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O AÇUCAR NOS PRIMORDIOS DO BRASIL


COLONIAL
Basilio de Magalhães
XIII

VINDA DA CANA - DE - AÇúCAR E DO operador da opulência econômica de sua pá-


GADO PARA O BRASIL - "HISTóRIA tria. Tanto assim que, descoberta em 1419
ECONÔMICA DE PORTUGAL" por seus nautas João Gonçalves Zarco e Tris-
tão Vaz a bela ilha matagosa, batizada, por
Em nota aos seus "Cantos sôbre as cou- isso, com o nome de Madeira, cogitou imedia-
sas rústicas do Brasil", que êle deu a lume tamente de aproveitar-lhe a patente uber-
acrescentados do "Canto sôbre a íabricacão dade. Inteirado dos produtos agrícolas que
do açúcar" do seu colega de roupeta, o báia- enriqueciam e celebrizavam naquela época
no Prudêncio do Amaral, informou o seguin- as ilhas do Mediterrâneo, não só introduziu
t1-· (págs. 199/200 das "Geórgicas brasileiras". na da Madeira uma das melhores qualidades
ed. da Academia de Letras, 1941): o jesuíta de vinha então conhecidas, importada de
português (falecido na cidade do Salvador, Chipre, como também tratou de imediata-
ao que se presume em 1817) José Rodrigues mente transplantar para a primeira ubertosa
de Melo, referindo-se à saccharum officina- conquista náutica de Portugal a saccharum
rum: - "Tais canas foram trazidas da Asia officinarum, ao tempo uma das maiores diví-
para a Sicília, desta para a ilha da Madeira, cias da Sicília, cogitando ainda de contratar
e, finalmente, para o Brasil, onde se desen- tecnicos para a nova indústr ia, que iria cons-
volvem ótimamente e são particularmente tituir uma considerável fonte de renda da
cultivadas". terra de Afonso H enriques. O historiador
Teria andado com mais acêrto o inaciano João de Barros, na primeira das suas "Déca-
poeta, se houvesse afirmado que a cana-de- das", assim consigna o caso : - "E também
açúcar, trazida do Extremo-Oriente, pelos para a ilha da Madeira mandou vir da Sicí-
árabes, para a Síria, desta se passou para as lia canas de açúcar, que se nela plantaram, e
i!has de Creta, Chipre e Rodes, assim como mestres dêste lavor". ·
para as fértei s regiões do Dolta, donde pro- Se vários são os pontos da África ociden-
vàvelmente saiu para aclimar-se na Sicília e tal portuguêsa, aos quais se atribui a aclima-
até na Calábria, como se pode ver pela eru- ção da saccha~um officinarum transplantada
dita e exaustiva notícia, contida na primeira para a capitania de São-Vicente, dois deles
parte do capítulo intitulado "O consumo do são rigorosaf!lente determinados por Gabriel
açúcar nos séculos XIV e XV e suas fontes Soares .de Sousa, em seu "Tratado descritivo
de abastecimento", págs. 381/397 do vol. I do Brasil em 1587", como procedência da gra-
da "História do açúcar", de von Lippmann. mínea de que resultaram os canaviais da ca-
D. Henrique-o-Navegador não foi ape- pitania dos Ilhéus, donde se estenderam até
nas o imortal pioneiro da gloriosa epopéia lu- à Bahia.
sitana dos descobrimentos marítimos: tornou- Eis o que a propósito disso tão curiosa-
se também um cla rividente e benemérito co- mente informa êle, no capítulo XXXIV do

meu artigo. que peço re ler e verificar seu exa- meu, discurso de posse no I nstituto Histórico de
to sentido. Rogo-lhe, por isso, confiante no cri- Alagoas. que espero possa merecer a sua valiosa
tério intelectual de seus trabalhos que muito apre- atenção.
cio e aplaudo, queira, em artigo próximo, fazer Na expectativa de um próximo conhecimento
as retificações cabíveis, uma vez que, na verdade, pessoal, o que muito me alegrará, r eitero-lhe as
não fiz nem poderia fazer, afirmativa tão errada expressões do meu aprêço e encar eço suas descul-
e tão absurda como a que me foi atribuída . pas pelo precioso tempo que roubei às s uas ativi-
dades.
Aproveitando a oportunidade tenho o prazer
de rem e ter-lhe um exemplar de pequeno trabalho Cordialmente - Ma nuel Diégucs Júnior" .

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seu precioso relatório do progresso económi- dentro em pouco tempo, a da ilha da Madei-
cu do Brasil no derradeiro quartel do século ra, - reina ainda não menor incerteza que a
XVI: - "E comecemos nas canas de açúcar, dos pontos de procedência acima recenseados
cuja planta levaram à capitania dos Ilhéus sumàriamente.
dus ilhas da Madeira e de Cabo-Verde, as Carlos França, em seu erudito estudo só-
quais recebeu esta terra em si, que as dá bre "Os portuguêses do século XVI e a his-
maiores e melhores que nas ilhas e partes tória natural do Brasil", inserto na "Revista
donde vieram a ela, e que em nenhuma par- de História" de Fidelino de Figueiredo (Lis-
te, que se saiba, se criam canas de açúcar, boa, fases. 57 a 59), referindo-se à cana-de-
porque na ilha da Madeira, Cabo-Verde, São- açúcar, chega a afirmar o seguinte : - "Para
Tomé, Trudente, _C anárias, Valência e na ín- o Brasil deve ela ter sido levada com as pri-
dia não se dão as canas, se se não regam os meiras expedições". Se isso houvesse acon-
canaviais, como as hortas, e se lhes não es- tecido, não só se poderia admitir como exata
tercam as terras, e na Bahia plantam-se pelos a informação de Antônio de Herrera (citada
altos e pelos baixos, sem se estercar a terra, pelo sobredito cientista luso), de que "em
ne m se regar; e como as canas são de seis 1518, já os portuguêses tinham muitos enge-
meses, logo acamam, e é forçoso cortá-las, nhos no Brasil", como até a narração de Pi-
para plantar em outra parte, porque se dão gafetta, que de 1519 a 1520 (fins de dezem-
tão compridas, como lanças; e na terra baixa bro a começos de janeiro) , esteve alguns dias
não se faz açúcar da primeira novidade que na baía de Guanabara, como companheiro de
preste para nada, porque acamam as canas e Fernão de Magalhães, de que a armada do
estão tão viçosas, que não coalha o sumo de- primeiro circunavegador do orbe terráqueo
l as, se as não misturam com canas velhas, e , se abastecera de "canas doces" no Rio-de-
como são de quinze meses, logo ficam novi- J aneiro.
dade as canas de prantas; e as de soca, como Se verdadeira tal notícia, a saccharum
são de ano, logo se cortam. Na ilha da Ma- officinarum já havia dado entrada em nos-
deira e nas mais partes aonde se faz açúcar, sas plagas, senão trazida pela única expedi-
cortam as canas de pranta de dous anos por ção oficial de 1501/1502 ou pelas dos arrema-
diante e a soca de três anos, e ainda assim tantes do "trato do Brasil", ao menos entre
são canas mui curtas, onde a terra nã0 dá 1516 e 1518, por alguém encarregado de tal
mais de duas .novidades. E na Bahia há mui- missão econômica, o que também já tem sido
tos canaviais que há trinta anos que dão ca- objeto de investigações histôricas não despi-
nas; e ordinàriamente as terras baixas nunca ciendas.
cansam, e as altas dão quatro ou cinco novi- Há quem afirme tenha sido Pero Cápico,
d~des e mais". predecessor de Cristóvão Jacques na çiefesa
Do exposto se conclui que, tendo sido a do Brasil contra os entrelopos, quem intro-
ilha da Madeira o empório do açúcar, ao tem- àuziu em Pernambuco ou em Itamaracá a
po em que se descobriu o Brasil, dela e dos . saccharum officinarum, antes de 1526, atri-
arquipélagos dos Açores e de Cabo-Verde, buindo-se-lhe, porisso, a fabricação do pri-
pontos de habitual escalagem dos navios que, meiro açúcar que se exportou do nosso país
saídos dos portos lusos, demandavam as nos- para Portugal. A isso é que se reporta o se-
sas plagas, foi que provàvelmente veiu para guinte perfodo que se lê à pág. 31 do vol. II
a Terra de Santa-Cruz a saccharum officina- da "História do açúcar" de von Lippmann :
rum. Nada impede admitir-se que também - "Em Pernambuco, como se afirma, um al-
da ilha de São-Tomé, donde recebemos uma mirante português levantou um engenho,
das melhores variedades de musáceas, tenha presumivelmente antes de 1520, e o açúcar
ainda vindo a cana para o Brasil. brasileiro, de que dão notícia os registros da
Em favor das três procedências acima alfândega lisboeta, em 1520 e 1526, pode ter
citadas milita a maioria dos tratadistas anti- vindo dai; contudo, há que investigar ainda
gos e modernos, que se preocuparam com se- sôbre essa questão".
melhante assunto. Achando-se a colônia luso-americana
Quanto à data em que entrou a saccha- numa vasta região intertrópica, favorável,
rum officinarum na colônia luso-americana, portanto, à cultura da cana-de-açúcar, nada
para dar origem aqui à opulenta indústria n 1 ais natural cogitasse desde logo o govêrno
cnnavieira, - a qual haveria de desbancar, português de instalar aqui a lucrativa indús-

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tria canavieira. T anto isso é certo, que João - "O açúcar de cana era pouco usado no sé-
Lúcio de Azevedo, em seu excelente volume culo XV. Na maior parte dos países da Eu-
"Épocas de Portugal econômico - Esboços ropa empregava-se então o mel em vez do
de história", refere à pág. 247 : - "Em 1516, açúcar. Foi por êste motivo que a cultura da
foi_ ~ncumbida a Casa-da-Índia de procurar cana sacarina se generalizou na Madeira,
!.iUJe1to esperto no fabrico do açúcar, que qui- q uando as outras colônias portuguêsas lhe
sesse ir montar um engenho no Brasil" . não podiam ainda fazer concorrência. O in-
Cotejando-se essa asserção de J oão Lúcio fante D. Henrique deu ao seu escudeiro Dio-
de Azevedo com as informa<.:ões dadas a res- go Teyve, em 1452, o privilégio de construir
peito de Pero Cápico por Vá'rnhagen, em sua um engenho de água para a extração do açú-
"História geral do Brasil" (pág. 124 do vol. car de todos os canaviais da ilha. Era o mo-
1 da 3.ª ed . integral) , nada impede acreditar- nopólio do fabrico, mas representava ainda
se tenha sido o sobredito capitão-mor, cujo esta concessão uma forma de fiscalizar o re-
r egresso a Portugal foi objeto do alvará de 5 cebimento da terça parte do açúcar produzi-
de julho de 1526, firmado por D. João III, o do, que pertencia ao infante. A produção do
homem achado pela Casa-da-Índia para dar açúcar foi aumentando e quando êste produ-
início aqui ao fabrico do açúcar, e, portanto, to se fabricava já nas outras ilhas, embora o
quem, como capitão-mor de uma das capita- seu consumo se fôsse vulgarizando, o preço
nias temporárias criadas naquela época, in- baixou de tal maneira, que D . Manuel se viu
trod uziu a f.accharum oUicinarum em Per- obrigado a limitar a produção, em 21 de agos-
nambuco ou Itamaracá. tc de 1498" .
Havemos de voltar, em outro artigo, ao Desde a pág. 209 até a pág. 212 do cita-
e xame mais aprofundado dêste caso, que é do vol. I, o sobrcdito tratadista conta resu-
sobremaneira interessante . midamente o como se estendeu a cultura da
Aprove itemos, porém, o ensejo, para o saccharum officinarum às outras ilh3s e ar-
exame do que se nos deparou, com relação à quipélagos da costa ocidental da Africa .
economia inicial do Brasil, num tratadista Narra êle : - "Nas ilhas dos Açores desen-
lusitano. volveu-se também ràpidamente a produção
P ensávamos que o admirável heurista do açúcar, do trigo, do vinho, da batata-doce,
João Lúcio de Azevedo houvesse deixado do linho, das frutas e dos gados". Logo adi-
dignos continuadores em Portugal. Até ante: - "As ilhas de Cabo-Verde produziam
agora, entretanto, não vimos quem empunhas- grande abundância de açúcar, milho, feijão,
se, com a mesma capacidade de pesquisador algodão, frutas, âmbar, urzela, gados, peles,
e mesma probidade de expositor, o cetro que sal e esponjas". E, por fim, se refere às ilhas
a morte lhe arrebatou das mãos, ao carregá-lo oe São Tomé e do Príncipe, na primeira das
pura o Eterno-Além. quais "a produção do açúcar tomou desde o
Para haurir novas luzes sôbre o longo . início um grande incremento. Em 1522 era
período em que a nossa terra esteve subor- de 5. 852 arrobas e pelo meado do século XVI
dinada à sua metrópole ibérica, tivemos que elevava-se a mais de 150. 000 arrobas".
adquirir e ler a ainda recente "História eco- As págs. 218/219, quando entra na parte
nômica de P ortuga_l", em dois volumes, da la- atinente ao Brasil, nada, positivamente nada
vra do Sr. Francisco Antônio Correia, per- nos adianta o que diz êle sôbre a cana saca-
sonalidade de notória eminência, pois per- rina . E, um pouco mqis além, à pág . 225. é
tence a dois altos cenáculos culturais de 3ua simplesmente inverídica a informação que
pátria (Academia de Ciências de Lisboa e nos proporciona quanto ao comêço da nossa
Instituto de Coimbra) , é professor de um Ins- pecuária, porquanto afirm~ o seguinte: -
tituto Superior de Comércio da capital lusi- "Os gados foram levados de Cabo-Verde para
tana e ainda chefe de serviço das alfândegas a Bahia e daí passaram para Pernambuco.
ulisiponenses . Aclimataram-se admiràvelmente nestas duas
Pouco, entretanto, nos adiantou o ma- capitanias e depois espalharam-se por outras
nuseio de sua grande obra. regiões, mas foi sobretudo no sul que a r.ua
Depois de ligeira referência (pág. 101 do criação mais se desenvolveu" .
vol . I) à "cana-de-açúcar, trazida da Sicília", No entanto, é nessa fonte precária (e pre-
assim relata como foi que se desenvolveu a cária até pelo muito que deixa a desejar a
saccharum officinarum na ilha da Madeira : sua linguagem, nem sempre obediente aos

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cânones gramaticais) que se têm certamente Cabo-Verde do mesmo gado", a fim de voltar
dessedentado alguns dos nossos compendió- de novo à Bahia com aquilo que êle pitores-
grafos. camente denominava "a maior nobreza e far-
tura que pode haver nestas partes", isto é, a
A um parente e amigo dos irmãos Sou- criação de rebanhos bovinos. Se não exis-
sas, Tomé de Sousa, foi que confiou D. J oão tisse na Bahia a saccharum officinarum, está
III a missão de erguer, ao mesmo tempo, a claro que o excelente administrador do Brasil
primeira capital do Brasil, administrativa- cie 1549 a 1553 tê-la-ia mandado trazer, con-
mente unificado pelo ato régio de 17 de de- juntamente com o gado vacum, do arqui-pé-
zembro de 1548, e iniciar ou desenvolver ::l lago de Cabo-Verde, onde ela medrava pro-
nossa atividade agro-pecuária. veitosamente.
E' de crer que, quando Tomé de Sousa Não foi .êle, entretanto, quem fez surgi r
tomou conta do Brasil , como representante de na Bahia o primeiro engenho real, tar.e fa in-
D. João III, já existia a cana-de-açúcar na cumbida por D. João III a D . Duarte da Cos-
capitania doada a Francisco Pereira Coutinho. t;::, que também não a levou a efeito, embora
P ara esclarecer tal conjectura, basta que se já se lhe deparasse a obra iniciada por J oão
leia a inter essante nota de Capistrano de de Velosa, que, por volta de 1555, havia aban-
Abreu, à pág. 304 do vol. I (3.ª ed. integra l) donado a sua sesmaria de Pirajá, constando
da "História geral do Brasil" do Visconde de que se encontrava então na ilha da Madeira .
Quem a rematou foi Mem de Sá, pouco de-
Porto-Seguro. Conta o douto mestre que o
pois de haver assumido o governo-geral do
primeiro donatário da Bahia doara em Pi- Brasil . Êle próprio o declarou, em seu
rajá uma sesmaria a J oão de Velosa, e que
''instrumento" (veja-se Varnagen, ob. cit.,
em tais terras "foi começada obra para um vol . I, pág . 378), pela forma seguinte : -
engenho, que depois se deixou danificar; e m "Fiz o engenho que Sua Alteza mandou fa-
1555, tinha apenas uma casa de tai pa desco- zer para os moradores, porque dão quinhen-
berta e roças de alguns mantimentos . A tas arrobas". Isso significa que a cultura da
vista disto, El-Rei mandou a D. Duarte da cana, feita por particulares que não dispu-
Costa que a tomasse, para nela fazer um en- nham de engenho, era tão avultada então,
genho por conta da fazenda" . Mas além
. engenho, que ficou inacabado, quando
desse ' que, moída, chegava a produzir meia tonela-
da de açúcar.
pertencente a João de Velosa, e, mais tarde, Como se pode ver pelo testamento de
ao tempo de Mem de Sá, foi concluído à cus- Mem de Sá (págs . 445/ 451 do vol. I da cit.
ta do erário régio, afim de servir aos planta- ob . de Varnhagen) , o terceiro governador-
dores de cana que não tinham onde moê-la, geral do Brasil foi p roprietário de dois enge-
é fora de dúvida que, antes de ter sido morto nhos em nossas plagas: um estava situado na
pelos índios tupinambás, assistiu Francisco .capitania dos Ilhéus, e era chamado a "Fa-
Pereira Coutinho, no período entre 1536 e zenda de Sant'Ana", com duas e meia léguas
1545, ao levantamento, por "homens pode ro- de terra, e onde trabalhavam mais escravos
sos", de dois outros "engenhos de açúcar, que indígenas do que negros vindos da Guiné; e
depois foram queimados pelo gentio" (infor- o outro, levantara-o êle em. Sergipe, também
mação constante à pág. 249 do vol . III da cem bastante terra para a plantaçclo da cana
"História da colonização portuguêsa do Bra- e com suficientes braços de escravos verme-
sil") . lhos e negros para o f~brico do acúcar . Não
Assim, tudo nos induz a acreditar , ao con- foi pequena, como êle próprio , confessa a
trário da asserção de D . Regina Pirajá da quantidade do precioso produto que mandou
Silva, que antes de 1549 já se cultivava na vender em Portugal e até em Flandres.
Bahia a saccharum officinarum. E tanto é O segundo dos referidos -engenhos dos
isso admissível, que Tomé de Sousa, em sua quais foi dono o. nosso terceiro govern~dor-
carta ao rei, datada de 18 de julho de 1551 geral, passou a pertencer a uma sua filha
(Varnhagen, ob. cit. vol. I, pág. 305), fa- D. Filipa, que casou com D. Fernando d~
lando do gado vacum que havia chegado de Noronha, Conde de Linhares. Capistrano de
Cabo~Verde à cidade do Salvador em 1550 Abreu, de quem é essa informacão (Varnha-
pela caravela "Galga", expõe a D. J oão III gen, ob. cit., vol. I, pág. 393) ,• acrescenta o
que a tinha mandado "tornar a carregar no seguinte: - "De seu marido tomou o nome

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ALGUNS REFORMADORES DA ECONOMIA


AÇUCAREIRA NO SECULO XIX
José Honório Rodrigues
Não seria estranho que outro nobre do Em 1866 inaugura o novo engenho de Ja-
Império figurasse ao lado do Marquês de caracanga, aparelhado com máquinas no va-
Abrantes como um dos que exerceram na lor de mil libras esterlinas. (2) Foi Cotegi-
prática e na teoria a função rural de melho- pe um empreendedor' cauteloso. :E.:le próprio
rar a produção açuc~rc:ra do Brasil. informa que a tendência da indústria açuca-
As classes dirigentes no Brasil foram reira na provínda, em 1864, era para o re-
quase sempre recrutadas entre os grandes pro- gresso. Desejava um meio têrmo entre a
prietários rurais, senhores de engenho e fa- perfeição e a velha rotina, estabelecendo o
zendeiros de café, mais tarde . que pudesse ser imitado. (3) .
J oão Mauricio Wanderley (1815/1889) , A Bahia foi um dos principais centros das
desde quando exerceu a presidência da Pro- pesquisas e inovações que tanto revoluciona-
víncia da Bahia (1852/1853), interessava-se ram a técnica da produção açucareira. Um
pelos melhoramentos da fabricação do açú- ano depois da inauguração do novo engenho
car. ( 1) Solicitava em cartas ao Barão de fazia o Barão de Cotegipe uma exposição ao
Penedo, ministro do Brasil em Washington, Imperial Instituto Fluminense de Agricultu-
livros e informações sôbre o açúcar. Dese- ra. A "Descrição do aparêlho de fabricar
java contratar em Havana operários especia- açúcar" registada nesta bibliografia, é a ex-
lizados na construção de fornalhas e um mes- posição lida naquele Instituto. Na Socieda-
tre de açúcar. de Auxiliadora da Indústria Nacional publi-
Dizia Wanderley: "Os nossos lavradores cou os "Melhoramentos" que aqui também
não podem e não querem empregar novas registramos .
máquinas e por isso procuro um meio mais .
fácil de melhorar o fabrico sem grandes dis- A experiência tentada pelo Barão de Co-
pêndios" . Recorrera aos ensinamentos de tegipe não surtira o efeito esperado. A Pro-
Abrantes, o m estre ac~ltado pelos que lhe co- víncia da Bahia não foi feliz nessas inova-
nheciam a competência. ções. As fábricas centrais, que foram insta-
Entre as recomendações do Marquês de ladas não corresponderam à expectativa, qua-
Abrantes ao Barão de Cotegipe, convém as- se sempre por falta de direção conveniente.
sinalar a de que não comprasse fiado, e a de O engenho central fundado por Cotegipe, re-
ir "lentamente (quero dizer, sem comprar presentando um capital valioso, era conside-
máquinas e aparelhos dispendiosos, empre- rado em 1893 como completamente perdi-
gando os meios já, mais ou m enos, conheci- do. (4).
dos, de poupar o excesso braçal); e tratando, O Barão de Cotegipe não se limitou, nas
mesmo à custa de mais avultado jornal, de suas atividades em prol da indústria açuca-
chamar alguns proletários livres ao trabalho
do interior d(?S engenhos e mesmo do campo". (2) Wanderley Pinho, ob. cit., p. 691.
(3) ibid., p. 692.
(1) Wanderley Pinho, Cotegipe e seu tempo. (4) Francisco Vicente Vianna e J osé Carla~
1815-1867. S. Paulo, Editora Nacional, 1937, Brasi- F erreira : Memoria sobre o Estado da Bahia Ba -
lima, vol, 85, p. 689. hia, Typ. e Encadernação do Diario da B ahia, 1893.

de Sergipe-do-Conde o engenho· de Mem de quando para ali mandou D. Ana Pimentel.


Sá, que depois veio a pertencer aos jesuí- mulher de Martim Afonso de Sousa, as pri-
tas". meiras reses, vindas do arquipélago de Cabo-
Quanto, porém, ao início da nossa pecuá- Verde para as plagas brasileiras.
ria, é fora de dúvida que êle ocorreu na ca- E' pena que ignore tal fato o autor da
pitania de São-Vicente, em 1534, que foi "História econômica de P ortugal" .

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