,
seu potencial de resistência e as Letras remete ao desrespeito à realidade sociocultural dos
estudantes, principalmente os da periferia, cursistas da rede pública de ensino, em maioria,
afrodescendentes. É preciso possibilitar que as expressões afro-brasileiras sejam visibilizadas
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como um saber, que estejam inseridas no currículo escolar e acadêmico, desde as práticas de
letramento até a produção de textos científicos. Nesse sentido, o fenômeno do letramento
ultrapassa o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de
introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita (KLEIMAN, 1995). Então,
letramento, para essa autora, é um conjunto de práticas com objetivos específicos e em
contextos específicos, que envolvem a escrita. A escola, portanto, pode ser apenas uma
agência fomentadora de letramento, dentre várias outras, e realiza apenas algumas práticas de
letramento. Para além dos portões das escolas, também se realizam letramentos diversos.
Eis o espírito fraterno suscitado pela simbologia do Xirê: a “celebração móvel” das
identidades, da diversidade irmanada, o desejo de fazer circular, em sala de aula e demais
espaços de letramento e produção científica, de maneira equânime e respeitosa, as expressões
afro-brasileiras na língua e na literatura. Segundo Hall, o sujeito pós-moderno não detém uma
identidade fixa, essencial ou permanente, pois essa se torna “uma celebração móvel”, por ser
construída processualmente e de acordo com as formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2001). Assim, estar em
celebração constante consigo mesmo, aceitando-se, afirmando-se precisa ser um exercício
diuturno.
No Xirê de palavras, então, temos como objetivo geral: proporcionar vivências com
lexias africanas e afro-brasileiras, de modo a causar impactos sociolinguísticos positivos na
construção identitária dos estudantes do Ensino Fundamental I das escolas públicas de
Alagoinhas. Como objetivos específicos, no referido projeto, buscamos: 1) oferecer
alternativas para o ensino atualizado das palavras de origem africana e da mitologia afro-
brasileira, em consonância com o que prevê a Lei 10.639/03 sobre ensino de língua, literatura
e cultura afro-brasileira; 2) produzir material crítico atualizado acerca de letramento por meio
de obras literárias infanto-juvenis que ampliam o repertório lexical dos leitores e/ou ouvintes
dos mitos afro-brasileiros contados, de modo que tal material possa servir de referência para
os programas de formação docente desenvolvidos pela UNEB; 3) mapear e publicar os mitos
locais, a ser registrados por meio de entrevistas; 4) mapear as redes constituídas pelos
diálogos entre a mitologia afro-brasileira (herdada da oralidade, mas também registrada em
livros) e a que sobrevive na oralidade local; 5) conduzir os estudantes ao conhecimento do
legado cultural afro-brasileiro, à desconstrução de estereótipos referentes ao sujeito negro e a
construções identitárias pautadas no respeito à diversidade.
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terreiro etc.) para coleta de dados que nortearão a pesquisa-ação; análise do material
coletado; contação de mitos afro-brasileiros em oficinas de leitura (cf. KLEIMAN, 1993) nas
escolas ou rodas de leitura em outros espaços de letramento (praças públicas, jardins, áreas
verdes da cidade etc.); entrevistas (escuta dos falares de um grupo amostral de 10 estudantes);
registro dos mitos locais coletados por meio das entrevistas; ações de intervenção (contato
com palavras de origem africana por meio de vivências orientadas pela contação dos mitos:
uso seleto e diligente de livros paradidáticos; consultas lexicográficas e elaboração de
pequenos dicionários; cânticos); análise dos resultados; elaboração de artigos pelos
pesquisadores; elaboração e distribuição de livretos infanto-juvenis de mitos afro-brasileiros
nas escolas públicas de Alagoinhas.
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Espera-se, com o projeto Xirê de palavras, dar seguimento a produções profícuas dos
pesquisadores, amadurecendo, no Campus e nos discentes, o trabalho de pesquisa. Visualiza-
se, com a continuidade desse projeto, uma participação direta entre a Academia e a sociedade
local, podendo intervir e contribuir para a visibilidade das culturas locais, em especial, das
heranças africanas na língua falada e na literatura, e do contato com outras culturas. Espera-
se, sobretudo, impulsionar as ações de letramento, fazer circular palavras de origem africana
e, por conseguinte, contribuir para uma educação voltada à pluralidade cultural.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Resumo: esta pesquisa explora o exercício do olhar como forma de experiência estética e
subjetivação. As reflexões apresentadas tiveram como ponto de partida a idealização e
implementação de um projeto de engenharia didática sobre leitura e escrita do gênero literário
crônica. As atividades desenvolvidas nesse projeto embasaram-se nos seguintes
questionamentos: O que é o exercício do olhar? Como essa prática pode contribuir para a
formação autônoma e cidadã? Considerou-se que as mediações realizadas por meio de um
projeto de engenharia didática e que valorizam o exercício do olhar potencializam a vivência
de experiências estéticas e humanizadoras. Os resultados sinalizam o fortalecimento/
favorecimento das interações entre professor, alunos e objetos de conhecimento; participação
ativa no cumprimento das atividades de linguagem; e desenvolvimento do senso de
humanização a partir das atividades exploradas. A importância desta pesquisa reside em
maior reflexão sobre como as práticas de linguagem podem contribuir para a formação de um
sujeito crítico, autônomo e mais humanizado, se forem desenvolvidas por meio de um projeto
de engenharia didática, que explore atividades desencadeadas a partir do olhar.
Abstract: this research explores the exercise of looking as a form of aesthetic experience and
subjectivity. The starting point for the reflections presented in this work was the idealization
and implementation of a didactic engineering project on reading and writing of literary
chronicle genre. Activities under that project were based on the following questions: What
does exercise of looking mean? How can this practice contribute to an autonomous and
citizen formation? It was considered that the mediations done through a didactic engineering
project which value the exercise of looking strenghten aesthetic and humanizing experience.
The results indicate the strengthening / favouring of interactions between teacher, students
and objects of knowledge as well as active participation in the language activities and the
development of the sense of humanization from the practiced activities. The importance of
this research lies in greater reflection on how language practices can contribute to the
formation of a critical, autonomous and more humanized subject if they are developed
through a didactic engineering project that explores activities from the looking.
Keywords: didactic engineering; looking; chronicle.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Na obra “Doutrina das Cores”, publicada em 1813, Goethe defende que a capacidade
de percepção das cores está intrinsecamente relacionada ao campo visual. Para esse filósofo,
a realidade das cores origina-se na relação estabelecida entre o olho e a luz: “o olho se põe
em atividade logo que percebe a cor e é de sua natureza produzir imediatamente, de forma tão
inconsciente quanto necessária, uma outra que, juntamente com a primeira, compreende a
totalidade do círculo cromático” (GOETHE, 1993, p. 146).
O cientista rompe com a visão newtoniana, segundo a qual a luz do sol se decomporia
em diferentes cores constituintes. Pela teoria de Isaac Newton, as cores representam um
fenômeno puramente físico e surgem das qualidades coloríficas dos raios luminosos. Estes
seriam captados de forma passiva pelo olho humano, que visualizaria as cores como mero
observador. Goethe abandona esse paradigma, ao considerar a postura ativa e a subjetividade
do observador, conforme explica Crary (2012), já que as sensações de cores são moldadas
pela nossa percepção, ou seja, pelo aparato fisiológico do olho e pela forma como o cérebro
processa as informações.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
existência à luz. (...) o olho se forma na luz e para a luz, a fim de que a luz interna venha ao
encontro da luz externa. (GOETHE, 1993, p.44). Assim, a cor é “natureza na forma de lei
para o sentido da visão” (idem, p. 45) e constitui-se de um fenômeno básico que nos permite
ser sujeitos de nossas próprias experimentações. A experiência da cor nos permite vivenciar
uma agradável sensação, conforme observa o filósofo:
As cores que vemos nos corpos não são algo completamente estranhas ao olho,
como se de algum modo fosse a primeira vez que tivesse tal sensação. Ao
contrário, esse órgão sempre se dispõe a produzir, por si mesmo, as cores, e
desfruta de uma sensação agradável, quando externamente se apresenta algo
adequado a sua natureza e se fixa de modo significativo sua capacidade de ser
determinado numa certa direção. (GOETHE, 1993, p. 140).
A visão cognitiva nos possibilita captar as impressões externas mais apuradas e mais
variadas, que resultarão na formação de imagem. Por meio dela, somos capazes de perceber o
voo de um pássaro, ler e apreciar um poema ou reconhecer um amigo que há muito não
víamos. A cognição visual também nos torna possível, por meio da imaginação, construir
imagens mentais e simbólicas, que podem parecer tão reais e intensas quanto as do mundo
perceptual. É por meio do trabalho mental que construímos, por exemplo, a imagem de Deus
e da liberdade. A esse respeito, Mari e Silveira (2010, p. 4) observam:
A ideia de Deus, em grande parte das culturas, não é imaginada sem um apelo à
atividade visual: concebemo-lo a partir de algum padrão imagético; as religiões
o materializam icônica, simbolicamente. O pensamento sobre a liberdade, a
virtude, a sinceridade pode ser acrescido de algum traço de caráter visual:
pensamos a liberdade em termos da nossa capacidade de circular pelo espaço,
ou do espaço para elaborar ideias sobre os objetos, sobre as pessoas que nos
circundam; erigimos a sinceridade como um atributo de ações de pessoas sobre
os objetos, sobre os fatos do mundo, para os quais parte do conhecimento
decorre da atividade da visão.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Para além das funcionalidades do veículo, a atividade da visão nos permite relacionar
velocidade, espaço de circulação e estacionamento, sinais de trânsito, etc. Formamos uma
visão integrada a respeito do funcionamento do automóvel e de seu uso nos espaços públicos.
Assim, compreendemos os objetos dentro das relações. A primeira sensação ocorre de forma
global e unificada; em seguida, podemos perceber os detalhes que constituem o todo, num
processo eminentemente dedutivo. A cognição visual, dessa forma, só pode ser estudada e
compreendida a partir de uma concepção holística, gestáltica do homem e sua interação com
o ambiente.
Qual é a substância da crônica? Qual a relação entre esse gênero e a ação de olhar? A
resposta para tais questionamentos encontra-se na sensibilidade e no olhar contemplativo do
observador para a beleza e simplicidade da vida pulsante ao seu entorno, conforme explica
Fernando Sabino em seu texto “A última crônica”:
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao
balcão. (...) Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso
conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida.
Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer
num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente
doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem
mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do
poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não
sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde
vivem os assuntos que merecem uma crônica. (SABINO, 1986, p. 206-208)
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
(...) a crônica pode dizer as coisas mais sérias e mais empenhadas por meio do
ziguezague de uma aparente conversa fiada. Mas igualmente sérias são as
descrições alegres da vida, o relato caprichoso dos fatos, o desenho de certos
tipos humanos, o mero registro daquele inesperado que surge de repente (...)
Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou simplesmente de
divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a troco do sonho
ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação, para voltarmos mais
maduros à vida, conforme o sábio. (CÂNDIDO, 1992)
Com seu olhar sensível e poético, o cronista usa como matéria-prima as sutilezas do
cotidiano, para revelar o belo contido naquilo que é comum, familiar, pouco perceptível. A
crônica, no que diz respeito ao tempo verbal, mescla duas atitudes comunicativas: a do
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A crônica deixa emanar o lirismo, os estados de alma de seu autor, sublimados a partir
de suas experiências. Estas não refletem apenas um conjunto de vivências sedimentadas ao
longo do tempo, mas a ação de experienciar, consequente de um olhar aguçado sobre o
factual, o cotidiano da cidade. Entretanto seu objetivo transcende a mera representação do
real, pois:
A rua se torna moradia para o “flâneur” que, entre as fachadas dos prédios,
sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele, os
letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom
ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a escrivaninha
onde apoia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e
os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, observa o ambiente.
(BENJAMIN, 1989, p. 35)
Ao errar pelas ruas da cidade, passando pelos jardins, estátuas, prédios, galerias,
mercados e observando os mais diferentes tipos de pessoas, o flanêur percebe o mundo de
uma maneira particular. Com sua sensibilidade, ele experiencia o mundo a partir de seu
universo interior - suas memórias, sua vocação, seu universo místico, suas paixões e seus
conflitos – a partir do qual novas descobertas acontecem e novas realidades vão sendo
construídas. Sua relação, entretanto, não é a de um observador privilegiado e distante, já que,
ao perceber a cidade, ele se identifica e se mescla com ela. Sem a intenção de revelar seus
caminhos, o flâneur nos oferece múltiplas possibilidades de construir e seguir o nosso próprio
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contemporâneas
itinerário por meio da intuição, já que a única estrada a seguir é aquela construída por meio
de nossas próprias vivências e desejos íntimos.
3. Metodologia da pesquisa
Esta pesquisa pretendeu discutir sobre o exercício do olhar como uma forma de
desenvolvimento e potencialização da sensibilidade estética, a partir de um projeto de
engenharia didática com foco na leitura e produção de textos. Sua realização derivou das
reflexões de uma equipe de professores integrantes da área de Linguagens e Códigos de uma
instituição federal a respeito da organização e implementação de um projeto de leitura e
produção do gênero textual crônica a ser desenvolvido com alunos do primeiro ano do Ensino
Médio, em conformidade com as orientações da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo
o Futuro, de 2016. Para tal, partiu-se dos seguintes questionamentos: O que é o exercício do
olhar? Como tal atividade pode contribuir para o desenvolvimento de práticas de leitura e de
escrita, bem como para uma formação humana e cidadã?
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Diante do desafio de apresentar uma proposta de ensino que oportunizasse aos alunos
do primeiro ano do Ensino Médio o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita do
gênero textual crônica, a equipe de professores citada engajou-se na idealização e no
desenvolvimento de um projeto de Engenharia Didática a partir da proposta apresentada pela
Olimpíada. Considerou-se, para esse fim, a importância do exercício do olhar como forma de
sensibilização, experienciação estética, constituição da subjetividade e formação da
cidadania. O cumprimento das tarefas requeria dos alunos envolvimento e participação ativa.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Nº de Carga
Fase Encon- Horá- Procedimentos
tros ria
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Essa discussão tem como ponto de partida a hipótese levantada nesta pesquisa,
segundo a qual o desenvolvimento de um projeto de Engenharia Didática com foco na leitura
e produção de textos e que considere a sensibilização para e pelo olhar potencializa a
vivência de experiências estéticas e humanizadoras. Dada a extensão do projeto, focamos
nossa lente na primeira atividade realizada em equipe na fase de experienciação, na qual os
alunos retrataram algum aspecto da cidade de Timóteo e discorreram sobre os aspectos
visuais concernentes às suas subjetividades. Ao todo, foram realizados vinte e cinco ensaios
fotográficos, que subsidiaram a análise feita.
Tendo a cidade de Timóteo como um espaço a ser contemplado e pesquisado, o olhar
dos alunos incidiu sobre diferentes objetos de discurso, sistematizados no seguinte gráfico:
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Veículos 3
Pessoas, relacionamentos 7
! 0 8 15 23 30
Gráfico 1: Olhares sobre Timóteo
O olhar dos alunos cronistas voltou-se para o espaço urbano e desvendou os aspectos
das ruas, parques e jardins, bem como das construções. Refletindo sobre questões de
mobilidade urbana, eles denunciaram os buracos das ruas de Timóteo; a iluminação precária,
que deixa entrever os perigos de assalto; as pichações das praças, prédios públicos e
construções particulares, que apontam para o vandalismo e descaso com patrimônio público e
particular. Para além das denúncias, um olhar poético sobre os bairros mais populares, como
as favelas, permite revelar certa beleza e esplendor, que o preconceito, o medo ou o descaso
não nos permitem contemplar. As diferentes faces da urbe tornam-se, assim, objeto de
reflexão, conforme indicia o seguinte depoimento retirado do corpus em análise:
Essa foto ela foi tirada na janela da varanda da minha casa. Por que a pessoa
que mora na casa mais alta do morro em torno da escadaria o lugar onde as
pessoas na verdade evitam frequentar por julgarem que eu moro na favela por
dizer que o lugar onde eu moro é um lugar de difícil acesso. E eu fiz eu
realmente quis mesmo tirar foto de lá de cima pra mostrar que às vezes você
deixar de conhecer um lugar diferente da sua cidade, você abre mão de ter uma
beleza de ter uma experiência que tira da sua zona de conforto que às vezes
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Uma visão panorâmica da cidade convida para um passeio turístico pelo coreto,
rodoviária, museu, ginásio esportivo e centro comercial. Um olhar um pouco mais detido e
contemplativo revelará a beleza dos jardins de concreto, com sua multiplicidade de cores,
como forma de dizer que a cidade também tem vida, com a sua beleza e os seus encantos:
O nosso tema foi Jardins de Concreto e a gente quis mostrar as cores, a vida,
tudo que a gente vê o tempo todo e a gente fala que não tem, sabe. Porque é
muito normal você virar e falar “Ah eu gosto de ir pro sítio porque no sítio é
colorido, é vida, eu fico longe desse concreto, dessa dessa urbanização toda. Só
que a gente também tem vida aqui. A gente também tem vida na cidade, a gente
também tem jardins na cidade. Jardins de concreto. (CORPUS OLHAR:
JARDINS DE CONCRETO)
O cronista, desse modo, apropria-se do espaço urbano e constrói com ele uma relação
de intimidade. É preciso olhar para a selva de pedra, como se esta fosse um ser vivo, latente.
Deve-se buscar nela as cores e a poesia existentes, ainda que imperceptíveis aos olhares
apressados e desinteressados.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
mostrar sob diferentes pontos de vista alguns lugares, classificando eles como forte
experiência humana, influência fraca, influência forte da natureza” (CORPUS OLHAR:
NATUREZA HUMANA, 2016). Um olhar precisamente técnico irá documentar áreas
atingidas pelas intervenções humanas e denunciar a depredação da natureza, por meio do
corte de árvores, das queimadas e da poluição ambiental. Mas as lentes também se voltam
para mãos empenhadas na preservação de parques e jardins, como uma iniciativa de melhoria
da qualidade estética, funcional e ambiental da região. Onde os impactos da ação humana não
são ostensivos, observa-se uma natureza quase intacta, elucidada pelas imagens da Serra dos
Cocais, parte integrante da província geológica da Serra do Espinhaço.
O ambiente escolar também passará pelo crivo das lentes dos alunos cronistas, que
vão especificar a experiência cotidiana dos estudantes. Esta começa mesmo antes de sua
matrícula na instituição e pode representar uma oportunidade ou frustração:
A história que eu conto falará de você, de mim e de qualquer outro aluno que
um dia almejou e conseguiu uma vaga nessa instituição. Ainda que só pra
agradar aos pais. A inscrição pra prova, as horas gastas pra estudo, a realização
do teste, a espera interminável pela liberação do gabarito, a conquista da... a
conquista da vaga, a realização da matrícula, a compra dos uniformes e o
primeiro dia de aula. Conseguimos. (...) Um sonho, uma conquista, uma vitória.
Um mundo de oportunidades. Ou decepção. (CORPUS OLHAR: UM SONHO,
OUTRA REALIDADE, 2016)
A interação ganha destaque na visão dos alunos cronistas, por contribuir sobremaneira
para a transformação sociocognitiva dos educandos. Sua importância será destacada, por
favorecer a união dos alunos, o diálogo com os professores, a afetividade, a aprendizagem de
conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais:
Essa reflexão sobre a importância da interação encontra eco na tese de Merleau Ponty
(1945), para quem o homem só se constitui como sujeito pela alteridade com o outro. Por
meio das relações interpessoais, o ser humano preenche os seus vazios no mundo. Algumas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
narrativas deixam entrever um olhar amigo e afetuoso, que vislumbra no outro uma
oportunidade de aproximação e de identificação. Em outras, projeta-se o olhar para traços ou
características pessoais como forma de reconhecimento e valorização das diferenças
individuais. Uma analogia entre a espécie humana e a vegetal faz-nos compreender nosso
caráter ontológico. Novos olhares voltam as lentes para o relacionamento afetivo entre pares
pertencentes a classes sociais diferentes e também para o conturbado e dinâmico dia a dia das
pessoas. A relação afetuosa entre as pessoas e seus animais de estimação também torna-se
objeto de reflexão, como a história do gato Ptolomeu, que vaga pela cidade de Timóteo até o
pico do Ana Moura, onde pede a Deus a cura para a sua dona.
Há momentos em que o olhar se volta para o universo interior dos jovens, que, em
suma, representa um olhar para si mesmos: eles sentem, apaixonam-se, planejam o futuro,
soltam a imaginação, adoram viajar, querem lutar por causas sociais e políticas, buscam
adequar seus sentimentos a algum propósito. Em suas narrativas, constroem sentidos,
experienciam diferentes e múltiplas sensações, enfim modelam a sua subjetividade e se
identificam com a própria junventude:
O locutor acima nos convida a flanar pela cidade, buscando decifrar os sentidos da
vida urbana. Sua experiência é essencialmente sinestésica, estética, fruto de um olhar
aparentemente ingênuo e apaixonado. Ao flanar pela cidade, procura captar recortes da
realidade que o circunda. Tais recortes, entretanto, não são meras cópias de fatos reais, mas
fruto de uma recriação. Em outro ensaio fotográfico, os alunos cronistas propõem uma
reflexão metalinguística sobre a construção da imagem, explicando como eles se propuseram
a transformar o circunstancial, conferindo-lhe um toque de subjetividade e lirismo:
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Neste trabalho eu ... meu grupo e eu organizamos as fotos de tal forma que
possa ser contada uma história através da apresentação. O nosso objetivo é
fazer com que vocês entendam a simplicidade dos acontecimentos, mas a
gravidade que isso tem ... e o peso que isso tem no sentimento daqueles que
estão envolvidos. (CORPUS OLHAR: REENCONTRO, 2016)
É... essa é a apresentação Viva la Vida. (...) são duas histórias duas trajetórias ...
uma é mais suposição e uma é real até o que sabemos ... que a primeira história
é de... é... eu acho que se eu perguntar pra todo mundo aqui que que você quer
ser quando crescer, a dedução da pergunta que cada um tem na mente é uma
profissão. Todo mundo tem isso eu acho pelo menos ... uma profissão quando
for adulto crescer... Mas por que que tem que ser assim, digamos, por que que
quando eu crescer eu tenho que trabalhar e... e mostrar pra todo mundo que eu
sei fazer e estudar pra eu saber fazer alguma coisa e não simplesmente ficar
quieto no meu canto fazer o que eu gosto. E... a primeira trajetória que ocês
viram é exatamente uma trajetória dessas de estudo... estudo... mais estudo... e
enfim trabalhar que é a vida que é imposta sobre nós da maneira que nós
conhecemos até pelo... pelo Capitalismo né. E eu não acho isso ruim
obviamente até pelo ambiente que a gente tá. Se eu falar contra isso eu acho
que fica ruim pra mim porque ... isso pra muitos hoje isso é visto como uma
vida de sucesso... você estudar, conseguir uma boa vaga na faculdade, um bom
emprego lutar por isso é uma vida de sucesso uma vida que você conseguiu
alcançou tudo que ocê tem. Mas a gente tem também a história do Francisco
(...) essas fotos aí são em frente à Itapuã na avenida ... e ele estava lá e a gente
bateu um papo com ele conversou com ele e ele dizia que ele contou essa
história dele que ele tava na faculdade estudou e ele contou essa história dele
que ele tava na faculdade estudou e chegou à faculdade e resolveu
simplesmente sair sabe ele se questionava essas coisas do sistema da sociedade
por que que tem que ser assim por que que eu tenho que estudar por que que
todo mundo faz a mesma coisa e ninguém tenta fazer algo diferente. Ah não
mas cada um faz o que gosta e esse curso e esse curso mas por que tem que ser
outro curso e uma profissão e não simplesmente um estilo de vida e... é isso
que a gente simplesmente isso simplesmente que a gente quer mostrar nessa
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
apresentação e... a gente deu esse nome Viva la Vida simplesmente porque ... a
gente não tá falando que nenhuma das duas maneiras e há muitas outras
maneiras que alguém pode escolher viver sua vida é errado ou certo porque a
vida é sua e simplesmente essa coisa de cultura de sociedade coisas que te
influenciam e que são impostas nunca vai ser mais que uma escolha sua
entendeu? (...) Ele só quis ser diferente de todo mundo e viver a vida do jeito
dele. É claro que a gente também não pode achar que na idade que a gente está
num lava nem a própria roupa a gente vai sair fazendo o que quer por aí. Mas a
partir do momento que a gente tem responsabilidade pra fazer nossas escolhas
ocê tem que fazer o que te faz feliz e viver a vida do jeito que cê quiser. É isso
aí. Vila la vida. (CORPUS OLHAR: VIVA LA VIDA, 2016)
A apresentação acima, embora não tenha sido concebida pelo grupo de alunos como
uma crônica, já traz em si os elementos essenciais desse gênero: subjetividade, brevidade e
simplicidade. A cena que irá despertar o olhar dos alunos cronistas é a de um rapaz que se
encontra em um semáforo, tentando ganhar algum dinheiro fazendo malabarismo com alguns
bastões. Uma situação factual, tão corriqueira e banal em nossas cidades servirá como ponto
de partida para a constituição do ensaio fotográfico. Essa imagem será mesclada pelos alunos
com outras cenas ou narrativas coletadas durante a flanagem pelas ruas e ainda com outras
que já constituem o repertório de suas existências. Com esse material sedimentado em suas
estruturas cognitivas, os observadores recriam a realidade, imprimindo nela um toque de
subjetividade e poesia. A proposta consiste em discutir a ruptura dos valores na nossa
sociedade a partir de cenas e narrativas comuns do cotidiano e provocar uma reflexão sobre
padrões pré-estabelecidos que restringem as escolhas das pessoas. O texto surge, desse modo,
como um processo simples, natural e espontâneo, por meio do qual se constrói um retrato de
situações vivenciadas no tempo e no espaço, as quais inspiram e dão sentido à existência
humana.
Considerações finais
O presente artigo pretendeu discutir sobre o exercício do olhar, como uma experiência
que potencializa a vivência de experiências estéticas e humanizadoras. Buscamos discorrer
sobre a importância do olhar nas atividades de leitura e produção de textos, em especial o
gênero textual crônica. Nos pressupostos teóricos, primeiramente refletimos sobre a
percepção visual e sua relevância para a cognição humana. Em seguida, buscamos
estabelecer a relação entre o gênero textual crônica e a ação de olhar.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
alunos em uma oficina, resultantes de suas flanagens pela cidade de Timóteo. Os registros e
depoimentos nos permitiram compreender como ocorre o nascimento de uma crônica, cujo
processo criativo tem origem na sensibilização do olhar e no recorte da realidade.
“- Pai, me ensina a olhar!”. O pedido de Diego ao seu pai apresentado no início deste
artigo ainda se encontra latente em nós à espera de uma resposta. A pergunta da criança se
justifica, dado que a percepção real de um objeto se esvai quando nos encontramos diante de
um conjunto complexo de estímulos e informações. Atribui-se a Leonardo da Vinci a
afirmação de que os olhos são as janelas da alma. Daí a importância de nos conectarmos com
a nossa essência. É preciso ver o mundo com olhar de cronista, olhar detido, contemplativo,
sensível. O cronista imprime em cada objeto não uma realidade objetiva, mas a sua própria
verdade, construída a partir da relação estética que estabelece com ele, o que o torna
esplêndido e singular.
Referências
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez, 1989.
GOETHE, Johann Wolfgang Von (1813) Doutrina das cores. São Paulo: Nova Alexandria,
1993.
MARI, Hugo; SILVEIRA, José Carlos Cavalheiro. Sobre a cognição visual. SCRIPTA, Belo
Horizonte, v. 14, n. 26, p. 3-26. 1º sem. 2010.
MASSAGLI, Sérgio Roberto. Homem da multidão e o flâneur no conto “O homem da
multidão” de Edgar Allan Poe. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários,
v. 12, Jun. 2008. Disponível em goo.gl/2VVvVk. Acesso em 2 ago. 2016.
MERLEAU PONTY, M. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard, 1945.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa. São Paulo: Cultrix, 1978.
SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 2005.
SABINO, Fernando. As melhores crônicas de Fernando Sabino. Rio de Janeiro: Ed.
Record, 1986.SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a visão e as cores: um tratado. Trad. Erlon
José Paschoal. São Paulo: Nova Alexandria, 2003
Transglossia e Transculturalidade:
características dos empréstimos linguísticos da língua inglesa presentes em
vocábulos de esportes do Português do Brasil
Introdução
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Diante dessa perspectiva e, por considerarmos a linguagem dos esportes uma fonte de
integração entre diferentes povos e comunidades linguísticas, esse estudo trata sobre o elo
marcado entre as duas línguas por meio de processos transglóssicos e transculturais (ORTIZ,
2003; COX E ASSIS-PETERSON, 2001). A ênfase está na transglossia verificada na
estrutura fonológica, morfológica e ortográficas de vocábulos que dão nomes aos esportes.
Como apoio e organização dos dados de pesquisa, recorremos às categorias propostas por
Carvalho (2009), especialmente situado na categoria que trata da classificação de formas de
adoção como decalque, adaptação fonética, morfológica e ortográfica, incorporação na forma
original, simples, composto, completo, incompleto. Por conseguinte, entendemos que os
nomes de esportes carregam traços linguísticos que se consagram como o uso da LI “à moda
brasileira”.
1. Bases teóricas
!791
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
às mais complexas. No entanto, o uso dessas expressões nem sempre são visíveis ao olhar do
leigo e, por vezes, dos especialistas absoltos pela rotina diária.
A televisão por assinatura nos oferece uma infinidade de programas que têm os nomes
em inglês (Cartoon Network, Discovery Kids, HBO Family, Globo News, Fox, Geographic,
History Channel, Animal Planet, CNN entre outros).
As redes sociais via internet, como facebook, whatsapp, entre outros oportunizam a
circulação de posts, conteúdos diversos, expressões variadas que se tornam “familiares” e
“naturais” em nossas interações.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
No que ser refere aos empréstimos linguísticos, Carvalho (2009) defende que são tão
antigos quanto à própria língua e sua história. Eles marcam inclusive, a cultura de uma língua
através dos elementos linguísticos estrangeiros que adotou ou incorporou.
Na mesma direção, Schmitz (2002) assinala que as línguas são palcos de mestiçagem e de
interculturalidade, não são fortalezas da nacionalidade. A presença de estrangeirismos não
ameaça a cultura brasileira amplamente definida como literatura, música, teatro, folclore e
dança.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Formas de derivação: Direto - deriva diretamente da língua fonte; Indireto -tem a língua
fonte como intermediária no processo de adaptação.
Forma de adoção: Decalque - é a tradução literal da palavra ou locução; Adaptação fonética,
morfológica e ortográfica; Incorporação na forma original - reserva-se a forma original,
apenas com a consequente adaptação fonética, morfológica e ortográfica; Simples:
Constituído de apenas uma unidade lexical; Composto: Constituído de duas ou mais unidades
lexicais; Completo: Adoção do conjunto significante para o significado já existente na língua;
Incompleto: Uma nova forma substitui um significante já existente com o mesmo significado.
Para nossa análise, consideraremos, especialmente as forma de adoção por adaptação
fonética, morfológica e ortográfica para discutir os processos transglóssicos.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
levado em conta e conclui que observar emicamente como as pessoas usam a língua com
ênfase nas relevâncias contextuais nos afasta definitivamente de pensar os estrangeirismos
como problema, como ameaça ao português e à identidade do falante brasileiro, como
exemplo de comando imperfeito da língua e de estigmatizar as pessoas comuns como
deficitárias, indefesas, alienadas, incapazes de intervir ou de se defender. (ASSIS-
PETERSON, 2008, p. 339)
Esse autor, defende que haja uma atitude realista e equilibrada no que diz respeito à
expansão e uso da língua inglesa. Não há de rejeitá-la sumariamente, tampouco aceitá-la de
forma resignada e passiva. Deve ser usada quando necessária e atender aos propósitos
daqueles que a têm no seu alcance.
Para Faraco, Garcez e Zilles, Paiva entre outros (2001), contrários à ideia de que os
empréstimos são ameaça à língua portuguesa, defendem que os esses fazem parte das
transformações linguísticas pelas quais passam todas as línguas e a língua é construída e
reconstruída pelas pessoas que dela fazem uso. Assim, os empréstimos da língua inglesa não
podem ser tidos como ameaça à língua-materna (língua portuguesa), uma vez que ocorrem,
principalmente, em nível lexical não interferindo na estrutura gramatical da língua que é viva,
se modifica e palavras renovam os seus significados, alguns termos permanecem, outros
passam por alterações e outros caem em desuso. Mesmo que conservem a grafia original, os
empréstimos de fonemas são raros, pois os falantes aplicam nas palavras estrangeiras os seus
sistemas fonológicos, desenvolvidos dentro da língua materna.
Em pesquisa realizada por Justina (2008, 2006) sobre crenças de pessoas comuns,
mais especificamente, quatorze profissionais de áreas profissionais diferentes, que a atitude
realista proposta por Rajagopalan (2005) dialoga com as ações dessas pessoas que possuem o
perfil de “desconhecerem os estudos da linguagem”. A presença dos empréstimos da LI,
muitas vezes, assume uma função conotativa para as pessoas comuns em que aos termos se
aliam ideia de status, prestígio, beleza, entre crenças e atitudes que ora aceitam e ora rejeitam
a inserção dos termos em nossa língua. As crenças dos participantes percorrem três vertentes
teóricas: do apelo esnobe – quando o uso de LI está ligada à ideia de maxi-valorização dos
países que falam a língua, de que a LI é símbolo de status, beleza e qualidade e ponte de
acesso a bens culturais e econômicos bem como a ação da mídia que propaga as expressões e
influencia as pessoas; a crítica ao imperialismo norte-americano – em tese, é contrária à
anterior e remete-se, principalmente, ao Estados Unidos, vê o uso de empréstimos da LI
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2. Metodologia da pesquisa
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Abre-se um parêntesis para que seja estabelecido um paralelo nas diferenças fonéticas
pelo fato de implicar diretamente na grafia da maior parte dos esportes que passaram por
mudanças. Mesmo que alterações não sejam detectadas na morfologia, ortografia, semântica
ou sintaxe, dificilmente passam despercebidas pelo nível fonético.
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tênis [ˈtenɪs]. Outros nomes que passaram pela simplificação de geminadas são: volley >
vôlei; rally >rali e o radical da língua inglesa ball modificado para o pospositivo –bol.
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
ALVES, I. M. Empréstimos lexicais na imprensa política brasileira. Revista Alfa, vol. 32, p.
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BEVILACQUA, C. R.; HUMBLÉ, P. R. M. (Orgs.). Dicionários na Teoria e na Prática:
como e para quem são feitos. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 63-65.
DUBOIS, J. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Ed. Cultrix,
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GRIFI, G. História da Educação Física e do Esporte. Trad. Ana Maria Bianchi. Porto
Alegre-RS: D. C. Luzzatto Editores Ltda, 1989.
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MOURA, G. Tio Sam chega ao Brasil – a penetração cultural americana. São Paulo: Ed.
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PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola
Editorial. 2004.
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Rajagopalan, K. (Org.). A Geopolítica do Inglês. São Paulo: Editora Parábola, 2005. p.
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STUBBS, R. O Livro dos Esportes. Trad. Alexandre Tuche et all. Rio de Janeiro: Agir,
2012.
TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. Trad.: Rodolfo Ilari. São Paulo: Ed.
Contexto, 2004.
Considerações iniciais
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276 Fundada por Dermeval Saviani, a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) é uma corrente pedagógica que se fir -
mou, no Brasil, fundamentalmente, a partir de 1979. Nas palavras do autor, a PHC pode ser sintetizada nos se-
guintes termos: “Essa pedagogia é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo
histórico, tendo fortes afinidades, no que ser refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultu-
ral desenvolvida pela “Escola de Vigotski”. A educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencio-
nalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática
social global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de chegada da prática educati-
va”. (SAVIANI, 1994, p. 421).
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Sob tal ótica, “onde não há palavra, não há linguagem e não pode haver relações
dialógicas; as relações dialógicas pressupõem linguagem”. (BAKHTIN, 2003, p. 323). Assim,
toda e qualquer prática social de linguagem pressupõe a existência de enunciados concretos,
277 Bakhtin (2003) assinala que somente o Adão mítico poderia evitar por completo a mútua orientação dialógica
do discurso. Nesse sentido, para os teóricos do Círculo, o sentido de um discurso é construído na interação soci-
al. Não havendo, portanto, um sentindo fundante.
278 Nesse viés, estabelecer previamente quem é este outro a quem a enunciação se destina, constitui-se uma
condição de suma importância para a elaboração do enunciado. Essa essencialidade somente é precedida pelo
estabelecimento da finalidade discursiva.
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279 Consideramos o texto como mediador das práticas sociais de linguagem, constituindo ele próprio uma com -
plexa prática social de linguagem, à medida que sua realização envolve uma série de funções psicológicas supe-
riores.
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eles, o conto de fadas – conteúdo de estudo e ensino deste trabalho – que percorreu uma
longa trajetória, partindo dos primeiros contos orais, passou por uma literatura moralizante,
até se tornar, na contemporaneidade, novamente renovado e transgrediente. Como muito bem
postula o mestre russo: “O gênero vive do presente, mas sempre recorda o seu passado, o seu
começo.” (BAKHTIN, 1993a, p. 121).
Duarte (2015) assinala que, em suas primeiras manifestações, os contos de fadas eram
contados por e para adultos, em diferentes circunstâncias e propósitos; entretanto, no século
XVII, os contos de fadas destinavam-se quase, exclusivamente, às moças e às crianças, visto
haver uma finalidade moralizante. A partir do século XVIII, por meio do trabalho dos Irmãos
Grimm e Andersen, os contos passaram a ser destinados, de forma quase exclusiva, às
crianças. Em decorrência, contos de fadas e literatura infantil passaram a ser concebidos
como termos sinônimos. A ascensão da ideologia burguesa, a partir do século XVIII,
contribuiu, expressivamente, para a “criação” de uma literatura voltada ao público infantil,
visto não haver, na sociedade antiga, o conceito de infância. Os contos de fadas foram, então,
ainda segundo a autora, úteis à disseminação dos valores burgueses de tipo ético e religioso,
inculcando nas crianças e adolescentes um determinado papel social e uma visão de mundo.
O trabalho dos Irmãos Grimm e Andersen contribuiu, expressivamente, para acentuar a
ideologia cristã veiculada nos contos de fadas. Concepção esta questionada, confrontada na/
pela modernidade tardia.
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praticamente, as mesmas características dos contos de fadas tradicionais, para, por meio
delas, tecer sutis críticas e questionar valores; caso do conto de fadas contemporâneo “A
moça tecelã”, focalizado neste artigo.
• Conteúdo temático
• Construção Composicional
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• Estilo
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Sob tal enfoque, cabe ao professor, mediador entre o aluno e o conteúdo de ensino –
enunciado concreto, balizado por um gênero discursivo, desenvolver atividades
metodológicas que visem a um ensino mais produtivo da linguagem. Neste trabalho,
postulamos um encaminhamento didático seguindo o Plano de Trabalho Docente (PTD),
proposto por Gasparin (2009).
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Nota para o professor: Agora, com o auxílio do data show, deve ser feita a exibição de
trailers de filmes previamente selecionados, que tematizem os contos de fadas
contemporâneos. Sugestão de filmes: A Nova Cinderela (2004), A Fera (2011), Malévola
(2014). Na sequência, apresentar os questionamentos:
i) A partir das histórias vistas, pudemos observar que, apesar de manterem forte ligação com
os contos de fadas tradicionais, os contos contemporâneos apresentam temáticas voltadas à
sociedade atual. Quais são os temas explorados nos filmes exibidos? Elas seguem a mesma
temática do conto de origem? O que há de diferente de uma história para outra?
j) Além dessas obras que foram adaptadas para filmes, encontramos também muitos outros
exemplos de contos contemporâneos, que buscam inspiração nos clássicos contos de fadas,
produzidos há séculos atrás, em outro contexto sociocultural. Você já leu alguma história
assim, que lhe fez lembrar um conto de fadas tradicional por apresentar algum personagem
ou elemento mágico? Quais?
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Nota para o professor: Se possível, levar os alunos ao laboratório de informática. Caso não
seja possível, pode sugerir como tarefa de casa.
3 – Instrumentalização
Nota para o professor: Neste momento, deve-se fazer a leitura do conto de fadas
contemporâneo A moça tecelã, apresentando, na sequência, as perguntas elencadas abaixo,
que devem ser respondidas por escrito, contando sempre com a sua mediação.
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a) Ao ler o título A moça tecelã, naturalmente, você criou toda uma expectativa a respeito do
assunto que ia ser narrado. No decorrer da história, esse assunto se confirmou? Você
imaginou, pela leitura do título, a presença de algo mágico na história?
b) Quem é a protagonista desta história? Em que ela difere das protagonistas dos contos de
fadas tradicionais?
e) Por que a história não terminou quando a tecelã encontrou seu príncipe encantado?
a) No conto A moça tecelã, que tipo de narrador conta a história? Justifique sua resposta,
transcrevendo um fragmento do texto.
b) Ao ler o conto A moça tecelã, você conseguiu encontrar indicação exata da época e do
lugar onde a história ocorreu? Por que eles são apresentados dessa forma?
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Nota para o professor: Este é o momento de relacionar o conto A moça tecelã com o conto
tradicional A filha do Moleiro. Como este último não é um conto muito difundido pode ser
que os alunos não o conheçam e não o citem como exemplo na atividade acima. É necessário,
então, que o professor faça a mediação apresentando-lhes o conto, levando a história para
realizar a leitura e motivando um debate entre as semelhanças e diferenças entre os dois.
a) O texto em estudo se inicia com um verbo. Os verbos, como já estudamos, são palavras
usadas para indicar ações em um tempo passado, presente ou futuro, expressas por uma
pessoa verbal. Eles também possuem modos, que demonstram dúvida, certeza ou ordem.
Volte ao texto e identifique que tempo e modo verbal é predominante na narrativa. Por que os
contos de fadas contemporâneos apresentam o emprego desse tempo e modo verbal?
b) As conjunções são palavras invariáveis, ou seja, que não variam nem em gênero
(masculino ou feminino), nem em número (singular ou plural), nem em grau (aumentativo ou
diminutivo) e servem para conectar orações, termos da mesma função sintática e dar sentido a
um texto. De acordo com o uso, em cada contexto, as conjunções estabelecem relações
diferentes, por isso é muito arriscado decorar tabelas que classificam os tipos de conjunções.
A conjunção mas exemplifica tal situação, uma vez que, comumente, encontramos tabelas
que a classificam como adversativa, como, por exemplo, na frase “O brinquedo é novo, mas
não funciona”, em que temos a oposição de ideias e, portanto, o sentido é adversativo.
Entretanto, em outros casos, como, por exemplo, na frase “Foi à feira e não só comprou
bananas, mas maçãs e peras também”, a conjunção apresenta valor aditivo, já que sua função
é adicionar itens comprados. Na frase “Nossa, mas a prova estava tão difícil!”, o uso da
conjunção tampouco é contrastivo, já que funciona apenas como recurso enfático. Além dos
casos comentados, a referida conjunção apresenta muitos outros sentidos, assim como outras
conjunções que, dependendo da situação em que estão empregadas, assumem outro valor
semântico. No texto em estudo, encontramos um farto uso de conjunções. Sua tarefa será
retirar dois trechos que possuem conjunções, grifá-las e explicar qual é o sentido apresentado
por esse elemento gramatical.
c) Você já estudou que os adjetivos existem para que possamos caracterizar os substantivos,
atribuindo-lhes modos peculiares de ser. Quando usamos um adjetivo, intensificamos o
sentido daquilo que objetivamos transmitir, pois não podemos afirmar que “uma princesa”
tenha o mesmo sentido de “uma princesa linda e meiga”. No texto A moça tecelã, os adjetivos
são muito usados, estando presentes em quase todas as frases. Volte ao texto, identifique e
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transcreva o parágrafo que descreve o marido “tecido pela tecelã.” Feito isso, identifique os
adjetivos presentes e explique o efeito de sentido produzido por eles.
e) Na vida real, não temos o poder de possuir um tear mágico que realize nossos desejos, mas
temos a liberdade de escolher o que queremos e o que é melhor para nós, desde que não
prejudiquemos outras pessoas. No conto, por meio da história da jovem tecelã, você
conseguiu identificar a metáfora que vai sendo construída no tear?
4– Catarse
Vamos, agora, sintetizar o que aprendemos a respeito dos contos de fadas contemporâneos,
respondendo as questões abaixo:
d) Agora chegou a sua vez de colocar em prática os novos conhecimentos! Agora que você já
conhece bastante as características do gênero conto de fadas contemporâneo, que tal você
colocar em prática os novos conhecimentos e escrever seu próprio texto? Sim, você é
capaz de produzir uma bela história e, se quiser, pode fazer parceria com um amigo! Pense
como serão os personagens, o cenário, a história que será contada e não se esqueça das
características que nós estudamos. Ao final, pense em um belo e chamativo título!
Capriche, pois as produções serão digitadas e montaremos nosso próprio livro de contos
de fadas contemporâneos! Demais essa ideia, não é mesmo! Portanto, solte sua
imaginação...e não se esqueça de observar atentamente nosso contexto histórico-social,
pois é dele que emergem as ideias que figuram nos contos contemporâneos. Lembre-se
que esses contos dão respostas (concordando ou discordando) aos contos de fadas
tradicionais!
Esse é o momento em que o aluno demonstra, por meio de intenções e ações, que o
conteúdo vivido, problematizado, teorizado e sintetizado é capaz de transformar a sua
realidade social. O último estágio de aprendizado do aluno, portanto, não poderá ser aferido
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em sala de aula, mas, em suas práticas sociais de uso efetivo do gênero estudado. Assim,
espera-se que ele tenha a intenção de ler outros contos de fadas contemporâneos, veiculados
em diferentes suportes e mídias, compreendendo sua finalidade social e os valores que agora
permeiam nossa existência.
Considerações Finais
Referências
______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 3. ed. São Paulo: Editora
Unesp, 1993a.
BRAIT, B.; MELO, R. Enunciado/ Enunciado concreto/ Enunciação. In: BRAIT: (org)
Bakhtin: Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.
COLASANTI, M. A moça tecelã. In: Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento. Rio de
Janeiro: Global Editora, 2000. Disponível em: http://www.releituras.com/
i_ana_mcolasanti.asp Acesso em 12/09/2013.
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contemporâneas
DUARTE, Patrícia Cristina de Oliveira. Era uma vez um estágio de língua portuguesa:
diálogos sobre formação docente inicial, o gênero discursivo conto de fadas e suas
contrapalavras contemporâneas. 2015. 513 p. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015.
GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. ed. rev. Campinas, SP:
Autores Associados, 2009.
______. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.
ANEXO
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da
noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre
os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca
acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na
lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida
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pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.
Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os
pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a
acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear
para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E
eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de
leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia
tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela
primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida,
começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu
desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato
engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos,
quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi
entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para
aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os
esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas
todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que
eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes,
e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta
imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e
escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite
chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar
batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu
tear o mais alto quarto da mais alta torre.
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— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave,
advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os
cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria
fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o
palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar
sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas
exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao
tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e
jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os
cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e
todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o
jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado,
olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos,
e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo,
tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi
passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do
horizonte.
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O conceito de ‘cigano’: o léxico e os aspectos culturais
Resumo: o tema desta pesquisa se insere no bojo do projeto “Aplicação dos percursos
metodológicos da Lexicologia, Lexicografia, Terminologia e da Terminografia para
sistematização de lexemas e termos”, coordenado pela Profª Michelle Vilarinho, no âmbito
da linha de pesquisa Léxico e Terminologia do Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade de Brasília (UnB). O objeto de estudo é o conceito do lexema
cigano. Entendemos por conceito a representação mental do referente, conforme Vilarinho
(2013, p. 76). A motivação para a realização desta pesquisa se deu mediante a polêmica
que surgiu quando o Ministério Público Federal protocolou ação judicial contra a Editora
Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss em razão da forma em que o verbete cigano foi
registrado no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – DEHLP (2009). O
objetivo da pesquisa é a criação do verbete cigano para o Dicionário Informatizado
Analógico de Língua Portuguesa (DIALP). Empregamos o método descritivo-
comparativo, de modo que os percursos metodológicos usados foram: i) comparação do
verbete do lexema em análise nas obras DEHLP, Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa (2010) e no Dicionário Online Aulete Digital; ii) participação do evento
“Seminário sobre Direitos Humanos e Povos Ciganos no Distrito Federal”, no qual foi
possível compreender o conceito do lexema; iii) preenchimento de ficha lexicográfica da
proposta metodológica para elaboração de léxicos, dicionários e glossários de Faulstich
(2001) para elaboração do verbete. Como resultado, o verbete foi elaborado, de modo que
as definições representam o conceito atual do povo cigano. Com a pesquisa, identificamos
que o léxico representa aspectos culturais, uma vez que a descrição do significado revela o modo
como a sociedade interpreta os seres e objetos do mundo.
Introdução
280Rafael Veloso Mendes: graduando do curso de licenciatura em letras língua portuguesa e respectiva literatura
da UnB, rafaelveloso.m@hotmail.com
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A cultura descreve os atributos do povo e como disse Franz Boas (In: MIRANDA,
2013, p. 15), não podemos entender a cultura de um povo, sem ter contato com sua língua.
A língua é objeto de poder do povo, porém, o poder vem dos poderosos e não seria
diferente quando falamos de significações. Borba afirma que ideologia “se entende esta
como um conjunto de ideias, opiniões, valores, crenças etc. que expressam, explicam ou
justificam a ordem social, as condições de vida do homem em suas relações com os outros
homens” A ideologia também está presente nas acepções das palavras no dicionário, e
estando aquilo escrito, tido como certo, há uma preocupação em como isso causa um
preconceito social gerado por acepções equivocadas registradas nos dicionários.
Aprendemos que nem sempre o que está escrito ou que ouvimos possui uma verdade
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2 Povo cigano
Roma é o termo politicamente correto para designar os ciganos. Rom é sua forma
no singular, e designa toda pessoa pertencente a esta etnia. São um povo de origem
desconhecida. A teoria mais aceita atualmente os identifica como um grupo originário da
Índia, membros de uma casta militar. Por volta do ano 1000, teria iniciado diáspora em
razão de uma série de invasões islâmicas ocorridas na Índia. Esta teoria foi elaborada
fundamentalmente a partir do estudo do romanês. “A análise das variações encontradas no
romanês e da incorporação de palavras de outros idiomas permitiu a reconstrução de uma
suposta rota migratória inicialmente em direção à Ásia Menor e, posteriormente, para os
Bálcãs e Europa Ocidental” (GUIMARAIS, 2012, p. 40).
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léguas da costa, toda povoada de gente que andava desnuda. Já nestes tempos, em partes
distantes desta terra, são dadas notícias de mulheres que andavam vestidas em trajes de
ciganas, com panos de algodão (HUE, 2006).
No Brasil, estão presentes três grandes grupos étnicos romani (ciganos): são eles os
Calon, Rom e Sinti. Cada um desses grupos étnicos possuem dialetos, tradições e costumes
próprios. Os Rom brasileiros pertencem principalmente aos sub-grupos Caldaraxa,
Matchuia e Rudari, originários da Romênia; aos Rorarrané, oriundos da Turquia e da
Grécia; e aos Lovara (MOTA, 2004). O grupo Calon, originário de Espanha e Portugal, é
bastante expressivo no Brasil, estando presente em todas as regiões do país.
3 Verbete cigano
A motivação para a realização desta pesquisa surgiu a partir de uma ação judicial
no Ministério Público Federal contra a Editoria Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss em
razão de como o verbete cigano foi registrado no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa. Um dicionário registra diversas informações linguísticas que trazem o
significado das palavras. Borba (2003, p. 309) esclarece que “um dicionário de língua,
como produto cultural e instrumento pedagógico, resulta de um olhar sobre a estrutura e o
funcionamento do sistema linguístico num determinado momento da vida de uma
sociedade”. Assim sendo, observamos que a significação das palavras contidas no
dicionário possui influência na sociedade e nas praticas sociais de seus indivíduos.
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Em um evento realizado pelo Mistério Público do Distrito Federal e Territórios
intitulado “Seminário sobre Direitos Humanos e Povos Ciganos no Distrito Federal”, havia
a presença de diversos ciganos com vários depoimentos da consciência de como eles são
tratados de acordo com as acepções existentes nos dicionários, sempre lembrados como
“caloteiros, ladrões e aplicadores de golpes”. Os ciganos sabem como são designados. Para
exemplificar isso, um vídeo foi mostrado no Seminário em que crianças espanholas leem o
verbete e expressam uma certa revolta, falando que não são aquilo que estão lendo. O
dicionário mostrado no vídeo é o Dicionário de la lengua española e observamos as
informações linguísticas do verbete gitano:
adj 1. Dicho de una persona: de un pueblo originário de la India, extendido por diversos
países, que mantiene en gran parte un nomadismo y ha conservado rasgos físicos y
cultuares proprios. 2. Perteneciente o relativo a los gitanos. 3. Prorpio de los gitanos, o
parecido a ellos. 4. caló (perteneciente al caló). 5. Trapacero. como ofensivo o
discriminatório. 6. Que tiene grafia y arte para ganarse las voluntades de otros. 7. Caló
(variedad del romaní).
O povo cigano é conhecido pelo seu nomadismo e isso é algo que segundo
depoimentos dos próprios ciganos demarca e causa discriminação por parte de povos de
outras etnias. Um outro depoimento de uma cigana fala que o nomadismo do cigano é
associado com liberdade, porém, a liberdade que o cigano reivindica é o de ter direitos de
acordo com a Constituição, de ser cidadão e de ser tratado como tal.
adj 1. Indivíduo dos ciganos, povo nômade, prov. originário da Índia, presente em
vários países, com cultura, ética e comportamento próprios, e conhecido esp. por se
dedicar a música, prática de artesanato, quiromancia, comércio de cavalos, etc; 2.
Indivíduo boêmio, de vida incerta [Por vezes, com uso pej.]; 3. Negociante esperto,
vivo; 4. Vendedor ambulante; 5. Conjunto de dialetos pertencentes a família indo-
europeia e falados por ciganos de diferentes países; 6. Referente aos próprios dos
ciganos (dança cigana); 7. Que lembra ou é próprio do modo de vida dos ciganos
(1), esp. quanto ao nomadismo e a importância da música e dança (vida cigana); 8.
Referente ou pertencente ao cigano; 9. Diz-se indivíduo esperto, enganador, esp. nos
negócios.
Correia (2009, p. 47) diz que "os dicionários são repertório de informações sobre as
palavras”, e por isso há várias maneiras que um lexicógrafo pode elaborar um dicionário,
que além da definição do lexema, pode (e deve, as vezes) conter informações, como:
classe gramatical da palavra, transcrição fonética, marcas de uso, definição lexicográfica,
ilustrações etc, que ajudam o consulente em sua busca no dicionário.
Atentemo-nos aqui nas informações acerca das marcas de uso. As marcas de uso
devem estar presentes em todos os bons dicionários, pois, a partir delas, obtemos
281
Tradução: um estereótipo não é um conjunto de propriedades reais do objeto, é uma construção elaborada
pela sociedade com base em sua memória de experiências partilhadas em relação ao objeto.
!827
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Para nos ajudar na nova definição do lexema cigano, vamos relembrar o que
entendemos como conceito a partir do estudo do signo linguístico, que é entendido de
maneiras diferentes por diversos estudiosos, como: Saussure (1916), Peirce (1908) e
Hjelmslev (1943). Nesta pesquisa, afunilaremos o conceito de signo linguístico de
Saussure. Esse linguista entende a língua como um sistema de estruturas, e representa o
signo linguístico com duas partes: o significante e o significado, em que o significante
compreende o conceito e o significado compreende a imagem acústica. A figura a seguir
apresenta o signo linguístico de Saussure:
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Entrada Cigano
categoria grama-
tical Adjetivo
Gênero Masculino
Área Etnia
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regional-de-ciganos/; 2. http://www.portalafricas.com.br/v1/es-
cola-
estadual-promove-mostra-cultural-afro-brasileira-indigena-e-
cigana-em-joinville/; 3. http://www.portalafricas.com.br/v1/pau-
la-
soraia-a-primeira-mulher-cigana-a-concluir-doutorado-na-ame-
rica-
latina/; 4.
http://www.lr1.com.br/index.php?
pagina=noticia&categoria=mundo
¬icia=5646.
!830
I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Remissões
Hiperônimo Etnia
nota(s)
Redator
5 Considerações finais
A pesquisa contida nesse artigo traz como objeto de estudo o lexema cigano. Após
muitos estudo na área e análise em diferentes dicionários, notamos a deficiência nas atuais
acepções em representar o conceito a atual realidade do povo cigano.
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Grande parte da invisibilidade que o povo cigano sofre é decorrente dos
preconceitos surgidos ao longo do tempo, influenciado pela cultura e pela significação que
é dada aquele povo. A luta diária dos ciganos mostra a sua vontade de se ver fora desses
estereótipos e a por conquistas de terras para a construção de suas moradias e a
manutenção de sua cultura, que, muitas vezes, são perseguidos e mortos por vários
equívocos. A busca por políticas publicas também é tratada com cuidado pelos povos
ciganos.
A nova conceituação do verbete cigano para compor o DIALP irá refletir em como
esses povos são vistos e em como a visão da sociedade pode mudar com uma nova
significação. A ideia de conceituar um povo parece longe dos padrões de uma sociedade
como a nossa, é trabalhoso e difícil pensar aquilo diferente de uma realidade como a do
povo brasileiro, mas são passos assim que contribuem para um povo com menos
preconceito e mais visão critica.
Referências bibliográfícas
BOAS, Franz. Antropologia Cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. In.:
MIRANDA, Vanderlei Martins Ribeiro de. Léxico e cultura: estudo linguístico na área
rural de Sabinópolis-MG. (2013). Tese (Mestre em Linguística) – Universidade Federal de
Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de
Letras, Belo Horizonte. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
b i t s t r e a m / h a n d l e / 1 8 4 3 / M G S S - 9 E A K Y 6 /
l_xico_e_cultura_estudo_lingu_stico_na__rea_rural_de_sabin_p.pdf?sequenc e=1>.
Acesso em: 20 de ago. 2016.
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contemporâneas
COSTA, Elisa Maria Lopes da. O povo cigano em Portugal e terras de além-mar (séculos
XVI a XIX). Lisboa: Grupo de trabalho do Ministério da Educação para comemorações dos
descobrimentos portugueses, 1997. Disponível em: <https://alpha.sib.uc.pt/?q=content/o-
povo-cigano-entre-portugal-e-terras-de-al%C3%A9m-mar-s%C3%A9culos-xvi-xix>.
Acesso em 15 jul. 2016.
D I C I O N Á R I O O N - L I N E A U L E T E D I G I TA L . D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / /
www.aulete.com.br>. Acesso em: 08 mar. 2016.
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contemporâneas
HUE, Sheila. Primeiras cartas do Brasil: 1551-1555. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
MIRANDA, Vanderlei Martins Ribeiro de. Léxico e cultura: estudo linguístico na área
rural de Sabinópolis-MG. (2013). Tese (Mestre em Linguística) – Universidade Federal de
Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de
Letras, Belo Horizonte. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
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Acesso em: 20 de ago. 2016.
PAULA, Maria Helena de. Considerações breves sobre língua e cultura. Rastros de velhos
falares: léxico e cultura no vernáculo catalano. 2007. 521 f. Tese (Doutorado em
Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista. p. 88-96. Disponível em: . Acesso em: 20 de agosto de 2016.
TEIXEIRA, R. C. Ciganos no Brasil: uma breve história. Belo Horizonte: Crisálida, 2009.
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
contemporâneas
Summary: unquestionably the importance of reading process for teaching and learning, as
well as all social relations to which the reader needs certain skills and competencies that are
pervaded by the act of reading. However, still prevails the search for strategies to make
students learn effectively, read in its deepest sense, a comprehensive reading. In this sense, I
assume that it is essential to develop a linguistic consciousness through which the reader
understands reading as an act, a constant, rational and evolutionary movement resulting from
productive feature of the language. Thus, this study aims to present preliminary results,
derived from doctoral research, in order to demonstrate the relationship between the
understanding of lexical phenomena involved in building text directions and the development
of cognitive patterns that can help the reader in his career understanding, the development of
reading skills. It is therefore an analysis that combines theoretical basis arising from the
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lexical semantics and theories of reading and Gender. Arising from reflections offered, the
results contribute to the analysis and creation of new doings teaching, teaching reading,
aimed at training more competent readers.
1 Introdução
Ler…
Dito isso, partimos da premissa que grande parte dos usuários da língua, mesmo os
considerados “alfabetizados” não dispõem de ferramentas necessárias para imergir neste
universo letrado de modo a fazer-se protagonista, visto que, embora reconheça o código
linguístico não conseguem dispor de habilidades para compreender as diversas manifestações
identificadas nos gêneros textuais que constituem seu universo social.
Igualmente, defendemos que não é produtivo o simples fato de colocar este usuário da
língua em contato com a mesma, pois muitos fenômenos somente são internalizados a partir
do momento em que seus mecanismos são compreendidos. Assim, faz-se necessário que o
reconhecimento de regularidades e irregularidades da língua de modo a construir padrões que
o levem a constituir-se leitor, no sentido mais profundo da palavra, nas mais diversas
situações.
Assim, este estudo objetiva apresentar resultados preliminares, em sua fase teórica,
oriundas de pesquisa de doutoramento, com o intuito de demonstrar a relação existente entre
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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O estudo aprofundado dos elementos aqui citados resulta na percepção de nuances que,
levadas à comprovação científica, objeto de tese em desenvolvimento, aponta para a
importância desta relação e de sua disponibilização em situações de ensino de leitura, de
modo que contribuem para a geração de padrões a serem internalizados pelo leitor e, a partir
disso, a construção de habilidades de leitura.
Ter consciência de que a leitura não é um jogo de adivinhações, mas, sobretudo, uma
atividade consciente, orientada de percepção de padrões de uso do código linguístico é, na
visão adotada neste estudo, um passo significativo para contribuir para o ensino-
aprendizagem de leitura e por ela mediado.
A reflexão teórica aqui proposta fundamenta-se nos três eixos que abrem esta seção,
ou seja, na percepção acerca da importância dos fenômenos de produção de sentidos, com
base nas relações lexicais, como eixos para o desenvolvimento de habilidades de leitura.
Nesta visão, a interação não é compreendida como um modelo a ser seguido, mas
como reflexões acerca de níveis de conhecimento e processos necessários à compreensão.
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O ponto no qual ancoramos é o fato de que não basta que o aluno reconheça os
aspectos linguísticos constitutivos do texto, mas que seja capaz de fazer uso de habilidades
através das quais possa mergulhar nos fenômenos de produção de sentidos. Trata-se da
percepção tênue linha divisória entre a decodificação, a compreensão e a interpretação
textual.
...por um lado, os limites são dados pela própria base textual que exige
pelos menos a preservação da verdade e falsidade das informações ali
presentes. Por outro, o limite depende das estratégias do autor/falante ao
codificar suas informações e intenções. O aspecto meramente gramatical
e contextual nem sempre é orientador. (MARCUSCHI, 2001, p. 47)
Para iniciar esta discussão, Jouve (2002) leva-nos a refletir sobre a concepção de
texto e enfatiza que
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I Congresso Internacional de Língua Portuguesa: experiências culturais e linguístico-literárias
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Ou seja, “no texto, a relevância dos saberes é de outra ordem. Ela se afirma pela
função que esses saberes têm na determinação dos possíveis sentidos previstos para o texto”.
(ANTUNES , 2003, p. 110).
De forma mais específica, é necessário que o aluno perceba que nem todos os sentidos
encontram-se na superficialidade textual, sobretudo, nas camadas mais profundas. Por tal, a
reconstrução destes sentidos depende de um contrato firmado entre as escolhas estabelecidas
pelo autor na construção do texto e, através deste, a percepção do leitor sobre estas pistas
para a recuperação de conhecimentos de mundo, experiências já vivenciadas pelo leitor,
enfim, para que este, de forma produtiva, eleja as informações necessárias para que seja
possível a reconstrução destes sentidos.
Esta percepção é explicada por Kleiman (2011) ao definir que “...tanto sujeito como o
texto delimitam o leque de possíveis leituras de um texto: não há abertura total, porque
hipóteses de leitura devem ser verificadas mediante a depreensão de aspectos formais, nem
há apenas uma leitura porque cada sujeito impõe a sua estrutura de conhecimento ao texto
(KLEIMAN, 2011, p. 39).
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Hipótese...
Talvez seja esta a estratégia crucial para o leitor fazer-se leitor. É, pois, a base de
qualquer fazer reflexivo. O estabelecimento de hipóteses para que sejam testadas e, a partir
disto, refutadas ou comprovadas, consiste em um processo cognitivo capaz de desenvolver
padrões significativos de aprendizagem.
Percebe-se, pelo exposto, que é por meio das inferências que o leitor é levado a
desenvolver mecanismos de compreensão de como o léxico é mobilizado em cada situação de
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comunicação e de forma diferenciada, pois todo ato comunicativo é único visto que ocorre,
também, em um contexto único.
Por outro lado, acerca desta instabilidade, Antunes (2012) chama a atenção para um
fato importante:
Isso não quer dizer que as palavras sejam destituídas de toda e qualquer
estabilidade de significado ou que, em cada momento da interação, os
sentidos sejam criados inteiramente “a partir de um estado cognitivo
zero”. Às palavras são associados significados básicos, que constituem,
isso mesmo, a base para a derivação de outros significados, próximos,
associados, afins. (ANTUNES, 2012, p.29).
Se esta condição criativa da língua, por um lado, nos permite criar, ousar, mergulhar
no mais profundo oceano da produção linguística humana, também, por outro lado, nos
permite reconhecer nesta condição caminhos para compreender, para perceber nuances
comportamentais da linguagem na interação humana.
Ao se falar em estratégias retomamos a ideia de que elas são, por sua vez, na visão de
Valls (1990) apud Solé (1998, p. 69) “suspeitas inteligentes”, visto que, embora consistam em
situações de risco, através das quais será possível afirmar ou refutar uma verdade, o aspecto
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mais pertinente é que sua potencialidade reside “...no fato de serem independentes de um
âmbito particular e poderem se generalizar; em contrapartida, sua aplicação correta exigirá
sua contextualização para o problema concreto”.
Palavras finais
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O percurso trilhado, pelo largo caminho das bases teóricas que fundamentam as
reflexões aqui apresentadas, nos levou a perceber que adotamos um caminho muito
produtivo.
Enfim, atingimos os objetivos a que nos propomos neste momento e que, por sua vez,
contribuem para o surgimento de novos olhares para a temática em questão.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
_______________. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo:
Parábola, 2012.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012.
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Summary: reading consists of a generator process of reflection and learning, when done
effectively, from its realization in a comprehensive way, that player demand skills and
expertise to its effectiveness. It is observed in the postgraduate teaching a considerable deficit
in reading and hence understanding, reflection and learning, given the use of simple basic
decoding, not being able to promote learning, which may influence the high dropout rate this
level of education. In this scope, based on the need for effective reading and the deficit today
observed both in higher education and in graduate, is observed in Learning Active
Methodologies a prerequisite to foster learning through stimulating metacognition, so this
study aims to demonstrate the effective use of methodologies such as driving effective
reading promoting understanding and effective learning. To this end, it has results of
successful experiment in higher education courses, which was based on theoretical basis of
Maturana (2002), Rubem Alves (2012), Paulo Freire (2014), Piaget (1999), among others.
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Experience has shown its effectiveness in a grant potential to rethink the teaching practice, so
as to favor the reflexive processes of understanding and learning from reading effectiveness.
KEYWORDS: Reading. Teaching. Learning.
Introdução
Estudos de Paulo Freire apontam que “[...] não foi a educação que fez mulheres e
homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade
[...]”(2014, p.57). A auto compreensão dentro do contexto da metacognição de um processo
transformador possibilita a autorreflexão constante e a percepção de tudo aquilo que precisa
ser transformado em metas e, que alimentam a esperança, possibilita a compreensão de que
“[...] minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se
insere [...]” (p.53), e assim “[...] gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser
condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele [...]” (p.
52-53).
Então, se todo educador está neste mundo para promover o conhecimento, qual seria a
melhor maneira para se conseguir tal proeza? Importante considerar, à priori, que ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção,
“por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 2014, pág. 40). A reflexão sobre a prática nos
coloca em uma posição de mudança de paradigmas na busca por metodologias de ensino e
aprendizagem que reavivem a esperança por discentes que, através da capacidade crítica
cognitiva e metacognitiva, possam adquirir conhecimentos dinâmicos e progressivos.
Deste modo, o processo deve ser compreendido diante de que “conhecer é modificar,
transformar o objeto, e compreender o processo dessa transformação e, consequentemente,
compreender o modo como o objeto é construído” (PIAGET, p.04).
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Trata-se, portanto, de uma formação que vai além do que se ensina e se aprende,
perpassando claramente pela formação do caráter crítico do discente, este a ser utilizado em
todos os âmbitos de sua vida, seja pessoal, profissional ou social. Neste sentido, tomando por
base que a leitura constitui-se de um processo gerador de reflexão e aprendizagem, quando
realizada de modo efetivo, a partir da sua realização de forma compreensiva, o que demanda
do leitor habilidades e competências para sua efetivação.
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Metodologia
Deste modo, foram realizadas atividades com escopo nas Metodologias Ativas de
Ensino e Aprendizagem junto a tais discentes, com foco na interdisciplinaridade e na
melhoria do processo de leitura e compreensão.
Resultados e discussões
De acordo com Sá; Alves; Costa (2014), a aprendizagem significativa deve ser ativa,
na qual os estudantes envolvem-se em atividades de elevado grau cognitivo, como análise,
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síntese, avaliação, ou seja, não se limitando ao ouvir, de modo que o ensino seja centrado
menos na transmissão de conhecimentos e mais no desenvolvimento de competências dos
estudantes, considerando-se seus valores e atitudes.
Deste modo, a atividade foi proposta com dois grupos de dez participantes que
elaboraram narrativas com a consigna: uma vivência que proporcionou aprendizagem. As
narrativas foram numeradas e distribuídas de modo que foram lidas e, posteriormente,
identificados os problemas relevantes, elaboradas hipóteses que geraram questões de
aprendizagem que, em outro momento, foram discutidas em uma nova síntese. Os
movimentos foram realizados duas vezes em cada um dos grupos, sendo que na primeira
realização a atividade foi conduzida apenas pelo facilitador e, na segunda realização, o papel
de facilitador foi denotado aos participantes.
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Sobre a avaliação, o estudo de Cabral; Almeida (2014) diz tratar-se de uma etapa
relevante do processo educativo, por se constituir em um “[...] instrumento de avanço e de
novos rumos”. Neste sentido, a avaliação das atividades foi realizada de maneira formativa,
ao final de cada uma das atividades, de modo a registrar um considerável progresso,
especialmente no sentido da auto avaliação.
Considerações finais
Neste escopo, tomando por base a necessidade da leitura efetiva e o déficit hoje
observado no ensino superior e na pós-graduação, verifica-se nas Metodologias Ativas de
Aprendizagem um pressuposto para favorecer a aprendizagem por meio do estímulo à
metacognição.
Parafraseando Maturana (2002, p.15), “[...] dizer que a razão caracteriza o humano é
um antolho, porque nos deixa cegos frente à emoção, que fica desvalorizada como algo
animal ou como algo que nega o racional [...]”e, na educação, no processo de ensino e
aprendizagem, esse prazer mediado pelo amor não poderia deixar de existir, em consonância
com o que defende o russo Liev Tolstoi ao afirmar que “o amor dá ao indivíduo um objetivo
para sua vida. O intelecto mostra-lhe o caminho para a conquista de tal objetivo”, como
pressuposto desta caminhada que deve ter o conhecimento como fim, início e um constante
recomeço.
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REFERÊNCIAS
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linguagem, fundada nos trabalhos de Michel Foucault, Michel Pêcheux e Eni Orlandi,
mobilizou-se noções que são de fundamental importância para a compreensão da constituição
dos sentidos e dos sujeitos, no batimento entre língua e história, e que possam contribuir na
compreensão e interpretação de sentidos emanados da posição sujeito morador de um espaço
recente de colonização, na região amazônica brasileira.
Introdução
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O centro dessa relação é o espaço discursivo criado entre ambos. O sujeito só constrói
sua identidade na interação com o outro, e o espaço dessa interação é o texto. O sujeito e o
sentido se constituem como efeito ideológico na relação das palavras, seus textos e discursos.
O discurso jornalístico, em sua dualidade texto e contexto, produz efeitos de sentido entre
locutores (PECHÊUX (1993, p. 82), destacando-se como o discurso sobre o real, marcado
por uma “vontade de verdade” (FOUCAULT, 2006).
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!
Fonte: VEJA, São Paulo, n. 205, 9 ago. 1972.
Para análise dos efeitos discursivos consultamos o jornal de número 13/80, o primeiro
impresso na década de 80 e que resume e identifica os trabalhos desenvolvidos pela empresa
na década anterior, quando começou a circular. O jornalista Nacim Bacilla Neto foi o
responsável pelas matérias do jornal que circulou até o ano de 1985, sempre distribuído
gratuitamente à população.
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!
Fonte: Colonizadora SINOP S.A., acervo particular, 1980.
Para Orlandi (2015), fatos vividos reclamam sentidos e os sujeitos se movem entre o
real da língua e o real da história, entre o acaso e a necessidade, o jogo e a regra, produzindo
gestos de interpretação. Neste sentido, a historicidade que nos interessa é o acontecimento do
texto como discurso, compreender como os sentidos trabalham nessa relação. No
acontecimento discursivo, procura-se compreender a língua não só como estrutura, mas como
a inserção, o cruzamento, o encontro da língua na história, ou seja, em um fato, em um
acontecimento que produz o discurso compreendido como efeito de sentidos entre locutores.
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ideologia. Para Orlandi (2015, p. 46), “a ideologia interpela o indivíduo em sujeito e este
submete-se à língua significando e significando-se pelo simbólico na história”.
Retomando o pensamento de Orlandi (2015) que nos afirma que “fatos vividos
reclamam sentidos”, consideramos importante deitar um olhar sobreo acontecimento
discursivo da edição do Jornal ‘O Sinopeano’ (nº 13/80), que institui uma geração de sentidos
considerados necessários pela empresa responsável pelo projeto de colonização da regiãoe já
identificados no título como “Modelo SINOP de Colonização na Amazônia”. A formulação
“modelo Sinop” instaura e garante todo o envolvimento para que o empreendimento se alinhe
como “modelo” e que a cidade de Sinop seja considerada como polo regional entre quatro
outros municípios que a circundam.
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que moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos
acontecimentos, pelas instituições e rotinas”.
Os autores Orlandi (2015; 2007) e Pêcheux (1993; 1999) nos permitiram compreender
a discursividade posta na prática jornalística, como informações que marcam uma memória
na população regional, construindo sentidos organizadores de uma unidade de sentidos.
O número 13/80 do jornal, ainda está subdividido em dez subtítulos que resumem,
para a época, os interesses, o envolvimento e as metas empresariais em destaque, elencadas
na ordem:
1 - SÍNTESE DE 4 PONTOS;
2 - OS PASSOS INICIAIS;
3 - A FASE DE INDUSTRIALIZAÇÃO;
4 - FIXAÇÃO DO HOMEM;
5 - O DESENVOLVIMENTO;
6 - A SINOP “É PARADIGMA PARA PROJETOS DE COLONIZAÇÃO
NA AMAZÔNIA E, TAMBÉM, PARA OUTRAS REGIÕES DO PAÍS;
7 - MISSÃO TÉCNICA DO PARAGUAI VISITA SINOP RESULTADO
DA VISITA DE ÊNIO A ASSUNÇÃO;
8 - OS TRABALHOS;
9 - MISSÃO TÉCNICA DO PARAGUAI VISITA SINOP RESULTADO
DA VISITA DE ÊNIO A ASSUNÇÃO;
10 - MISSÃO TÉCNICA DO PARAGUAI VISITA SINOP RESULTADO
DA VISITA DE ÊNIO A ASSUNÇÃO; PARA FALAR SOBRE ETANOL
DE MANDIOCA - (SINOP NO ENCONTRO FIGUEIREDO E VIDELA;
PERÚ INTERESSADO NO PROJETO SINOP; SENADOR DO PARANÁ
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do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, José Augusto Amaral de Souza, em sua
visita a Sinop, que se manifestou impressionado pela “magnífica estruturação alcançada”. A
parceriado Grupo SINOP com o Rio Grande do Sul continuou em outras ocasiões, como
notificado “SINOP NO ENCONTRO FIGUEIREDO E VIDELA” em que o governador, o
presidente brasileiro João Figueiredo e o presidente argentino Jorge Videla.
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Assim, os dizeres que circulam na única mídia impressa nos primeiros oito anos de
colonização da região norte mato-grossense, se encaixam em (b) como acontecimentos que
são absorvidos em uma memória como se não tivessem acontecido.
Para Orlandi (2002, p.81), “o desejo de completude é que permite, ao mesmo tempo,
o sentimento de identidade, assim como paralelamente, o efeito de literalidade (unidade) no
domínio do sentido: o sujeito se lança no seu sentido, o que lhe dá o sentimento de que esse
sentido é uno”.
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O lugar discursivo para o sinopeano foi constituído pela prática discursiva do jornal
‘O Sinopeano’, determinado pelo seu lugar social (histórico) e pela língua (intradiscurso). A
inscrição do sujeito no discurso do sinopeano perpetuou na mídia oficial, mas sempre em
condição de deslize discursivo: ora sinopeano ora sinopense. Os próprios cidadãos e a
comunidade em geral, em suas manifestações cotidianas, designavam-se como sinopenses,
até o momento em que o lugar discursivo para sinopense impôs sua inscrição em um novo
discurso, determinado por uma nova prática discursiva.
Em um gesto de autoria, que faz com que o sujeito se assuma como posição-autor, a
criança “sou a 1ª sinopense”, mexeu (deslize) neste espaço intervalar de significação entre o
autor e o leitor, neste pode vir a ser em que o sentido se constrói. Ao discorrer sobre os
modos de significação, Orlandi (2007, p. 12):
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A partir de 1974, ano oficial de fundação da cidade, Sinop passou a ser Distrito do
Município de Chapada dos Guimarães em 29 de junho de 1976 (Lei Estadual n° 3.754/76) até
a criação como Município em 17 de dezembro de 1979 (Lei Estadual 4.156/79).
Com novos momentos históricos vivenciados em Sinop, “há no texto uma tensão que
aponta para o rompimento. [...] Há um conflito entre o que é garantido e o que tem de se
garantir. A polissemia é essa força na linguagem que desloca o mesmo, o garantido, o
sedimentado” (ORLANDI, 2001b, p. 27). O sentido para o nascido em Sinop só
aparentemente estavam controlado: sinopeano ou sinopense?
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Para terminar esses recortes em que a designação para o nascido em Sinop deslizou
entre sinopeano e sinopense, no Natal de 1984, seu Enio Pipino escreveu uma mensagem
publicada no jornal ‘O Sinopeano’ com o seguinte título: MENSAGEM DE NATAL DE
ENIO PIPINO COM VOTOS PARA UM BOM ANO DE 85. Em face à dispersão dos
sentidos no discurso jornalístico promovido pela Colonizadora SINOP, entre a identificação e
a desidentificação, o próprio Colonizador se apropriou da designação sinopense como
gentílico. No discurso os sentidos das palavras não são fixos, mas produzidos em um grande
nó formado pelo sujeito, língua e história. Nesta mensagem, o Colonizador se destinou aos
sinopenses (SANTOS, 2007, p. 152).
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Conclusão
Ao pensarmos a noção teórica de Discurso proposta por Orlandi (1999, p. 15), que
nos apresenta a ideia de curso, de percurso, de movimento, definindo-o como “palavra em
movimento”, compreendemos a linguagem como mediação necessária entre o homem e a
realidade natural e social no trabalho dos efeitos simbólicos de sentidos, o que nos possibilita
compreender que a alteração do gentílico que nomeia o morador do município de Sinop de
sinopeano para sinopense, como vigora na contemporaneidade, é fruto deste movimento de
sentidos que se recobrem constituindo e alterando sentidos em um processo de identificação
do sujeito morador de uma região distante de sua terra natal, com desencontros geográficos,
climáticos, culturais que mexem com suas raízes e os assentam em um processo de
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REFERÊNCIAS
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OLIVEIRA, Tânia Pitombo de; STRAUB, Sandra Luzia Wrobel; TOMÉ, Cristinne Leus;
SODRÉ, Kênya Karoline Ribeiro. Discurso e identidade: o papel do jornal O Sinopeano na
construção de um imaginário do município de Sinop e da posição sujeito sinopense. Anais
eletrônicos... V Seminário de Informática na Educação, Sinop: UNEMAT, 2013. Disponível
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em: <http://sinop.unemat.br/v-semi-info-edu/wp-content/uploads/2013/07/
discurso_e_identidade_o_papel_do_jornal_o_sinopeano_na_construcao_de_um_imaginario_
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PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso (AAD-69). In: GADET, F.; HAK, Tony
(Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel
Pêcheux. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1993.
________. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre; et al. Papel da memória. Campinas:
Pontes, 1999.
SANTOS, Luiz Erardi F. Raízes da História de Sinop. Arte Design: Sinop, 2007.
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