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Roberta Giannubilo Stumpf

Filhos das Minas, americanos e portugueses:


Identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792)

São Paulo
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
2001
Roberta Giannubilo Stumpf

Filhos das Minas, americanos e portugueses:

Identidades coletivas na Capitania das Minas Gerais (1763-1792)

Dissertação de mestrado apresentada ao


Departamento de História da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo.
Área de concentração: História Social
Orientador: Prof. Dr. István Jancsó

São Paulo
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
2001
AGRADECIMENTOS

A István Jancsó, mestre que aprendo a respeitar cada dia mais, pela paciente
orientação, pelas longas conversas que estimularam e engrandeceram a minha pesquisa.
À Andréa Slemian, Débora Regina Pupo, João Paulo Garrido Pimenta, Milton
Ohata, Thómas Wisiak, amigos que participaram durante tantos anos dos seminários de
pesquisa, os quais me ajudaram muito a avançar em minhas hipóteses.
À banca de qualificação, professoras Cecília Helena L. Salles de Oliveira e Márcia
Regina Berbel, pelas sugestões e críticas, e pelo entusiasmo demonstrado pelas minhas
idéias.
À professora Melânia Silva de Aguiar, por ter me recebido em sua casa, em Belo
Horizonte, e por ter me mostrado, quando ainda dava os primeiros passos, que eu estava no
caminho correto.
À professora Júnia Ferreira Furtado, pelas sugestões bibliográficas, por ter me
concedido tantos livros essenciais à minha pesquisa e, acima de tudo, pela sua
hospitalidade.
Aos funcionários do Arquivo Público Mineiro e do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro, em especial à Lúcia Maria Alba da Silva, pelo empenho em reproduzir os
documentos com qualidade primorosa.
À FAPESP que viabilizou a minha pesquisa.
Á Débora Regina Pupo e Márcia Maria Arcuri, amigas de todos os dias, que releram
meus escritos com paciência e dedicação, às quais sou extremamente grata.
Aos meus pais e irmãs que acreditaram e souberam respeitar o meu trabalho tão
distante de suas realidades.
E por fim meu especial agradecimento a Fábio Cidrin, meu companheiro, pela sua
compreensão e estímulo, que amenizaram as eventuais dificuldades.
SUMÁRIO

Abreviaturas p.5

Resumo p.6

Introdução p.7

Capítulo 1º- Ideais políticos em contexto de mudanças p.12

Capítulo 2º- Causas da decadência no discurso oficial p.50

Capítulo 3º- Causas da decadência para os filhos das Minas p.99

Capítulo 4º- Politização e crise das identidades:1788-9 p.146

Capítulo 5º- A identidade particularista: significados p.201

Referências bibliográficas p.245


ABREVIATURAS

ADIM -Autos de Devassa da Inconfidência Mineira


AHU -Arquivo Histórico Ultramarino
AMI -Anuário do Museu da Inconfidência
APM -Arquivo Público Mineiro
CI -Coleção Inconfidentes
CMOP -Câmara Municipal de Ouro Preto
RAPM -Revista do Arquivo Público Mineiro
REA -Revista Estudos Avançados
RIHGB -Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
RIHG/MG -Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais
SG -Secretaria de Governo
RESUMO

O presente estudo analisa as identidades coletivas nas Minas Gerais de 1763-1792 e


seu processo de politização. Por tratar-se de um período no qual o declínio do rendimento
do quinto somava-se à crise do Antigo Sistema Colonial, privilegiamos sobretudo a análise
das alternativas políticas aventadas para reverter este quadro, presentes tanto no discurso
oficial como nas representações das Câmaras das Minas Gerais. Reconstruindo o diálogo
mantido ao longo deste período entre as autoridades metropolitanas e homens principais da
terra que, revestidos de representatividade, participavam dos debates sobre os rumos
administrativos e políticos da Capitania, pretende-se mostrar o grau de consonância entre os
interesses régios e os das elites locais. Com base nisso, o estudo busca determinar o
impacto dos efeitos da política metropolitana sobre as identidades coletivas enquanto
representações de adesão destas elites a comunidades de várias abrangências: a da
Capitania, a da América portuguesa e, afinal, a da monarquia bragantina. Neste sentido,
respeitando as etapas distintas que constituem este processo, cujo desfecho será o ensaio de
sedição de 1788-9, pretende-se contribuir para a análise da fragmentação dos antigos
referenciais políticos e o surgimento de novas alternativas, agora contrárias ao projeto
reformista do Estado absolutista luso.

ABSTRACT

This study intends to analyze the collective identities of Minas Gerais, from 1763 to
1792, and its process of politicization. Focusing on the period characterized by the decrease
of the quinto taxation and the crisis of the Colonialism ( “a crise do Antigo Sistema
Colonial”), we have mainly emphasized in analyzing the political alternatives destined to
reverse that situation, featured not only the official discourse, but also in the representações
of the councils of Minas Gerais. Looking at the debate established between the Portuguese
authorities and the local elite who participated in the political and administrative decisions,
we aim to demonstrate the level of congruity between interests of the Crown and of the
elite, in that particular period. The main objective of this study is to determine the impact of
the dominant policy of the Metropolis on the collective identities. This expresses the
adherence of this elite to communities of distinct configuration: Minas Gerais, the
Portuguese America and, in the end, the Monarchy of Bragança. Thus, considering the
several phases of the process that resulted in the conspiration of 1788-9, we shall contribute
to the analysis of the fragmentation of old political references, and the rising of the new
alternatives already opposes to the current policy of the Monarchic State.
INTRODUÇÃO

Quando iniciamos esta pesquisa pretendíamos dar continuidade às conclusões a


que chegamos em trabalho anterior1, no qual pudemos constatar que os envolvidos na
conspiração de 1788-9 na Capitania das Minas Gerais reconheciam-se e eram reconhecidos,
predominantemente, como filhos de Minas, bem mais do que explicitamente portugueses,
ainda que da América. Assim, a proposta inicial deste trabalho era estudar a trajetória da
identidade particularista no período de 1763-1792, correspondente ao declínio da produção
aurífera, como também à crise do Antigo Sistema Colonial2 naquela unidade do Império
português.
No entanto, nosso primeiro contato com a documentação veio mostrar a
fragilidade de nosso objetivo. Os documentos pesquisados, quando reveladores dos
sentimentos políticos dos habitantes de Minas Gerais, mostraram que ser natural das Minas
era exclusivamente uma forma específica de ser português, ao menos até 1788. É no ensaio
de sedição3, que a identidade particularista adquire um sentido diverso daquele que
anteriormente tinha vigência, com o que a identidade portuguesa nas Minas perde o caráter
universalizante que antes era seu peculiar atributo.
Isso posto, entramos em colisão com toda uma vertente historiográfica que, na
busca anacrônica do brasileiro já configurado na Capitania, descurou do fato de,
prevalecendo entre todas as expressões denotando identidade coletiva, a particularista, nas
suas diversas formas, sempre radicada na especifidade da formação social das Minas Gerais
( e na sua História), não vinha revestida de conteúdo político conflitante com a identidade
coletiva portuguesa.4 Os habitantes da Capitania, desde que brancos e livres, sentiam-se

1
Trata-se de um trabalho realizado em nível de iniciação científica cujo objetivo foi estudar as identidades
políticas presentes nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Autos de Devassa da Inconfidência
Mineira. Brasília/ Belo Horizonte, Câmara dos deputados/ Governo do Estado de Minas Gerais, 1976, 10
Volumes.
2
Nos termos propostos por NOVAIS, Fernando- Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial
(1777-1808). 6°edição, São Paulo, Editora Hucitec, 1995.
3
Sobre o termo ver JANCSÓ, István- Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798.
São Paulo/Bahia, Editora Hucitec/EDUFBA, 1996. Segundo Maxwell, o termo "Inconfidência mineira não é
apropriado, já que das idéias não se passou à ação. O termo, cunhado pelos donos do poder, dá maior relevo à
repressão bem sucedida do que à conspiração fracassada. MAXWELL, Kenneth- "Conjuração mineira: novos
aspectos". In: REA. Volume 3, número 6, São Paulo, maio/agosto 1989, p.4.
4
Ver, por exemplo, as seguintes obras: CALMON, Pedro- História do Brasil. Rio de Janeiro, Editora José
Olympio, 1959, Volume IV. SILVA, Norberto- História da Conjuração Mineira. Rio de Janeiro, Imprensa
diferentes de todos os súditos portugueses, inclusive dos que viviam nas outras partes da
América, o que não conflitava, em nada, com sua total adesão ao Estado português. Às suas
especifidades é preciso rastrear na condição de vassalos, e não somente enquanto colonos,
já que a identidade mais genérica que portavam não era definida em função da naturalidade
(das Minas, americana) e sim do sistema político que definia seu estar no mundo, e que era
o da monarquia portuguesa. Frente a tais constatações, admitimos que, para atingirmos
nosso objetivo inicial, teríamos que percorrer uma direção contrária, e investigar a
fragmentação dos antigos referenciais políticos para então entender a eclosão de
alternativas que apontam para o novo.
Quanto à periodização, partiu-se de 1763, quando pela primeira vez não foram
pagas integralmente as 100 arrobas de ouro, com a crise aurífera tornando-se visível tanto
para as autoridades quanto para os habitantes da Capitania das Minas Gerais. Desde então o
quadro de alternativas para enfrentar a decadência abriu-se em leque, muitas delas
extrapolando o âmbito da mineração, pois as esferas econômica e política imbricavam-se
mutuamente. Se até 1788, os habitantes atribuíam ao Estado a tarefa de remediar a perda da
vitalidade econômica da região, a ineficácia das diretrizes metropolitanas deu um tom
diverso às reflexões dos súditos da Coroa sobre a situação das Minas e o futuro que lhes era
reservado. A tudo isto vinha somar-se a lenta erosão das estruturas do Antigo Regime, o
que levou-nos a pensar que em 1763 não teve iniciou apenas a crise aurífera, mas também
um período de remanejamento de antigos referenciais políticos, processo que elegemos
como eixo de nossas investigações. Em 1792, por fim, encerrou-se a repressão ao
movimento sedicioso de 1788-9, com a execução de Tiradentes no Rio de Janeiro, e o
degredo dos demais envolvidos.
A natureza da documentação, por sua vez, limitou nossa análise aos sentimentos
de pertencimento político da elite local porque estes foram os únicos que deixaram para a

Nacional, 1948, 2 tomos; LIMA JR, Augusto- Notícias históricas (de norte a sul). Rio de Janeiro, Livros de
Portugal, 1953; Idem- A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte/São Paulo, Editora Itatiaia/Editora da
Universidade de São Paulo, 1978. LATIF, Miran de Barros- As Minas Gerais. Belo Horizonte, Editora
Itatiaia, 1991. CARVALHO, Daniel de- "Formação Histórica das Minas Gerais" In: I Seminário de Estudos
Mineiros. Conferências pronunciadas no I Seminário de estudos mineiros, realizado de 3 a 12 de abril de
1956, Belo Horizonte, Imprensa da Universidade de Minas Gerais, 1956, pp. 7-30;. ÁVILA, Afonso-
"Inconfidência: projeto de nação possível". In: Análise & Conjuntura. Volume 4, nº2 e 3, maio/dez de 1989,
Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, pp.61-80. MONTES, Maria Lúcia- "1789: A idéia republicana e o
imaginário das Luzes". In: Seminário Tiradentes, hoje: Imaginário e política na República brasileira.
Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro/ Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, pp.25-76.
IGLÉSIAS, Francisco- Trajetória política do Brasil (1500-1964). São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
posteridade registros que permitam entender o caráter harmônico de sua adesão à
comunidade política- nação pelos padrões do Antigo Regime- portuguesa. Inseridos nas
redes de poder, ou conhecedores dos debates político-ideológicos europeus, estes homens
contavam com espaço político e arsenal teórico para a exposição de suas insatisfações.
Embora os autores das representações das Câmaras, documentos que privilegiamos em
nosso estudo, não fossem os mesmos que se envolveram na frustrada conspiração do final
da década de 1780, todos eles pertenciam a um grupo seleto que nas Minas conseguiu
ocupar posição de destaque graças ao apoio do Estado português. Neste sentido,
partilhavam de interesses comuns e tinham as mesmas expectativas em relação às diretrizes
metropolitanas, como se revela no diálogo que mantiveram com as autoridades
metropolitanas.
A estrutura desta dissertação foi elaborada de forma a dar visibilidade aos
caminhos percorridos pela análise dos sentimentos políticos da elite local. Estamos certos
de que o sentimento de pertencimento à comunidade política portuguesa tinha estrita
relação com a satisfação destes súditos quanto à atuação do Estado português nas Minas,
cujas autoridades eram subordinadas às diretrizes formuladas no Reino. Assim, no primeiro
capítulo detivemo-nos sobre a análise das bases teóricas que orientavam as ações do Estado
português, fosse no Reino ou nas colônias. Para tanto, recorremos ao universo político-
ideológico europeu do Setecentos5, em especial à filosofia da Ilustração, que deu à época o
tom dos debates, e às modificações por ela introduzidas nos conceitos políticos. Demos
especial ênfase a esta corrente de pensamento tanto porque a atuação das autoridades
metropolitanas se caracterizou, na segunda metade do Setecentos, pelas diretrizes
ilustradas, quanto porque as críticas à atuação delas vinham dessas mesmas bases teóricas.
A seguir, empenhamo-nos na análise das práticas políticas em curso na Capitania,
durante o período, tema do segundo capítulo. Através da análise da correspondência oficial,
buscamos entender a percepção que as autoridades tinham da irrecusável decadência,
percepção que orientou suas ações políticas e determinou, na maior parte das vezes, sua
visão da região e de seus habitantes.

5
Utilizamos a definição do termo "político-ideológico" sugerida por Falcon: trata-se de "processos mentais e
políticos, as novas visões de mundo, as culturas em conflito, as distintas formas de pensamento". FALCON,
Francisco José Calazans- A época pombalina (política econômica e monarquia ilustrada). São Paulo,
Editora Ática, 1982, p.7 (Ensaios, 83).
No terceiro capítulo procuramos entender as posições dos habitantes frente às
diretrizes metropolitanas para, mediante o controle dos eixos da discussão envolvendo a
elite local e as autoridades, esboçarmos divergências e convergências entre os interesses
locais e os da Coroa. Neste capítulo, analisou-se com especial atenção as representações
dos oficiais das Câmaras, canal da exposição das queixas e sugestões dos habitantes
endereçadas à Coroa.
O segundo e o terceiro capítulo contemplam um período de 25 anos (1763-1788)
analisado como um todo, na medida em que as diretrizes metropolitanas formuladas para
reverter o quadro de decadência do ouro mantiveram-se praticamente as mesmas, razão
para que o teor das representações seguisse esta mesma constância. No entanto, ao longo
deste período, a inflexibilidade das autoridades em levar as propostas dos habitantes em
consideração foi paulatinamente se acentuando, principalmente após 1777, quando
Martinho de Melo e Castro sucedeu a Pombal no Ministério do Ultramar. Tornando-se clara
a intenção de Melo e Castro de alterar radicalmente a política anterior quanto à elite local, o
que implicava em afastar seus integrantes dos cargos anteriormente conquistados, nota-se
rápida mudança no quadro anterior, mediante acentuado aumento das expressões de
profundo desagrado. Assim, embora o período seja caracterizado pela permanência no
tocante à condução das políticas metropolitanas, ele é repleto de nuanças que ganham
nitidez com a "inconfidência", assunto do capítulo seguinte.
No quarto capítulo, a análise centra-se nos Autos de Devassa da Inconfidência
Mineira, corpos documental único. Embora esta documentação há muito vem sendo
trabalhada, ainda não o foi na perspectiva da análise dos vocábulos políticos e da
freqüência com que estes foram utilizados6. Foi esse método que recorremos para
esclarecer a diversidade de alternativas que emergiram em contraposição à identidade
portuguesa, e para chegarmos, a partir dos registros dos Autos, à delimitação dos partícipes
da nova comunidade política projetada pelos conjurados para o que, então, ainda era a
Capitania das Minas Gerais.
Por fim, no último capítulo, buscamos entender os critérios ordenadores da
identidade particularista, rastreando sua trajetória ao longo do período de 1763-1792, na

6
Trata-se dos termos que nos permitam analisar os sentimentos políticos expressos nos Autos e a
territorialidade pensada para se configurar o Estado projetado, assim como daquele que era negado
pertencimento.
busca dos motivos pelos quais esta identidade tenha emergido como a mais freqüentemente
citada no contexto sedicioso. É neste quinto capítulo de nossa dissertação, que retomamos
ao que tinha sido o objetivo original deste trabalho.
Finalmente, dadas as características do último capítulo, consideramos
desnecessárias as tradicionais "conclusões", pelo que se abriu mão delas.
*
Os documentos manuscritos que utilizamos pertencem quase que
exclusivamente ao Arquivo Histórico Ultramarino, acervo que apenas muito
recentemente pode ser consultado também no Brasil. Os referentes à Capitania de Minas
Gerais estão disponíveis no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, ou no Instituo
Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, sendo que este último coloca a
documentação à disposição em disquetes, o que auxilia em muito a pesquisa.

Ao transcrevermos esta documentação, assim como as demais pertencentes aos


fundos- Secretaria de Governo, Câmara Municipal de Ouro Preto- do Arquivo Público
Mineiro -, optamos pela atualização da ortografia, recorrendo ainda a eventuais
modificações na pontuação, sem contudo alterar o sentido das frases. Preservamos o tempo
verbal das citações transcritas para assim evitarmos alterá-las demasiadamente, embora
nem sempre sua forma se harmonize com aquela por nós utilizada. Cremos que assim
facilitamos a leitura desta documentação até agora praticamente inédita.

Capítulo 1º
Ideais políticos em contexto de mudanças

As idéias iluministas foram responsáveis por introduzir no universo político-


ideológico europeu uma nova visão de mundo, que marcou todo o Setecentos, embora os
primórdios desta corrente de pensamento datem de 1680-1715, quando se viveu "a crise da
consciência européia"7. No entanto, foi mesmo no século XVIII que elas conquistaram
maior espaço porque os homens perceberam que os caminhos que elas apontavam eram os
que deviam ser trilhados, em detrimento daqueles que até então haviam seguido.
Dado o caráter crítico da Ilustração, o qual nenhum iluminista deixou em maior ou
menor grau de apresentar, todos os aspectos da realidade foram objetos de questionamento.
Nada escapou ao crivo dos filósofos, nem mesmo aquelas idéias que tradicionalmente
aceitas, pareciam estar imunes ao julgamento dos homens, tais como as concepções
políticas do Antigo Regime. É o caráter crítico da Ilustração que explica, antes de mais
nada, o seu impacto no universo político-ideológico europeu, mais do que o número de
homens que se sentiam, e eram assim denominados, iluministas. Eram estes uma minoria,
uma elite intelectual, já que também não eram muitos os que se preocupavam em buscar
alternativas à crise do Antigo Regime, embora esta fosse cada vez mais sentida por todos.
Desta forma, o que queremos compreender é como esta crise estrutural, na qual a
do Antigo Sistema Colonial foi parte constitutiva, pode ser sentida também no plano das
idéias. Uma vez que os antigos pressupostos ancorados na tradição não se revelavam mais
eficientes, e as novas idéias surgiam como possibilidades, o que se verificou foi uma
querela entre o antigo e o novo, ou então, como propôs Paul Hazard, entre a tradição e a
novidade. Desta forma, se a filosofia iluminista não correspondeu ao pensamento político
do Setecentos, foi esta querela que o sintetizou.
Cada nação deu a este debate contornos específicos, na medida em que nem
sempre os pressupostos iluministas foram incorporados da mesma forma, nem para se
pensar os mesmos níveis. No entanto, o que parece inegável é que mesmo nas nações
"tradicionais" eles estiveram presentes e de alguma forma contribuíram para se pensar a
realidade e para projetar mudanças. Nem mesmo Portugal, uma potência de segunda ordem

7
HAZARD, Paul- Crise da consciência européia (1680-1715). Lisboa, Edições Cosmos, 1948.
no cenário europeu, fato que todos os estadistas reconheciam8, ficou isenta de sua
influência.
É justamente porque a filosofia iluminista ganhou configurações específicas em
cada situação particular de tipo nacional e, mais do que isto, apresentou diferenças entre
homens e grupos de uma mesma nação, que a tentativa de buscar uma definição do
Iluminismo como um bloco homogêneo de idéias não é uma tarefa fácil, embora não seja
impossível9. Em todo caso, ainda que as diversidades sejam perceptíveis, podemos afirmar
que havia denominadores comuns, ou seja, alguns pressupostos iluministas foram
acolhidos por todos, nas mais diferentes nações. São estes denominadores invariáveis que
nos permitem utilizar o termo Ilustração ou Iluminismo no singular, assim como atribuir a
alguns de seus pressupostos um caráter universal. Puderam estes ser acolhidos nas diversas
comunidades políticas graças ao livre trânsito das idéias no contexto europeu, o que
possibilitava aos homens tomarem conhecimento do que era discutido além das fronteiras
de suas pátrias. Se é nisto que reside a universalidade destes princípios, não podemos
esquecer que o próprio objeto de conhecimento dos iluministas era a natureza humana, e
por este motivo puderam servir de referência para se pensar realidades diversas.
Os teóricos do Iluminismo nunca deixaram de lado a tentativa de definí-lo,
embora alertassem para a ineficácia de qualquer resultado a que se possa chegar. Da leitura
do livro de Hazard, por exemplo, podemos arriscar uma definição da Ilustração como
sendo uma filosofia que se estruturou a partir da crença na razão, no progresso e na
civilização, a qual, por sua vez, embasou as esperanças em tornar os povos prósperos e
felizes. No entanto, é o próprio autor quem afirma que os iluministas foram também
pessimistas, e que souberam reconhecer a importância da sensibilidade. Hazard conclui,
assim, que definir o pensamento ilustrado é sobrecarregá-lo com incoerências, uma vez que
eram "os próprios filósofos que se gabaram de ser ecléticos"10.
Luciano Guerci, ciente destas dificuldades, procurou amenizá-las ao buscar
entender o Iluminismo principalmente como um movimento intelectual. Também Falcon

8
Ver sobre esta questão: DIAS, Maria Odila da Silva- "Aspectos da Ilustração no Brasil". In: RIHGB.
Volume 278, jan/março de 1968, Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional,1968.
9
GUERCI, Luciano- L´Europa del Settecento- permanenze e mutamenti. Torino, UTET Libreria, 1988, p.
359.
10
HAZARD,Paul- O pensamento europeu no século XVIII (de Montesquieu a Lessing). Lisboa, Editorial
Presença, 1983, p.289.
classificou-o como um estilo de vida11. A partir da leitura destes autores, acreditamos que
nos resta tentar uma caracterização provisória e sistemática, a ser usada com certa
flexibilidade, a qual poderemos chegar apenas se considerarmos a existência de
denominadores comuns a todo ilustrado, mesmo que seja preciso mostrar constantemente
que estes não eram tão comuns assim.
Sem nenhuma hesitação, podemos dizer que a razão é a palavra chave da Ilustração.
Os próprios homens da época tinham consciência de viver uma idade em que ela era
predominante, ou que começava a ser. Ao tornar-se um instrumento de investigação da
realidade, a razão gerou uma inquietude de tudo saber e de tudo duvidar, que empolgou
seus adeptos. Certamente este novo conceito de verdade incomodou aqueles que
ancoravam suas crenças e certezas na tradição, ameaçadas pela comprovação empírica a
que estavam sujeitas. Frente a tais ameaças, os opositores da razão julgavam-na prepotente.
Outros motivos levaram os próprios ilustrados a reconhecer as desvantagens que o culto
excessivo da razão representava. D´Alembert, por exemplo, considerava que ela poderia
ser uma trava à fantasia, à criação poética, como se os novos conhecimentos trouxessem
também a perda de certos prazeres. Rousseau colocava a sensibilidade e a razão num
mesmo patamar: "Apesar do que dizem os moralistas, o entendimento humano deve muito
às paixões, que indiscutivelmente, também lhe devem muito"12. Guerci reconheceu com
grande acerto que o que tem sido comumente denominado como pré-romântico neste
período, na verdade, fazia parte do próprio movimento Ilustrado. Segundo o autor, não há
porque tentar reduzir as ambigüidades desta filosofia13.
Ao lado da razão, um segundo denominador comum ao Iluminismo é facilmente
reconhecível: a opção pelo horizonte mundano e terreno. Os filósofos colocaram o homem

11
GUERCI, Luciano- Op.cit., pp.359-364. Segundo Falcon, "o fato indiscutível, essencial, quando se trata de
caracterizar a Ilustração, é a existência de uma mentalidade ilustrada, em que pesem todas as suas possíveis
divergências internas. É esse aspecto que justifica até mesmo considerarmos a Ilustração como 'um estilo de
vida' ". FALCON, Francisco- Op.cit. p.96.
12
ROUSSEAU, Jean-Jacques- Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. Comentários Jean-François Braunstein, Brasília/ São Paulo, UnB/ Editora Ática, 1989, p. 62.
(1ºedição de 1755)
13
Lucília de Almeida Neves Delgado, por exemplo, ao definir Rousseau como iluminista e sentimental segue
uma linha de raciocínio que Guerci se empenha em rebater. Segundo ela, o filósofo "foi pensador ligado ao
tempo do racionalismo e também um sonhador que antecipou o movimento romântico do século XIX".
DELGADO, Lucília Almeida Neves- "A origem da desigualdade e a soberania da maioria em Jean Jacques
Rousseau". In: Revista do Departamento de História, nº9, Belo Horizonte, FAFICH/ UFMG,1989, pp.57-
58.
e não mais a religião no centro do interesse e do saber, realizando, assim, a passagem do
transcendente para o imanente, conforme observou Falcon14. O eterno conflito que os
homens viviam entre seu corpo e sua alma foi amenizado e, ao verem-se despojados deste
peso, puderam se lançar à conquista da felicidade mundana, não só a individual mas, se
possível, de toda a humanidade. A esperança e o otimismo invadiram os pensadores
iluministas porque a busca de uma felicidade terrena não lhes parecia um projeto utópico.
Foram eles quem melhor souberam observar os males da humanidade e,
concomitantemente, apontar para as soluções. Não perceberam as dificuldades, e
conformaram-se passivamente com elas. Foram críticos e esperançosos, assumindo os
riscos de tentar mudar o que desde sempre parecia ter se estabelecido. Acreditaram na
potencialidade humana e na eficácia dos instrumentos que dispunham e, desta forma,
puderam ser otimistas e esperançosos quanto ao futuro de todos os povos. Este já se
anunciava glorioso principalmente porque bons resultados iam sendo alcançados com o
desenvolvimento das artes e da ciência a que os iluministas se dedicaram.
No entanto, este ponto também foi motivo de controvérsias entre os filósofos, e
foi Rousseau quem deu maior intensidade a esta polêmica. Para ele, as ciências e as artes
eram a origem dos males comuns à sociedade de sua época, pois o homem natural, que
tanto valorizava, não tinha apresentado nenhum interesse por eles. Mas Rousseau acabava
por se contradizer ao apontar o ideal de perfectibilidade como sendo próprio da natureza
humana. Ao considerar a inevitabilidade do progresso, ao menos neste ponto, reconciliava-
se com os demais filósofos. Por outro lado, se o desenvolvimento científico e das artes era
considerado como a maneira mais eficaz de colocar os homens de volta aos trilhos do
progresso, ele apontava para uma outra questão de difícil solução. Estavam certos de que,
com a intensificação da produtividade, seria possível melhorar o bem estar da humanidade,
mas também era verdade que isso resultaria num consumo crescente de artigos luxuosos e,
portanto, supérfluos. Havia um certo temor de que isto resultasse numa sociedade desigual.
Os iluministas sempre condenaram o luxo porque ele era um dos principais fatores a
exteriorizar a diversificação social contrária aos princípios de igualdade energicamente
defendidos.

14
FALCON, Francisco- Op.cit, pp.8-9.
O otimismo atribuído aos iluministas foi atenuando-se com esses impasses que
contestavam suas certezas, mas foram as barreiras impostas à penetração das novas idéias,
que com o passar dos anos mostraram-se ser muito mais profundas, que deram ao
otimismo um caráter irreal ou pretensioso. Um certo descrédito aparece também nos
escritos destes homens propagadores da nova filosofia, como se a crença no potencial
humano, justamente por ter sido excessiva, abrisse os caminhos para a desilusão.
O que é possível notar é que todos os conceitos básicos ao Iluminismo podem ser
relativizados, o que não impede que se os tome como referências para o entendimento
dessa corrente de pensamento, na qual os opostos interagiam. Partindo desta caracterização
"aberta", podemos nos aprofundar em outros aspectos do Iluminismo, em especial as
concepções que seus adeptos tinham sobre a história e a diversidade humana, fundamentais
a quem se propõe a entender as identidades políticas na segunda metade do século XVIII.
Quando nos deparamos com as interpretações dos iluministas sobre o passado,
não há como deixar de ver que a dicotomia entre a tradição e a novidade, proposta por
Hazard, é simplificadora. Estes filósofos representantes das inovações ideológicas, como
sugere o autor, não declararam uma guerra absurda à tradição. As verdades, que assim
eram entendidas devido à sua longa permanência no tempo, foram, através dos
instrumentos racionais, devidamente questionadas, mas nem sempre negadas. Eles
souberam reconhecer no passado os momentos dignos de glória, fossem relativos à história
da humanidade ou à sua nação15. Se olhavam para o futuro, não deixaram de reconhecer
que o passado poderia também orientar as suas atitudes e esperanças. Assim, a história
passada continuava a despertar a atenção dos homens, mas os iluministas inovaram pois,
ao colocarem as tradições à prova das leis racionais, despiram-nas do manto sagrado que
há muito as revestia. Um novo conceito de legítimo ia sendo gestado, chocando-se às
verdades que até então haviam sido aceitas sem qualquer ressalva.
Este desejo de tudo verificar empiricamente constituiu-se numa obsessão, e não
foram poucas as dissertações que procuraram mostrar a incerteza dos testemunhos, das

15
Ver, por exemplo, RAYNAL, Guillaume-Thomas François (Abade Raynal)- A Revolução da América.
Prefácio de Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Oswaldo Mutreal Filho, Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, 1993, p.113, (1ºedição de 1772). Sobre a concepção histórica no século XVIII ver: RIBEIRO,
Renato Janine- "Da moral da História às histórias científicas: uma revolução do conhecimento". In: Análise
& Conjuntura. Volume 4, n°s 2 e 3, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, maio/dez de 1989, pp. 229-
241.
provas e até mesmo dos dogmas religiosos16. Rousseau chegou ao limite desta dúvida já
nas reflexões iniciais do seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens: "Começamos, então, por afastar os fatos, pois que não levam à
questão"17; e se os invoca em outras passagens para exemplificar suas teorias, os toma
como "prova suplementar sendo o essencial a demonstração abstrata"18.
O estudo da história ganhou novas técnicas, teve seus estatutos modificados,
tornou-se uma ciência. Mably, publicou em 1783, A maneira de escrever a história, um
dos muitos trabalhos que surgiram para afirmar a supremacia desta nova metodologia. No
entanto, a legitimidade das tradições não estava garantida apenas se resistisse à
confirmação empírica. Seu maior obstáculo era sobreviver também à investigação
filosófica à qual os iluministas submeteram o passado. A História passou a ser investigada
também segundo preceitos morais, pelos quais era possível distinguir os exemplos do
triunfo da virtude e da derrota dos vícios. O que procuravam destacar, acima de tudo, eram
os momentos virtuosos, entendidos desta forma porque contribuíram ao progresso e ao
bem comum da humanidade. O passado legitimador dos erros do presente, das
desigualdades e da ignorância de se deixar tudo como está, devia ser contestado não só
quando não existissem provas que confirmassem a sua existência, mas principalmente
quando não era um exemplo a ser seguido. Para Bolingbroke, em Cartas sobre o Estudo e
utilização da história, esta disciplina era "... a filosofia ensinando-nos, por meio de
exemplos, como devemos conduzir-nos em todas as circunstâncias da vida pública e
privada; consequentemente devemos encará-la com espírito filosófico"19.
Entretanto, a principal inovação quanto à percepção do passado foi a radical
mudança que os iluministas operaram no que concerne à escolha dos temas. As façanhas
dos grandes personagens ou a cronologia dos fatos deixaram de despertar interesse, era a
história dos homens que devia ser recuperada, já que estes passaram a ser vistos como os
principais protagonistas. A realidade mundana desvinculou-se dos desejos da Providência

16
Outro exemplo é a Dissertação sobre a incerteza dos cinco primeiros séculos da história romana escrita
por Beaufort e publicada em 1738, tema que já havia seduzido Lévesque de Pouilly que, em 1723, leu perante
à Academia das Inscrições sua memória sobre a incerteza dos primeiros séculos de Roma. HAZARD, Paul- O
pensamento....- Op.cit, p. 231
17
ROUSSEAU, Jean-Jacques- Op.cit., p.50.
18
Conforme observou Jean- François Braustein em notas a esta publicação. Idem, p.62, nota 63.
19
HAZARD,Paul- O pensamento...-Op.cit., p.229.
divina; o curso dos acontecimentos passou a ser responsabilidade exclusiva dos homens20.
Na verdade, acreditavam que os rumos tomados pela humanidade sempre tiveram em suas
mãos, mas os homens nunca haviam se dado conta disto. Provavelmente, neste contexto só
puderam atribuir a si próprios tamanha responsabilidade porque sentiram que tinham
condições para arcar com ela. Dos homens não esperavam mais a passividade, a inércia e o
conformismo, estes eram defeitos inadmissíveis para os iluministas. Se a história era
entendida como conseqüência dos atos humanos, não haveria porque responsabilizar uma
entidade sobrenatural por suas desgraças. Desta forma, ancorados nos acertos e erros do
passado, os filósofos propuseram-se a agir e modificar o presente para garantir aos homens
um futuro mais prazeroso, justo e promissor. A História tornou-se a mais forte aliada das
suas expectativas quanto ao porvir da humanidade.
Assim, se o homem passou a ocupar o cerne das atenções e das esperanças, a
compreensão da natureza humana tornou-se o principal objeto de interesse dos iluministas.
Propuseram-se, então, a refletir sobre um suposto estágio primitivo, anterior à formação
das sociedades, para entender qual seria a essência humana que o homem civilizado havia
deixado para trás21. Ainda que não estivessem muito certos sobre a real existência deste
período, valia a pena admitir esta hipótese como exercício reflexivo que contribuiria para
compreender a verdade universal válida a todos os povos, independentemente das
diferenças que guardavam entre si. Era preciso aproximar os homens, torná-los
compatriotas porque pertenciam a uma mesma nação no meio de tantas nações, regida
unicamente pelas leis da natureza. Oliveira, em sua carta "sobre o desterro" de 1743,
reconhecia que "o homem deve imaginar que em todo o mundo tem a mesma natureza, que
todo ele está debaixo do mesmo Céu, e que em toda a parte se encontram homens da

20
Segundo Donghi, esta concepção da história tipicamente cristã, a qual queriam romper os iluministas, era a
princípio anti-revolucionária. Isto porque, nem mesmo os períodos que inauguravam uma realidade
totalmente nova não eram vistos como uma conseqüência dos atos humanos, apesar da descontinuidade que
apresentavam em relação ao passado. Estes eram determinados também pela Providência divina, desta forma
não eram fatos históricos, mas naturais. DONGHI, Tulio Halperin-Tradicion politica española e ideologia
revolucionaria de mayo. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1985, p.111.
21
"Não é, pois, fácil empreendimento distinguir o que há de originário e de artificial na atual natureza do
homem e conhecer profundamente um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que
provavelmente não existirá jamais e, do qual, deve-se contudo ter noções corretas para bem julgar de nosso
estado presente" ROUSSEAU, Jean-Jacques- Op.cit, p.42.
mesma espécie"22. Nota-se assim o mesmo desejo "pacifísta" que está contido na frase que
anos depois se tornou emblemática com a Revolução Francesa: "igualdade, fraternidade e
liberdade". Tratava-se enfim de reconhecer as semelhanças para extinguir os conflitos, as
guerras e as injustiças, contra os quais os iluministas lutaram com tanto ardor, na maior
parte das vezes da maneira pela qual julgavam ser correto combater: através das palavras.
Os versos do ilustrado espanhol Jovellanos são um dos inúmeros exemplos desta atitude:
" Un solo pueblo entonces, una sola
y gran familia, unida por un solo
y común idioma, habitará contenta
los indivisos términos del mundo"23
De tudo o que estamos mostrando, não há como não deixar de perceber uma
semelhança entre a Ilustração e o Cristianismo. Afinal, ambas as correntes de pensamento
difundiam um espírito de comunhão entre os homens, e tiveram a mesma pretensão de
iluminar o mundo, tirando-o das trevas24. Daí muitas vezes terem se chocado,
principalmente porque muitos religiosos, aos quais Hazard intitula apologéticos, sentiram
que sua hegemonia estava ameaçada pelo cosmopolitismo das idéias iluministas, muito
mais tolerantes que as suas, capazes portanto de atrair um maior número de adeptos. No
entanto, até a metade do Setecentos, o que predominou foi uma harmoniosa convergência
entre a luz da revelação e a da razão ou, ao menos, a não exclusão de nenhuma das duas25.
Religiosos menos conservadores puderam, inclusive, abraçar o Iluminismo para corrigir os
defeitos do próprio Cristianismo que eles foram capazes de reconhecer. Assim como os
demais iluministas, empenharam-se em condenar os abusos, os fanatismos e as
superstições desta religião e, de certa forma, saíram-se vitoriosos. As instituições como o
Santo Ofício ou a Companhia de Jesus, entendidas por estes homens, laicos ou religiosos,

22
HESPANHA- António Manuel & Silva, Ana Cristina Nogueira da- "A Identidade portuguesa". In: Mattoso,
José & Hespanha, António Manuel (direção) História de Portugal. (O Antigo Regime) Volume 4. Lisboa,
Editorial Estampa, p.32.
23
Resposta a una epístola de Moratín. Apud. SANCHEZ AGESTA, Luis- El pensamiento político del
despotismo ilustrado. Sevilla, Grafitálica, 1979, pp. 249-250. Sarrailh mostra que Jovellanos e Condorcet
eram a favor de uma língua universal como meio de estabelecer a fraternidade entre os povos. SARRAILH,
Jean- La España ilustrada de la segunda mitad del siglo XVIII. Mexico, Fondo de Cultura Económica,
1957, p.171.
24
A metáfora da luz utilizada pelos iluministas é antiga, mais remota até que o próprio Cristianismo, estando
presente nas religiões dualísticas orientais, no platonismo e no neoplatonismo assim como na tradição
hebraico-cristã. GUERCI, Luciano- Op.cit. p.395.
25
idem, ibidem.
como uma trava ao avanço das novas idéias e conseqüentemente ao triunfo da liberdade de
consciência, foram extintas. No entanto, apesar das semelhanças passíveis de serem
visualizadas entre estas duas correntes igualmente cosmopolitas, do embate entre elas o
Iluminismo levou vantagem, já que seu "novo ideal de fé", ao ser muito mais
universalizante, pode atrair os homens das mais diversas crenças.
Os iluministas partilhavam de um mesmo desejo: serem cosmopolitas, homens do
mundo que não pertenciam a uma nação, e sim a muitas. No século XVIII, "ninguém se
manteve (mantinha) no lugar de origem (...) a imagem trágica do Exílio tende(ia) a
desaparecer"26. O sábio, dizia Feijóo, "se siente ciudadano del mundo; cualquier tierra es
para él pátria"27. No entanto, este esforço incessante na afirmação da harmonia entre os
povos não determinou que os iluministas obscurecessem as diferenças que estes
guardavam entre si. Na verdade, souberam valorizá-las, porque para estabelecer as
semelhanças era preciso considerar que estas se escondiam sob o signo da diversidade
humana. A cada passo dado rumo ao conhecimento da natureza dos homens, eterna e
imutável, o que se evidenciava eram as arbitrariedades impostas a ela. Quando se
predispuseram a entender no que os homens se assemelhavam, inevitavelmente
defrontavam-se com suas diversidades. Duas questões que caminhavam juntas, neste
século em que os opostos se explicavam constantemente. O sucesso que os relatos dos
viajantes e das expedições científicas alcançaram na época talvez possa ser explicado por
esta curiosidade em conhecer as diversas formas com que os homens viviam nos quatro
cantos do mundo 28. O eurocentrismo foi deixado de lado, dando lugar a um relativismo
cultural em conformidade com as idéias daquele tempo.
Mais uma vez os iluministas foram buscar na História as respostas para o
entendimento da diversidade humana. Afinal, não teria sido no seu curso que os elementos
de distinção tomaram forma, já que no princípio os homens eram todos iguais? Não era a
História, portanto, o núcleo estabelecedor das diferenças? Mas este retorno aos tempos
26
HESPANHA-, António Manuel & Silva, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit, p. 237.
27
Teatro crítico, II, 10 , parágrafo 41. Apud SANCHEZ AGESTA, Luis-Op.cit, p.29.
28
Hazard mostra como os relatos dos viajantes e as expedições científicas contribuíram à formação de uma
consciência de igualdade entre os homens e, concomitantemente, para a percepção das diferenças. HAZARD,
Paul- O pensamento...- Op.cit., pp.15-31. Segundo Figueiredo e Muntreal Filho, o sucesso editorial da Obra
de Raynal deve-se não só às críticas feitas ao Antigo Regime mas também à "importância que tinham, na
época, os relatos de viagens, as 'histórias', categorias favoritas nas bibliotecas do século XVIII". Figueiredo,
Luciano Raposo de Almeida e Muntreal Filho, Oswaldo- " Prefácio". In: RAYNAL, Guillaume-Thomas
François- Op.cit, p. 5.
passados não lhes serviu para empreenderam uma crítica às diferenças entre os povos, pelo
contrário, os iluministas as aceitavam, e não pretendiam corrigí-las, pois reconheciam sua
irreversibilidade. Tolerantes, respeitavam as múltiplas formas de viver que a humanidade
encontrou desde que começou a viver em coletividade, mas condenaram as alternativas que
desrespeitaram a natureza humana, a ser preservada a todo custo29. Era preciso voltar às
leis naturais e combater as civis que as contrariavam, por mais temp0o que estas tivessem
vigorado. O passado tornava-se então uma referência obrigatória a seus planos de atuação.
Assim, por mais que manifestassem um desejo em pertencer ao mundo, ao
atribuírem importância às diferenças entre as sociedades, souberam eles próprios dar vazão
também aos seus sentimentos nacionalistas. Inclusive, quando se tratou de elaborar um
plano concreto de ação, a realidade que se prontificaram a pensar tinha contornos bem
específicos. Debruçaram-se sobre as trajetórias das comunidades políticas, já que se alguns
males eram comuns a todos os homens, era possível identificar aqueles que eram próprios
a cada nação, cuja origem havia de ser buscada em seu passado. Já foi lembrado que os
iluministas atribuíam aos homens a tarefa de solucionar seus males. Quando estes eram
localmente reconhecidos, os remédios podiam ser mais facilmente prescritos. Cada
comunidade nacional devia empenhar-se em corrigir seus defeitos específicos, tendo para
isto que voltar à sua trajetória coletiva, e reconhecer com isso os caminhos erroneamente
percorridos a fim de evitá-los futuramente. Optar por novos rumos era a maneira mais
eficaz de corrigir o passado e garantir um porvir mais satisfatório. Não havia mais razão
para os homens se conformarem com os males característicos de suas comunidades. Estes
podiam ser remediados porque já não eram mais entendidos como naturais. Pelo contrário,
se eles eram históricos e se os homens eram os protagonistas da História, estes tinham total
responsabilidade por remediá-los.
Foi esta lógica que invadiu os escritos dos ilustrados, dentre os quais podemos
citar o beneditino espanhol Feijóo que rebatia às críticas dos estrangeiros quanto à
decadência da Espanha, pois considerava "una equivocación grosera en que se confunde el

29
Foi por este motivo que as Ciências naturais ganharam enorme propulsão. Conhecendo-se a Natureza seria
possível guiar-se por suas leis, e corrigir a dos Estados que não as respeitassem0. "Os mais antigos filósofos
designavam por leis naturais a ordem eterna e imutável de todas as coisas criadas; os juris-consultos romanos
viam nelas instruções dadas pela natureza a todos os animais, a maior parte dos moralistas tomou-as como
regras ditadas pela razão e limitou-se unicamente aos homens". HAZARD, Paul- O pensamento...- Op.cit,
p.143.
defecto de habilidad con la falta de aplicación, la posibilidad con el hecho"30. Para ele, a
decadência da Espanha não podia ser explicada por uma suposta incapacidade natural dos
espanhóis, ou por um desejo da Providência em vê-los arruinados. Ela era, enfim, resultado
da vivência coletiva destes homens ao longo de sua própria história. Mais do que defender
sua comunidade frente aos ataques injustos, Feijóo demonstrava otimismo quanto ao futuro
de sua nação: se o progresso poderia ser novamente alcançado a partir do esforço humano,
a Espanha não estava condenada naturalmente a fracassar. Mas o Progresso também não
era uma certeza, algo pré-estabelecido e inevitável. Para alcançá-lo era preciso um
empenho constante; o destino já não era um fato a ser passivamente esperado.
Assim, não nos parece paradoxal que os ilustrados revelassem um desejo em
pertencer ao mundo, e dedicassem tamanho ardor no respeito às características comuns a
cada nação31. No século do cosmopolitismo, as identidades políticas nacionais não estavam
ameaçadas de extinção. Montesquieu, por exemplo, afirmava "que era homem antes de ser
francês"32. Neste caso em especial, o autor dava maior destaque ao seu sentimento
universal, sem que com isto negasse seu pertencimento à nação francesa, ainda que
considerasse que fosse francês pelo acaso. Hazard, insiste em descrever Feijóo como
"patriota, para ele nada havia mais querido no mundo que o seu país. Cosmopolita, era a
favor de mais vastas comunicações entre os povos, da abolição do espírito de partido, da
paz universal"33, não demonstrando nesta caracterização nenhuma incoerência. Como
sintetiza corretamente Falcon: "o movimento ilustrado oferece ao historiador mais atento
uma combinação algo paradoxal de cosmopolitismo e de afirmação de diferenças
nacionais"34. Este paradoxo é, no entanto, apenas aparente, já que os sentimentos universal
e nacional caminharam lado a lado, sem chocaram-se necessariamente, ao longo do
Setecentos. Conforme vimos, este século da razão e do otimismo, também estiveram

30
SARRAILH, Jean-Op.cit, p.181.
31
Abade Raynal, por exemplo, teceu elogios à Revolução americana porque esta significou a vitória da
liberdade contra a opressão, permitindo assim que a humanidade se deparasse com os vícios da sociedade do
Antigo Regime. Mas o pensador francês atribui à independência da América inglesa ainda maior importância:
com ela os ideais universais foram restaurados sem que os usos, os costumes, a religião e as leis americanas
deixassem de ser conservados. RAYNAL, Guillaume-Thomas François- Op.cit. Rousseau em suas Cartas
sobre a legislação da Córsega e Considerações sobre o Governo da Polônia, publicadas na década de 1770,
dava importância à preservação das características nacionais por serem essenciais à vida política de uma
comunidade. SMITH, Anthony D.-National Identity, London, Penguin Books,1991, p.88.
32
FEBVRE, Lucien- Honra e pátria. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998, p.162.
33
HAZARD, Paul- O pensamento...-Op.cit., pp. 89-90.
34
FALCON, Francisco- Op.cit., p.104.
presentes a sensibilidade e o descrédito. Da mesma forma, se foi o século do
cosmopolitismo, o nacionalismo nem por isso deixou de se anunciar. Febvre, ao dizer que
no curso da segunda metade do século XVIII "o epíteto nacional instala-se por toda a parte,
para continuar a triunfar sob a Revolução"35, dá destaque a um destes aspectos, mas suas
palavras não desconsideram a predominância das idéias iluministas universais. Afinal, não
teria sido com esta mesma revolução que elas atingiram seu apogeu? Deste emaranhado de
idéias aparentemente contraditórias o melhor seria afirmar o que já foi dito anteriormente:
o Setecentos foi o século dos opostos e dos extremos que, ao menos no interior da
Ilustração, puderam coexistir em harmonia.
Muitos estudiosos do iluminismo não estão de acordo com esta coexistência entre
os sentimentos nacional e cosmopolita tal como proposto acima. Ortega y Gasset, ao
analisar o século XVIII na Espanha, diz ter sido o menos espanhol de todos, como se a
introdução de idéias estrangeiras colocasse em xeque a tradição espanhola, tão calcada no
Cristianismo.36 Agesta, da mesma forma, diz que os iluministas espanhóis, quase sem
exceção, "abominaron todo lo antigo e desheredaron lo español"37. Para ambos os autores,
os intelectuais da Espanha, ao acolherem o Iluminismo, e ao sentirem-se também eles
cosmopolitas, estavam, em última instância, negando a identidade política nacional que
portavam. O que procuramos insistir, contrariando estes estudiosos, é que a introdução do
Iluminismo em uma nação não resultava necessariamente na negação dos sentimentos de
pertencimento político a ela. O que podemos observar é justamente o contrário. As
reformas ilustradas, tal como empreenderam Portugal e Espanha, foram manifestações
explícitas de amor a estas nações. As novas idéias foram bem acolhidas porque
evidenciavam os males nacionais, e mais do que isto, porque alimentaram a esperança
daqueles que, justamente por amarem suas pátrias, se preocuparam em corrigir seus
defeitos.
Não há como negar que o iluminismo contribuiu para que reformas de cunho
nacionalista fossem empreendidas, e justamente porque tinham este caráter é que puderam
ser dirigidas, como no caso português, pelo seu soberano. Ainda que aos nossos olhos
pareça uma contradição que os estadistas portugueses tenham se orientado por uma

35
FEBVRE, Lucien- Op.cit.,pp.172.
36
SARRAILH, Jean- Op.cit, p.17.
37
SANCHEZ AGESTA, Luis-Op.cit., p.40.
filosofia estrangeira que era essencialmente crítica ao Absolutismo, os estadistas
acreditavam que para reverter o estado decadente de Portugal e, concomitantemente,
preservar a soberania monárquica, elas deveriam ser introduzidas para interagirem com as
velhas idéias. É certo que a preservação da tradição seria dificultosa, na medida em que
toda interação resulta numa nova ordem. Não se trata de uma contradição semântica que
leva a concluir um desfecho prévio. É do contexto em si que se desprende a crise, na qual a
antiga ordem estava condenada a malograr. No entanto, as autoridades portuguesas não
poderiam partilhar dessa percepção. Em seus discursos não se percebe nenhuma disposição
em reconhecer a ineficácia de seus esforços; o reconhecimento de que a tradição perdia
paulatinamente a sua legitimidade, e que a crise política se anunciava era algo que
escapava às suas consciências.
A aceitação das idéias iluministas em Portugal explica-se também por outra razão:
elas foram acolhidas em função de reformas nos níveis administrativos e econômicos.
Acreditava-se que centrar ali as mudanças bastava para tirar Portugal do limbo em que se
encontrava, e para fornecer aos homens a certeza de que a prosperidade não havia ficado
para trás e, pelo contrário, poderia ser revivida. Assim, se o Estado era o principal agente
das mudanças que visavam um futuro mais próspero, o pertencimento a ele era reforçado,
na medida em que aos súditos agradava a idéia de pertencer a uma nação cujos dirigentes
estavam preocupados com a sua felicidade. No final do século XVIII e início do XIX, o
nacionalismo era um princípio fortemente ancorado nas idéias de liberdade, racionalidade,
cientificidade e modernidade; só um século depois é que ele assumiu feições
conservadoras.38
*
A polaridade universal-nacional, essencial à compreensão da filosofia iluminista,
permite entender como esta corrente de pensamento, a qual tem sido analisada
principalmente pelo seu viés cosmopolita, pôde levar os homens da época a refletirem
sobre as identidades nacionais que portavam. E fazendo isso, estão lançadas as bases de um
arsenal teórico satisfatório para analisar as idéias políticas defendidas tanto pelo Estado
português quanto pela elite das Minas, a qual não ficou isenta da influência da Ilustração.
Esta nova visão do mundo, imanente, mundana e racional, conforme a caracterização de
38
Enciclopédia Einaudi, volume 14 ( Estado-Guerra), verbete "nação", Imprensa Nacional, Casa da Moeda,
1989, p.277.
Falcon, orientou uma série de reflexões que atingiram diversos níveis da realidade. Não
cabe discorrer aqui sobre todas elas, pois isto daria um estudo à parte. No entanto, é
necessário aprofundar um pouco mais detalhadamente as inovações introduzidas por esta
filosofia no que concerne aos conceitos políticos, entre os quais cabe destacar soberania,
nação e identidade.
Antes de apontar para estas mudanças é importante deixar claro que as teorizações
políticas do Iluminismo não romperam integralmente com as concepções políticas
tradicionais. A própria ênfase dada ao pacto entre governantes e governados é um exemplo
desta continuidade, já que a teoria do pactum subiectionis serviu também aos teóricos de
outros tempos para estabelecer a legitimidade e os limites dos governos. Por outro lado, a
depender de como o pacto foi interpretado, se unilateral ou bilateralmente, o conceito
serviu tanto aos teóricos do absolutismo para legitimar o poder do monarca, como para
aqueles que defendiam o direito de rebelião dos súditos. Desta forma, o conceito não
determinava a priori concepções políticas específicas; ele em si não é comprometedor.
Portanto, dizer que os iluministas se utilizaram de um conceito tradicional, em nada
surpreende, já que é a sua interpretação que aponta para a novidade.
Não se trata, aqui, de recompor as idéias dos principais teóricos sobre esta
questão, apenas demarcar a linha evolutiva destas interpretações para a melhor
compreensão da inovação que os iluministas operaram. Em linhas gerais, a noção do pacto
político, até o século XVIII, resumia-se à idéia de que os homens, possuindo uma
tendência natural para se agruparem, delegaram a uma só instância ( um monarca ou um
grupo) o poder de os governarem, abdicando desta forma dos poderes individuais. A
formação da sociedade, para os teóricos dos séculos XVI e XVII, não se constituía numa
etapa distinta da constituição da política. Para os pensadores da Península Ibérica,
predominantemente cristãos, este pacto entre os homens obedecia a uma vontade divina; o
acordo entre monarcas e súditos tinha Deus por autor. A origem das organizações políticas
não era um fato propriamente humano, era uma conseqüência da queda dos homens
determinada pela Providência, porque, conforme já vimos, cabia a ela orientar o destino
dos homens desde os tempos mais remotos.
Percebe-se que a origem das monarquias ibéricas, tal como vinha sendo explicada
até meados do século XVIII, o elemento volitivo humano em muito pouco predominava e
os limites do poder político não eram determinados pelo pacto em si, mas sobretudo por
uma força superior. Não eram às leis terrenas, que o Rei devia obedecer. As leis divinas
ditavam mais alto, e o monarca devia seguí-las de acordo com sua consciência. Neste
sentido, havia de ser virtuoso, cumprindo as obrigações que a ele cabia como cristão e,
mais do que isto, como Deus na própria terra.
As monarquias legitimavam-se no século XVI na "catolicidade dos reinos"39, e o
Rei, chefe supremo, tinha como missão expandir o catolicismo pela terra, o que legitimava,
por exemplo, suas conquistas no ultramar. Suas atribuições eram, portanto, espirituais. Não
surpreende que a obra de Maquiavel tenha causado tanto impacto. Pela primeira vez, as
teorias políticas foram pensadas desvinculadas das teológicas, estado de coisa inadmissível
para os teóricos das nações ibéricas, embora estes estivessem conscientes de que a moral
cristã limitava o poder temporal do Rei.
Ser português no século XVI, por exemplo, era ser súdito do Rei de Portugal, e se
o monarca legitimava seu poder segundo pressupostos espirituais, ser português era
também, e principalmente, ser cristão. O bom vassalo não era somente aquele que obedecia
ao monarca, mas aquele que, acima de tudo, obedecia a Deus. "'Portugueses' e 'católicos'
torna(va)m-se, assim, identidades inseparáveis. Mas, como os meios de produção da
identidade católica eram muito mais eficazes e abrangentes do que os mecanismos de
produção de uma identidade gentilícia ( nationalis) ou reinícola, o que se passava era, de
facto, a catolicidade minava continuamente estas últimas"40. A própria condição de cristão
fazia com que os portugueses se sentissem superiores, como os eleitos de Deus num
projeto de irradiação do catolicismo e, ao mesmo tempo, de combate aos infiéis.
Acreditava-se que a nação fora, desde sempre, favorecida com dons de Deus e "distinguida
por sinais inequívocos de eleição"41, como, por exemplo, pelo fato de ali terem aportado os
primeiros santos, os primeiros apóstolos. Assim, no topo da identidade nacional estava o
pertencimento a uma respublica christiana e, de certa forma, "o primado desta
catolicidade" sobre a identidade nacional limitava o reconhecimento dos elementos de
organização desta identidade porque nem todos os católicos eram súditos do Rei de
Portugal, e nem todos que viviam ali podiam se sentir portugueses, pois não eram

39
HESPANHA, António & Silva, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit, p.20.
40
Idem, p.21.
41
Idem, ibidem.
católicos. O que se nota nas teorias políticas sobre a origem da constituição do Estado
português, é que se há um reconhecimento da unidade política, ela é menos perceptível do
que o da unidade supranacional cristã. Assim, a identidade nacional era informada por
elementos políticos próprios da realidade portuguesa, mas concomitantemente era
organizada por critérios sobrenaturais que, por serem comuns também a outras nações
cristãs, acabavam por reduzir a potencialidade definidora desta identidade política.
No século XVII, com as guerras religiosas, vemos um esfacelamento desta
unidade mais ampla e, como conseqüência, a diminuição do poder representado pelo
Cristianismo. Assim, os teóricos políticos delegaram ao monarca atribuições muito mais
modestas, ao menos no que concerne à territorialidade de seu poder. O soberano deixou de
ser visto como um instrumento da expansão da religião cristã pelo vasto globo, seus
deveres tornaram-se mais humanos, suas obrigações limitavam-se agora em preservar a
ordem e a catolicidade dentro de seu Reino42. No que se refere às teorizações sobre o pacto
político, havia um certo desinteresse pelas especulações teóricas legitimadoras do poder do
monarca. A responsabilidade a ele atribuída resumia-se à conservação da ordem, e isto
bastava para justificar a sua soberania política. No entanto, a sacralidade do pacto
continuava a ser reconhecida, continuava a ser considerada irrevogável, portanto, a idéia de
que a identidade portuguesa remetia ao pertencimento a uma entidade supranacional
continuava a vigorar. De qualquer forma, esta missão imposta à instância máxima do poder,
tão fundamental em tempos de distúrbios das consciências, acabava por ligar a comunidade
dos súditos ao corpo do monarca, e não tanto à Igreja. No entanto, o pertencimento à Igreja
católica continuava a ser um vínculo identificador dos portugueses porque a divindade do
Rei ainda era reconhecida.43
Desta forma, no Seiscentos, as teorizações políticas não eram mais importantes do
que a realidade empírica na legitimação do poder do monarca, cuja mera necessidade de
impor a ordem, o justificava. De qualquer forma, destas especulações se depreende uma
tendência à dessacralização e à nacionalização de seu poder, as quais, em última instância,
vinham contribuir para a centralização política dentro dos limites nacionais. Visto a

42
Para Koselleck, a guerra civil religiosa foi o ponto de partida do Absolutismo clássico. KOSELLECK,
Reinhart- Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro, EDUERJ/
Contraponto, 1999, p.19.
43
Enciclopédia Einaudi, Op.cit, p.282.
urgência em se solucionar as guerras religiosas que se alastravam pela Europa, a política
distanciou-se da moral, tornou-se inclusive mais importante do que ela. A doutrina da
"razão do Estado" foi a mais clara evidência disto. “A exclusão da ‘moral’ na política não
se opunha à moral secular, mas à moral religiosa com pretensão política”, conforme
Koselleck44. O pacto, por sua vez, continuava a ser interpretado pelos tratadistas do século
XVII unilateralmente, servindo somente para especificar as responsabilidades do soberano
e não para afirmar os direitos dos súditos. As interpretações deste acordo político só
levaram em conta os desejos dos vassalos quando a nação passou a residir na comunidade
composta pelos cidadãos; idéia introduzida pelos iluministas. No século XVII o patriotismo
ainda era uma planta estrangeira nas monarquias, segundo palavras de D´Aguesseau,
escritas em 171545. Mas se os iluministas reviram a noção do pacto, foram os teóricos do
século XVII os primeiros a anunciar a tendência à secularização política, ainda que com
grandes ressalvas, já que se o Rei era o principal responsável pelo futuro de sua nação, ele
ainda era visto como uma figura divina.
Também os iluministas foram buscar na idéia de pacto o entendimento da
constituição e da atribuição do poder político. À diferença dos teóricos anteriores,
distinguiram este estágio da formação da sociedade, pois para eles estes dois momentos
eram distintos. Segundo suas interpretações, os homens têm uma tendência natural a se
agruparem, o que não quer dizer que, ao se reunirem em sociedade, constituíssem
automaticamente o poder político. São os próprios homens, que num estágio posterior,
estabeleceram, por livre e espontânea vontade, um acordo entre eles e um governante eleito
não mais por desejo divino. Assim, se a sociedade antecede o poder político, e se este é o
resultado de um acordo feito entre os homens, cabe a eles primar pela vigência das normas
estabelecidas no pacto, que continuava a ser entendido como natural, mas cuja natureza
diferia daquela dos teóricos dos séculos anteriores. O pacto era natural porque é próprio da
natureza humana se reunir em grupos e estabelecer um acordo entre governados e
governantes. É na esteira do pensamento de São Tomás de Aquino que os ilustrados

44
KOSELLECK, Reinhart- Op.cit., p.25. Ver seu primeiro capítulo, no qual esclarece esta tendência afirmada
acima. No que diz respeito à centralização política esclarece o autor: "O postulado de que o monarca detém o
monopólio do restabelecimento da paz impõe ao soberano uma responsabilidade absoluta. Na época, ela
expressou de forma cristalina na afirmação da responsabilidade exclusiva perante Deus". p.22.
45
FEBVRE, Lucien-Op.cit, p.160.
atribuíram naturalidade ao pacto46. Assim, se o pacto foi desacralizado, as atribuições do
governante deviam estar voltadas para os homens. Não eram as leis divinas que deviam
orientar suas atitudes, o que cabia ao monarca respeitar eram as leis civil e profana47. Estas
deveriam traduzir a vontade da nação, assim como respeitar as leis da natureza, pois estas
eram a única garantia com a qual os homens contavam para alcançar a felicidade48.
Conforme Hazard, no século XVIII, "a felicidade torna-se um direito"49. Num período em
que os conflitos religiosos cessaram, não era esperado dos governantes apenas a
manutenção da ordem: os homens podiam exigir deles atitudes mais positivas.
Ao entender o pacto de sujeição como um acordo bilateral, os iluministas puderam
determinar o poder político, mas fazendo-o também asseguravam o direito dos homens.
Segundo suas concepções, caso o monarca não respeitasse as regras do pacto, caberia aos
súditos destituí-lo do poder e eleger um novo que o fizesse. O que ligava os súditos ao Rei
não era mais a fidelidade tradicional, e sim a solidariedade de todos numa empresa
comum50. A partir de então, a noção de soberania foi reavaliada, deixou de residir no corpo
místico do Rei para encontrar-se plenamente no corpo da nação, formada pelos súditos, ou
melhor cidadãos, já que aquele termo foi substituído por esse. Segundo Febvre, no século
XVIII o real pode ser substituído pelo nacional51.

46
Sobre São Tomás de Aquino escreve Chatelêt: "Rompendo com a perspectiva segundo a qual a Cidade dos
homens é diretamente de instituição divina e ligada ao pecado original, Tomás estabelece que ela é - na ordem
da Criação- um fato natural. Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o poder,
cujo objetivo é assegurar a unidade de uma multiplicidade, é uma questão humana que faz parte do plano
geral da Providência e não de um desígno singular de Deus ou de seu representante. Desse modo, a definição
do bom poder é uma tarefa exclusivamente da razão"(grifos do autor) CHATELÊT, François et alli- História
das idéias políticas. Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 32. Apud. FURTADO, Joacir Pereira- Uma República
de Leitores-História e memória na recepção das Cartas Chilenas ( 1845-1989). São Paulo, Editora
Hucitec, 1997, p.81.
47
Luciano Guerci, em sua análise do Contrato social de Rousseau, detém-se na predominância das leis como
instrumento que legitima a sujeição dos homens. Para o historiador italiano, muitos estudiosos acreditam
erroneamente que este pensador foi o pai espiritual dos regimes totalitários, sem considerar que, para
Rousseau, se as leis determinam a associação entre os homens é com a finalidade de os defender e proteger,
respeitando a sua liberdade e seus interesses comuns. GUERCI, Luciano- Op.cit, p. 425.
48
"Nada debe ser tan querido por los hombres como las leyes destinadas a hacerlos buenos, sabios y felices.
Las leyes serán tanto más preciosas para el pueblo si las contempla como una barrera contra el despotismo, y
como salvaguarda de una justa libertad.". DIDEROT, Denis & D´ALEMBERT, Jean Le Rond- Artículos
políticos de la "Enciclopédia". Verbete "ley". Selección, traducción y estudio preliminar de Ramón Soriano
y Antonio Porras. Madrid, 1992, p.109. (1ºedição 1751-1765).
49
HAZARD,Paul-O pensamento...-Op.cit., p. 32.
50
DONGHI, Tulio H.- Op.cit., p.88.
51
FEBVRE, Lucien- Op.cit., pp.165-6.
Desta forma, o que acabou também por sofrer modificações foi o conceito de
identidade nacional. Este deixou de expressar unicamente o pertencimento político a um
Estado e passou a traduzir também a comunhão entre os homens que compartilhavam dos
mesmos sentimentos, seja em relação a um passado comum ou a um porvir ideal. A
identidade política tornou-se então uma opção, daí os homens no século XVIII poderem se
sentir pertencentes a muitas nações, se auto-intitulando cosmopolitas, ou mesmo desterrar-
se de sua nação quando nela não encontravam a vigência das leis naturais e o respeito à sua
condição humana. Por outro lado, ainda que o pertencimento político à nação pudesse ser
questionado, não havia como negar que todos os indivíduos portavam características
diferenciadoras determinadas pelo local onde haviam nascido. Ou seja, se os sentimentos
políticos não traduziam uma imposição, tampouco era fácil livrar-se das características que
inevitavelmente haviam de carregar por um dia terem pertencido a uma dada nação, por
mais que procurassem negar este fato. Só para dar um exemplo, ainda que um indivíduo
quisesse pertencer ao mundo, a língua utilizada para expressar este sentimento, na maior
parte das vezes, continuava a ser aquela que era comumente falada em sua terra natal.
Estas mudanças do século XVIII em relação ao pacto e à identidade nacional não
foram totalmente assimiladas no Império português, embora a introdução das idéias
ilustradas resultou num debate teórico em torno da identidade que merece ser esclarecido.
Em Portugal havia duas concepções tradicionais de se pensar a questão: uma naturalista e
outra política. A primeira dava continuidade às teorias segundo as quais a identidade
portuguesa era entendida como um dado natural, determinada por um desejo da
Providência, assim como era a índole de cada povo. Tal identidade antecedia à identidade
política, no sentido de que antes de Portugal se constituir em comunidade politicamente
ordenada, existia um Portugal natural definido pelo seu clima, pela qualidade de seus ares e
de suas águas, com a identidade portuguesa sendo transmitida pelo sangue. A terra
portuguesa tinha características próprias, sempre valorizadas pela sua excelência, a definir
seus habitantes. "O acto fundador do reino, no século XII, não pode, neste contexto, ser
senão desvalorizado, como um detalhe que apenas sublinhava politicamente uma realidade
'nacional' existente desde sempre"52. Ao lado desta concepção reinava outra estritamente
política, a qual atribuía a origem de Portugal justamente ao ato fundador de D. Afonso.

52
HESPANHA- António Manuel & SILVA, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit p.29.
Tratava-se, então, de buscar uma genealogia dos portugueses, encontrada então na
antigüidade da Casa Real.
No século XVIII, segundo Hespanha e Silva, com a entrada das idéias iluministas,
o que se verificou foi um embate entre os adeptos destas duas teorias, as quais, no caso
português, eram representadas respectivamente pelos "casticistas" e os "estrangeirados".
Estes últimos, adeptos do Iluminismo, "também cria[ra]m numa especifidade portuguesa.
Mas nem a sua antropologia universalista a concebia como natural e necessária, nem o seu
paradigma da organização social e política a julgava desejável, nos termos em que ela se
apresentava"53. Foram eles, portanto, responsáveis pela introdução de novos paradigmas no
que concerne à questão da identidade portuguesa, embora seus esforços não foram capazes
de modificar a hegemonia das antigas concepções. O que vale dizer que, apesar de Portugal
ter aberto suas fronteiras e procurado se europeizar, admitindo portanto a introdução de
algumas das novas idéias, no que se refere às idéias políticas, basicamente a de soberania e
de identidade, Portugal não renunciou ao seu legado teórico tradicional. Ainda no final do
século XVIII os portugueses eram aqueles que deviam fidelidade a um soberano cujo poder
divino estava isento de questionamentos. Tal concepção era aceita em todas as partes do
Império português, tal como se pode desprender, por exemplo, da frase de Francisco
Antônio de Oliveira Lopes, natural das Minas, que no interrogatório a que fora submetido,
registrado nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, acreditava que havia sido preso
por ter tido conhecimento de que havia naquela Capitania "sujeitos temerários e esquecidos
dos seus mais religiosos deveres que se atreve[ia]m a conspirar contra o legítimo domínio
da Rainha Nossa Senhora desta Conquista"54.
*
No que concerne às discussões em torno das identidades políticas, se os teóricos
portugueses não incorporaram as inovações introduzidas pela Ilustração, em outros níveis
estas foram fundamentais para que pudessem conceber um projeto de reformas que
desejaram realizar. Na verdade, o simples fato de reconhecerem o estado decadente da
nação portuguesa, já indica o quanto aceitaram a concepção iluminista de que não era
possível atribuir aos males de um povo a causas naturais. Também os ilustrados
portugueses entenderam que estes eram históricos, podendo desta forma serem corrigidos
53
Idem, pp.19-20.
54
ADIM- Op.cit, Volume II, p.42.
pois, se assim não fosse, não iriam se dedicar a esta tarefa, pois ninguém pode acreditar que
do combate com os deuses possa-se sair vitorioso. No entanto, estes tratadistas acreditavam
que a perda do peso político de Portugal no cenário europeu devia-se ao pouco sucesso
alcançado na esfera econômica, razão para que a reforma tenha se concentrado nesse nível.
Reformar a nação portuguesa era sobretudo desenvolver as atividades produtivas que
haviam de ser modernizadas para que Portugal pudesse competir com as nações mais
avançadas. Assim não foi uma reforma que propiciou o entendimento das especificidades
políticas da nação portuguesa, já que o atraso não era pensado nestes termos.
Esta noção da decadência já estava presente nos tratadistas do mercantilismo
português do século XVII, entre os quais podemos citar Duarte Ribeiro de Macedo55.
Também os teóricos naturalistas reconheciam o atraso de Portugal, atribuindo a sua causa a
um mau governo que não soube respeitar as leis naturais desta nação. Portanto, não se trata
de uma percepção da realidade própria do Setecentos, mas foi neste século que ela
intensificou-se, principalmente porque esta "peculiaridade" negativa passou a ser anunciada
no exterior. As características negativas da nação portuguesa serviam aos estrangeiros para
desprestigiá-la, o que feria a susceptibilidade dos portugueses, que acreditaram que ilustrar
sua pátria era uma das maneiras de reverter esta imagem. Desta forma, o desejo de
modernizar o Reino significou um reforço do sentimento de pertencimento à nação
portuguesa, no sentido de que refletia o amor dos portugueses pela sua pátria. A percepção
do atraso, segundo preceitos ilustrados, culminou na afirmação da potencialidade de
Portugal.
Foram os estrangeirados, portugueses que conheciam o estado das coisas nas
nações mais adiantadas, os grandes responsáveis por alimentar em sua pátria esta visão
mais positiva das coisas. Reconheciam o atraso mas alimentavam a esperança de que
Portugal poderia superá-lo, daí seus diagnósticos terem ganho crédito entre os estadistas.
Suas observações puderam ser bem acolhidas porque, em última instância, desejavam o
bem de sua pátria.

55
Ver sobre o assunto NOVAIS, Fernando A.- "O Reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos". In:
Revista Brasileira de História. nº 7, São Paulo, março de 1984, pp.105-6; e NOVAIS, Fernando- Portugal e
Brasil....- Op.cit, principalmente as páginas 129-135 e 200-11, nas quais esclarece as linhas de interpretação dos
tratadistas do século XVII sobre a decadência portuguesa.
Assim, se há mais de um século o estado decadente de Portugal vinha sendo
apontado, a grande inovação introduzida no século XVIII residia nas causas de sua
explicação. Uma vez que a origem da situação catastrófica foi atribuída à história desta
nação e não mais à sua natureza particular, remediá-la tornou-se um projeto viável que
devia envolver a todos os portugueses, cabendo ao Estado a direção das reformas. Este,
ancorado nas leis civis, devidamente reformuladas para dar vigência as leis da natureza,
deveria ilustrar e policiar seus súditos, para que o progresso e o desenvolvimento da nação
fossem de fato um desejo coletivo a unir todo o povo português. Já no reinado de D.João V,
Sanchez enfatizava esta idéia: "hoje é máxima constante que a virtude, a ciência, e o valor
dos Povos não dependem da sua educação particular, nem da sua Religião que professam.
Todos assentam, que das boas ou más Leis civis, e da sua observância professam o seu
modo de viver e de pensar"56.
O que é importante ressaltar é que os ilustrados portugueses atribuíam ao governo
a tarefa de levar a reforma a cabo. A intelectualidade portuguesa, cuja atuação estava
restrita à esfera política, delegou ao Estado a responsabilidade por este empreendimento
porque acreditou que esta era a única maneira de concretizá-lo. Segundo Tulio Halperin
Donghi, o absolutismo ilustrado é caraterístico das nações nas quais não existiam forças
sociais capazes de promover e orientar as reformas57. No caso de Portugal, foi este caráter
estatal da reforma que estabeleceu os seus próprios limites e campos de ação,
determinando, assim, a sua especificidade. Portanto, se eram as altas esferas do poder que
viabilizaram uma política de cunho ilustrado, não surpreende que ela tenha sido orientada
para o engrandecimento do poder monárquico. Assim, como bem observou Hazard, "a
filosofia julgava servir-se dos reis, mas eram estes que se serviam dela"58. Em Portugal,
como nas demais monarquias ilustradas, o poder monárquico encontrou na Ilustração a
possibilidade de sua reafirmação, o que envolveu a introdução desta filosofia no Império. A
Coroa, a partir do momento em que aderiu às idéias ilustradas, renovou suas forças. No
entanto, seu poder continuava a legitimar-se num sistema de prerrogativas estabelecidas

56
HESPANHA, António Manuel & SILVA, Ana Cristina Nogueira da- Op.cit., p.32.
57
DONGHI, Tulio-Op.cit.,p. 61. Entre os déspotas iluminados, podemos citar: Gustavo III da Suécia,
Cristiano VII da Dinamarca, Estanislau-Augusto da Polônia, Carlos III da Espanha, Catarina II da Rússia.
Assim como Pombal se sobressaiu ao Rei José I, outros ministros auxiliaram seus soberanos no
empreendimento: Dutillot em Parma, Tanucci em Nápoles, Conde de Aranda na Espanha. HAZARD, Paul-O
pensamento...- Op.cit, p.311.
58
Idem, p.313.
pela lei e pelos costumes tradicionais da nação. Trata-se, mais uma vez, da convergência
das idéias tradicionais com a novidade, mecanismo que durante muito tempo garantiu a
sobrevivência das monarquias em tempos de remanejamento das concepções políticas.
Desta forma, as mudanças de cunho ilustrado não visavam unicamente modernizar
a economia portuguesa, mas tinham fins estritamente políticos. Todas as barreiras que
dificultavam este empreendimento, vale dizer o aumento do poder do Rei, foram
devidamente combatidas. Tal foi o caso do poder dos eclesiásticos, cuja hegemonia no
campo das idéias estava em contradição com o processo de laicização e secularização da
política portuguesa59. A política do Padroado não era uma novidade em Portugal- o
monarca , por exemplo, na qualidade de Grão-mestre da Ordem de Cristo cobrava os
dízimos, mas a partir do século XVIII procurou-se acentuá-la, atribuindo ao soberano ainda
maior autonomia no que se refere às questões espirituais60. Não se pretendia criar
animosidade com a Santa Sé, a autoridade representada pela religião continuou a ser
respeitada, embora se procurou nacionalizá-la, atribuindo ao Rei poderes que anteriormente
não eram de sua esfera, como cuidar da instituição do clero e nomear os bispos dentro do
território nacional.
O que se percebe a todo instante é que as novidades introduzidas pela Ilustração
davam consistência à afirmação de desejos e idéias tradicionais, entre os quais está o
processo de centralização política na figura do monarca, já visível no século anterior. Esta
estranha confluência entre novas e antigas idéias era percebida, inclusive, pelos próprios
homens da época, que foram os primeiros a cunhar esta política utilizando-se do termo
"despotismo esclarecido". Há, no entanto, que esclarecer que os teóricos portugueses foram
muito seletivos quanto às idéias da Ilustração que poderiam, e deveriam, ser introduzidas
em sua pátria. Evidentemente que aquelas reconhecidas como tendencialmente
revolucionárias foram rechaçadas. É preciso estar atento a esta questão se quisermos
entender como uma filosofia, que se levada ao extremo questionava as bases de sustentação
do Absolutismo, pôde ser acolhida por monarquias que a praticavam. Na verdade, tal
constatação não diminui as ambigüidades intrínsecas ao absolutismo ilustrado que, em

59
Tal processo foi comum a todas as monarquias que acolheram as idéias ilustradas. Ficou conhecido como
regalismo nas católicas e cesaropapismo nas protestantes.
60
FURTADO, Júnia Ferreira-O Livro da Capa Verde- O Regimento Diamantino de 1771 e a vida no
Distrito Diamantino no período da Real Extração. São Paulo, ANNABLUME, 1996, p. 141.
última instância, anunciavam a crise do Antigo Regime, no qual as antigas concepções
necessitavam interagir-se à novidade para serem aceitas. Neste contexto, entre as opções
que restavam àqueles que se empenharam na manutenção do regime monárquico, esta
parecia ser a alternativa mais segura.
Na esteira da opção pelo fomentismo econômico, as teorias do progresso e bem
estar material, caras a todo ilustrado, tiveram grande aceitação em Portugal, como se pode
perceber na reforma empreendida nas instituições de ensino do Reino, pautadas pela
valorização do conhecimento essencialmente pragmático61. Novas técnicas e saberes
científicos foram introduzidos, fazendo frente ao saber especulativo, tal como o
pensamento escolástico, cuja hegemonia ia sendo posta em xeque. A mentalidade
portuguesa foi se modificando à medida em que as artes úteis ganhavam espaço entre a
intelectualidade. O conhecimento voltado para a realidade ganhou a preferência destes
homens, não sendo, portanto, de estranhar que as idéias escolásticas caducassem frente a
este processo de renovação mental62. No que se refere à produção do conhecimento, a
Igreja estava ameaçada de perder a importância que adquirira nos séculos anteriores. A
ordem jesuítica, a principal responsável pela educação na maior parte dos territórios sob a
soberania portuguesa, tornou-se então o principal alvo das críticas daqueles que estavam
dispostos a modernizar as idéias lusitanas. Ainda que os ataques aos jesuítas não possam
ser explicados simplesmente porque representavam o mais forte obstáculo à introdução
deste novo saber, os estadistas justificavam-os desta forma.
Foi no governo pombalino que se iniciaram estas transformações no universo
mental português63. No final do reinado de D.José, em 1772, ocorreu o que podemos

61
Segundo Maria Odila Dias, os iluministas portugueses procuraram estimular "os estudos de finalidade
prática, principalmente de mineralogia e história natural, em detrimento dos estudos políticos e filosóficos,
sempre mais perigosos para os antigos privilégios e para a ordem constituída" DIAS, Maria Odila da Silva-
Op.cit, pp.152-153.
62
"Já na segunda metade do século XVII havia representantes de idéias hostis ao provincialismo cultural e
político, ao Império da escolástica e ao terrorismo inquisitorial" como o Padre Antonio Vieira, Duarte Ribeiro
de Macedo e no final do século XVII Vicente de Nogueira e José da Cunha Brochado. FALCON, Francisco-
Op.cit, p.204. No início do século seguinte, segundo o autor, as reformas pedagógicas foram barradas pelos
jesuítas que contavam com o apoio da Corte portuguesa.
63
Para Rodrigues, o "alvorecer do iluminismo em Portugal" pode ser datado da primeira metade do
Setecentos. O autor dá destaque à atividade intelectual em torno do 4° Conde de Ericeira, à criação da
Academia Real de História Portuguesa em 1720 e à atividade dos estrangeirados. RODRIGUES, Graça
Almeida-"Anticonformismo na primeira metade do século XVIII". In: Pombal Revisitado. Volume 2.
Comunicações ao Colóquio Internacional organizado pela Comissão das Comemorações do 2° Centenário da
morte do Marquês de Pombal. Coordenação de Maria Helena Carvalho dos Santos. Lisboa, Editorial Estampa,
considerar como sendo a mudança mais significativa: a Reforma da Universidade de
Coimbra. Dois anos antes Pombal criara a Junta da Providência Literária, composta por
intelectuais metropolitanos e filhos da América, para reformular os estatutos da
Universidade que datavam de 1654, assim como para relacionar os livros a serem adotados
nas diversas disciplinas ali ministradas. Foram, no entanto, duas obras teóricas os pilares da
reforma da Universidade: o livro de Verney, O verdadeiro método de estudar, publicado
em Nápoles em 1746, e a obra de Ribeiro Sanches, Cartas sobre a educação da mocidade,
que teve publicação posterior, em 176064. A primeira é considerada, por muitos estudiosos
do tema, como um divisor de águas no sentido de que revolucionou o modo de pensar.
Tratava-se, segundo Falcon, da "ruptura da mentalidade ilustrada com a barroca, em todos
os níveis da realidade"65. Verney, um antigo inimigo dos jesuítas, um português que viveu
na França, chegou inclusive a ser "consultor pago do governo português no período
pombalino66.
As ciências empiristas e racionalistas foram privilegiadas na reforma da
Universidade, e a criação de anexos como o jardim botânico, o laboratório químico, o
museu natural e o observatório astronômico mostra a predominância dada a este saber
pragmático. Tratava-se de seguir o exemplo das nações que já tinham avançado no
conhecimento destas matérias e, como em Portugal eram poucos os que podiam lecioná-las,
muitos estrangeiros foram convidados a integrarem o elenco dos professores, tais como
Vandelli, Dala Bela, Franzini e outros67.
Mesmo depois da morte de D.José e da queda de Pombal, a política ilustrada não
sofreu interrupção, com alguns estudiosos afirmando até que a influência da Ilustração se

1984, pp. 247-255. No entanto, grande parte da historiografia sobre esta questão acredita que foi no governo
pombalino que as idéias ilustradas chegaram ao auge em Portugal, para continuar a predominar nos governos
posteriores. É comum encontrar Pombal caracterizado como um modernizador, o que em muito contribui para
a sua mitificação. Sobre este debate historiográfico em torno da figura representada por Pombal, ver:
FALCON, Francisco- Op.cit., pp. 222-225.
64
Sobre as obras teóricas que foram referências à reforma educacional ver: MARTINS, Wilson- História da
Inteligência brasileira ( 1550-1794). Volume 1, 4°edição, São Paulo, T.A.Queiroz, 1992.
65
FALCON, Francisco- Op.cit., p.332.
66
MAXWELL, Kenneth- Marquês de Pombal- Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1996, p.104.
67
RODRIGUES, Manuel Augusto- "Alguns aspectos da reforma pombalina da Universidade de Coimbra-
1772". In: Pombal Revisitado, Volume 1- Op.cit, pp.209-223. MUNTEAL FILHO, Oswaldo- "Domenico
Vandelli e o reformismo ilustrado luso-brasileiro (1779-1808) na crise do antigo sistema colonial". In: IX
AMI. Ouro Preto, Ministério da Cultura/ Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1993, pp. 182-189.
intensificou68. Multiplicaram-se os museus, as bibliotecas, os institutos, assim como os
estudos referentes à melhoria da produção agrícola. Estes, com a fundação da Academia
Real de Ciências em 1779, fortemente influenciada pelas teorias fisiocratas, ganharam
enorme expansão. Desta forma, o conceito de "viradeira", utilizado pelos contemporâneos
para denominar a transição do reinado, não parece exato. Conforme mostrou Fernando
Novais, o reinado de D. Maria e a regência do príncipe D. João deram continuidade à
política ilustrada do período imediatamente anterior. A “viradeira”, segundo o autor, não
passou de fenômeno conjuntural, tais como a perseguição a Pombal e a libertação de presos
políticos. "A equipe dirigente, de índole ilustrada, continuou basicamente a mesma, com
novos acréscimos. Ainda mais, as reformas ensejando os primeiros frutos, as iniciativas
foram avante, ampliando o raio de ação. O final do século, longe de um retrocesso, marca
um avanço, aparece como um desdobramento: o ponto mais alto da Ilustração em
Portugal"69.
Em Portugal, o afluxo das idéias iluministas restritas ao campo científico não
encontraram barreiras. Os portugueses, ao aceitarem idéias, cuja origem sabiam que era
estrangeira, acabaram também eles por confirmar a universalidade das teorias ilustradas.
Ao romperem com os preceitos xenófobos, estavam da mesma forma contestando a eficácia
da mentalidade lusitana, que por mais tradicional que se revelasse, já não podia ser
sustentada quando um novo projeto modernizador vinha sendo fortemente apoiado nas altas
esferas do poder. Assim, porque as idéias tradicionais se mostravam ineficazes para a
reformulação do campo educacional e científico, os portugueses recorreram à ajuda para
além de suas fronteiras. Nada disto significava, porém, um desprezo pela realidade
específica nacional, pois se abriram seus olhos para o que vinha ocorrendo no exterior,
estavam cientes de suas especifidades. Domingos Vandelli, por exemplo, em sua memória
redigida em 1789, considerava que "todos os ramos da Economia Civil, para que seja útil
ao Reino, devem ser regulados por princípios deduzidos de uma boa Aritmética Política,
68
FURTADO, Júnia- "Estudo crítico". In: COUTO, José Vieira- Memória sobre a Capitania de Minas
Gerais; seu território, clima e produções metálicas. Estudo crítico, transcrição e pesquisa histórica de Júnia
Ferreira Furtado. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994,
p.14. ( obra de 1799).
69
NOVAIS, Fernando- "O reformismo ilustrado..."-Op.cit, p.106 Também Falcon e Boxer defendem a tese de
que no reinado de D. Maria I, apesar de ter ocorrido uma reformulação de algumas medidas tomadas no
governo anterior, os dirigentes continuaram-se a serem fortemente influenciados pelas diretrizes ilustradas.
FALCON, Francisco- Op.cit. BOXER, C.R-O Império Colonial Português (1415-1825). Lisboa, Edições
70, 1981, p.192.
assim não se devem seguir sistemas, sem antes examiná-los e confrontá-los, com as atuais
circunstâncias da nação". Após a citação deste trecho, Novais conclui que "tratava-se,
como se vê, de ajustar os esquemas teóricos à conjuntura específica, num ecletismo
pragmático revelador de grande argúcia política"70.
Já dissemos que os jesuítas eram os principais responsáveis pela educação nos
domínios bragantinos. Nas colônias portuguesas, em especial, a difusão do conhecimento
estava inteiramente em suas mãos. No entanto, na segunda metade do século XVIII, a
posição de destaque que ocupavam estava ameaçada de desmoronar, o que ocorreu com a
expulsão destes religiosos do território português em 1759. Depois desta data, o combate à
Ordem jesuítica ganhou uma dimensão européia que só cessou com a extinção da mesma
por bula papal em 1773. No que diz respeito ao território português, um espaço ficou vazio
e precisava ser preenchido. Não foram apenas os eclesiásticos os únicos a serem
requisitados, pelo que se desprende que o perfil dos intelectuais desde então sofreu uma
mudança significativa. No entanto, ainda que os laicos fossem ganhando cada vez mais
evidência entre os detentores do saber, nem por isto este grupo era composto por livre-
pensadores. O processo de laicização do conhecimento foi lento, configurando uma
conjugação do pensamento escolástico com o iluminista.
No entanto, a permanência de velhas formas do saber não foi o maior dificultador
para a introdução das idéias iluministas no território português. Na verdade, os limites
impostos pelo Estado eram sem dúvida o principal obstáculo, limites que deviam
necessariamente ser respeitados pelos intelectuais que quisessem dar continuidade às suas
carreiras. Dado o espaço restrito que contavam para atuarem, a única alternativa que lhes
restava era inserirem-se nas redes do poder. Segundo Falcon, os intelectuais surgiram "à
sombra do Estado absolutista", eram "em quase sua totalidade, integrantes do aparelho
burocrático"71. Neste sentido, continuavam a ser tradicionais, na medida em que tinham que
obedecer aos limites de uma reforma cuja orientação vinha de cima72. É bom lembrar que
tratava-se de gente que se formava em instituições recém modernizadas pelo próprio
governo e quando eles delas saíam, a única oportunidade que encontravam era serem
colaboradores do próprio Estado, seja atuando, seja teorizando as reformas a serem

70
NOVAIS, Fernando "O reformismo ilustrado...."- Op.cit, p.109
71
FALCON, Francisco- Op.cit, p.229.
72
NOVAIS, Fernando- “O reformismo ilustrado...”- Op.cit, p. 229.
empreendidas73. Ter uma boa formação, ser um letrado, tornou-se enfim um importante
qualificativo na ascensão aos cargos políticos. Neste sentido, a Universidade de Coimbra,
acabou por ser o principal núcleo formador de funcionários públicos74.
Apesar da pouca liberdade que os intelectuais dispunham para escolher seus
próprios passos, estes souberam tirar proveito da situação. A reforma do ensino e da
mentalidade como um todo lhes proporcionou um prestígio jamais alcançado dentro do
Império português. Nas palavras de Falcon, "o intelectual profissionaliza-se, especializa-se,
é admitido como tal"75. Destacaram-se no corpo social e tornaram-se fundamentais ao
destino da nação. Foram as autoridades de maior escalão quem primeiro souberam
reconhecer suas qualidades. Em troca de privilégios conferidos aos intelectuais, esperavam
que eles contribuíssem com a política reformista que vinha sendo levada a cabo. Suas
atividades foram incentivadas, suas viagens e expedições às nações mais avançadas foram
patrocinadas, pois ali poderiam absorver o novo conhecimento e introduzí-lo em solo
português. Para muitos intelectuais que contavam com escassos recursos para se auto-
financiarem, pactuar com o governo era a única possibilidade que dispunham para a
ampliação de seu saber e consequentemente, para o aumento de seu prestígio social.
Neste rol de "privilegiados" incluíam-se também os portugueses nascidos na
América. À Coroa, ao menos durante o período pombalino, não interessava a naturalidade
dos homens desde que eles adquirissem o saber modernizado que os tornava aptos a
ingressarem nos cargos administrativos e nas cadeiras disciplinares das instituições de
ensino. Qualquer súdito, desde que contribuísse com seus préstimos para o bem da nação,
poderia ser favorecido com os incentivos do Estado. "O que se pretendia era a preparação e

73
"D. Francisco de Lemos, membro que foi da Junta de providência Literária e Reitor da Universidade de
Coimbra, no período posterior à implantação da reforma, sabia não só que o progresso do país dependia, em
grande parte, do aproveitamento dos mais capazes entre todos os que houvessem cursado estudos
universitários, mas também que o desenvolvimento dos estudos científicos só alcançaria o objetivo almejado
se os graduados pela Universidade fossem aproveitados pelo poder publico nos cargos que exigiam
qualificação universitária. Todas as ciências têm fins reais e de grande utilidade para o Estado- dizia, na sua
Relação Geral, D.Francisco de Lemos". CARVALHO, Laerte Ramos de- As reformas pombalinas da
instrução pública. São Paulo, Saraiva/ EDUSP, 1978, p.116 apud BOSCHI- "A Universidade de Coimbra e a
formação intelectual das elites mineiras coloniais”. In: Achegas à História de Minas Gerais ( século XVIII)
, Porto, Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1994, p.31.
74
Segundo Maxwell, Pombal "acreditava, com efeito, que a mudança mais importante que iniciara fora a
reforma da Universidade de Coimbra, porque via as reformas educacionais como um meio de dar
continuidade ao impulso modernizador, ao transformar e reformar a mentalidade dos funcionários públicos
portugueses". MAXWELL, Kenneth- Marquês de Pombal...-Op.cit, p.110.
75
FALCON, Francisco-Op.cit,, p. 106.
o treinamento de uma única elite luso-brasileira"76, segundo Caio Boschi, à qual preferimos
chamar de elite luso-americana por razões que serão explicadas mais adiante.
Compartilhando, desta forma, de estatuto semelhante ao dos reinóis, a elite
intelectual nascida na América viu-se atraída pela possibilidade de se tornar colaboradora
do Estado. O quanto isto significava uma adesão irrestrita à política oficial, fica difícil
dizer, e certamente a intelectualidade luso-americana acreditava que poderia ser útil à
Coroa portuguesa77, sabendo que, para atingirem seus objetivos pessoais e participarem das
esferas burocráticas, o caminho era o da inserção na gestão do projeto colonizador, o que
vale dizer concordância com a idéia de que o desenvolvimento do Reino dependia, entre
outras coisas, da permanência dos laços que mantinham as colônias subordinadas a ele. Era
esperado, assim, que portassem uma mentalidade típica de um colonizador reinól. Na lógica
estatal, apoiar os intelectuais luso-americanos em nada se distanciava, por exemplo, da
concessão aos colonos do direito de cobrança dos tributos locais. Nos dois casos, tratava-se,
em suma, de integrá-los ao sistema, impedindo ou enfraquecendo possíveis manifestações
de desagrado à política colonial78 .
Por outro lado, ainda que os letrados coloniais estivessem dispostos a servir à
Coroa, puderam também ser úteis à sua pátria. Aos estadistas interessava conhecer a
realidade das vastas conquistas portuguesas na América, em especial a potencialidade
produtiva destas regiões, pelo que muitos deles foram encarregados da tarefa. Eles
poderiam retratar o estado destes territórios com maior precisão que a elite intelectual
metropolitana, já que estavam familiarizados com eles, por terem aí nascido e vivido boa
parte de suas vidas. A análise das Memórias escritas pelos naturais das Minas,
encomendadas pelas autoridades ou a elas dedicadas, revela como estes letrados não se
limitaram a descrever a Capitania: eles tomavam a liberdade de exporem suas reflexões
acerca das estratégias políticas a serem ali adotadas79. Tal atitude, embora não contrariasse

76
BOSCHI, Caio C.- "A Universidade de Coimbra..."- Op.cit., p.30
77
Sendo esta a única via de atuação possível, não é de surpreender o aumento do número de estudantes luso-
americanos nas salas de aulas do Reino a partir da segunda metade do século XVIII. Ver sobre esta questão:
BOSCHI, Caio C.- “A Universidade de Coimbra...”- Op.cit.
78
Tal estratégia de cooptação vigorou apenas durante o período pombalino, já que no seguinte, os colonos,
intelectuais ou não, tiveram que suportar a política discriminatória quanto às suas origens americanas. Esta
questão será discutida no 4º Capítulo.
79
As Memórias serão analisadas no 3º Capítulo.
as normas da cultura vigente, demonstra o quanto a inserção nas esferas do poder tornava-
se uma posição de suporte aos interesses da elite colonial à qual estes homens pertenciam.
Evidentemente que tal estratégia só poderia ser eficaz no caso de harmonização
entre os interesses régios e os locais. Quando a elite das Minas viu seus interesses
ameaçados pela política do Trono, a possibilidade dessa conciliação passou a ser
contestada. Não analisaremos aqui detalhadamente esta questão. Por ora, interessa apenas
mostrar que as críticas posteriormente dirigidas à política metropolitana foram formuladas,
na maior parte das vezes, por homens que, justamente por terem feito parte do aparato
político, podiam visualizar com maior nitidez as implicações das diretrizes e dos
mecanismos do Estado metropolitano. Tais críticas também estavam fortemente embasadas
nas teorias iluministas, às quais conheciam graças ao apoio do governo, foco principal de
seus questionamentos. De antigos colaboradores, eles tornaram-se uma ameaça à política da
Coroa.
*
As idéias ilustradas, se por um lado ajudaram o governo de Lisboa a formular uma política
reformista, significaram uma ameaça ao poder régio quando homens insatisfeitos travaram contato com
sua vertente revolucionária. Por mais que as autoridades, que reconheciam a periculosidade destas idéias,
procurassem restringir o acesso a elas, os colonos burlavam a censura lusitana, seja através da compra
ilegal de livros, seja participando das academias locais.

Diferentemente do que ocorre na América espanhola, o estudo da Ilustração nas


colônias luso-americanas apresenta obstáculos a começar pelo caráter limitado das fontes
documentais disponíveis. Chiaramonte80, por exemplo, que analisou a Ilustração no vice-
reinado do Prata, baseou sua pesquisa nos documentos relativos às reformas das instituições
de ensino, como o Real Colégio São Carlos, principalmente no que diz respeito à cátedra de
filosofia. Analisou também documentos escritos por ilustrados hispano-americanos
desejosos de criar uma Universidade em Córdoba, ou ainda periódicos nos quais temas
como a importância de se modificar o foco e as formas do conhecimento, eram debatidos.
A partir destas fontes documentais, o autor analisou o universo ideológico vigente na
segunda metade do século XVIII naquela parcela dos domínios espanhóis. Segundo o autor,
o que aí se percebe é uma confluência das idéias tradicionais, fortemente escolásticas, com
80
CHIARAMONTE, José Carlos- La Ilustración en el Río de la Plata- cultura eclesiastica y cultura laica
durante el Virreinato. Buenos Aires, Puntosur, 1989. Sobre a Ilustração espanhola ver: SANCHEZ
AGESTA- Op.cit e SARRAILH, Jean- Op.cit.
a nova mentalidade empírica e racional da Ilustração, uma situação muito semelhante a que
vinha acontecendo na metrópole espanhola.
Na América portuguesa, por ausência de uma iniciativa do Estado em melhorar o
sistema educacional, não havia universidades ou imprensa, o que impossibilita o recurso a
documentos semelhantes aos analisados por Chiramonte. De resto, a administração colonial
pouco esforçou-se para substituir os antigos colégios jesuíticos, que até então resumiam o
sistema educacional nas colônias81. As aulas régias- educação propriamente pública,
diretamente administrada pela Coroa- eram poucas e de alcance limitado . Embora dois
cursos superiores tenham sido criados por franciscanos, em 1776 no Convento de Santo
Antônio no Rio de Janeiro e na virada do século em Olinda graças ao empenho do Bispo D.
José Joaquim de Azevedo Coutinho, iniciativas como estas foram escassas e não
comprometeram, conforme esclarece Boschi, "o lugar cimeiro de Coimbra"82. Na obra de
Sanches, que teve enorme repercussão entre os dirigentes reinóis, os limites à educação nos
territórios ultramarinos estão claros,"...nas colônias, cuja mocidade deveria ser criada no
Reino, só deveria haver escolas de ler e escrever e livros de conta e razão, sendo proibido
latim, grego e filosofia"83. O que se pretendia, enfim, era conservar todos os laços que
pudessem manter os colonos ligados à Metrópole, e as poucas medidas tomadas para a
melhoria da educação nas colônias foram orientadas por este princípio, como parece ser o
caso do interesse de Pombal pela difusão da língua portuguesa.84
Nas Minas, apesar da criação do Seminário de Mariana, o incentivo ao ensino foi
sentido no bolso dos habitantes, seja através do subsídio literário, seja por via do imposto
sobre papel selado introduzido em 1802, para "as pensões que era mister estabelecer a
pessoas da capitania que fossem estudar à universidade, ou às aulas da marinha de
Lisboa, a tipografia, a hidráulica, a medicina, ou cirurgia e voltassem depois a exercer

81
Com "exceção de uma escola de artilharia de arte e de edificações militares na Bahia, de outra artilharia no
Rio de Janeiro e dos dois seminários instalados em 1739 nesta última cidade, estava nas mãos da Companhia
de Jesus todo o sistema de ensino da Colônia, mais precisamente, 25 residências, 36 missões e os
mencionados 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas isoladas de 'ler e escrever' ".
BOSCHI, Caio C.- "A Universidade de Coimbra....”- Op.cit, p.15.
82
idem, pp.16-17
83
FALCON, Francisco- Op.cit., p.352.
84
VILLALTA, Luiz Carlos-"O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura". In: História da vida
privada: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.360.
estes empregos na sua pátria"85. Como solução alternativa, multiplicaram-se os
empreendimentos voltados à educação realizados por particulares, que organizavam
"escolas familiares" e contratavam mestres para ensinar no espaço doméstico86,
configurando um espaço de sociabilidade intelectual na colônia reservado a uma minoria
que soube contornar o descaso das autoridades quanto à questão educacional. Outros
espaços de sociabilidade intelectual resultaram das academias que emergiram neste
período, graças tanto à iniciativa de colonos, atraídos por debates travados do outro lado do
oceano, quanto ao estímulo do Trono. Elas eram admitidas porque os temas discutidos
estavam de acordo com a ilustração portuguesa, podendo assim terem a proteção da Coroa.
A exemplo do que ocorria na Metrópole, seus temas restringiam-se a questões estritamente
científicas, deixando de lado as que cabiam ser pensadas pelo Estado87. Incentivos vindos
de Lisboa, como a criação em 1784 da casa de História Natural ou casa dos Pássaros no Rio
de Janeiro, foram raros, tendo os habitantes da América que contar quase que somente com
esforços individuais.88
Por outro lado, se os habitantes das Minas enfrentavam graves restrições quanto ao
acesso aos novos conhecimentos, nem por isto deixaram de travar contato com a filosofia
das Luzes ou com as letras em geral. Apesar da censura, que a partir de 1768, com a criação
da Real Mesa Censória, passou a ser competência exclusiva do Estado89, voltando a

85
VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de- Breve descrição geográfica, física e política da Capitania
de Minas Gerais.(1807) Estudo crítico por Carla Maria Junho Anastasia; transcrição e pesquisa histórica por
Carla Maria Junho Anastasia e Marcelo Cândido da Silva. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais, 1994, p.110.
86
Na verdade, nas Minas, tal situação lhe era característica desde sempre, devido à proibição da fixação de
ordens e congregações religiosas. Ali as escolas domésticas foram sempre predominantes.
87
Podemos citar: Academia dos Renascidos ( Bahia, 1759), Academia dos Seletos ( Rio de Janeiro, Sociedade
Científica do Rio de Janeiro ( 1772) e Sociedade Literária do Rio de Janeiro ( 1779). Apenas duas academias
foram criadas no período anterior ao reinado de D.José: Academia Brasílica dos Esquecidos (Bahia, 1759) e
Academia dos felizes ( Rio de Janeiro, 1736) Ver sobre as academias coloniais: Cavalcante, Berenice- "Os
'letrados' da sociedade colonial: as academias científicas e a cultura do Iluminismo no final do século XVIII".
In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Volume 8, nºs 1/2, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, jan/dez de
1995, pp. 53-66.
88
FIGUERÔA, Silvia Fernanda de Mendonça- Ciência na busca do Eldorado: a institucionalização das
ciências geológicas no Brasil ( 1808-1907). Tese apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, como requisito à obtenção do título de doutor. Sob a orientação
da Profª. Drª Maria Amélia Mascarenhas Dantas, São Paulo, 1992, p. 20.
89
A lei de 5 de abril de 1768, a qual criou a Real Mesa Censória, dizia o seguinte: "Mando, que a mesma
Mesa tenha jurisdição privativa e exclusiva em tudo o que pertence ao exame, aprovação e reprovação dos
Livros e Papéis, que já se acham introduzidos nestes Reinos, e seus domínios; dos Livros e Papéis, que nele
entrarem de novo, ou seja pelos Portos do Mar ou pelas Raias secas; dos Livros e Papéis, que se pretendem
reimprimir, posto que antes fossem estampados com Licenças; dos Livros e Papéis de nova composição; de
todas as Conclusões, tudo o mais que pertence à estampa, impressão, oficinas, Vendas e Comércio dos que
Censura Tríplice ( da Inquisição, do Ordinário e do Desembargo do Paço) em 1793, os
livros estrangeiros acabavam por entrar nos domínios portugueses90. Alguns eram
encomendados com a permissão da Coroa, que concedia a licença da compra de livros
levando em conta a categoria do requerente, desde que este restringisse seu uso à esfera da
privacidade91, mas a maior parte dos impressos interditos entrou clandestinamente. Os
livros tiveram, efetivamente, um importante papel para os letrados da colônia, sendo uma
das poucas formas com as que podiam contar para saciarem o desejo de se instruírem. Nem
a inércia do Estado, nem a rigorosa censura impediram que estes homens tivessem acesso
às informações.
Nas Minas, devido principalmente ao ambiente urbano que a mineração
engendrou, a circulação de livros e idéias era muito mais intensa do que em outras partes da
América portuguesa. Embora fossem poucos os letrados, este grupo possuía livros e
costumava reunir-se em casas de particulares a fim de discutí-los, com o que despontava
uma nova cultura política, uma nova sociabilidade entre os letrados, unidos pela "a avidez
na busca de informações sobre as mudanças que o mundo experimentava"92. O Cônego
Luis Viera, em seu depoimento nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, "nega que
se instruísse a fundo na matéria do governo e constituição das Leis, digo, e constituição da
república da América Inglesa, só assim como homem curioso"93. Esta curiosidade, comum
aos letrados das Minas, podia ser saciada através dos livros mesmo para aqueles que não o
possuíam ou sequer sabiam ler. Os empréstimos e a oralidade também eram práticas
comuns. Saint-Hilaire, em passagem pela Comarca do Serro Frio no início do século XIX,

houverem de defender publicamente em qualquer lugar destes Reinos; e de sobreditos Livros e


Papéis;Ordenando que nenhum Mercador de Livros, Impressor, Livreiro ou vendedor dos referidos livros e
Papéis, ousem vender, imprimir, e encadernar os sobreditos Livros, ou Papéis volantes por mínimos que
sejam, sem aprovação e Licença da Sobredita Mesa". Apud CARNEIRO, Januário Laurindo- "A imprensa
através dos séculos e sua contribuição para a independência dos povos". In: RIHG/ MG. Volume 16, Belo
Horizonte, 1975, p.255.
90
Segundo Villalta isto devia-se à própria ineficácia da atividade censória portuguesa, que era por demais
lenta e não contava com critérios uniformes, principalmente durante a vigência da censura tríplice.
VILLALTA, Luiz - "Cultura Literária e Inventividade dos Leitores no Brasil Colonial". Conferência
proferida no Colóquio Minorias Silenciadas: Direitos Humanos no Limiar do Século XXI, organizado pelo
Centro Universitário Maria Antônia, da Universidade de São Paulo, em São Paulo, em 17 de abril de 1997,
pp.6-7 (mimeo)
91
VILLALTA, Luiz- "O que se fala e o que se lê..." - Op.cit, p.371.
92
Jancsó, István- "A Sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVIII". In:
História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia
das Letras, 1997, p.401.
93
ADIM- Op,cit, Volume 4, p.308.
notara que aquele ambiente era propício às letras, conforme as suas próprias palavras:
"encontrei nesta localidade mais instrução que em todo o resto do Brasil, mais gosto pela
literatura e um desejo de se instruir"94 .
Tais práticas contrariavam a cultura política vigente na colônia onde a "livre
associação de entidades políticas era proibida como condição básica para a própria
sobrevivência do sistema colonial”95. Tal medida não deixou sequer de atingir as
irmandades, cujas finalidades eram essencialmente religiosas. Enquanto núcleos
aglutinadores, elas despertavam a atenção das autoridades, que procuravam controlá-las
cada vez mais, utilizando-as inclusive como instrumento de coesão. Após a tentativa da
conjura em 1788-9, e diante das conseqüências da Revolução Francesa, tudo indica que o
Estado tomou medidas mais rigorosas para conter o espírito associativo da população.
Martinho de Melo e Castro, em 1794, alertava os deputados da Mesa da Consciência e
Ordens para o perigo potencial destas associações:
"E sendo bem conhecidos os danos que tem resultado aos Estados Soberanos de
muitas das ditas Associações eretas ao principio debaixo do titulo de piedade, e devoção, e
convertido depois em conventículos sediciosos, e origem de muitos e muitos funestos
acontecimentos"96
Através dos inventários das bibliotecas dos inconfidentes ou de letrados que não
entraram na conspiração, podemos distingir quais eram as questões de seu maior interesse.
O que se nota é que a trajetória individual determinava na maior parte das vezes a
composição das bibliotecas, embora surpreende o fato de que também os livros
considerados perigosos ocupavam lugar nas prateleiras de homens que se aproximavam da
ortodoxia. O Bispo de Mariana, D. Frei Domingos da Encarnação Pontevel, por exemplo,
além das obras religiosas, possuía livros de ciência moderna e da filosofia iluminista. Os
padres sediciosos, principalmente o Cônego Vieira97, tinham também um grande interesse

94
Furtado, Júnia- O Livro...- Op.cit., p.54.
95
Boschi, Caio César- Os leigos e o poder ( irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerias). São
Paulo, Editora Ática, 1986, p.3. "Todas as formas de sociabilidade estavam sob controle do Estado. Em Minas
Gerais, mais que em qualquer outra região, isto foi saliente". Paula, João Antônio de- "A inconfidência
mineira: revolução e limites". In: Análise & Conjuntura. Volume 4, n°s 2 e3 , Belo Horizonte, Fundação João
Pinheiro, maio/dez de 1989, p.47.
96
ACL-Coleção de Legislação portuguesa, de Francisco M Trigoso de Aragão Morato, v.26, doc. 186. Apud.
Boschi, Caio C.-Os leigos e o poder...- Op.cit., p.28.
97
O guarda-livros Manoel Pires de Figueiredo tinha a mais preciosa biblioteca da Comarca do Serro Frio,
com 140 livros, assim como o Cônego Vieira que "possuía uma biblioteca eclética, que abrangia os principais
pela matéria. Também Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, José Aires Gomes,
José Resende Costa, José Pereira Ribeiro e outros, ligados à conjuração de 1788-9, tinham
em suas bibliotecas livros inovadores nos campos político, filosófico ou científico. Não
cabe, aqui, relacionar a lista de livros de cada qual, mas apenas mostrar que os estudos
revelam a presença massiva das obras ilustradas nas bibliotecas particulares das Minas98.
Como mostrou Villalta, isto não era uma exclusividade desta Capitania, pois as bibliotecas
coloniais mudaram o caráter de sua composição no século XVIII, quando se pode perceber
uma maior abertura "para as ciências e os saberes profanos, deixando-se contaminar pela
Ilustração"99.
É claro que a simples posse de livros não indica que as idéias iluministas eram
aceitas, nem sequer que os livros fossem lidos. Conforme as análises de Chartier sobre a
receptibilidade da leitura100, para que as idéias contidas num livro sejam apreendidas, é
preciso uma certa inventividade, que vem a ser uma certa predisposição à aceitação ou ao
questionamento das mesmas. Quanto às Minas, é possível acreditar que era o contexto aí
vivido que favoreceu a incorporação das idéias iluministas, por razões que passaremos a
mostrar no segundo e terceiro capítulos. De qualquer forma é possível desde já afirmar que
os leitores das Minas, que tinham em mãos estes livros ilustrados, foram inventivos, no
sentido de que estas leituras os ajudaram a pensar a realidade local. Nos Autos de Devassa
da Inconfidência Mineira não são poucas as referências aos livros de filósofos iluministas,

temas de interesse da época, se estendendo principalmente pela leitura dos clássicos e da ilustração francesa,
sendo que a obra de Montesquieu e a Enciclopédia se destacavam aí" FURTADO, Júnia- O Livro...-Op.cit,
p.55.
98
DINIZ, Sílvio Gabriel- "Biblioteca Setecentista nas Minas Gerais". In: RIHG/ MG. Belo Horizonte,
Volume IV, 1959, pp.333-344. FREIRO, Eduardo- O Diabo na Livraria do Cônego. Belo Horizonte,
Editora Itatiaia, 1957. VILLALTA, Luiz Carlos-"Os cléricos e os livros nas Minas Gerais da segunda metade
do século XVIII". In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Volume 8, nºs 1/2, Rio de Janeiro, Arquivo
Nacional, dezembro de 1995, pp.19-52.Ver ainda os artigos de Paulo Gomes Leite, nos quais procura
investigar a introdução dos livros ilustrados nas Minas, assim como a relação dos leitores com a maçonaria:
LEITE, Paulo Gomes- "A Cultura do Tijuco no Resgate do Iluminismo em Minas" In: Revista Minas Gerais.
nº14, Belo Horizonte, março de 1989, pp.22-26; IDEM- "Duas Edições Anônimas de d'Alembert em
Diamantina". In: Revista Minas Gerais. nº16, Belo Horizonte, maio de 1989, pp.43-46; IDEM- "Vieira
Couto e as ligações entre a Maçonaria do Tijuco, de Portugal e de Moçambique". In: Revista Médica de
Minas Gerais. Volume 5, nº3, Belo Horizonte, julho a setembro de 1995, pp.193-200; IDEM- "A Maçonaria,
O Iluminismo e a Inconfidência Mineira." In: Revista Minas Gerais, nº33, Belo Horizonte, janeiro de 1991,
pp.18-23; IDEM- "Um Iluminista Holandês na biblioteca de Vieira Couto". In: Revista Minas Gerais. nº32,
Belo Horizonte, dezembro de 1990, pp. 24- 29. IDEM- "Revolução e heresia na biblioteca de um advogado de
Mariana". In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional. Volume 8, nº 1-2, Rio de Janeiro, dezembro de 1995,
pp.153-166.
99
VILLALTA, Luiz- “ O que se fala e o que se lê...”.-Op.cit, p. 361.
100
CHARTIER, Roger (org)- Práticas de Leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.
principalmente aqueles que descrevem a independência das Américas Inglesas, caso do
depoimento do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, que após ter
conversado com Tiradentes, Alvarenga Peixoto, Padre Rolim e com o Vigário da Vila de
São José dizia que: "o Abade Reynald [Raynal] tinha sido um escritor de grandes vistas,
porque prognosticou o levantamento da América Setentrional e que a Capitania de Minas
Gerais com o lançamento da derrama estaria agora nas mesmas circunstâncias"101.
Rouanet foi buscar, não só neste corpus documental como na poesia dos
inconfidentes, o que ele chama de "síntaxe iluminista"102. Segundo o autor, são comuns as
referências às leis da natureza, à fraternidade universal, às idéias anticolonialistas, assim
como são constantes as críticas à tirania, ao fanatismo, ao militarismo, ou seja, os principais
tópicos da Ilustração estão ali presentes. "Em outras palavras, nós temos aqui, em Minas
Gerais, um eco quase mediúnico de coisas que na mesma época estavam sendo ditas e
pensadas na Europa"103, afirma o autor. São muitos os estudos que vão nesta linha,
buscando na documentação produzida pelos habitantes das Minas, ou na documentação
oficial na qual suas idéias estão expostas, a influência do Iluminismo. Barros chega
inclusive a pensar numa Ilustração mineira104, o que não deixa de ser um exagero, mas de
qualquer forma ajuda a pensar a importância que estas idéias tiveram aos letrados das
Minas Gerais.
Apesar da interdição à entrada de livros censurados, foram os próprios donos do
poder que acabaram por despertar nos colonos esta curiosidade pelo que estava
acontecendo fora dali, por razões já enunciadas, e também porque estimularam os súditos
da América a estudarem nas Universidades européias, principalmente na de Coimbra.

101
ADIM-Op.cit, Volume 4, p.207.
102
ROUANET, Sérgio Paulo- " A Inconfidência mineira e o Iluminismo". In: IX AMI. Ouro Preto,
Ministério da Cultura/ Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1993, pp.69-81. Ver ainda do mesmo autor:
"As Minas Iluminadas: a Ilustração e a Inconfidência". In: Tempo e História. Organização Adauto Novaes,
São Paulo, Companhia das Letras/Secretaria Municipal da Cultura, 1992, pp.329-346.
103
ROUANET, Sérgio P.- " A Inconfidência..."- Op.cit, p.80.
104
BARROS, Roque Spencer Maciel- "A 'Ilustração brasileira' revisitada. In: O Estado de São Paulo,
Suplemento Cultural, 14 de março de 1987. Apud. DIAS, Fernando Correia- "A inconfidência mineira em
contextos de revisão". In:Análise & Conjuntura. Volume 4, nº 2 e 3, Belo Horizonte, Fundação João
Pinheiro, maio/dez de 1989, p.122. Pode-se citar ainda outros trabalhos: IGLÉSIAS, Francisco- "Raízes
ideológicas da Inconfidência Mineira". In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional.. Volume 4, nº1, Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, jan/jun de 1989, p.7-13; FALCON, Francisco J.Calazans- "Da Ilustração à
Revolução- percursos ao longo de espaço-tempo setecentista". In: Acervo: Revista do Arquivo Nacional.
Volume 4, nº1, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, jan/jun de 1989, pp.53-87; FALCON, F.J.C- "Luzes e
Revolução na Colônia". In: REA. Volume 2, n°2, São Paulo, maio/agosto de 1988, pp.73-85. Ver ainda os
trabalhos de Villalta já citados.
Apesar da criação do Seminário de Mariana em dezembro de 1750, o fluxo de estudantes
das Minas rumo universidades européias não diminuiu. Como esclarece Boschi, as "Minas
lidera[va] a lista de locais de proveniência dos matriculados na Universidade de
Coimbra105.Quando estes estudantes retornavam à Capitania, traziam na bagagem as novas
idéias que difundiriam naquele ambiente106. Tal permissão, há de se esclarecer, se
possibilitava aos colonos sua inserção nos meios intelectuais, e consequentemente a
atualização de seus conhecimentos, compensava a falta de instituições de ensino de alto
nível na colônia e, mais do que isto, dava consistência à diretriz metropolitana de criar
vínculos que fizessem com que os colonos dependessem da Metrópole, seja na obtenção de
mercadorias, seja na de conhecimento.
Os que não conseguissem ingressar nas instituições controladas pelo Estado,
fossem elas administrativas ou educacionais, tinham que burlar a censura para não ficarem
isolados das idéias que tinham curso na Europa. Ávidos por conhecimento, criavam uma
rede de intercâmbio de informações com os que retornavam às Minas após terem
atravessado o Atlântico. É significativo o fato do Cônego Luis Vieira, dono de uma das
maiores bibliotecas da Capitania, jamais ter pisado em solo europeu. Assim, ainda que
estabelecidos num lugar remoto e inculto, como eles mesmo o consideravam, os filhos de
Minas puderam conhecer o que vinha acontecendo em realidades distantes e diferentes.
Este olhar para além de sua pátria não demonstra um desinteresse pela realidade tal como
era vivida dentro das fronteiras das Minas. Pelo contrário, assim como todo intelectual que
ampliou seu horizonte, os letrados das Minas, a partir do conhecimento das mudanças em
curso em outros quadrantes, fossem da Europa ou da América, puderam estabelecer
comparações e perceber com maior nitidez quais eram as particularidades do local que lhes
coube viver. O contato com o exterior aguçava crítica e autocrítica, e delas saltava aos
olhos o atraso das Minas. Tomava forma, uma estranha manifestação patriótica resultante
do desejo de regeneração a partir da consciência das suas próprias deficiências, expressão

105
BOSCHI, Caio C.- "A Universidade de Coimbra..." - Op.cit, p.22
106
Visconde de Barbacena, em 11 de julho de 1789, enviou ao Ministro Martinho de Melo e Castro um relato
no qual declara seu temor ante à conjura descoberta: "não deixo de crer que as ditas lembranças viessem de
Coimbra, seja certo ou não o ajuste dos estudantes porque sempre nesta matéria achei muito arriscado os
sentimentos, opiniões e influência dos bacharéis brasileiros que têm voltado à sua pátria, especialmente
depois que se julgam instruídos nos direitos públicos e das gentes, nos interesses da Europa e no
conhecimento das produções da natureza; e muito mais depois que passaram a estudar nas universidades
estrangeiras, como têm feito alguns sem razão suficiente". ADIM- Op.cit, Volume 8 p.198.
peculiar do otimismo característico dos intelectuais da Ilustração, que acreditavam que para
todo mal havia uma solução, principalmente quando a rusticidade e a ignorância haviam se
instaurado em um local que, para os habitantes das Minas, tinha grande potencialidade
produtiva, ainda que mal aproveitada.
A expansão de uma nova mentalidade nas Minas encontrou no próprio Estado o
seu maior opositor. A este não interessava incentivar o desenvolvimento livre de amarras.
Se a filosofia da Ilustração foi uma referência obrigatória dos estadistas portugueses,
quando se tratou de incorporá-la à realidade das Minas, a situação inverteu-se
completamente, o que não impediu que houvesse quem se dispôs a pensar a sua realidade
local a partir de seus fundamentos. Ainda que esses fossem poucos, a influência da
Ilustração está presente na recusa à política do Trono, e isso é da maior relevância pois se,
há um fator em especial que levou a elite local a refletir sobre as causas da decadência
aurífera foi, sem dúvida, a atuação das autoridades metropolitanas na esfera local.

2º Capítulo
As causas da decadência no discurso oficial

Na segunda metade do século XVIII, muitos estadistas portugueses acolheram as


idéias iluministas na tentativa de reverter a posição secundária que Portugal ocupava no
cenário europeu. No entanto, o tom de mudança que caracterizou seu projeto reformista não
foi suficiente para esconder o predomínio das tradicionais teorias políticas. Se a
sobrevivência da nação dependia da adesão às novas idéias, era-lhe ainda mais fundamental
a preservação de antigos pressupostos políticos.

Nas colônias ultramarinas, as mudanças foram sentidas sob o signo do retrocesso,


já que a intensificação dos controles metropolitanos fazia parte deste projeto, que nas
conquistas revelou integralmente seu caráter contraditório107. Grandes foram os esforços
gastos no aperfeiçoamento da administração colonial, em particular por quem visava
controlar a arbitrariedade dos representantes do Trono naqueles territórios, exigindo-se
deles que se guiassem rigorosamente pelas diretrizes metropolitanas.
No entanto, as diretrizes rigorosamente impostas envolviam mais obstáculos que
garantias de boa condução dos negócios coloniais, pois se bem refletiam os interesses da
Coroa, pouco respaldo encontravam na realidade onde deveriam ser aplicadas. Ao serem
formulada como extensivas a toda a América portuguesa, passível de ser apreendida em
conjunto ao centro do poder, em Lisboa, não poderia contemplar a diversidade das partes
que compunham aquela vasta conquista. A acomodação deste projeto generalizador
dificultava o reconhecimento das diferenças.
Foi este antagonismo entre as leis e a realidade que caracterizou a administração
das Minas Gerais na segunda metade do Setecentos, particularmente depois da década de
60, quando passou a se viver ali um contexto de grandes modificações. Após a queda dos
rendimentos do quinto, a situação da Capitania tendia a se chocar com as exigências do
Estado, pelo que primar pela observância das leis não poderia se constituir na estratégia
mais apropriada de administração. A Coroa mostrava-se, no entanto, irredutível, e foi a
insistência nesta conduta que acabou por antagonizar os interesses régios aos locais, que
coexistiam em relativa harmonia até a eclosão do movimento sedicioso em 1788-9.
A pessoas de destaque daquela sociedade não escapou a percepção de que esta
política ameaçava posições anteriormente alcançadas, pelo que repensar referências
políticas tornou-se condição básica para garantir sua efetiva existência privilegiada. Desta
forma, porque a atuação das autoridades determinava a eficácia e, consequentemente, o
grau de adesão ao Estado português, é que, para entender os sentimentos políticos que

107
Ver NOVAIS, Fernando-Portugal e Brasil...- Op.cit, pp.136-197.
portavam é preciso investigar, antes de tudo, as estratégias adotadas pelos burocratas das
Minas. Dito de outra maneira se pretende entender o descontentamento de integrantes da
elite, que inevitavelmente irá se refletir em seus sentimentos de pertencimento político,
partindo, para tanto, dos motivos que geraram a insatisfação: a administração da Capitania.

Ainda que a decadência do ouro que assolou as Minas neste período possa ser
analisada sob este prisma, a historiografia tendeu a dar maior ênfase à análise do
comportamento da máquina administrativa no que se refere à busca de soluções para as
dificuldades econômicas108. A razão do predomínio desta vertente historiográfica deve-se,
em parte, ao fato de que as próprias autoridades agiram preferencialmente no sentido de
resolver o problema criado pela redução do quinto, como se seu gradativo declínio
explicasse por si só a crise vivida naquela unidade do Império. No entanto, a depender dos
problemas que freqüentemente se dispuseram a enfrentar, e não há dúvida de que o sistema
produtivo tenha despertado suas atenções, as conseqüências de sua atuação acabaram por
deslocar o eixo da questão para a esfera política. Com o exercício do poder tornando-se
objeto de reflexão, o Estado tornou-se o cerne das insatisfações. Há de se considerar que
não foram só os da terra a manifestar descontentamento desta ordem; também a algumas
autoridades desagradavam as imposições régias, não sendo raro que as contrariassem, o que
resultou em sérias advertências da parte de autoridades de maior escalão.
Muitos estudiosos, seguindo os passos de Laura de Mello e Souza109, referiram-se
a estes casos fundamentais para exemplificar o que a autora considerou ser a administração
nas Minas neste período: uma mistura de autonomia e extrema sujeição ao Estado. No
entanto, consideraram apenas a ação de governantes que, aproveitando-se do relativo
afastamento do núcleo das decisões políticas, agiram por interesses particulares, conforme

108
CASTRO, Antônio Barros de - 7 ensaios sobre a economia brasileira. Volume II. 3º edição, Rio de
Janeiro, Forense- Universitária, 1980. Ver em especial o Capítulo 2: "A região das Minas. Retrocesso e
dispersão após a crise"; LINHARES, Maria Yedda Leite- "O Brasil no século XVIII e a idade do ouro: a
propósito da problemática da decadência". In: Seminário sobre a cultura mineira no período colonial. Belo
Horizonte, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1979, pp.147-171.
109
SOUZA, Laura de Mello e- Desclassificados do ouro- a pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro, Edições Graal, 1982, p.97. Para Guerzoni, a Coroa portuguesa sempre tomou, nas Minas, "todas as
medidas para cumprir o pacto colonial e para punir qualquer forma de desobediência a seu cumprimento. Para
isso é instalada uma complexa máquina administrativa e repressora para levar adiante as diretrizes
metropolitanas e para tornar as atividades coloniais fontes reais de renda para a metrópole. As funções dentro
da máquina administrativa não são bem definidas e ela age ao sabor das circunstâncias, sem mostrar,
entretanto, autonomia". GUERZONI Filho, Gilberto- Política e Crise do Sistema Colonial em Minas
Gerais (1768-1808).Ouro Preto, Imprensa da Universidade de Ouro Preto, 1986, p.12.
as circunstâncias os favoreciam. As arbitrariedades dessas autoridades não foram raras,
denúncias contra elas abundam na documentação, mas elas não são capazes de esgotar a
análise do conflito de opiniões na esfera do Estado110. Guerzoni, por exemplo, que estudou
o assunto, pôde perceber que as condutas políticas divergiram no tempo111, mas sua análise
carece de profundidade, pois as divergências não são visíveis apenas na sucessão temporal,
elas estão presentes no interior de cada um destes períodos a depender da maneira pela qual
as autoridades lidavam com as evidências do local que a elas cabia administrar.
Neste capítulo pretende-se elucidar a atuação de governantes que foram favoráveis
a uma revisão da política colonial nas Minas porque perceberam que o descompasso com a
situação vivida por seus habitantes dificultava a satisfação dos interesses da Coroa. A
análise destes casos poderá ajudar a entender melhor tanto o comportamento das
autoridades nas Minas, quanto a percepção que tinham da Capitania. Pretende-se, em suma,
discutir a idéia muito difundida de que essas autoridades necessariamente reproduziam a
ótica de Lisboa e, quando não o faziam, era porque se tratava de homens que agiam
arbitrariamente, sem preocupação com os interesses da Coroa.
Sabe-se que as autoridades locais, independentemente da sua sintonia com as
diretrizes metropolitanas, não podiam agir com autonomia; todos os seus passos
necessitavam da aprovação prévia da Coroa, ou de um superior que a representasse mais de
perto. No entanto, e mesmo acatando as ordens, nada impedia que fizessem suas próprias
reflexões muitas vezes em contrapeso à tendência que o rigor das leis propunha-se fazer
imperar na administração das Minas.
*
Nenhum governante tinha como negar que as Minas enfrentavam um período de
crise, da qual a queda dos rendimentos dos quintos era a mais clara evidência. Por outro
lado, nem todos compartilharam da mesma opinião quanto às causas do declínio, o que
resultava em divergentes posições quanto à estratégia mais adequada para reerguer a
Capitania das Minas Gerais.

110
Ver, por exemplo, AHU cx.115 doc.59; AHU cx.119 doc.35; AHU doc.129 doc.3.
111
Guerzoni dividiu o período de 1768 a 1808, em três momentos distintos, quando se pode notar uma
tendência comum nas diretrizes emanadas do outro lado do Atlântico O primeiro período inicia-se com o
governo de Conde de Valadares em 1768 e vai até o de D.Rodrigo de Menezes em 1783, o segundo encerra-se
por volta de 1795 e o terceiro, por sua vez, finaliza-se em 1808. GUERZONI, Gilberto- Op.cit, p.14.
Tendo tomado posse da Capitania em dezembro de 1763, menos de dois meses
depois o governador Luis Diogo Lobo da Silva já falava da "decadência em que se acham
as Minas"112. Visto a urgência da matéria, o governador arriscava-se a diagnosticar as
razões da diminuição do quinto, assim como a dar seu parecer sobre as maneiras pelas quais
o mal poderia ser remediado. Embora soubesse que o não pagamento integral da cota de
cem arrobas acarretaria na derrama, conforme estipulava o Regimento de 1750113, o
capitão-general mostrava-se receoso quanto à imposição desse recurso extraordinário, visto
"a miséria e decadência" dos povos. Defendia a conveniência do perdão da dívida, desde
que tal clemência não servisse de exemplo para outra igual falta.
Consciente de que contrariava o Regimento, o governador expunha seus
argumentos com toda a cautela, esclarecendo que sempre acataria as ordens de Sua
Majestade. Ainda que afirmando fidelidade, suas observações apuradas das dificuldades
enfrentadas pelos mineiros apontavam para a inconveniência das normas, revelando o
quanto era difícil atuar na Capitania em estrita observância das ordens da Coroa114. Afinal,
como seria possível acreditar que os mineiros pudessem arcar com dívidas tão elevadas, se
ele mesmo notara que a falta de recursos e de técnicas avançadas fazia com que extraíssem
só o ouro superficial, àquela altura em reduzida quantidade? A cobrança lhe parecia injusta,
porque para ele os mineiros não eram os responsáveis pela diminuição do tributo, mas sim
os contrabandistas de ouro em pó que agiam, como ele mesmo afirmava, com tanta
liberdade.
Percebe-se que o primeiro governador a enfrentar a redução do quinto mostrou-se
sensível à realidade das Minas, propondo a moderação do apetite do Tesouro. Foi esta sua
percepção que lhe permitiu defender soluções inovadoras, que pouco se harmonizavam com

112
AHU cx.84 doc.69. Caio Boschi, equivocadamente, considera que o documento refere-se ao extrato das
cartas do governador Gomes Freire de Andrada. .O que é inverossímil, uma vez que Andrada morreu no dia
1º de janeiro de 1763. BOSCHI, Caio C.- Inventário dos manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais
existentes no Arquivo Histórico Ultramarino. Volume 1, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro
de Estudos Históricos e Culturais, 1998, p.345. A data do documento (1764) sugere que as cartas apresentadas
eram do governador Luis Diogo Lobo da Silva, que tomou posse em dezembro de 1763. "Governo de Minas
Gerais". In: RAPM. Ano I, fascículo 1º, janeiro a março de 1896, p.6
113
"O Alvará de 3 de dezembro de 1750 era o suporte da administração portuguesa na área mineradora, e o
cumprimento de suas disposições, a garantia dos direitos da Coroa sobre a Capitania" VALADARES,
Virgínia & REIS, Liana- Minas Colonial em documentos: economia, governo e poder. Belo Horizonte,
Expressão, 1999, p.133.
114
Utilizamos o termo "mineiro" tal como era utilizado na época. Diferentemente do significado atual, os
mineiros não eram os naturais da Capitania de Minas Gerais, e sim os homens que trabalhavam nas lavras, ou
seja, eram os mineradores.
a tendência administrativa em vigor, tais como a fabricação de moedas provinciais e a
vinda de mineiros da Hungria para aperfeiçoar as técnicas extrativas. Porém, nos anos
seguintes de seu governo, que se encerrou em julho de 1768, Luis Diogo não demorou a
mudar de opinião, ajustando-se às diretrizes régias. A flexibilidade que soube demonstrar
no primeiro ano foi abandonada por completo, dando lugar à estrita preocupação com a
questão tributária, ao gosto das autoridades metropolitanas.
De qualquer forma, em 1764, um ano após a cota de 100 arrobas não ter sido paga
integralmente, as propostas de solução para a crise na Capitania, que serão adotadas
posteriormente, foram enunciadas pela principal autoridade da região. De fato, ao longo do
período, as linhas de ação dos governadores pouco se diversificaram das mencionadas por
ele: o combate ao extravio, a busca de novas lavras, a cobrança da dívida dos contratadores.
No entanto, Luis Diogo apresentava argumentos favoráveis a estratégias que, apesar de
integrarem o debate político, não ganharam apoio efetivo para se concretizarem. Esta
oscilação entre uma atuação mais branda, fruto da sensibilidade para a compreensão dos
problemas dos habitantes, e um rigorismo que será característico da administração das
Minas, permeia as reflexões dos governantes que atuaram na região.
Antes de analisar o modo pelo qual cada governador da Capitania posicionou-se
em relação às ordens ditadas por Lisboa, nos termos do que foi feito quanto a Luis Diogo,
cabe mostrar o que lhes foi comum, o que será feito mediante a análise dos principais
tópicos que ajudam a entender o projeto político da Coroa para as Minas. Evidentemente a
sucessão do tempo foi lhe mudando as feições, mas, neste período, no que concerne às
expectativas e condutas emanadas do Trono, as mudanças foram menos visíveis que as
permanências, sendo justamente a insistência em adotar uma mesma diretriz, mais repleta
de erros que de acertos, o maior motivo para os mal-estares.
De uma forma geral, foi a percepção da crise pelas autoridades de maior escalão, a
partir da década de 60, que determinou a linha de atuação administrativa. Para superar a
decadência, que era percebida devido à queda dos rendimentos do imposto sobre o ouro,
preferiram-se as soluções voltadas para a recuperação da atividade aurífera, assim como
para a regulamentação da cobrança do quinto. Neste sentido, na visão do poder, para
restaurar nas Minas seu antigo estado de prosperidade, bastava agir com estes objetivos.
Qualquer outra estratégia que não os priorizasse foi deixada de lado.
Muitos estudos sobre as Minas deste período mostram que a Capitania, na segunda
metade do século XVIII, não estava mais voltada essencialmente para a atividade
mineradora, como a documentação oficial nos leva a crer115. Sabe-se que no início da sua
ocupação, a mineração era a única atividade de que se ocupavam seus habitantes, sendo
atraídos para lá justamente pela riqueza fácil que ela proporcionava. Esta avidez pelo ouro,
e o desprezo por outras atividades essenciais à sobrevivência acarretou em períodos de
fome, vendo-se os homens, conforme relatos de época, com uma das mãos cheias do nobre
metal, e a outra sem o de comer. Antonil, em seu livro de 1711, já alertava:
"Sendo a terra que dá o ouro esterilíssima de tudo que se há mister para a vida
do homem, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das minas, não se pode crer o
que padecerão ao princípio os mineiros por falta de mantimentos"116
Ao que parece o autor não estava de todo errado. De fato, o território acidentado
das Minas era pouco favorável ao plantio, mas as dificuldades topográficas foram aos
poucos sendo vencidas, já que os habitantes, depois de períodos de privações, procuraram a
todo custo estabelecer pequenas roças. Se, no princípio, eram escassas e voltadas à
subsistência, rapidamente evoluíram chegando até a abastecer parte do mercado interno da
Capitania. Muitos, inclusive, que ali haviam se instalado, perceberam que esta era uma
atividade mais lucrativa e segura do que a própria mineração, já que o trabalho nas lavras
não poderia assegurar um sucesso previsível117.
Assim, longe de serem atividades excludentes, a agro-pecuária e a mineração
coexistiam lado a lado, sendo inclusive os próprios donos das lavras que se dedicaram à
produção agrícola. Isto se deve, conforme explicam Valadares e Reis, ao próprio sistema da

115
ALMEIDA, Carla Maria C.- "Minas Gerais de 1750 a 1850: bases da economia e tentativa de
periodização". In: LPH: Revista de História. nº5, Departamento de História da Universidade Federal de
Ouro Preto, Mariana, 1995, pp.88-11; BOSCHI, Caio César- "Apontamentos para o estudo da economia, da
sociedade e do trabalho nas Minas Colonial". In: Análise & Conjuntura. Volume 4, nºs 2 e 3, Belo
Horizonte, Fundação João Pinheiro, maio/dez de 1989, pp.50-5; Castro, Antônio Barros de- Op.cit; LIBBY,
Douglas Cole- "Novas considerações sobre a protoindustrialização mineira dos séculos XVIII e XIX". In:
Revista do Departamento de História, nº9, Belo Horizonte, FAFICH/ UFMG, 1989, pp.149-160;
LINHARES, Maria Yedda Leite- Op.cit, pp.147-171; MAGALHÃES, Carlos Magno- "Inconfidência,
estrutura agrária e escravidão". In: Revista do Departamento de História, nº9, Belo Horizonte,
FAFICH/UFMG, 1989, pp.161-179. VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit.
116
ANTONIL- Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Apud CASTRO, Antônio Barros de -
Op.cit, p.27. O autor não cita a edição utilizada, nem a página onde se encontra a citação referida.
117
BOXER, Caio R- A Idade do ouro no Brasil- dores de crescimento de uma sociedade colonial, São
Paulo, Companhia Editora Nacional, 2ºedição, 1969, p.71.
distribuição das terras118. O direito de exploração de lavras não fazia dos mineiros donos
das terras onde elas se localizavam e, a fim de evitar que um mesmo pedaço de terra fosse
explorado por diferentes ocupantes, era comum concederem-se as datas àqueles que já
possuíam carta de sesmaria. Os donos das minas eram muitas vezes fazendeiros, sendo
comum lançarem-se também às atividades mercantis, comercializando o que produziam,
acumulando diferentes funções nos diversos ramos da economia.
Desta forma, quando a extração do ouro começou a declinar, a economia das
Minas Gerais já estava preparada para absorver o choque das transformações que estavam
por vir119. Já é de conhecimento de todos que foi o desenvolvimento da agro-pecuária que
possibilitou aos habitantes amenizarem as conseqüências advindas da redução da produção
do ouro, evitando a ruína generalizada das Minas120. No entanto, isto se deu mais a
contrapeso da vontade do Estado, pois este as mantinha no estímulo à continuidade da
produção aurífera, na qual tinha sua principal fonte de renda até o esgotamento de todas as
possibilidades de sua recuperação. A Coroa não tinha interesse em mudar o perfil
econômico da Capitania que, graças à extração do ouro, foi durante muitos anos a principal
responsável pela riqueza dos cofres reais. Foi este o motivo que a levou a neglicenciar a
diversidade produtiva da região121 e criticar as premissas fisiocráticas que no Reino já
contavam com seguidores. A idéia de que o ouro possui um valor ilusório foi duramente
rebatida pelas autoridades que no período da crise decidiam o futuro da Capitania. Neste
sentido, eram comuns opiniões como a do governador D. José Luis de Menezes (7/1768-
5/1773), que não economizou palavras para argumentar a favor da atividade aurífera.
Segundo ele, "foi sempre o primeiro objeto da verdadeira política, (...) o conservar as
Minas de modo que não declinam, e promover os serviços dos mineiros, (...) porque se as

118
VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.16.
119
MAXWELL, Kenneth- "Conjuração Mineira: novos aspectos"- Op.cit, p.11. Após a década de 1760, "o
declínio de Vila Rica e a ascensão do sul refletiam a queda do papel dominante da mineração e a crescente
importância das atividades agrícolas e pastoris" MAXWELL, Kenneth- A devassa da devassa: A
Inconfidência mineira, Brasil- Portugal, 1750-1808. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977, p.110.
120
Áreas próximas ao Rio São Francisco e no sul de Minas prosperaram, em particular após 1808, graças à
agro-pecuária. No caso desta última região, a sua prosperidade deve ter sido considerável, já que na ocasião
da vinda da Família real à América portuguesa ela estava preparada para abastecer o Rio de Janeiro.
LINHARES, Maria Yedda Leite- Op.cit, pp.147-172. Ver também IGLÉSIAS, Francisco- "Periodização da
História de Minas". In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. nº29, Belo Horizonte, Universidade Federal
de Minas Gerais, julho de 1970, p.193.
121
Segundo Laura de Mello e Souza, "...Minas representou 70% da produção da colônia do século XVIII".
Desclassificados do ouro....- Op.cit, p.28.
Minas se esterilizarem, é certo que ao mesmo passo se despovoarão, ficando o Continente
cá posto a invasões, e se arruinaram todos os interesses políticos, deixando de entrar no
Erário Régio as importantes quantias que produzem os direitos dos gêneros que se
introduzem nestas Minas, e se consomem por causa delas"122.
Assim, levados pela idéia de que "o ouro é o sangue das Minas"123, as autoridades
praticamente limitaram suas ações à recuperação da economia aurífera, desconsiderando
outras atividades que na Capitania estavam em franco desenvolvimento. Na ótica do
Estado, estas deviam ser obstacularizadas porque poderiam prejudicar a mineração, por
reterem mão-de-obra e cabedais que necessariamente deviam ser empregados nos serviços
minerais.
No caso específico da agricultura, que nas demais partes da América vinha sendo
incentivada, conforme observa-se na Instrução que Martinho de Melo e Castro deu a Luiz
de Vasconcellos e Sousa em 1779124, nas Minas não despertava o interesse da Coroa,
sendo, pelo contrário, motivo de grande preocupação. As autoridades viam com maus olhos
uma possível substituição da mineração pela lavoura, uma atividade que, na Capitania, não
gerava excedente facilmente apropriavel mediante o fisco, principalmente porque, ao estar
essencialmente voltada para o mercado interno, a apropriação de sua renda era efetuada
dentro dos limites das Minas Gerais125.
Ainda assim, a agricultura era tolerada, pois as autoridades tinham consciência de
que a carestia de alimentos prejudicava a mineração, já que os homens não viviam só do
ouro. Por esta razão, o vice-rei Marquês de Lavradio defendia, no Relatório de 1779, que:
"o verdadeiro sistema da capitania era trabalharem uns nas lavras e descobertos e outros

122
AHU cx.99 doc 12. (O termo Continente, neste caso, é usado para a Capitania). Mais enfático ainda,
quanto à importância da economia do ouro, foi o Procurador da Fazenda que, em 1773, acreditava que "da
conservação dos ditos Mineiros (..) depende a de todo este Estado do Brasil". AHU cx. 105 doc. 38 f.3. Em
1780, o memorialista Teixeira Coelho alertava que "dependentes dos mineiros" estavam "os reais interesses
das entradas, dos dízimos, dos donativos e a povoação daquela capitania...". COELHO, José João Teixeira-
Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais. (1780) Introdução por Francisco Iglésias, Belo
Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p.175.
123
AHU cx 105 doc.37 f.2 .
124
"Instrução de Martinho de Mello e Castro a Luiz de Vasconcellos e Sousa, acerca do governo do Brasil".
In: RIHGB, Volume 25, ano 1862, p.482.
125
"Assim, o principal objetivo da administração fazendária atinha-se ao controle das atividades mercantis e à
conseqüente transferência das rendas para os grupos dominantes do Estado. Todas as diretrizes fazendárias
tiveram como marco uma preocupação tributária capaz de realizar tal transferência ". SALGADO, Graça
(coord.)- Fiscais e meirinhos- a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira/ Pró-
Memória, Instituto Nacional do Livro, 1985, p.83.
nas roças, a fim de não faltarem os meios de subsistência"126. Guerzoni notando o fato
defende que a partir da década de 70 a lavoura foi incentivada visando aumentar a
arrecadação dos dízimos. De fato, até aqueles que não escondiam sua predileção pelo
primado da economia aurífera tinham por certo que "de se cultivarem as terras resulta
grande utilidade aos dízimos e aos povos"127. No entanto, é o próprio autor que mostra que,
enquanto foi possível relegar a lavoura para um segundo plano, não se considerou
compensar a falta do quinto com o rendimento dos dízimos. Seria preciso esperar muitos
anos para que a mineração deixasse de ser vista pelas autoridades como a principal
atividade das Minas128.
A fim de conservar o predomínio da extração mineral não foi só a agricultura a
enfrentar dificuldades. Também a fabricação de tecidos, chapéus e outras manufaturas foi
proibida. No que se refere à produção têxtil, o Alvará de 1785 a restringia à fabricação dos
panos mais rudes, com base no argumento da confecção dos tecidos de luxo "até nas
mesmas terras minerais" ter contribuído para a diminuição da "extração do ouro, e
diamantes, tudo procedido da falta de braços, que devendo empregar-se nestes úteis, e
vantajosos trabalhos, [que] ao contrário os deixam, e abandonam, ocupando-se em outros
totalmente diferentes, como são os das referidas fábricas, e manufaturas"129.
Seguindo este mesmo raciocínio, impediu-se também a construção dos engenhos
de açúcar na Capitania, "em que se ocupam infinitos negros que necessariamente fazem
falta aos serviços das Minas"130. A proibição vinha de longe, datada de 1715, quando a
estrutura administrativa mal havia sido implantada naqueles territórios. Em 1743, a
proibição foi novamente imposta, ao que parece por não estar sendo de todo obedecida,
pois concedia a clemência aos engenhos já construídos mas negava terminantemente
autorização para se erguerem novos a partir daquele ano.

126
Apud CARVALHO, Daniel de- Op.cit, p.25.
127
AHU cx.97 doc.2 f.1.
128
"A preocupação com a agricultura como alternativa econômica em relação à mineração, por sua vez,
apenas surge no discurso oficial com D.Rodrigo de Souza Coutinho, na virada do século". GUERZONI-
Op.cit, p.16.
129
"Reprodução fac-similar do Alvará de 5 de janeiro de 1785 proibindo as manufaturas do Brasil". In:
RAPM, Ano XL, Belo Horizonte, Secretaria de Estado da Cultura/ Arquivo Público Mineiro, 1995, p.156.
130
AHU cx.122 doc.50 fls.14-15. Antonio José Godinho Caldeira, Intendente da Comarca de Sabará, além de
apontar para o problema da mão-de-obra, considerava que a cachaça era um mal, por ser a origem dos
tumultos e desordens causadas pelos escravos. f.15.
Não é coincidência que as atividades mais promissoras na Capitania, que poderiam
representar saídas para a crise do ouro, foram justamente as proibidas por decretos, alvarás
e bando emitidos pelo Estado ao longo do período. Apesar de tantos obstáculos, o fato é
que nunca deixaram de ser praticadas seja mediante burlas às normas ou porque algumas
autoridades demonstraram falta de empenho em fazer com que elas fossem obedecidas.
A evidência mais clara disto é a agricultura ter emergido como alternativa viável
quando o ouro dava seus últimos sinais de vida. Quanto aos engenhos, mesmo sabendo-se
que eram proibidos, multiplicavam-se os pedidos de autorização para a sua construção131
ou, simplesmente eram levantados sem consentimento oficial, já que as leis, como
esclarecia o intendente da Comarca do Sabará em 1784, "se devizão[sic] toleradas, e nunca
cumpridas132. Tal situação parecia fugir ao controle, tal como observou o memorialista
Teixeira Coelho em 1780, ao considerar que as providências quanto à proibição dos
engenhos haviam sido inúteis. Segundo ele, "se não executaram as ordens referidas, e sem
embargo delas se tem multiplicado de tal forma a fatura dos engenhos de cana que são
raras as fazendas, ainda que pequenas, onde os não há."133
Quanto à fabricação de tecidos, esta era uma prática disseminada por toda a
Capitania, como se pode observar pelo inventário, publicado pela Revista Arquivo Público
Mineiro134, dos teares existentes na primeira metade do século. No entanto, apesar de seu
elevado número, estes não representavam uma ameaça à mineração, uma vez que só
empregavam mão-de-obra feminina, e os tecidos eram destinados ao consumo doméstico.
Na década de 70, provavelmente os teares teriam se multiplicado, mas conservaram as
características das décadas anteriores. O governador Noronha (5/1775-2/1780) que em
1775 temia que a produção de tecidos chegasse "a um ponto tal de perfeição que servissem
de animar os habitantes de Minas a quererem fazer-se independentes"135, admitia dois anos
depois o exagero de sua observação, esclarecendo ter sido influenciado por negociantes do
Rio de Janeiro, que usaram desse argumento para justificar, perante seus credores no Reino,
131
Um dos inúmeros exemplos a serem citados é o Requerimento do Capitão Jozé Alves Lima, anterior a
1785, no qual esclarecia que pretendia "mandar fazer um engenho", o que era "não prejuízo a Real Fazenda
mas sim utilidade". AHU cx.123 doc.87.
132
AHU cx.122 doc.50 f. 15.
133
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.251.
134
Sobre os teares na Capitania das Minas Gerais ver: RAPM, ano XL- Op.cit (edição dedicada integralmente
ao tema).
135
AHU cx.111 doc.1 Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, pp. 31-32. Ver sobre o assunto:
LIBBY, Douglas Cole- Op.cit.
o não pagamento de dívidas. "Porém ao depois que passei as Comarcas do Rio das Mortes,
e do Sabará, e que examinei seriamente o estado desta Capitania", continua o governador,
o que se viu foram teares que "só teciam panos brancos grosseiros, e riscado toscos de
algodão que aplicam para os seus usos, e para vestirem alguns negros, ocupando nestas
insignificantes manufaturas escravos inúteis para os outros serviços"136.
No entanto, em 1779, o governador voltava a se contradizer, demonstrando mais
uma vez sua preocupação com o estado das manufaturas em Minas Gerais137. Tudo leva a
crer que suas preocupações, e as das autoridades metropolitanas tenham sido excessivas,
pois quando o Alvará foi implantado seis anos depois, apenas treze teares de ouro e prata
foram apreendidos em todo o território americano138.
Muitas autoridades locais procuraram à Corte que as medidas tomadas em relação
à proibição da fabricação dos tecidos eram desnecessárias, porque as "as ditas e grosseiras
manufaturas desta mesma Capitania", como escreve em 1788 D. Luis da Cunha ( 10/1783-
7/1788), não causavam danos à mineração, nem sequer "prejuízo algum ao tronco do
comércio da Metrópole"139. Sem respaldo na realidade, as preocupações eram infundadas e,
como alertava o governador, rigorosas porque proibiam a produção de tecidos numa
Capitania com "a maior propensão e propriedade para a criação dos bichos que a
produzem de seda natural que tira para cor de rosa".140 Desenvolver a atividade têxtil,
para ele, seria de grande valia já que, dada a falta de "teares de fazer galsens [sic] de prata
e oiro", altas quantias eram gastas para a compra de tecidos que vestiam "grande número
de oficiais"141. Apesar de contrariado, D. Luis da Cunha não tomou nenhuma medida no

136
AHU cx.111 doc.1. Luis da Cunha Menezes, em 1786, defendia opinião semelhante ao do governador
Noronha. Ver AHU cx.128 doc.34 Apud Valadares, Virgínia & Reis, Liana- Op.cit, p.59.
137
"...alguns habitantes de Minas em lugar de aplicarem todo o seu esforço, e dos seus escravos em
promover, e aumentar os serviços das lavras, que é o principal objeto, em que devem ocupar-se os moradores
de tão rico País, para se enriquecerem a si, e ao Estado, passaram a querer tentar o ambicioso projeto de
erigirem diversas fábricas de chapéus e algodões, tintos ,e lavados..." .In: RIHG/ MG. Volume X, Belo
Horizonte, p.423, 1967. (Carta do Governador Noronha aos quatro ouvidores das Comarcas das Minas
Gerais).
138
NOVAIS, Fernando- Portugal e Brasil...- Op.cit, p.272.
139
AHU cx.128 doc.34 f.3. Segundo Xavier da Veiga, em 1802 foi enviada uma ordem régia ao governador
das Minas, Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello, "determinando-lhe novamente 'que procure evitar que
nesta capitania se faça uso de qualquer manufatura que não seja de Portugal' ". VEIGA, José Pedro Xavier da
- Efemérides mineiras 1664-1897. Belo Horizonte, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João
Pinheiro, 1998, Volumes 1 e 2, p.538.
140
AHU cx.128 doc.34 f.2.
141
idem, f.3.
sentido de anular o Alvará; pelo contrário, ainda que um pouco a contragosto, aplicou as
ordens recebidas.
Também a política em relação aos engenhos e à lavoura encontrou, entre os
governadores, alguma resistência. Valadares, mesmo tendo mandado derrubar em 1777 os
engenhos construídos no seu governo, expressava sua dúvida quanto aos que fazer com os
que foram edificados no tempo de seus predecessores, principalmente "porque demolindo-
se os engenhos (...) se causaria um gravíssimo prejuízo aos moradores desta capitania,
uma considerável diminuição aos subsídios voluntário, e litúrgico..."142. Com a situação
vivida pelos habitantes sendo merecedora de atenção porque a proibição refletia
negativamente sobre as rendas do Estado. Valadares, assim como Luis da Cunha,
expressava o desejo de harmonizar os interesses dos moradores com os do Estado,
entendendo que o desenvolvimento das Minas era vantajoso, não só para os povos, mas
também para a Coroa.
Barbacena, antes mesmo de tomar posse em 1788, também questionou a eficácia
das medidas anteriormente adotadas, principalmente porque elas em nada pareciam
favorecer o progresso da Capitania. Quando informado que o "sistema e instruções antigas
para o governo da Capitania impediam o aumento da agricultura, como o motivo de
aplicar todo o trabalho dos habitadores à extração do ouro" procurou saber se eles eram
válidos para "aquele tempo somente" ou se, pelo contrário, poderia auxiliar e promover "a
agricultura, e por conseguinte a estabilidade, povoação, descobrimento e comércio da
Capitania, pelos meios que forem convenientes, e compatíveis com a situação dela"143.
Barbacena, assim como fizera Valadares, expressava sua crítica através da dúvida, mas
colocava-se submisso às ordens régias, porque esta era a conduta esperada dos
governadores que, independente de mostrarem-se contrariados, nada mais deviam fazer do
que executar as determinações recebidas.

142
AHU cx.111 doc.1 Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.33. Sobre este documento
observam as autoras: "Evidentemente, os habitantes das Minas que possuíam engenhos de açúcar e
aguardente negociavam esses produtos e, com parte dos lucros advindos desse comércio, pagavam os
subsídios cobrados pela Metrópole. A destruição desses engenhos numa economia mineradora em declínio
significaria o não-pagamento de tributos e, portanto, prejuízo para a Real Fazenda" p.21. Teixeira Coelho,
referindo-se ao governo de Valadares, diz que este não consentiu que se construíssem novos engenhos, no
entanto, "atentando ao prejuízo que se lhe representou, deu conta a Sua Majestade" COELHO, José J.
Teixeira- Op.cit, p.155.
143
AHU cx.128 doc.2 f.4
Assim, independentemente do sucesso das leis proibitivas, e da opinião contrária de
alguns governantes, a Coroa continuou a insistir nesta estratégia, acreditando que assim
estaria propiciando a recuperação da extração aurífera. Desde já é possível supor que essa
política tenha gerado descontentamento, mas a Corte não se preocupou com eles. Ainda
assim, não escapou a alguns representantes do Trono que a adoção dessas medidas era um
equívoco, principalmente porque sabiam que a Coroa poderia obter vantagens se,
paralelamente à mineração, incentivasse outras atividades produtivas.
*
Na verdade, a busca das causas da redução do quinto, revela que a expansão de
novas atividades não era o principal problema a ser enfrentado. Foi o extravio do ouro e dos
diamantes, sem dúvida nenhuma, o tema que ganhou maior destaque nas correspondências,
sendo o combate a ele a principal preocupação das autoridades.
De fato, o contrabando atingia limites alarmantes, envolvendo não só os
moradores das Minas como gente que provavelmente nunca tinham posto os pés naquele
território144, cabendo, portanto, a todas as autoridades coloniais mobilizarem-se para
extinguí-lo, mas foi nas Minas onde se deu o combate mais intenso, até porque ali se
originava uma rede que se alastrava sabiam lá as autoridades até onde.
Não há como discordar quanto às autoridades terem tido motivos para se
preocuparem com essa prática ilícita. Há muito que o contrabando vinha sendo realizado,
mesmo quando o rendimento do quinto superava as 100 arrobas de ouro. Se "este extravio
sempre houve", e em 1773 "se não pode julgar mais excessivo, antes muito mais moderado
e diminuto, de que nos tempos de grandeza"145, como acreditar que o declínio da receita
devia-se principalmente ao comércio clandestino? Era esta a pergunta que se fazia o
procurador da Fazenda de Vila Rica, João Dias Rosa Maciel, numa demonstração de
clareza pouco comum entre as autoridades.
Enfatizar tão energicamente o problema do extravio estava em conformidade com
os desejos da Coroa na preservação do sistema tributário, tal como vinha vigorando desde

144
Marquês de Pombal em 1775 enviou uma carta ao então governador das Minas, Antonio de Noronha,
comunicando a descoberta de uma Sociedade de contrabandistas em Lisboa "com correspondência
igualmente perniciosa nessas Minas Gerais"."Carta do Sr. Marquês do Pombal sobre as prisões que se
fizeram em Lisboa nos contrabandistas de Diamantes e Ouro em pó". In: RIHG/ MG. Volume X, Belo
Horizonte, 1963, p.421.
145
AHU cx.105 doc. 37 fls.2-3.
1750. Percebendo a situação por esse ângulo, era possível descartar a possibilidade de que o
excessivo valor do quinto era o motivo da diminuição do volume do ouro que entrava nas
Casas de Fundição, sendo preferível acreditar que os habitantes, súditos infiéis, arranjavam
meios de sonegação.
Assim, atribuindo aos moradores a inteira responsabilidade pela queda do quinto, a
Coroa ficava numa posição confortável para reivindicar o que, por lei, lhe cabia. Não era o
sistema tributário que necessitava ser reformulado, eram os súditos que deveriam ser
melhor fiscalizados. Tal raciocínio embasava a adoção de medidas rigorosas que, se
camuflavam os verdadeiros problemas, permitiam, ao menos em tese, administrar as Minas
conforme o desejo do Trono.
A fim de combater o extravio de forma eficaz, as autoridades procuraram
diagnosticar o problema com exatidão, saber que espécie de homens eram aqueles que não
honravam seus deveres para com Sua Majestade, assim como apurar os métodos por eles
utilizados. Num texto escrito por volta de 1779, o extravio era diferenciado em três tipos:
"o mais prejudicial é o do ouro em pó, por que não paga 5º nem direito de
braçagem, o segundo é o do ouro em barra depois de fundido, e pago o 5º, mas que não
entra na Casa da Moeda, e é enviado para a Europa, ou para a Ásia para saldar o
comércio autorizado, ou clandestino, que os negociantes das Praças do Brasil têm
naquelas duas partes do mundo. O 3º é uma conseqüência do primeiro e do segundo, e vem
a ser a falsificação da barra de ouro, que se faz nos mesmos Portos do Brasil"146
O extravio do primeiro tipo sempre foi considerado como o mais preocupante aos
olhos da Coroa que, já na primeira metade do século XVIII, esforçou-se por combatê-lo.
Nas décadas seguintes esse combate foi intensificado, sem que houvesse grandes mudanças
no que concerne às estratégias. Os passos iniciais foram dados no sentido de inibir a ação
dos contrabandistas através do controle da itinerância dos homens. Proibiu-se a abertura de
novas estradas147, criaram-se patrulhas para percorrer as Minas no encalço dos
extraviadores, e registros foram instalados nos limites da Capitania. Desta forma, as
autoridades acreditavam que estariam dificultando a saída do ouro que não havia sido
quintado. A insistência em optar por uma política fiscalizadora nos moldes da que já vinha

146
AHU cx.115 doc.71 f. 3
147
Tal como havia sido proibido em 1720. FURTADO, Júnia Ferreira- Homens de negócios- a
interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo, Editora Hucitec, 1999, p.99
sendo praticada anteriormente, revela que a Coroa continuava a acreditar na sua eficácia,
justificando os resultados medíocres através da inércia de algumas autoridades em aplicá-la.
Neste sentido, não foram só os extraviadores os vigiados, mas também as autoridades que
supostamente não cumpriam com rigor as leis.
Em 1764, o então governador Luis Diogo Lobo da Silva propunha "estabelecer as
cautelas necessárias e evitar os roubos que se fazem a Real fazenda"148. Para tanto chegou
a percorrer 365 léguas pela Comarca do Rio das Mortes, quando pode verificar de perto as
difíceis condições topográficas daquele território das Minas, às quais só os contrabandistas
conseguiam vencer149. Contra a agilidade destes homens, e visando facilitar a ação das
tropas, mandou fechar as picadas próximas a Jagoari, Ouro Fino, entre outras "que podiam
ser prejudiciais, ou facilitar os descaminhos para São Paulo". Sua maior preocupação era
com os caminhos que conduziam para fora dos limites das Minas, porque no tocante aos do
interior, o governador favorecia a abertura de estradas, facilitando o acesso às Casas de
Fundição, e evitando que homens e ouro passassem por "Capitania estranha"150.
Nenhuma destas medidas deve ter surtido o efeito desejado, pois dois anos depois,
Luis Diogo ainda duvidava do sucesso delas, impróprias para vencer a natureza das Minas e
a astúcia dos contrabandistas. "A facilidade do País", explicava, "lhes permite passarem
sem obstáculos para toda e qualquer parte das Capitanias confinantes, em que se
consideram com menos risco, sem carência de seguirem estrada pública, nem tocarem em
registros pelo poderem ocultamente executar pelos matos e campinas""151.
As dúvidas do governador, expressas já na década de 60, em nada alteraram a
política de combate ao extravio que, até o final do século, resumia-se a três estratégias: o
fechamento das estradas que ligavam Minas a outras Capitanias, a ronda de patrulhas e o
estabelecimento de registros onde se fiscalizava a entrada dos transeuntes. Diferentemente
de Luis Diogo, a maior parte das autoridades acreditava que embaraçar o trânsito seria a
melhor maneira de combater a ação dos contrabandistas.
148
AHU cx.84 doc.67 f. 3
149
Segundo o governador, os quatro "picadores", que contava a comitiva, não aliviaram os obstáculos em
passar os "matos gerais", enquanto que os extraviadores se serviam de "negros e nacionais" que "por
nascimento virem habituados ao Corso dos matos despidos de brio". Idem, ibidem.
150
"Sobre a conta que deu Luis Diogo Lobo da Silva, governador e capitão general das Minas de se compor o
giro que deu na mostra que principiou em Vila Rica, Cidade de Mariana e concluiu de toda a comarca do Rio
das Mortes de trezentas e sessenta léguas, e das providências que deu para se evitarem os descaminhos do
ouro" In: RAPM, Ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1910, pp.463-465.
151
AHU cx.89 doc.8 fls.7 e 8 respectivamente.
Desta opinião compartilhava o governador D.Rodrigo José de Meneses ( 2/1780-
10/1783), que também fez seus giros pelas Comarcas do Rio das Velhas, Rio das Mortes e
Ouro Preto, localidades que procurou conhecer pessoalmente152. As dificuldades
geográficas não o intimidaram; pelo contrário, apostava na eficácia das patrulhas que
enviou aos quatro cantos da Capitania, conforme suas próprias palavras escritas em 1782 a
Martinho de Mello e Castro: "tenho a satisfação de me persuadir que toda esta aplicação
que tenho feito da tropa para diversas partes, produzirá grandes interesses à Real
Fazenda"153.
Também o governador D.Luis da Cunha Meneses fez uso de semelhante
estratégia, orgulhando-se de ter destruído "o clandestino extravio de ouro" nas "fantásticas
carreira que dividia esta mesma Capitania da do Rio de Janeiro, denominada áreas
proibidas", "estabelecendo para aquela mesma parte em o ano de 1784, e na margem do
Rio Paraíba três novos registros"154. Se nas regiões próximas ao Rio de Janeiro a situação
parecia estar controlada, nas demais fronteiras o combate ao extravio não dava mostras de
chegar a isso. Nesta mesma carta de 1786, endereçada ao ex-governador D. Rodrigo de
Meneses, Luis da Cunha pedia para este, que conhecia melhor a região que ligava Minas à
Capitania do Espírito Santo, "averiguar e conhecer se há alguma saída praticável, e ainda
por algum Rio, que se não conheça, e seja navegável"155. Quanto à fronteira com
Pernambuco, apenas informava que era "toda aberta e praticável".
A única localidade no interior das Minas cujo acesso era motivo de grande
preocupação, semelhante ao despertado pelas áreas limítrofes, era a região diamantina,
onde a extração do ouro era vedada e a dos diamantes era monopólio régio. D. Luis da
Cunha, pretendendo controlar o trânsito para aqueles lados, mandou "fazer cortaduras nas
estradas, que seguiam para dentro daquela demarcação", espécies de picadas que ligavam
"uns registros a outros, para poderem por elas andar livremente as patrulhas", e
"conhecer pelo rasto [sic] ter havido alguma entrada clandestina para dentro da dita
152
"Exposição do Governador D. Rodrigo José de Meneses sobre o estado de decadência da Capitania de
Minas Gerais e os meios de remediá-lo". In: RAPM. Ano II, fascículo 2º, abril/junho de 1897, Ouro Preto,
Imprensa Oficial de Minas Gerais, p.312.
153
AHU cx.118 doc.26 Apud. VALADARES, Vírginia & REIS, Liana- Op.cit, p.115. A fim de aperfeiçoar
esta política fiscalizadora, D.Rodrigo defendia que caso fosse feitas apreensões em tais rondas, devassas
deviam ser abertas, para apurar a responsabilidade e punir, mediante julgamento como convinha, os homens
que se recusavam a contribuir com o quinto. AHU cx.118 doc.50
154
AHU cx.124 doc.29 f.1.
155
idem f.2.
demarcação"156. José Parada e Souza, sargento-mor e comandante dos destacamentos das
terras diamantinas, recebendo as instruções do governador, reconheceu a presteza e a
necessidade da medida visto o extravio dos diamantes e do ouro em pó correr por "estradas
ocultas e desviadas dos quartéis". Segundo ele, o "valar e cortar os caminhos" já
"visivelmente resultou a Real Fazenda de Vossa Majestade os quintos constantes da
certidão número primeiro no tempo do pouco mais de um ano"157.
Por se tratar da abertura de uma estrada no interior das Minas, tal medida não
divergia da política dominante de se bloquearem os caminhos, segundo a idéia de que
"quanto mais caminhos derem as Minas mais se perde o 5º Real"158, até porque, como
esclareceu o governador, estas novas rotas seriam abertas para facilitar a ação das patrulhas,
e por estarem constantemente vigiadas não seriam usadas pelos extraviadores. Assim, a
depender da localidade e da qualidade dos transeuntes, os caminhos iam sendo abertos ou
fechados, obrigando os homens a utilizarem as estradas oficiais, em detrimento das tidas
por clandestinas que, por não serem vigiadas, eram as preferencialmente escolhidas para se
desviar o ouro.
Com estas determinações procurava-se inibir a ação dos comerciantes, sobre os
quais recaíam as suspeitas de autoria de grande parcela do comércio ilícito de ouro159
Como esclarece o autor do plano já citado, todos sabiam "que o mineiro não é autor de
nenhuma das classes do sobredito extravio: ele paga com o ouro da sua lavra todos os
gêneros que lhe são precisos" o qual "vão por diferentes destinos cair na mão do
comerciante", que poucos obstáculos encontrava para se enriquecer desviando o ouro que

156
AHU cx.126 doc.19 f.1.
157
AHU cx.129 doc.3 f.1.
158
AHU cx.108 doc.83 f.2 Em 1798, Antonio Ramos da Silva Nogueira escrevia ao então governador que
"para se evitar o perigo de abrirem caminhos, e picadas em áreas proibidas para capitanias diferentes, sou
do parecer, que a Bandeira, ou corpo dos aventureiros, deve ser acompanhada por um oficial dos mais bem
entendidos, e de melhor conceito....". "Descoberta do ouro". In: RAPM. Ano V, Belo Horizonte, Imprensa
Oficial de Minas Gerais, 1905, p.691.
159
Conforme explica Marco Silveira, "memorialistas e funcionários reais foram mais longe ao
reconhecerem que o comércio se desenvolvia às custas da mineração, sendo, inclusive, o principal
responsável pelo contrabando". SILVEIRA, Marco Antônio- O Universo do Indistinto: Estado e sociedade
nas Minas setecentistas ( 1735-1808) Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da
Universidade de São Paulo, 1994, p.68 (mimeo). É importante lembrar que no período o perfil dos
comerciantes era heterogêneo, conforme observou Júnia Furtado. O que nos leva a duvidar da precisão do
termo, tal como era utilizado na época, pois parece abarcar um espectro grande dos habitantes, já que,
conforme foi visto, também os mineradores e agricultores lançaram-se a esta prática. FURTADO, Júnia -
Homens de Negócio...- Op.cit. Dez anos antes, o governador Luis Lobo esclarecia porque os habitantes,
mesmo querendo combater o extravio, não o faziam, por julgarem vileza o denunciar. AHU cx.86 doc.7 f.6
necessariamente deveria chegar às Casas de Fundição160. Convém lembrar que, já na
primeira metade do Setecentos, as autoridades estavam atentas para a necessidade de
fiscalizar o comércio, em especial o dos pequenos vendedores ambulantes, porque a
itinerância já era relacionada ao extravio, o que sugere, mais uma vez, a pouca agilidade da
Coroa em inovar sua atuação em tempos de crise161.
O comércio, ao ser identificado como a principal causa dos extravios, levou as
autoridades a combater a mobilidade não controlada, não só dos comerciantes como
também daqueles "que não se ajustavam adequadamente à ordem social", conforme explica
Laura de Melo e Souza. Segundo ela, "a itinerância representava (assim) uma ameaça",
razão pela qual a ordem régia de 1766 procurava fixar "no seio da Sociedade Civil" os
vagabundos e vadios responsáveis por insultos, roubos e ataques que vinham sendo
cometidos nos sertões das Minas162. Os únicos a quem a lei permitia livre trânsito eram os
roceiros, criados, escravos, "homens das fábricas", possivelmente os mineiros, e os homens
das bandeiras e tropas; os demais seriam "tratados como salteadores de caminhos e
inimigos comuns"163
A mobilidade só era permitida àqueles que desempenhassem trabalhos reputados
como úteis, os quais não deviam ser confundidos com os vadios simplesmente porque
andavam, e não vagavam, pelas Minas. A determinação, no entanto, não foi vista com bons
olhos pelo governador Luis Diogo, responsável por executá-la. Segundo ele "o não tem
mostrado a experiência até o presente nesta capitania no tempo, que nela resido" que
existissem estes "facinorosos de primeiro escândalo"164 que assaltavam nas estradas,
conforme eram descritos na ordem régia. Para o governador, os autores destas violências
eram antes os índios e negros, contra os quais já tinha tomado providências, catequizando
os gentios e destruindo os quilombos. Aproveitando-se do conceito de utilidade dos
homens, o governador lembrava que os fugitivos, "uns por perseguidos de credores, e
outros receosos de algum crime" não deviam ser vistos como homens perigosos, isto
porque "não deixam de se empregar nos trabalhos minerais, na agricultura" e até nas

160
AHU cx.115 doc.71 f.3.
161
Sobre o controle das atividades dos comerciantes ver: AHU cx.102 doc.56; AHU cx.126 doc.19.
162
SOUZA, Laura de Melo e- Desclassificados... -Op.cit, p.125.
163
AHU cx.89 doc.8 f.1 Neste documento o governador fazia referência à ordem régia de 1766.
164
Idem, fls.2 e 1 respectivamente.
milícias em que se achavam listados165. Para Luis Diogo os vadios que deviam ser
combatidos eram "os que vagam sem exercícios, nem ocupação dos mencionados decentes
trabalhos ou de outra qualidade, girando continuamente de umas para outras partes". No
entanto, voltava a insistir que não podia coibí-los "pela facilidade de passarem de umas
para outras capitanias, e na mesma ficarem ocultas"166. O governador propunha assim
modificações na lei, porque sua vivência nas Minas, e seu conhecimento daquelas paragens
o levavam a contestar a percepção que autoridades superiores tinham daquela conquista.
De qualquer forma, o governador, apesar de divergir quanto aos desocupados,
tocava numa questão fundamental que foi diversas vezes referida porque dela dependia a
manutenção da ordem: o combate à ociosidade dos povos. Quanto a isso, havia até quem
admitisse que a presença de homens inúteis era o maior mal de que padeciam as Minas, não
só porque eram os responsáveis pelas desordens, mas porque a existência de tantos vassalos
ociosos era inadmissível numa região onde as lavras padeciam por falta de braços167. No
entanto, divergências à parte, o comerciante não era tido por vadio, já que tinha a sua
ocupação que, se não estivesse vinculada ao contrabando poderia trazer grandes vantagens
à Fazenda Real. Porém, na ordem régia de 1766 eles não figuravam no rol dos que podiam
percorrer as Minas livremente; pelo contrário, durante todo período, suas andanças foram
controladas.
Apesar de alguns relatos favoráveis a esta política de vigilância, nem todas as
autoridades viam-na com otimismo. Luis Lobo foi o primeiro a atestar a impossibilidade de
com ela vencer a topografia acidentada da região, que, segundo ele, favorecia à
infidelidade, uma vez que os contrabandistas, que bem conheciam o território, se
refugiavam em locais de difícil acesso. Assim, os 23 registros instalados nas Minas lhe
pareciam insuficientes "para cobrir mais de cento e cinqüenta léguas de País aberto com
estrada pública (...) não podendo pela distância em que ficam uns dos outros e natureza do
país darem-se as mãos as suas patrulhas, nem embaraçarem por elas os furtivos
descaminhos". Defendia o "conhecimento prático, e experimental do País", o qual serviria

165
idem, f.2.
166
idem, f.6.
167
O intendente da Comarca de Sabará, Antonio J. Godinho Caldeira, era favorável a uma política
disciplinadora da "plebe abjeta" para que esta trabalhasse nas lavras e não ficasse vagando pelas estradas
clandestinas. AHU cx.122 doc.50 f. 14
"para obrar parte do dano, mas não todo o prejuízo"168. Contra "a malicia dos
negociantes, tratantes, e passadores (...) não bastaria todas as tropas da Europa"169
O passar dos anos veio confirmar os diagnósticos de Luis Diogo, pois em 1791 a
Junta da Fazenda continuava a insistir na necessidade de combater o extravio, considerado
a principal causa da diminuição do quinto. Segundo os camaristas, era "impossível evitar-se
com guardas, e registros por multiplicados que sejam apesar da vigilância, e despreza, que
se emprega deste modo, porque o estado da povoação da Capitania, a qualidade do
gênero, e o uso continuado há muitos anos deste ramo clandestino de comércio fazem
baldadas aquelas, e outras semelhantes extraordinárias providências"170.
As autoridades que se opuseram à política fiscalizadora dos caminhos não só
percebiam sua pouca eficiência, como alertavam para a inconveniência que esta trazia para
o desenvolvimento das Minas. Afinal, a restrição dos caminhos, que nem sequer eram bem
conservados171, não dificultava somente a ação dos contrabandistas, mas também dos
homens que necessitavam escoar sua produção, ou mesmo desejavam levar o ouro extraído
às Casas de Fundição. Homens de boa fé também se utilizavam de caminhos clandestinos
pela comodidade em terem as distâncias encurtadas e o tempo de percurso reduzido.
Se nas Minas a obstrução das vias de comunicação foi defendida, em outras partes
da Monarquia essa medida já havia sido abandonada. No Reino, desde o governo
pombalino, o reordenamento do território vinha ganhando forma, sendo a sua expressão
mais significativa a Lei da Reforma das comarcas de 1790. Neste caso mais do que agilizar
o tráfico pelos caminhos, para o qual foi criado inclusive o cargo de superintendente das
estradas em 1791, pretendia-se adaptar o território às necessidades específicas do exercício
do poder régio, visando também a conveniência administrativa e judicial172. Nas Minas, no
entanto, ao se controlar a itinerância dos homens, a própria ação do Estado e da justiça foi
prejudicada. Talvez seja este o ponto mais contraditório da política de fiscalização dos

168
AHU cx.86 doc.7 todas as citações encontram-se na f. 3.
169
idem, fls. 3 e 5 respectivamente.
170
"1791-Ponderações da Junta da Fazenda sobre os meios de ressarcir o prejuízo da Real Fazenda com a
arrecadação do quinto do ouro". In: RAPM. Ano VI, fascículo 1º, Belo Horizonte, Imprensa oficial de Minas
Gerais, 1901, p.155.
171
Conde de Valadares, um dos poucos governadores a se preocupar com o estado da agricultura, na mesma
carta endereçada a Francisco Xavier de Mendonça em que relatava o abandono das sesmarias, dizia que no
Distrito de Mariana "a falta de caminhos embaraçava a cultura". AHU cx.97 doc.2 f.1.
172
SILVA, Ana Cristina Nogueira da - O modelo espacial do Estado moderno - reorganização territorial
em Portugal nos finais do Antigo Regime. Lisboa, Editorial Estampa, 1998. p.60.
caminhos: com a pretensão de controlar os passos dos contrabandistas, a autoridade ficou
ironicamente impossibilitada de chegar às áreas mais remotas, as mais carentes de sua
presença. Assim, se as autoridades não podiam levar as leis e a justiça aos quatro cantos da
Capitania, restava obrigar os homens que "viviam separados da sociedade civil e do
comércio humano", como expressa a ordem régia de 1766, "a escolherem lugares
acomodados para viverem juntos em povoações cíveis, que pelo menos tenham de
cinqüenta fogos para cima Com juízes ordinários, vereadores, e procuradores dos
Conselhos"173.
Muitas autoridades locais, e boa parcela dos memorialistas, relutaram em aceitar a
política em relação aos caminhos tal como imposta nas Minas, insistindo na conveniência
do melhoramento das estradas, apropriando-se de um tópico caro aos iluministas e a todos
aqueles que de alguma forma acolheram esta corrente de pensamento. Certamente podiam
perceber as dificuldades que tal política acarretava ao exercício do poder, ainda que seus
argumentos em defesa da abertura e conservação dos caminhos girassem em torno da
questão econômica, vale dizer, das vantagens que tal sistema traria para as atividades
comerciais.
Barbacena, que antes de assumir o governo das Minas era um grande difusor, no
Reino, da cultura das Luzes174, ainda em Lisboa mostrava-se partidário da melhoria da
estrada que ligava esta Capitania a do Rio de Janeiro. Segundo ele, esta "poderia facilitar
muito os transportes, e ainda as jornadas dos passageiros. Esta obra seria talvez muito útil
a ambas as Capitanias, e à Real fazenda, e por isto muito digna de que Sua majestade a
mandasse empreender". Anos antes, em 1780, o bacharel Francisco Barbosa de Miranda
não deixou de mencionar a necessidade de melhorar e abrir caminhos em seu plano sobre
os prejuízos do sistema das Casas de Fundição, segundo a idéia de que "sendo mais fácil a
condução mais a quantidade de gêneros que entram e o aumento do comércio"175.
Em todo caso, apesar da objeção de alguns governantes e letrados, quanto ao
fechamento das vias de comunicação, tal medida foi imposta. As autoridades
metropolitanas deveriam estar cientes das conveniências que a abertura de caminhos traria

173
AHU cx.89 doc.8 f.1.
174
Barbacena era um homem culto, formado na Universidade de Coimbra já reformada, foi aluno do ilustrado
professor Vandelli. Em 1779, organizou a fundação da Academia Real de Ciências, tendo ali ocupado por seis
anos o cargo de primeiro Secretário. ADIM- Op.cit, Volume.8 p.18.
175
AHU cx.116 doc.25 f.3.
ao comércio das Minas, mas porque estavam convencidas de que na região as trocas
comerciais estavam estritamente vinculadas ao contrabando, incentivá-las era uma medida
de risco que a Coroa não estava disposta a correr.
O veto à livre circulação, somado ao descaso das autoridades em relação à
conservação dos caminhos permitidos, ia isolando os homens não só das Capitanias
limítrofes, como também dos Arraiais, Vilas e Comarcas no interior das Minas. Mais uma
vez a política portuguesa, em seu afã de recuperar a economia aurífera, desconsiderou o
interesse de seus súditos. Se as leis que regulavam o tráfego humano tivessem sido
rigorosamente cumpridas, o comércio da Capitania não encontraria meios de prosperar176.
Mas as leis não foram de todo observadas, no que concerne à Capitania das Minas Gerais
da segunda metade do Setecentos, foi a resistência a elas que caracterizou o contexto aí
vivido.
Tal resistência surgia como reação à tendência administrativa que predominou nas
Minas. Neste sentido, as leis só encontraram obstáculos porque as diretrizes políticas
estavam em desarmonia com a realidade da Capitania. Inútil buscar fora da esfera do
Estado a razão para o descumprimento das normas, embora as autoridades metropolitanas
tenham ignorado esta evidência, não percebendo que era o rigor de suas medidas que
levavam os habitantes a se oporem a elas. Dito de outra maneira, se alguns habitantes
agiram como infiéis vassalos, tal como era entendida na ótica do poder a insubmissão às
ordens, foi porque as exigências da Coroa empurravam-nos para este caminho. Foi a falta
de uma opção melhor o motivo que levou alguns moradores a criticarem a administração
metropolitana, que não remediava suas dificuldades, inclusive, ia agravando-as
paulatinamente.
Além do controle do extravio, a Coroa tinha outras razões para insistir na restrição
do trânsito pelas estradas oficiais. Se com ela o comércio ficava prejudicado, a cobrança
sobre os gêneros que entravam nas Minas ganhava, já que eram em pontos estratégicos

176
Júnia Furtado mostra como, na primeira metade do século XVIII, a Coroa foi favorável ao comércio das
Minas, "pois sua expansão, além de potencial fonte de lucro, era essencial para a ocupação do território pelos
mineradores". FURTADO, Júnia- Homens de negócios...-Op.cit, p.202. Anos depois, a política metropolitana
procurou frear o que ela mesma havia incentivado, pois os benefícios do comércio não compensavam as
perdas advindas da atividade dos comerciantes que, grande parte das vezes, estava relacionada ao extravio.
destes caminhos que se instalaram os registros177. Mas ainda que a receita do imposto sobre
as entradas dependesse diretamente do volume dos produtos comercializados, na ótica da
Coroa, que assumiu preferencialmente uma postura fiscalizadora, era mais importante
controlar o comércio existente, do que incentivá-lo, o que resultava em perda.
De fato, a arrecadação das entradas caia vertiginosamente nas Minas, e as
autoridades divergiam entre si quanto à causa deste declínio. Nem todos tinham por certo
que eram os comerciantes, ao evitarem os registros, os únicos responsáveis pela diminuição
desta receita. Alguns acreditavam que isto seria um reflexo da pobreza dos povos, que não
podiam arcar com o quinto, nem consumir com a mesma intensidade como nos tempos de
abundância178. Diante da evidência tão óbvia, da queda da receita das entradas ser
conseqüência da queda do consumo, foram muitos os que consideraram necessário
modificar a forma da cobrança, principalmente porque taxavam-se os produtos conforme
seu peso e não conforme seu valor, o que era erro, na visão de muitos, porque os gêneros de
primeira necessidade179 eram os mais tributáveis, enquanto os artigos de luxo, dada a sua
leveza, estavam praticamente isentos da cobrança.
Era por esta razão que os povos das Minas gastavam o pouco que tinham com
produtos supérfluos, fazendo daquela "mesma Capitania mais empenhada do que não
está"180, como observara em 1788 Luis da Cunha Meneses. O governador não
responsabilizava os habitantes por esta situação, considerando natural o hábito de querer
aparentar mais do que se é, comum à sociedade de aparências da época. Assim, não era

177
Segundo Júnia Furtado, "os desvios de impostos provenientes das entradas, subsídios e outros tributos
também eram considerados contrabando". FURTADO, Júnia- O Livro da Capa Verde...- Op.cit, p.93.
178
Segundo Zemella, quatro fatores atuaram decisivamente sobre o consumo das populações das Minas: a
produção das lavras, o número de consumidores, a sistematização das correntes abastecedoras e o
aparecimento de núcleos locais de produção. No que concerne ao primeiro fator, esclarece a autora: "quando o
rendimento das minas começou a decair, na segunda metade do século XVIII, paralelamente, o consumo
começou a decair" ZEMELLA, Mafalda P- O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no século
XVIII. 2º edição, São Paulo, Editora Hucitec/EDUSP, 1990, pp.169-170. O Procurador da Fazenda, José Dias
Rosa Maciel, ao justificar a demora da cobrança da derrama, lembrava que o "país se acha em uma grande
decadência" e dentre os argumentos que embasavam sua assertiva referia-se à diminuição da recita do tributo
sobre as entradas. AHU cx.105 doc.37 f.3.
179
Júnia Furtado observa que as autoridades, na primeira metade do século quando ocorreram muitos motins
devido à carestia e ao aumento do preço de alimentos, eram cuidadosas em suas determinações. Na segunda
metade do século tal receio não deixou de existir como nos mostra a documentação. FURTADO, Júnia-
Homens de negócios...- Op.cit, p.211.
180
AHU cx.128 doc.35 f.2 Esclarece o governador que os comerciantes do Rio e da Bahia, como das Praças
da Europa, introduziam os tecidos de luxo na Capitania porque não tinham "outra nenhuma saída se não
para Minas Gerais", o que parece indicar que ali, mais do que em qualquer comunidade da América
portuguesa, os valores nobiliárquicos portugueses ganhavam grande respaldo. Idem, f.3.
favorável à proibição dos artigos de luxo, que de alguma maneira também contribuíam para
o aumento das entradas, mas não admitia que artigos que "não servem senão nos dias das
maiores funções"181 fossem adquiridos por preços inferiores daqueles que eram necessários
para os serviços minerais. Defendia, portanto, a mudança da cobrança, sem deixar de
responsabilizar os comerciantes que, facilitando as vendas a crédito, incentivavam a
compra de produtos de pouca utilidade.
Se o empobrecimento dos povos ajudou a muitas autoridades a explicarem o
porquê da diminuição dos rendimentos do imposto cobrado sobre as mercadorias que
entravam nas Minas, não eliminou a hipótese de que os comerciantes e contratadores182
tinham nisso parcela de responsabilidade. Na verdade, foi esta a explicação mais comum,
quando se tratou de entender a crise no seu âmbito mais geral.
Já quando dos primeiros indícios de decadência da produção aurífera, suspeitou-se
da atuação dos contratadores, que segundo Antonio Joaquim de Vasconcelos e Souza
"pagam muito mal, ficam com o dinheiro de Sua Majestade em si, fazendo com eles vários
negócios...". Souza sugeria à Fazenda Real "os fiscalizar, e informar com as contas do que
devem (..) para se proceder em efetiva execução contra eles"183 . Um ano depois, em 1764,
o governador Luis Diogo pedia instruções "para a melhor forma para a cobrança dos
mesmos"184, o que na percepção do poder era absolutamente necessário para regulamentar a
cobrança dos impostos. Por mais que os contratadores alegassem dificuldades, a Coroa
manteve-se inflexível e, ao longo de todo o período, ordenou a cobrança das dívidas em
atraso185. Certamente, a desconfiança das autoridades em relação aos contratadores tinha
procedência, mas mais importante do que isso é perceber que a política implantada nas

181
Idem, f.2.
182
Assim como acontecia com a cobrança dos dízimos, a das entradas estava a cargo destes homens que,
mediante um valor mínimo previamente estipulado na ocasião da arrematação dos contratos, adquiriram o
direito de cobrar este imposto, num prazo de três anos. Independentemente do valor que eles obtinham com
esta arrecadação eram obrigados a pagar à Coroa o lance anteriormente dado, que lhes havia garantido a
exclusividade da cobrança.
183
AHU cx.81 doc. 24 f.7.
184
AHU cx 84 doc.68 f.3.
185
As dificuldades não diziam respeito apenas à diminuição do consumo nas Minas, elas surgiam também nos
períodos em que todo o Império português enfrentava um contexto desfavorável. Ver o requerimento dos
contratadores que se diziam prejudicados com "a suspensão do comércio da Europa e da falta de fazendas
navegadas para os portos da América" e com a falta de tropeiros e viandantes que recrutados não faziam mais
as carregações "dos mesmos portos para o interior das Minas" AHU cx.125 doc.54 f.2
Minas a partir de 1763 prejudicava aquele estrato social que fez fortuna graças à parceria
que mantida com o Estado.
O ouvidor do Sabará, Manuel Joaquim Pedroso escreveu, em 1782, ao então
ministro Martinho de Melo e Castro, denunciando as desvantagens de ter estes homens
como parceiros, acusando a Junta da Fazenda de beneficiá-los. Ao ouvidor parecia estranho
que os deputados da Junta escolhessem entre os candidatos aquele que oferecesse o maior
lance, independente de ser ou não o mais abonado. Os critérios de seleção lhe pareciam
pouco confiáveis, uma vez que não podiam garantir que a arrecadação do imposto sobre os
gêneros entrasse nos cofres reais. Neste sentido, propunha que a própria Fazenda Real
ficasse encarregada, num prazo de um ano, por esta cobrança que, apesar das dificuldades
de que reclamavam os contratadores, havia de dar algum lucro, pois se assim não fosse, não
apareceriam tantos interessados em arrematá-la. Sua proposta chocava-se substancialmente
com o sistema de conceder a terceiros a administração deste imposto, tido pela Fazenda
Real como maneira mais eficaz para efetuar a cobrança. Ciente disso, o ouvidor justificava-
se alegando que as autoridades não deviam consultar somente a "letra e o espírito das ditas
Instruções, mas tão bem a própria experiência"186.
A Coroa, embora consentisse em pequenas alterações, continuou a insistir na
preservação do sistema tributário, tal como havia sido estipulado em 1750. No entanto, as
autoridades que perceberam que o método de tributação caducava frente às mudanças cada
vez mais visíveis a partir da década de 60, defenderam a necessidade de modificá-lo. A
proposta mais freqüente foi a utilização do imposto sobre os gêneros para completar as 100
arrobas de ouro, como forma de "democratizar" os impostos, uma vez que os mineradores
arcavam com a parcela mais substanciosa. Era esta a preocupação do governador Valadares
ao defender o aumento do tributo sobre os produtos mais consumidos na Capitania, o que
faria com que "todos os povos sem exceção de pessoa contribuam, e nenhuma pessoa o
sentiria"187. Neste caso, os argumentos do governador em defesa dos mineradores
aproximavam-no das demais autoridades favoráveis a alterações no sistema tributário. No

186
AHU cx.118 doc. 8 f.4. O ouvidor referia-se às "Reais Instruções do Erário Régio de 7 de Janeiro de
1775".
187
AHU cx.97 doc.8 f.3. O autor do Memorial “expondo o modo como se tem extraviado o real quinto”, pedia
a Sua Majestade que " se compadeça dos seus Vassalos para que não paguem o que furtam os Negociantes"
AHU cx.108 doc.83 f.3.
entanto, destoava completamente delas ao insistir em considerar que a extinção do Sistema
da Capitação era a razão das Minas estarem decadentes.
A proposta do governador era descabida aos olhos da maioria das autoridades,
porque, como lembravam os deputados da Junta da Fazenda em 1791, foram os próprios
moradores que, na década de 30, desaprovaram o método da Capitação, e clamavam pelo
sistema que então vigorava. Segundo eles, "o atual método das Casas da Fundição
estabelecido pela Lei de 3 de dezembro de 1750 era o mais justo, e tinha sido o mais bem
aceito dos povos"188. Os deputados da Junta posicionavam-se à favor do Regimento de
1750, e as suas propostas de mudanças na cobrança das entradas não lhe alteram a essência.
Todos os demais impostos cobrados nas Minas foram regulamentados e
controlados, sem que sofressem profundas alterações. As diretrizes mostravam a relutância
em aceitar que nem todos eram responsáveis por sua própria miséria. A gravidade com que
o extravio foi encarado em todo o período justificava, por sua vez, a insistência no
Regimento de 1750. Ele era a única garantia contra a infidelidade.
No entanto, com o passar dos anos o extravio foi perdendo a sua importância nos
debates, ao mesmo tempo em que a rede de extraviadores mostrou-se difícil de ser
desfeita.189. As idéias e as estratégias foram se diversificando, o que não anulou a constante
necessidade de combater o extravio; esse era considerado, ainda em 1789 pelo governador
Barbacena, a principal causa da redução do quinto190.
*
O estímulo ao descobrimento de novas lavras foi uma destas estratégias
perseguidas paralelamente à luta contra o contrabando, até porque não acarretava mudanças
profundas no sistema fiscal. Antes de 1776, quando foi impulsionada no governo de
Antonio de Noronha191, tal estratégia ainda fora conduzida timidamente, embora muitos

188
"1791-Ponderações da Junta da Fazenda..."- Op.cit, p. 154.
189
Sobre a dificuldade no combate do extravio, dada a astúcia e força dos contrabandistas ver: AHU cx.108
doc.83, AHU cx.126 doc.19; AHU cx.128 doc.35.
190
"Registro da carta de Excelentíssimo Senhor. General sobre a suspensão da derrama". In RAPM, Ano VII,
Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1902, pp. 979-980. Este documento foi reproduzido por
VALADARES, Vírginia & REIS, Liana- Op.cit., pp.65-66.
191
GUERZONI, Gilberto- Op.cit, p.74. D. Antonio de Noronha, em 1777, comunicava a Martinho de Melo e
Castro que "tinha promovido a Conquista do Cuieté, porque sendo o vasto sertão dela cortado de muitos
córregos, e Rios onde se têm achado Ouro com conta, me pareceu que povoando-se, e repartindo-se aquelas
Terras, se poderia restabelecer a antiga opulência destas Minas, que estão decadentes; e que para este fim
mandava abrir uma estrada pelos matos virgens que se dirigia aquela Conquista". AHU cx.111 doc.1 Apud
VALADARES, Vírginia & REIS, Liana- Op.cit. p. 32.
apostassem nos benefícios que traria. Em 1769, o provedor da Fazenda Real, João Soares
Barreto, atribuiu à falta de novos descobertos o fato da "Capitania está [estar] muito
pobre"192. Um ano depois José Luis de Meneses referindo-se às "dilatadas campinas
chamadas vulgarmente o Campo Grande", dava notícia de ser "constante a todos a
fertilidade destas terras [na comarca do Rio das Mortes] , e esperanças que as mesmas dão
ouro"193. Quanto aos resultados até então obtidos, esclarecia que "acharam alguma pinta de
ouro, mas com pouca conveniência, e porque ainda não cabe no tempo, se não tem
descoberto ouro que faça conta"194.
Também no governo de D.Rodrigo de Meneses a busca de novas lavras, em
lugares distantes e pouco habitados, ganhou grande incentivo. Como seu antecessor, ele
acreditava que isso era necessário para "tornar uma tão importante capitania ao estado
florescente, em que há tão pouco tempo se encontrava"195. Os giros que fez pela Capitania
foram-lhe úteis para fazer "várias observações" e dar "algumas providências, que talvez
conduziram ao fim, que tanto desejo, de que se extraia maior quantidade de ouro, do que
até agora se tem feito"196
Depois de "bem refletir", D. Rodrigo deu continuidade à exploração do Cuiaté,
"Distrito que me asseguram há uma abundância de ouro". A empresa havia sido iniciada
por Antonio de Noronha, mas "todos os meus predecessores", explicava o governador,
"suspeitaram grandes utilidades". Para Arrepiados, um local não muito distante dali,
organizou uma bandeira por ter sido informado de que ali também o ouro era abundante197.
O otimismo de Noronha e Meneses surpreende face aos relatos desanimadores dos
comandantes e outros encarregados pelas bandeiras e pelas povoações destas partes ásperas
e remotas da Capitania. Em 14 de julho de 1781, o Comandante Antonio Joseph Dias
Coelho pôs na presença do governador "os monumentos credenciais, porque consta que a
campanha dos novos descobrimentos dos Dourados é totalmente estéril de faisqueiras de
ouro, capazes de fazer ainda os jornais mais diminutos", atribuindo à má fortuna não terem

192
AHU cx. 94 doc.22 f.4.
193
AHU cx.97 doc.2 f.1.
194
idem, f.2.
195
."Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses..."- Op.cit, p.311.
196
idem, p.312.
197
O governador intencionava ir pessoalmente a Cuiaté, "acompanhado de alguns mineiros hábeis". Idem,
pp.314-315.
tido sucesso na empreitada: "DEUS não é servido que aproveitamos tantas diligências, e
despesas, que se acharam nas explorações"198
O Comandante referia-se em especial à Conquista de Dourados, mas a situação
não era diferente em outros territórios, onde se acreditava haver ouro. Somando-se à
escassez do metal, que contrariava as expectativas, outras tantas causas foram invocadas
para justificar o insucesso dos encarregados de executar a empreitada e as despesas e os
esforços gastos que jamais foram compensados199.
Quantas novas igrejas foram edificadas onde se levavam "altar portátil, para (...)
qualquer sacerdote poder celebrar a missa"200? Quantos cargos não foram criados para
manter a ordem em locais repletos de “índios bravos, negros fugidos, vadios inúteis”201? As
esperanças foram infrutíferas, mas elas continuaram a justificar gastos da Fazenda Real sob
a alegação de que, assim, ao menos se evitava que os descobertos ficassem abandonados e
livres para a ação de um "número imenso de garimpeiros", conforme os temores de Cunha
Meneses.
Nas cartas que o mestre-de-campo Inácio Correa Pamplona enviou aos
governadores, o relato das dificuldades expunha a inviabilidade de continuar com
iniciativas de semelhante teor. Depois de ocupar o cargo de capitão do mato, Pamplona
obteve o título de Mestre de campo Regente do Bambuí, o que lhe dava ampla autoridade
sobre o sertão do sul das Minas202, autoridade que ele mesmo fazia questão de honrar,
referindo-se aos homens das conquistas, que estavam sob sua "regência", como "sujeitos
que Vossa Excelência [o governador] me constituiu meus súditos"203.
Receptor das queixas que os comandantes daquelas conquistas lhe enviavam,
Pamplona tinha inteiro conhecimento do que aí se passava, o qual adquiria "com os olhos

198
SG cx.11 doc.15. Desta forma, os mineiros, que eram mandados a Paracatu, chegavam "desenganados, e a
desenganar-nos".
199
Ver AHU cx.94 doc.17 f.1. O governador José de Meneses preocupa-se com a minimização das despesas
destes empreendimentos. Sobre os novos descobertos ver ainda: SG cx.11 doc.4 f.1; AHU cx.97 doc.2 f.2.
200
SG cx.11 doc.4 f.1.
201
Pamplona pedia ao governador que investisse na proteção daquelas povoações contra as "avançadas (...)
do grande número de gentio Caiapó e outros que infestam aquele País". SG cx.12 doc.61 f.3. Além do
"gentio bravo" alertava para os "roubos e muitos distúrbios" causados por "mulatos, crioulos, cabras e
negros" que se refugiavam nas picadas que levavam a Goiás. SG cx.12 doc.31 f.5 Ver também: SG cx.12
doc.25 f.1 (sobre os ataques dos caiapós) e AHU cx.89 doc.8 f.1.
202
ADIM- Op.cit, Volume 8 p.142 nota 1. Inácio Correa Pamplona foi o terceiro denunciante do ensaio de
sedição de 1788-9, estava provavelmente envolvido com o movimento, apesar de não ter sido indiciado.
203
SG cx.15 doc.12 f.4. Analisamos aqui as cartas escritas durante os anos 1781-1785, mas parece que desde
1769 Pamplona ocupava um importante cargo.
da alma e não por ignorância". As ordens que emitia, ele as escrevia num Diário, que, por
se achar numa "altura de um feito volumoso"204, não enviava a seus superiores. Nele, como
nas suas correspondências, registrou suas angústias e preocupações em relação àquelas
realidades ásperas que se chocava com o otimismo dos governadores.
O estabelecimento nestas localidades de comunidades amparadas pela justiça e
pelos demais instrumentos de governo parecia-lhe inverossímil face às desordens que
proliferavam, e as mortes que se sucediam205. Entre os muitos motivos que levavam os
homens daquelas paragens a se desentenderem, o da disputa por terras era, sem dúvida, o
principal. Em 1782 Pamplona referia-se à conquista de Medanha, como um lugar que "faz
ódio o horror de desordens que vão sobre as sesmarias, repartições de terras, e posses"206,
o que impunha, segundo o mestre de campo, "na consternação necessária de aquietar, e
sossegar os ânimos mal consertados, (...) que sendo assistidos de diferentes e contrários
gênios se faz necessário trazê-los sempre em união, e concórdia entre si".207 As Esquadras
dos Pedestres não conseguiam acautelar estes homens que "sem nenhuma lembranças de
que são católicos, e que devem obedecer as ordens" multiplicavam as dificuldades208.
Diante de tal quadro, Pamplona informava em 1785, ao governador Luis da Cunha
Menezes, que "todas as cautelas são inúteis", contra os "orgulhosos inimigos da paz, e
vadios, [que] prejudicam o aumento da conquista". Um "povo que não trabalha é povo
inútil", diante do que, conclui o mestre-de-campo "tenho-me aplicado o curativo da
medicina, que como o remédio brando não obra, aplicar-lhe o mais forte"209.
Contra os vadios, Pamplona sugeria que fossem perseguidos e expulsos daquelas
conquistas, medida que se chocava com a intenção dos governantes de enviá-los para
aquelas localidades, para que ali pudessem ser úteis de alguma maneira. No dizer de
Teixeira Coelho, autor de importante memória sobre as Minas, os vadios "que em outra
parte podiam ser prejudiciais", eram "úteis" no território da Capitania. Com estes "homens
atrevidos" é que se povoavam os sertões afastados, e compunham-se as esquadras para

204
SG cx.15 doc.12 f.1. O Diário não foi localizado.
205
SG cx.11 doc.30 Pamplona não explica neste documento o porquê das violências.
206
SG cx.12 doc.61 f.2 Sobre os problemas de distribuição de terras, e o usufruto ilegal das mesmas ver: SG
cx.13 doc.15.
207
SG cx.12 doc.31 fls.1-2.
208
SG cx.13 doc.15 f.1.
209
SG cx.15 doc.12 todas as citações encontram-se na f.1. Sobre os vadios ver: SG cx.12 doc.20 f.1.
combater os gentios bárbaros e destruir os quilombos dos negros fugidos210. D. Luis Diogo,
contrariamente ao mestre de campo, também valorizava os fugitivos que para lá se
dirigiam, porque tornavam o país menos inculto211. Antonio de Noronha, alegando que
estes eram culpados apenas "com acusações de crime leve (...) e oprimidos com dividas",
favorecia-os ao proibir a entrada de oficiais da justiça naquelas localidades212. Também
D.Rodrigo de Meneses viu vantagens em enviar os vadios para as novas conquistas e, assim
como seus predecessores, sabia ser esta medida favorável para reduzir as despesas, como
para purgar "a sociedade civil, dos perturbadores dela" 213.
Pamplona, que conhecia de perto a realidade daqueles territórios, notou que o
envio de vadios não trazia nenhuma vantagem, dificultando pelo contrário, a imposição da
ordem nestas localidades, distantes da civilização e focos de problemas, mas cujo subsolo
poderia guardar novas e ricas jazidas. O fato é que, Pamplona enfrentava as dificuldades de
um território problemático, "um País tão desconhecido, e inculto na maior parte neste
terreno, e cercado por todos os lados da aspereza"214.
É certo que os problemas apontados pelo mestre-de-campo tinham procedência,
mas tudo indica que ele os agravava propositalmente, para assim valorizar seus serviços à
Coroa, em meio a outras iniciativas similares com resultados medíocres215. De qualquer
forma, e apesar da maior parte dos descobertos apresentarem tão poucas vantagens, eles
continuaram sendo incentivados pelas autoridades no afã de solucionar o problema causado
pelo esgotamento das lavras antigas. Em 1801, por exemplo, o Presidente do Real Erário,
D. Rodrigo de Souza Coutinho, ordenou a exploração nos rios Abaeté e Indaiá, visto ter
"ficado ciente do resultado que houve no descoberto"216. Trata-se da mesma região à qual
D. Luis da Cunha, por portaria de 1784, incumbiu a Junta da Administração Diamantina de
averiguar quanto às notícias de descobrimento de diamantes, sem obter sucesso.

210
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p. 151.
211
AHU cx.89 doc.8 f.3.
212
VALADARES, Vírginia & REIS, Liana- Op.cit, p.18, SG cx.12 doc.31 f.5. Ver também: SG cx.12 doc.25
f.2; AHU cx.89 doc 32 .
213
"Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses..."- Op.cit, p.315.
214
SG cx.12 doc.31 f.1
215
idem, ibidem. Ele os referia como "todos os outros descobertos da referida Capitania, que sensivelmente
se estão vendo enfraquecer".
216
Apud. VEIGA, José Pedro Xavier da- Op.cit, Volumes 3 e 4, pp.1069-1070. Segundo o autor, as minas do
Abaeté já vinham sendo exploradas sem sucesso quando, em 1801, o Erário Régio determinou sua
exploração, como voltou a fazer em 1806.
Assim, embora Guerzoni considere que no período posterior a 1788 os descobertos
já não despertavam a atenção da Coroa, eles continuaram sendo considerados alternativa
capaz de recuperar o rendimento do quinto217. No entanto, com o passar dos anos, à medida
que o quadro de declínio não se alterou, as expectativas foram diminuindo. O próprio
Coutinho não deixou de lado a hipótese de estar incentivando um mau investimento, pois,
segundo suas próprias palavras, "se ela [exploração] não corresponder aos fins
premeditados, a fará suspender". O tempo mostrou que tinha razão em se precaver já que,
como apontou Xavier da Veiga, o ouro que daquele território se extraiu mal foi suficiente
para cobrir os custos.
Assim, apesar de casos pontuais, nas correspondências analisadas são poucas as
objeções à exploração de novas minas, sendo seguro dizer que, dentre as medidas visando o
reerguimento da Capitania, esta foi a que sempre motivou otimismo entre as autoridades,
fato que não se devia apenas à possibilidade de aumentar as rendas reais. O apoio quase
generalizado a esta política de expansão do núcleo de mineração primário, como a
denominou Guerzoni218, devia-se ao fato de que seu sucesso conciliaria os interesses da
Coroa com os dos súditos, ainda que as dificuldades na operacionalização desta estratégia
fossem evidentes e muito preocuparam a todos. Ainda assim, foram muitos os que
apostaram nos benefícios que ela traria à Fazenda Real e aos habitantes caso fossem
vencidas219 .
Na verdade, crítica à eficiência desta política só aparece na voz daqueles que
discordavam do todo da política da Corte para as Minas, ainda que não tenha sido essa a
estratégia a merecer maior número de opositores, na medida em que os descobertos não
eram exatamente criticados, mas vistos como medida secundária que, se não fosse
acompanhada da melhoria das técnicas extrativas, não surtiria grande efeito220. Para os

217
GUERZONI, Gilberto- Op.cit, p.78.
218
idem, pp.72-8.
219
Teixeira Coelho, ao se referir à conquista do Cuieté, dizia: "Não se duvida de que esta obra era sujeita a
mil embaraços e que nela se havia [de] gastar uma considerável soma de dinheiro na esperança de um lucro
futuro e incerto, porém, estas são as qualidades sempre inseparáveis das ações grandes: o trabalho, a
despesa e o risco é quem as realça, e a constância de ânimo quem as consuma. Além disso, a grave moléstia
da capitania, isto é, a sucessiva decadência dos seus interesses, pediu a prática dos remédios mais fortes que
parecessem eficazes" COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.160.
220
A questão das deficiências das técnicas era antiga. Segundo Teixeira Coelho: "O governador Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, na carta que escreveu a Sua Majestade a 7 de agosto de 1711, expôs a
necessidade que havia da arte de minerar debaixo de preceito e que o ouro se não tirava por falta de ciência.
críticos, o maior problema das Minas era a incapacidade de se tirar o ouro de lugares onde
ele estava depositado, com o que a busca de novas lavras sem o aperfeiçoamento das
técnicas de mineração só adiaria o problema221. Afinal, sem métodos adequados de
extração, as novas jazidas não tardariam a se mostrar improdutivas.
*
O projeto de Lisboa para reerguer a Capitania priorizava sobretudo o combate ao
extravio e a descoberta de novas lavras, o que, como vimos, contava com críticos que
defendiam para as Minas uma atuação diversa da sustentada pela Coroa, gente cujo número
era significativo, principalmente sabendo-se que a crítica não era algo esperado de
autoridades. Por isso mesmo, poucos foram aqueles que, a partir da crítica das diretrizes
metropolitanas, puseram-se a pensar alternativas e, com base nelas traçar planos de ação
que poderiam vir a substituir a política administrativa predominante nas Minas. Estes
homens eram memorialistas, letrados e raros exemplos de governantes que reuniram suas
reflexões em obras de grande interesse, inclusive para o Estado. Faziam-no apostando
assim num caminho diverso daquele imposto à administração das Minas, e sempre movidos
pela intenção de aperfeiçoar as condutas políticas para que a Fazenda Real colhesse
melhores frutos. Apesar de questionadores, estes homens conseguiram assegurar um espaço
nos debates no interior das esferas do poder, posto que nas críticas, não tocavam naquilo
que era tido por fundamentos do poder monárquico absolutista. Sua fidelidade mostra-se no
seu respeito aos códigos de conduta, condição indispensável para que suas críticas fossem
ouvidas nos círculos políticos222, aonde dúvidas quanto à eficácia administrativa, quando
vindas de homens tidos por confiáveis, não eram mal recebidas. Mas se isto é verdade,
também o é o fato de essas críticas, ainda que debatidas, não resultaram em alterações de
monta.

Este erro não se emendou e sempre os mineiros foram fazendo os serviços minerais a seu arbítrio. Nunca
passou a Minas um único engenheiro que pudesse dirigir os mesmos serviços...". Idem, p.183.
221
Para o Tesoureiro da Junta da Fazenda, "a diminuição do rendimento do quinto procedia menos de
extravio ainda que o considerava avultado, que da causa de se não tirar ouro dos lugares onde estava
depositado". "1791-Ponderações da Junta da Fazenda..."- Op.cit, p.159. Ver também Castro, Barros- Op.cit,
p.28. Não nos parece correta a análise de Caio Prado que afirmou que, na segunda metade do setecentos, "não
ocorreu sequer uma só vez à administração outra explicação que a fraude". PRADO JÚNIOR, Caio- História
econômica do Brasil, São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, p.61.
222
Coelho, no início de sua obra, explicava "que o meu ânimo não é outro mais do que servir fielmente à
mesma senhora e o de sustentar os direitos invioláveis de sua real Coroa" Coelho, José J. Teixeira- Op.cit,
p.58.
Ainda assim, estas reflexões "destoantes" sobre a Capitania nunca deixaram de
figurar, como alternativas passíveis de aplicação, pelo que é importante considerá-las
quando se pretende traçar o perfil da administração nas Minas durante o período, posto que
fossem partes do debate político.
Além de guardarem semelhança com as dos formuladores da política da Corte no
fato de terem como principal motivação a satisfação dos interesses régios, esses autores
também acreditavam que o ouro era a maior riqueza que se podia tirar da Capitania, e que
dele dependia a pujança da monarquia223, e a receptividade as suas reflexões certamente
pode ser explicada por esta sintonia. No entanto, se os pontos de partida e chegada eram
similares àqueles sustentados pelo Estado, os meios preconizados para o enfrentamento da
crise eram radicalmente diversos, uma vez que partiam de percepções divergentes quanto às
causas do declínio da atividade aurífera.
De fato, o que estava claro para estes autores era que a administração portuguesa
carecia urgente de reforma, caso contrário, a crise na Capitania tenderia a se agravar. Neste
sentido, suas críticas eram muito mais profundas do que as constantes nas
correspondências, conforme se mostrou anteriormente.
*
Estes textos "destoantes" foram escritos por reinóis entre os anos de 1778-80 e não
representam uma única corrente de pensamento pois, apesar de todos se basearem
preferencialmente na observação da realidade, a percepção revelada divergia, determinando
que também entre eles, as opiniões sobre as causas da crise e, consequentemente, das
formas de remediá-la, fossem distintas. É por esta razão que, mesmo podendo agrupá-los,
tais textos pedem uma análise isolada, condição de preservação da organicidade que lhes é
própria, e que lhes dá sentido.
Em 1778, Teixeira Coelho iniciou a redação das suas "Instruções para o governo
da Capitania", finalizando-as dois anos depois, então com Desembargador do Porto. Bem
sucedido na sua carreira administrativa, é provável que as razões que o levaram a redigir a
obra não ultrapassassem o desejo servir ao Trono, produzindo um instrumento útil para o

223
Segundo Coelho, "a única base em que se sustentam os interesses políticos da Capitania de Minas Gerais
é a extração do ouro; ao passo que se arruinar esta base, se verão destruídos os ditos interesses".Idem,
p.174.
governo das Minas, conforme ele mesmo atestava224. Foi durante os onze anos em que
residiu na Capitania das Minas Gerais, onde ocupou o posto de Intendente de Vila Rica
"servindo a três governadores", que "deu a conhecer os referidos obstáculos que eles têm
para governar com acerto"225, a começar pela "total ignorância que ali se encontra, até nas
pessoas mais caracterizadas e que se empregam no real serviço, dos sucessos antigos e das
ordens que alteram o direito público e particular do Estado pelo que respeita à
província"226. A fim de sanar esta carência de informações, Coelho pesquisou em "mais de
cem livros antigos e modernos [encontrados] nos arquivos confusos da Secretaria do
Governo, da Contadoria da Real Fazenda e da Intendência de Vila Rica"227.
Munido de tantas informações, transcreve uma coleção de ordens de 1700-74,
além dos "fatos mais interessantes e ocultos que se sucederam naquela capitania", no que
diz respeito ao estado político, eclesiástico e militar. As rendas reais, por sua vez, são
calculadas e expostas em quadros explicativos. Todo o passado é meticulosamente
analisado para instruir os governantes que "por falta desse socorro, seguem caminhos
opostos e trabalham inutilmente no meio da incerteza, proferindo, a cada passo, resoluções
contrárias e insubsistentes"228.
Por outro lado, Teixeira estava ciente das dificuldades que muitas vezes as
diretrizes metropolitanas impunham aos que não queriam governar "à custa das lágrimas e
substância dos povos"229. Porque o "amor pela utilidade pública" devia falar mais alto, os
governantes deveriam ter um "gênio indagador"230, e agir com autonomia, propondo se
necessário mudanças na legislação. As leis deviam servir de referência contra as "ambições
dos ministros"231 e as arbitrariedades dos governantes, mas não convinha exagerar no seu
peso, principalmente quando elas dificultavam a adoção de medidas que eram favoráveis
aos povos.

224
Idem, p.53.
225
Idem, p.55.
226
Idem, Ibidem.
227
No que diz respeito ao primeiro, Coelho só encontrara um "amontoado de ordens sem separação de
matéria", registradas "sem método e sem declaração dos motivos que deram causa às suas determinações".
Idem, p.54.
228
Idem, pp.54-55. Coelho esclarece ainda que "ainda subsistem algumas práticas que deverão abolir-se ou
determinarem-se por lei e que os governadores faltos do conhecimentos necessários observam, na fé dos
secretários que lhes atestam ser aquele o estilo praticado por seus predecessores" Idem, p.90.
229
Idem, p.144.
230
Idem, p.99.
231
Idem, p.104.
É neste sentido que Coelho louva a atitude do ex-governador Conde de Galveas
(9/1732-3/1735) que "prevendo a ruína dos povos e os mais inconvenientes que havia [de]
resultar de um estabelecimento repugnante à razão e à natureza do pais" se opôs à
implantação do método da capitação, apesar deste já ter sido autorizado232. Seu sucessor,
inversamente, porque não refletiu sobre as ordens, julgou o método "útil" e rapidamente o
pôs em prática, sem se preocupar com as conseqüências que trariam para os habitantes.
Neste caso, conclui Teixeira, o excessivo " zelo deste governador em promover os
interesses reais foi a origem da decadência futura que arruinou os mesmos interesses"233.
Segundo ele, não bastava conhecer as ordens régias para que um governador se tornasse
"apto para o governo". Era preciso que ele também se instruísse sobre a "situação
individual do país", deixando, assim, de atribuir a causas imaginárias o declínio da
atividade aurífera que, se bem observado, jamais poderia ser sanado se as condutas dos
dirigentes não fossem modificadas234. "Os governadores da Capitania têm, até agora,
procurado evitar os extravios com a maior vigilância (...) e o efeito destas diligências foi
de nenhuma utilidade, porque nunca se encontrou extravio considerável do ouro". Os
problemas da Capitania eram outros, e só poderiam percebê-los aqueles "homens judiciosos
da Capitania de Minas, (...) que estiveram nela com olhos abertos". Estes sim saberiam
diagnosticar os males reais e lutar contra eles, pois estavam "persuadidos de que a falta do
ouro procede unicamente de se não tirar da terra"235.
Coelho, desta forma, contestava a percepção distorcida que as autoridades tinham
das Minas, com a base sólida de ser "testemunha ocular"236dos fatos, portador, portanto,
das "luzes de tudo o quanto me pareceu [lhe parecia] que necessitava de reformas"237. A
eficácia dos governos dependia, para ele, não só da observância das leis, mas da percepção
apurada das especificidades da Capitania, e é sobre elas que Teixeira Coelho discorre,
contrapondo-as sempre que possível às normas para, com isso, acentuar o contraste entre

232
Idem, p.141.
233
Idem, p.142.
234
Idem, p.54.
235
Idem, p.175.
236
Idem, p.163.
237
Idem, p.56.
elas. Tudo lhe interessava descrever: os aspectos físicos, políticos, eclesiásticos e militares
das Minas, além, é claro, da cobrança e renda dos impostos.238
Teixeira não examinava documentos apenas para organizar informações esparsas,
mas para aprofundar-se nas matérias, objeto de suas reflexões críticas. Partindo do principio
de que "têm, as Minas, muito ouro"239, Teixeira posiciona-se em contrário às políticas até
então vigentes, e considerando "a natureza do país", propunha um novo método que tinha
por mais eficaz.. Para tanto, enumerava aquelas causas dos erros anteriores que a
experiência lhe revelara com o que o extravio era descartado, por ser maiormente
imaginário, recaindo a ênfase sobre a deficiência das técnicas de minerar, sobre a
ignorância das autoridades em relação às Minas, sobre a ineficácia das leis por demais
abstratas, e sobre as irregularidades na cobrança dos impostos, que tinha por principais para
explicar o fracasso na tentativa de reerguer a Capitania.
Assim como nas demais memórias escritas por reinóis sobre as Minas, datadas da
segunda metade do século XVIII, e início do seguinte240, Teixeira Coelho é um exemplo,
naquela Capitania, do iluminismo a serviço do Estado. Mas o autor ia além disso, pois não
se limitava a descrever as Minas com imparcialidade, fornecendo apenas informações
estratégicas, como era comum aos demais memorialistas, o que já teria sido de grande
valia241. Duvidando da competência das autoridades para a formulação de estratégias
inovadoras para a Capitania, ofereceu, ele próprio, um plano de ação alternativo para
enfrentar a crise, no mesmo ano de 1780, quando o então governador, D. Rodrigo de
Meneses escrevia sua exposição sobre "o estado de decadência da Capitania de Minas
Gerais e os meios de remediá-lo".
Já pelo título, percebe-se que, assim como Coelho, o governador não se propunha
apenas a descrever as Minas, mas "indicar os meios de fazer tornar uma importante

238
No primeiro capítulo faz uma descrição 'corografia' das Minas, na qual os aspectos geográficos, entendido
num sentido mais amplo, são mencionados.
239
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.176.
240
Referimos-nos às seguintes obras: ROCHA, José Joaquim da- Geografia histórica da Capitania de Minas
Gerais. Descrição geográfica, topográfica, histórica e política da Capitania de Minas Gerais. Memória
histórica da Capitania de Minas Gerais. (1781) Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos e Culturais, 1995. VASCONCELOS, Diogo Pereira de- Breve descrição geográfica, física e
política da Capitania de Minas Gerais- Op.cit.
241
Também nelas as particularidades físicas, administrativas e históricas das Minas são descritas com precisão
aguçada, a ponto de poderem ser entendidas como um manual do bom governo, com conhecimentos que não
poderiam faltar a nenhum governador. No entanto, diferentemente de Coelho às descrições raramente são
seguidas por uma reflexão, como se não acreditassem que competia a eles apontar para novas alternativas.
Capitania ao estado florescente". Desde que chegou àquela conquista estava certo de que
"não devia ser um espectador ocioso", pelo contrário, estava disposto a aproveitar-se do
fato de ser uma "testemunha ocular", algo que Coelho também soube valorizar242.
Pouco menos de seis meses lhe bastaram, depois de se informar nos documentos
ou com "pessoas peritas", para formar seu próprio juízo das "utilidades e dos prejuízos que
resultavam do método seguido (...) e das causas de se acharem estes povos exauridos, e
reduzidos a uma decadência incrível"243. Em sua Exposição são as desvantagens do sistema
das Casas de Fundição que ganharam destaque e, se por algum momento acreditou que dele
se poderiam tirar benefícios, o governador pouco se importou em mencioná-los. Sua crítica
é palpável, sua indignação alarmante, e ele em nenhum momento pretendeu ocultá-las.
Quanto aos governantes que lhe antecederam, acusava-os de cometerem os "erros os mais
palpáveis" que "não deveriam escapar à compreensão de qualquer homem de mediano
entendimento"244.
A experiência adquirida em suas andanças pela região serviu-lhe de base para
contestar medidas anteriormente adotadas, das quais não podia "perceber o espírito". A
proibição de se edificarem engenhos, por exemplo, lhe parecia "mal entendida", e imposta
por autoridades "mal informados desse Local"245. A cada momento recorria à realidade das
Minas, "diferente de todas as demais"246, não só nos seus aspectos geográficos, mas na
especificidade da sua administração, fonte de seus argumentos.
Por outro lado, apesar do teor crítico de sua análise, seu plano "para vivificar estas
cadavéricas Minas" partia do velho princípio de que o extravio era um problema de enorme
dimensão. No entanto, porque D. Rodrigo sabia diferenciar os habitantes, e insistia na idéia
de que o comerciante era "o contrabandista, e não o mineiro"247, tinha para si que os meios
até então adotados eram não só ineficazes mas também injustos porque prejudicavam todos
os vassalos, e não somente os extraviadores.
242
"Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses..."- Op.cit, p.311.
243
Idem, ibidem.
244
Idem, p.319.
245
Idem, pp. 316-7. Segundo o governador, não era de conhecimento das autoridades a ambição que movia os
homens a sempre procurar por riquezas. Eles jamais abandonariam as lavras para trabalharem nos engenhos.
Também passava despercebida que a produção de açúcar era eficiente na recuperação de terras esgotadas por
outras culturas. Aponta ainda o governador que os benefícios que a cachaça trazia aos escravos, que
trabalhavam o dia inteiro nas águas, também haviam sido ignorados quando se determinou que os engenhos
fossem proibidos.
246
Idem, p. 311.
247
Idem, p.321.
Paradoxalmente, o fato de concordar com que o extravio era uma das principais
causas da decadência, algo que Teixeira Coelho recusava-se a aceitar, permitia-lhe ser
crítico do sistema de Casas de Fundição, na medida em que este, além de acarretar altas
despesas, incentivava a prática do contrabando. Como alternativa, ele defendia a criação de
uma Casa da Moeda em Vila Rica, a par com a proibição da circulação do ouro em pó, com
o que dificultar-se-ia a ação dos contrabandistas. D. Rodrigo reconhecia que este "novo
estabelecimento à primeira vista parece oposto ao espírito e sistema da administração
desta Capitania, mas que bem examinado se conhece pelas razões quanto a mim, as mais
sólidas, e convincentes, a sua utilidade"248.
Os benefícios que este novo sistema traria à Fazenda Real eram diretamente
relacionados aos que seriam proporcionados ao mineiro, "um homem muito respeitável, e
digno de que o Estado se interesse imediatamente na sua particular felicidade". Afinal
como "deixar de considerar o mineiro que passa a sua vida, e arriscar o seu cabedal a
desentranhar da terra este precioso metal", se dele dependia " a felicidade (...) não só a
Portugal, mas ao Mundo inteiro"249? Reconhecendo a importância dos mineiros, D.
Rodrigo invertia os termos: os donos das lavras não eram responsáveis pela decadência,
sendo-o a própria administração que não os acolhia, e insistia em exigências como se suas
dificuldades fossem inexistentes250.
Era a falta deste apoio do Estado que fazia com que as "lavras conhecidamente
ricas" ficassem inúteis, era a pouca sensibilidade face as dificuldades dos mineiros que
prejudicava o rendimento do quinto. A parceria entre governantes e governados, se bem
entendida, traria grandes benefícios a ambos, proposição que D. Rodrigo exemplificou com
dois casos em que resolvera pessoalmente, envolvendo mineiros e o problema da falta de
técnicas adequadas, evitando assim que as minas fossem abandonadas e ficassem
improdutivas. Para um homem que dava tanto valor às evidências da realidade, a menção a
fatos concretos fortalecia suas propostas.
Em auxílio dos mineiros, o governador defendia a permissão de se fabricar ferro
nas Minas, o que poderia facilitar o serviço mineral na medida em que instrumentos deste

248
idem, p.315.
249
Idem, ibidem.
250
Outras mudanças aconselhava o governador: a cobrança de 12% ou 15% sobre os cabedais dos defuntos e
ausentes, assim como o aumento do dízimo cobrado aos lavradores, o que "ficaria deste modo em equilíbrio
com os Mineiros, pagando um igual Direito Senhorial ao Soberano". Idem, p.319.
material eram indispensáveis, e até então só poderiam ser adquiridos por "avultadas somas"
aos "Suecos , Hamburgueses, e Biscainhos"251. O governador autorizou a coleta de
amostras, cuja análise revelou tratar-se de um minério de boa qualidade. Quanto ao
decréscimo que tal medida poderia acarretar nos rendimentos das entradas, isso, dizia,
poderia ser compensado com a cobrança sobre o ferro fabricado, ou ainda, se fosse agrado
de Sua Majestade, o ferro produzido poderia ser administrado diretamente pela Fazenda
Real.
Para que a extração mineral ganhasse novo impulso, o governador não parava aí,
seno também favorável à criação de um fundo que emprestasse ouro aos mineiros com
juros menores dos cobrados pelos negociantes. E porque o crescimento da produção
exigiria uma maior agilização dos negócios, D. Rodrigo defendia a instalação de um
sistema de correios, o que evidentemente chocava-se com a intenção da Coroa de
obstacularizar os caminhos.
As obras de Coelho e D. Rodrigo, apesar de apresentarem diferentes percepções
quanto às causas da crise, assemelhavam-se por destoarem da tendência administrativa
predominante, de cuja eficiência ambos duvidavam. Outras autoridades, antes de 1780, já
haviam expressado suas dúvidas quanto a algumas medidas isoladas, sem sugerir mudanças
profundas, como estes dois autores o fizeram. Certos de que seus argumentos colidiam com
o sistema como um todo, Teixeira Coelho e D. Rodrigo, em busca da solidez de sua
argumentação, acabaram por redigir obras extensas, nas quais as Minas aparecem
diferenciadas da imagem que delas se tinha no Reino.
No que se refere aos memorialistas, a ênfase inédita dada à deficiência das técnicas
extrativas indica uma percepção inovadora. Já foi visto que Luis Diogo, em 1764, defendia
a vinda de mineiros da Hungria para instruir os das Minas252, mas a idéia acabou por ser
abandonada. Por outro lado, a ignorância dos mineiros não deixou de suscitar a atenção de
muitos que, embora percebessem as conseqüências que isso trazia para a produção de ouro,
duvidaram que este problema pudesse ser resolvido.

251
Idem, p.315.
252
AHU cx.84 doc.69 f.3. Anos depois, em 1780, quando ocupava o cargo de conselheiro ultramarino, Luis
Diogo discorria sobre as vantagens de se estabelecer um Superintendente geral para todos os serviços
minerais, para que com o conhecimento mineralógico se possa dar utilidade a uma grande quantidade de
metais precisos que, desconhecidos, julgavam-se inúteis. AHU cx.116 doc.25.
Em 1773, por exemplo, o Procurador da Fazenda, José Rosa Maciel, admirava-se
da pouca quantidade de lavras que vinham sendo trabalhadas enquanto os morros
continuavam intactos, e descartava a possibilidade de explorá-los. O aperfeiçoamento do
conhecimento mineralógico que isso exigiria não lhe parecia compatível com a pobreza dos
mineiros, para ele o maior problema a ser enfrentado253.
Da mesma forma, o intendente da Comarca do Sabará alertou, em 1784, para o
fato de que os mineiros não cultivavam suas lavras com fábricas competentes254, do que
eram causas, segundo ele, a ignorância destes homens, bem como a preguiça, características
da natureza dos mineiros, contra o que as autoridades nada poderiam fazer. O intendente
revelava descrença na adoção de medidas remediadoras, algo muito disseminado entre as
autoridades que, ao preferirem uma atuação mais dinâmica, deram às suas tarefas nas
Minas caráter eminentemente fiscalizador.
Neste sentido, é possível afirmar que Teixeira Coelho foi pioneiro na defesa da
melhoria do instrumental técnico dos mineiros, como condição de fazer prosperar a
mineração. Depois dele, muitos memorialistas e ilustrados insistiram neste ponto,
defendendo que a introdução das ciências mineralógicas nas Minas poderia reverter o
quadro de declínio. É o caso de Vandelli que, em 1788, nas suas Memórias sobre as minas
de ouro do Brasil, insistia no atraso das técnicas utilizadas na mineração colonial: "Se uma
ordem superior não me obrigasse a escrever sobre as minas de ouro do Brasil, eu
certamente não me atreveria a entrar nesta matéria, que até agora se deixou nas mãos de
pessoas ignorantes de mineralogia, com grave prejuízo do Estado (...) Que sejam
necessárias pessoas inteligentes, que instruam os mineiros e os dirijam nas suas
operações, se verá isso, considerando o estado presente das Minas"255.
D. Rodrigo, por outro lado, com sua insistência em dar ao extravio a relevância que
Coelho julgava ser imaginária, deu ênfase a uma estratégia que já contava com seus
defensores: a proibição do giro do ouro em pó e a criação de uma Casa da Moeda em Vila
Rica, cabendo lembrar que o governador Luis Diogo Lobo, quinze anos antes, já defendera
o uso de uma moeda provincial que viria a substituir o ouro em pó nas transações

253
AHU cx.105 doc.37.
254
AHU cx 122 doc.50.
255
Apud FIGUERÔA, Silvia Fernanda de Mendonça- Op.cit, p.21. A autora não dá certeza da data do
documento.
comerciais, "o único meio não para extinguí-lo de todo, mas para diminuir uma grande
parte do mencionado descaminho"256. A questão fora retomada inúmeras vezes, ganhando
em alguns momentos defesas carregadas de perplexidade diante da relutância da Coroa em
perceber as vantagens de tal medida. Luis Beltrão de Gouveia Almeida, em seu plano de
melhoramento da arrecadação do direito do quinto, admirava-se que o sistema das Casas de
Fundição continuasse em vigor, apesar de nele residir maior incentivo ao extravio, devido à
"coisa extravagante" que é isso de "edificar duas Casas da Moeda em dois Portos de mar
do Brasil distante das Minas"257
*
Durante todo o período estudado, dos dirigentes nas Minas esperou-se que fossem
"prontíssimo[s] na execução das ordens de Vossa Majestade, e no despacho das partes"258,
independentemente da importância do cargo que ocupavam. Como explicava Luis da
Cunha Meneses, eles haviam sido escolhidos por serem homens "de respeito, e graduação"
e desta forma "tinham obrigação [de] darem exemplo aos mais e com ele confirmarem a
fidelidade que devem ter, e a observância que devem"259
A idéia de que um "ótimo governo consiste em cumprir o que Deus e el-rei
determinar em suas leis e decretos"260 não era nova, mas no período de crise aurífera a
Coroa deu a ela ainda maior ênfase, numa demonstração de confiança na sua política para
as Minas que restringia a possibilidade de se acatarem propostas alternativas, tendo sido
isso que levou Guerzoni a afirmar que nas Minas, "com exceção de D.Rodrigo José de
Meneses (1780-1783), todos os demais se limita[ra]m à rotina burocrática e à obediência
das ordens emanadas da Corte"261.
No entanto, a análise da
correspondência oficial permite matizar a
questão. De fato, essa conduta
predominou na prática política, mas no
256
AHU cx.86 doc.7 f.5
257
AHU cx.115 doc.71 f.3.
258
AHU cx.93 doc.27 f.1.
259
AHU cx.128 doc.34.
260
Por esta razão defendia Bobadela que seu irmão se instruísse "pois a faltar instruir, é muito certo e lhe
sigam erros que vos podem ofender a honra e destruir o conceito do soberano". "Instrução e Norma que deu
o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Bobadela a seu irmão o precaríssimo Senhor José Antônio
Freire de Andrada para o governo de Minas, a quem veio suceder pela ausência de seu irmão, quando passou
ao sul" (1752) In: RAPM. Ano IV. Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, p.727 e 735.
261
GUERZONI, Gilberto-Op.cit, p.43.
universo da reflexão, onde as idéias eram
debatidas, não se descartou de todo a
possibilidade de novos rumos para a
administração das Minas, podendo-se
admitir, inclusive, que a Coroa tenha
exigido tão enfaticamente a estrita
observância de suas ordens por perceber
que mesmo na esfera do poder local os
homens eram cada vez mais permeáveis à
discussão de novas estratégias.
Com o passar dos anos, a inflexibilidade da Coroa manteve-se, pelo que não
surpreende que as propostas de inovação viessem acompanhadas de manifestações
extremadas de fidelidade. A eventual aceitação de alternativas envolvia, bem o sabiam seus
proponentes, da exposição clara dos benefícios que estas trariam à Fazenda Real, bem
como de garantias quanto à sua conformidade com o sistema de poder vigente e para tanto,
o recurso à retórica do Estado era imprescindível, pois seu mal uso poderia colocar sob
suspeita a fidelidade das autoridade que se expunham, as quais, poderiam ser acusadas de
agirem segundo suas próprias "vontades, preconceitos e caprichos"262. Isso, bem sabiam
todos, era de se evitar, uma vez que a Coroa, quando justificava a pouca eficácia de suas
medidas responsabilizava os governantes que, ao serem movidos por seus interesses
particulares, não respeitavam as ordens, pondo, com isso, em risco a política metropolitana
nas Minas.263 Face a isso, as autoridades que propunham alterações, tendiam a argumentar
que estas se empenhavam em levar à prática as ordens da Corte264.

262
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.17.
263
Luis Diogo, ao expor seus pensamentos a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, explicava que "com
tudo sempre terei por mais acertado, o que Sua Majestade Fidelíssima e vós resolveres a este respeito, e
reputarei por erro da minha imaginação a idéia, que Vos represento, a qual é nascida do verdadeiro desejo,
que me assiste de segurar os Régios Interesses, protestando reconhecê-la por inútil. Logo que a vir
desatendida como tal pela Vossa distinta inteligência" pois "em tudo me desejo unir, e não me apartar das
acertadas deliberações". AHU cx.86 doc.7 f.6. Antonio de Noronha lembrava Marquês de Pombal que era
"criatura sua" e que portanto as irregularidades que sobre ele poderia ouvir, decorriam somente da sua "falta
de prática deste emprego". Quanto aos seus desejos nada mais queria do que acertar, algo que reconhecia ser
"um milagre", que só poderia acontecer se o ministro o iluminasse "com seu Concelho" e o amparasse "com a
sua proteção". AHU cx.108 doc.18 f.1.
264
Teixeira Coelho, por exemplo, que compôs um catálogo de ordens régias para que por ele se guiassem os
governadores, não deixava de contestar a eficácia das mesmas. Neste sentido, defende o conhecimento das
leis para que se possam propor mudanças. "Aproveitando-se das luzes que lhes comunico, [os governadores]
possam entrar com mais independência no exercício dos seus empregos, possam ser mais úteis ao Estado e
possam aperfeiçoar o meu trabalho, acrescentando as reflexões judiciosas que lhes subministrar a
experiência" COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.56.
No entanto, nem todos que se preocuparam em observar a realidade da Capitania,
invocavam a "experiência das Minas" como critério justificador das mudanças, pois até os
que fundavam sua apreciação sobre a sacralidade das ordens do Trono admitiam que o
"socorro da experiência, e conhecimento pessoal do mesmo País"265 poderia ser útil à
administração, uma vez que o conhecimento das particularidades da Capitania ajudaria na
execução das medidas que julgavam irrevogáveis, para o que recorria-se à colaboração de
"homens práticos do país", que tinham grande familiaridade com as Minas, para auxiliar na
execução das ordens266., visando a descoberta de novas lavras e o combate ao extravio.
Na verdade, as Minas ganhavam cada vez mais observadores à medida que os
pressupostos iluministas conquistavam maior espaço nos círculos oficiais267, caso do Conde
da Cunha, presidente do Conselho Ultramarino e ex vice-rei do Estado do Brasil que, em
1780, deu seu parecer sobre o plano do bacharel Francisco Barbosa de Miranda Saldanha, o
qual muito se assemelhava ao tom "destoante e crítico", característico das obras de
D.Rodrigo e Teixeira Coelho268. Num primeiro momento, o Conde da Cunha recusou-se a
julgar a obra, já "que não tinha conhecimento de Minas Gerais necessário para votar"269, o

265
AHU cx.86 doc.18 f.1.
266
AHU cx.94 doc.17 f.1 D. José Luís de Meneses enviou dois homens "práticos dos sertões" para combater
índios.
267
O governador Noronha que receava não acertar "por falta de conhecimento da [sua] profissão", aplicava-se
"em conhecer os interesses da Capitania indagando o estado inferior dela, e procurando cuidadosamente o
distribuir às origens da sua decadência". AHU cx.111 doc.2. Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana-
Op.cit, p.35. A preocupação em se conhecer as Minas já começava a despontar na década de 1780,
principalmente a partir de estudos ainda tímidos sobre a possibilidade de explorar outros recursos minerais
que não fossem o ouro. Também a natureza das Minas passou a ser devassada, principalmente quando a
Coroa contratou o naturalista João Veloso de Miranda para explorá-las. De qualquer forma, a possibilidade
em diversificar a economia só será de fato considerada no final do século. AHU cx.116 doc.25; AHU cx.123
doc.88; AHU cx.124 doc.19; AHU cx.126 doc.48; AHU cx.128 doc.60; AHU cx.134 doc.56; AHU cx.139
doc.3; AHU cx.145 doc.12; AHU cx.148 doc.36; AHU cx.149 doc.72. Coelho, ao se referir à iniciativa do
governador Valadares de explorar topázios no princípio dos anos 70, considera-a "contra o estilo até aquele
tempo praticado". Coelho, José J. Teixeira- Op.cit, p. 153. Ver ainda sobre a diversidade mineral
GUERZONI, Gilberto- Op.cit, pp. 89-92.
268
Saldanha discorria sobre os prejuízos do sistema das Casas de Fundição. Através de cálculos demonstrava
que das 100 arrobas arrecadadas pela Coroa, esta só recebia 55, porque o ouro chegava às Casas de Fundição
misturadas com esmeril e latão, correspondendo a um prejuízo intrínseco do ouro de 15 arrobas. Para limpar
este ouro impuro era necessário ainda gastar o equivalente a 30 arrobas com solimão e carvão. Quando
procurou entender porque não se completavam as 100 arrobas, o bacharel acreditava que o extravio era o
principal responsável, o qual vinha sendo, contraditoriamente, incentivado pela política portuguesa ao taxar
nas Minas a oitava de ouro a um valor inferior do que valia fora dela. A solução defendida era semelhante da
de D.Rodrigo: o estabelecimento de uma casa da moeda em Vila Rica, o aumento do valor da oitava de ouro e
a proibição do giro do ouro em pó. Mesmo assim, admitia ele, não se chegariam a completar as 100 arrobas,
sendo preciso então aumentar as rendas das entradas, agilizando o comércio através da abertura de uma nova
estrada para o Rio de Janeiro. AHU cx.116 doc.25.
269
Idem f.4.
que não foi aceito. Diante disso, Cunha detalhou seus argumentos, e compôs um belo
discurso enaltecendo a importância do saber, segundo o qual a matéria apresentada por
Saldanha "era de tanta importância, e peso (...) que não podia ser hábil, para informar
sobre ela, senão o que possuir todos os exatos conhecimentos, dos fatos, e dos costumes, e
estiver instruído, por meio da observação e da experiência dos inconvenientes dos
estabelecimentos presentes, e dos menores obstáculos, que podem atravessar-se"270
Importava-lhe conhecer os "fatos específicos, que notoriamente se não podiam ter
alcançado, senão pelas observações, e Ministério da prática"271, algo que o próprio
Saldanha confessara não dominar, pelo que o Conde da Cunha defendia que também as
Câmaras fossem ouvidas272.
O desejo de harmonizar as leis e a realidade foi comum às autoridades que se
dedicaram a pensar e agir na busca de solução para as Minas. As inclinações ideológicas,
mais do que a proximidade física, determinavam a maneira de cada autoridade atingir tal
objetivo. Os que tinham as leis como principal referência, desejaram adequar as Minas às
normas metropolitanas. As dificuldades que eventualmente encontravam, explicavam-nas a
partir da infidelidade dos súditos, coisa a ser combatida através do rigor administrativo,
único recurso capaz de garantir o sucesso do projeto que tinham para as Minas. Os mais
abertos aos ensinamentos das Luzes apostavam no caminho ditado por irrecusável
evidência: os antigos tempos de abundância haviam ficado para trás, e as leis nada
poderiam fazer contra isso.
Paradoxalmente, o mesmo argumento, o conhecimento da realidade das Minas,
serviu para legitimar estratégias contrapostas, com as Minas sendo o que queria seu
observador. Neste sentido, as evidências da observação da realidade reduziram-se a
recursos de argumentação capazes de justificar projetos políticos diversos. Por outro lado, a
vivência nas Minas podia levar as autoridades, dispostas a verem a realidade tal como ela se
apresentava aos olhos, questionarem a razão de ser das normas vigentes. De fato,
governantes recém chegados à Capitania deparavam-se com um contexto bem diferente
daquele que lhes fora descrito na Metrópole. Segundo Valadares, "embora submetidos ao
controle de Portugal, os administradores coloniais viam-se obrigados a adaptar as ordens

270
Idem, f.9.
271
Idem, f.10.
272
Idem, ibidem.
régias à realidade mineira, inviabilizando a aplicação efetiva das leis conforme os ditames
da Coroa"273. A relutância da Junta da Fazenda em aplicar a derrama tal como autorizava o
Regimento de 1750274, é um exemplo claro de como era evidente que a fidelidade dos
vassalos não se conquista e garante pela força, e que a boa ordem do Estado, por depender
da felicidade dos povos, exigia das autoridades a observação mais exata das evidências.275
Graças a estes políticos que davam valor ao que viam, o que tinham por erros
administrativos, os filhos das Minas Gerais viram minorada sua responsabilidade pela
decadência. Mas estes foram uma minoria; o mais comum foi as autoridades distorcerem a
realidade para sustentarem a viabilidade das ordens recebidas de Lisboa, com o que os
habitantes das Minas foram postos diante da inflexibilidade da Coroa.
Nas Minas predominou, durante o período estudado, uma política inclinada ao
rigor, mas isso não se deu mediante um percurso linear, tendo sido cheia de idas e vindas
determinadas, acima de tudo, por diretrizes formuladas pela Corte. Durante o período
pombalino, quando se pôde notar um esforço em conciliar os interesses de governo e
colonos, as exigências pareciam mais conformes à situação que estes enfrentavam. No
período seguinte, com a substituição de Pombal por Martinho de Melo e Castro no cargo de
Ministro da Secretaria dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, a situação
inverteu-se. Os anseios locais passaram a ser entendidos por Lisboa como uma ameaça aos
interesses régios, pelo que foram duramente combatidos. Queixas e alertas quanto às
dificuldades vividas na Capitania, à miséria de seus povos e ao excessivo rigor das leis, não
tocaram os ouvidos do Ministro276.

273
VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.156
274
Ver AHU cx.105 doc.38 e AHU cx.105 doc.37.
275
Muitos foram aqueles que defenderam a conservação dos povos como critério essencial para a preservação
da legitimidade do poder português na Capitania. Em 1767, Luis Lobo ao se referir às Instruções
secretíssimas que recebeu de Francisco Xavier, informava que procuraria impor aquilo que fosse "praticável",
isto porque preferia agir mais com doçura do que com rigor. AHU cx.90 doc.63 fls.1 e 3. Para Coelho, o
espírito de retidão e o desejo de acertar eram qualidades necessárias aos governadores. COELHO, José J.
Teixeira- Op.cit, p.157. O procurador da Fazenda lembrava enfaticamente que não adianta tomar medidas
proibitivas a fim de se sanar o extravio, pois "a maior defesa era a fidelidade dos povos, e a sua
conveniência, e quanto maior era a sua felicidade, e mais avultados os seus interesses, tanto tinham mais que
guardar, e com mais empenho cuidariam em defender não só a Pátria, mais a sua riqueza e a sua fortuna"
AHU cx.116 doc.25 f.16. Antonio de Noronha, em 1775, considerava que manter-se obediente era o "único
meio com que eu possa fazer menos infelizes os Povos daquela Capitania". AHU cx.108 doc.18.
276
Guerzoni, com base nas alterações das diretrizes políticas, diferenciou estes dois períodos também no que
respeita às Minas. No entanto, uma separação assim rígida pode dificultar a análise, já que, D. Rodrigo de
Meneses, o governador mais ilustrado das Minas, administrava a Capitania quando Melo e Castro já tinha
tomado posse. GUERZONI, Gillberto- Op.cit, p.14.
Na Instrução que Martinho de Melo e Castro escreveu em 1788 para o futuro
governador das Minas, o Visconde de Barbacena, estava nítida sua posição de recusa em
aceitar opiniões favoráveis aos habitantes277. Desagradava-lhe a idéia de alterar o que quer
que fosse, o que o levava a insistir numa política conservadora centrada em fiscalizar e
punir os vassalos recalcitrantes.
Melo e Castro, neglicenciando as anteriores críticas à administração, era enfático
na imposição do Regimento de 1750, àquela altura obsoleto devido às mudanças ocorridas
durante os últimos 38 anos nas Minas, onde não se extraía a mesma quantidade de ouro,
onde os povos sentiam-se vexados, onde as insatisfações haviam crescido. Não obstante
tantas alterações ele seguia insistindo no seu cumprimento, arguindo como justificativa que
ele fora instituído "atendendo às repetidas queixas e súplicas dos povos de Minas contra o
referido método [da capitação]", pelo que fora firmado, mesmo em prejuízo para a Real
Fazenda278, no que tinha razão. De fato, nos anos de 1741-44 os oficiais das Câmaras de
Vila Rica, da Vila Nova da Rainha, da Vila do Ribeirão do Carmo, da Vila de São José, de
São João Del Rei e de Nossa Senhora da Conceição do Sabará escreveram várias
representações em nome "dos homens bons e Povo" pedindo alívio ao Rei dos
"insuportáveis ônus da capitação"279 .
E foi com base no primeiro capítulo do Regimento, que Martinho de Melo e
Castro instruía Barbacena a impor a derrama, criticando a morosidade da Junta da Fazenda
que não a decretava, fazendo com que "o método das casas de fundição" e "o sobredito
Alvará que o estabeleceu" ficassem "sendo outra coisa mais do que umas disposições
precárias, ilusórias"280. Quanto às eventuais queixas dos moradores, convinha a Barbacena
lembrar-lhes que "a autoridade e o poder que Sua Majestade lhe conferiu não se estende

277
"Instrução para o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General nomeado para a Capitania de
Minas Gerais, por Martinho de Melo e Castro, Secretário da Marinha e Domínios Ultramarinos". In: ADIM.-
Op.cit, Volume 8, pp. 41-105.
278
Idem, p.72.
279
"Impostos na Capitania Mineira- Clamores e súplicas das Câmaras em nome do povo" In: RAPM, ano II,
fascículo 2º, abril a junho de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.287-309.
280
"Instrução para o Visconde de Barbacena...."-Op.cit, p.79 A Instrução significou um retrocesso nas
negociações entre colonos e metropolitanos. Em 1771, por exemplo, quando o Conde de Valadares não
aplicou a derrama e foi chamado a dar explicações, conseguiu que o Estado metropolitano reconhecesse a
impossibilidade de se impor esta cobrança. Melo e Castro quase 17 anos depois insistiu na imposição deste
tributo, quando as Minas estavam ainda mais incapazes de arcar com ele. VERSIANI, Carlos- Cultura e
Autonomia em Minas (1768-1788)- A Construção do ideário não colonial. Dissertação de mestrado em
História Social apresentada no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do prof. Carlos Guilherme Mota, 1996 (mimeo), p.56.
por modo algum a conhecer das suas leis, nem do que elas estabelecem, mas que tão
somente se limita a ser um exato e fiel executor das mesmas leis"281.
Em nenhum momento Melo e Castro considerou que o que poderia ter sido
benéfico para os habitantes das Minas em 1750, poderia ter deixado de sê-lo quase três
décadas depois. Para ele o Regimento ainda conservava sua legitimidade, e tinha no
desrespeito a ele o motivo do quinto não render o esperado. Na sua visão, o declínio do
rendimento "não é porque as minas se achem exaustas por cansadas, como astuciosamente
se quer persuadir, mas procede de uma grande relaxação nos que têm a seu cargo a
inviolável observância das leis, e que, não as fazendo executar, dão lugar a se facilitarem e
multiplicarem os extravios"282 .
Para Melo e Castro impunha-se dar um fim à “relaxação dos costumes”. Os povos
deviam ser duramente chamados ao cumprimento de seus deveres de súditos fiéis, com o
que atalhar-se-ia a decadência. Mas sua desaprovação ia mais longe, envolvendo o
comportamento das autoridades judiciais, eclesiásticas e civis que, segundo ele
subordinavam os interesses régios aos seus particulares, pelo que instruía o Visconde de
Barbacena a corrigir "a negligência, e a relaxação e abusos que nela [Minas] deixamos não
só introduzir, mas radicar", implantando, dessa forma "um sólido, ativo e prudente
governo".283
Segundo Guerzoni, o ministro teve que rever sua posição em relação à derrama,
porque orientação da Corte aconselhava que, para a sua imposição, era preciso "informar
primeiro se os Povos das Minas se acham em estado de suportar sem grande ruína o peso
da dita derrama"284, em contraste com as diretrizes de Melo e Castro que, sabidas nas
Minas, descontentaram a todos, vassalos e autoridades locais que, acusados de negligência,
sentiram-se ameaçados. A pouca cautela frente à realidade estavam claras nesta Instrução
que, ao insistir na observância estrita do Regimento, antes de reverter a decadência das
Minas, poderia colocar a perder a Capitania.
Durante o tempo em que Melo e Castro esteve no poder, as estratégias políticas
que colocavam a realidade da Capitania como contraponto das leis encontraram enorme

281
"Instrução para o Visconde de Barbacena ..."- Op.cit, p.83.
282
Idem, p.73.
283
Idem, p.42.
284
Apud GUERZONI, Gilberto- Op.cit, p.50.
resistência, embora tenham sido debatidas nos círculos oficiais. No período seguinte,
quando D. Rodrigo de Souza Coutinho substituiu Melo e Castro na Secretaria dos
Domínios Ultramarinos, a situação inverteu-se. As estratégias até então tidas por destoantes
ganharam maior respaldo, seja porque o espaço da ilustração ampliou-se, seja porque o
ensaio de sedição em 1788-9 revelou que o rigor mal calculado do governo envolvia riscos
que não seria prudente assumir285. As novas diretrizes políticas adotadas a partir de então
revelam que o Estado português deu-se conta de não ser possível insistir na observância de
normas superadas pelo tempo, e que mudanças tornaram-se inevitáveis.
*
Nas Minas da segunda metade do século XVIII, a crise do Antigo Sistema
Colonial veio somar-se à decadência da principal atividade econômica da região. Neste
contexto, mesmo nas esferas do poder, divergia-se quanto às estratégias políticas a serem
seguidas para conter a decadência da mineração. . A linha de atuação ditada no Reino
encontrava opositores no próprio aparelho do poder, em cujo interior os interesses da Coroa
tendiam a conflitar com os interesses particulares dos titulares dos cargos. Mas em paralelo
a isso, emergiram críticas à ineficácia da política da Corte, muitas delas fundadas em
consistente conhecimento da realidade da Capitania,, mas que tardaram em serem levadas
em conta pelos senhores do poder. Estes, em esfera local, foram em geral, “fiéis
executores” das diretrizes metropolitanas, sem se darem conta de que a crise engendrava
novas críticas, avançando para dimensões da vida das Minas Gerais que antes se
mantiveram imunes à sua ação corrosiva.

285
Pela primeira vez todas aquelas opiniões favoráveis à fabricação de ferro, à criação da Casa da Moeda ou
mesmo à melhoria das técnicas ganharam maior crédito nos debates políticos. Ver GUERZONI, Gilberto-
Op.cit. pp. 82-3. ZEMELLA- Op.cit. p.151. No entanto, apesar das mudanças terem sido aceitas, elas
demoraram muito tempo para se efetivar, porque a resistência parecia ainda imperar. O próprio Alvará de
1803, que pode ser considerado uma inovação no sistema de exploração mineral, fora constantemente adiado.
Camara Bethencourt e Sá, um notável ilustrado, só conseguiu ocupar o cargo de intendente geral nas Minas,
em 1807, nove anos depois de ter sido nomeado. MENDONÇA, Marcos Carneiro de- Intendente Camara-
Manoel da Camara Bethencourt, e Sá- Intendente Geral das Minas e dos Diamantes ( 1764-1835). Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1933.De fato, só "com a vinda da corte ao Brasil haverá reflexos benéficos na
economia mineira, com a liberação dos antigos entraves e com as importantes experiências no campo da
mineração, assistidas pela técnica e pela ciência que até então haviam faltado". IGLÉSIAS, Francisco-
Trajetória política do Brasil (1500-1964)- Op.cit, pp.192-93.
Capítulo 3º
As causas da decadência para os filhos das Minas

Os olhares sobre a Capitania das Minas Gerais multiplicaram-se no período


correspondente à crise da produção aurífera porque muitos foram os homens que
acreditaram que a observação da realidade poderia indicar os melhores caminhos a serem
percorridos para reerguê-la. No entanto, este ímpeto em conhecê-la de perto não acarretou
necessariamente uma percepção mais apurada. As filiações ideológicas ou a inclinação a
esta ou aquela alternativa política davam o tom aos discursos, os quais, na maior parte das
vezes, revelavam mais sobre o observador do que sobre as Minas Gerais.
Nas correspondências que as autoridades trocaram durante o período (1763-1792)
é possível notar esta variedade de percepções sobre a Capitania das Minas Gerais, que vem
a se acentuar ainda mais quando levamos em conta a visão que os habitantes tinham de sua
pátria. Também estes encontraram espaço, apesar de limitado e controlado, para participar
deste debate. A principal via de acesso eram as representações que os oficiais das Câmaras
nas Minas enviavam às autoridades portuguesas. Através delas os homens da Capitania
expressavam suas queixas, seus ressentimentos e expunham também seus pontos de vista
sobre a política metropolitana e sobre a região que habitavam.
Enquanto "cabeças do povo" ou "verdadeiros departamentos do governo geral",
cabia aos Senados da Câmara alcançar a consonância entre os interesses da metrópole e os
da coletividade286. Muitas vezes esta missão conciliadora mostrou-se árdua, especialmente
em contextos nos quais a desarmonia entre os interesses era evidente287. Nestas situações,
os camaristas tiveram que se posicionar e optar por uma destas duas atribuições
características da instituição que representavam. Em meio a isso, os vereadores viam-se
envolvidos num movimento pendular, prevalecendo em geral um posicionamento
intermediário, no qual as angústias dos habitantes puderam ser expostas sem que a ordem
política fosse ameaçada, como era de desejo dos camaristas.
Inseridos nas redes administrativas, graças à sua condição social e econômica, os
vereadores, homens bons da Capitania, contavam com representatividade política, uma
condição garantida a poucos. É certo que, embora escrevessem aos dirigentes
metropolitanos em nome do povo, podemos perceber em suas palavras uma preocupação
especial com os anseios da elite local, proprietária de lavras e terras, grupo ao qual
pertenciam288. Assim, apesar de exporem suas reivindicações como sendo comuns também
ao bem público, o debate que procuravam manter com a Metrópole visava sobretudo
contemplar os interesses particulares de um grupo restrito os quais, justamente por não se
antagonizarem com os da Coroa portuguesa, podiam ser expostos sem maior ressalva.
Aliás, era justamente a harmonia entre seus interesses e os régios que reivindicavam esses
homens, harmonia que, como vimos, ficava cada dia mais ameaçada pela imposição de
exigências metropolitanas que se afastavam do contexto econômico decadente das
Minas.289

286
PRADO JÚNIOR, Caio- Formação do Brasil Contemporâneo (colônia). São Paulo, Brasiliense,
Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
287
"...os senados se encontravam no centro daquela contradição maior do sistema colonial, que é a
contradição entre os interesses 'fiscais' da metrópole e a realidade interna da colônia". VERSIANI, Carlos-
Cultura e Autonomia em Minas (1768-1788)-A construção do ideário não colonial.- Op.cit, p.106
(mimeo) "O poder municipal representado pelas Câmaras era essencial para a efetivação do domínio
metropolitano, mas disto resultavam diversos conflitos de interesses, já que os homens bons, eleitos para o
Senado da Câmara, ao mesmo tempo que eram súditos, eram defensores de interesses locais". FURTADO,
Júnia - Homens...- Op.cit, p.216.
288
"O conceito de 'povo' enquanto terceiro estado na sociedade de ordens e na base de toda sociedade não
chegou a se estabelecer na colônia". "Embora por essa época [1768] tivessem começado a emergir um
discurso e um sentimento nativista entre as elites coloniais, a nobreza da terra, a vasta maioria da população
era considerada por essa elite e pelo regime colonial como desmerecedora de seu status enquanto povo da
colônia". SCHWARTZ, Stuart B.- " 'Gente da terra braziliense da nasção'. Pensando o Brasil: a construção de
um povo". In: MOTA, Carlos Guilherme (org)- A Viagem Incompleta. A experiência brasileira (1500-
2000).Formação: histórias. São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2000, p. 111 e p.115-6 respectivamente
(grifos do autor).
289
Sobre o papel político das Câmaras no período colonial ver ainda: OLIVEIRA, Almir de- "A Sociedade
mineira no século XVIII". In: 1º Semana de estudos históricos: 'O Brasil século XVIII- o século mineiro'.
Desta forma, quando se mostravam favoráveis, por exemplo, a mudanças na
legislação, suas propostas respaldavam-se no desejo de manter a estrutura política intacta,
conservando a legitimidade das leis que, devidamente restruturadas, garantiriam a vigência
de seus anseios. Neste sentido, as representações eram uma via adequada na exposição de
suas idéias, na medida em que sendo um veículo legalizado, no qual só as reivindicações
que não extrapolassem a esfera do possível podiam ser expressas, sua natureza se adequava
às súplicas destes homens que, atentos ao que se passava ao seu redor, reclamavam maior
atenção da Coroa, isentando-se de questionar as bases de sua legitimidade.
Por outro lado, ainda que as representações fossem um canal de comunicação com
a Metrópole, nem sempre as queixas expressas foram atendidas, pelo que tornava
necessário recorrer constantemente a elas para lembrar às autoridades reinóis que muitas
súplicas ainda não haviam sido contempladas290. De qualquer forma, a insistência com que
as representações foram utilizadas, como forma de preservar o diálogo com o Reino, indica
por um lado que as súplicas eram muitas, e por outro que o Estado era tido como um aliado
na vigência de interesses próprios da elite que possuía representatividade política nas
Minas.
Assim, estavam os oficiais das Câmaras em perfeita consonância com os ideais do
Estado português a que pertenciam, divergindo apenas em um ponto: a percepção que
tinham das Minas. A realidade que descreviam muito pouco tinha em comum com a que era
retratada pelas autoridades superiores e aproximava-se daquela vivida pela população, e foi
esta discrepância que os levou a divergir também quanto aos métodos de reerguer a
Capitania.

Realizado em Ponte Nova, Estado de Minas Gerais, de 4 a 10 de junho de 1972. Ponte Nova, Minas Gerais,
1972, pp.37-62. RUSSEL- WOOD, A.J.R.- "Centros e Periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-1808". In:
Revista Brasileira de História, Volume 38, n°36, São Paulo, ANPUH/Humanitas Publicações, 1998,
pp.187-249. SALES, Fritz Teixeira de- Vila Rica do Pilar (um roteiro de Ouro Prêto). Belo Horizonte,
Editora Itatiaia, 1965. Daniel de Carvalho refere-se aos Senados das Câmaras como "escolas de democracia",
possivelmente convencido de que os camaristas representavam os interesses de toda a população. O uso de tal
denominação, no entanto, exige certa cautela, na medida em que anula a ambigüidade que era própria desta
instituição. Ainda que representantes do povo, os oficiais também o eram da política metropolitana. Carvalho,
Daniel de- "Formação Histórica das Minas Gerais"- Op.cit, p.23.
290
Testemunho desta situação é a representação enviada em 1778 pelos oficiais da Vila de São João Del Rei,
na qual reproduziam, sem alterar sequer uma vírgula, outra enviada quatro anos antes. AHU cx.113 doc.67 e
AHU cx.107 doc.17 respectivamente. Em 1783, os camaristas da Vila Nova da Rainha colocavam mais uma
vez na presença do Rei D.José I matérias que "ainda nos parecem muito tendentes ao bem público; há mais
de trinta anos que não tivemos ao menos o gosto de saber que alguma delas chegasse a Real Presença de Sua
Majestade Fidelíssima...". AHU cx.119 doc 47 f.1.
O teor das representações diferenciou-se muito pouco ao longo do período (1763-
1792), seguindo a constância característica da administração metropolitana na Capitania. Se
a estratégia da Coroa pouco variou durante esses anos, as queixas das Câmaras
mantiveram-se praticamente as mesmas. Por outro lado, ainda que as representações
tenham preservado seu teor, à medida em que a crise se acentuava e os vereadores
percebiam que as medidas adotadas não surtiam efeito, o seu teor crítico ganhou maior
intensidade. Em 1789, particularmente depois da abolição da derrama, surgiram várias
representações nas quais os tópicos abordados nos anos anteriores foram aprofundados, seja
para mostrar a ineficácia do Estado, seja para sugerir um plano de ação alternativo. Foi só
nesse ano, por razões que serão explicadas, que os oficiais revelaram uma percepção mais
amadurecida da crise. De qualquer forma, porque nas representações anteriores a esta data
já estavam presentes alguns dos tópicos que serão posteriormente abordados de forma mais
abrangente e esclarecedora, é que iniciaremos este capítulo analisando-as, para então
compararmos estas representações às que foram escritas em 1789. Estamos certos de que
este é o caminho mais seguro para acompanhar a trajetória das reflexões dos oficiais das
Câmaras, que como veremos também se preocuparam em reverter o quadro de declínio das
Minas.
*
Os camaristas das Minas não negavam que o extravio do ouro era um problema
concreto, mas também podiam perceber que as autoridades reinóis exageravam na
importância desta prática, que nem de longe lhes parecia ser a principal causa da
diminuição do quinto. O problema do contrabando, quando mencionado, não o era somente
pelas conseqüências maléficas que trazia à arrecadação deste imposto, mas principalmente
pela política utilizada para erradicá-lo. Mais do que os resultados infrutíferos, as medidas
adotadas pelas autoridades portuguesas eram julgadas impróprias porque sua adoção
significava o descarte de outras que poderiam reverter a situação sob novos parâmetros.
Para os oficiais das Câmaras, as autoridades portuguesas partiam de um diagnóstico
equivocado sobre a crise das Minas porque davam ao extravio um lugar de destaque,
quando era preciso considerar outras tantas razões da decadência da Capitania. Estas, assim
como o comércio ilícito, deviam ser cuidadosamente analisadas segundo "exata indagação
da preponderância de cada uma delas", afinal "se porque se não tira o ouro conforme uns,
se porque se extravia a maior parte e não vai às fundições, segundo outros, faz grande
diferença"291. Tais palavras, escritas em 1789, exprimem com muita clareza a razão pela
qual os camaristas nos anos anteriores negligenciaram a problemática do extravio: embora
reconhecessem a sua gravidade, temiam que abordá-la acabaria por ofuscar outros
problemas que também atingiam as Minas, e que para eles eram muito mais urgentes.
Segundo se depreende das representações, a razão pela qual a cota das 100 arrobas
não vinha sendo paga integralmente devia-se à esterilidade das lavras antigas, que
tampouco podia ser compensada pela das novas jazidas descobertas, já que estas não davam
mostras de serem ricas292. Assim, era a "a pobreza das lavras" que reduzia "este país a uma
total decadência" conforme explicavam os oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei
em 1774293. Quatros anos depois voltavam a insistir que "o país está pobre pelo pouco que
se extrae da terra" e que "tudo o que era bom está lavrado, o que existe em ser tem tão
pouco, que por não fazer conta foi desprezado pelos antigos"294. Também os camaristas de
Sabará em 1777 faziam referência à abundância que havia ficado para trás. Para esses "as
Minas da terra (...) não correspondiam com a grandeza dos tempos passados"295. Durante
todo o período da crise aurífera os vereadores das Minas encontraram inúmeras formas de
dizer o que poderia ser dito em poucas palavras: a arrecadação do quinto declinava porque
das lavras não se tirava mais ouro.
Assim, se a origem da decadência aurífera da Capitania estava na pobreza de suas
minas, para os oficiais das Câmaras não havia porque se alarmar com o extravio, que
sempre fora praticado e provavelmente com maior intensidade em tempos de abundância do

291
AHU cx.132 doc.45 f.3.
292
Em 1772, os oficiais da Câmara da Vila do Príncipe queixavam-se de que "o ouro extraído não existe,
Novas Minas não aparecem". AHU cx.103 doc.91 f.4. Três anos depois, os da Cidade de Mariana escreviam
que nas Minas "se contempla o estado mais deplorável da sua total ruína" devido "à decadência das lavras, e
à falta de descobertos". AHU cx.108 doc.75 f.1. Não admira que nessas representações, escritas na década de
70, os camaristas revelassem consternação quanto à ausência de novas lavras, pois neste período ainda não
havia sido incentivada a política dos descobertos. No entanto, em 1789, os oficiais da Câmara da Vila do
Príncipe voltavam à questão, lamentando-se que "depois daqueles primeiros descobrimentos, e grandezas,
não tem havido outros de nome, e riqueza deles, e aqueles não podem mais serem úteis à mineração por
exauridos, ou impossibilitados". AHU cx.131 doc.73 f.2. Sobre o pessimismo dos camaristas em relação aos
descobertos ver ainda: SG cx.07 doc.09 f.1; "Quintos do Ouro". In: RAPM, ano III, fascículo 1, jan/março de
1898, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp..65-77; "Causas determinantes da diminuição da
contribuição das cem arrobas de ouro, apresentadas pela Câmara de Mariana". In: RAPM, ano V, fascículo 1,
jan/março de 1901,Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, p.150.
293
AHU cx.107 doc.14 f.1.
294
AHU cx.113 doc.67 f.2.
295
AHU cx.111 doc.48 f.2.
ouro. No entanto, ao proporem uma nova explicação centrada na questão da produtividade
do ouro, e não do seu desvio, acabavam por priorizar um problema de difícil solução, dada
a sua irreversibilidade. Afinal, conforme expressavam os camaristas da Vila de São João
Del Rei em 1778296, se a terra não tinha ouro, os povos não poderiam achá-lo, e como esta
não produz novamente o mineral, como alterar este quadro partindo-se da premissa, que
também compartilhavam, de que a extração deste mineral devia continuar a ser a principal
atividade produtiva das Minas297?
Por outro lado, a disposição em aceitar que a Providência estava castigando os
homens da Capitania secando suas lavras, era praticamente nula. Em nenhum momento os
vereadores mostraram-se desesperançosos com a possibilidade de encontrar uma saída para
que nas Minas voltassem a extrair o ouro, que havia enriquecido a Real Fazenda e dado
fama a seus habitantes. Isto porque eles próprios acabavam por relativizar a idéia de que as
jazidas estavam esgotadas, mostrando que se o ouro da superfície já não existia, no subsolo
ainda havia ouro suficiente para que o quinto voltasse a ser pago com regularidade. Desta
forma, quando se referiam à esterilidade das lavras para explicar o declínio do quinto,
estavam mais preocupados em amenizar a importância dada ao extravio, pois os problemas
da Capitania não podiam se restringir a este único aspecto.
A hipótese de que a decadência tinha uma origem natural não fora descartada, mas
a esta se vieram somar outras explicações, de tão diversas ordens que se torna difícil
entender qual seria a mais significativa para os camaristas. De qualquer forma, o extravio,
nesta lista que vai se compondo, jamais aparece como sendo o problema mais relevante, até
porque se evitava a todo custo atribuir à crise uma causa que estivesse relacionada com a
infidelidade dos súditos das Minas.
Ao analisarem o contexto de forma mais ampla, não se prendendo a nenhum ponto
em especial, os oficiais das Câmaras deram maior abrangência a seus diagnósticos e
consequentemente ampliaram o rol de soluções que poderiam efetivamente ser postas em
prática se as autoridades portuguesas mostrassem algumas disposição em levá-las em conta.
A forma com que os camaristas encontraram para expor os problemas que assolavam as
Minas demonstra que não estava ausente de suas reflexões a percepção de que as medidas

296
"...a terra não tem, nem produz novamente o Ouro, os Povos não o acham" AHU cx.113 doc.67 f.2.
297
Só para citar um exemplo, na representação escrita em 1774 nesta mesma Vila, os vereadores afirmavam
que "a extração do ouro [é] o negócio mais recomendável" AHU cx.107 doc.15 f.1.
administrativas não vinham dando resultando. Assim, percebiam a necessidade de efetuar
mudanças, as quais deviam ser operacionalizadas pelos dirigentes do poder. No entanto, à
medida em que suas propostas não ganhavam qualquer respaldo no Reino, tornavam-se
quase inevitáveis os questionamentos sobre a inflexibilidade da política metropolitana nas
Minas.
*
Uma das queixas mais freqüentes nas representações referia-se à diminuição dos
jornais dos escravos, que não conseguiam extrair a mesma quantidade de ouro como faziam
em outros tempos. Logo nos primórdios da crise os vereadores de Vila Rica lamentavam
que em 1765 "não há mineiro que diariamente tenha jornal de quatro vinténs por dia que é
a oitava parte do que no primitivo tempo se tirava"298. Em 1778, é a vez dos camaristas de
São João Del Rei reclamarem que "se antigamente mil negros, por exemplo, tiravam oiro
299
(...) são hoje necessários dez mil negros" . Frente a esta evidência matematicamente
demonstrada, a solução seria aumentar o contigente de escravos nas lavras; o que poderia
ser uma solução se nas Minas tantas dificuldades não fossem impostas aqueles que
desejavam adquirir mão-de-obra para assim manter a produtividade aurífera300.
O alto preço pelo qual os escravos eram vendidos na Capitania foi motivo de
preocupação dos camaristas301, que podiam perceber que a cobiça dos negociantes
dificilmente poderia ser suportada por homens que a cada dia ficavam mais empobrecidos.
Sem escravos não se extraia ouro, sem ouro não havia recurso para comprar escravos.
Diante deste círculo vicioso, se as autoridades portuguesas não tomassem alguma
providência o futuro que lhes era reservado não poderia ser promissor.

298
AHU cx.86 doc.14 f.1.
299
AHU cx.113 doc.67 f.1.
300
É importante esclarecer, tomando como referência as palavras dos vereadores de Vila Rica de 1765, que
neste ano o número de escravos que entrou nas Minas não era menor do que a média anual do período
anterior. Mas, visto que as lavras estavam se esgotando, era preciso um contigente ainda maior de escravos
para que os jornais não fossem reduzidos. "Que tendo estas Minas, haverá quarenta anos pouco mais ou
menos trinta mil escravos de trabalharem ouro, e aumentando-se o número anualmente tanto se reputa haver
de presente duzentos mil, se vê que não cresce o ouro nas fundições ou cofres das naus de guerra à
proporção de que cresce os escravos". AHU cx.86 doc.14 f.2. Ver sobre esta questão: AHU doc.131 cx.77
f.2.
301
Segundo os camaristas de São João Del Rei, comprava-se "por altos preços os escravos sem os quais nada
pode cultivar-se". AHU cx.107 doc.13 f.3. Ainda em 1789 os preços não deviam ter diminuído, pois os
oficiais da Câmara da Vila do Príncipe reclamavam que com os escravos, "se consome muito cabedal nestas
Minas". AHU cx.131 doc.73 f.3.
Como se não bastasse esta situação por si só ameaçadora, os mineiros tinham que
enfrentar o sistema de recrutamento imposto pelo Estado português, que obrigava os
homens das Minas a abandonaram sua pátria para prestar serviço em outras Capitanias da
América portuguesa, em particular nas do Sul e na do Rio de Janeiro. Embora tal prática já
havia sido utilizada nos séculos anteriores sempre que a Coroa precisou proteger as
fronteiras de seu Império, neste período de crise, no qual as Minas padeciam por falta de
braços, ela mereceu séria oposição dos camaristas, que dedicaram a esta questão muito
mais linhas do que aos preços exorbitantes pagos pelos escravos.
Em um contexto de francas dificuldades, tal prática despertou um sentimento de
injustiça que os oficiais das Câmaras não se intimidaram em manifestar. Procurando
amenizar as inquietações provocadas pelo recrutamento, o governador Luis Diogo Lobo da
Silva limitou as matrículas à quinta parte dos escravos. Porém, nem "o zelo da Pátria,
honra da nação" que o motivaram a agir desta forma, puderam conter as queixas dos
camaristas de Vila Rica que em 1765 continuavam a achar a quantia excessiva porque eram
os escravos "os únicos bens e cabedais, que possuem os moradores deste Continente"302.
Esta situação devia lhes causar tamanha perplexidade que se dirigiram diretamente à
Rainha para expor a melhor forma de contorná-la. Sugeriam à Soberana que ordenasse ao
Desembargador Manoel da Fonseca Brandão, pela sua "intereza, ciência, virtude, claro
conhecimento e vasta experiência do país", que viajasse pelas Minas para se certificar que
"importa aos reais interesses conservar intactas as fábricas, lavouras e moradores destas
Minas, por serem o coração da América Portuguesa, donde não podem sair corpos
militares em socorro de fronteira alguma, que não seja a Praça do Rio de Janeiro, para
que estão dispostos"303.
Dez anos depois, os vereadores de Mariana já não concordavam sequer com o
assentamento de Soldados para o Rio de Janeiro que deixavam desamparados suas
fazendas, lavras e negócios, "com total ruína dos seus bens; ao mesmo tempo que esta
Capitania precisa, não somente de gente que tem, mas de muito mais, por ser presidiada de
inimigos domésticos"304. Em 1789, os camaristas de Vila Rica queixavam-se que, vinte e
dois anos antes, já haviam sido recrutados e destacados mil homens para os Portos do Mar e

302
AHU cx.89 doc.32 f.1.
303
idem, f.2.
304
AHU cx.108 doc.75 f.2.
fronteiras do Sul, "golpe fatal", segundo eles, porque deixava "incapacitados o resto de
poder bem trabalhar, ou por escondidos a fim de evitar a sorte dos outros; ou por
desamparados de diretores e feitores, que fizessem luzir os trabalhos"305. Na visão dos
camaristas, a segurança e a produtividade das Minas ficavam comprometidas por uma
política que, ao tomar a América portuguesa como um todo, esquecia das particularidades
das suas partes.
Por outro lado, nem sempre os homens eram recrutados à força. Muitos foram os
que se alistaram voluntariamente, esperançosos de que a posse de um posto militar os
fizessem subir na hierarquia ditada pelas aparências, algo difícil de ser alcançado nas Minas
onde a pobreza minava qualquer desejo de ascensão social. No entanto, também no que
compete a esta questão, na percepção dos oficiais das Câmaras, caberia ao Estado
português, alterando o quadro da decadência, conter o despovoamento das Minas.
Se no início do século foi preciso frear as ondas migratórias, que rapidamente
povoaram o território das Minas, na segunda metade do Setecentos os homens
inversamente abandonavam esta região, desiludidos por não conseguirem enriquecer ou
ainda porque acreditavam que a carreira militar lhes proporcionaria um futuro mais
atraente. De qualquer forma, o fato é que as Minas iam se despovoando e os camaristas das
Vilas, atentos a isto, procuravam entender todas as causas deste problema, que não eram
poucas. Também a imposição da derrama, conforme os vereadores de Vila Rica em 1773,
era responsável por afugentar os homens para locais distantes da Capitania. "Vexados os
Povos pelo extraordinário modos da Referida cobrança e arrecadação se tem fugido um
grande número dos moradores do dito Sertão para as Capitanias livres de Bahia,
Pernambuco, Goiás e Rio de Janeiro; E acrescendo o novo motivo da presente derrama se
notou facilmente que quase duas partes desertaram destas Minas ao primeiro anúncio da
multa"306.
Como conseqüência da pobreza, das guerras entre Portugal e Castela e da ameaça
da derrama, as lavras ficavam intactas. Assim, tornava-se "comum nestas Minas"307, tanto
aos donos das lavras, quanto ao das terras, estar "destituídos de escravos". A questão dos
recrutamentos foi decerto a que ganhou maior destaque nas representações, o que não

305
AHU cx.132 doc.45 f.4.
306
AHU cx.104 doc.40 f.3.
307
AHU cx.98 doc.50 f.3. Nesta representação os camaristas referiam-se à situação específica dos agricultores.
indica necessariamente que fosse sentida como o fator mais agravante da escassez de mão-
de-obra. Na verdade, ao privilegiarem este aspecto os camaristas encontraram meios de
apontarem para as contradições da política portuguesa na Capitania das Minas Gerais.
Embora não usassem tal termo, é certo que assim entendiam as medidas metropolitanas
que, paradoxalmente, prejudicavam a extração do ouro enquanto eram as autoridades que
enfatizavam a necessidade de dar continuidade à atividade aurífera. Afinal, como os
homens poderiam se empenhar em extrair o ouro com o qual pagariam o direito do quinto
se eram obrigados a abandonar as lavras para proteger as fronteiras do Império308? Da
mesma forma, causava-lhes certa estranheza que em tempos nos quais os "vadios" já
estavam em superioridade numérica da "gente de trabalho" 309, a administração portuguesa
contribuísse para aumentar esta defasagem, recrutando os homens que eram úteis em suas
lavras.
As críticas aos recrutamentos revelam em suma as distintas percepções que os
camaristas e as autoridades portuguesas tinham da decadência das Minas e a prioridade
dada a ela em relação aos demais problemas que tinham que enfrentar os portugueses na
vastidão da América portuguesa. Os políticos do Reino que viam a Capitania como parte de
um todo maior não retiravam dos habitantes a responsabilidade de ajudar a monarquia a
assegurar seu domínio em outras paragens. Aos camaristas, inversamente, por pensarem as
Minas como uma comunidade às voltas com suas próprias especifidades, repugnava a idéia
de prestar auxílio em outras capitanias, pois lhes parecia muito mais urgente que os
habitantes gastassem suas forças para solucionar problemas próprios de sua pátria. Tudo
nos leva a crer que os camaristas entendiam que a crise pela qual passava a Capitania estava
localmente enraizada. Também pode-se perceber que os elos que mantinham com as Minas
eram suficientemente fortes para que se mantivessem praticamente alheios aos problemas
das outras capitanias. Sentiam-se americanos, é certo, mas priorizavam antes de tudo os
vínculos com sua pátria, que eram os que lhes diziam imediato respeito. Nada disto impedia
que se sentissem também como portugueses. Na verdade, em nenhum momento colocaram
os interesses locais acima dos régios, e foi justamente porque entendiam que a recuperação

308
"Poderiam então acaso os Mineiros adiantar os seus serviços?" Com esta pergunta os vereadores da Vila
de São José, em 1789, conseguiam exprimir com clareza a indignação com a política portuguesa, algo que,
nos anos antecedentes, só poderia ser dito nas entrelinhas. AHU cx.131 doc.74.
309
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas..."- Op.cit, p.146.
da atividade extrativa nas Minas colidia, na prática, com as exigências ditadas pela defesa
do território americano, é que perceberam que preterir o segundo não era uma manifestação
de infidelidade, mas uma forma de tornar possível o primeiro.
*
Por volta de 1769, o reinol Manuel Álvares Correia pedia licença ao Rei para abrir
uma fábrica de ferro, "a qual serve de beneficio ao bem comum em razão de haver muitos
mineiros que deixam de minerar, pelo muito ferro de que necessitam e para o haverem lhe
custa um avultado preço o qual os desanima de minerar"310. Não se sabe quanto tempo
Correia já vivia nas Minas quando entrou com o pedido, mas o certo é que este
metropolitano testemunhava e alertava para uma dificuldade que comprometia o sucesso da
atividade aurífera já na década de 60. Proibidos de fabricar ferro, e tendo que importar este
produto, cujo peso o tornava um dos mais tributáveis, os mineiros encontravam-se
completamente desamparados, esperando que os dirigentes percebessem o estado de
penúria em que viviam, contra o qual os habitantes nada podiam fazer. Por outro lado, se a
falta de instrumentos era tão grave quanto a carência dos "nervos de minerar"311, poucas
linhas foram gastas para entender as causas deste problema, que inversamente do que se
observa quanto à problemática da mão-de-obra, não ganhou uma análise mais detalhada312.
Os camaristas, na maior parte das vezes, referiam-se às dificuldades genericamente,
tomando-as em conjunto quando alertavam para o estado de miséria dos habitantes das
Minas.
Já em 1765, os oficiais da Câmara da Vila de São José expunham a "notória e
lamentável miséria, com que vivia a maior parte dos moradores daquele País"313. Em 1777
os da Vila de Sabará queixavam-se de que tudo que se comprava na Capitania vinha de
fora, "da sorte que o povo deste vasto Continente, que se imaginaria talvez o mais

310
AHU cx.94 doc.49 f.1.
311
AHU cx.132 doc.4 f.4.
312
Como vimos, esta questão foi exaustivamente trabalhada pelas autoridades 'destoantes'. Quanto aos
habitantes das Minas, ela só ganhou devido destaque com os memorialistas no final do século. Também José
Bonifácio, em 1796, a considerava um problema central, que deveria ser solucionado para que a mineração
voltasse a prosperar e assim impulsionasse a agricultura e o comércio. "Carta de José Bonifácio de Andrada e
Silva, apresentando plano de reforma da administração de Minas em Portugal e Colônias". In: Biblioteca
Nacional, 16,2, 3. f.2.
313
"Consulta da Capitania de Minas Gerais-das cópias extraídas do Arquivo do Conselho Ultramarino". In:
RAPM, ano XI, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1906, p.245.
abastado, era o mais pobre, [e] vivia miserável, e aflito..."314. Os anos passavam e os
homens continuavam a viver esta mesma situação nos quatro cantos da Capitania. "Em
duas palavras", explicavam os camaristas de Mariana em 1781 "os pobres são mais, que os
ricos, e uma família numerosa, que só tem o dia, e noite, para manter-se, carece de esmola
para se vestir".315 Oito anos depois, os camaristas da Vila do Príncipe referiam ao "estado
de pobreza da maior parte dos Povos da capitania, pela pouca assistência de tudo o que é
da sua labutação"316.
Miséria, carência, pobreza, essas palavras que se repetiam nas representações
ajudavam a retratar a dura realidade das Minas, que ia paulatinamente, devido à inércia do
Estado, agravando-se. Neste sentido, ainda que os vereadores pouco tenham se dedicado à
compreensão deste quadro, deixando a cargo das autoridades metropolitanas interpretar o
que descreviam, eles aproximavam-se das idéias das autoridades 'destoantes' e dos
memorialistas que defendiam a necessidade de se levar em conta a experiência do país das
Minas para bem administrá-lo. Assim, não seria exagero afirmar que também as
representações apresentam um conteúdo eminentemente crítico. O panorama ruinoso das
Minas oferecido pelos vereadores não embasava somente seus argumentos em prol da
recuperação da Capitania, como evidenciava os resultados infrutíferos das medidas
administrativas, incapazes de reverter este quadro. Da mesma forma, ao exporem este
cotidiano de dificuldades, sem precisar recorrer a argumentos mais elaborados, deixavam
claro aquilo que só mais tarde irão denunciar com maior clareza: as leis metropolitanas, se
continuassem a negligenciar e se distanciar das evidências concretas, acabariam por agravar
a crise nas Minas. O retrato da pobreza demonstra assim não só o desejo em recuperar a
economia da Capitania, mas também em ver as exigências metropolitanas tornarem-se mais
elásticas.
Tais anseios, ainda que revelassem insatisfação com a administração portuguesa
nas Minas, podiam ser expostos nas representações porque não contrariavam os interesses
régios. Como bem lembravam os camaristas, o abandono em que se encontravam os

314
AHU cx.111 doc.48 f.3 (Continente, neste caso, era a Capitania).
315
"Quintos do ouro"- Op.cit, p.72.
316
AHU cx.131 doc.73 f.4.. Sobre a pobreza dos habitantes da Capitania ver: "Consulta da Capitania de
Minas Gerais-das cópias extraídas do Arquivo do Conselho Ultramarino". In: RAPM, Ano XV, Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1910, pp.465-466; AHU cx.86 doc.14; AHU cx.107 doc.13 f.1;
AHU cx.107 doc.12 f.1; AHU cx.131 doc.73 f.4; AHU cx.132 doc.45; AHU cx.132 doc.4.
mineiros não poderia ser de agrado do monarca, que sempre tencionou preservar e
conservar seus súditos. Certos da força deste argumento, nele depositaram todas as
esperanças e nele basearam todas as súplicas dirigidas ao monarca, como se só restasse
apelar para a sua bondade, que era a "primeira virtude dos Reis"317. O otimismo em verem-
se acolhidos por um "rei justo e pai benigno"318 era reforçado pela lembrança de que os
efeitos de sua bondade já haviam sido "tantas vezes experimentados em urgências menos
consideráveis"319, assim como era possível acreditar que haveria de falhar naquele
momento em que os súditos viam-se ainda mais necessitados? Assim, "aquela piedade
própria em Monarca Português, que mais preza este epíteto, do que o de Senhora dos
Povos que domina"320, ou ainda que "se interessa mais na conservação, que na ruína dos
vassalos"321, levava os camaristas a pintar as Minas com cores tristes, para despertar a
compaixão daquela autoridade sagrada, que no Império português estava acima de todos.
Em 1763, da Câmara de Vila Rica vinha o pedido para que o rei inclinasse "o Seu
Paternal amor" para as Minas, "tão digna da Real Atenção de Vossa Majestade"322. "Com
a mais profunda submissão, e religiosa vassalagem reverentemente ajoelhados aos Reais
pés de Vossa Majestade" os vereadores de Vila Nova da Rainha em 1765 denunciavam as
"vexações e extorsões" que muitos servidores faziam aos povos, as quais somadas à
redução do valor do ouro os reduziam "a última decadência e próximos a chegar a final
ruína se Vossa Majestade com particular atenção lhe não acudir com pronto remédio,
como Pai universal". E, concluindo o raciocínio, suplicavam que o Rei pusesse seus "olhos
na Sua Real Piedade nestes povos seus vassalos, que tanto dele necessitam"323.
Com estas palavras os camaristas colocavam o destino dos habitantes nas mãos do
soberano, reforçando um vínculo de dependência, como se os homens das Minas só
pudessem lutar contra a ruína que se anunciava se contassem com a ajuda real. Por outro
lado, estes apelos à compaixão do monarca ganharam por vezes um tom ameaçador, no

317
AHU cx.132 doc.4 f.1.
318
AHU cx.98 doc.50 f.3.
319
AHU cx.103 doc.91 f.4.
320
AHU cx.113 doc.67 f.3.
321
"Quintos do ouro"- Op.cit, p.68.
322
AHU cx.81 doc.15 f.1.
323
AHU cx.86 doc.31 f.1 e f.5.Ver ainda: AHU cx.91 doc.43 f.2. Os moradores da Campanha do Rio Verde,
Comarca do Rio das Mortes, também "...recorriam ao muito alto poder de Vossa Majestade para que com
entranhas de Mãe e Senhora os atendessem em tão justos e sucessivos clamores". "Consulta da Capitania de
Minas Gerais".- Op.cit, 1906, p.236.
sentido de que ela não era esperada como sendo um privilégio mas como um direito que era
devido a todo súdito que, diga-se de passagem, até as autoridades metropolitanas
consideravam legítimo, embora pouco fizessem para viabilizá-lo.
Tratava-se de uma troca, pois, na visão dos oficiais das Câmaras, não eram só os
súditos que dependiam de seu soberano, mas também "Vossa Real Majestade Fidelíssima
tem interesse nas vidas dos seus fiéis e reais vassalos e tem obrigação como pai de nos
amparar"324, conforme palavras dos de Sabará em 1767. Seis anos antes, em 1761, os
camaristas da Vila do Príncipe, já enfatizavam a reciprocidade inerente ao pacto envolvido
na relação entre súditos e soberano. Ao pedirem a criação de aulas de gramática naquela
localidade para "fertilizar a seus vassalos", esclareciam que "eles oficiais da câmara fazem
esta súplica pela obrigação de seus cargos, juntando-se a ponderação e conhecimento de
que Vossa Majestade é pai, e não cessa em dispensar todos os meios úteis para a
conservação e aumento de seus filhos, que incessantemente rogam a Deus por Vossa
Majestade"325.
Neste sentido, se as autoridades portuguesas lembravam aos vassalos que estes
deviam cumprir com suas obrigações, estes não esqueciam que também tinham direitos, os
quais deviam ser assegurados sob o risco de se colocar a legitimidade da monarquia
portuguesa em jogo. Por que razão os vassalos iriam pedir aos céus pela proteção do
monarca, se este não os amparava? Era esta a pergunta que estava por trás das palavras de
fidelidade escritas pelos camaristas da Vila do Príncipe. Assim, frente àquele contexto de
decadência as preces, se é que de fato as faziam, deviam ser em benefício próprio, ainda
que rogassem a Deus para iluminar o Rei português para que este auxiliasse os homens das
Minas.
É interessante observar que os camaristas, ao recorrerem à piedade do soberano a
fim de verem atendidas suas súplicas, recuperavam uma estratégia que fora comum durante
o período colonial, não só nas Minas, mais em outras localidades da América portuguesa326.

324
AHU cx.91 doc.66 f.4. Neste caso, os camaristas pediam a criação de aulas de medicina em Sabará para a
formação de médicos capazes que ali faziam falta, colocando em risco a vida dos habitantes.
325
"Consulta da Capitania de Minas Gerais"- Op.cit, 1910, p.443.
326
Luciano Figueiredo ao analisar algumas das mais importantes revoltas antifiscais do período colonial,
reproduz documentos que podem comprovar nossa afirmativa. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida
Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa- Rio de Janeiro, Bahia e Minas
Gerais, 1640-1761. Dissertação de doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de
Ao que parece, sempre que os súditos se viam numa situação desfavorável, relembrar que
os interesses régios não podiam se sobrepor à conservação dos povos era uma estratégia
eficaz, porque era esta máxima que estava na base do pacto entre o Rei e os seus súditos.
Assim, como puderam notar os oficiais da Câmara da Vila de Sabará em 1777, o
desrespeito a ele poderia reverter em prejuízo aos povos, mas também comprometer a
legitimidade do poder português. Segundo eles: "sem a conservação destas [Minas], que
vem a servir a terra? Serão tesouros escondidos rematações repetidas de escravaturas
inteiras, que outra cousa é senão prova infalível da decadência do Estado?"327.
*
Assim esperançosos em reverter um quadro no qual "excede a despesa e os
tributos às utilidades percebidas; e recai sobre o povo que experimenta nos misteres a
falta, e nos viveres a Carestia"328, nas representações os camaristas reclamavam por
assistência material, já que sem mão-de-obra, sem instrumentos ou mesmo sem
mantimentos os mineiros jamais conseguiriam completar as 100 arrobas de ouro devidas à
Fazenda Real. Por outro lado, por mais que o Estado concedesse auxílio necessário à
prática da mineração, não havia como negar que a situação das lavras já não era a mesma,
sendo desta forma preciso alterar o sistema fiscal, incompatível com a realidade das Minas.
"Em ocasiões de maior aperto"329, como esta que viviam, era preciso rever as exigências do
fisco, para que este se compatibilizasse com a situação dos habitantes, que se não tinham
como se vestir ou comer viam-se ainda mais vexados por ter que contribuir com impostos
que há muito não estavam à altura de suas possibilidades.
Conforme palavras dos camaristas de Vila Rica, já em 1765, "neste estado a que
nos vemos reduzidos nos impossibilita a observância do alvará de 3 de dezembro de 1750",
pelo que pediam a Rainha "por Sua Real grandeza e piedade moderar a sempre Venerada
lei (...) na parte que diz respeito a inteirar-se a dita quantia de cem arrobas de ouro por
via de derrama, contentando-se com o que renderem a Vossa Majestade as suas reais
casas de fundição"330. Tal proposta será novamente defendida com todas as letras em 1789

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Sob orientação do Prof. Dr. Fernando
Antonio Novais. São Paulo, 1996. Ver as páginas.35, 69-70.
327
AHU cx.111 doc.48 f.3.
328
idem, ibidem.
329
"Consulta da Capitania de Minas Gerais"- Op.cit, 1906, p.245.
330
AHU cx.86 doc.14 fls.2-3.
pelos vereadores das quatro comarcas que percebiam que "exigir um lucro certo de
proventos incertos (...) não é compatível com a justiça de Sua Majestade"331. Assim, se o
ouro não tinha "anualmente no seu rendimento um termo matemático"332, o que equivale
dizer que era "de incertíssima aquisição"333, não era justo taxá-lo com um imposto rígido
no qual se desconsiderava a inconstância da produção.
Assim, questionava-se a imposição da derrama e a tributação do ouro a partir de
uma cota preestabelecida, quando o mais correto seria pagar pelo ouro "que sair
anualmente da terra, sem que fiquemos sujeitos à quota certa, como sucede as mais
Capitanias"334. A comparação com as leis tributárias das demais Capitanias, onde também
se extraía o ouro, como em São Paulo, Mato Grosso e Goiás, fora explorada pelos oficiais
da Câmara da Vila do Príncipe em 1772 e mais tarde pelos da Vila de São João Del Rei em
1778 e pelo Presidente da Câmara da Cidade de Mariana que, em 1789, voltava a pedir
pelas graças que "experimentavam outras Capitanias, que só pagam o quinto de suas
extrações"335. Neste caso em especial, os argumentos a favor da mudança da tributação
eram reforçados pela lembrança de que nestas Capitanias "não são mais vassalos"336 que os
das Minas, e assim se todos "os vassalos somos filhos, todos fiéis, todos obedientes, como
há de consentir a Real Piedade de Vossa Majestade que não participemos daquele bem,
que participam nossos irmãos, os moradores das outras Capitanias?"337. Em tais
passagens, ainda que isoladas, os camaristas deixavam claro o desejo dos súditos da
Capitania das Minas Gerais em serem reconhecidos, por inteiro e sem ressalvas, como
vassalos portugueses para assim usufruírem os mesmos benefícios concedidos aos súditos
de outras partes da América portuguesa. Reclamavam, em suma, do tratamento desigual
que a Coroa lhes concedia a partir de uma legislação válida apenas no território das Minas.
Por outro lado, também aqui as particularidades da Capitania serviam como argumento para
convencer as autoridades a modificar o Regimento de 1750. Nestes casos, os critérios que
tornavam aquela Capitania diversa emergiam com um caráter fortemente desfavorável aos
habitantes, estratégia pouco comum nas representações, nas quais sempre se buscou

331
AHU cx.131 doc.74 f.7.
332
AHU cx.132 doc.3 f.6.
333
AHU cx.132 doc.45 f.3.
334
AHU cx.113 doc. 67.
335
"Quintos do Ouro"- Op.cit, p.69.
336
AHU cx.113 doc. 67 f.3.
337
AHU cx 103 doc.91 f.3
valorizar a especificidade da região, a tal ponto que se exigia que as autoridades as
levassem em conta. De qualquer forma, a depender da qualificação a que foram submetidas
as particularidades das Minas, as características que tornavam esta comunidade distinta
sempre estiveram presentes nas representações e sempre embasaram as queixas dos oficiais
das Câmaras.
*
A principal razão dos descontentamentos constantes nas representações referia-se
à imposição da derrama, pois a ameaça de sua cobrança horrorizava os homens das Minas
que viam-se vexados já por tantos impostos. Nas décadas de 60 e 70 multiplicam-se
também as representações contrárias à cobrança dos subsídios voluntário e literário. É
curioso notar como durante estes anos os impostos extraordinários foram os que receberam
maiores críticas, como se fosse mais fácil argumentar contra estes tributos a partir da
análise do contexto das Minas.
No entanto, nas críticas formuladas contra o subsídio voluntário criado em 1755
para reerguer a cidade de Lisboa parcialmente devastada por um terremoto, os oficiais não
recorrerem só a este artifício pois tinham, excepcionalmente, o teor das leis a seu favor. A
carta régia que o instituía estipulava o prazo de 10 anos para a sua vigência, portanto, com
base nela em 1766 "as câmaras destas Minas Gerais suspenderam a cobrança"338,
iniciativa que, segundo os oficiais de Vila Rica, foi aprovada por Sua Majestade que
"agradece as Câmaras dessa dita capitania a boa vontade com que ofereceram o gratuito
donativo"339 .
A atitude dos camaristas seguia à risca as ordens régias, porém nem por isto
encontraram menor resistência em ver suas propostas atendidas. Isto porque, "sem embargo
dos fundamentos do mesmo termo" que estipulava o fim da contribuição, o governador Luis
Diogo Lobo "continuou com a dita cobrança do subsídio pelo que respeita as passagens, e

338
AHU cx.91 doc.43 f.1
339
AHU cx.89 doc.26 f.2 Os camaristas de Vila Rica, ao explicarem as razões que os motivaram a suspender
a cobrança, esclareciam que tal atitude estava em conformidade com a carta régia, "que para nós foi lei".
Também a situação de penúria da Capitania serviu para mostrar que os habitantes estavam impossibilitados de
continuar a contribuir com o dito subsídio. Por outro lado, esclareciam que enquanto "fiéis, leais e obedientes
vassalos estariam prontíssimos a sacrificar voluntariamente vidas e fazendas em aumento da Real Fazenda e
Coroa de Vossa Majestade", isto, é claro, quando a crise na Capitania se resolvesse. Tal demonstração de
lealdade parece exagerada, já que nas representações o mais comum era pedir pela extinção de impostos
onerosos para que bens e vidas não fossem sacrificados. Neste caso, em particular, era possível extrapolar na
manifestação de fidelidade porque estavam protegidos pela lei. Idem, fls.1-2.
contagens de registros, de que gravemente se queixam, e lastimam os Povos destas
Minas"340. O governador, em carta endereçada a Francisco Xavier de Furtado, alegava que
a indulgência que esperavam as Câmaras não tinha fundamento, levando-o a "auxiliar o
castigo, de que se fazem dignos"341.
As súplicas a favor da extinção da cobrança continuaram no decênio seguinte pois
o Conde de Valadares, que sucedeu Lobo no governo da Capitania, "constrangiu os
deputados para assinar em nome do povo outros dez anos de subsídio"342 ainda que "mil
impossíveis lhe foram propostos, que ele mesmo não desconhecia: uma e muitas vezes se
lhe repetiu; que este País, sendo um torrão, que compunha, e sustentava a maior parte do
Império não podia wubsistir senão enquanto Sua Majestade fizesse pelo conservar: que
não se mantinha do negócio, e todo o seu plano eram as Minas da terra, que já não
correspondiam com a grandeza dos tempos passados"343. Este trecho extenso é
significativo para mostrar que os camaristas acreditavam que retratar a situação das Minas
era uma maneira de sensibilizar o monarca que haveria de amenizar os impostos levando
em consideração as palavras de quem conhecia o que nas Minas se passava. No entanto, as
evidências expostas pelos camaristas pouco serviram aos fins que desejavam pois o
governador, embora estivesse ciente delas, utilizou-se de informações alheias às que lhe
foram expostas pelos camaristas e conseguiu convencer o Rei D. José I.
No entanto, não foram poucos os dirigentes metropolitanos que criticavam a
continuação da cobrança do subsídio, por ser contrária às leis344. Mesmo assim ela foi mais
uma vez prorrogada, para surpresa dos vereadores que lembravam que "não era da Régia, e
Paternal Intenção de Sua Majestade Sepultar a uns entre as Ruínas dos outros, e bem se
via que este subsídio aplicado para a Reedificação de Lisboa como Capital do Reino lhe

340
AHU cx.91 doc.43 f.1.
341
AHU cx.90 doc.9 f.1.
342
AHU cx.111 doc.48 f.3.
343
idem f.2.
344
Em 1767, o Procurador da Coroa criticava o governador Luis Diogo por este ter prorrogado o subsídio.
Segundo ele, "não devia o Governador sem mostrar ordem expressa de Vossa Majestade faltar à observância
da promessa real, e à fé de um verdadeiro contracto como fez; e estava certo que para isto não havia ordem
de Sua Majestade, que está em glória, porque a sua indefectível justiça não podia permitir uma infração
manifesta do ajustado e pactuado pelos Povos". "Consulta da Capitania de Minas"- Op.cit, 1906, p.246. O
desembargador responsável por averiguar, em 1768, os procedimentos de Luis Diogo Lobo, durante o tempo
que esse governara as Minas, criticava sua atitude de continuar a cobrança do subsídio uma vez que "Vossa
Majestade fora servido declará-lo extinto" AHU cx.93 doc.27 fls.1-2.
tinha arruinado os pés, e os braços na decadência das Minas parte mais sensível do
Estado"345.
Percebe-se que este discurso, redigido pelos camaristas de Sabará em 1777, fora
construído de tal forma que ao retirarem do Rei qualquer responsabilidade pela continuação
da cobrança, como se este tivesse caído na lábia do governador, poderiam recorrer mais
uma vez à sua piedade para consertar o que admitiam ter sido verdadeiramente um erro. No
entanto, apesar da manifestação de fidelidade e da esperança na bondade real, os vereadores
não foram atendidos, pois em 1795, quando finalmente os habitantes deixaram de arcar
com as despesas para reerguer a cidade de Lisboa, o subsídio foi prorrogado por mais dez
anos, desta vez para auxiliar na construção "de um palácio para Sua Majestade e Alteza",
conforme Xavier da Veiga.346
De qualquer forma, nas duas primeiras décadas da crise aurífera, não passou
despercebida aos camaristas da Capitania a incoerência de recorrer aos povos das Minas,
que viviam a sua própria desgraça, para que estes auxiliassem seus irmãos reinóis
acometidos por uma catástrofe cujas conseqüências as autoridades metropolitanas não
queriam que se limitasse ao Reino. E se em 1755, os habitantes concordaram em auxiliá-
los, conformando-se com a "natural correspondência que todas as partes do corpo político,
têm sempre com a sua cabeça"347, conforme carta régia deste mesmo ano, nas décadas
seguintes tal proposição foi perdendo sua força, pois embora não negassem os vínculos
mantidos com a Metrópole, já não era mais possível aceitar que sua contribuição não se
desse com base em alguma reciprocidade348. Em 1766, os camaristas da Vila de São José
embora "animados pela incomparável clemência, com que Vossa Majestade Fidelíssima
tinha sempre socorrido os seus vassalos aflitos" não deixaram de alertar as autoridades
expondo um prognóstico ameaçador. Segundo eles, com a prorrogação do subsídio,
"seguira a arguir defeitos contra a sua [da Capitania] ilimitada e firme obediência" pois

345
AHU cx.111 doc.48 fls.3-4.
346
VEIGA, José Pedro Xavier da- Op.cit, Volumes 1 e 2 , p.446. Sobre a prorrogação do subsídio voluntário
ver FURTADO, Júnia- O Livro....- Op.cit, p.141.
347
AHU cx.89 doc.26 f.1.
348
Em 1789, os oficiais da Câmara de Vila Rica, após calcularem a dívida da Capitania, pediam pela criação
de um "novo imposto, que se estabeleça neste País à maneira, e pela formalidade das cinzas de Portugal"
AHU cx.132 doc.45 f.6.
"se alterava a boa ordem de tudo o que lhe era respectivo, e crescia o seu justo sentimento,
ao mesmo passo que perigava a conservação"349.
O que importa notar é que, nestas queixas referentes à cobrança do subsídio
voluntário, a legitimidade da carta régia de 1766 pode ser preservada porque seu conteúdo
harmonizava-se com a realidade vivida por seus habitantes, que esperavam assim que ela
fosse observada para que pudessem se ver livres de mais um imposto. Esta harmonia,
justamente por fugir à regra da administração nas Minas no período, dava às propostas um
caráter igualmente incomum. É raro encontrar nas representações momentos em que as leis
e a realidade possam servir conjuntamente de critérios para arregimentar as reivindicações.
Como estamos procurando mostrar, os vereadores, tendo que optar por uma destas
referências em constante conflito, deram preferência à segunda, revelando uma análise
pragmática da decadência das Minas.
Também nas críticas referentes ao subsídio literário, criado em 1772, suas
posições não eram diferentes. Nem sequer a boa intenção que alegavam as autoridades
portuguesas para sua imposição ofuscou a vista dos oficiais das Câmaras. Continuaram a
analisar sua viabilidade a partir dos resultados concretos que poderiam alcançar taxando a
carne e a aguardente para assim financiar os professores régios estabelecidos nas Minas. De
fato, esta cobrança extraordinária em muito poderia ser benéfica aos moradores, mas
também não era possível deixar de considerar que a Capitania não poderia arcar com mais
este ônus, que dissimuladamente era introduzido como se fosse um privilégio. Em 1774,
quando os oficiais da Vila de São João Del Rei pediam a D. José I a isenção do pagamento
deste imposto naquela localidade, diziam que "não desconhecemos o zelo incomparável
com que Vossa Majestade quer facilitar os seus fiéis vassalos, até promovendo-lhe os
meios de adquirirem as ciências nos seus próprios países, porém neste nem pode conseguir
sem um fim útil, nem os Povos concorrerem com a multa sem vexame grande"350.
As súplicas à favor da extinção do subsídio literário ecoaram nas Minas, mas
foram igualmente freqüentes em "outras câmaras do Brasil", conforme o Procurador da
Fazenda que em 17078 ficou encarregado de interpretá-las. Ao seu ver as queixas pareciam
justas, por não terem sido satisfeitas "as condições com que se impôs" a referida

349
"Consulta da Capitania de Minas"- Op.cit, 1906, p.245.
350
AHU cx.107 doc.13 f.2.
cobrança351. Seu parecer, no entanto, pouco favoreceu os súditos americanos, porque ainda
que reconhecesse a validade dos pedidos, não recomendava a abolição do imposto,
conforme era esperado por eles. O que pretendia era apenas reparar a injustiça através do
envio de mestres aos Estados- esse é o termo utilizado- que pagavam o subsídio. Os
argumentos do procurador exemplificam bem como as autoridades portuguesas e os oficiais
das Câmaras tinham diferentes opiniões sobre como corrigir a desarmonia que poderiam
notar que existia entre as ordens régias e a realidade das Minas. Repete-se aqui o mesmo
conflito de percepções que distanciavam as autoridades "destoantes" da tendência política
predominante nas Minas. Para as autoridades portuguesas bastava assegurar o cumprimento
das leis para assim alcançar os objetivos que estavam previstos. Os oficiais não poderiam
concordar com este raciocínio, pelo qual se guiava também o procurador, pois a
familiaridade que tinham com as Minas os levava a perceber que, ainda que os habitantes
tivessem professores disponíveis, a pobreza em que se encontravam não permitiria que
chegassem até as escolas352.
Tanto o quinto como os impostos extraordinários foram objeto de atenção dos
camaristas que, analisando-os individualmente, podiam argumentar com maior clareza
sobre a política fiscal fadada ao insucesso pelas contradições que ela mesma gerava. De
qualquer forma, ainda que nas representações escritas ao longo do período é mais fácil
encontrar reclamações pontuais sobre um ou outro tributo, as queixas referiam-se ao
sistema tributário como um todo, cujas garras atingiam os habitantes por todos os lados. Se
não se avolumassem tantas cobranças, se não fosse preciso pagar além do quinto, o dízimo,
as entradas, as passagens e os subsídios voluntário e literário talvez a arrecadação sobre o
ouro estivesse em melhor condição. Partindo dessa premissa, o Presidente da Câmara de
Mariana em 1789, em nome dos demais vereadores, se animava "a oferecer à ponderação
de Vossa Excelência consideráveis quotas, subsídios, e prejuízos com a proibição das
terras diamantinas"353. Nesta passagem, o autor do documento, sem se preocupar em dar
nome aos tributos, queixava-se do excesso dos impostos que nas Minas só não parecia
agravar a situação dos comerciantes, que dispunham de meios de burlar o fisco.

351
AHU cx.113 doc.32 f.2.
352
"Consulta da Capitania de Minas Gerais"- Op.cit, 1910, p.275.
353
"Quintos do ouro"- Op.cit, p. 66. Nesta carta, escrita ao governador Barbacena, o Presidente da Câmara
traçou um panorama completo dos impostos pagos nas Minas, apresentando cálculos minuciosos. Idem,
pp.67-69.
O Presidente da Câmara queixava-se ainda da proibição de extrair ouro nas terras
diamantinas, um tópico que, visto a quantidade de representações que se referem a ele,
causava grande mal-estar entre os camaristas.354 A mudança no Regimento de 1771, que
instaurava o monopólio real dos diamantes e restringia a exploração das lavras auríferas
naquela localidade, era um desejo comum a todos os homens das Minas, das suas quatro
Comarcas. Os camaristas souberam explorar este ponto pouco aproveitado pelas autoridades
"destoantes" e que lhes fornecia uma prova cabível da incoerência da política metropolitana
que impunha tantos impostos e insistia na proibição de se lavrar nas terras possivelmente
mais ricas da Capitania, justamente num período no qual os homens não encontravam ouro
para satisfazer o apetite do Tesouro. Enquanto altas somas eram gastas e tantos esforços
dispendidos na busca de novas lavras, estas ficavam intactas, porque as autoridades
portuguesas temiam que abrí-las à exploração poderia ser prejudicial à extração dos
diamantes. Não admira que esta contradição fosse tantas vezes referida pelos camaristas, que
percebiam, apesar dos discursos oficiais afirmarem o oposto, que nem sempre os interesses
da Coroa podiam coexistir com os de seus súditos.
*
Durante o período de 1765-1789 muitas mudanças ocorreram na conjuntura
internacional, mas as Minas parecem ter parado no tempo. Ao menos é o que desejavam as
autoridades portuguesas, que para tanto conservaram praticamente intactas suas políticas
relativas à Capitania. A análise das representações pode nos levar à mesma sensação de que
as coisas aí andavam a passos lentos, porque neste período as queixas dos oficiais das
Câmaras pouco se alteraram. Na verdade, esta permanência devia-se mais ao fato de não
serem atendidos do que à incapacidade de perceberem que, a despeito dos interesses régios,
o contexto das Minas ia se alterando, e para pior. E foi justamente esta dissonância entre
uma realidade em mutação e leis que conservavam sua rigidez que procuraram os
camaristas alertar as autoridades metropolitanas, embora não fossem ouvidos. Mas em
1789, quando então foi abolida a derrama e descoberto a conspiração, na qual se
envolveram homens da elite local, o diálogo entre as autoridades do Reino e os homens da
Capitania foi restabelecido. É certo que a descoberta de uma tentativa de sedição

354
Ver ainda sobre o assunto: AHU cx.103 doc.91 f.3; AHU cx.104 doc.40; AHU cx.113 doc.67 f.2.; AHU
cx.132 doc.45 f.2; AHU cx.131 doc.73 fls.4-5; AHU cx.131 doc.74 f.3; "Causas determinantes..."- Op.cit,
p.150; "Quintos do Ouro"- Op.cit, p.66.
possivelmente acirrou aquele estigma de rebeldia que as autoridades portuguesas atribuíam
aos vassalos das Minas. No entanto, justamente porque se viram ameaçados, é que os
representantes do poder passaram a dar mais crédito às representações, temendo que mais
uma vez os súditos da Capitania procurassem o caminho da ilegalidade para valer seus
interesses.
Pela primeira vez os camaristas encontraram de fato maior espaço e abertura para
expor e aprofundar suas opiniões a respeito da decadência das Minas. Além das queixas já
anteriormente citadas, apresentaram um plano de ação alternativo que contemplava de
forma abrangente todos os níveis da realidade da Capitania. Assim, os questionamentos
pontuais deram lugar a críticas mais bem elaboradas que apontavam soluções comuns a
problemas que antes eram colocados como sendo diversos.
Se em 1789 a percepção dos vereadores sobre a crise estava mais amadurecida, é
provável que a distância que separa estas representações das anteriores possa ser explicada
também pelo avanço que a abolição da derrama representou no diálogo entre autoridades
metropolitanas e camaristas355. A partir desta data os oficiais das Câmaras puderam debater
com interlocutores que finalmente haviam se dado conta de que nas Minas também
habitavam "pessoas de boa fé"356, e que portanto não mereciam pagar pela infidelidade de
outros.
Nos anos anteriores, os camaristas já haviam expressado suas dúvidas quanto ao
fato da cobrança deste imposto significar "o justo castigo dos extraviadores"357, como
queriam as autoridades de Lisboa. Isto porque, conforme os oficiais da Câmara de Vila
Rica em 1773, ela "só cai sobre aqueles, que estão estabelecidos com as suas fábricas de
mineiro , ou roças"358. Sendo que, conforme é esclarecido pelos camaristas de Mariana
dezesseis anos depois, "só nas aparências é que pode equilibrar a balança dos interesses
reais e punir o descuido, ou a malícia dos transgressores da lei"359. Para os oficiais da

355
Nem todas as representações que serão aqui analisadas foram escritas após a abolição da derrama. No
entanto, são posteriores ao anúncio do governador Barbacena, no qual expunha a intenção de assim proceder,
restando Sua Majestade aprovar este ato. De qualquer forma, todas foram redigidas quando o ensaio de
sedição já fora descoberto, e os suspeitos encarcerados, o que nos permite analisá-las em conjunto.
356
"Porém como o dito extravio de um, e outro gênero [ ouro e diamantes] seja um delito tão agravante, e de
tão perniciosas conseqüências de fraude ao real erário, e sujeição de multa, e derrama, aos pobres, e pessoas
de boa fé" . AHU cx.131 doc.73 f. 7.
357
AHU cx.132 doc. 45 f.5.
358
AHU cx.104 doc.40 f.3.
359
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas"- Op.cit, p.144.
Câmara de Vila Rica também em 1789, "todo o seu rigor vem a cair sobre os inocentes
mineiros que sós, e exatos pagam este tributo; e pequena porção tocaria ao corpo dos
negociantes, ou melhor traficantes, que envolvem com o comércio do País o extravio do
ouro e cujas riquezas por incompreensíveis a toda a estimação aproximada, só admitem
uma insignificante multa, entretanto que as aparentes possessões dos outros sofrerão todo
o peso do tributo na distribuição dele"360.
Os vereadores não partilhavam da crença das autoridades portuguesas de que a
imposição da derrama significaria a repartição da dívida da Capitania entre todos seus
habitantes. Segundo eles, se a parcela com que cada qual contribuiria seria estipulada a
partir do seu cabedal, os comerciantes mais uma vez ficariam isentos da sua cobrança, já
que era impossível computar o quanto estes homens possuíam. Como já observavam os
camaristas de Vila Rica em 1773, estes homens, de "outra negociação ou comércio", na sua
"maior parte, homens volantes", por não terem "domicílio certo", "vagão facilmente; e se
retiram para as capitanias livres"361, e portanto não tinham interesse em acumular nas
Minas um cabedal imobilizado. Em 1789, com a ameaça da derrama, tornou-se mais
urgente mostrar às autoridades metropolitanas que esta só atingia injustamente os inocentes,
isto porque sustentavam com grande convicção que os mineiros e lavradores, sendo os
"homens mais úteis à conservação do Estado, parece que não devem eles ser mais
onerados, do que os outros"362.
Durante todo o período, a imposição da derrama foi sentida pelos habitantes como
uma medida injusta que não deveria ser imposta. Mas a noção de injustiça que permeava os
apelos a favor da extinção desta forma de cobrança de débitos acumulados, e que pode ser
melhor exposta em 1789, extrapolava o âmbito fiscal, pois o que estava em pauta era o
tratamento que o monarca dispensava aos vassalos que lhes eram fiéis na Capitania.
Incapazes de distinguir a qualidade dos homens das Minas, e atribuindo a todos as
características depreciativas que os camaristas consideravam que eram imputáveis só aos

360
AHU cx 132 doc. 45 f.5. Conforme as palavras dos camaristas da Vila do Pitangui, em 1789, os homens de
negócios "são certamente os que menos contribuem para a derrama, porque consistindo os seus fundos em
dinheiro que ocultam, se não pode estimar cabalmente o que possuem, e pelo contrário constando os dos
mineiros e lavradores em terras e escravos que aparecem, ficam aliviados aqueles, e carregados estes,
pagando inocentemente pelo pecado, o que não pode ser do agrado de Deus, nem de Sua Majestade" AHU
cx.131 doc.77 f.2 .
361
AHU cx.104 doc.40 f.3.
362
idem, ibidem.
comerciantes/extraviadores363, as autoridades metropolitanas perdiam-se nas suas próprias
generalizações. Para os vassalos convictos de sua fidelidade restou exigir pelos seus
direitos que deveriam ser atendidos em reconhecimento de suas atitudes e manifestações de
obediência. Neste sentido, a extinção da derrama foi uma reivindicação constante, pois
embora não significasse alterações profundas no fisco, ela representaria uma conquista sem
precedentes: a de que as autoridades portuguesas podiam perceber que o extravio não era
uma prática conduzida por todos os habitantes, porque nas Minas nem todos seguiam o
partido da infidelidade.
Daí que quando este primeiro passo foi dado em 1789, entendido pelos vereadores
da Câmara de Vila Rica como um "relevante benefício" ou mesmo "benigno, ajustado e
maduro procedimento" 364, os camaristas sentiram-se mais seguros para expor suas idéias a
autoridades que, ao reverem suas opiniões sobre os homens das Minas, poderiam acatar
melhor suas propostas, que continuaram a ser expostas nas mesmas representações em que
agradeciam pela extinção da derrama365. Isto porque o fim desta, embora fosse uma grande
vitória, não tornaria o sistema fiscal mais igualitário, pois os lavradores, e em especial os
mineiros, continuariam a arcar com a maior parte dos impostos.
A partir de então duas diferenças podem ser observadas nestas representações em
relação às anteriores. Primeiramente, no que se refere à problemática do extravio, que
ganhou uma importância jamais alcançada nas palavras dos camaristas. Segundo, as críticas
em relação ao fisco que passaram a se centrar no Regimento de 1750.
*
A relevância dada à questão do contrabando não indica que subitamente os oficiais
das Câmaras passaram a considerá-lo a principal causa da redução do quinto366. Apenas

363
O Presidente da Câmara de Mariana, em junho de 1789, rogava a Sua Majestade que "se digne remitir a
dívida contraída por tantas causas naturais, e políticas, ou ainda por extravios mais imputáveis às praças
comerciantes, do que ao miserável povo da Capitania" ."Quintos do ouro".- Op.cit, p.75.
364
AHU cx.132 doc.45 f.1.
365
É certo que a extinção da derrama foi conseqüência também da ameaça representada pelo ensaio de
sedição. Se no corpo do texto não analisamos esta medida sob esta perspectiva é porque procuramos seguir a
visão dos camaristas sobre esta questão.
366
Segundo os camaristas de Vila Rica, "sem que se possa negar a existência de um pesado[?] extravio, é
preciso confessar que a falta da extração do ouro é a origem primordial de avultar tão pouco este direito do
quinto". AHU cx.132 doc.45 f.3. Para os oficiais de Sabará, "..se nos anos precedentes tem havido diminuição
não pode esta Câmara persuadir-se, sem violência da sua razão, e crença, que seja tudo motivado pela
grandeza, e freqüência do extravio..". AHU cx.132 doc.3 f.6. Na visão dos oficias de Mariana "se poderá
facilmente coligir, que não são meros extravios, mas outros defeitos e abusos torpíssimos de economia, que
ainda mais cumulativamente concorrem para o aumento da nossa dívida, e decréscimo dos direitos reais do
tornou-se possível tratar deste assunto, sem temer o risco de que as autoridades, certas de
sua gravidade, iriam adotar medidas que prejudicariam sobretudo aqueles que da mesma
forma repudiavam o extravio. O mais curioso é que abordar este problema, possibilitou a
exposição de novas alternativas para remediar a decadência, as quais, se eram apresentadas
como sendo eficientes ao controle do contrabando, extrapolavam este âmbito.
Todas as medidas anteriormente adotadas para acabar com o comércio ilícito
mereciam dos vereadores severas críticas. A "tropa, que dividida em patrulhas gira pelas
estradas", na opinião dos camaristas da Vila de São José "não tem produzido melhor
efeito"367. Também "a proibição de novos caminhos, e picadas para as Minas" eram para
eles "remédios bem fracos para tanto mal", na medida em que a busca de novas lavras
acabava por multiplicar nas Minas as estradas que lhe davam acesso . Os "descobertos e
conquistas ulteriores têm vulgarizado os seus atalhos, e picadas", pois "não permitem
cordão algum vigoroso"368. Nestas palavras pode-se notar a percepção dos camaristas sobre
a incoerência de se adotar medidas inconciliáveis, no sentido de que o sucesso de uma
política de isolamento da Capitania estava seriamente ameaçado pela adoção de estratégias
que acabavam por tornar ainda mais conhecidos os caminhos pelos quais se podia
facilmente entrar e sair das Minas. Assim, não surpreende que os vereadores julgassem que
eram "próprios os remédios contrários"369, e partindo de "providências alheias das
atuais"370, expusessem estratégias que se chocavam de tal forma com a tendência
administrativa, que não seria errôneo considerar que elas integravam um plano de ação
alternativo.
Trilhando o mesmo caminho pelo qual seguiam as autoridades 'destoantes', os
oficiais em 1789 defendiam a extinção das Casas de Fundição e o estabelecimento da Casa
da Moeda, medidas que possibilitariam tirar o ouro em pó de circulação, substituindo-o
pela moeda provincial, sem afetar o comércio371. Da mesma forma, defendiam que a arroba

Quinto"."Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro..."- Op.cit, pp.143-
144.
367
AHU cx.131 doc.74 f.9.
368
idem, fls.6-7.
369
idem, f.8.
370
AHU cx.132 doc.45 f.1.
371
Para os oficiais da Vila de Pitangui, era uma "grande desgraça, que os mesmos que tiram o metal de que se
lavra moeda para todo o mundo hajam de carecer no seu país inda [sic] da mesma que comprar com seu
ouro" AHU cx.132 doc.4 f.3.
de ouro voltasse a valer 1$500 e não mais 1$200, razão pela qual o ouro saía das Minas
para onde valia mais.
Em 1789, os camaristas de Vila Rica, certos de que nada " mais resta do que
cortar tudo pela raiz" propunham que a moeda fosse restituída ao seu "justo valor", o que
evitava o seu escoamento ilegal para fora das Minas. E tão logo fossem "fechadas as portas
ao delito do extravio, [os povos] gozarão do sossego pagando todos com igualdade a Sua
Majestade o que por todos os títulos lhe devemos, e subirá de ponto [sic] a prosperidade,
se acaso isto se associar o estabelecimento de moeda, alguma provincial, para facilitar o
giro do Comércio"372. Neste longo trecho pode-se observar como os vereadores, apoiando-
se nos benefícios que trariam ao fim do contrabando, apresentavam propostas que até então
encontravam pouco espaço para serem expostas, porque não eram bem vistas as alternativas
que modificavam por completo o sistema de cobrança do quinto até então vigente.
Não é só de Vila Rica que vinham estas idéias sempre bem fundamentadas no
conhecimento que tinham das Minas373. Também os oficiais da Câmara da Vila do
Príncipe, de Pitangui, Sabará, Vila de São José e Mariana defenderam estas mesmas
alternativas374, que timidamente já haviam sido anunciadas pelos camaristas da Vila Nova
da Rainha em 1765 e os de São João Del Rei, que em 1778 lamentavam-se que "nunca
houve moeda provincial que não pudesse sair da capitania para que por ela se possa pagar
a derrama"375. Mas em 1789 já não era possível recorrer às vantagens que traria ao
pagamento da derrama, e a partir de então debruçaram-se sobre o problema do extravio, que
sempre fora tratado como secundário pelos vereadores.
*
Apesar das autoridades portuguesas terem alterado os termos do Regimento de
1750376 no que se refere à cobrança da derrama, ele continuou a ser visto como a principal
referência na formulação das diretrizes metropolitanas para as Minas. Neste sentido, os
372
AHU cx.132 doc. 45 f.6.
373
Os vereadores da Vila de São José, em 1791, encerravam assim a sua representação: "temos proposto a
Vossa Majestade a decadência desta República, e os meios em que acordamos por conhecimento do país
para a sua conservação" AHU cx.136 doc. 81 f.7.
374
ver AHU cx.131 doc.73; AHU cx.131 doc.77; AHU cx.132 doc.3; AHU cx.131 doc.74; "Causas
determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro...". - Op.cit.
375
AHU cx.113 doc.67 f.2; AHU cx. 86 doc.31 fls.3-4 respectivamente.
376
Depois da reunião de 2 de maio de 1789, os membros da Junta da Fazenda, presidida pelo Visconde de
Barbacena, enviam à Rainha um ofício no qual declaram os motivos para terem suspendido a derrama. LIMA
JÚNIOR, Augusto de- História da Inconfidência de Minas Gerais. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1996,
pp.87-88.
camaristas dedicaram-se a mostrar que frente à realidade da Capitania o Regimento
caducava, sendo esta a razão para apostarem num método diverso de se cobrar o quinto que
contrariava aquilo que fora estipulado cerca de quarenta anos antes. A partir de então
verifica-se uma guerra verbal em torno da legitimidade deste conjunto de leis e normas das
quais as autoridades reinóis não queriam abrir mão.
O principal argumento utilizado para validar o Regimento era o consentimento
demonstrado pelos habitantes quando ele foi imposto. Em 1750, aos moradores da
Capitania ele parecia ser de fato o melhor método de cobrança do quinto, seja porque da
terra ainda se extraía muito ouro e a cota de 100 arrobas não parecia excessiva, ou ainda
porque era a chance de verem-se livres do sistema de Capitação que o antecedeu e gerara
tantas discórdias377. Os estadistas, apoiando-se nesta unanimidade passada, exigiam que os
habitantes perpetuassem as bases de um acordo aceito por seus antepassados,
negligenciando assim a realidade presente que se distanciava destes anos pretéritos. Os
oficiais das Câmaras, apesar de considerarem que era "certa e indubitável a justa, e devida
humilhação que devemos a toda legislação" e sustentarem que "sem a menor dúvida
devemos acreditar que todas as legislações assentam em fundamentos sólidos que
concorrem no tempo da sua promulgação"378, insistiam que estes haviam perdido sua
solidez.
Considerando as mudanças pelas quais as Minas teriam passado deste 1750, os
camaristas pediam pela revogação deste acordo "não porque queriam-se ver desobrigados
da satisfação, mas de algum modo desculpados, e dignos de um proporcional alívio na
solução379. Queixavam-se de seus antepassados, antigos habitantes das Minas que não
previram a ruína futura, embora devessem, já que "não podem ser estáveis as coisas que
dependem do acaso, e sempre são contigentes as extrações, que mais provém da fortuna,
que da indústria, nunca se podem certificar"380. Assim, "os filhos dos pais, os netos dos
avós (...) daqueles antigos compatriotas que tão desacordamente prometeram a satisfação

377
Na década de 50, estas medidas não foram sentidas de forma opressora, pois nesta primeira década as 100
arrobas foram até excedidas. Mas nas décadas seguintes a decadência da produção fazia-se sentir. No decênio
de 1760, a média anual caíra para 86 arrobas e durante o período de 1774-1785 a média caiu bruscamente
para 68 arrobas. ALMEIDA, Carla Maria C.- Op.cit, p.100.
378
AHU cx.131 doc.73 f.2.
379
Ver AHU cx.132 doc.45 f.1.
380
AHU cx.131 doc.77 f.1.
daquela anual cota"381, considerando "as diferentes circunstâncias de estado e condição, a
que tem subido esta Capitania"382, imploravam ao monarca que os desonerassem desta
"obrigação, que consideramos por todos os princípios forte e indissolúvel"383.
O passado, a depender de quem o analisava, poderia servir a diferentes propósitos.
Para as autoridades metropolitanas ele embasava suas idéias conservadoras, enquanto que
para os oficiais das Câmaras nele se podia buscar a origem de problemas atuais, como a
obrigação de pagar uma cota fixa estipulada há tantos anos com o consentimento dos
habitantes384. De fato, seus ancestrais não haviam se preocupado com o futuro da Capitania
e, julgando possivelmente que o ouro era infindável, usaram também técnicas extrativas
agressivas que deixaram a natureza da Capitania àquela altura cansada, conforme
esclareciam os camaristas de Mariana em 1789. Assim, evitando cometer o mesmo erro dos
antigos moradores, que desprezavam as conseqüências futuras de seus atos, os oficiais das
Câmaras neste ano agiram em direção contrária e expuseram suas opiniões considerando
também a posteridade. Segundo estes vereadores, estava "patente o estado de miséria
extrema a que tem chegado a capitania" e uma "total ruína, [que] a ameaça para o futuro,
se a mudança de sua constituição não fizer menos vacilante, e não tornar mais caduco o
seu atual estabelecimento [do quinto]"385.
Por outro lado, se o passado era motivo de desagrado aos camaristas, estes também
encontravam na história da Capitania a comprovação de que, se era possível pensar numa
tradição local, ela apontava mais para mudanças do que permanências na forma de
cobrança do quinto. Isto porque, em toda a trajetória das Minas ele jamais havia sido
381
idem, f.2. Só encontramos duas representações, anteriores a 1789, nas quais os camaristas se queixavam de
seus ancestrais. A primeira está referida no corpo do texto e a segunda, escrita em 1778, é proveniente da Vila
de São João Del Rei. Nesta, os oficiais lamentavam-se da "pouca advertência daqueles antigos
habitantes[que] fez olvidá-los que viria tempo em que nem sobejase [sic] nem chegasse o ouro para inteirar-
se aquela cota" das cem arrobas. AHU cx.113 doc.67 f.1.
382
AHU cx.104 doc.40 f.2.
383
Este pedido vinha dos oficiais de Vila Rica em 1773. É curioso notar como nesta representação aparecem
antecipadamente os tópicos que foram tratados com clareza em 1789. Com exceção deste documento, nenhum
outro, com teor semelhante, foi encontrado para o período anterior a 1789.
384
De fato, os habitantes aceitaram o Regimento, que estava em conformidade com suas reivindicações de
1734. Ver AHU cx.99 doc.51: "Plano para a cobrança dos quintos proposto pelos povos das Minas
estabelecido por assento tomado em Vila Rica em 24 de março do ano de 1734 e presentemente aprovado por
Sua Majestade com as modificações favoráveis aos mesmos povos, que foram expressas na Lei Novíssima de
3 de dezembro de 1750" No entanto, o redator deste plano favorável à implantação das Casas de Fundição
esclarecia que se alguém "descobrir outro [plano] sem ser o das casas de fundição para a cobrança dos
quintos: se for ajustado com a prática do país, e notoriamente convincente, cedo da minha opinião" idem,
f.68.
385
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro..."- Op.cit, p.143.
estabelecido de modo acertado e definitivo, pelo contrário, havia sido constantemente
alterado386. Porque as evidências passadas davam forças às suas propostas, nas
representações foi comum relembrar o histórico do imposto cobrado sobre o ouro. Tal
estratégia foi tão recorrente que os vereadores de Vila Rica acreditavam que era
"intempestivo e nada proveitoso gastar tempo em descobrir desde a remota antigüidade a
alternativa das diversas administrações (...) [pois] quem com facilidade, e acerto, e
individuação superiores ao nosso alcance pode, cumprindo, instruir-se de tudo quanto a
mesma casa respeita". Mesmo assim, linhas adiante, voltavam no tempo para esclarecer
sobre o momento no qual resultou às Minas a obrigação das cem arrobas, "este ônus hoje
incompatível a cuja sustentação já nesse tempo [1750] se podia prever que viriam a não
bastar as forças do País"387.
Por outro lado, se no passado era possível encontrar elementos favoráveis a seus
argumentos, ele não foi explorado com a mesma intensidade com que fora o presente. A
exposição da situação vivida nas Minas lhes pareceu ainda mais propícia para contestar a
validade do Regimento de 1750, que quando foi imposto, a produção aurífera ainda era a
principal atividade da Capitania. Neste sentido, não era um disparate que a cobrança
proveniente da extração do ouro correspondesse a 70% da carga tributária388, a qual deveria
ser paga apenas pelos mineiros, homens que naquele ano ainda estavam em maioria. No
entanto, conforme a queda da produção mineral foi se acumulando, o número de mineiros
foi igualmente sendo reduzido, pelo que insistir num sistema no qual estes arcavam com a
maior parcela dos impostos não poderia se constituir numa alternativa aceitável para os
camaristas que os representavam.
Assim, nestas representações de 1789, embora continuassem a sustentar que a
"laboração mineral" devia "ser a única, e primeira ocupação dos Povos deste
Continente"389, tal desejo não os cegou ante ao fato de que "o sistema fundamental do país
está inteiramente invertido", porque "ele se acha povoado de negociantes, lavradores,

386
VASCONCELLOS, Sylvio- Vila Rica. Formação e desenvolvimento- residências. São Paulo, Editora
Perspectiva, 1977, p. 47 .
387
AHU cx.132 doc.45 f.2.
388
FIGUEIREDO, Luciano- "Tributação, sociedade e a administração fazendária em Minas no século XVIII".
In: IX AMI. Ouro Preto, Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1993, p.99.
389
AHU cx.132 doc.4 f.2.
fabricantes e vadios, e o diminuto resto que sobeja são os mineiros"390. A mudança do
perfil econômico das Minas desagradava aos oficiais das Câmaras que acreditavam ser esta
também uma das razões da "falência do real quinto, que só negaram aqueles, que, ou
nenhum conhecimento tiveram do mesmo País, ou unicamente o viram de fora"391,
conforme palavras dos vereadores da Vila de Sabará. A crítica era dirigida às autoridades
do Reino que, se desejavam também fazer prosperar a mineração, foram incapazes de notar
as mudanças que os camaristas podiam, embora um pouco desiludidos, observar.
No caso específico dos camaristas da Vila de Sabará esta inversão da estrutura
produtiva das Minas era uma desgraça, a qual acreditavam que se poderia evitar sem que
fosse preciso fazer novos planos ou novas leis, "basta a pronta execução das antigas, e
atuais, e principalmente aquelas que facilitam a laboração mineral"392. A proposta parece
um pouco inusitada, se comparada à dos vereadores das demais Vilas que insistiam na
necessidade de formular novas leis que se adaptassem às novas condições das Minas.
Embora todos revelassem insatisfação em ver a mineração perder espaço para outras
produções, tal evidência lhes foi útil para mostrar que taxar sobretudo os homens que se
dedicavam aos serviços minerais, quando a extração aurífera deixara de ser a economia
predominante nas Minas, não poderia ser uma medida justa. Assim, como em 1789 já
mostravam certa descrença em recuperar a atividade mineral, pelo menos na intensidade
com que era feita no passado, restava modificar o sistema tributário e torná-lo mais
igualitário, pois "pagando todos com igualdade a Sua Majestade"393, os mineiros ver-se-
iam aliviados do peso da tributação.
A defesa desta proposta revela até que ponto os camaristas representavam os
interesses dos mineradores. No entanto, a exposição dos argumentos à favor da
"democratização" dos impostos indica que os agricultores também tinham nestes homens
seus porta-vozes. Os ataques dos camaristas à política fiscal tinham um alvo bem
delimitado: os comerciantes .
*

390
idem, ibidem.
391
Idem, ibidem.
392
idem, ibidem.
393
AHU cx.132 doc.45 f.6.
Nestas representações escritas em 1789, pela primeira vez a situação dos
lavradores aparece como uma questão essencial para se pensar alternativas à decadência das
Minas394. A partir de uma exposição nem um pouco otimista, os camaristas procuraram
chamar atenção das autoridades para as dificuldades enfrentadas por estes homens, que
realizavam uma atividade que a cada dia ganhava mais espaço e importância na Capitania,
à proporção em que a mineração declinava.
Os oficiais das Câmaras não ignoravam esta relação direta entre o crescimento da
agricultura e a queda da produção aurífera, pois como observavam os camaristas de Vila
Rica, os homens que se dedicavam à lavoura haviam abandonado suas lavras "convencidos
(...) pela experiência do pouco proveito da mineração"395. Impossibilitados de minerar,
guardavam poucas esperanças de verem-se enriquecidos com esta nova atividade, que lhes
reservava mais dificuldades do que vantagens. E se foram atraídos para as lavouras não é
porque aspiravam grande opulência, apenas encontravam um meio de não perecerem à
fome396. A situação dos agricultores não era melhor que a dos mineiros, que assim como
estes sofriam com a falta de braços e instrumentos para cultivar a terra. Assim, porque a
agricultura ainda estava longe de se constituir na alternativa econômica à decadência das
Minas, os camaristas queixavam-se dos tributos impostos aos lavradores que, assim como o
quinto, não eram calculados a partir do volume ou valor da produção. A crise também era
sentida por estes homens que tinham que arcar com "o mesmo que pagaram nos anos
pretéritos, quando as terras eram mais frutíferas, e maior o número de escravos". Nas
Minas estavam também " as terras estéreis" e o dízimo na visão dos vereadores havia "de
mensurar-se pela moderada colheita"397, conforme palavras dos da Vila de São José em
1770, antecipando esta questão que só em 1789 será amplamente exposta.
Dificuldades semelhantes uniam mineiros e agricultores em torno de
reivindicações comuns. Mas ainda assim estariam os últimos em desvantagem pois tinham
que enfrentar o descaso das autoridades portuguesas que não reconheciam a importância

394
Nos anos anteriores, as dificuldades dos agricultores não foram esquecidas mas, ao contrário das
representações escritas em 1789, os camaristas raramente procuraram pensar alternativas para remediá-las. As
únicas exceções são as seguintes representações, cujos trechos significativos reproduzimos no corpo do texto:
AHU cx.81 doc.14; AHU cx.98 doc.50; AHU cx.111 doc 48.
395
AHU cx.132 doc.45 f.4.
396
idem, ibidem. Também os oficiais da Vila do Príncipe e os da Vila de São José retratavam a pobreza dos
agricultores. AHU cx.131 doc.73 f2. e AHU cx.136 doc.81 f.1 respectivamente.
397
AHU cx.98 doc.50 f.1
desta atividade e continuavam a insistir que os habitantes das Minas honrassem o nome
dado à sua pátria e se dedicassem quase que exclusivamente à mineração. Assim, os
camaristas, reconhecendo as dificuldades que enfrentavam estes homens, excluíam a
possibilidade de vê-los compartilhar com os mineiros a dívida da Capitania. A descrença
nesta alternativa não revela somente compaixão para com os lavradores, mas verdadeira
identificação.
Assim, o destaque dado à questão dos mineiros não permite afirmar que os oficiais
representassem preferencialmente os anseios deste grupo de homens. Mesmo porque, como
eles mesmos puderam mostrar, os que então se dedicavam à lavoura já haviam gasto forças
e cabedal em extrair o ouro da terra. Mineiros e agricultores não eram assim duas classes
distintas398, no sentido de que tinham interesses próprios que os diferenciassem. Desta
forma convém interpretar afirmações como a de que "o ramo mineral [é] o mais
importante, e considerável desta Monarquia"399 como uma estratégia para conseguirem
representar também os agricultores. Isto porque, as críticas ao escasso incentivo dado à
agricultura amparavam-se sempre nos prejuízos que acarretaria à mineração. Não há como
deixar de ver grande sabedoria no recurso a convicções caras às autoridades metropolitanas
para atingir objetivos que não estavam contemplados no projeto político do Estado.
Sem o cultivo das terras das Minas, tudo que fosse preciso para nela se viver era
comprado de fora, o que acabava por desviar o ouro que deveria ser levado às Casas de
Fundição. Esta questão era tratada com tamanha relevância pelos camaristas, que
advertências eram feitas contra a política de dar exclusividade à atividade mineral. Assim
se perguntavam os de Vila Rica: "será um bom expediente o apartar com violência os
homens de todo o outro emprego que não seja minerar? É impraticável vendo-se iminente
o perigo de faltarem os gêneros de primeira necessidade. Haverá recurso à derrama?"400.
É curioso notar a referência à derrama quando ela já havia sido abolida. No entanto, se
referiam a um contexto passado, a pergunta continuava sendo válida, pois o ouro gasto com

398
Os oficiais não utilizavam a palavra "classe" para denominar estes dois grupos. Utilizamos este termo tal
como foi referido em documento escrito, provavelmente, no final do século XVIII. "Considerações sobre as
duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de Minas Gerais, como são as de mineiros e
agricultores, e a maneira de as animar". In: RIHGB. (25): 1862, pp. 421-429.
399
"O ramo mineral [é] o mais importante, e considerável desta Monarquia, dele emana ( como de principal
fonte) todos os interesses, que a fazem feliz, e invejada das outras nações, e são os mineiros digno objeto da
Real Intenção dos Nossos. Augustíssimos Monarcas".AHU cx.131 doc. 77 fls.2-3.
400
AHU cx.132 doc.45 f.5.
a compra de gêneros que não era produzido nas Minas, continuava a fazer falta para o
pagamento do quinto.
Antes mesmo do final da década de 1780, esta situação já era lamentada pelos
oficiais das Câmaras, ainda que sem o tom irônico que permeia as palavras acima escritas
pelos camaristas de Vila Rica em 1789. Em 1777 os da Vila de Sabará queixavam-se "que
a terra falta de produções era tão mesquinha, que sem vinhas, trigos, nem fabricas de seda,
e lanifícios, as drogas, e viveres do Reino lhe vinham tirar das mãos de seus habitadores,
quanto do seio dela desentranhavam..."401 "Finalmente Senhora", voltavam a suplicar em
1778 os vereadores de São João Del Rei, "esta Capitania tudo compra, e é a despesa tanto
maior, do que o ouro que extrai, que se pudessem vender-se todas as suas possessões, não
pagava a metade do que deve a Vossa Majestade, a ao Rio de Janeiro"402. Desde a década
de 70, os camaristas revelavam uma percepção crítica quanto ao fato de que o ouro extraído
à custa do trabalho dos filhos das Minas era sugado pela metrópole403 ou ajudava a
enriquecer os comerciantes das capitanias marítimas.
Assim, a decadência visível na agricultura não só impossibilitava que os mineiros
reservassem parte do ouro para pagar o quinto, como impedia que os lavradores repartissem
com eles o ônus da tributação. Disto estavam cientes os oficiais das Câmaras, mas nem
todos, inclusive os que respaldavam a boa intenção de suas propostas no acolhimento das
idéias da Ilustração, podiam perceber as coisas com tal clareza. Conforme esclarecia o
Presidente da Câmara de Mariana, "um gênio raro, e bem intencionado, sensível a
decadência da sua pátria teve a honra de propor a Sua Majestade, que abolido o método
da arrecadação dos quintos, e emendados os gravíssimos inconvinientes do comércio
passivo das Minas com o aumento da população, civilização dos índios, agricultura,
indústria, e uso das artes, seria mais interessante carregar a quota das cem arrobas sobre
todos os indivíduos da Capitania". O Presidente do Senado de Mariana reconhecia a
presteza das idéias deste "gênio raro", que não chegou a nomear; o que lhe parecia
401
AHU cx.111 doc.48 f.3. Em 1774, os camaristas de São João Del Rei mostravam o "deplorável estado a
que todos [nas Minas] se vem reduzidos quase sem alguma negociação própria do país, mas precisados
comprar tudo no Rio de Janeiro por preços exorbitantes, para o que não chega o limitado ouro que há anos
se tira das lavras" AHU cx.107 doc.13 f.2.
402
AHU cx.113 doc.67 fls.2-3.
403
Esta imagem da Metrópole sugando o ouro da Capitania foi muito utilizada pelos sediciosos de 1788-9..
Alvarenga Peixoto, por exemplo, ouviu Tiradentes comentar que "...era uma pena que uns países tão ricos
[Minas e Rio de Janeiro] como estes estivessem reduzidos à maior miséria, só porque a Europa, como
esponja, lhe estivesse chupando toda a substância..."ADIM- Op.cit, Volume 5, p. 117.
incompreensível era que qualquer imposto pudesse ser dividido com os agricultores por
"não poder a lavoura com mais direitos"404. Este é um exemplo raro de como os camaristas
consideravam que mesmo as novas idéias da Ilustração, quando aplicadas ao caso das
Minas, deviam se adaptar às particularidades desta região.
Desta forma, porque os lavradores e os mineiros não podiam repartir sozinhos a
dívida da Capitania, visto estarem ambos em sérias dificuldades, restava então taxar a
atividade dos comerciantes, sempre identificados como sendo os extraviadores, "malvados
inimigos domésticos da sociedade civil e bem público"405, que ambiciosos enriqueciam com
a decadência alheia e facilmente se livravam do peso dos impostos. A proposta mais usual
foi utilizar-se da cobrança dos gêneros que entravam nas Minas para completar a cota das
cem arrobas, incompatível com a produção da atividade aurífera406. Para que isto se
tornasse realmente possível era preciso recuperar a arrecadação das entradas que, como
parece ter sido comum nas Minas, também declinava. Para reverter este declínio, um
"indireto testemunho da notável diminuição do ouro"407, não bastava resolver o problema
da pobreza da maior parte dos habitantes, que não dispunham de recursos para comprar os
instrumentos "com que precisamente se rompem as terras, e abrem-se as minas"408. Seria
então necessário alterar a forma de cobrança destes gêneros, que era efetuada pelo peso e
não pela qualidade dos produtos, sendo que justamente estes utensílios, que eram os mais
úteis, "se acham carregados com impostos estabelecidos no tempo da fertilidade do ouro"
enquanto que "fazendas finas (...) de peso tênue e lucro certo, eram menos taxadas"409. A
impossibilidade de consumir o que lhes era indispensável para trabalhar e viver não era só
fruto da miséria em que se encontravam, mas também dos métodos impostos à cobrança
destes gêneros. Assim, se a decadência da mineração acarretava na diminuição da
arrecadação das entradas, também era verdade que a forma utilizada para taxar os gêneros
contribuía para agravar a crise aurífera.

404
"Quintos do ouro"- Op.cit, pp.72-73.
405
AHU cx.131 doc.73 f.2 .
406
AHU cx.132 doc.45 f.6; AHU cx.131 doc.73 f.7; AHU cx.131 doc.74 f.7.
407
AHU cx.132 doc.45 f.3.
408
AHU cx.131 doc.77 f.2.
409
idem, ibidem Esta foi a queixa mais freqüente dos camaristas em relação às entradas. Em um único
documento, de 1778, foram encontradas críticas à localização imprópria dos registros, que não correspondiam
aos limites da Capitania, o que fazia com que também a produção interna fosse taxada. AHU cx.111 doc.40.
Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, pp.42-3.
Os camaristas ao defenderem tais propostas não pretendiam prejudicar a atividade
comercial, mas sim os comerciantes que ficariam numa posição desvantajosa, na medida
em que repartiriam com os mineiros um encargo que até então não lhes dizia respeito.
Também as idéias a favor da criação da Casa da Moeda em Vila Rica e a proibição da
circulação do ouro em pó, se eram expostas como benéficas ao comércio, igualmente
atingiam os negociantes malévolos que, envoltos com o extravio, encontrariam maiores
dificuldades de continuar com esta prática ilícita.
O desenvolvimento do comércio muito interessava aos habitantes das Minas, a tal
ponto que os vereadores defendiam medidas contrárias à tendência administrativa para que
ele fosse desenvolvido. Tal foi o caso dos de Mariana, que viam que "o projeto de novos
caminhos na verdade interessaria muito ao comércio, e mútuos socorros de uma, e outra
Capitania [Minas Gerais e Rio de Janeiro], além de se navegar em grande parte o rio
Doce, rio Grande, e rio São Francisco; mas tudo pugna com a defesa das Minas, e antigas
providências de Sua Majestade..."410.
Tais argumentos assemelhavam-se muito aos expostos por José Eloi Ottoni,
natural das Minas, que em 1798 escreveu suas memórias411. Ottoni, um defensor da
diversificação da economia da Capitania, defendia a prosperidade da agricultura para
intensificar o comércio, que por sua vez estimularia a indústria local, que era, segundo ele,
a "origem da abundância, a protetora das artes, a mãe do provido trabalho, a
indústria....eis aqui somente quem pode assegurar a independência das nações. É tão
evidente a força desta questão, que não precisa ser demonstrada"412. No entanto,
completava Ottoni, para que tal prosperidade pudesse ser alcançada, novas estradas
deveriam ser abertas e os rios navegáveis deveriam ser utilizados para que a produção fosse
escoada.
*
Não é só em relação à abertura de caminhos que as representações escritas em
1789 se aproximam das memórias redigidas por naturais da Capitania no final do século

410
"Quintos do ouro"- Op.cit, p.72.
411
OTTONI, José Eloi- Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas Gerais. ( 1798) Biblioteca
Nacional. I-28,28,13; p.307.
412
idem, ibidem. Ottoni referia-se aqui à independência da nação portuguesa. Tinha por interlocutores
autoridades metropolitanas, as quais queria convencer de que o desenvolvimento da indústria, em todas as
partes do Império, poderia recuperar a economia portuguesa.
XVIII413. Na verdade, assemelham-se em muitos pontos, pela razão de todos abordarem
tópicos caros aos pensadores ilustrados. É certo que os memorialistas, ao escreverem num
contexto no qual a Ilustração voltava a ganhar adeptos de relevo no Reino, puderam deixar
mais explícitas suas influências teóricas, inclusive esforçando-se por parecerem homens
instruídos ao citarem livros de autores renomados desta filosofia. Mas os camaristas
também revelavam aquele otimismo característico dos ilustrados que apostavam na
possibilidade de reverter a decadência das nações através de medidas que garantiriam a
prosperidade econômica e a felicidade dos povos.
A valorização da diversificação econômica indica que estavam de fato inclinados a
pensar a realidade das Minas a partir de uma nova visão de mundo. No entanto, não
convém exagerar no avanço de suas idéias, pois ainda que defendessem o desenvolvimento
da agricultura, do comércio e, até mesmo da indústria, continuavam a sustentar que a
mineração fosse o ramo principal da economia das Minas. Os camaristas não mostravam
nenhuma familiaridade com os debates recorrentes no Reino em torno da questão da
importância real do ouro para a riqueza da nação. Tal como Couto dez anos depois,
sustentavam que "o ouro é o nervo e a medula do Estado", e Portugal, "uma nação
essencialmente mineratória".414 As teorias fisiocráticas tiveram que esperar por José Vieira
Couto e Ottoni para encontrar seus expoentes nas Minas. O último, chegava inclusive a
lamentar, como já havia feito José da Cunha de Azevedo Coutinho, o dia em que "se
descobriram, para nós desgraçadamente, as minas de ouro, que nos fizeram desprezar as
verdadeiras riquezas da agricultura"415.
Por outro lado, os oficiais das Câmaras, ainda que continuassem a reconhecer que
a extração do ouro era o "fundo único em que se funda a prosperidade do Pais"416, em 1789
não desejavam que sua pátria estivesse inteiramente voltada à mineração, admitindo a
conveniência de desenvolver outras atividades. De qualquer forma, ainda caberia à extração

413
Leme, Antonio Pires da Silva Pontes- "Memória sobre a utilidade publica em se extrair o ouro das minas e
os motivos dos poucos interesses que fazem os particulares, que mineram igualmente no Brasil". In: RAPM,
ano I, fascículo 3, julho/set de 1896, pp.416-426. (esta obra não está datada, mas por ter sido dedicada ao
Ministro D.Rodrigo de Souza Coutinho, deve ter sido escrita entre os anos de 1796-1803, período que
corresponde ao mandato de D.Rodrigo como Ministro do Ultramar). COUTO, José Vieira- Op.cit. (obra
escrita em 1799).
414
COUTO, José Vieira- Op.cit, p.77 e p.73 respectivamente.
415
Sobre as Obras econômicas de autoria de Coutinho, ver o comentário de FIGUERÔA, Silvia Fernanda de
Mendonça- Op.cit, p.22.
416
AHU cx.131 doc.73 f.2.
do ouro papel fundamental no progresso das Minas, porque era vista como o motor da
Capitania, que impulsionaria os demais ramos produtivos417. Neste sentido, se continuaram
a dar destaque à mineração não era porque queriam restringir a economia à produção
aurífera, e sim porque desta atividade dependiam todas as outras.
Para tanto, insistiam que as autoridades metropolitanas alavancassem a mineração,
auxiliando os mineiros a obter tudo o que lhes era indispensável a suas atividades. Os
vereadores de Vila Nova da Rainha, após analisarem as diferentes formas de cobrança do
ouro, acreditavam que "todos estes métodos, ou qualquer outros, que melhor forem
delineados, serão frustrados se Sua Majestade não atender aos mineiros, como os homens
mais interessantes a este Estado, e a todo o Reino, pelo que parece bem justo, que sejam os
mesmos ajudados pela Real Fazenda nos seus custosos serviços (....)". A seguir pediam
para que fossem tratados "com a mesma igualdade dos fabricantes de açúcar, e tabaco dos
portos de mar , que sendo menos úteis que os mineiros, tem todos aqueles gêneros
[escravos, ferro e aço], e isenções com a vantajosa comodidade"418. Estes camaristas
colocavam mais uma vez em evidência um questionamento que fora comum durante todo o
período: por que os homens mais importantes do Império eram aqueles que se viam mais
abandonados? E se estas palavras revelavam certa pretensão, convém lembrar que eram as
próprias autoridades metropolitanas que reconheciam a fundamental importância dos
mineiros para a economia da nação portuguesa.
Outro ponto destacado pelos camaristas em 1789, muito caro também aos
memorialistas ilustrados, e tão pouco referido nas representações anteriormente, foi a
deficiência das técnicas extrativas. Àquela altura não era nenhuma novidade que os homens
das Minas não tinham acesso aos novos métodos que já eram utilizados por tantas nações
da Europa. As dificuldades em ter que extrair dos montes o ouro que antes podia se
encontrar na superfície impunha a necessidade de aperfeiçoar os métodos extrativos,
fazendo uso de novas técnicas "porque as máquinas e aparelhos de mecânica ajudam a

417
Os Oficiais da Vila do Príncipe em 1772 já estabeleciam esta relação, que antes de 1789 foi poucas vezes
referida, dando destaque aos benefícios que traria à Fazenda Real. Segundo eles, "a ruína deles [dos povos]
será comum a todo o estado; pois o ouro deste Continente é o nervo principal da subsistência, e opulência do
comércio: destruindo os Povos não podem concorrer para a extração do ouro com que satisfaçam o direito
senhorial: atenuando o comércio, faltam precisamente os principais direitos das alfândegas, das entradas,
das passagens, e os mais justamento [sic] a Vossa Majestade devidos" AHU cx.103 doc.91 fls.2-3.
418
AHU cx.132 doc.7 f.5.
vencer obstáculos, que não vencem forças humanas"419. A falta de empenho das
autoridades em contribuir para a melhoria das técnicas levava os camaristas a se
perguntarem se "a ignorância prejudicial a todas as artes será só proveitosa ao
mineiro?"420.
Esta questão foi tratada com tanta seriedade que os vereadores de Mariana
chegaram a propor que "à custa do subsídio literário (que pode aumentar) se deve
estabelecer uma corporação de inteligentes mecânicos, e práticos mineiros que, a imitação
da Suécia, e Alemanha, invertem, acordem, e dêem os meios [...] de vencer qualquer
dificuldades no trabalho das minas"421. É realmente surpreendente que defendessem que os
habitantes das Minas arcassem com mais um tributo, neste caso para instruírem-se, quando
nas representações as queixas contra o excesso de impostos foram de fato predominante.
Também divergiam dos demais camaristas que acreditavam não competir aos habitantes,
mas ao Estado, propiciar aos mineiros conhecimentos para que pudessem extrair das terras
o que a ignorância tornava impossível. Era esta a opinião dos da Vila de São José que
consideravam que a desigual repartição das terras, a falta de águas nas estações de seca e de
uma ciência de minerar eram "causas, que entendemos chamar políticas, parece se não
[poder] imputar aos moradores das Minas"422.
Até o final do século a situação pouco deve ter mudado, porque os memorialistas
ilustrados, que sabiam da importância de instruir os mineiros, continuavam a se queixar da
falta de assistência a estes homens que sem técnicas não podiam vencer os obstáculos
impostos pela natureza. Couto, dos três memorialistas citados, é o que mais se alarmava
com esta questão. Segundo ele "a ignorância dos mineiros e o descuido que houve de se
instruir, em tempo de sua profissão, esta preciosa classe de homens é a causa única e ao
mesmo tempo mui bastante da decadência atual da mineração". Segundo ele, os montes

419
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro"- Op.cit, p.148. No entanto,
os camaristas continuavam a chamar atenção para o problema da falta de mão-de-obra, que não poderia ser
solucionado com o emprego de máquinas. Ver AHU cx.132 doc.45 f.5; AHU cx.131 doc.73 f.6; AHU cx.131
doc.74 f.2; "Quintos do Ouro"-Op.cit.
420
Para os anos anteriores a 1789 apenas uma representação, que trata deste assunto, foi encontrada. No
entanto, em 1778 os vereadores da Câmara de São João Del Rei mencionavam apenas "dispendiosas
invenções, com que se tem facilitado os serviços",referindo-se possivelmente à iniciativa de alguns
particulares que conseguiram vencer criativamente a falta de incentivo do Estado em melhorar os métodos de
extração. AHU cx.113 doc.67 f.1.
421
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas..."- Op.cit, p.148.
422
AHU cx.131 doc.74 f.3.
"verdadeiros pais dos metais" estavam intactos, esperando a "utilização de técnicas mais
sofisticadas"423.
*
Se a recorrência a tópicos ilustrados, tais como a difusão do conhecimento, a
"democratização" dos impostos, a diversificação da economia, já nos permite afirmar que
entre os camaristas de 1789 havia os que se identificavam com essa corrente de
pensamento, a importância que deram à observação da realidade vem confirmar o quanto a
Ilustração influenciou em seus esforços de pensar soluções à decadência do ouro.
É certo que a realidade concreta, do dia-a-dia e da experiência já havia sido
invocada para legitimar as propostas reformistas dos vereadores que antecederam estes de
1789. Ali, onde se viviam as dificuldades, é que despontava com maior nitidez a
incoerência das leis que não tinham correspondência positiva na prática. Descrever as
Minas sempre fora uma maneira de alertar para a decadência da Capitania e buscar
argumentos de peso a favor de mudanças fiscais, essenciais ao diálogo com um governo
pouco propenso a negociações. No entanto, em 1789, os camaristas já não se limitavam a
retratar as Minas, e foram muito mais enfáticos na afirmação de certezas empiricamente
comprovadas. Com todas as letras orientavam as autoridades superiores a considerar as
evidências dos fatos, já descritos anteriormente. O pragmatismo ganhou um novo colorido e
a crítica uma nova intensidade.
Assim, os oficiais da Câmara de Vila Rica, considerando que a falta da extração
era a origem da decadência, alegavam que "espontaneamente se descobrem documentos
muito sabejos [sic] desta verdade", e temerosos que suas opiniões pudessem ser mal
entendidas explicavam que "todas as nossas idéias" estavam "despidas de vãos ornatos, a
que comumente recorrem os parodoxistas para abonarem falsidades, e destituídos de
exação, e polidos de que carecem os nossos espíritos, nós as julgamos senão as mais
proveitosas e acomodadas à conjuntura"424.
Os da Vila de Pitangui, reclamando da falta de escravos, que em 1789 ainda
prejudicava a economia das Minas, tomavam o governador Barbacena "por testemunha

423
COUTO- José Vieira- Op.cit, p. 63. José Bonifácio defendia uma posição semelhante: "nenhum ofício
neste mundo exige tantos conhecimentos e uma prática mais iluminada do que de mineiro". "Carta de José
Bonifácio..."- Op.cit., f.4.
424
AHU cx.132 doc.45 f.1.
diante de Nossa Augusta Soberana" acrescentando ainda que, porque o governador "nas
minas se acha" e porque tinha um "iluminado espírito" não podia "ocultar o conhecimento
desta verdade"425
É claro que os camaristas, ao enfatizarem a experiência do país das Minas como
um critério a ser levado em conta por seus administradores, estavam acentuando suas
próprias qualidades, imprescindíveis à condução da vida política na região. Qualidades
que, diga-se de passagem, atribuíam a si próprios mas ausentavam algumas autoridades
reinóis de possuí-las. Tal estratégia, como veremos, tornava-se cada vez mais
indispensável naquele contexto onde se viam ameaçados de perder seus cargos porque o
governo desconfiava da atuação dos representantes que, nascidos nas Minas, atuavam na
esfera local. Assim, era preciso reforçar a importância do conhecimento da realidade das
Minas porque esta qualidade os tornava mais aptos a ajudar o governo metropolitano,
enquanto que, os que ignoravam esta verdade, passavam-se por "parodoxistas" que
sustentavam falsidades que se harmonizavam aos anseios régios, mas eram pouco propícias
para reverter o quadro de crise da Capitania.
Em 1765, os oficiais de Vila Nova da Rainha já haviam expressado este raciocínio
quando aconselhavam o monarca a "mandar ouvir estes povos por meio do governador e
Capitão general, especialmente André Moreira de Carvalho" assistente na Vila do Sabará
que já servia o Rei há dezesseis anos. Não sabemos quem seria este sujeito, mas o que
importa notar é que para os camaristas ele poderia expor à Real presença o novo método do
quinto, tal como defendiam, "isento de emulação e critério dos conceitos, que
especulamente [sic] se costumam formar na Corte, sem a base fundamental da prática e
experiência do país"426.
Não deixa de ser surpreendente que estes oficiais explicitavam tão claramente
uma idéia que só em 1789 ganhará espaço para ser efetivamente formulada. Ao que parece,
nos primórdios da crise os camaristas ainda encontravam certa liberdade para expor suas
propostas, que com o passar dos anos, à medida que a administração portuguesa tendeu a
ficar cada vez mais rigorosa, deixaram de ser bem vistas no Reino. Convém lembrar as
idéias que o governador Luis Diogo Lobo chegou a sustentar em 1765, e que às quais
rapidamente se viu obrigado a abandonar, como foi visto no capítulo anterior. Assim, tudo
425
AHU cx.131 doc.77 fls.1-2.
426
AHU cx.86 doc.31 f.5.
nos leva a crer que os vereadores, no período que medeia entre 1765 e 1789, já tinham uma
percepção muito semelhante sobre as autoridades reinóis, exposta pelos camaristas neste
último ano. É claro que a sucessão do tempo amadureceu suas idéias, e mais do que isto,
permitiu que elas fossem explicitadas. Se ainda não podiam contar com o apoio do
ministro Luis de Sousa Coutinho, que só em 1796 iria substituir Martinho de Melo e
Castro, inaugurando uma nova fase que Guerzoni denominou de modernização ilustrada427,
em 1789 já era possível acreditar que suas propostas encontrariam maior respaldo no Reino
que nos anos anteriores.
De qualquer forma, nesta data as especifidades das Minas ganharam tamanha
importância que não levá-las em conta passou a ser considerado uma medida que poderia
por em risco a administração nas Minas. Leme, anos depois, levará tal idéia ao extremo, ao
alegar que o custo dos escravos e a desvalorização do ouro nas Minas eram itens próprios
da economia política singular428. Da mesma forma, Couto era favorável à realização de
um tratado de mineralogia, que explicasse "com brevidade e não multiplicando espécies,
como fazem os mineralógicos"429 e que fosse " fundado em experiências feitas sobre as
próprias minas e sobre os próprios fundantes do país"430. Couto, na frase que praticamente
encerra sua obra, deixava clara a importância que dava ao entendimento da realidade
concreta, desculpando-se por não ter tido tempo suficiente para se entregar a tal tarefa com
mais afinco. Segundo ele, "no curto espaço de um ano, que empreguei neste trabalho e no
meio deste continente tão vasto, onde tantas coisas se oferecem juntas ao observador, não
tive mais tempo de lançar os olhos ao redor de mim; mil coisas restam ainda que ver e
observar"431. José Eloi Ottoni tampouco se distanciava desta conduta, seguida pelos
camaristas e memorialistas na busca dos remédios necessários para sanar a decadência das
Minas. Para ele a Capitania "oferece todo aquele país o quadro mais belo, que a natureza
produziu à beneficio da humanidade" e para afirmar a exatidão científica desta preposição
continuava: "esta pintura nada tem de poética. Aqui não brilha outra coisa que um raio da

427
GUERZONI, Gilberto Filho- Op.cit, p.14.
428
LEME, Antonio Pires da Silva Pontes- Op.cit, p.419.
429
COUTO, José Vieira- Op.cit, pp.68-69.
430
Idem, p.71.
431
Idem, p.90.
verdade"432. As Minas não eram só diversas, mas também de uma beleza inigualável que,
se devidamente observada e explorada, poderia render bons frutos.
*
O excessivo destaque que os oficiais em 1789 e os memorialistas que os
sucederam deram às evidências concretas é um indício de que as idéias ilustradas foram
acolhidas por estes homens que perceberam a força de argumentos que facilmente poderiam
ser comprovados a partir da observação das Minas. É de notar que a vertente de
pensamento que influenciou suas percepções era a mesma que vinha ganhando maior
número de seguidores entre as autoridades do Reino, embora estas revelassem extrema
prudência em aplicá-las na Capitania. De qualquer forma, contestar medidas políticas
tomadas pelo Estado, atribuir a ele novas responsabilidades a partir da observação da
realidade, tudo isto estava era assimilável pela política ilustrada portuguesa.
Assim, porque se continuava a reconhecer que cabia ao Estado português a tarefa
de remediar a crise da Capitania, os homens das Minas procuravam, através das referências
concretas do dia-a-dia, despertar a compaixão do soberano, que não haveria de ficar inerte
frente a uma realidade que, se bem observada, era de dar pena433. Tratava-se de uma
realidade sobre a qual, segundo os camaristas da Vila de São José, o monarca tinha
interesse de ser informado, o que lembra muito aquela imagem do rei traído, já analisada
por Luciano Figueiredo434, que notou a recorrência dessa imagem nas revoltas antifiscais do
período colonial. No entanto, nas representações escritas entre os anos de 1763-1792, se é
possível perceber alguma crítica aos representantes do Rei na esfera da Capitania, também
aqueles que eram reconhecidos como fiéis ao soberano foram alvo de críticas. Neste caso, o
que merecia a reprovação dos camaristas era a ineficácia das ordens régias, que por não
corresponderem ao que se vivia nas Minas em nada contribuíam para reverter a situação
caótica daquela região. No entanto, ainda assim a imagem do soberano continuava a ser
resguardada, no sentido de que, se suas ordens eram vistas como impróprias naquela
conjuntura, isto se devia ao fato de que seus representantes não lhe informaram com
exatidão sobre as Minas.

432
OTTONI, José Eloi -Op.cit., p.309.
433
"A considerável, e sensível falta do presente tempo nos desanima e enche de pena, e confusão,
considerando nossa triste situação, o que não tendo nós culpa desta falta hajamos de responder por ela"
AHU cx.131 doc.77 f.1.
434
FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas, Fiscalidade....- Op.cit.
Assim, se "nenhum direito é mais amplo, nem mais sagrado que a proteção dos
Reis para com seus vassalos" e se "Eles desejam serem informados de verdade e justiça
para perpetuar a felicidade dos povos""435, o que pretendiam os vereadores era dar ao
soberano um retrato fiel das Minas para assim despertar sua bondade, "este recurso que se
não limita às formalidades ordinárias". O Rei, quando devidamente informado, tomaria
atitudes justas e adequadas, revertendo aquela inflexibilidade e rigorismo que
caracterizavam a administração portuguesa nas Minas. Era esta esperança que estava por
detrás das palavras dos oficiais da Vila de São José que, em 1789, consideravam que
"quando as precisões do Estado exijam todo o sangue, e substância das Minas Sua
Majestade elegerá outros meios sempre contudo piedosos de supris se vantajosamente. São
estas as razões, e súplicas, que entendemos dever propor, e apresentar a V.Excia para a
indenização de Sua Majestade e conservação do País, em que vivemos"436.
Neste sentido, invocavam um sentimento que tradicionalmente havia sido
imputado ao soberano a partir de uma nova visão de mundo, na qual os fatos empiricamente
demonstrados questionavam a eficácia de uma administração calcada em pressupostos
caducos. Neste sentido, se consideravam que os remédios próprios eram aqueles contrários
aos que vinham adotando as autoridades portuguesas, e se expuseram um plano de ação
alternativo que visivelmente se chocava com a tendência administrativa, o que os
camaristas pretendiam era mudar as estratégias políticas para que os interesses régios
pudessem ser satisfeitos e os povos serem conservados. As mudanças justificavam-se pelo
desejo de preservar a ordem. Conforme esclareciam os vereadores da Vila de São José em
1789, " nos parece indispensável cogitar novos meios, e arbítrios de salvar este ramo da
Real Fazenda" de forma que não acarretasse "opressão dos vassalos de Sua Majestade"437.
*
Durante as três décadas aqui analisadas, nem sempre as críticas versavam sobre
um mesmo ponto, nem sempre revelavam o mesmo amadurecimento na percepção da crise,
mas guardadas estas diferenças, ao longo do período o que os camaristas reivindicaram
sempre foi a adequação da política colonial às circunstâncias específicas da Capitania.
Atentos à dura realidade das Minas, e convictos de que suas percepções auxiliariam a

435
AHU cx.132 doc.4 f.9.
436
idem, f.10.
437
AHU cx.131 doc.74 f.7.
Metrópole a preservar sua mais rica Capitania, os camaristas não economizaram esforços
para alertar as autoridades de Lisboa sobre o risco de manter as mesmas estratégias
políticas que só tinham sentido em tempos de abundância. Temerosos de que o rigor das
leis fragilizasse a legitimidade do poder português nas Minas, sugeriam alternativas que, se
em muitos aspectos apresentavam mudanças profundas, estavam fundamentadas no desejo
de preservar a boa ordem do Estado, monárquico e absolutista.
É certo que o Trono continuava a ser visto como o núcleo das decisões. No
entanto, porque não orientar os dirigentes do Estado para que tomassem as decisões
corretas? Por que não alertá-los para uma realidade que eles, vereadores, tão bem
conheciam, e que portanto tinham o dever, enquanto súditos, de os informar? Ainda que
tocassem em um assunto que não cabia a eles decidir438, agiam como fiéis vassalos, já que
dividiam com o Estado um conhecimento que julgavam imprescindível para a vigência dos
interesses régios que, harmonizados aos interesses locais, garantiriam tanto a fidelidade dos
vassalos das Minas quanto a legitimidade da monarquia portuguesa.
Se o discurso dos vereadores das Minas distanciava-se da percepção que as
autoridades metropolitanas tinham da crise da Capitania, isto não se devia, portanto, aos
anseios que os moviam. Ocorria que os camaristas, diferentemente destes dirigentes,
perceberam com maior exatidão que os interesses do Trono não podiam ser satisfeitos sem
que seus súditos fossem conservados. Para eles, o elo que unia súditos e soberano não
dependia do rigor das leis. Muito pelo contrário, era o abrandamento das exigências
metropolitanas que poderia reforçar este laço. Os súditos, vendo seus interesses acolhidos,
retribuiriam o gesto com a fidelidade devida, porque as mudanças ditadas de cima seriam
sentidas como uma graça concedida pelo monarca, o que reforçaria o sentimento de
devoção a ele.
Neste sentido, a exposição da fidelidade através de convenções próprias a este
gênero discursivo- as representações- não era só um artifício retórico. Traduziam de fato o
desejo, expresso pelos camaristas, de conservar intacta a identidade portuguesa que os

438
Nas representações escritas em 1789, os oficiais das Câmaras procuravam diagnosticar os males da
Capitania mas também prognosticar os remédios adequados; estado de coisa que foi pouco comum nas
representações anteriores. Em 1773, por exemplo, os camaristas de Vila Rica não se atreviam a propor
alternativas. Segundo eles: "não avançamos a temeridade de representar a Vossa Majestade o método mais
útil para a arrecadação do seu direito: imploramos somente a Sua benigna atenção para prover sobre a
futura ruína, que nos ameaça" AHU cx.104 doc.40 f.3.
súditos das Minas tinham por sua. E era como portugueses que se reconheciam, como se
pode observar nas palavras de submissão expressas pelos oficiais das Câmaras, ou mesmo
nos termos habilmente escolhidos pelos memorialistas, tal como José Vieira Couto, que por
duas vezes referia-se aos filhos das Minas, como "nós, os portugueses"439e Jozé Eloi Ottoni
que consideravam o Reino como "nosso Portugal"440.
O fato de sentirem-se diferentes, de reconhecerem as características que os
diferenciavam dos demais súditos americanos, não diminuía o seu apego à condição de
portugueses. Grande parte das representações pode ser analisada por este ângulo: os
camaristas exigiam que as autoridades tratassem os filhos das Minas como a todos os
súditos, fossem eles residentes na América ou na Europa, não os distinguindo, na relação de
cada qual com o Trono, segundo o local de nascimento, embora reafirmando que estes
podiam ser escalonados segundo a posição que ocupavam naquela sociedade. É isso que
explica, por exemplo, o fato dos de Vila Rica em 1766 ambicionarem o mesmo privilégio
que fora concedido à Câmara do Porto, que lhes conferiria algumas honrarias e
"prerrogativas de fidalguia"441 que ao mesmo tempo em que permitia que se distinguissem
do restante da população das Minas, os colocaria em pé de igualdade com os camaristas do
Reino.442.
Assim, a afirmação da especificidade das Minas e de seus habitantes não se
constituía, nas representações, em base de dúvidas quanto à condição de súditos, mas era
resultado da percepção do rumo que deveriam ter as reformas da política do Estado. Tudo
isso se baseava na convicção de que se a política portuguesa as levasse em consideração, os
súditos das Minas encontrariam meios de atender aos anseios régios, honrando a fidelidade
ao monarca e a identidade portuguesa que portavam. Não deixa de ser significativo o fato
dos vereadores colocarem nas mãos dos governantes a tarefa de preservar o sentimento

439
COUTO, José Vieira- Op.cit, pp.67 e 81 respectivamente.
440
OTTONI, Jozé Eloi-Op.cit., p.306.
441
Ver BICALHO, Maria Fernanda- "As Câmaras Municipais no Império Português: O Exemplo do Rio de
Janeiro". In: Revista Brasileira de História, São Paulo, ANPUH/ Humanitas Publicações, v.18, nº36, p.261.
A autora analisa a obtenção deste privilégio aos cidadãos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em
1642, esclarecendo que "por cidadãos entendia-se aqueles que por eleição desempenhavam ou tinham
desempenhado cargos administrativos nas Câmaras Municipais".
442
Segundo o ouvidor de Vila Rica, Jerônimo de Matos, "os privilégios concedidos a Câmara do Porto têm
amplas isenções, que a serem comuns a todos desta Vila seriam prejudiciais ao bem público, porém como
estes ordinariamente Sua Majestade os concede Restritos a certa determinada classe de pessoas me parece
seria justo que o dito Senhor honrasse a Câmara desta Vila a proporção da graça, que fez a de São Paulo e
Rio de Janeiro". AHU cx.100 doc.14 f.2.
político de seus súditos, enquanto que as autoridades metropolitanas, ávidas por enriquecer
a Fazenda Real, fecharem-se às súplicas à favor desta condição.
Por outro lado, embora as queixas, propostas ou até mesmo críticas, fossem
expostas como manifestações de apreço a um soberano que glorificavam, não há como
deixar de perceber que por detrás disso tudo uma ameaça sempre esteve presente. Nas
representações, por mais que expressassem sua adesão ao Estado português, a possibilidade
em romper com ele sempre estava latente, prestes a emergir, quando os camaristas
expunham uma visão das Minas diversa daquela sustentada pelas autoridades
metropolitanas. Ao insistirem na decadência da região, na ruína em que se encontravam
seus povos, estavam questionando a validade do pacto que os unia ao Trono, já que era
obrigação do Rei manter seus súditos felizes, máxima que estes homens não se cansavam
de relembrar. O fantasma da ilegitimidade do poder esboçava-se no avançar da crise.
É certo que nas representações a decadência era entendida como centrada na
atividade aurífera. No entanto, à medida que os anos transcorreram, e as diretrizes políticas
pouco reverteram aquela situação, a inaptidão dos dirigentes políticos em administrar as
Minas ajudou a explicar, se não a origem da crise, certamente a compreensão da gravidade
que ela foi assumindo. Desta forma, as críticas passaram a se referir à ineficácia da política
metropolitana, e a figura do soberano nem sempre ficou imune às queixas. É nítida a
indignação quanto ao fato de que, aquele que tinham como pai protetor, apesar de ser
informado por eles do insucesso de suas medidas, pouco fazia para alterá-las. O que parecia
ficar cada vez mais claro era que o pacto entre súditos e soberano era passível de crítica e,
no limite, de revisão, caso as autoridades portuguesas não tomassem medidas que realmente
solucionassem os problemas por eles apontados. Desta forma, a exposição das dificuldades
intimidava as autoridades não porque criticavam abertamente o poder, mas porque não
estava descartada a possibilidade de que, se não fossem atendidos, estaria aberto o caminho
para o rompimento dos laços. A crítica, ainda que velada e emergindo timidamente por
meio de palavras que traduziam a mais absoluta fidelidade sinalizava problemas futuros.
Capítulo 4º
Politização e Crise das Identidades: 1788-9

Desde 1763, quando pela primeira vez não foram pagas integralmente as 100
arrobas de ouro, a situação da Capitania das Minas Gerais era percebida como má pela
maior parte de seus habitantes, questão que, entretanto, não pode ser resumida aos debates
em torno da eficácia ou não das medidas administrativas, tema que envolveu memorialistas
e autoridades reinóis ou locais, dos mais diversos escalões. Para compreender melhor este
complexo quadro que se desenhava, é preciso extrapolar também para o plano subjetivo, o
que envolve a análise dos sentimentos políticos dos súditos do Rei de Portugal que
habitavam as Minas Gerais.
Trata-se de uma questão delicada, pois os súditos, ainda que quisessem preservar
os elos de identificação com seu soberano, estes laços se tornavam cada dia mais frágeis a
medida em que as autoridades metropolitanas insistiam numa política cujo rigor não
poderia ser aceito sem contestação. Tratava-se, pois, de uma situação no mínimo inusitada:
enquanto os vassalos queriam ser reconhecidos como tais, as autoridades, ávidas por
enriquecer o Tesouro nacional, desconsideravam que a fidelidade dos súditos só poderia ser
preservada se os interesses destes homens fossem, em alguma escala, levados em conta.
Nos capítulos anteriores pretendemos deixar claro que os homens das Minas
tinham motivos para estarem descontentes. Afinal, se eram governados por um Estado que
exigia deles mais do que podiam dar, tinham boas razões para se sentirem dessa forma. No
entanto, até 1788, os vassalos das Minas, embora questionassem as medidas
administrativas, descartavam a revolução enquanto alternativa, mantendo seu discurso
dentro das normas da mais estrita legalidade443, com o que reafirmavam sua condição de
leais súditos do monarca de Lisboa, do que é prova o número insignificante de
manifestações sediciosas registradas nas Minas na segunda metade do século XVIII, as
quais sequer chegaram a ganhar repercussão444. No entanto, é preciso considerar que o
número reduzido destes movimentos de contestação, e a freqüência com que os oficiais das
Câmaras recorriam às representações não significam que as insatisfações estivessem
ausentes, nem sequer que fossem amenas. O que refletiam, antes de tudo, era o sucesso do
modelo opressor do Estado445, que foi aperfeiçoado na década de 70 com a criação de uma
Nova Junta das justiças nas Minas para julgar crimes graves como de sedição, rebelião e
lesa-majestade, sem distinção da qualidade dos réus, fossem eles reinóis, americanos ou
africanos446. As autoridades metropolitanas pareciam estar cientes de que o contexto das
Minas era favorável à emergência de idéias contestatórias que, quando vieram à tona,
foram reprimidas sem maiores alardes para que, desta forma, o restante da população não
fosse contaminada por elas. No caso da sedição de Curvelo, por exemplo, a repressão deu-
se de forma sigilosa pois temia-se, conforme palavras do governador Antônio de Noronha,
"desinquietar os povos"447.
De qualquer forma, desde 1763, quando a crise aurífera tornou-se visível, e as
autoridades resistiam em alterar as estratégias políticas então vigentes, a insatisfação dos
habitantes da Capitania foi paulatinamente se acentuando. Neste sentido, o ensaio de

443
Era através das representações que se desenrolava, segundo Figueiredo, "o permanente jogo das
concessões metropolitanas em troca da colaboração colonial". Segundo o autor, estas, assim como os
requerimentos e as súplicas "eram formas não apenas lícitas dos súditos que se julgavam desfavorecidos
apelar sem intermediários junto ao rei, mas, acima de tudo, um direito". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas,
fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa...- Op.cit, pp.11-12 e p.237 respectivamente.
444
Em 1775 foi aberta uma devassa para apurar a sedição ocorrida em Curvelo, na Comarca de Sabará, que
resultou na prisão de 16 réus que tiveram seus bens seqüestrados. DUTRA, Eliana Regina de Freitas-
"Inconfidência mineira-memória e contra-memória". In: Vária História. nº12, Belo Horizonte, dezembro de
1993, p.70. Também em 1777, dois padres foram acusados nas Minas de "crime de inconfidência", sendo
remetidos para o Rio de Janeiro onde ficaram incomunicáveis, ou seja, proibidos de "falarem com pessoas
algumas". SG cx.9 doc.4 f.1. No que respeita à década anterior não há indícios da emergência de movimentos
desta natureza. Sabemos apenas que o governador da Capitania de São Paulo, em 1766, teve notícias de que
ali circulavam cópias de "uma carta vinda de Minas, escrita ao Governador e Capitão General daquela
Capitania, a qual carta é concisa, em termos extraordinários, sediciosos, cheia de espírito de revolta,
contrário a execução das ordens de Sua Majestade". AHU cx.88 doc.43 f.4.
445
VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.88.
446
VEIGA, José Pedro Xavier da- Efemérides mineiras 1664-1897- Op.cit, Volumes 1 e 2, p.756. A carta
régia que instruía o governador Valadares a criar a Junta de Justiça na Capitania é de 1771. Ver também AHU
cx.102 doc.60 (Carta do governador José Luis de Meneses na qual solicita informações sobre os tipos de
delitos que deviam ser julgados pela Junta da Justiça de Vila Rica.).
447
DUTRA, Eliana Regina de Freitas- Op.cit, p.70.
sedição de 1788-89 pode ser visto como o desfecho de um processo; não há um fosso que o
separa das reivindicações anteriores. Por outro lado, ele sugere uma ruptura radical quanto
à natureza das críticas e consequentemente na forma de expressar os descontentamentos e
projetos políticos alternativos448. Para alguns súditos das Minas que podiam notar a
profundidade da crise, as autoridades portuguesas deixaram de ser interlocutores válidos.
Assim, porque em 1788-9 observa-se uma alteração qualitativa quanto à consciência que
colonos tinham de sua situação, é que o ensaio de sedição merece uma análise isolada
naturalmente mantida a conexão com o que é possível estabelecer para os anos
precedentes.
*
Até 1788, os habitantes das Minas Gerais procuraram estabelecer um diálogo com
o Trono porque acreditavam que a percepção que tinham de sua pátria poderia auxiliar o
governo metropolitano na busca de alternativas à crise que já lhes era evidente. Não
obstante suas esperanças, suas opiniões não encontraram o respaldo desejado. Tal situação,
por si só, poderia ajudar a compreender porque em 1788-89 eclodiu uma conspiração que,
apesar de ter sido abortada, e ter ficado só no plano das idéias, foi uma resposta ao descaso
oficial. No entanto, cabe perguntar: por que só a partir de então o rompimento com o
Estado português passou a seduzir parcela da elite local?
É certo que em 1788, quando o governador Visconde de Barbacena chegou às
Minas com instruções claras do Ministro Martinho de Melo e Castro para aplicar a derrama,
a situação tornou-se incontrolável449. Assim como os demais habitantes, a elite local sentia-
se ameaçada diante da possibilidade de ter que pagar a dívida da Capitania que incidiria

448
Periodizar o ensaio de sedição não é tarefa fácil. No entanto, não devemos buscar sua origem em qualquer
manifestação de desagravo à Coroa. Márcio Jardim denomina-o como "movimento republicano de 1781-
1789", provavelmente baseando-se em alguns depoimentos da Devassa cujos pronunciantes acreditavam que
as articulações das idéias teriam se iniciado três ou até sete anos antes. JARDIM, Márcio- "Inconfidência
mineira; processo de conhecimento". In: Revista do Departamento de História. nº9, Belo Horizonte,
FAFICH/ UFMG, junho de 1989, p.64. No entanto, o próprio escrivão da devassa aberta nas Minas, José
Caetano César Manitti, considerava que, "e bem que se não possa fixar o tempo certo em que o mesmo teve
princípio (...) contudo, é verossímil que ele tomasse maior calor desde os fins do ano de 1788 e,
especialmente, pelos subseqüentes meses de janeiro e fevereiro do ano pretérito [1789], em que se chegaram
a juntar nesta capital [Vila Rica] a maior parte dos chefes denunciados". ADIM- Op.cit, Volume 8, pp.260-
1.
449
"Instrução para o Visconde de Barbacena..."- Op.cit. Referindo-se às revoltas anti-fiscais do período
colonial afirma Figueiredo: "O simples anúncio de novos tributos motivava na população uma enorme
inquietude, quase sempre gerando contestações imediatas. Tradicionalmente o medo às novidades constituiu
elementos de instabilidade social no Velho Mundo, situando-se na raiz de muitos protestos". FIGUEIREDO,
Luciano- Revoltas, fiscalidade...- Op.cit. p.87.
sobre cada indivíduo conforme o cabedal acumulado. Sabiam que, na condição de
proprietários, arcariam com a maior parcela, o que os atemorizava a ponto de reunirem-se
para calcular o valor que caberia a cada um. Vicente Viera da Mota, depondo como
testemunha nos Autos de Devassa, apesar de não lembrar quem estivesse presente numa
destas ocasiões, explicava que "esta computação que fez foi acidentalmente e só por mera
curiosidade"450.
No entanto, a derrama que preocupava os homens da elite local talvez nem fosse o
principal motivo de descontentamento, até porque esta não era a primeira vez que seria
aplicada451. Ao que parece, ela ganhou relevância no discurso dos sediciosos porque
serviria como pretexto, e para angariar aliados. Não há como esquecer que freqüentemente
a História das Minas confunde-se com movimentos antifiscais, cujo conteúdo anti-
colonialista nem sempre estava presente452. Mas é impossível atribuir esta natureza
fiscalista à conspiração de 1788-9. A sobrecarga fiscal, de fato, oprimia os homens da
Capitania, mas outros fatores são responsáveis pelo amadurecimento da percepção da
necessidade de supressão da dependência colonial. Não pretendemos dar conta aqui de

450
ADIM- Op.cit, Volume 2, p.80. Francisco de Paula Freire de Andrada foi inquirido a dar explicações sobre
ter ou não induzido Domingos de Abreu à sublevação, "dizendo-lhe que era o modo de evitar o pagamento de
seis mil cruzados que lhe haviam de caber na derrama; e que o dito Domingos de Abreu por este motivo
consentira, e se obrigara a dar alguns barris de pólvora". Idem, Volume 5, p.188. O pagamento da derrama
recaía sobre toda a população, inclusive nos eclesiásticos pois o Regimento não os isentava, desconsiderando
seus privilégios como membros do clero.
451
Foi lançada nos anos de 1763-64 e 1771-72, apesar do alvará régio de 1750 prever o lançamento anual.
FURTADO, João Pinto- Inconfidência Mineira- crítica historiográfica e diálogo com a historiografia.
Tese de doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. Sob a Orientação da Profa. Dra. Maria de Lourdes Mônaco Janotti.
São Paulo, 2000, p.262 (mimeo).
452
As rebeliões em Minas, em particular as da primeira metade do século, são um tema polêmico na
historiografia. Para Villalta, nos motins do sertão do S. Francisco em 1736 a ruptura dos laços com a mãe-
pátria foi cogitada. VILLATA, Luiz Carlos- 1789-1808: o império luso-brasileiro e os brasis. São Paulo,
Companhia das Letras, 2000. (Virando Séculos), p.54. Carla Anastacia, por sua vez, vai mais longe: sem
anular o caráter antifiscal destes movimentos considera também o motim em Pitangui (1717) e os
levantamentos de Catas Altas e Barra Velha como sendo de "soberania fragmentada". Segundo a autora, eles
referiam-se "às formas políticas coloniais", em particular à jurisdição de alguns ministros. Recusando
trabalhar com a dicotomia contestação X oposição, a autora não se desprende totalmente dela, porque
diferencia estes motins dos "de enfrentamentos com situações de soberania aguda, onde é possível detectar
um repúdio à Coroa". ANASTASIA- Carla Maria Junho- Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas
na primeira metade do século XVIII. Trabalho apresentado para o Concurso de Professor Titular na área de
História do Brasil. Departamento de História, FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, 1995, pp.43,66,123.
respectivamente (mimeo). Luciano Figueiredo, embora pretenda aproximar as inconfidências dos motins
coloniais, atribui a estes um conteúdo reformista, afirmando que "o fim do século XVIII é mesmo tempo de
cisão...Até ali o pensamento colonial não amadurecera". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas, fiscalidade...-
Op.cit, p.202. Sobre motins ocorridos na década de 20 ver FURTADO, Júnia Ferreira- Homens de
negócios...- Op.cit, pp.172-4.
todos os motivos que acirraram as insatisfações, mas elucidar especialmente um que nos
ajudará a entender porque neste ano de 1788 alguns homens das Minas, pertencentes à elite
local, entenderam que a fidelidade ao Trono não podia mais refletir seus sentimentos
políticos e desta forma projetaram um levante a fim de romper os vínculos que os
mantinham unidos a Portugal.
*
A Instrução que orientava o governador Barbacena caiu como uma bomba nas
Minas, não somente pelas medidas fiscais que deviam ser impostas, mas sobretudo pelas
mudanças que Melo e Castro exigia na estrutura administrativa453. Se acaso Barbacena se
orientasse por elas, como parecia disposto454, os homens da elite seriam prejudicados. Os
eclesiásticos eram acusados de vexar os povos, por lhes cobrarem impostos exorbitantes, as
conhecenças, sempre que estes demostravam publicamente a sua religiosidade455. Quanto
aos juízes e aos intendentes, estes eram censurados por eternizarem os processos judiciais, e
por nunca chegarem aos culpados nas devassas que investigavam as ações dos
contrabandistas. Os deputados da Junta da Fazenda, por sua vez, eram acusados de
prejudicarem o sistema de contratos ao beneficiarem seus protegidos, além do descaso com
a imposição da derrama. Até mesmo os militares eram criticados por Melo e Castro, ciente
das "abomináveis extorsões, latrocínios e outros abusos que se praticam"456. Alguns nomes
eram citados, as rixas entre as autoridades eram expostas, todos eram responsabilizados
pela decadência das Minas.
O tom das críticas, conforme se pode ver, não era leve. Acusava a todos de serem
coniventes com os desmandos dos poderosos que, sempre protegidos por representantes da
Coroa, conseguiam se inserir nos postos de comando e beneficiarem-se mediante o uso da

453
Maxwell dá o devido destaque a esta Instrução, que pode ser entendida como o móvel propulsor do ensaio
de sedição de 1788-89. O autor mostra, inclusive, o receio de Melo e Castro de que as investigações
mostrassem que a conspiração foi premeditada com a chegada destes seus escritos. MAXWELL, Kenneth- A
devassa da devassa...- Op.cit, p.207.
454
Logo ao chegar nas Minas, Visconde de Barbacena informava, em 4 de julho de 1788, a Martinho de Melo
sobre a brevidade com que desejava na "execução das ordens, que me [lhe] foram particularmente
recomendadas". AHU cx.4 doc.26 Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.120. A Ata da
Reunião do Governador com a Junta da Fazenda de Minas, realizada quinze dias depois, não esconde o apreço
do Visconde pelas idéias do Ministro. O escrivão e deputado da Junta transcreve trechos inteiros da Instrução,
possivelmente porque a tivera em mãos. Em vista destes primeiros dias do governo de Barbacena, tudo indica
que ele seguiria à risca as diretrizes do Ministro se o projetado levante não fosse descoberto. AHU cx.129
doc.7 Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, pp.121-132.
455
As conhecenças eram taxas cobradas para a realização de missas e liturgias.
456
"Instrução para o Visconde de Barbacena..."- Op.cit, p.63.
autoridade da qual passavam a ser revestidos. Desde que tomou posse do cargo
anteriormente ocupado por Pombal, em 1777, a Melo e Castro desagradava a autonomia
conquistada pela elite local, e se nem sempre lhe pareceu viável afastá-la dos cargos de
mando, "adotou medidas para diminuir seu poder, tirando-lhes algum privilégio"457. No
entanto, em 1788, com a chegada da Instrução, o que já era sentido como uma ameaça
estava prestes a se concretizar, para desagrado dos súditos que em esfera local ocupavam
postos na hierarquia política, eclesiástica e militar458.
A visão do Ministro de que as autoridades coloniais eram corruptas, e os vassalos,
por sua vez, eram infiéis, não era diferente daquela sustentada nas correspondências oficiais
analisadas anteriormente, mas Martinho de Melo e Castro agora parecia disposto a travar
uma guerra que até então havia sido adiada. As representações já não serviriam para os
homens da elite livrarem-se das acusações, já que o Ministro considerava que as Câmaras
serviam "de todas as astúcias (...) com que tantas e tão repetidas vezes têm surpreendido os
predecessores de V.S. [de Barbacena] igualmente a esta Corte, querendo atribuir à
decadência, e estagnação as faltas que têm havido na contribuição do quinto; as reflexões,
porém que ficam acima indicadas, principalmente nos §§ 56 e57, fazem bastantemente
[sic] conhecer o crédito que se lhes pode dar"459. O diálogo estava encerrado, o rigor de
suas palavras não dava espaço para que os homens da elite se defendessem, com o que uma
parcela importante deles enveredou pela alternativa radical, buscando responder ao rigor de
Melo e Castro com o confronto que levaria ao rompimento com Portugal.
*
De qualquer forma, dada a intensidade das críticas e das propostas, a chegada da
Instrução para o Visconde de Barbacena instaurou um clima de tensão que, como já
dissemos, atingia a todos. Evidentemente, os escritos do Ministro foram lidos por muito

457
VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.148.
458
Segundo Laura de Melo e Souza, "já no final do período, os poderosos compunham uma verdadeira
oligarquia, perfeitamente inserida na estrutura do poder até o governo de Cunha Meneses", e depois de citar
os acusados de sedição Alvarenga Peixoto, Álvares Maciel, Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, o Padre
Rolim e João Rodrigues de Macedo como pertencentes a esta oligarquia, conclui: "Tratava-se portanto de um
grupo poderoso que só discordava da estrutura de poder quando se vira afastado de seus privilégios e
onerados pela taxação, com a qual a situação financeira de vários deles não podia arcar". SOUZA, Laura de
Mello e- Desclassificados do ouro...- Op.cit, p.138.
459
"Instrução para o Visconde de Barbacena..."- Op.cit, p.88 §78. Nestes dois parágrafos citados, o Ministro
mostrava-se indignado que os habitantes "ao mesmo tempo que (...) fraudavam a real fazenda [através do
extravio], se queixavam a esta Corte das violências que sofriam com os métodos estabelecidos [para a
cobrança do quinto]". Segundo ele, "tão antiga é a prática destes enganos". pp.68-9.
poucos, mas rapidamente o seu conteúdo ia sendo conhecido e comentado. Em vários
momentos, encontramos nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira referências a esta
Instrução460.
Para muitos o conteúdo destas páginas não era propriamente uma novidade, em
particular aquelas partes concernentes ao estado da administração pública que estava nas
mãos de homens ambiciosos que, levados por interesses particulares, prejudicavam o bem
comum. Muitas autoridades nas Minas já haviam se debruçado sobre o assunto. O
governador Luis Diogo Lobo da Silva 24 anos antes se alarmava com a "falta de disciplina
de todas as milícias"461 e o Conde de Valadares queixava-se dos superintendentes que,
"talvez levados do interesse dos salários que hão de receber", acolhiam as interpretações
erradas dos advogados sobre o Regimento das Minas de 1702, que tanto favorecia os
mineiros endividados462. Também Antonio Joaquim de Vasconcelos e Souza acusava os
oficiais da Câmara de Vila Rica de aceitarem as propinas e subornos dos contratadores463.
Contra esta situação é que, em 1780, Teixeira Coelho propunha uma espécie de saneamento
administrativo da Capitania, o que poderia ser feito se as leis metropolitanas fossem
observadas. Na sua transcrição das "determinações régias que devem saber os
governadores"464, enfatizava sobretudo aquelas que regulamentavam os salários e as
propinas, a que organizava o sistema de provimento de cargos e a que moralizava a conduta
de seus ocupantes.
De fato, muitos funcionários locais estabelecerem redes de protegidos e burlarem
as leis para beneficiá-los era algo muito comum nas Minas, prática que Teixeira Coelho e
outras autoridades que lhe sucederam queriam ver extinta. O governador D. Rodrigo José
de Meneses, em 1781, informava Melo e Castro dos abusos dos deputados da Junta que

460
Na carta denúncia de Basílio de Brito Malheiro do Lago, cujo interlocutor era Barbacena, fica claro o
quanto os mais abastados da Capitania sentiam-se oprimidos com a chegada da Instrução: "E as sementes que
tem espalhado, para fazer V. Excia [o governador] odioso com o povo, são que V.Excia. trouxera instrução
de Martinho de Melo para que fizesse o governo de forma que não deixasse criar a homem algum de Minas
mais que dez mil cruzados; e, se não tivesse por onde lhes pegar, que os prendesse por inconfidentes e os
mandasse para lá". ADIM- Op.cit, Volume 1, p.105. O mesmo Basilio dizia ainda que um clérigo (o qual não
identifica) ao saber das ordens escritas a Barbacena assim comentou: "Eu não sabia disto. Se assim é, podem
pôr-se fora da obediência de um rei tirano". A conversa teria se dado numa estalagem. ADIM- Op.cit,
Volume 2, p.451.
461
AHU cx.84 doc.69 f.3.
462
AHU cx.99 doc.12 f.2.
463
AHU cx.81 doc.24 f.3.
464
COELHO, José J.Teixeira- Op.cit, pp.94-99.
concediam os ofícios de Justiça "só aqueles que tinham merecimento de serem da sua
prioridade, ou empadrinhada"465. Um ano depois foi a vez do ouvidor de Vila Rica
contestar a reputação da Junta, que concedia a arrematação dos contratos a pessoas de
duvidosa idoneidade, pelo que considerava necessário a "eleição de um magistrado de
maior autoridade, de conhecido zelo, inteireza e prudência, que saiba regular o vigor das
execuções fiscais"466.
Também os moradores queixavam-se desta situação abusiva, os povos da Comarca
do Serro Frio, em 1781, reclamavam do ouvidor da mesma comarca, Joaquim Manoel de
Seixas Abranches, "e pessoas de que se acompanha para exaurir o sangue dos povos a
título de justiça sem temor a Deus, e às leis de Sua Majestade"467. Denunciavam ainda os
excessos que aquele cometera para fazer Manoel José de Souza juiz de órfãos, "um homem
mau, de má consciência, perturbador do sossego público". "Contra toda a forma de lei",
complementavam, o ouvidor procurou "para eleitores pessoas de molde para seu
partido"468.
Exemplos similares são freqüentes durante todo o período, as arbitrariedades de
muitas autoridades alarmando os que se preocupavam com o caráter dos homens que,
protegidos, conseguiam pertencer ao corpo burocrático. Também os camaristas dedicaram
espaço nas representações para tratar deste assunto. Em 1765, os de Vila Nova da Rainha
queixavam-se à Rainha que os povos das Minas eram "oprimidos com vexações, e
extorsões, que lhes fazem os servidores de Vossa Majestade; e da República, em que a
justiça se tem convertido em injustiça"469. Preocupados com este "corpo político
gravemente enfermo" propunham soluções "antes que passe a cadáver"470, como a criação
de uma cargo de ministro que fosse ocupado por alguém que desse provas da sua
"literatura, limpeza de mãos, jurisprudência, e inteireza, e constância de ânimo". Tais

465
AHU cx.117 doc.81 Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.102.
466
AHU cx.118 doc.8 f.5.
467
"A Justiça na Capitania de Minas Gerais". In: RAPM. Ano III, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas
Gerais, 1899, p.10 .
468
Idem, pp.13-14.
469
AHU cx.86 doc.31 f.1. Os camaristas de Mariana expunham as violências dos oficiais de justiça do termo
de São José, pois os moradores de algumas localidades do termo da cidade "vivem aflitos, e temoratos [sic],
como se residissem, em fronteiras de inimigos contrários como já a Vossa Majestade F, expuseram os nossos
antecessores". AHU cx.89 doc.28 f.3.
470
AHU cx.86 doc.31 f.3.
qualidades, valorizadas por muitas autoridades, para os camaristas eram indispensáveis
"para preservar a estas ovelhas dos lobos"471.
No entanto, a preocupação maior era com os gastos necessários para manter um
número excessivo de funcionários a serviço da Coroa. O intendente dos diamantes, Luis
Beltrão de Gouveia, quando por volta de 1779 escreveu seu plano de melhoramento da
arrecadação do quinto, considerou que prover as Casas de Fundição "de oficiais supérfluos
(erro de todas as instituições portuguesas, por isso consome toda utilidade em despesa)"
era um "erro próprio de fato (?) do caráter nacional"472. Tal prática, segundo ele, precisava
ser abolida, pois "a causa pública pede economia"473.
Também os habitantes da Capitania sentiam-se prejudicados pelo aumento
exagerado do corpo administrativo e eclesiástico, já que também recaia sobre eles parte das
despesas envolvidas. Já na década de 60, os moradores da Campanha do Rio Verde,
Comarca do Rio das Mortes, reclamavam dos "excessivos emolumentos, que costumam
levar os oficiais de Justiça da dita cabeça da comarca nas citações e mais diligências (...)
o que também sucedia a respeito dos juizes das sesmarias e dos órfãos, os quais nos seus
avultados emolumentos e dos seus oficiais, que os acompanham"474. Demonstravam grande
ressentimento quanto ao hábito destes oficiais "passarem cartas de semelhantes ofícios a
todos, ou a grande parte dos que pedem por interesses particulares, sem a indispensável
atenção que se devia ter a não se concederem senão aos precisos e necessários para a boa
arrecadação da Fazenda Real". Desta forma, continuavam os moradores, o número de
oficiais chegava a mais "de mil e oito centos homens na Capitania das Minas Gerais, coisa

471
Idem, ibidem.
472
AHU cx.115 doc.71 f.4. Neste caso, não é possível saber com precisão o significado do termo "nacional"
uma vez que, embora estivesse analisando o caso específico das casas de fundição nas Minas, fazia referência
também a outras instituições portuguesas.
473
Idem, f.7. O bacharel Francisco Barbosa de Miranda Saldanha preocupado "com os ordenados suposto o
método da fundição", propunha em seu plano, analisado em 1780 pelo Conselho Ultramarino, a extinção do
cargo de Intendente das casas de fundição, dos quatro escrivães e de "outros tantos meirinhos". AHU cx.116
doc.25 f.5. Também Coelho, neste mesmo ano, propunha a extinção e a redução "de muitos cargos das casas
de fundição". COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, pp.289-290. Três anos depois, o governador D.Rodrigo José
de Meneses propunha a extinção do cargo de guarda-mor, que ganhava um alto salário por este "ofício (...) tão
inútil". AHU cx.199 doc.35. Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.108. Sobre a
preocupação com as despesas das folhas civil, militar e eclesiástica, em particular no governo de Melo e
Castro, ver: GUERZONI, Gilberto- Op.cit, pp.56-58.
474
"Consulta da Capitania de Minas Gerais".- Op.cit, 1906, pp.236-240.
na verdade exorbitante"475. Com precisa regularidade, as queixas dos camaristas e dos
moradores incidiam num mesmo ponto: os povos que não conseguiam sequer pagar
corretamente os impostos viam-se ainda vexados por ter que pagar propinas a um corpo de
funcionários corruptos.
Neste sentido, suas críticas revelavam uma outra face da corrupção, ignorada pela
administração metropolitana. Os contratadores, que eram mal vistos pelas autoridades de
Lisboa porque não repassam os impostos arrecadados476, eram motivo de queixa para os
habitantes devido à forma pela qual os cobravam. Em 1770 os oficiais da Vila de São José
reclamavam que os contratadores dos dízimos "procuram o maior lucro com notório
vexame destes habitantes"477. Suas cobranças "parece[m] tirânica[s] porque os
contratadores nos seus ajustes não distinguem os anos, e menos as posses dos moradores
com respeito do presente e do passado"478. Assim, esperavam que o monarca "com
particular providência" evitasse "a total ruína destes Estados, e vexame de seus
moradores, coibindo o particular com modo de uns oposto ao universal de todos"479.
Se a distância entre as Minas e o Reino permitia às autoridades locais agirem
conforme seus interesses, contrariando na maior parte das vezes as diretrizes e leis
metropolitanas, as medidas de Pombal com vistas à cooptação da elites coloniais veio
agravar ainda mais este quadro, com a concessão de cargos tornando-se prática usual e
onerosa. Assim, durante o período, não foram poucas as queixas de autoridades reinóis,
camaristas e moradores contra o inchaço da folha civil e militar, contra os altos ordenados
que desfalcavam ainda mais as receitas, e principalmente contra as arbitrariedades de
homens que, graças ao incentivo do Ministro de D.José, conseguiam se inserir no aparelho
burocrático, não porque fossem úteis à Coroa, mas porque a sombra dela poderiam lançar
mão de instrumentos do Estado para a satisfação de seus interesses particulares.
*
Desta forma, se parecia a todos que uma reforma na administração era necessária
para cessar os abusos das autoridades que vexavam os povos e prejudicavam a arrecadação

475
idem, p.240. Ver também: AHU cx.107 doc.12 f.1 (oficiais da Câmara da Vila de São José reclamavam em
1774 sobre os "salários exorbitantes" dos "oficiais da Real Fazenda").
476
Ver "Instrução para o Visconde de Barbacena..."-Op.cit, p.96.
477
AHU cx.98 doc.50 f.1.
478
idem, f.2.
479
idem, f.3. Ver também: AHU cx.107 doc.11.
dos renditos reais, a pergunta pertinente diz respeito ao porque de gente da elite ver-se
ameaçada com o fato de Melo e Castro querer instituí-la. Na verdade, as queixas expressas
pelos camaristas contra a corrupção não os isenta, assim como aos seus clientes, seus
protegidos, de participarem também destas ações abusivas. Engana-se quem perceber em
suas palavras um discurso moralizante, no sentido da corrupção ser vista como uma prática
ilegal que desmoraliza os princípios do bom governo480. Na verdade, suas queixas inseriam-
se na luta travada com as autoridades reinóis em disputas envolvendo cargos, jurisdições ou
precedências. Assim, os envolvidos denunciavam-se mutuamente, para que Lisboa tomasse
partido neste embate de interesses particulares481.
Entre estes embates, aquele que teve Tomás Antonio Gonzaga e o governador Luis
da Cunha Meneses como protagonistas tornou-se o mais conhecido, graças à repercussão
que as Cartas Chilenas ganharam em nossa historiografia482. Também Melo e Castro deu
enorme importância às rixas entre o ouvidor e o capitão-general, chegando inclusive a citar
o episódio da arrematação do contrato das entradas no triênio de 1785-1787 para mostrar
como a Junta administrava de forma errônea a Real Fazenda naquela Capitania. Para o
Ministro, a disputa que ambos empreenderam a favor de seus protegidos demonstrava que
"não são os interesses da mesma Fazenda os que ali se promovem, são os particulares em
que tão somente se cuida; não são os homens abonados, de crédito e segurança, os que se
preferem para os contratos, são os afilhados os que regularmente os levam"483.

480
"Os exageros nas falcatruas era o que verdadeiramente irritava. É ingenuidade supor entre os espíritos de
colonos portugueses na América uma moralidade avessa à corrupção e desejosa de extirpá-la. Apenas em
determinadas circunstâncias a corrupção tornava-se incômoda". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas,
fiscalidade...- Op.cit, p.306. "...dentro de certos limites, a corrupção tornava-se legítima e adequada ao modo
como se vivia a sociabilidade". SILVEIRA, Marco Antônio- Op.cit, p.33.
481
João Furtado segue esta mesma perspectiva e considera que os inconfidentes eram "co-partícipes e gestores
das estruturas de poder implantadas" nas quais imperava "as tumultuosas ambições, desordens, prepotências e
tiranias". Segundo ele, não eram "generosos paladinos", como pretende o historiador Lúcio Santos em sua
obra escrita em 1927. FURTADO, João- Op.cit, p.29.
482
Sobre as Cartas Chilenas ver: FURTADO, Joacir- Op.cit. Sobre as rivalidades de Gonzaga com outras
autoridades locais ver: Oliveira, Almir de- "Um juiz do Século Dezoito". In: RIHG/ MG. Volume 8, Belo
Horizonte, 1961, pp.47-61. Ver ainda a carta escrita por Gonzaga a D. Maria I expondo os excessos e abusos
cometidos pelo governador Luis da Cunha, que se intrometia em áreas da competência do ouvidor. AHU
cx.121 doc.34. Outro exemplo do conflito entre autoridades locais é aquele travado pelo governador D.
Rodrigo José de Meneses com a Câmara de Vila Rica em 1783. LAPA, M. Rodrigues da- "Um Conflito da
Câmara de Vila Rica com o governador em 1783". In: RIHG/ MG. Volume 8, Belo Horizonte, 1961, pp.29-
46 e AHU cx.120 doc.8 Apud Valadares, Virgínia & Reis, Liana- Op.cit, pp.116-119.
483
"Instrução para o Visconde de Barbacena..."- Op.cit, p.101. "E a Fazenda Real no meio destas
escandalosas contestações, órfã e abandonada, servindo tão somente de pretexto a cada um dos dois partidos
para promoverem os interesses dos seus afilhados". idem, p.100.
Esta imparcialidade do Ministro, que não se posicionou neste caso a favor de
nenhuma das partes envolvidas, contrariava sua tendência de querer reformar
principalmente aqueles órgãos aos quais os homens das Minas tinham acesso, favorecendo
os reinóis nas disputas. Sua política visava reduzir os poderes que a elite local alcançara no
período pombalino, quando cargos, privilégios e mercês foram distribuídos em troca de
apoio ao projeto colonial484. Pombal acreditava que a eficácia da administração na América,
ameaçada com o declínio da extração de metais e a redução das rendas régias em vários
setores da economia colonial485, dependia da cooptação dos principais da terra, o que
envolvia o acesso daqueles aos postos burocráticos486. Por ordem régia de 16 de junho de
1760, isentava os governadores de "poder prover postos vagos sem propostas das
Câmaras"487. Também os cargos de intendente e fiscal das Casas de Fundição "não seriam
escolhidos entre os magistrados, mas entre os proprietários locais mais abastados, indicados
pelos votos das câmaras municipais e aprovados por um funcionário superior- o ouvidor-
do distrito"488 Também é do governo pombalino a criação, em 1771, da Real Junta da
Fazenda em Vila Rica, que tinha como objetivo, não só a centralização da cobrança dos
tributos, mas da arrematação dos contratos, que até esta data era feita em Lisboa. A partir
de então, todos os arrematantes passaram a ser colonos489.
Com o acesso da elite local aos cargos públicos Pombal pretendia, em última
instância, reduzir as diferenças entre os súditos nascidos no Reino e os nascidos na Colônia,
na medida em que afrontava o prejuízo mediante o qual estes eram tradicionalmente vistos
como incapazes de ocupar postos administrativos490. A política pombalina reconhecia,

484
"A instrumentalização da política de privilégios constituiu um importante aliado na política ultramarina
para estimular e ao mesmo tempo domesticar a fidelidade dos súditos". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas,
fiscalidade... - Op.cit, p.425.
485
SALGADO, Graça- Op.cit, p.61.
486
MAXWELL, Kenneth- A devassa da devassa...-Op.cit, p.87 e FURTADO, Júnia- Homens.. - Op.cit,
p.41.
487
Segundo Teixeira Coelho em seu catálogo de algumas determinações régias que devem saber os
governantes. COELHO, José J. Teixeira- Op.cit. p.95.
488
MAXWELL, Kenneth- A devassa da devassa...- Op.cit, p.30.
489
FURTADO, Júnia - O livro da Capa Verde...- Op.cit, p.141. Segundo Luciano Figueiredo "a criação das
juntas de Fazenda nas capitanias abriu espaço para a atuação das elites locais na política de arrecadação e na
administração das receitas". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas, fiscalidade...- Op.cit, introdução. Também
no Distrito Diamantino, "a Real Extração era uma grande fonte de empregos para a população local. Se o
cargo de intendente era geralmente ocupado por um indivíduo vindo de fora, quase sempre português, o
mesmo não acontecia com os outros cargos logo abaixo". FURTADO, Júnia- O livro...- Op.cit, p.117.
490
Segundo Russell-Wood, durante todo o período colonial pode-se perceber nas correspondências oficiais "a
presença de uma ênfase, como que um texto subjacente, no tema da degeneração associada tanto à terra
assim, a potencialidade dos homens das Minas em contribuírem com o projeto político do
Trono. Essa atitude estava inserida numa política mais abrangente do governo pombalino,
na qual o próprio conceito de súdito era ampliado a partir da matização dos critérios que
tradicionalmente distingiam os vassalos portugueses entre si, conforme suas crenças, raças
ou condições atribuídas pelo nascimento. Ao permitir o casamento entre índios e brancos na
Colônia, ao propor o fim da distinção entre cristão-novos e cristãos-velhos, assim como ao
abolir o requisito de limpeza de sangue na admissão aos quadros das irmandades
metropolitanas e ultramarinas, Pombal tratou de incorporar à sociedade civil grupos que
viviam à sua margem, permitindo que estes sentissem pertencentes à nação, da forma como
esta era entendida pelos padrões do Antigo Regime491.
Pombal, além de mostrar forte inclinação às teorias ilustradas, tinha motivações
pessoais para favorecer os vassalos que tradicionalmente viam-se preteridos no acesso aos
cargos políticos por não pertencerem à nobreza de sangue. Sua própria trajetória explica a
luta que empreendeu para alterar os valores hierárquicos que escalonavam os súditos
portugueses, pois por nascimento não teria direito ao cargo de Ministro que veio a ocupar,
muito menos de ter se tornado Conde, em 1759, e Marquês sete anos depois, quando tinha
71 anos de idade. No seu caso, os serviços prestados a D.José foram suficientes para
nobilitá-lo, não obstante a condição de seus ancestrais492.
Martinho de Melo e Castro, ao assumir em 1777 o posto de Ministro do Ultramar,
embora não tivesse voltado atrás em muitas das medidas tomadas por seu antecessor, lutou
para restabelecer os códigos hierárquicos, até porque o projeto pombalino, que pretendia
tornar a elite local uma aliada, não dera resultados, antes possibilitando que ela

quanto aos 'filhos da terra' ", o que certamente explica a "relutância da Coroa em aprovar a indicação de
pessoas nascida no Brasil para a ocupação de altos caros públicos". RUSSELL-WOOD, A.J.R.- "Centros e
Periferias no Mundo Luso-brasileiro, 1500-1808"- Op.cit, pp.195-7. Sobre a cooptação das elites locais no
período pombalino ver: FALCON, Francisco José Calazans- A época pombalina...- Op.cit. Para o caso
específico da Capitania das Minas Gerais ver: GUERZONI FILHO, Gilberto- Op.cit.
491
Segundo Júnia Furtado, o alvará de 25 de maio de 1773 proibia "a sediciosa e ímpia distinção de Cristãos
Novos e Cristãos Velhos" para "manter a tranqüilidade pública da mesma Igreja e dos mesmos vassalos em
paz e em sossego, removendo dela e deles o que é opressão e violência e tudo o que os pode dividir, e
perturbar neles a uniformidade de sentimentos, que constituem a união cristã e a sociedade civil que, à sombra
do Trono, devem gozar de uma inteira e perpétua segurança". FURTADO, Júnia- Homens...- Op.cit, pp.44-
45.
492
TEIXEIRA, Ivan- Mecenato pombalino e poesia neoclássica. São Paulo, Editora da Universidade de São
Paulo, 1999, p.33.
conquistasse espaço para colocar seus interesses acima dos régios493. Neste sentido, a
indistinção pretendida por Pombal acirrou a disputa entre reinóis e colonos pelos cargos de
maior distinção na Colônia, disputa evidentemente restrita aos cargos que licitamente
poderiam ser ocupados pelos naturais da terra. É significativo que nos únicos documentos
encontrados em que a naturalidade peninsular se contrapunha à americana sejam datados
do período pombalino, o que vem comprovar que de fato instaurou-se neste período uma
disputa sem precedentes em torno da naturalidade enquanto critério qualificador para
acesso a cargos.
Em 1763 os oficiais da Câmara de Vila Rica expunham ao Rei que há alguns anos,
desde que "alguns advogados naturais da terra" entraram no governo, "não só se viu o bem
comum perturbado" com as despesas do Senado tornaram-se avultadas. Achou por bem o
Ouvidor e Corregedor da Comarca de Vila Rica excluí-los do governo, mas estes homens
perturbaram as novas eleições, injuriando os candidatos reinóis. Isto quando, "nas mais
ocasiões [não têm] outro maior brasão, do que apelidarem-se filhos nossos, e só nesta
ocasião intitulavam a todos os de Portugal homens comuns, com outros mais opróbrios"494.
Diante disso, os oficiais defendiam os nascidos em Portugal "a quem os naturais da terra
desprezam", porque "são tão bons os que tem povoado, e dilatado este Império de Vossa
Majestade, comerciando todas as fazendas do Rio de Janeiro para as Minas, penetrando as
entranhas da terra para a extração do ouro, para o Real Quinto, e bem comum,
estabelecendo fazendas, ideando engenhos de minerar, e ocupando imensos e copiosas
fabricas na agricultura, e lavoura de ouro: eles são enfim os rematantes dos muitos
contratos de Vossa Majestade nestas Minas, e não os naturais dela". Assim, depois desta
exposição alongada dos méritos reinóis, os camaristas "suplicam a Vossa Majestade, [que]
ponha neles, os olhos da Sua Real Piedade, mandando que prefiram os referidos empregos,
visto preferirem na utilidade que dão ao Erário Régio"495.

493
"A forma de cooptação dos funcionários, baseada na concessão de privilégios e vantagens, tornava ainda
mais difícil a separação dos interesses particulares, de caráter privado, dos públicos do Estado". FURTADO,
Júnia- Homens...- Op.cit, p.182. A autora refere-se às primeiras décadas do século XVIII, quando as
dificuldades da implantação do aparelho burocrático nas Minas tornaram necessário o recrutamento de
naturais da colônia aos postos burocráticos, no entanto, não na mesma escala com que tal prática será feita na
segunda metade do Setecentos.
494
AHU cx.81 doc.16 f.2.
495
idem, f.1. Desconhecemos qualquer estudo sobre a naturalidade dos homens que ocupavam postos nas
Câmaras das Minas Gerais. No entanto, a historiografia tem enfatizado que estes órgãos, em toda a América
portuguesa, representavam os interesses das elites locais, porque, segundo Russell-Wood "a elegibilidade dos
Nesta representação está patente a preocupação dos reinóis quanto à possibilidade
da perda de seus cargos para os homens nascidos nas Minas, gente que, pelo teor das
representações analisadas, ocupava a maior parte das cadeiras nos Senados da Câmara na
Capitania. Esta tendência de conceder aos naturais das Minas maior representatividade
política, em detrimento dos peninsulares, desagradava também ao governador Diogo Lobo
da Silva, que não via com bons olhos conceder os cargos aos habitantes da Capitania
quando estes não possuíam as qualidades necessárias para exercê-los. Em 1767, quando
recebeu a Instrução Secretíssima, escreveu à Corte afim de informá-la da dificuldade de se
achar nas Minas homens capazes de auxiliá-lo nesta diligência. Acusava os habitantes, que
possuíam alguma autoridade política, de não guardarem segredos de assuntos importantes:
"se constituem hoje nos seus particulares conceitos de inteligência proporcionada a
falarem públicas, e sem reparo nas matérias mais sagradas e de que tem o menor
conhecimento, com cuja liberdade vendo-se elevados a doutor [?], e nas câmaras, porque
não há outros de que se escolham ou muito poucos, de que se porão tirar revestidos [?] das
qualidades necessárias"496 .
Também o Provedor da Fazenda de 1769, João Caetano Soares, questionava o
recurso aos colonos, a seu ver ambiciosos que extrapolavam o poder que lhes era conferido.
O provedor eximia-se de dar maiores informações sobre os rendimentos nas Minas, por
saber que o governador Valadares já havia dado conta desta matéria e "como este fidalgo
me honra muito" não haveria porque repetir o que já havia sido dito. Agindo desta maneira
desejava "mostrar que não sigo o sistema daqueles mineiros, que procuram embaraços
com os governadores, que o desejam ser no modo com que procedem, pois eu não aspiro a
mais do que cabe na minha pequena esfera"497.

que serviam em tais cargos públicos, assim como a elegibilidade daqueles que votavam, baseava-se no
rigoroso critério que a limitava aos homens bons" da terra. RUSSELL-WOOD- Op.cit, p.208. Bicalho, que
sustenta a mesma opinião, esclarece que "desde o século XVII, quase todas as intervenções legislativas da
Coroa, bem como a atuação dos magistrados, encaminharam-se no sentido de garantir que os ofícios nas
vereações e os cargos nas Ordenanças fossem de fato ocupados pelos principais da terra (...) De acordo com o
Alvará régio de 12 de novembro de 1611-que servia tanto para o Reino como para as colônias- os eleitores
deveriam ser selecionados entre 'os mais nobres e da governança da terra' (...) e que provassem ser 'sem raça
alguma'". Segundo a autora, a interferência de funcionários reais nas eleições municipais "criou ainda um
amplo campo de conflitos entre os integrantes da nobreza local e os representantes do poder central".
BICALHO, Maria Fernanda- Op.cit, pp.263-4.
496
AHU cx.90 doc.63 f.1.
497
AHU cx.94 doc.22 f.3 .
A nobreza da terra, alheia a tais denúncias, procurou tirar vantagem das intenções
de Pombal de admití-los nos cargos administrativos, continuando a reivindicar este
favorecimento mesmo depois de Martinho de Melo e Castro assumir o posto. Em 1779, na
consulta do Conselho Ultramarino quanto ao provimento do cargo de secretário do governo
das Minas, Manoel Moreira da Silva, natural da Capitania e um dos candidatos, anexou aos
papéis que seriam analisados "uma ordem tirada por certidão dos livros de registro da
Secretaria do Conselho Ultramarino, pela qual houve Vossa Majestade por bem que no
provimento dos postos militares, e ofícios da Justiça, e Fazenda, a prefiram os naturais da
América"498.
No entanto, naquele momento o candidato teria que lidar com a disposição de
Melo e Castro em romper com a prática de favorecer os filhos de Minas, em detrimento dos
reinóis, na admissão aos cargos administrativos. Estes homens, que "antes da queda de
Pombal, [que] direta ou indiretamente exercera[m] o governo da Capitania"499, a partir de
1777 viram suas chances de ascensão serem seriamente bloqueadas. Com a chegada da
Instrução de Melo e Castro, em 1788, estava clara a intenção do Ministro de controlar uma
situação que se arrastava, convencido de que nas Minas os interesses particulares
contrapunham-se aos da Coroa. As conseqüências desta resolução não foram poucas, pois o
Ministro tocou num ponto nodal e mexeu com os sentimentos políticos dos súditos. Pombal
poderia ter-se iludido ao acreditar que a concessão de cargos a elite seria uma forma de
conquistar a fidelidade destes homens, mas Melo e Castro não estava menos equivocado em
crer que medidas opostas àquelas teriam maior eficácia na satisfação dos interesses régios
nas Minas.
*
Um distanciamento da elite local dos postos administrativos impossibilitaria a
operacionalização da representatividade política conquistada nos decênios anteriores500.
Afastados das esferas de decisões, não encontrariam meios de participar dos debates em
torno do futuro de sua pátria, isto quando consideravam que sua participação era

498
AHU cx.114 doc.50 f.3.
499
MAXWELL, Kenneth- A devassa da devassa...- Op.cit, p.133.
500
É claro que nem todos os protagonistas do ensaio de sedição ocupavam um cargo de destaque que lhes
permitia estabelecer um canal de diálogo com o Rei e seus ministros, no qual poderiam expressar suas queixas
e esperançar que suas pretensões fossem atendidas. No entanto, estavam todos representados pelos camaristas
que, conforme já foi visto, falavam em nome de todos, de um bem comum, embora estivessem mesmo
preocupados com a situação da elite proprietária de lavras e de terras.
fundamental pela vasta experiência que tinham do País das Minas Gerais. Neste sentido, o
Ministro, ao lhe negar representatividade, ia na contramão da tendência cada vez mais
operante nos meios políticos, de que a opinião daqueles que tinham conhecimento da
Capitania era indispensável para o bom andamento da administração local.
Mas mantidos à distância dos centros de decisão, esses homens viam-se também
prejudicados financeiramente, pois a posse de cargos significava a possibilidade de
participar de esquemas bem remunerados501. Além disso, o afastamento do universo
político parece ter sido especialmente ameaçador pela perda de espaço que representava no
universo das representações simbólicas que os notabilizava em relação ao restante da
população502. Conforme Júnia Furtado, "o acesso aos cargos administrativos era forma
segura de rendimento financeiro, mas muito mais do que isto, era maneira de participar do
poder, de partilhar da honra inerente a tais funções, de fazer parte da pequena elite
colonial"503.
Naquele corpo social, aqueles que servissem à monarquia, em qualquer nível que
fosse, ocupavam um lugar de prestígio almejado por todos, mas que estava reservado a
alguns poucos pelas qualidades distintivas que portavam. Eram os dignos de serem tratados
com deferência por terem sido incluídos num grupo seleto: o dos representantes da Coroa.
Assim, quem os desrespeitasse estaria questionando toda a estrutura de poder, pois embora
ocupassem um posto de escalão subalterno, simbolizavam a autoridade do Rei, o topo desta
cadeia. É por esta razão que Pamplona exigia que os homens que viviam nas conquistas
reconhecessem sua autoridade: "Eu não quero poderes por vaidade, mas se a bondade de
Vossa Excelência [o governador] me sobe ao grau de uma dignidade distinta, é justo
Senhor que me faça conservar o respeito, de me ter honrado tanto"504.
A dignidade do cargo que cada qual ocupava devia ser lembrada cotidianamente
através de um aparato simbólico que reafirmasse perante todos a distinção social que lhes
havia sido atribuída. Em 1752, o governador interino José Antonio Freire de Andrada

501
No Distrito Diamantino, por exemplo, o usufruto de cargos administrativos "acrescentava privilégios
extras, como o direito de ter seus escravos escolhidos para trabalhar nas Minas, garantindo seus jornais aos
patrões, além de facilitar a participação destes nos extravios". FURTADO, Júnia- O livro...-Op.cit, p.48.
502
"Uma das poucas honrarias dispensadas aos integrantes das Câmaras era o direito de ocupar lugar especial
durante as cerimônias e festividades tornando público seu lugar social". FURTADO, Júnia- Homens....-
Op.cit, p.220.
503
idem, p.54.
504
SG cx.15 doc.12 f.3.
recebera um aviso que determinava que "a Câmara de Vila Rica continue o costume até
agora seguido de, nas suas funções ou das igrejas, saírem os seus oficiais de casa da
Câmara com suas varas, de capa e volta e com o estandarte arvorado, e voltando da mesma
maneira"505. Tratava-se de um ritual cênico que muito agradava àqueles que podiam
exteriorizar suas posições privilegiadas, não sendo de estranhar, portanto, que mesmo num
período de decadência, os camaristas não se queixassem dos custos das festas cívicas ou
religiosas, que recaíam sobre a população506. Algumas vezes os vereadores chegaram
mesmo a mostrar certa preocupação em ter que pagar por tanto luxo quando as finanças dos
Senados iam de mal a pior, mas nunca cogitaram propor a supressão do calendário local
destes dias festivos, palco privilegiado para ostentarem suas posições e méritos507.
Assim, naqueles dias de grande pompa a sociedade se auto-representava, já que o
papel atribuído a cada indivíduo nessa encenação nada tinha de aleatório, antes
correspondendo à importância que cada qual tinha naquele corpo social. Muito pouco
espaço era destinado às manifestações espontâneas, tudo era meticulosamente pensado com
antecedência: o figurino, a decoração e até as palavras e gestos. Estar encarregado de sua
execução era uma forma de alcançar notoridade508, daí que os organizadores empenhavam-
se nesta tarefa, baseando-se sobretudo nas conhecidas Relações, relatos de festas ocorridas
em outras partes do Império, nas quais encontravam descrições minuciosas que
empenhavam-se em seguir. Cada festa era a repetição de tantas outras, celebrando e

505
VEIGA, Xavier da- Op.cit, Volumes 1 e 2, p.349.
506
Foi na primeira metade do século XVIII que ocorreram nas Minas as festas de maior magnificência tais
como o Triunfo Eucarístico e o Áureo Trono Episcopal. Não encontramos para nosso período nenhum relato
de festejos como estes, no entanto, não são poucos os documentos que comprovam que também na segunda
metade do século as festas continuaram a ser realizadas, ainda que o aparato utilizado fosse mais modesto. O
que não nos parece nem um pouco improvável, pois se as festas eram um local privilegiado de afirmação da
ordem, eram ainda mais indispensáveis num contexto de crise e questionamentos. Sobre festas nas Minas
durante o período 1763-1786: AHU cx.81 doc.9(1763); CMOP cx.49 doc.25(1775); CMOP cx.50 doc.35
(1776); SG cx.09 doc.27(1778); CMOP cx.60 doc.19 (1786).
507
Em 1763 os camaristas de Vila Rica suplicavam ao Rei que quantificasse o quanto "hão de gastar em cada
uma das festas, em aplauso do nascimento dos Reais Príncipes e seus desposórios", porque "o extraordinário
das despesas que se fazem, tem posto esta câmara em grande empenho, tendo ela hoje, pouco mais da metade
do rendimento que em outro tempo teve". AHU cx.81 doc. 9 f.1.
508
Achamos um documento de 1775, cuja assinatura do autor esta ilegível, Antonio de (?), no qual este
agradecia aos oficias da Câmara de Vila Rica por "quererem a minha assistência na festividade do Corpo de
Deus", "obséquio" que o autor mostrava disposto a honrar. CMOP cx.49 doc.25 f.1.
consagrando os valores portugueses que, ao serem reproduzidos em todas as partes do
Império, nelas encontrava a expressão de sua unidade509.
As festividades nas Minas não fugiam à regra: também ali eram observados os
padrões "de costume em semelhantes ocasiões"510, os quais, já dissemos, permitiam aos
homens de destaque ostentarem perante todos a honra de pertencerem a um grupo seleto.
Desta forma, a elite local acolhia de bom grado os padrões ritualísticos portugueses que, se
de um lado consagravam a figura do soberano, serviam também aos seus interesses. Nunca
é demais lembrar que o acolhimento desta tradição expressava a adesão à identidade
portuguesa nas Minas Gerais, o que era de grande valia numa época em que as autoridades
metropolitanas viam nos súditos da Capitania gente merecedora de pouca confiança.
Não é de estranhar, então, que o desrespeito às regras que norteavam essas
representações fosse duramente criticado por aqueles que temiam que a violação dos
costumes, ainda que ocorresse num espaço restrito, pudesse ameaçar "a ordem aparente que
legitimava seu poder e privilégio"511. Nas Minas, provavelmente devido à relativa
indistinção social que lhe era característica no âmbito dos homens livres, o respeito a estes
códigos de comportamento era ainda mais valorizado. Conforme Furtado, "na sociedade
mineradora, apesar de sua aparente possibilidade de mobilização social, as relações
509
Poderiam estes mesmos códigos serem apropriados pelos habitantes, em momentos diversos, como se pode
apreender das palavras de Pamplona: "Não tenho do que me queixar do povo Excelentíssimo Senhor porque
em toda parte que tenho chegado tem se portado com demonstrações de alegria que deitaram (?) pelas portas
de noite luminárias, e em outras partes em missa cantada". SG cx.11 doc.4. Sobre as festas no Império
português ver os textos dos seguintes autores: Pedro Cardim, José Pedro Paiva, João Adolfo Hansen, Luiz
Geraldo Silva, Maria Lúcia Montes, Ana Cristina Araújo, Marco Antônio Silveira, Rodrigo Bentes Monteiro,
Emílio Carlos Lopes. In: JANCSÓ, István & KANTOR, Iris- Seminário Festa: Cultura e sociabilidade na
América portuguesa. São Paulo, Hucitec/ EDUSP/ FAPESP, 2001.
510
SG cx.09 doc.27.
511
SILVEIRA, Marco Antônio- Op.cit, p.142. Em 1774, o Ouvidor, o Provedor e o Intendente de Vila Rica
reclamavam que o governador, Antonio Furtado de Mendonça, desrespeitou "costume antigo nesta Vila"
quanto à disposição dos magistrados nas festividades da Igreja, ao colocar seu ajudante de ordens num lugar
acima destas autoridades contra ordem expedida em 1726 e em 1769. A "alteração daquele costume, podia
resultar desordens", informavam. "Violências de um governador". In: RAPM, Ano VI, fascículo1º, jan/março
de 1901, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp. 185-188. Quatro anos depois é a vez do
governador Noronha queixar-se da conduta do ouvidor e do intendente de Vila Rica, cargos que já não eram
ocupados pelas pessoas que escreveram a representação acima. "É costume nesta Capitania quando os
generais saem da capital para fora, irem-se acompanhar até certa distância, que o mesmo General não
consente que seja muito grande, todas as pessoas principais da terra, e Ministros dela: A este percizíssimo
[sic] cumprimento faltou o Ouvidor, tanto na ida que eu fiz para aquela importante Conquista, como na volta".
AHU cx.115 doc.59. Apud VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.98. Também Gonzaga queixava-
se nas Cartas Chilenas das arbitrariedades do governador Luis da Cunha Meneses que desrespeitava os
costumes nas Minas. "Cartas Chilenas". In: A poesia dos inconfidentes: poesia completa de Cláudio
Manoel da Costa, Tómas Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar,
1996, pp.787-896.
hierárquicas que se teciam entre os indivíduos desde o Reino eram essenciais para o
reconhecimento do lugar social que cada um ocupava. Mesmo com a possibilidade de
enriquecimento trazido pelo ouro, tratava-se, na realidade, de uma sociedade assentada na
tradição"512.
Assim, dada esta dupla finalidade, a de conferir visibilidade ao espaço que cada
um ocupava no corpo social, e de reafirmar a obediência política, as festas eram vistas
como importantes manifestações que não eram passíveis de questionamento nem mesmo
num período no qual seu luxo se contrapunha à miséria cotidiana. De fato, segundo relatos
da época, nos dias de festas os moradores se vestiam com tecidos luxuosos e decoravam
suas casas de tal forma que um estrangeiro que por ali passasse poderia acreditar que nas
Minas ainda se vivia um tempo de abundância e riqueza proporcionada pelo ouro. Para
aqueles que sustentavam que a observação da realidade da Capitania era a evidência mais
concreta da sua decadência, estes dias não poderiam servir para um exato conhecimento da
crise pela qual esta passava.
No entanto, os camaristas, por exemplo, sabiam que um observador atento não iria
se iludir com as falsas aparências; pelo contrário, se ele empreendesse um exame apurado
poderia inclusive notar que a ostentação era uma tradição que os habitantes das Minas
empenhavam-se em perpetuar, não obstante a decadência em que se encontravam. Por outro
lado, seus escritos mostravam o temor de que este "luxo descomedido" prejudicasse a
aceitação de suas propostas, afinal estavam certos de que nem todos os homens eram
capazes de ter uma visão tão clara das coisas, a ponto de perceberem que os desejos não se
ajustavam à realidade. Neste sentido, queixavam-se, caso dos de Mariana em 1789, dos
"vassalos de Sua Majestade [que] neste país (...) olham tão somente para uma falsa
reputação, (...) pertencendo, à imitação dos cômicos, e figuras teatrais, fingir com palhetas
douradas ouro maciço, e com vidros lapidados preciosa pedraria. Tal devemos pensar de
uma gente, que se contenta com o simples nome das coisas, com tanto que cavilosa e
sinistramente possa obter os seus efeitos reais"513. Coelho, que como vimos dava grande

512
FURTADO, Júnia- Homens...- Op.cit, p.51. Marco Silveira também aborda a questão, segundo ele apesar
da instabilidade social das Minas, a elite tinha um intenso desejo de distinção. SILVEIRA, Marco Antônio-
Op.cit, p.137.
513
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro"- Op.cit, p.147. Segundo
Sylvio de Vasconcellos, "com a formação das várias classes sociais, tende também o homem a galgar
posições cada vez mais elevadas, no que é contrariado pelo pauperismo em que, de certo modo, se debate.
importância às evidências concretas considerara, nove anos antes, que nas Minas "a
grandeza do fausto é o único caráter da nobreza e da fidalguia"514.
De qualquer forma, esta "afetada e vã nobreza"515 que encontrava nos dias festivos
uma rara oportunidade para se manifestar, reforça a possibilidade de compreensão de
quanto a Instrução de Melo e Castro foi recebida com desagrado. Afinal, ao impor sérios
entraves ao acesso aos cargos, a Instrução trazia a perspectiva da privação dos símbolos
poder e prestígio516, coisas de maior valia do que a remuneração recebida em troca dos
serviços prestados à Coroa portuguesa517. Para os homens que viam com verdadeiro horror
a perspectiva da indistinção em meio à massa dos homens comuns, as medidas propostas
pelo Ministro não poderiam de fato agradar518.
*
Assim, porque a perda de influência política vinha somar-se à ameaça da
indistinção social, a Instrução representara um duro golpe tanto para aqueles que já
ocupavam algum posto de comando, quanto para os que alimentavam pretensões de um dia
chegar a uma posição que lhes conferisse prestígio.
Melo e Castro, desta forma, não prejudicava somente os que, por pertencerem à
nobreza da terra, encontravam maior facilidade de, nas Minas, ascenderem aos almejados
cargos. Isto porque na Capitania, como parece ter sido comum em todo o Império, os
critérios hierárquicos tradicionais iam sendo relativizados à medida que se observava uma
mudança significativa no que se refere à economia e à mentalidade portuguesas ocorridas
após a segunda metade do século XVIII.

Decorre deste conflito o esforçar-se cada um por aparentar riquezas acima de suas posses, derramando-se em
vãs ostentações, prejudiciais, na maioria das vezes, ao verdadeiro conforto necessário à família. E quando não
pode então a vaidade objetivar-se individualmente, serve-se das iniciativas de cunho coletivo (festas e obras
religiosas), cujo êxito serve ao orgulho de seus realizadores". VASCONCELLOS, Sylvio de- Vila Rica...-
Op.cit, p.41.
514
COELHO, José J. Teixeira-Op.cit, p.155.
515
"Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro"- Op.cit, p.146.
516
Como bem observou Marco Silveira, "procurava-se sempre estar o mais próximo da fonte de todo o poder
e prestígio: além da administração, o rei também centralizava a distinção". SILVEIRA, Marco Antônio -
Op.cit, p.24.
517
Os oficiais da Vila de São José, em 1791, consideravam que havia "sujeitos que só pela honra dos ditos
cargos [Sargento-mor da Comarca] se interessam a serví-los gratuitamente". AHU cx.136 doc.81 f.7.
518
"Os dias de festa nas vilas coloniais eram ocasiões em que a elite aproveitava para ostentar sua condição
social. Vestiam-se com suas melhores roupas, montavam a cavalo, cobriam as janelas com tapeçarias e assim
distinguiam-se dos homens comuns e da massa escrava". FURTADO, Júnia- Homens...- Op.cit, p.78.
Os comerciantes, por exemplo, na sua maioria de ascendência cristã-nova, viram
suas chances de ingressar na carreira administrativa ampliadas, graças tanto à importância
que foram conquistando na economia do Império como um todo, quanto pela nova visão de
mundo, posta em prática por Pombal, que quebrou as tradicionais barreiras impostas aos
homens de "sangue impuro"519. Também a racionalização burocrática ao visar, entre outras
coisas, o aumento das rendas da Fazenda Real, deu grande impulso à venda de cargos nas
Minas, que podiam ser comprados por homens que acumularam grande cabedal, mas que
não tinham necessariamente as qualidades necessárias para exercê-los. Era, portanto, a
riqueza que tornava acessível o sonho de pertencer à elite local daqueles que outrora se
viam desqualificados para tanto por seu nascimento.
Nas Minas, aqueles que se aplicavam em bem servir à Coroa portuguesa podiam
ver seus méritos recompensados com a concessão de um título de fidalguia. Isto foi comum
entre os soldados que se destacavam nas campanhas militares no sul da América520, e
segundo o capítulo 9 da lei de 1750 também "as pessoas que metessem em alguma
daquelas casas [de fundição] a porção de 8 arrobas de ouro no espaço de um só ano,
pudessem requerer perante Vossa Majestade mercês de seu merecimento"521.
No entanto, se durante o governo pombalino os homens das Minas encontravam
chances cada vez maiores de se destacarem socialmente, a crise aurífera veio dificultar seus
projetos de distinção. No que diz respeito aos títulos concedidos aqueles que fizeram entrar
nas casas de fundição uma quantidade de ouro superior à estipulada pelo Regimento de

519
Desde a primeira metade do século pode-se observar um processo que favorecia o ingresso dos
comerciantes nos meios administrativos, que irá culminar no governo pombalino. Idem, pp.39-46. No entanto,
é possível perceber que muitas vezes a ancestralidade judaica, que grande parte dos comerciantes carregava,
se deixou de ser um empecilho ao acesso aos postos administrativos, continuava a pesar na escolha dos
candidatos a tais postos. Em 1786, o ouvidor a quem foi servido convocar "os povo desta Vila [do Príncipe] e
sua circunferência, que podem entrar na governança, para proceder na eleição" procurou "observar a lei e a
seguir o costume das terras mais bem regidas, chamando a elas os mineiros, roceiros, e lavradores com
preferência a escrivães, requerentes, mercantes e vedirzoens [sic], que se têm aqui introduzido sem
necessidade". SG cx.16 doc.34.
520
AHU cx.124 doc.52. Os soldados que se destacavam nos conflitos no sul da América portuguesa podiam
ser recompensados com promoções, com o Hábito de Cristo ou ainda através de retribuição em dinheiro.
AHU cx.110 doc.37 f.1. Outra forma de obter status, segundo Boschi, era ser membro de uma ou mais ordem
terceira, pois "significava ter acesso ao interior da nata da sociedade e trânsito facilitado nela, (...) significava
imediata obtenção de privilégios, graças e indulgências. Significava estar mais próximo do poder e ter a sua
proteção". BOSCHI, Caio- Os leigos e o poder...- Op.cit., p.20. Por este motivo, mais do que pelo excesso de
religiosidade dos habitantes de Minas, as ordens terceiras foram se multiplicando, embora "a decadência do
ouro no final do século XVIII refletiu diretamente sobre as Irmandades, que entraram em crise". FURTADO,
Júnia- Homens...- Op.cit, p.147.
521
AHU cx.87 doc.77 f.1.
1750, é pouco provável que muitos tivessem tido a mesma sorte de Joaquim José da Rocha
que, em 1786, requisitou o Hábito de Cristo por ter entregue em um ano mais de 8 arrobas
de ouro.
De qualquer forma, a Instrução de Melo e Castro veio agravar este contexto por si
só desfavorável às pretensões de nobilitação de muitos homens nas Minas. O que Melo e
Castro pretendia era restringir ao máximo os critérios que podiam conferir aos habitantes
títulos e mercês, critérios que haviam se tornado tão elásticos no período anterior. No
entanto, ao recorrer ao critério de naturalidade como elemento de diferenciação entre os
súditos, causou grande descontentamento entre os homens da elite local, que se viram
preteridos pelo favorecimento dos vassalos metropolitanos. As medidas do Ministro
tiveram por conseqüência a fragilização dos laços de identificação que os vassalos nas
Minas mantinham até então com a Coroa portuguesa. Neste sentido, ao ferir tanto a vaidade
quanto os interesses de membros da elite local, o Ministro abriu as portas para a busca de
alternativas políticas que passavam ao largo da tradicional adesão à casa de Bragança.
Quando alguns dos principais da terra perceberam que a adesão ao Estado português
significava perda de privilégios, cargos e cabedal passaram a pensar novas estratégias que
correspondessem às suas expectativas, e que necessariamente acarretariam num
remanejamento das antigas referências políticas.
*
A importância da Instrução dada à Barbacena para explicar a eclosão do ensaio de
sedição em 1788-9 não é destituída de sentido, principalmente quando se observa que os
protagonistas do movimento eram "da classe daqueles, que pelo seu estado, empregos e
cabedais se consideravam, e eram reputados dos mais distintos dela [sociedade]"522, como
escrevera Martinho de Melo e Castro por volta de 1790.
Embora os sediciosos não formassem um grupo homogêneo523, compartilhavam de
um ressentimento comum. Suas trajetórias individuais revelam as diferentes razões que
moviam cada qual a acreditar que um levante poderia ser-lhe benéfico. No entanto, unia-os

522
Apud MAXWELL, Kenneth- A devassa da devassa...- Op.cit, p.212.
523
Sobre o perfil dos sediciosos e a heterogeneidade do grupo ver: MAXWELL, Kenneth- A devassa da
devassa...- Op.cit, p.134-148 e o recente trabalho de FURTADO, João- Op.cit, pp.92-93. O primeiro procura
entender a diversidade do grupo através das tarefas, aptidões e motivações quanto ao levante, o que lhe
permite diferenciá-los em 3 grupos: os ideólogos, ativistas e homens de apoio logístico e financeiro. Furtado,
por sua vez, considera que traçar um perfil dos sediciosos apenas considerando estes termos é insuficiente
pelo que busca também as diferentes inserções no contexto econômico das Minas, conforme explica.
o fato de sentirem-se, todos, igualmente prejudicados pela posição de um Ministro que
desqualificava os homens da Capitania, não se preocupando com a importância que tinham
naquela sociedade ou com a qualidade de seus anteriores serviços à Coroa portuguesa. E
justamente porque se reputavam distinguidos dentre os habitantes das Minas, como afirmou
o Ministro, sentirem-se desonrados por uma Coroa incapaz de reconhecer seus méritos,
levou-os a admitirem que, se não pudessem mais bem servir ao Trono de Lisboa, serviriam
a um novo Estado que passaram a projetar.
Desta forma, observa-se uma mudança qualitativa no que concerne às atitudes, às
expectativas e aos desejos daqueles integrantes da elite local. Se até aquele momento
tinham por meta serem reconhecidos como legítimos vassalos da Coroa lusitana, a partir de
então propuseram-se a recusar os termos propostos pelas autoridades para a preservação da
harmonia entre vassalos e soberano, o que envolvia a recusa da adesão ao Estado e à nação
portugueses, sendo desta forma julgados, conforme carta régia de 1790, pelo "horrível
atentado contra a minha soberania, e suprema autoridade com que uns malévolos,
indignos do nome português, habitantes da Capitania de Minas Gerais, possuídos do
espírito de infidelidade conspiraram perfidamente para se subtraírem da sujeição devida
ao meu alto e supremo poder que Deus me tem confiado524.
Este rompimento envolvendo a recusa da identidade portuguesa unindo os
diferentes projetos políticos dos sediciosos, e que permeia todo o texto da Devassa,
certamente pode ser lido como uma resposta às novas diretrizes de Melo e Castro que
estavam profundamente marcadas pela polaridade reinóis-colonos. Como reação à intenção
do Ministro de desqualificá-los, reafirmavam suas qualidades, pois como "mazombos
também valiam e sabiam governar"525. A certeza de seus préstimos, somada à sensação de
injustiça, fez crescer nesses homens o desejo de criarem uma nova comunidade política
num território que até então era parte inquestionada do Estado português.
Neste sentido, se é possível notar que a diversidade dos interesses individuais
torna difícil que se tomem os sediciosos por um grupo coeso, é inegável que todos
sustentavam a mesma oposição aos portugueses do Reino, que se apossavam daquilo que

524
ADIM- Op.cit, Volume 7, p.116 (Carta régia de D.Maria I). Também Júnia Furtado atribui à questão da
perda de espaço no cenário político a razão para ter eclodido a conspiração de 1788-9. Segundo a autora,
"afastada de seus antigos cargos, parte da classe dominante mineira passou a articular um levante, no final do
governo de Cunha Menezes". FURTADO, Júnia- O livro...- Op.cit., p.165.
525
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.144.
eles julgavam pertencer-lhes por antigo e bom direito. É isso que se desprende das palavras
do tenente Melo, que teria dito a José Vasconcelos Parada e Sousa, que Tiradentes estava
preso porque "sua língua o teria perdido", como na ocasião que o alferes chegou a lhe dizer
que "os quintos não deviam sair [das Minas], e que os ofícios se deviam dar aos filhos
destas Minas, para dotes de suas filhas e para sustentação de suas famílias"526. Em outro
momento desta mesma conversa, segundo Vasconcelos, o alferes teria afirmado também
que como os "americanos ingleses" os das Minas teriam ouro para subsistirem na sua
liberdade e "até os mesmos ofícios que havia nesta Capitania, que de justiça se deviam dar
aos nacionais e não aos europeus"527. Alvarenga Peixoto da mesma forma teria ouvido
Tiradentes se lamentar dos "Excelentíssimos Generais [que] de três em três anos traziam
uma quadrilha, a que chamavam criados, que depois de comerem a honra, a fazenda, e os
ofícios, que deviam ser dos habitantes, se iam rindo deles para Portugal"528.
Veja-se a insatisfação com a perda dos cargos, ainda que atribuída a Tiradentes529,
expressa ressentimento comum a todos os acusados envolvidos na devassa. Vicente Vieira
da Mota, quando inquirido como réu, afirmou que "se tivesse voto no Ministério, não
haviam de ser filhos da América empregados em governos no seu país [Minas Gerais], nem
ministros, nem vigários, nem militares"530. É claro que como metropolitano, suas palavras
em defesa dos reinóis poderiam ser aceitas sem que gerassem qualquer dúvida. O que
importa notar é que seu discurso deixa claro o quanto esta disputa entre americanos e
portugueses ganhou evidência na Devassa, inclusive na voz daqueles que, embora não
tivessem nascido nas Minas, podiam considerá-la como sendo "seu país".
Neste sentido, acreditamos que o estudo das identidades políticas presentes na
Devassa pode esclarecer tanto sobre o alcance das alternativas pensadas pelo grupo dos
sediciosos quanto sobre a reação das autoridades a elas. Estamos certos que este é o eixo
explicativo deste corpo documental, na medida em que a oposição ao pertencimento ao
526
idem, ibidem, p.173.
527
idem, Volume 4, p.104.
528
idem, Volume 5, p.117. Basílio de Brito Malheiro também ouvira dizer que Tiradentes reclamava que a
"cada três anos vinha um Governador, e Capitão General e todos iam cheios de dinheiros; que traziam uma
máquina de criados". idem, Volume 4, p.90.
529
O alferes Joaquim da Silva Xavier era um homem de poucas posses, mas conservava o desejo de ascender
na carreira militar, desejo que lhe havia sido negado, o que explica sua motivação, talvez a maior do grupo,
em levantar as Minas, conforme ele dizia. A isto se acresce que "Silva Xavier era particularmente amargurado
pelo fato de ter perdido status- pois seu pai fora um homem de posição e de propriedade". MAXWELL,
Kenneth- A devassa da devassa...- Op.cit, p.216.
530
ADIM- Op.cit, Volume 5, p.410.
Estado português constitui-se, como veremos, num dos poucos pontos comuns aos diversos
esboços de projeto político expostos pelos sediciosos.
*
Há muito que a historiografia vem enfatizando o caráter anti-colonialista da
conspiração de 1788-9, mas tanto esta quanto a leitura da Devassa revelam que os
envolvidos dividiam mais incertezas do que um plano concreto de ação, no sentido de que
não estavam de acordo quanto à forma de governo deste novo Estado ou à sua dimensão
espacial.
Desta forma, para evitarmos atribuir aos sediciosos clarezas políticas que não
tinham, optamos por analisar os vocábulos que expressam sentimentos de pertencimento
político, e definem o território que o novo Estado de seus projetos iria abarcar, partindo do
pressuposto de que os termos não possuem conteúdo prévio, e que seus significados só
podem ser definidos levando em consideração o contexto do discurso em que estão
inseridos. As palavras têm sentidos históricos e não podemos dar a elas sentidos atuais, pois
desta forma estaremos obscurecendo as significações que a seu tempo tiveram vigência. Se
não adotarmos essa precaução, sequer poderemos perceber, por exemplo, que um mesmo
termo tem sentidos diferentes a depender da posição que o pronunciante ocupava na
Devassa, ou mesmo conforme a circunstância em que seu depoimento se inscreve. Como
salienta Pierre Vilar: "a aplicação de cada termo a um território, a um grupo humano, pode
variar no tempo para uma mesma comunidade, e, dentro de uma comunidade, segundo as
pessoas"531.
É a partir dessas precauções532 que analisaremos os discursos dos homens
envolvidos no processo, não como indivíduos isolados, mas como representantes de um
grupo específico, do qual todos os integrantes supostamente compartilhavam de um mesmo

531
VILAR, Pierre- Hidalgos, amotinados y guerrilleros: pueblos y poderes en la historia de
España.Barcelona, Grijalbo, 1982, p.262.
532
Para tanto temos como principais referenciais teóricos os trabalhos de Chiramonte e Pierre Vilar, que
embora estudem períodos e contextos diversos, assemelham-se ao nosso por tratarem de momentos de crise e
de remanejamento das relações políticas: a independência do Rio do Prata e a guerra de resistência espanhola
às invasões napoleônicas, respectivamente. Nas duas obras, o que importa aos autores são os debates políticos
das respectivas épocas, cujo estudo do vocábulo político, as identidades no caso de Chiaramonte, e os termos
pátria e nação, no caso da obra de Vilar, pode, em muito, ajudar. Chiaramonte, José Carlos- Formas de
identidad en el Rio de la Plata luego de 1810. In: Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana
"Dr. E. Ravignani". Tercera Serie, nº1, 1º semestre de 1989; Vilar, Pierre- Op.cit.
projeto político533. A posição, ou até posições, que ocupavam na Devassa determinava, de
certa forma, as posturas por eles assumidas, o que ilumina o significado dos termos
utilizados. Podemos admitir que as testemunhas, denunciantes e, é claro, a própria acusação
utilizavam vocábulos correntes da cultura política da época para expressarem sua adesão ao
projeto político do poder português. No entanto, é de notar que freqüentemente estes
portadores da visão oficial utilizavam termos impróprios, expressões que em outros
contextos não deveriam sequer ser pronunciadas, empregando-os com um sentido
pejorativo ou atribuindo-os a um dos acusados534. Quanto a estes, supõe-se que como
estratégia de defesa, recusariam qualquer envolvimento com projetos políticos que se
opunham ao Estado português. Tratou-se, como se vê, de um jogo perverso no qual a
acusação soube formular bem suas perguntas para má sorte dos sediciosos que acabaram
por expor suas idéias mediante termos comprometedores, e para sorte dos historiadores, que
passaram a contar com um material substancioso para entender o imaginário político desse
grupo de homens empenhados na busca de alternativas para uma crise que projetava
pesadas sombras sobre o futuro da Capitania das Minas Gerais.
Na verdade, há de se considerar que, dada a natureza desta documentação não é
possível saber-se em que medida o que consta dos registros corresponde de fato aos
depoimentos tomados. Em todo caso, o discurso daqueles que defendiam os interesses do
Estado poderá nos informar, por oposição, sobre o imaginário político dos sediciosos.
Como alerta Carlos Guilherme Mota, "o pesquisador é obrigado a entrever as formas de
pensamento revolucionário a partir da reação por elas provocadas nas formas ajustadas ao
sistema"535.
As palavras de cada pronunciante serão analisadas como sendo comuns aqueles
que na Devassa ocupavam a mesma posição. Mas para isto temos que tipificar o discurso de
cada grupo- acusação, denunciantes, testemunhas e acusados- a começar pelas palavras que
eram utilizadas na defesa de projetos comuns. No entanto, se algum discurso não

533
Através da análise do discurso dos sediciosos, buscamos a definição de um projeto político único,
supostamente o predominante, que devidamente analisado acabará por mostrar-se múltiplo.
534
Independentemente de atribuírem uma expressão ou termo a uma terceira pessoa, consideramos o uso
como sendo de quem o pronuncia na Devassa, isto porque, embora possam ter ouvido falar, ao reproduzirem a
frase, poderiam alterá-la, como notamos que acontecia.
535
MOTA, Carlos Guilherme- A idéia de Revolução no Brasil (1789-1801): estudos das formas de
pensamento. 2ºedição, São Paulo, Editora Cortez, 1989, p.65. Sobre os problemas que o historiador encontra
na análise dos Autos de Devassa ver: FURTADO, João- Op.cit, pp.70-75.
corresponder à tipologia, voltar-se-á à biografia do pronunciante, à sua trajetória individual,
para o esclarecimento do porquê da exceção. Dessa forma, o ponto de partida será o
esquema proposto por Mota, o que envolve admitir a existência de dois projetos
antagônicos iniciais: o que se ajustava ao sistema e o que se opunha a ele, posto que se
adotou, como ponto norteador da perquirição a posição política que cada indivíduo ocupava
na Devassa, e não seu posicionamento social536. Acreditamos que este esquema não reduz a
multiplicidade dos projetos que, como se verá, estavam em jogo, isto porque eles estariam
sempre referidos a uma destas duas visões políticas.
Somando-se a esta metodologia, e tendo delimitado o caráter dos vocábulos que
aqui nos interessa, restará considerar a freqüência com que eram utilizados. Como explica
Soboul: "Toda a atividade humana dá lugar a uma análise quantitativa: único método válido
para atingir, para além do particular, conclusões de alcance geral"537, esclarecendo, ainda,
que "nenhum dado quantitativo pode ser isolado sob pena de deformar o real"538.
*
O ponto de partida da análise envolve a delimitação territorial do Estado projetado
pelos sediciosos, conhecimento que é condição para o entendimento da comunidade política
autônoma por eles imaginada, recorrendo aos termos de Benedict Anderson539. A primeira
coisa que salta aos olhos é a diversidade de termos utilizados pelos envolvidos na Devassa
para definir o espaço político de sua ação ou seu projeto. Na maior parte das vezes,
conforme se pode observar na Tabela 1, fala-se do território das Minas, termo que,
juntamente com Capitania perfaz a soma de 63,72% das vezes em que há referência à
abrangência territorial do Estado projetado. Nenhuma destas expressões envolve
dificuldades léxicas, permitindo a óbvia constatação de que o projetado levante, e o
governo que se iria criar, iriam corresponder aos limites da Capitania das Minas Gerais, a

536
Acreditamos que o perfil de cada acusado, no que se refere à sua condição social, naturalidade, grau de
instrução e ocupação produtiva, se tomado isoladamente é incapaz de explicar o porquê da adesão a esta ou
aquela alternativa política. Não é possível estabelecer uma relação mecânica entre o que se era e o que se
pensava. Até porque, como veremos, um mesmo indivíduo nem sempre assumiu o mesmo papel na Devassa.
Denunciantes foram inquiridos como testemunhas, por exemplo, o que explica porque em momentos diversos,
poderiam defender idéias políticas conflitantes. Daí nossa opção em separar os discursos conforme explicado.
537
SOBOUL, Albert- "Descrição e medida em história social". In: A História Social- problemas, fontes e
métodos. (Colóquio da Escola Normal Superior de Saint-Cloud realizado em 15 e 16 de maio de 1965).
Lisboa, Edições Cosmos, 1967, p.33.
538
Idem, ibidem.
539
ANDERSON, Benedict- Nação e Consciência nacional. São Paulo, Editora Ática, 1989, pp.14-16.
se considerar apenas os vocábulos mais empregados, já que numa contabilização geral, a
porcentagem das vezes em que o novo governo está relacionado à Capitania é muito maior.
O termo país, no entanto, o terceiro mais empregado (9,41%), era utilizado com o
mesmo sentido com que aparece na documentação já analisada referente aos decênios
anteriores: era o país das Minas Gerais ou qualquer outra Capitania da América portuguesa.
Embora por cinco vezes apareça no discurso da acusação e dos denunciantes como
sinônimo de um território mais abrangente, que não está especificado como América
portuguesa ou Brasil, não era este uso o mais freqüente. Das 72 aparições do termo, 67
vezes ele substitui a expressão Minas, quando não vem acompanhado por ela.
Considerando o porcentual de cada grupo, são os acusados que o empregam mais vezes
com este sentido, embora não fosse estranho aos demais participantes do inquérito. É isso
que se percebe, a título de ilustração, nas palavras de José Aires Gomes, um dos acusados,
que em conversa com Tiradentes, disse ter ouvido José Alvares Maciel dizer que "fazendo-
se a República, talvez ficaria melhor o país de Minas"540. Da mesma forma, a acusação
pedia a Tiradentes que esclarecesse sobre possíveis conversas nas quais se comentava sobre
"as riquezas e preciosidade do país de Minas"541.
Percebe-se claramente que o termo país era usado indistintamente por pessoas que
partilhavam de projetos políticos distintos, pelo simples motivo de não ter conotação
política, apenas geográfica. Assim, poderia ser utilizado também para se referir a outras
Capitanias da América portuguesa. Tiradentes lamentava-se de que "uns países tão ricos
como estes [referia-se às Minas e ao Rio de Janeiro] estivessem reduzidos à miséria, só
porque a Europa, como esponja, lhes tivesse chupado toda a substância"542.
Também o vocábulo continente era usado com um significado diverso do que hoje
lhe é atribuído, embora no dicionário de Bluteau de 1712 sua definição não se distancie da
atual: "terra firme [que] dividem os geógrafos o âmbito do globo terráqueo em muitos
continentes"543. No entanto, em nenhum momento na Devassa encontramos a expressão
com tal significado: das 12 vezes em que aparece, em 9 foi utilizada para Minas e 3 para

540
ADIM- Op.cit, Volume 5, p.48.
541
idem, ibidem, p.73.
542
idem, ibidem, p.117.
543
BLUTEAU, Dr. Raphael- Vocabulário Português e Latino (...) autorizado com exemplos dos melhores
escritores portugueses e latinos, e oferecido a el-Rei, D.João V pelo padre D. Raphael Bluteau. Coimbra,
Real Colégio das Artes e da Companhia de Jesus, 1713, Volume 2, p.499.
toda a América portuguesa. Ao que parece, o emprego de tal vocábulo aproxima-se da
definição proposta nos dicionários de Moraes e Vieira do século XIX. Para o primeiro,
continente era "a terra firme oposta ao mar"; enquanto que para Vieira era uma "grande
extensão de terra, que o mar não rodeia ou que, pelo menos, se a rodeia (...), apresenta
uma vasta continuidade544.
TABELA 1- EXPRESSÕES REFERENTES À TERRITORIALIDADE ATRIBUÍDA
AO LEVANTE E AO NOVO GOVERNO545
tabela 1.1 (Minas)
Termos acusação denunctes testemunh acusados total % tab. 1.1 % total
1)Minas* 127 18 72 62 279 42,85% 36,50%
2)Capitania* 73 12%4 90 41 208 31,95% 27,22%
3)País* 11 8 28 20 67 10,29% 8,76%
4)esta terra 2 8 27 12 47 7,21% 6%
5)Vila Rica 4 0 2 6 12 1,84% 1,57%
6)Continente (MG) 1 1 6 1 9 1,38% 1,17%
7)Pátria 4 1 1 1 7 1,07% 0,91%
8)América (MG) 0 0 4 3 7 1,07% 0,91%
9)(nova) Europa 0 0 2 2 4 0,61% 0,52%
10)(novo) Reino 0 0 3 0 3 0,46% 0,39%
11)Conquista (MG) 1 1 0 0 2 0,30% 0,26%
12)Distrito de Minas 0 0 0 1 1 0,15% 0,13%
13)Países 0 0 0 1 1 0,15% 0,13%
14)Cidade (V.Rica) 0 0 1 0 1 0,15% 0,13%
15)Comarca (S.Frio) 1 0 0 0 1 0,15% 0,13%
Total 224 41 236 150 651 100,00% 85,20%
tabela 1.2 (outras Capitanias)
Termos acusação denunctes testemunh acusados total % tab. 1.1 % total
1)Rio de Janeiro 4 0 5 18 27 49,09% 3,53%
2)São Paulo 1 1 4 6 12 21,81% 1,57%
3) Cidade do RJ 4 0 5 0 9 16,36% 1,17%
4)países (MG/RJ) 0 0 0 3 3 5,45% 0,39%
5)Bahia 0 0 1 0 1 1,81% 0,13%
6)RJ,BA,PE,PA 0 0 1 0 1 1,81% 0,13%
7)duas Capit.s(MG/RJ) 0 0 0 1 1 1,81% 0,13%
8)Países(capit.s) 0 0 0 1 1 1,81 0,13%

544
SILVA, Antonio de Moraes- Dicionário da Língua portuguesa composto por Antonio de Moraes
Silva, natural do Rio de Janeiro, sexta edição melhorada, e muito acrescentada pelo desembargador
Agostinho de Mendonça Falcão, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa. Lisboa, Topografia de
Antonio José da Rocha, 1858, Volume 1, p.536. VIEIRA, Dr. Frei Domingos- Grande dicionário português
ou Thesouro da língua portuguesa pelo Dr. Frei Domingos Vieira dos eremitas calçados de Santo
Agostinho (publicação feita sobre o manuscrito original, inteiramente revisto e consideravelmente
aumentado). Porto, Tipografia de Antonio José da Silva Teixeira, 1872, Volume 2, p.468.
545
As expressões com asteriscos são aquelas que agrupam termos similares, que aparecem com menor
freqüência. Minas (Minas Gerais), Capitania (de Minas/ de Minas Gerais); País (de Minas/ de Minas
Gerais); América (América portuguesa/ esta portuguesa).
Total 9 1 16 29 55 100% 7,19%
tabela 1.3 (América)
Termos Acusação denunctes testemunh acusados total % tab. 1.1 % total
1)América* 13 2 7 12 34 50,00% 4,45%
2)Brasil 3 7 9 2 21 30,88% 2,74%
3)País 1 1 3 0 5 7,35% 0,65%
4)Conquista 0 1 2 0 3 4,41% 0,39%
5)Continente 1 0 2 0 3 4,41% 0,39%
6)Esta terra 1 0 1 0 2 2,94% 0,26%
Total 19 11 24 14 68 100% 8,90%
América(indefinido) 12 0 5 17 34 4,45%
TOTAL 264 53 281 200 764 100% 100,00%

Uma das expressões utilizadas para se referir às Minas que causa maior
estranhamento é América, embora, é importante notar, não fora assim empregada nem pelos
denunciantes, nem pela acusação. As Minas eram América só para os acusados e para as
testemunhas, embora também estes homens que ali viviam utilizassem este termo na maior
parte das vezes com o mesmo sentido que usamos hoje. Considerando esta oscilação de
significado, é preciso apreender, quando possível, seu sentido no corpo do texto. Alvarenga
Peixoto, por exemplo, explicava que Francisco de Paula Andrade lhe dissera que seria
possível se "escusar deste pagamento [derrama] passando a América a ser República"546.
A frase, se vista isoladamente, sugere leituras diversas, na medida em que não se sabe com
exatidão a que território se refere. No entanto, a menção à derrama e à possibilidade de nas
Minas se fazer uma República, presentes no corpo do texto, desfazem dúvidas: no contexto
referido, América era a Capitania.
No entanto, mais especificamente em 34 ocorrências, não foi possível definir com
precisão se os pronunciantes ao utilizarem este termo referiam-se à Capitania ou ao
conjunto dos domínios bragantinos no "continente do Brasil". A partir destes casos de
indefinição, percebe-se que América poderia ser empregada com o sentido genérico de
colônia, fazendo oposição ao termo Europa utilizado com o sinônimo de Portugal.
De qualquer forma, ainda que a expressão tenha sido usada na maior parte das
vezes para se referir ao todo luso-americano (83%), vale a pena tentar entender porque para
os homens que viviam na Capitania, a América poderia ser também Minas Gerais. Convém
observar que em 8 casos, a ex-colônia inglesa fora identificada como Américas Inglesas,
546
ADIM- Op.cit, Volume 5, p.119.
uma maneira distinta de denominar a antiga unidade das 13 colônias. Assim, o termo
América era utilizado para denominar um todo menor, capitanias ou colônias, no caso dos
EUA.
Ainda assim é possível imaginar que, as alianças com outras Capitanias, em
especial a do Rio de Janeiro e a de São Paulo, tendo sido cogitadas por alguns sediciosos, e
admitidas também pelos demais envolvidos, eles viam-se diante da inexistência de um
termo que designasse a unidade territorial composta por estas três Capitanias, cujos
habitantes guardavam entre si apenas a semelhança de serem americanos. Neste sentido, a
expressão América poderia ser empregada também com essa finalidade e, se acabasse por
englobar outras áreas do território americano, isto não seria um problema na medida em
que a participação dos demais vassalos da América não era vista desta forma por muitos.
Tiradentes, o mais entusiasmado com a possibilidade de estabelecer alianças com outras
Capitanias, dizia que “estava para haver um levante tanto nesta Capitania como nas do Rio
de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará , Mato Grosso, etc...”547.
No entanto, nem todos os sediciosos partilhavam desta opinião, ou viam mesmo
com desconfiança que a participação no levante de gente de outros lugares viesse a ofuscar
o mérito de terem sido eles os primeiros a romperem com Lisboa. Assim, ainda que outras
Capitanias viessem a unir-se a Minas, era ali que devia se principiar o movimento, “pois
esta [glória] a queriam eles para cá", como escreveu Domingos Vidal Barbosa na sua carta
denúncia548. Segundo Francisco Antonio de Oliveira Lopes, acusado, nos conventículos se
deliberavam que "tivessem as Minas o brasão de serem os primeiros e que feito o levante
deputaria a República"549. Assim, percebe-se marcada reticência em ampliar a base
territorial do levante e estender os limites territoriais do novo governo para além das Minas,
sentimento que pode explicar o fato de que referências a outras Capitanias representarem
apenas 7,19% dos termos que permitam esclarecer sobre a abrangência territorial do Estado
projetado550. Na verdade, tais alianças, embora tenham entusiasmado alguns dos acusados,
não tinham nenhuma solidez, não passando, naquela altura, da expressão das fantasias de

547
idem, Volume 1, p.177.
548
idem, Volume 2, p.465.
549
idem, ibidem, p.49.
550
Segundo João Furtado, a devassa aberta nas Minas deu maior destaque à participação do Rio de Janeiro,
daquela instaurada na capital da colônia, ambas para julgar o mesmo movimento de 1788-9. Para o autor é
provável que o governador Barbacena tenha instruído os devassantes a assim proceder, buscando expandir "o
raio de ação da trama até a sede do vice-reinado". FURTADO, João- Op.cit, p.182.
Tiradentes que, quanto inquirido pela quarta vez acabou confessando que delas cogitava,
assim como "o socorro das nações estrangeiras (...) para melhor persuadir àquelas a quem
falava"551. O alferes acreditava que difundir nas Minas o possível apoio de outros vassalos
americanos, ou mesmo de outras potências, aumentaria a possibilidade de sucesso do
levante.
As expressões que identificam o levante com territórios de menor abrangência no
interior da Capitania, tal como Vila Rica ou mesmo a Comarca do Serro Frio, são tão raras
que é possível descartar a hipótese de que o levante se restringiria a uma região particular
das Minas. A menção a estas localidades tampouco pode ser explicada pela concentração de
um número maior de sediciosos nestas áreas, pois como entender que não há sequer uma
referência à Comarca do Rio das Mortes, onde residiam, como mostrou João Furtado, a
maioria dos acusados, cuja cabeça da Comarca, São João Del Rei, havia de ser para alguns
a futura capital das Minas552? Assim, fica a dúvida quanto à utilização de tais termos para
especificar a espacialidade do novo governo; dúvida que não compromete nossa análise
dada a pouca freqüência com que aparecem (1,93%).
*
A partir da contabilização dos vocábulos políticos percebe-se que os envolvidos no
inquérito reconheciam que o novo Estado abarcaria o território correspondente às Minas
Gerais, sendo que de todos os termos contabilizados, os que indicam esta percepção
correspondem a 84,37% das vezes. Por outro lado, cabe o esclarecimento do por que da
baixa freqüência do uso de termos que projetam para além da Capitania a espacialidade
deste novo governo, isto porque as demais alternativas não podem ser descartadas sob o
risco de simplificarmos excessivamente esse quadro.
Pouquíssimas vezes encontramos referências de que o levante teria abrangência
americana (8,9%), e nesses casos, a expressão mais utilizada foi América (50,00%), seguida
ou não do adjetivo portuguesa, nas situações em que era preciso esclarecer que não se
referiam à América espanhola ou inglesa, esta última identificada ainda com a designação
vigente ao período anterior a sua independência. Nesse âmbito, o segundo termo mais
empregado foi Brasil, cuja freqüência corresponde a 30,88%. É significativo o fato de que

551
ADIM- Op.cit, Volume 5, p.41.
552
Segundo o autor, na Comarca do Rio das Mortes concentrava 58% dos indiciados. Furtado, João- Op.cit,
p.165.
seus pronunciantes sejam originários do Reino, ou estivessem inseridos no aparato
administrativo ou militar553. Foram os únicos a utilizar tal vocábulo, revelando uma noção
da América como um todo articulado, universo da prática do Estado ao qual ofereciam seus
serviços. Das 21 vezes em que a expressão foi utilizada na Devassa, Basílio de Brito
Malheiro do Lago pronunciou-a 9 vezes. Português, natural de Braga, este Tenente Coronel
do Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar de Paracatu foi um dos denunciantes do
levante, e por três vezes foi chamado para testemunhar. Tratava-se de fiel e típico
colaborador do Estado português nas Minas, e embora ali vivesse de suas fazendas,
conservava a visão do metropolitano que podia conhecer com maior clareza o território
americano porque o via na perspectiva metropolitana. No entanto, algumas vezes, embora
fossem raras, o termo Brasil aparece também no discurso de homens que haviam nascido
nas Minas, embora ali também encontrassem espaço para prestar serviços à Coroa. Tal é o
caso de José Alvares Maciel, acusado que antes de entrar para o grupo dos sediciosos havia
estudado química na Inglaterra e se formado em filosofia e história natural na Universidade
de Coimbra. Segundo ele “nas Cortes em que tinha andado nada se falava mais que na
moleza e indolência com que o Brasil se tinha portado, sem fazer o menor movimento, nem
às vistas das Américas Inglesas”554.
Como já foi apontado nos capítulos anteriores, o termo Brasil aparece sempre
destituído de uma conotação política. Brasil era um espaço, um território e nunca está
relacionado aos termos Estado ou Nação. Segundo o verbete de Bluteau, Brasil era uma
“grande região da América Setentrional”, enquanto que na sexta edição do dicionário de
Moraes, de 1858, o termo remete à árvore pau-brasil ou aos índios que ali residiam555. De
qualquer forma, quando se trata de contabilizar todos os termos que refiram à
territorialidade do novo Estado projetado pelos sediciosos de 1788-9, Brasil perfaz apenas a
insignificante soma de 2,74%.
Desta forma, os homens envolvidos no inquérito consideravam que o novo Estado
não iria extrapolar os limites da Capitania das Minas Gerais, à qual se referiam como sendo

553
A única exceção é o pardo José Manoel, professor de música natural de Minas que, no entanto, reproduz
uma frase de D. Bárbara, mulher de Alvarenga Peixoto, que queria que sua filha se torna-se a "princesa do
Brasil", à semelhança do que vinha proferindo seu marido que queria que o casal se tornasse o Rei e a Rainha
neste novo governo . ADIM- Op.cit, Volume 1, p. 171.
554
Idem, Volume 5, p.115.
555
BLUTEAU, Dr. Raphael- Op.cit, Volume 1, p.816; SILVA, Moraes, Antonio de- Op.cit, Volume 1, p.351.
a pátria dos sediciosos, termo que naquele momento era sinônimo do local de
nascimento556; das 7 vezes em que pátria aparece, nenhuma foi utilizada com um sentido
diverso. Pátria, só ganhou a conotação política que hoje lhe atribuímos com a Revolução
Francesa, posterior à conspiração nas Minas 557.
Assim, percebe-se que para os sediciosos as Minas Gerais constituíam um
território viável para se organizar uma nova ordem política, econômica e mesmo jurídica558,
o que explica porque diversas vezes encontramos na Devassa falas denotando empenho em
afirmar o potencial que tinha esta região para se manter sozinha. Nestes casos, apostar na
autonomia das Minas, principalmente no tocante às questões produtivas, dava maior
consistência às proposições políticas.
O capitão Vicente Vieira da Mota, inquirido como testemunha, diz ter ouvido
Tiradentes falar "sobre as vantagens deste país de Minas Gerais fazendo (...) exagerações,
acrescentando que no mesmo se podiam levantar grandes e utilíssimas fábricas, escusados
na maior parte os gêneros que se introduzem de fora"559. Também Francisco Xavier
Machado, militar nascido no Reino, testemunhava que o alferes andava a "exagerar as
belezas, fertilidade e riqueza do país de Minas Gerais, e que por este motivo podia bem
ficar independente". Para a testemunha tais palavras não passavam de despropósitos, pois
lembrava que "as Minas não tinham força para se conservar, nem marinha para se
defender". Tiradentes, no entanto, não desanimou frente a esta sua observação, pois para ele
a Capitania tinha muitos homens que "por si só se defendiam"560. Não era só o alferes que
defendia que "as Minas era um país como não havia outro, que tinham todas as riquezas
em si, e que não precisavam doutro país para a sua subsistência"561. Outros se mostravam
igualmente otimistas com tal possibilidade, tal como o Coronel Francisco Antônio de
Oliveira Lopes, que se entusiasmava com "as belas qualidades deste continente, dizendo,
que não só tinha ouro e diamantes, mas ferro, lãs e algodões, e que seria um país de

556
Versiani emprega com precisão as terminologias da época, respeitando os seus sentidos históricos. Assim,
ao explicar a poesia dos árcades, o autor diz “quando os poetas se referiam à sua pátria não estavam se
referindo ao Brasil (unidade política ou territorial inexistente no imaginário colonial) mas às suas Minas”.
VERSIANI, Carlos- Op.cit, p. 226.
557
E é exatamente este significado que os três dicionários mencionados dão ao termo, embora o de Moraes e
de Vieira sejam posteriores à Revolução Francesa.
558
Ver CHIARAMONTE, Jose Carlos- Op.cit.,p. 78.
559
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.157.
560
idem, ibidem, p.189.
561
idem, Volume 5, p.180.
felicidade para se viver se fosse livre"562, pois tinha "todas as comodidades para a vida"563.
Gonzaga, quando perguntado por Alvarenga “se nela [Minas] poderia se fazer um Estado”
respondeu afirmativamente, pois “parecia que sim, por ter gêneros do ouro, e dos
diamantes”564. O Cônego Vieira propunha-se a traçar um plano de ação e julgava "que uma
das primeiras coisas seria também tomarem-se os quintos para principiar a subsistência
da República"565. Assim, se a Capitania tinha ouro, diamante, ferro, pólvora e homens para
a defenderem, por que razão não haveriam de lutar pela sua independência? Os planos dos
sediciosos, como se pode notar, eram formulados a partir da observação da realidade, seus
desejos não eram abstratos, calcavam-se sobretudo na percepção de evidências concretas.
Concomitantemente a este otimismo, quanto à possibilidade de fazer as Minas
felizes sem precisar para tanto de auxílio externo, aos sediciosos não passava despercebido
que a decadência presente era conseqüência do jugo português, que fazia daquele país
infeliz quando todos sabiam que era "o mais delicioso e opulento"566. Propunham-se a lutar
pela independência da Capitania que por longos anos foi "o tesouro da Europa"567,
enquanto os habitantes viam-se proibidos de usufruir de suas riquezas e, naquele momento,
de participar das esferas políticas. Percebe-se aqui o quanto a exaltação das potencialidades
da região colocava em xeque a política metropolitana, bloqueadora do progresso da
Capitania. Os questionamentos presentes nas décadas anteriores em relação às exigências
metropolitanas ganhavam, desde então, maior intensidade porque alguns homens da elite
percebiam que o futuro que desejavam para sua pátria não poderia ser alcançado enquanto
não se vissem livres da espoliação promovida por Portugal. Aquela tendência à auto-
suficiência, que Valadares acredita estar visível já no início da década de 80, e que
anunciava uma contrariedade diante da dependência568, no discurso dos sediciosos aparece
como a base de seus projetos. A esperança de progresso da Capitania, para eles, implicava
necessariamente na percepção de que os elos mantidos com o Estado português deviam ser
quebrados.
*

562
idem, Volume 4, p.145.
563
idem, Volume 1, p.213.
564
idem, Volume 5, p.232.
565
idem, ibidem, p. 246.
566
Idem, Volume 1, p.223.
567
Idem, ibidem, p.224.
568
VALADARES, Virgínia & REIS, Liana- Op.cit, p.80.
No tocante às diversas percepções do outro do qual pretendiam diferenciar-se, isto
é, das múltiplas expressões da necessária alteridade (no caso, a portuguesa) da identidade
coletiva que, por meio do projeto político em elaboração, estava em vias de radical
politização (por exemplo: filhos das Minas), as freqüências dos termos constantes da
Devassa permitem que se chegue a algumas constatações. De fato, a Tabela 2 revela, de
imediato, que as expressões utilizadas para a definição do outro apresentavam menor
dispersão (12) do que as empregadas na busca de definição do contorno do futuro Estado
(29), isso se não considerarmos apenas os termos que denotam o território do Estado
português, que se resumem a dois: Portugal e Europa. Quanto a essa, seu significado deve
ser entendido como contraposição a América, configurando um termo um tanto vago mas
que tinha a função de especificar o território ultramarino (e ao mesmo tempo
metropolitano) como sendo o do Estado a que recusavam sua adesão. Neste sentido,
Europa não se referia apenas ao território europeu, antes substituía a expressão Metrópole.
De resto, ainda que sejam raríssimos os momentos reveladores do desejo de que as Minas
se tornassem uma nova Europa, ou um novo Reino, essas expressões (0,91% do total) são
significativas para entender o desejo de inverter o sistema mediante a recusa da condição
colonial das Minas para propiciar-lhe, à semelhança das nações européias, soberania
política e prosperidade econômica.
TABELA 2- EXPRESSÕES QUE DENOTAM A QUE ESTADO OS
SEDICIOSOS FAZIAM OPOSIÇÃO569
Termos acusação denuncia. testemun. acusados TOTAL %
TOTAL
1)Rei/El-Rei (de 7 5 12 1 25 30,86%
Portugal)*
2)Portugal* 2 1 10 5 18 22,22%
3)Estado 1 3 1 2 7 8,64%
4)Reino( de Portugal) 0 3 3 0 6 7,40%
5)Europa 1 0 4 1 6 7,40%
6)príncipe europeu 2 0 3 0 5 6,17%
7)nação (port) 0 1 3 1 5 6,17%
8)Ex.generais 0 2 2 0 4 4,93%
(governad.)*
9)gov.da Europa 1 0 1 0 2 2,46%
10)sujeição real 0 0 0 1 1 1,23%
11)jugo da Europa 1 0 0 0 1 1,23%
12)gov. de Portugal 0 0 1 0 1 1,23%
TOTAL 15 15 40 11 81 100,00%

569
*Rei/ El-Rei de Portugal (Majestade/ Soberano); Portugal (Lisboa); Excelentíssimos generais (ministros).
De qualquer forma, se tais expressões de alteridade foram usadas indistintamente
por todos os homens que participaram da Devassa, isto não significa que elas expressassem
ou conferissem clareza e unidade aos projetos políticos, em cuja elaboração os sediciosos
estavam empenhados, permitindo apenas a constatação da extensão do sentimento de recusa
de sua condição vigente570. Assim, era a configuração clara do outro que permeava seus
projetos; era sempre a polaridade Colônia-Metrópole que estava por trás das críticas e da
busca de alternativas.
Também no que se refere à forma de governo do novo Estado, os sediciosos não
estavam seguros quanto à alternativa mais favorável. Embora a acusação tenha julgado os
sediciosos por projetarem uma República independente nas Minas, pode-se notar que nem
todos os envolvidos na sedição acreditavam que a opção republicana seria a mais
adequada571. Tiradentes, por exemplo, andava a dizer que "queriam nestas Minas uma
Testa Coroada"572 e o Cônego Luis da Silva Vieira, que não escondia suas predileções pela
filosofia iluminista, achava por bem que a Rainha e sua Corte se mudassem para a
América573, sendo que "se qualquer príncipe ou pessoa de sangue real que viesse a este
continente poderia se levantar com eles"574. Também Alvarenga Peixoto, bacharel
ilustrado, dono de lavras e fazendas, desejava que nas Minas se instaurasse uma monarquia,
na qual ele seria o Rei e sua mulher, Barbara Helionora, a Rainha, como foi ouvido dizer
por ocasião do batizado ocorrido na casa do Vigário de São José575.

570
"...os colonos hispanos identificavam-se positivamente pelo que eram ou acreditavam ser ('nós somos
criolos'); os luso-brasileiros identificávamo-nos negativamente ('nós não somos reinóis'), pelo que sabíamos
não ser. NOVAIS, Fernando- "Condições de privacidade na colônia". In: MELLO E SOUZA, Laura (org)-
História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa.Volume 1, São
Paulo, Companhia das Letras, 1997, p.26.
571
Segundo o testemunho de Frei Raimundo da Anunciação Pontevel, após terminado o inquérito em 1792,
que apurou a culpa dos suspeitos de tramarem uma conspiração, os sediciosos foram condenados por
"levantar uma República livre e independente, cuja capital seria a vila de S. João Del Rei, a sua bandeira
teria por arma três ângulos (...) As leis fundamentais seriam traçadas pelo infame e infeliz suicida Dr.
Cláudio Manoel da Costa. A senha da revolução seria- tal é o dia do batizado -; que seria o em que se
lançasse a derrama. Pela alta noite se gritaria por toda a Vila Rica- Liberdade....". "Últimos momentos dos
inconfidentes de 1789 pelo frade que assistiu de confissão". In: AMI. Ouro Preto, Volume 2, 1953, p.237.
Este documento também foi reproduzido nos ADIM- Op.cit, Volume 9, pp. 162-177.
572
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.208.
573
idem, ibidem, p.158.
574
idem, Volume 5, pp.263-4.
575
idem, Volume 1, p.199.
Desta forma, se a opção republicana aparece de fato com maior freqüência nos
discursos dos envolvidos no inquérito, ela não era a única alternativa que despontava e, na
verdade, não surpreende que fosse predominante, pois o uso do termo República podia ser
empregado, sem contradição, mesmo por aqueles que não descartassem outras
possibilidades, pois este vocábulo não tinha o mesmo sentido de hoje576. Segundo Falcon
"...'república' continha um forte sentido de protesto contra um sistema representado como
essencialmente explorador pelos inconfidentes. Mencionar 'república' seria também a
maneira mais direta de se afirmar uma atitude ético-política de denúncias e dos desmandos
das autoridades a serviço da metrópole"577.
Neste sentido, ao usarem preferencialmente o termo República, cujo sentido deve-
se buscar sobretudo na sua negação, percebe-se que a diversidade quanto à forma do novo
governo não impede a percepção de que havia plena concordância quanto à definição do
objeto da recusa, até porque, as expressões utilizadas para delimitar o outro não permitem
outra conclusão578. Em poucos momentos, mais especificamente em 4,93% dos casos, as
críticas estavam dirigidas a uma autoridade específica, fossem Excelentíssimos generais e
ministros. No mais das vezes, alteridade ganha o rosto do governo metropolitano,
personificado muitas vezes na figura da Rainha, do monarca, ou mesmo do príncipe.
Portanto, a alternativa monárquica aventada pelas palavras de Tiradentes, Cônego Vieira e
Alvarenga deve ser entendida como uma exceção, soando como descabida aos demais,
alguns dos quais, como se verá adiante, nem sequer admitiam que reinóis vivessem nas
576
FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas, fiscalidade...- Op.cit, p.38. Para João Furtado, no entanto, o termo
República utilizado pelos inconfidentes referia-se à forma de governo, embora "seu detalhamento e definição
ainda guardam muita relação com as instituições e práticas do Antigo Regime e da tradição ibérica". pp. 214-
5. Segundo o autor, o termo "supõe uma abrangência territorial muito restrita (por isso, o projeto dos
inconfidentes republicanos nunca 'saiu' das fronteiras das Minas) e baixa representatividade política (ainda
seria o governo dos homens bons)". p.56. Como se pode notar, nossa análise discorda do autor em apenas um
ponto: aquele que se refere à República como expressão de uma forma de governo. No entanto, Furtado linhas
adiante reconhece que "para além do contraponto entre Monarquia e República, o que se deve considerar na
análise da Inconfidência Mineira, é sobretudo, o contraponto despotismo/tirania X governo justo".
FURTADO, João- Op.cit,p.230.
577
FALCON, Francisco José C.- "O Imaginário republicano do século XVIII e Tiradentes". In: Seminário
Tiradentes, hoje: imaginário e política na República brasileira. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro,
1994. pp.131-132.
578
João Furtado, no entanto, considera que "enquanto alguns (sediciosos) eram movidos por aspirações
políticas reformadoras, para outros, e não poucos, o objetivo da inconfidência era, apenas a suspensão da
derrama", o que lhe permite concluir que a figura real deveria para alguns ser preservada como condição de
manter suas posições sociais e a lucratividade de seus empreendimentos. Concordamos com o autor que a
insatisfação com a derrama certamente levou muitos conjurados a participar do levante, no entanto, as
expressões que denotam oposição demonstram que tais casos podem ser lidos como exceção que não deve ser
tomada como regra. FURTADO, João- Op.cit, pp.64-67.
Minas. Do novo Estado, embora ainda não tivessem clara uma configuração territorial ou
consenso quanto à forma de governo, sabiam todos que haveria de ser conduzido pelos
filhos das Minas. Seriam eles que alavancariam o progresso da Capitania, este território
rico e com grande potencialidade para se manter sozinho, e que vivia uma terrível
decadência por estar sob a dependência de Portugal.
*
A falta de precisão e a coexistência de expressões que remetiam a espacialidades
coloniais diferentes para delimitar os contornos do novo Estado revelam, obviamente, falta
de consenso quanto a esta questão. No entanto, é possível perceber que esta dúvida não
indica apenas que os sediciosos estavam distantes de um projeto político coeso, mas
também a dificuldade apresentava, para a maioria dos habitantes da Capitania das Minas, a
correta apreensão tanto da territorialidade de sua pátria quanto do todo maior que lhe era
abrangente. Conforme se pode perceber, trata-se de um problema geral, mas que tem
implicações políticas diferentes a depender de quem com ele se defronta.
De fato, percebe-se que a acusação temia o risco de que a integridade do todo
colonial fosse dissolvida, e propunha-se a, mesmo diante de um evento circunscrito a uma
particular Capitania, transformar a punição em exemplo para toda a América, com o que o
recurso a expressões denotadoras do conjunto dos domínios bragantinos na América
ganhava operacionalidade política. O poder estava diante de um problema geral, que
envolvia todo o sistema, problema que para os sediciosos era restrito à sua comunidade
política imaginada, cujos contornos se definiam, ainda que fluidos, pelo universo da sua
prática política imediata. No entanto, no discurso dos que expressavam inequivocamente a
ótica oficial, o levante também é reconhecido na maior parte das vezes como sendo próprio
das Minas, e a sentença condenatória reforça esta percepção. Assim, a utilização de termos
como América e Brasil denotam a intenção de fazer com que a repressão repercutisse em
toda a América.
Em todo caso, porque era a polaridade Colônia-Metrópole que tudo perpassava,
referirem-se ao movimento como de Minas e depois atribuírem-lhe escala americana pode
parecer ambíguo, ambigüidade a que certamente não é estranha a baixa densidade da
experiência acumulada de contestação política dos envolvidos na trama que teve seu curso
nas Minas Gerais.
*
Esta noção clara de polarização política refletia o grau de amadurecimento a que
chegou a percepção de alguns homens da elite em relação à incompatibilidade entre seus
interesses e os da Coroa. A partir disso recusaram-se a participar do que tinha sido
consensual, opondo-se ao governo metropolitano, o que em última instância implicava na
recusa da identidade política coletiva a qual ele se remetia. Era neste turbilhão de
mudanças, de remanejamentos de sentimentos, que suas especifidades emergiam com
novos conteúdos. Sempre baseada na diferença e semelhança, base empírica da sua
formatação, uma nova identidade ia sendo gestada em permanente confrontação com a
realidade, visto que não poderia colidir com esta, até porque se destinava (como todo
movimento político do qual era dimensão particular) a ser eficiente instrumento da
dominação da elite das Minas.
É de notar, em meio a isso, que se a delimitação do território do Estado projetado
era carente de precisão, os critérios distintivos dos integrantes da comunidade política
imaginada (novamente nos termos de Anderson) também o eram, a tomar-se por base o
texto da Devassa. A única certeza que os sediciosos dividiam era quanto ao outro a que se
opunham, oposição que certamente foi originada por aquele sentimento de injustiça que
invadia as representações nos decênios anteriores. Quando os homens da elite das Minas
viram-se preteridos dos cargos locais, perceberam que aquela batalha travada com os reinós
havia sido perdida, restando-lhes, como alternativa, mudar todo o sistema político para que
finalmente pudessem usufruir os direitos que tinham por seus.
Dentre os papéis do acusado José Aires Gomes foi encontrada uma "ode feitas aos
senhores de Portugal", na qual se qualifica os reinóis como:
"Marotos, cães, labregos, malcriados, porcos,
Baixos, patifes, presumidos, piratas no furtar,
Enfurecidos, piolhentos, sebosos, cusbriados.

Atende que do reino vens perdido


A chorar no Brasil os teus pecados.
E tanto que da sabugem o cú cá limpam,
Começam a largar com mãos largas,
Sem se lembrar dos seus antigos estados vis"579

As imagens escatológicas deixam evidente o ódio a essa gente que vinha a uma
terra que não era sua, lambuzar-se à custa de seus moradores. Assim, sonhavam com o
tempo em "que todos os filhos de Portugal haviam de ser cativos deles, filhos da terra"580,
como queria o Capitão Antonio Gonçalves de Figueiredo, ou ainda, como parece ter sido
mais comum, em verem-se livres destes usurpadores que não deveriam sequer serem
devolvidos à sua pátria, mas mortos ali mesmo porque era esta a punição que mereciam.
Basílio de Brito Malheiro dizia ter ouvido que na cidade de Mariana circulavam pasquins
que anunciavam “que tudo o que fosse homem do Reino havia de morrer”581, e Theotonio
Mauricio de Miranda, testemunha, ouviu dizer que “eles intentavam que morresse todo o
filho da Europa que tivesse menos de 60 anos e outras extravagâncias dessa natureza”582.
Como foi comum na Devassa, o emprego do termo europeu não diferia de
português como designativo dos súditos do monarca luso nascidos no Velho Mundo, sendo
que ambos e seus similares (por ser da Europa, ou filhos da Europa) representam 29,78%
dos casos de expressões usadas para esclarecer quem eram os membros da comunidade
política à qual os sediciosos se opunham. Assim, quando eles mencionavam que “o único
meio que poderia haver era o de matarem todos os europeus”583, tinham claro que a
referência circunscrevia-se exclusivamente aos portugueses do Reino, porque eram estes os
alvos desses rompantes, cujo caráter nitidamente xenófobo é evidente. A Tabela 3 não
permite qualquer dúvida quanto ao fato dos portugueses metropolitanos serem reconhecidos
como os adversários. O único termo que possuí um significado mais genérico, estrangeiros,
foi utilizado somente uma vez, inapropriado que era para especificar aqueles que não
seriam bem-vindos na nova comunidade política imaginada que seria instaurada na esteira
do rompimento com o Trono de Lisboa.
Tudo isso, percebe-se até pela escala das ocorrências (26 ocorrências se forem
eliminadas aquelas atribuídas à acusação e aos denunciantes), as quais podiam ser
relativizadas num contexto de colonização recente. Não surpreende em nada, Alvares

579
ADIM- Op.cit, Volume 3, p.417.
580
idem, ibidem, p.419.
581
idem, Volume 1, p.105.
582
idem, ibidem, p.219.
583
Idem, Volume 5, p.280.
Maciel ter considerado, por exemplo, que “haveria uma fortíssima oposição e dificuldade
de se reduzir a prática, pois [que] tendo os mesmos americanos muitos dos seus
progenitores e parentes nestas terras, não era possível, que vissem a sangue frio, e até
mesmo que concorressem para se dar a morte de seus pais e parentes”584.

TABELA 3- EXPRESSÕES QUE DENOTAM ALTERIDADE/


A QUEM OS SEDICIOSOS SE OPUNHAM585
Termos acusação Denuncian testemunh acusados TOTAL % TOTAL
1)europeus* 3 3 5 3 14 29,78%
2)filhos de Portugal* 2 6 2 3 13 27,60%
3)branquinhos Reino 3 0 3 0 6 12,76%
4)portugueses 2 0 3 0 5 10,63%
5)os de Portugal 0 0 1 3 4 8,51%
6)novatinhos que 0 0 3 0 3 6,38%
Vem de Portugal
7)homem do Reino 0 1 0 0 1 2,12%
8)estrangeiros 0 0 1 0 1 2,12%
TOTAL 10 10 17 9 47 100%

Os sediciosos percebiam que não lhes era dado negarem suas ancestralidades, que
ao passado não se elimina com golpes violentos. Além disso, era forçoso reconhecer que
nem todos os reinóis mereciam o mesmo tratamento, já que alguns certamente iriam aderir
ao movimento. Afinal, à semelhança dos filhos das Minas, muitos viam-se igualmente
prejudicados com os rumos que o Ministro Melo e Castro pretendia conferir à gestão
política da Capitania. Desta forma, admitia-se, em geral, que se algum metropolitano
quisesse entrar na ação, não haveria problema, sendo o aderente reconhecido como
partícipe do novo consenso. É o caso de Silvério dos Reis, denunciante que não escapou de
ser considerado suspeito, na medida em que andava a dizer, como informaram algumas
testemunhas, “que posto ele (...), fosse de Portugal, estava pronto a seguir” (ao levante)586.
Basílio Malheiro, em sua denúncia alertou as autoridades de que não eram somente “todos
os nacionais desta terra [que] desejavam [a revolta]" mas "também lhes unira alguns filhos
de Portugal destes que não têm modo de vida”587.

584
idem, Volume 2, p.280.
585
*filhos de Portugal ( do Reino); europeus ( por ser da Europa/ filhos da Europa).
586
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.203.
587
idem, ibidem, p.101. Os que não tinham modo de vida, neste no caso, não eram os desqualificados, os
desocupados ou vadios. Mota, sobre esta passagem, explica que os “filhos de Portugal, destes que não têm
De fato, dos 32 acusados 15 eram naturais da Capitania e 7 do Reino, o que revela
que a naturalidade não era condição para a participação no levante588. Vem daí o termo
povos de Minas ter sido o mais utilizado na qualificação dos sediciosos (18,5% das vezes),
juntamente com outros significados: homens de Minas (3,5%), gente de Minas (3%),
habitantes (2%), vassalos estabelecidos na Capitania (1,5%), sujeitos da Capitania (1%),
habitadores (0,66%), pessoas da Capitania (0,66%), moradores (0,66%). De fato, os
números não surpreendem ao revelarem que os adventícios, integrando-se à comunidade
local, eram normalmente reconhecidos como partes dela e, independentemente de terem ou
não na Capitania sua terra natal, partilhavam com os naturais o sentimento de identificação
com as Minas Gerais. Afinal ali se estabeleceram, participavam do grupo seleto formado
pelos principais da terra e encontraram nas Minas condições satisfatórias para a realização
de seus anseios, coisa que provavelmente o Reino não era capaz de lhes ofertar. Não
admira, portanto, que cultivassem este sentimento pelas Minas, reconhecendo-nas como sua
nova pátria no lugar da outra que ficou para trás.
Tudo isso, entretanto, deve ser apreendido mediante a consideração de que, na
explicitação dos critérios de elegibilidade para a conspiração e, por extensão, para a
comunidade política a ser instaurada com a vitória do movimento, em 52% das ocorrências,
a naturalidade foi apontada como condição determinante589. Desta forma, embora os
conspiradores admitissem a participação de portugueses metropolitanos no levante, tendiam
a circunscrever essa participação àqueles que tinham nascido nas Minas590. Assim, embora
o termo povos de Minas tenha sido o mais empregado, a utilização significativa dos
vocábulos nacionais e filhos de Minas, que juntos representam 28% das expressões
utilizadas para a definição da identidade dos acusados, confirmam a hipótese de que os

modo de vida”, eram aqueles que não conseguiram se integrar no processo de colonização. MOTA, Carlos
Guilherme- Op.cit, p. 88, nota 269.
588
O restante: 2 cariocas, 1 irlandês, 2 paulistas, 1 africano. 4 acusados não especificam o local de
nascimento. Quanto à origem dos 24 réus condenados, segundo João Furtado, 62% eram próprios das Minas e
16% de Portugal. FURTADO, João- Op.cit, p.133.
589
Trata-se dos seguintes termos: 1) restritos ao território da Capitania: nacionais (MG), filhos de Minas,
mazombos, patrícios, americanos, patriota, criolos da terra. 2) referentes ao território americano: nacionais,
brasileiros, compatriotas, filhos da América, americanos, e por fim, cariocas.
590
Silvério dos Reis adiciona à sua denúncia a informação de que Tiradentes havia "encontrado no meio da
rua da Vila [de] São José o S.M Antonio da Fonseca Pestana, [e] sem maior amizade, o chamara e o
convidara para esta sublevação dizendo-lhe : 'Que, como o dito sargento-mor era filho de Minas, os haveria
de acompanhar". ADIM- Op.cit, Volume 3, p.429. Em outra ocasião o mesmo alferes lhe certificou "que
muitos oficiais do seu Regimento de Cavalaria de Minas estavam prontos para esta sublevação. Isto é, os
filhos de Minas". Idem, ibidem.
sediciosos atribuíam considerável importância à naturalidade como critério de
confiabilidade política.
No que se refere a nacionais591, tinha o mesmo significado que naturais de,
expressão que em nenhum momento foi utilizada. Neste sentido, seu emprego não se referia
a um território em especial; pelo que é preciso buscar seu sentido nas palavras que o
acompanham, pelo contexto em que se lhe atribui um significado preciso. Nesse caso, é
significativo que das 40 vezes em que o termo nacionais foi utilizado, em 70% dos casos a
referência era aos nascidos nas Minas, e no restante dos casos aos naturais da América ou
do Brasil. O mais comum, portanto, é encontrar tal vocábulo com o uso que lhe dá Vicente
Vieira da Mota, ao explicar a Basílio de Brito, "que via as Minas em muita desordem, que
todos os nacionais dela se queriam ver livres [da sujeição do Reino de Portugal]”592.
Por outro lado, o termo nacionais corresponde a 18,66% das expressões utilizadas
quando a referência é à identidade particularista dos povos das Minas Gerais, e 50% à
identidade colonial numa escala mais genérica. Tomando apenas as expressões que
identificam os sediciosos pela sua condição americana, percebe-se que em 91,66% isso
ocorre por motivo da naturalidade e não local de moradia.
Os termos patrício ou patriota tinham o mesmo significado que nacionais, pois,
como já foi dito, referiam-se à pátria e tinham conotação política distinta, na medida em
que patrício expressava origem similar, patriota envolvia adesão emocional a projetos
comuns à comunidade que partilhavam a mesma pátria. No entanto, não eram só os
nascidos nas Minas que assim eram denominados; os que, vindos de longe mas tendo
deitado raízes, também tinham legitimamente a Capitania como sua pátria. O Padre Carlos
Correia de Toledo expressava esta idéia com clareza ao afirmar que Silvério dos Reis,
apesar de reinól, "seguisse este partido [em] que todos eram filhos da América" porque ele
"era seu patriota- por estar cá há muitos anos"593.

591
No dicionário de Moraes Silva o verbete “nacional” é assim especificado: “Da nação, próprio dela,
indivíduo dela, e não estrangeiro”. MORAES, Antonio da Silva- Op.cit, Volume 2, p.408.
592
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.154.
593
Idem, Volume 4, p.27.
TABELA 4-Expressões utilizadas nos Autos da Devassa para identificar
grupo dos sediciosos/ partícipes de uma nova comunidade 594
tabela 4.1(povos Minas)
Termos Acusação Denuncia Testemun acusados total % tab.4.1 % tab. 4.0
ntes has
1)povos* 5 7 14 11 37 24,66% 18,50%
2)nacionais (MG)* 8 3 13 4 28 18,66% 14,00%
3)filhos de Minas* 1 7 8 8 24 16,00% 12,00%
4)os de Minas* 2 1 1 11 15 10,00% 7,50%
5)homens de Minas 1 1 5 0 7 4,66% 3,50%
6)mazombos 1 2 2 2 7 4,66% 3,50%
7)patrícios 1 1 1 3 6 4,00% 3,00%
8)gente de Minas 2 0 1 3 6 4,00% 3,00%
9)habitantes de 3 0 1 0 4 2,66% 2,00%
Minas
10)vassalos 3 0 0 0 3 2,00% 1,50%
estabelecidos na
Capit. MG
11)sujeitos da 1 1 0 0 2 1,33% 1,00%
capitania*
12)americanos (MG) 0 1 1 0 2 1,33% 1,00%
13)principais 1 1 0 0 2 1,33% 1,00%
(hab)destas Minas
Minas
14)pessoas de 1º 0 1 0 0 1 0,66% 0,50%
gradu-
ação e hierarquia dela
15)cabeças 0 0 1 0 1 0,66% 0,50%
poderosas
16)habitadores 0 1 0 0 1 0,66% 0,50%
17)pessoas da 1 0 0 0 1 0,66% 0,50%
capitania
18)moradores 0 1 0 0 1 0,66% 0,50%
19)patriota 0 1 0 0 1 0,66% 0,50%
20)criolos da terra 0 0 0 1 1 0,66% 0,50%
Total 30 29 48 43 150 100,00% 75,00%

594
*povos (de Minas/ de MG/ da Capitania/deste país/deste continente); nacionais (de Minas/deste
Continente/do país/deste estado/desta terra); filhos de Minas (da Capitania de MG/ da América / da terra/do
país/deste continente); os de Minas (os deste país/os da Capitania de MG/os mesmos da terra); sujeitos da
capitania (de Minas), negociantes do RJ (homens de negócios do RJ/comissários do RJ); pessoas do RJ
(gente do RJ/sujeitos do RJ/os do RJ), gente para as bandas de SP ( homens de SP/pessoas de SP); nacionais
(da América); americanos (americanos portugueses).
tabela 4.2 (povos outras capitanias)
Termos Acusação Denuncia testemunh acusados total % tab.4.2 % tab. 4.0
ntes as
1)negociantes do RJ* 2 0 2 5 9 34,61% 4,50%
2)pessoas do RJ* 1 1 2 3 7 26,92% 3,50%
3)gente p/ as bandas
de SP* 0 2 2 2 6 23,07% 3,00%
4)cariocas 1 2 1 0 4 15,38% 4,00%
Total 4 5 7 10 26 100,00% 13,00%
tabela 4.3 (naturais da América)
Termos Acusação denuncian Testemun Acusados Total % tab.4.3 % tab. 4.0
tes has
1)nacionais(Am)* 1 2 4 2 9 37,50% 4,50%
2)americanos* 1 0 2 1 4 16,66% 4,00%
3)nacionais do Brasil 0 1 2 0 3 12,50% 1,50%
4)filhos da América 1 0 1 1 3 12,50% 1,50%
5)compatriotas (Am) 0 0 2 0 2 8,33% 1,00%
6)brasileiros 0 0 1 0 1 4,16% 0,50%
7)povos do Brasil 0 0 0 1 1 4,16% 0,50%
8)povos da América 0 0 1 0 1 4,16% 0,50%
Total 3 3 13 5 24 100,00% 12,00%

TOTAL GERAL 37 37 68 58 200 100,00%

Nota-se, também, que expressões antes pouco freqüentes na documentação, caso


de mazombo, passaram a ser mais freqüentemente utilizadas595. Inicialmente era como os
reinóis designavam pejorativamente os americanos, mas justamente por seu caráter
diferenciador, recorreu-se ao termo em 3,5% dos casos de especificação da identidade dos
conjurados. O termo mazombo aparece sempre associado a afirmações da capacidade de
governo dos homens das Minas, refletindo o amargor dos que estavam sendo preteridos das
posições mais importantes em benefício dos reinóis. Este termo foi incorporado por eles (os
demais pronunciantes apenas reproduziram as frases ouvidas) com seu caráter pejorativo

595
Nos três dicionários, mazombo é destacado como um “termo injurioso”, são os naturais do Brasil, filhos de
europeus. Evaldo Cabral de Mello Neto, em sua obra, A fronda dos mazombos, considera que “o africanismo
‘mazombo’designava-se o filho de português nascido na Brasil, sendo assim o equivalente da voz criollo na
América hispânica, cujo correspondente lusitano, ‘crioulo, era reservado aos negros nascidos entre nós...’ (...)
O mazombo seria etimologicamente o donzelo, isto é, o delicado, o apaparicado ou o afeminado, não
necessariamente na acepção de tendência sexual mas de estilo de vida, que o apartava do trabalho manual ou
do trabalho tout court próprio dos escravos. Nada há aliás de surpreendente em que ‘mazombo’,
originalmente depreciativo, viesse a ser utilizado como orgulhoso coletivo de naturalidade na segunda metade
do século XVII”. MELLO, Evaldo Cabral de- A fronda dos mazombos- nobres contra mascates:
Pernambuco 1666-1715. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.137.
descartado, preservando, entretanto o distintivo, pois mazombo designava apenas aqueles
que, nascidos na América, viessem de inquestionada linhagem portuguesa. Ser mazombo na
América portuguesa era o equivalente a ser criolo na América vizinha, mas o uso do termo
não sobreviveu à passagem do século. O que é de notar, quanto à questão em pauta, é que
mazombo não expressava local particular de origem ( o país) mas aludia a uma naturalidade
genericamente americana, contraposta à européia. Sendo assim, e diante do fato de ter sido
utilizada estritamente em referência aos homens das Minas, parece ser perfeitamente
adequado considerá-la expressão de uma identidade particularista em processo de
politização.
De qualquer forma, embora fosse pouco empregado, mazombo não colide com
variantes definidoras da condição social dos sediciosos, presentes também na Devassa, tais
como: principais habitantes de Minas, cabeças poderosas e pessoas de 1ºgraduação e
hierarquia dela. É certo que em nenhum momento os acusados denominaram a si mesmos
dessa maneira, mas eram reconhecidos como tais pela sociedade política das Minas. É mais
ou menos consensual na historiografia que os sediciosos tendiam a rejeitar a idéia de
conferir um caráter popular ao levante, e se acaso referiam-se à base social dos interesses
que este atenderia como sendo os povos das Minas, trata-se de expressão bem mais retórica
que delimitadora de critérios de exclusão596. A identificação do grupo sedicioso como gente
que formava entre os principais da Capitania indica que o movimento era percebido como
elitista. Embora expressões dessa natureza fossem utilizadas poucas vezes (5,5%) para a
identificação de seus sentimentos políticos, nenhuma expressão com teor socialmente
desqualificador foi utilizada, exceto criolos da terra, termo que ocorre uma única vez em
referência a um homem cor escura que andava a falar mal dos branquinhos do Reino597.
De fato, não há como negar que os projetos políticos subversivos registrados na
Devassa viriam atender fundamentalmente aos interesses da elite local, interessada na
alteração da ordem política. Não obstante o objetivo politicamente radical de seu projeto,
596
Utilizamos, em parte, a análise proposta por Luciano Figueiredo no que concerne à utilização do termo
povos nos documentos oficiais relativos às revoltas anti-fiscais de todo o período colonial. FIGUEIREDO,
Luciano- Revoltas, fiscalidade...- Op.cit, pp.54-55. João Furtado sugere a mesma definição para o termo
povos ou gentes "que são com freqüência mencionados no plural, poderoso indício de que ainda não se
constituía, para europeus e luso-brasileiros, o moderno conceito homogenizador e universalista (supostamente
democrático) de Sociedade Civil, no qual povo, Estado e nação são entidades e conceitos estreitamente
associados". FURTADO, João- Op.cit, p.54.
597
Fora este caso, a questão racial não se constituíra um critério que estabelecia diferenças entre os homens
das Minas, que entraram no levante, e os do Reino.
do ponto de vista social o referencial dos sediciosos radicava-se no passado e não no futuro.
É esse o sentido das palavras de Tiradentes ao afirmar que não queria levantar as Minas,
mas sim restaurá-la598; ainda que restaurar uma ordem anterior à Instrução de Melo e
Castro implicasse necessariamente na contestação da legitimidade do Estado monárquico.
Já se afirmou que o levante foi a única opção que lhes pareceu restar para garantir posições
de destaque na sociedade das Minas, pelo que hipóteses como a da emancipação de
escravos, que chegou a ser cogitada por alguns dos participantes, rapidamente foram postas
de lado599.
*
A partir do momento em que o projeto sedicioso começou a tomar seu (impreciso)
contorno, a polaridade filhos de Minas - reinóis politizou-se, com o que a identidade
coletiva portuguesa, partilhada por todos os envolvidos, foi submetida a alterações de
significado. Já se viu que os envolvidos na Devassa eram filhos de Minas, naturais de
Minas. A terra era o país de Minas, percebido como continente ou como Capitania. Eles
viam-se, também, é importante lembrar, como filhos da América. Em cerca da metade das
ocorrências, a palavra América designava o todo da América portuguesa e em outros mais
se referia à Capitania de Minas. Eis as identidades coletivas: a regional (expressão do
específico das Gerais no interior do Império luso); a americana (expressão da relação de
alteridade com os metropolitanos, europeus ou, simplesmente, reinóis) e, evidentemente, a
identidade portuguesa. Isso foi assim desde que o sucesso da colonização instaurou
formações sociais com interesses potencialmente divergentes com os da metrópole. A
novidade observada nas Minas do final do século XVIII é que a possibilidade de
harmonização política das diferenças passava a ser negada, sintoma da crise sentida por
todos. E se isso se dava no âmbito geral do Estado, evidentemente repercutia na percepção

598
ADIM- Op.cit, Volume 1, p.104. "Neste sentido, a Inconfidência não surgiu como um movimento isolado;
estava, em parte, inserida em um desejo, cada vez mais forte em setores da sociedade mineira, de colocar cada
coisa no seu devido lugar. Qualquer que fosse seu desenrolar, o resultado teria de ser uma sociedade em que
tudo pudesse ser claramente definido". SILVEIRA, Marco Antônio- Op.cit, p.149.
599
Frente à constatação de que nas Minas o número de negros era maior que o de brancos, os sediciosos
mostravam-se temerosos que estes tomassem o partido contrário da conspiração. "Alvarenga Peixoto e o
Padre Correia de Toledo- dois dos maiores proprietários de escravos dentre os inconfidentes e provenientes da
comarca com menos braço escravo- posicionaram-se a favor da alforria dos mulatos e dos crioulos ( isto é,
negros nascidos na Colônia), inscrevendo-a numa estratégia de confronto com a metrópole. Os homens da
comarca de Vila Rica, no entanto, posicionaram-se contra". VILLALTA, Luiz Carlos- 1789-1808...- Op.cit,
p.48-9.
das abrangências da sua (da crise) politização, o que remete novamente às esferas regional,
americana e portuguesa.
Convém não esquecer que, numa situação de crise, a urgência de sua superação
traduz-se em reordenamento das referências, com os homens buscando, para além da
reiteração das condições sociais de existência, a instauração (ou, no caso das Minas:
restauração) de formas previsíveis de vida social. Todo projeto de mudança, caso da
sedição das Minas, supõe a instauração da ordem no lugar do que é percebido como
desordem. E todo projeto de uma nova ordem implica no esboço mais ou menos preciso da
comunidade que partilhará, e de como deverá fazê-lo, a trajetória comum que levará à nova
boa ordem desejada600.
Os sediciosos viam-se envolvidos por questões dessa ordem. Se anteriormente às
ameaças contidas na Instrução, sua condição americana era percebida apenas como um
predicado genérico que lhes distinguia- aos filhos das Minas- dos portugueses da Bahia ou
de São Paulo ou, até, do Minho, na nova situação, a harmonização das diversas identidades
coletivas das quais eram portadores tornara-se carregada de ambigüidades. A sua identidade
política derivava do fato e, independentemente de onde residissem, serem súditos do Rei de
Portugal, prestarem lealdade a um mesmo monarca, participarem do mesmo pacto político
centrado nesta relação primordial, nesse contrato fundador do Estado ou da nação. Era isso
que identificava a todos como portugueses, ou seja, como integrantes de uma mesma
nação, palavra carregada de significados específicos quando integrada no vocabulário
político do Antigo Regime. E não era para menos. Com a nova situação criada pelo projeto
subversivo, os conjurados estavam rompendo com o pacto fundador que os atava ao Rei, ao
Estado português e, por esta via, tanto com a nação quanto com a identidade política
portuguesa. O que seriam, no futuro, sabiam-no bem: os partícipes de um novo pacto
político instaurador da soberania dos povos das Minas Gerais. Quanto aos partícipes do
novo pacto, as suas clarezas eram bem menores. A documentação revela que os reinóis
estavam excluídos do pacto, mas os filhos de Portugal radicados no país eram aceitos por
inteiro, sem discriminações. E tudo indica que não lhes causava nenhum cuidado serem

600
JANCSÓ, István- & PIMENTA, João Paulo Garrido- "Peças de um mosaico (ou apontamentos para o
estudo da emergência da identidade nacional brasileira)". In: MOTA, Carlos Guilherme (org)- A Viagem
Incompleta. A experiência brasileira (1500-2000).Formação: histórias. São Paulo, Editora Senac São
Paulo, 2000, p.143.
reconhecidos como portugueses da América, uma vez que o seu paradigma revolucionário
de prestígio no espaço colonial era dado pelos ingleses da América. Ocorre, portanto, que a
clareza quanto à polaridade política ( filhos de Minas X reinóis) subjacente ao projeto de
ruptura com o Trono, e com tudo o que ele expressava (Estado e nação), não envolveu a
emergência de uma identidade política coletiva que expressasse adequadamente o contorno
da comunidade política que legitimava as ações encetadas.
Os conspiradores sabiam, portanto, a quem antagonizar, o que envolvia saberem o
que não queriam ser. O que é de notar que essa clareza tinha, como contraposto, uma
considerável indeterminação quanto à natureza da comunidade política a ser instituída
mediante o rompimento com Lisboa. A diversidade de vocábulos constantes da Devassa
confirma essa afirmação. A identidade portuguesa era expressa através de 8 variações,
enquanto a identidade a que era contraposta a ela, fosse porque a reivindicavam, fosse
porque lhes era atribuída, era expressa mediante a utilização de 32 expressões. Tal
diversidade é visível no discurso de todos os grupos pronunciantes, o que nos permite
constatar que, se os sediciosos tinham dificuldades em se auto definirem, tampouco era
fácil para os demais saber como identificá-los com precisão.
Porém, em meio a isso, não há dúvida de que as identidades particularistas
serviam, na maior parte das vezes, a este propósito. Isso se mantêm ainda que a
participação no levante de gente que não residisse nas Minas foi considerada, com o que é
preciso atentar para a importância da expressão americanos, capaz de dar conta do que se
escondia por detrás de vagas referências a negociantes e algumas pessoas do Rio de
Janeiro, ou ainda uma gente para as bandas de São Paulo- com os quais os homens das
Minas tinham ligações econômicas.
Quanto ao termo brasileiro, este é praticamente inexistente. A única vez em que
aparece é quando Domingos Vidal Barbosa reproduz uma frase do Ministro da América
Inglesa, em resposta a Vendek; para Thomas Jefferson “logo que os brasileiros ganhassem
a sua independência”601 sua nação poderia ajudá-los. A expressão nacionais do Brasil
aparece três vezes, sempre atribuída ao irlandês Nicolau Jorge, possivelmente envolvido na

601
ADIM- Op.cit, Volume 2, p.94. O verbete brasileiro inexiste no dicionário de Bluteau. Moraes e Vieira,
por sua vez, definem-o da mesma maneira: "natural do Brasil, pertencente ao Brasil", sendo que o último
considera que os termos brasílico e brasiliense são sinônimos de brasileiros. SILVA, Antonio de Moraes-
Op.cit, Volume 1, p.351; VIEIRA, Dr. Frei Domingos- Op.cit, Volume 1, p.816.
conspiração, que naquele momento residia no Arraial do Tejuco, vivendo de ordenado que
tinha na Junta da Real Extração. Os sediciosos não se denominavam brasileiros, por razões
que já foram explicadas.
Isso quanto aos sediciosos. No tocante à acusação, esta sabia perfeitamente que o
antagonismo entre pensinsulares e naturais da América tinha peso bastante relativo como
critério de recusa ou adesão ao projeto subversivo, com as autoridades certas de que a
naturalidade portuguesa não determinava necessariamente a fidelidade de seus súditos.
Quando Gonzaga elaborou sua defesa argüiu sem sucesso que "os mesmos da terra o não
haviam de querer convidar, por ser filho do Reino", pois a acusação rebateu seu argumento
lembrando que, “ainda que seja filho de Portugal é oriundo da América”602 e, portanto, já
teria estabelecido vínculos na Colônia que o faziam sentir-se como filho dela.
Veja-se que os acusados foram julgados por não honrarem o nome português, o
que era eqüivalente ao rompimento com os padrões de comportamento esperados de
vassalo da Coroa portuguesa603. Os sediciosos não eram vistos apenas como loucos, doidos,
bêbados, infiéis vassalos ou desobedientes por falarem em coisas que “nem pensar se
deviam”604. Eles eram também tidos por “endemoninhados”605. Quando o Reverendo Padre
Manoel Rodrigues da Costa ouviu pela primeira vez as “solturas de Tiradentes” ele o
advertiu, “que o Demônio o andava tentando a fazer algumas desordens que lhe haviam de
custar a cabeça”606.
Neste sentido, a contestação resultava em ser oposição aos desejos divinos, com o
que deixar de ser português era mais do que negar pertencimento político ao Estado:
significava negar a Deus, e deixar de ser católico. Pecado e crime confundiam-se607, razão
para que muitas vezes o inquérito assumisse um ar de confessionário, como no depoimento
do Padre Carlos Corrêa de Toledo, no qual o clérigo pedia "perdão do mal que lhe tem feito

602
ADIM- Op.cit, Volume 5, pp.209-210.
603
“O Sistema gera seu ideal de homem”, como explica Mota, “baseado na estrutura colonialista e
absolutista”. MOTA, Carlos Guilherme- Op.cit, p.88.
604
ADIM- Op.cit, Volume 1, p. 201.
605
Idem, ibidem, p.304.
606
idem, ibidem, p.202.
607
“O direito tradicional confundia crime e pecado, em época de extrema religiosidade, como se vê não só na
península, mas em toda a Europa, até a imposição do racionalismo jurídico, já na segunda metade do século
XVIII, sobretudo com a obra do italiano Cesare Beccaria, Dos delitos e das Penas”. IGLÉSIAS, Francisco-
Trajetória política do Brasil ( 1500-1964)- Op.cit, p. 24.
com semelhantes ditos e desde já lhe pede para que Deus lhe perdo-e”608. Embora as
propostas dos sediciosos nada tivessem de anti-religiosas609, no sentido estrito do termo,
mesmo para a época, tornou-se imperioso julgá-los e condená-los por serem “sujeitos
temerários e esquecidos dos seus mais religiosos deveres que se atreveram a conspirar
contra o legítimo domínio da Rainha Nossa Senhora desta Conquista610. O Estado não
poderia abrir mão do princípio mediante a qual a religião operava como vínculo de
identificação dos súditos portugueses com o Trono e, por essa via, identificava o contorno
da nação portuguesa. Era a isso que se contrapunham os sediciosos, para os quais o mau
governo justificava o rompimento com Lisboa. Observa-se aqui, um confronto entre duas
visões de mundo: enquanto para os sediciosos a soberania do poder não era irrevogável611,
a acusação os considerava traidores por faltarem "ao preceito de católico, pretendendo
rebelar-se, e negar a obediência, e sujeição, em que nasceu, e a primeira obrigação que
logo então contraiu como vassalo"612 .
Assim, ainda que a avaliação das adesões ao ingresso no circuito conspirativo
passasse fundamentalmente por critérios de natureza política, a naturalidade dos
participantes era variável levada em consideração. Os sediciosos, homens dos povos das
Minas, diferenciavam-se dos de Portugal, causadores de seus males, uma vez que eram “os
senhores de todo o ouro que se tirava nesta terra [Minas]”613.. A crise esgarçava a
universalidade da identidade política portuguesa, incapaz de harmonizar os projetos
políticos contrapostos no âmbito da Capitania. Mas essa situação geradora de tensões
capazes de conferirem clareza à politização de interesses, não engendrava, em si mesma,

608
ADIM- Op.cit, Volume 5, p.149.
609
“Na maioria das vezes o anticatolicismo dos inconfidentes limitou-se a um anticleriacalismo mais ou
menos compatível com o absolutismo esclarecido”. ROUANET, Sérgio Paulo- "As Minas Iluminadas..."-
Op.cit, pp.338.
610
ADIM- Op.cit, Volume 2, p.42. Segundo Marco Silveira, havia um modelo de vassalo que se adaptava ao
arranjo particular do "processo civilizatório" no Império português: "O desejo incansável de servir a Sua
Majestade, carregado de fidelidade e amor à ordem, acompanhava o respeito a Deus e seus religiosos, a
caridade, o 'juízo delicado' e até mesmo, um certo apego aos livros e artes liberais. Se a maior parte dos
súditos portugueses jamais correspondeu exatamente a este modelo, o fato é que ele esteve presente na vida
cotidiana das variadas regiões do Império, estabelecendo referenciais para o conjunto de valores e
comportamentos da sociedade". SILVEIRA, Marcos- Op.cit, p. 32.
611
É nítida a influência do iluminismo nas palavras dos acusados que se referem a esta questão. No entanto,
devemos buscar as origens deste argumento nas teorias corporativistas de poder da Segunda Escolástica, cujos
alguns teóricos chegavam até mesmo a defender o regicídio". VILLALTA-Luiz Carlos - 1789-1808...- Op.cit,
p.18.
612
ADIM- Op.cit, Volume 7, p.247.
613
idem, Volume 1, p. 229.
situações de ruptura no nível das representações e das identidades coletivas. Para que isso
viesse a acontecer, seria necessário o deslocamento do eixo da crise para a esfera política,
vale dizer, da organização do Estado, mediante o desdobramento das tensões em conflito
objetivando o poder, pelo simples motivo das identidades políticas coletivas serem
expressões de práticas políticas coletiva, e esta, no caso dos episódios nas Minas Gerais do
final do século XVIII, manteve-se restrita ao nível da prática de grupo, pelo que a
identidade política resultante somente poderia ser identidade de grupo. Sedicioso não tinha
como se tornar equivalente a filho das Minas, sequer como contrário de português,
significando simplesmente mau português, o que não passava de variante da identidade
matricial. Como esse salto de qualidade (de tensão para conflito) foi abortado pelo
prematuro colapso da articulação política, abortada antes de desdobrar-se em prática de
confrontação entre centros alternativos de poder, o mesmo se deu no terreno das
identidades coletivas, cuja politização foi contida dentro dos limites do harmonizável,
encerrada que foi, pela eficácia da repressão, à esfera das tensões (toleráveis) mas não do
confronto (intolerável).
*
Desta forma, o estudo dos vocábulos políticos, expressando identidades coletivas
constantes nos Autos de Devassa, permite mostrar a ineficiência de qualquer esforço que
pretenda atribuir às idéias dos sediciosos clarezas que não eles não poderiam ter. Eles viam-
se em meio a uma crise e sua trama de contradições e tensões. No plano da vida política,
sua ação revela que a harmonização da diversidade constitutiva do Estado bragantino,
absolutista e colonialista, tornava-se cada vez mais difícil de ser preservada. Nesse sentido,
o caráter ambíguo do jogo de contrários das identidades coletivas, anunciando novos
padrões de tomada de consciência pode ser revelador de dimensões antes não suspeitadas
da crise em curso614. Americanos, brasileiros, filhos de Minas, americanos portugueses,
portugueses eram identidades ainda fragilmente enraizadas em práticas distintas, visões
políticas diferentes, projetos conflitantes. E a coexistência destas identidades num único
momento denuncia a heterogenidade da sociedade das Minas em intensa elaboração de
formas diversas de expressar seus sentimentos. É a crise que se revela atiçando idéias, a
busca de alternativas e o empenho em levá-las à prática.

614
NOVAIS, Fernando- "Condições de privacidade na colônia"- Op.cit.
Capítulo 5º:
Identidade particularista: percepções diversas

A Instrução entregue a Barbacena em 1788 pelo Ministro Melo e Castro não


deu margem a dúvidas quanto à intenção da Corte em preservar os rigores de sua política
para as Minas Gerais, fosse isso, ou não, do agrado dos integrantes da elite da Capitania.
A transparência das diretrizes emanadas da Corte revelou aos coloniais que, para os
insatisfeitos, os tradicionais caminhos da acomodação de interesses, que sempre tiveram
em Lisboa seu ponto terminal, haviam caducado. Muitos eram os descontentes entre os
homens da elite das Minas, e parcela importante dela envolveu-se, uns com maior,
outros com menor empenho, na busca de alternativas, configurando uma situação que
era preocupante para o Trono.
Na verdade, o que estava em franca gestação nas Minas configurava uma
novidade sinalizadora de uma crise que transcendia os limites da Capitania. De fato,
recorrendo a István Jancsó, é de ressaltar que a novidade inscrita nos conciliábulos em
curso nas Minas estava em que eles diferenciavam-se radicalmente das manifestações de
desagrado, freqüentes desde os primeiros séculos da colonização. Ao contrário de
situações anteriores, agora a busca de soluções deslocava-se da esfera de "aspectos
particulares de ações de governo para o plano mais geral da organização do Estado. Não
se tratava mais, nesse final do século XVIII, do constante irromper das contradições e
tensões a desaguarem nos violentos conflitos que pontuaram a história do sistema
colonial português na América. Algo de novo despontava"615, também nas Minas Gerais,
para além de motins antifiscais, nos quais, superados os problemas pontuais que
acirraram os descontentamentos, "o Trono emergia inquestionado e a Monarquia via-se
preservada no seu papel de núcleo ordenador das legitimidades e legalidades"616, e
também das identidades políticas coletivas. O que se percebe, com o ensaio de sedição
de 1788-9, é que as fronteiras da legalidade, presentes nas revoltas do período anterior,
foram transpostas, pois é a própria forma de organização do poder que se tornava o alvo
das críticas, e a substituição por outra se colocava como o objetivo que movia esses
homens. Ainda nas palavras de Jancsó, "o novo que desponta é a sedição, entendendo-se
por esta, neste final do século XVIII, ação organizada visando a revolução. A sedição é,
e todos a percebem dessa maneira, o conjunto das práticas de natureza subversiva que,
referidas à revolução, anunciam-na enquanto possibilidade", mesmo quando a ação
restringe-se à esfera dos enunciados. "A sedição é, então a revolução desejada, o futuro
anunciado, a política nos interstícios do presente"617. Daí seu impacto destrutivo, muito
mais violento que os distúrbios, saques, motins, sublevações e revoltas do período
anterior, pois agora eram os fundamentos da ordem, legitimadores do absolutismo
monárquico, a base dos questionamentos, os quais apontavam para a emergência de
alternativas de ordenamento da vida social, que podem ser rastreadas através do
despontar de novas percepções das identidades políticas coletivas.
Segundo Renato Ortiz, “toda identidade se define em relação a algo que lhe é
exterior, ela é uma diferença”618, no que ele tem razão. No entanto, convém lembrar que
em situações de crise, as velhas referências, quando submetidas à crítica prática
envolvida na busca/produção social de alternativas, passam por processos de perda de

615
JANCSÓ, István- "A Sedução da liberdade..."- Op.cit, p.388.
616
Idem, ibidem.
617
idem, p. 389.
618
ORTIZ, Renato- Cultura brasileira & identidade nacional.5ºedição, São Paulo, Editora Brasiliense,
1994, p.7.
nitidez, o que, no tocante às identidades coletivas, pode provocar a perda da nitidez das
diferenças, apontadas por Ortiz.
O recurso a estudiosos desse universo de questões pode ajudar a entender
porque "ser das Minas" constituiu-se preferencialmente na identificação dos sediciosos
de 1788-9 aquela que melhor expressava sua diferença em face dos
portugueses/reinóis619. Em todo processo de auto-definição, o critério que emerge é
aquele que possui maior significação para o grupo, seja por ser o mais tradicional, o que
persiste há mais tempo na trajetória coletiva, ou por ser o mais expressivo na acentuação
das diferenças. As identidades devem ter “raízes profundas em estruturas persistentes ou
em aspirações coletivas”620, pois seu poder de coesão depende da efetiva
correspondência com os sentimentos coletivos, visto que toda identidade é um produto
social, uma retomada de valores comuns a uma parcela considerável do grupo. Desta
forma, parece claro que a emergente politização da identidade particularista em 1788-9
pode ser explicada pela sua vigência anterior na demarcação das diferenças no interior
da comunidade das Minas, razão pela qual cabe investigar a sua trajetória, na busca da
compreensão dos processos que levaram à opção pela radicalização das diferenças, vale
dizer, pelo rompimento com a Metrópole.
*
Na origem, quando o Estado português era tido por legítimo normatizador das
condições de reiteração da vida social na América, filhos de Minas não sinalizava oposição à
identidade portuguesa. Todo súdito do Rei de Portugal era português, independentemente do
local de seu nascimento. A identidade política portuguesa derivava do Estado ao qual os
indivíduos se sentiam pertencentes e deviam lealdade, enquanto as identidades

619
Na medida em que os elementos de identificação de um grupo podem ter múltiplas abrangências -
étnica, lingüística, religiosa, política...- e que todo processo de identificação obedece a critérios análogos,
estudiosos de diferentes disciplinas têm se dedicado a entender esta questão. O substantivo (identidade) é
adjetivado, a depender do elemento diferenciador de interesse nestes estudos. Ver sobre o tema: JANCSÓ,
István & PIMENTA, João Garrido- "Peças de um mosaico..."- Op.cit; BRANDÃO, Carlos Rodrigues-
Identidade e etnia- construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986;
BRESCIANI, Maria Stella- “Raça e solidariedade: o sentimento de identidade nacional”. In:Colóquio
“Sentimento(s) e identidade(s): os paradoxos do político”, realizado de 3 a 5 de maio de 1994, no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Campinas; DEBRUN, Michel- “A identidade
nacional brasileira”. In:REA. Volume 4, n°8, jan/abril de 1990, pp.33-49; SCHWARCZ, Lilian
"Complexo de Zé Carioca- notas sobre a identidade mestiça e malandra". In: Revista Brasileira de
Ciências Sociais. n° 29, ano 10, outubro de 1995; pp.49-63. ORTIZ, Renato- Op.cit e " O Guarani: um
mito da fundação da brasileiridade" In: Ciência e Cultura, 40 (3), março de 1988, pp.71-93.
620
BACZKO, Bronislaw, Les imaginaires sociaux, Paris, Payot apud Schwarcz, Lilian- Op.cit.p.58.
particularistas especificavam naturalidade, pelo que eram destituídas de conotação política
explícita. Ser filho das Minas, paulista, pernambucano eram formas específicas do ser
português621. Mas como as identidades particularistas, destituídas de conteúdo político,
reiteravam a lógica colonial, os critérios que a definiam ainda que não se chocassem com
aqueles próprios de ser português, qualificavam-nos por via de implícita subordinação.
Neste sentido, quando os sediciosos (ou o aparato repressivo) serviram-se da
identidade particularista nas formas variadas de expressá-la, não criavam nada de novo,
apenas apropriaram-se, politizando-a, daquela que já era utilizada para identificar os
habitantes da Capitania. Desde que Minas Gerais tornou-se independente da Capitania do
Rio de Janeiro, em 1720, seus habitantes eram tidos por portadores de características
próprias que os particularizavam frente aos demais súditos americanos do monarca
português622, o que confere à sua identidade particularista uma existência de quase 70 anos.
Nota-se que, conforme já foi dito, que a política metropolitana foi o motor
propulsor do movimento conspiratório de 1788-9 não apenas porque tornou-se o alvo central
das críticas, mas também por insistir na especifidade da Capitania, dando à identidade
particularista um conteúdo crescentemente preciso, revestindo-a, no entanto, de caráter
pejorativo, que em nada poderia agradar aos habitantes. De qualquer forma, essa dimensão
da política da Corte acabou por acentuar a percepção, pelos coloniais, das diferenças entre
eles e os reinóis, reforçando o sentimento de que o Trono tinha-os por suspeitos quando eles
queriam ser vistos como aliados.
É verdade que, a partir da segunda metade do século XVIII, as autoridades
metropolitanas demonstraram interesse na melhor compreensão da realidade das Minas, para
assim reverterem a decadência que lhes preocupava, sendo de notar que, longe de ser
exclusiva à administração das Minas, essa postura inscreve-se no quadro mais amplo do

621
“Assim, os colonos de São Paulo se reconhecem como paulistas, mas para aqueles das colônias espanholas
com os quais se defrontavam, eles eram reconhecidos, antes de tudo, como portugueses, na medida em que é
esta a identidade política coletiva que decorria do fato de serem súditos do Rei de Portugal, vale dizer
integrantes de uma comunidade política instituída. O ser paulista, ou mineiro, ou bahiense, ou paraibano, ou
carioca, ainda que não fosse percebido como conflitante com o ser português, expressava, entretanto, uma
forma diferenciada de sê-lo”. ISTVÁN Jancsó- Identidades políticas coletivas no desdobramento da crise do
Antigo Sistema Colonial (1789-1822). Paper apresentado no XVIII Simpósio nacional de História “História e
identidade”. Associação Nacional de História- ANPUH, Recife, 23 a 28 de julho de 1995, Campus da
Universidade Federal de Pernambuco, p.5.
622
Segundo Daniel de Carvalho, a Metrópole "reconheceu a realidade da existência de uma poderosa unidade
geográfica e social no interior do país e criou por isso a Capitania de Minas Gerais". CARVALHO, Daniel de-
Op.cit, p.28.
reformismo ilustrado português623. É certo, também, que este pragmatismo ilustrado ganhou
maior dimensão no final do século com o ministro D.Rodrigo de Sousa Coutinho, que
entendeu ser esta a política para alavancar o sistema produtivo das colônias americanas. No
caso específico das Minas, datam de seu governo o maior número de memórias sobre a
região, assim como multiplicaram-se as pesquisas a cargo de naturalistas, iniciativas visando
o conhecimento do território e da natureza da Capitania624.
No entanto, já desde a década de 50, a intensificação da competição colonial entre
as potências européias tornou inadiável o conhecimento das realidades ultramarinas625, com
o conhecimento do território americano sendo imprescindível para a formulação das
estratégias de defesa. A delimitação dos limites na América tornava-se indispensável para a
proteção das colônias, condição de preservação do domínio português nas conquistas626.
Além dos acordos diplomáticos, caso do Tratado de Madri de 1750 estabelecido entre as
Coroas ibéricas, multiplicaram-se as iniciativas em prol da garantia da soberania portuguesa.
Mudanças importantes em curso no Reino, como a reforma do ensino, foram de grande valia
nesta empreitada. A cartografia, que desde a primeira metade do século vinha sendo
aprimorada com os estudos realizados na Academia Real da História Portuguesa627, tornou-
se de fato uma ferramenta do poder com Pombal628.

623
Também o reformismo hispano-americano deu devida importância ao tema, como pode-se observar neste
discurso inaugural da Academia de Náutica em 1799, transcrito por Chiaramonte. "..el conocimiento físico y
geográfico del país es de absoluta necesidad (..). La geografia se estudia con gusto (...) lo interior de la
América es absolutamente desconocido, todo se ignora, la descripción geográfica y física dará a conocer la
calidad y situación de los terrenos y los usos a que pueden destinarse empleándolos útilmente en la cría de
ganados o en la agricultura". CHIARAMONTE, José Carlos-La Ilustración en el Río de la Plata-cultura...-
Op.cit, p.299.
624
Embora há notícias de que naturalistas, ou mesmo astrônomos, percorreram a região para demarcar seus
limites no período anterior, foi no governo do Ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho que eles foram remetidos
em maior número para as Minas. Ver AHU cx.123 doc.88; AHU cx.126 doc.48 AHU cx.128 doc.23; AHU
cx.134 doc.32; AHU cx.134 doc.56.
625
Em 1756, o Rei recomendava às Câmaras do Brasil "que faça cada uma delas uma relação dos lugares e
povoações do seu distrito com os nomes, e distâncias, que há de umas as outras praticando-se a mesma
descrição dos rios (...) Todas estas notícias topográficas para se formar uma Carta Geral de todo o Brasil".
"Registro de uma carta do Doutor Ouvidor Geral escrita aos Senhores do Senado sobre o conteúdo nela". In:
RAPM, ano XI, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1906, pp.683-4.
626
Sobre a preservação do território americano ver: NOVAIS, Fernando- Portugal e Brasil...- Op.cit., pp. 136-
141. Sobre as ameaças das invasões estrangeiras e sua repercussão na política metropolitana ver: MAXWELL,
Kenneth- A devassa da devassa...- Op.cit, pp.54-58.
627
FALCON, Francisco C- Op.cit, pp.205-210.
628
ALEGRIA, Maria Fernanda & GARCIA, João Carlos "Aspectos da evolução da Cartografia portuguesa
(séculos XV a XIX). In: DIAS, Maria Helena (coord)- Os Mapas em Portugal - da tradição aos novos
rumos da cartografia. Lisboa, Edições Cosmos, 1995. p.70.
Com o passar dos anos, à medida que a crise do Antigo Sistema Colonial
acentuava-se, a defesa do patrimônio americano ganhou maior relevância no discurso das
autoridades. A importância da América para Portugal, que não poderia subsistir sem ela sem
perda de importância, estava cada vez mas clara para as autoridades metropolitanas. Porque
perder estas conquistas seria uma derrota sem precedente para o governo português629, os
estudos do espaço americano intensificaram-se, o que conferiu maior solidez à atuação dos
estadistas portugueses nas negociações com a Espanha, subsequentes ao Tratado de
Madri630. Em continuidade a isso, os estudos cartográficos continuaram a ser incentivados,
principalmente com a criação da Academia Real de Fortificações, Artilharia e Desenho em
1790631, durante o reinado de D. Maria I.
A posição geográfica da Capitania das Minas Gerais deixava-a ao abrigo de
qualquer perigo imediato de ataque estrangeiro, mas nem por isto as autoridades deixaram
de entender que também ali o conhecimento do território era instrumento fundamental de
administração, visto ser consensual que a eficácia das medidas visando superar o quadro de
decadência dependia do conhecimento das características físicas da Capitania. Se
desconhecessem as "regiões das Minas que facilitavam a saída do ouro clandestino"632,
como poderiam combater seus inimigos internos, os contrabandistas? Era preciso saber
quais eram as barreiras naturais que dificultavam a fraude, assim como era necessário ter
uma exata noção de onde ficavam as áreas mais vulneráveis, para ali introduzir uma
fiscalização mais rigorosa. Sem o preciso conhecimento da geografia das Minas, não seria
possível controlar a arrecadação das entradas, tampouco descobrir e explorar novas lavras
localizadas nos confins da Capitania, onde os índios ferozes impediam a continuidade da

629
"...sem o Brasil, Portugal é uma insignificante potência; e que o Brasil sem forças, é um preciosíssimo
tesouro abandonado a quem o quiser ocupar". "Instruções de Martinho de Melo e Castro a Luís de
Vasconcellos e Sousa acerca do Governo do Brasil" (1779) In: RIHGB, tomo. XXV, 1862, p.479-483. Apud.
Novais, Fernando- Op.cit. p.139.
630
Referimos ao Tratado de Santo Ildefonso (1777) e o do Pardo (1778). Sobre o primeiro ver: Guerreiro,
Inácio- "As demarcações segundo o Tratado de Santo Ildefonso de 1777". In: HESPANHA, António Manuel
(prefácio)- Cartografia e Diplomacia no Brasil do século XVIII. Lisboa, Cordoaria Nacional/Comissão
Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses, 1997, pp.39-52.
631
ALEGRIA, Maria Fernanda- Op.cit, p.71.
632
Segundo o governador Luis da Cunha Menezes ainda na década de 80. "Comissão chefiada ao alferes
Joaquim José da Silva Xavier pelo governador Luiz da Cunha Menezes". In: RAPM. Ano II, fascículo 2º,
abril/junho de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp. 347-350.
economia aurífera633. E o conhecimento do contorno da Capitania ajudaria a resolver
conflitos de jurisdição com as Capitanias vizinhas, os quais dificultavam em muito a
arrecadação dos tributos nas áreas nas quais não se sabia ao certo a quem caberia administrá-
las .
Estas razões podem explicar porque os governadores renunciavam temporariamente
ao conforto da residência oficial em Vila Rica, e deslocaram-se para áreas remotas e
perigosas juntamente com uma comitiva numerosa634. Muitas vezes estes giros resultaram
em mapas que eram remetidos ao Reino635, e mediante esse recurso as autoridades locais,
através da "observação e [do] ministério da prática"636 iam adquirindo o conhecimento das
Minas, que deixava de ser exclusivo dos homens que ali residiam. Era preciso adquirir a
mesma "experiência do país" que tinham, por exemplo, os camaristas, experiência que lhes
conferia certa autoridade no questionamento das medidas metropolitanas637, das quais
discordavam.
No entanto, as Minas eram vastas demais, e perigosas demais para que esta tarefa
fosse sistematicamente executada por homens acostumados à civilidade do Reino, pelo que
os governantes recorreram, para auxiliá-los, aos naturais da terra. Muitos dos homens que
acabaram por se envolverem no ensaio de sedição foram convocados pelo Estado para
darem conta de tarefas dessa ordem, produzindo conhecimentos a serem partilhados,
debaixo de todo segredo, com os governantes locais. Cláudio Manoel da Costa, por
exemplo, integrou a comitiva do governador Luis Diogo Lobo da Silva nas expedições pelo
sul da Capitania638. Sabe-se que também produziu uma Carta Topográfica, pela qual recebeu
prêmio da Câmara de Vila Rica639. Tiradentes, graças à sua "inteligência mineralógica",

633
Segundo Luis da Cunha, que dava especial revelo a esta questão, "não parece ser útil aos interesses desta
capitania haver terras inúteis pela falta de se conhecer as utilidades que se poderão tirar das mesmas".
"Comissão chefiada ao alferes Joaquim José da Silva Xavier..."- Op.cit, p.347.
634
Sobre os giros dos governadores pelas Minas ver: AHU cx.84 doc.67 f.3; AHU cx.86 doc.18; AHU cx.86
doc.7 f.2.
635
Sobre os mapas pelos quais se baseavam os governantes em seus giros pelas Minas, ou que eram
confeccionados a partir destas viagens: AHU cx.86 doc.18; AHU cx.128 doc.20.
636
AHU cx.116 doc.25 f.10.
637
idem, ibidem.
638
RIBEIRO, João- "Cláudio Manuel da Costa- Introdução". In: A poesia dos inconfidentes...- Op.cit, p.20.
639
VEIGA, Xavier da- Op.cit, Volumes 3 e 4, p.643. Trata-se, possivelmente, da "Carta Geográfica que
compreende a Comarca do Rio das Mortes, Vila Rica, e parte da cidade de Mariana do governo de Minas
Gerais", datada de 1768, cuja cópia de 1827 encontra-se na Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores no
Rio de Janeiro. Sobre a autoria deste mapa ver: Mapas e planos manuscritos relativos ao Brasil colonial
conservados no Ministério das Relações Exteriores e descritos por Isa Adorias para a comemoração do 5º
embora não tivesse formação acadêmica, foi encarregado pelo governador Luis da Cunha
Meneses, em 1784, "de examinar se as formações dos ditos sertões [limítrofes com o Rio de
Janeiro] poderão dar ouro de conta"640. Também José Alvares Maciel fora incumbido por
Barbacena , pouco antes de ser preso, de fazer uma pesquisa mineralógica em Cachoeira do
Campo641. Durante dois meses analisou minerais no Saramenha (Vila Rica) e em Sabará.
Barbacena, que o protegia, demorou muito tempo para atender à solicitação do Vice Rei de
remetê-lo preso ao Rio de Janeiro, alegando que Maciel se tinha "dobrado de ardor e
diligência, desde certo tempo, na indagação de minas (especialmente de cobre e ferro). (...)
E suponho também será o motivo de não ter ido a essa Cidade, como te prometeu e lhe
tenho persuadido"642.
Tratava-se de gente que, conforme se pode perceber, tinha no conhecimento da
Capitania importante recurso de valorização de seus serviços à Coroa, serviços que
envolviam expectativas de reconhecimento envolvendo cargos e privilégios. No entanto, a
partir do momento em que sentiram que a estabilidade de suas posições estava ameaçada,
deram-se conta de que os saberes que detinham poderiam ter outra serventia: a de informar
um projeto político que restaurasse, mediante o rompimento com Lisboa, a grandeza das
Minas Gerais.
*
Para os representantes do Trono, o conhecimento da Capitania tinha, antes de mais
nada, objetivos fiscais. Mais do que saber quais eram as atividades que poderiam ser
exploradas com sucesso, e que trariam progresso para a Capitania, interessava-lhes vigiar os
passos e ações dos habitantes. Isso não é de surpreender, pois estava em estrita concordância
com o fato de atribuírem a decadência à infidelidade dos vassalos das Minas, pelo que
controlá-los parecia-lhes a melhor estratégia para o aumento dos rendimentos do quinto. O
tempo mostraria que suas esperanças estavam destituídas de sentido. As autoridades não
apenas falharam em controlar os moradores das Minas como, por estimularem a busca do
conhecimento das particularidades da Capitania, reforçaram a percepção, entre a elite local,
das suas potencialidades, cuja realização era obstacularizada pelos erros de Lisboa.

centenário da morte do Infante D. Henrique. Ministério das Relações Exteriores, Serviço de documentação,
Rio de Janeiro, 1960, Volume I.
640
"Comissão chefiada ao alferes Joaquim José da Silva Xavier...".- Op.cit.
641
ADIM- Op.cit, Volume 8, p.40.
642
idem, pp.146-7 .
De qualquer forma, e porque não podiam antever as conseqüências de sua política,
as latitudes e longitudes iam sendo calculadas, os limites demarcados, com o território das
Minas ganhando configuração mais precisa. Ao mesmo tempo, procuravam controlar todas
as áreas, em especial aquelas nas quais os habitantes conseguiam agir com relativa
autonomia devido à distância do poder, que sabia que devia estar presente mesmo nos
lugares mais remotos, para atalhar os crimes e reduzir os moradores à ordem desejada.
Sabia-se, também, que esse objetivo implicava em dotar o poder de informações
precisas sobre a população, o que envolvia a realização de censos. O primeiro censo de que
se tem notícia é datado de 1776643, mas ao que parece Melo e Castro não se deu por
satisfeito com os resultados obtidos, pois um ano depois recorria ao governador para que
este lhe fornecesse o número de habitantes das Minas, divididos em classe, idade e sexo.
Para "um ponto de tanta importância como é o de saber Sua Majestade o número de
vassalos que habitam nos seus domínios"644, o Ministro exigia urgência.
E a isso se somavam anseios de compreensão da índole destes povos. Embora
nenhuma lei, ordem régia, ou alvará tocasse no assunto, este ponto revelou-se de absoluta
importância à imposição das diretrizes metropolitanas, prova do que é o fato de sempre que
as autoridades escreviam sobre as Minas, detinham-se em caracterizar seus habitantes, cujo
conjunto formava "os povos" para quem o governo formulava as medidas administrativas.
As autoridades, a princípio, orientando-se pela idéia de que as leis eram boas e não
deviam ser modificadas, entendiam que o problema (a decadência) não estava nelas,
cabendo a responsabilidade aos seus súditos nas Minas Gerais. Com a crise, as autoridades
viam-se condicionadas a afirmar a infidelidade de seus súditos, como recurso de preservação
da imagem de eficiência do Estado português. As técnicas de saber podem ter sido
aprimoradas, mas nem por isto as autoridades abriram mão dos fundamentos de suas
concepções políticas. A realidade era ajustada para que as diretrizes metropolitanas não
precisassem ser reformuladas. Na ótica do Estado, não eram as diretrizes políticas que
deviam ser alteradas, eram os habitantes das Minas que deviam ajustarem-se a elas.
643
Sobre o censo de 1776 ver: AHU cx.110 doc.59 (mapa dos habitantes atuais de Minas Gerais, e dos
nascidos e falecidos no ano de 1776). Luis Beltrão de Gouvêa de Almeida, por volta de 1779, considerava que
"a população da Capitania de Minas no ano de 1776" era de 319.769 moradores. AHU cx.115 doc.72 f.4. Já
os oficiais de Vila Rica, treze anos depois, informavam que nas Minas viviam neste mesmo ano 350 mil ou
mais habitantes. AHU cx.132 doc.45 f.9.
644
"Carta do Sr. Martinho de Mello e Castro com a Relação que Sua Majestade manda formar dos habitantes
desta Capitania". In: RIHG/ MG. Volume X, Belo Horizonte, 1963, pp.421-423.
*
A partir da segunda metade do século XVIII, o ímpeto em se conhecer a realidade
americana evidenciou as diferenças entre suas partes, mas a percepção da diversidade não
envolveu o reconhecimento de que todos os homens livres eram vassalos portugueses. Não
importava se residissem em regiões planas ou montanhosas, que se dedicassem à agricultura
ou à mineração, ou se sua comunidade partilhava de um passado que lhe era específico,
essas diferenças não ameaçavam a unidade da monarquia, nem tampouco a soberania do
Trono na América, enquanto os homens continuassem a seguir os padrões de
comportamento esperados de todo súdito português: lealdade ao soberano e estrita
observância de suas leis. Sem exceção, quando as condutas divergiram deste padrão, as
autoridades empenharam-se em combatê-las com a maior eficiência e eficácia possíveis.
Quanto aos habitantes das Minas, desde sempre lhes eram atribuídos traços tidos
como a negação do ideal de bom vassalo. Embora sejam raras as notícias de que no período
de 1763-1788 eles tenham se envolvido em atividades subversivas, sua rebeldia era tida por
enraizadas em suas práticas cotidianas. Como um costume que se repete todos os dias, sem
precisar determinar hora ou local, os homens das Minas eram vistos como apegados à índole
rebelde de seus ancestrais, mas, porque vinha dissimulada, sua desobediência não poderia
ser combatida com punições exemplares. Assim, a prudência era aconselhada em tais casos,
com o que a fiscalidade tornou-se a principal arma do Estado na imposição das obrigações e
deveres aos quais sistematicamente procuravam se furtar.
Já em 1765, essa imagem dos povos de Minas, que predominará nos anos
subsequentes, aparece nas palavras do governador Luis Diogo da Silva, que se mostrava
"preocupado de receio de ter involuntariamente incorrido em justo desagravo por argüições
menos qualificadas, ou impressões,(...)[sobre] a malevolência dos Povos Americanos" em
relação "as pessoas encarregadas de os reger"645. Para o governador, tratava-se de homens
desobedientes que desrespeitavam as autoridades porque estas "lhes embaraçam com justiça
viver à lei de sua vontade, ou os obriga a contribuir com o que devem os direitos da
Majestade"646. Veja-se que essas palavras ganham pleno significado num contexto no qual
Luis Diogo estava cheio de receios quanto à reação de Lisboa em face das medidas que

645
Embora empregasse o termo "povos americanos", o governador referia-se aos naturais das Minas Gerais,
como é possível notar a partir do teor desta carta.
646
AHU cx.86 doc.7 f.1.
havia tomado sem prévia consulta às autoridades de maior escalão. Para justificar ter agido
com autonomia, o governador explicava que os giros que havia feito pela Capitania levaram-
no à formulação de idéia mais exata sobre a natureza de seus habitantes, sempre em busca da
conduta mais apropriada para reduzi-los à necessária fidelidade.
Passados dois anos, voltava a explicar que, não obstante se inclinasse "mais a
doçura do que ao rigor"647, para governar as Minas não era possível adotar aquela prudência
aconselhada no Reino. Em sua opinião "o gênio dos habitantes da dita Capitania" estava
"apto a persuadir-se das sinistras e mal intencionadas idéias com que alguns espíritos
inquietos podem procurar aluciná-los"648, acrescentado que, dentre eles, mesmo os homens,
que ocupavam algum posto de mando, por não terem "instrução competente a dar-lhes o
conhecimento do que é lícito ou ilícito", não serviam, como deveriam, de exemplo ao
restante da população. A "vaidade e distância do país não deixa de os lisonjear, por mais
que cuide em lhes persuadir diretamente o contrário". Desta forma, o governador defendia
que era "preciso não poucas vezes cortar com aparências de violências, o que pode produzir
conseqüências de arruinar as partes, que se conservam leais"649. Nota-se que ele evitava
estender a todos a infidelidade de alguns como fizeram as autoridades que o seguiram. No
entanto, estava convicto de que os vassalos que ainda se conservavam fiéis acabariam sendo
influenciados por idéias desviantes da norma desejável.
Como Luis Diogo, outras autoridades justificaram suas ações a partir da imagem
corrente que se tinha dos habitantes das Minas, o que resultou em situações contraditórias.
Pamplona, por exemplo, quando em 1781 solicitou um militar pago para servir na Conquista
da Medanha, posta sob sua responsabilidade, reclamava da "nenhuma disciplina dos
habitantes" e da "brutalidade" dos mesmos650. No entanto, no mesmo ano, ao solicitar um
altar portátil para a celebração de missas nesta localidade, onde não era possível "obrigar do
preceito da Quaresma", já não sustentava a mesma opinião, afirmando não ter do que se
"queixar do povo (...) porque em toda a parte que tenho chegado tem se mostrado com
demonstrações de alegria que ditaram pelas noites luminárias, e em outras partes missa
cantada"651.

647
AHU cx.90 doc.63 f.2.
648
idem, f.1.
649
idem, f.2.
650
SG cx.12 doc.25.
651
SG cx.11 doc.4 f.1.
De resto, acreditava-se que a maior parte dos moradores das Minas estava de
alguma forma envolvida com o contrabando, mas nem mesmo aqueles que se livraram
destas acusações ficaram isentos de responsabilidade. Para as autoridades, o rendimento do
quinto declinava porque eram muitas as formas vigentes de burlar o fisco, mas também,
admitiam, a cobrança deste imposto via-se prejudicada pela inércia daqueles que,
conformados com uma riqueza já amealhada, deixavam de extrair da terra o ouro que ainda
ali se encontrava, com o que características opostas como a inércia e a rebeldia
harmonizavam-se na construção da imagem dos colonos das Minas Gerais.
Quando em 1784 o intendente da Comarca de Sabará expôs suas sugestões para
aumentar os rendimentos da Coroa, lamentava "que não há terra mais pobre que esta, sendo
a que conserva o ouro", pois a pobreza não estava no subsolo da Capitania e sim na
qualidade da gente que a habitava, e que "arruinam o Estado". Enfático, proclamava que a
Providência, "em castigo da preguiça"652 tornara o ouro escasso, com o que a esterilidade
das lavras não tinha causa natural, sendo conseqüência do caráter "indolente, vadio e
preguiçoso" dos moradores, motivo da ira divina. Assim, para ele, nada mais restava do que
obrigá-los a trabalhar nas minas para que voltassem a pagar corretamente o quinto do ouro.
Segundo ele, este "proposto método parecerá no princípio violento, (...) felizmente ao
depois lhe será voluntário, como nesta parte da América estabelecerão outras nações mais
curiosas e propensas ao seu negócio e do público"653.
Violentas ou não, as diretrizes eram impostas porque se acreditava que era possível
corrigir os defeitos daqueles povos, conhecidos antes mesmo do ouro começar a se
esgotar654. Na primeira metade do século, quando já eram freqüentes as revoltas, eles já eram
taxados por infiéis. A partir da década de 40, quando estas se tornaram menos freqüentes, a
insubmissão mudou de natureza, e tornando-se menos explícita, jamais deixou de ser vista
como condenável, e nem o fim dos levantes livrou os habitantes de serem criticados.

652
AHU cx.122 doc.50 (todas as citações estão na f.13).
653
idem, f.14.
654
"Os primeiros governos das Minas foram unânimes na condenação dos povos da Capitania, os quais
consideravam turbulentos e prontos a se amotinarem a qualquer pretexto". O governador Martinho de
Mendonça, por exemplo, "estava convicto que os motins de 1736 tinham correspondência nas Minas 'onde
nunca [faltavam] descontentes e casualidades que, diminuindo o respeito do Governo, indiretamente
[animavam] os mal-intencionados'". ANASTÁCIA, Carla Maria Junho- Vassalos rebeldes: violência coletiva
nas Minas na primeira metade do século XVIII...- Op.cit, pp. 6 e 75 respectivamente. Sobre a imagem de
rebeldia atribuída aos naturais da Capitania nas primeiras décadas do século XVIII ver ainda: FURTADO, Júnia
Ferreira- Homens de Négócios...- Op.cit, em especial o Capítulo 3 "As Minas endemoniadas".
Melo e Castro, na sua Instrução, apontava para a mudança da natureza da rebeldia
dos coloniais. Segundo ele, "entre todos os povos de que se compõem as diferentes
capitanias do Brasil, nenhuns[sic] talvez custaram mais a sujeitar e reduzir à devida
observância e submissão de vassalos ao seu Soberano, como foram os povos das Minas"655.
No histórico que traçou da "insubmissão popular" na Capitania, a rebeldia não sobreviveu
ao governo do Conde de Assumar; depois dele os habitantes resolveram "como deviam, a
cumprir com as obrigações de leais vassalos"656, o que, no fundo, não implicava em
alteração substancial do caráter que lhes imputava, pelo que alertava a Barbacena para que
"não obstante, porém esta metamorfose,(..)à vista dos acontecimentos anteriores, que ficam
referidos, tome V.S sempre as providentes medidas, não só para ocorrer aos incidentes que
possam sobrevir ao presente, mas para acautelar o futuro"657.
Reconstruindo a história das Minas, Melo e Castro apontava para a periculosidade
potencial de seus habitantes, para o que as autoridades deviam estar sempre atentas, mesmo
quando seus comportamentos fossem conforme o esperado de súditos submissos. Via-os
como se guardassem dentro de si uma rebeldia sempre prestes a emergir, presos à natureza
brutal de seus ancestrais. Quanto aos rendimentos do quinto, Melo e Castro era pessimista:
"o grande objeto dos habitantes das Minas"658 era que ele "se reduzi[sse]r a nada", o que
previa para muito em breve.
Quanto ao passado da Capitania, naquilo que dele se sabia, suas lições compunham
as bases dos critérios para o entendimento da índole de seu povo. Cabia, assim, às
autoridades, o recurso aos registros da história das Minas, buscando na documentação as
razões do comportamento de seus habitantes659. Nessa direção, por ordem régia de 1782, o
governador estava autorizado a ordenar aos ouvidores das Comarcas que elaborassem
"efetivamente todos os anos umas memórias anuais dos novos estabelecimentos, fatos e
casos mais notáveis e dignos de história, que tiverem sucedido desde a fundação dessa

655
"Instrução para o Visconde de Barbacena..."- Op.cit, p.53.
656
idem, p.59.
657
idem, p.56.
658
idem, p.75.
659
A história tornou-se objeto de reflexão no Reino principalmente com as pesquisas desenvolvidas pelos
membros das Academias científicas. Ver sobre o assunto: Kantor, Iris- "Como escrever a História, segundo a
Academia Real de História Portuguesa". Comunicação apresentada no XX Simpósio de História da ANPUH,
Florianópolis, julho de 1999 (mimeo).
Capitania e forem sucedendo"660. Assim como os cartógrafos, os que se lançaram a essa
tarefa, tiveram que enfrentar dificuldades. Neste caso, não eram os obstáculos naturais que
dificultavam seus trabalhos, mas sim a insuficiência de registros, como notara naquele
mesmo ano o juiz ordinário de Vila Rica, afirmando que os "monumentos precisos nos
arquivos da Câmara da mesma Vila e cartórios dela" só podiam "mostrar alguns remotos
vestígios da época da sua criação [da dita vila], porque até o presente não me consta se
fizeram as menores diligências, para a regulação do País", pelo que o "tratado analítico em
que fizesse ver as épocas do estabelecimento, fundação e criação desta Vila" necessitava,
para a sua feitura, de uma averiguação mais completa do que poderia ser feita com base na
documentação existente em Vila Rica661.
Até 1792, a investigação histórica acrescenta caracterização corrente dos homens
das Minas, no entanto, o conhecimento da natureza e do território da Capitania, que havia
dado grandes passos, servia a este propósito, ao menos desde que o Conde de Assumar, na
década de 20, no discurso que justificava seus atos violentos contra os protagonistas da
sedição em Vila Rica, definiu o padrão que manter-se-ia por muito tempo. Para aquele
governador, quem quer que fosse para as Minas e ali fixasse residência, seria contaminado
pela infidelidade característica dos nacionais, afinal, ponderou, “árvores mudadas seguem a
natureza da região a que foram transportadas”662.
Na segunda metade do século XVIII esta visão determinista sobrevivia entre a elite
ilustrada da Corte, convencida que estava de que as formas de governo eram condicionadas
pelo meio ambiente663. Não surpreende, portanto, que as autoridades portuguesas
atribuíssem aos homens das Minas, com base na sua percepção do ambiente natural da
Capitania, os defeitos que tinham por seus. Afinal, o clima insalubre era prejudicial aos
trabalhos diários, e não era possível viver agradavelmente na Capitania. Não foram poucas
as autoridades que pediram autorização para retornar a Portugal, alegando "continuadas

660
"Sobre memórias municipais a cargo de um dos vereadores" In: RAPM, Ano VII, Belo Horizonte,
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1902, p.437.
661
SG cx.12 doc.58.
662
Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Estudo crítico,
estabelecimento do texto e notas: Laura de Mello e Souza, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 64.
663
"Por lo demás, es muy necesário observar que todo gobierno no conviene de la misma manera a todos los
pueblos; su forma debe depender infinitamente del lugar, del clima, así como del espíritu, del genio, del caráter
de la nación y de su extensíon". DIDEROT & D´ALEMBERT- Op.cit., p.74. verbete "gobierno".
moléstias" que "se lhe aconselham os ares pátrios"664, posto que tinham o clima como
"oposto aos seus temperamentos"665. Descrevendo as Minas como se fossem um inferno, tal
como já fizera Assumar, as autoridades buscavam justificativas para sua inoperância
atribuindo a rebeldia dos povos e sua rusticidade aos perigos, à falta de uniformidade de seu
clima e à irregularidade de seu relevo.
A percepção dominante sobre os povos das Minas pautava-se pelo pressuposto de
que numa região cercada de asperezas os homens seriam insubmissos666 uma vez que,
acostumados a elas tinham-se por superiores, aptos que eram para vencer os obstáculos
naturais que os próprios governantes, em suas viagens, só com muita dificuldade
conseguiam enfrentar. Naquela região inóspita, até mesmo os extraviadores, cuja malícia era
reconhecida667, tinham que recorrer aos "nacionais, e pretos sobreditos, que por nascimento
virem habituados ao corso dos matos despidos de brio". Estes podiam conduzir-se "com
facilidade para qualquer parte aonde o interesse os brinda"668. Durante o período de 1763-
1789, o discurso das autoridades envolvendo os homens das Minas manteve essa
proposição: eram gentes que obedeciam apenas aos seus instintos e vontades, difíceis de
serem reduzidos à boa ordem.
Mas, nem todos os dirigentes conformavam-se ao uso desse paradigma, consensual
apenas entre aqueles que, refletindo o pensamento dominante na Corte, acreditavam que a
infidelidade dos súditos era a origem dos males da Capitania. Para os outros, aqueles que
percebiam as limitações das diretrizes metropolitanas e defendiam que elas fossem alteradas,
os habitantes eram em geral descritos como gente de mérito, merecedora de consideração, e
não de punição. Nesse elenco restrito, destaca-se o governador D. Rodrigo José de Meneses,
que tinha "o mineiro que passa a sua vida, e arrisca o seu cabedal a desentranhar da terra
este precioso metal, como um homem muito respeitável"669. A imagem de preguiça e
insubmissão, para ele, não era generalizável; pelo contrário, era preciso diferenciá-los dos, a
664
AHU cx.85 doc.47 f.1.
665
O governador Luis Diogo da Silva queixava-se "que neste clima me tem repetido com excesso as moléstias
contraídas no de Pernambuco". AHU cx.86 doc.7 f.7. José Joaquim de Almeida, que se identificava como
"criado útil" do governador D. Rodrigo de Meneses, acreditava que este estava prestes a pedir um sucessor
devido "à continuação de repetidas moléstias que padece neste Continente causadas pelo clima oposto ao
temperamento de V. Ex.ca". SG cx 12 doc.19 f.1.
666
SG cx.12 doc.31 Segundo Marco Silveira, "a sociabilidade nas Gerais esteve sempre, na fala dos eruditos,
associada à imagem do desvio". SILVEIRA, Marco Antônio- Op.cit, p. 42.
667
"imensas veredas conhecidas só pelos extraviadores". AHU cx.124 doc.29 f.1.
668
AHU cx.86 doc.7 f.2.
669
"Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses..."- Op.cit, p.315.
título de exemplo, contrabandistas, aos quais D. Rodrigo nem sequer admitia serem
habitantes da Capitania670.
O governador reconhecia que os habitantes possuíam características que lhes eram
peculiares, e que "a Capitania é diferente (...) de todas as demais"671; mas estas
particularidades eram avaliadas com grande otimismo: as riquezas que só este território
possuía e a vocação dos filhos das Minas para o trabalho enchiam-no de esperanças. A
imagem de país desconhecido, inculto e inútil672, descrito pelos demais governantes, não
encontrava eco nas palavras deste governador, para quem as Minas já não imperavam mais
mistérios, pois estavam muito povoadas e não havia "parte alguma delas tão recônditas que
não se conheça"673 .
O discurso de D. Rodrigo é perpassado por idéias de progresso, pois ele acreditava
na possibilidade de reverter a decadência pela qual os habitantes não poderiam ser
responsabilizados. Mas poucos partilhavam de seu otimismo. Teixeira Coelho, por exemplo,
ao tomar partido quanto a esta questão, revelou uma percepção contraditória, com sua defesa
categórica destes homens que "nunca deixaram de reconhecer que eram vassalos e sempre
zelaram os interesses da Fazenda Real"674, é contraposta, páginas adiante, à ênfase na
"relaxação dos costumes destes habitantes de Minas, onde a virtude é sufocada pela
ambição"675.
De qualquer forma, é possível observar que, no geral, as autoridades que se
mostravam inflexíveis quanto ao ajuste das diretrizes metropolitanas à realidade da crise da
Capitania foram as mesmas que mais negativamente descreveram seus habitantes, enquanto
que as que empenhavam-se na busca de alternativas dedicaram-se à reversão da sua imagem
negativa.
*
D. Rodrigo, como se viu no segundo capítulo, não pode ser tomado como caso
típico de conduta dos governantes nas Minas Gerais, tendo sido bem poucos os que

670
Para ele, os trabalhadores das lavras "possuidores dos fundos de terra são mais ligados à sociedade, e mais
obedientes às leis do que os negociantes; porque uns temem perder o patrimônio que os faz viver, e os outros
depois que há letras de câmbio são habitantes do universo". idem, p.321.
671
idem, p.311.
672
AHU cx.89 doc.8 f.3.
673
"Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses..."- Op.cit, p.320.
674
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.126.
675
idem, p.155.
revelaram a mesma acuidade crítica. É certo que o contrabando existia, o que, de resto,
como observou D. Rodrigo, não isentava o governo de Lisboa de sua parcela de
responsabilidade pelo agravamento da decadência que era percebida e qualificada com base
na diminuição do rendimento do quinto. Como Lisboa insistia em atribuir a perda de receita
à má índole de seus vassalos na Capitania, recusava qualquer hipótese de alteração de uma
política em relação às Minas Gerais. Assim, no discurso oficial, que versava sobre impostos,
os habitantes continuaram sendo reconhecidos como infiéis.
Mas se a índole infiel dos habitantes justificava o rigor administrativo, a revisão
desta imagem tornou-se objetivo dos moradores das Minas, que sabiam tratar-se, no caso,
para além de uma questão de honra, coisa que não era de pouca importância, mas
principalmente porque o reconhecimento de seus méritos e serviços era item essencial da
justificava das proposições que submetiam à apreciação do Trono, bem como, e isso é
fundamental, conforme já se viu, para a preservação de seus cargos, fossem administrativos,
militares ou eclesiásticos. Vendo na Coroa um aliado, dedicavam-se a esta tarefa recorrendo
aos canais mais diversos, fosse escrevendo poesias ou representações, conforme as
condições, oportunidade e as habilidades de cada qual.
Exemplo disso é o empenho dos camaristas de Vila Rica, em 1765, em convencer
as autoridades de que o povo desta "grande parte da América, sempre [fora] fiel a Vossa
Majestade"676. Nessas representações, os homens das Minas são mais do que leais, eles se
sobressaíam entre os demais vassalos americanos em suas manifestações de fidelidade nas
quais concentravam todos seus esforços, pois eram "obedientes vassalos prontíssimos a
sacrificar voluntariamente vidas e fazendas a Coroa"677. Para os de Mariana, em 1775, era
"esta Capitania entre todas as mais dos Estados Americanos, a que com a produção dos
seus haveres, extraídos da terra, o impulso do laborioso trabalho dos Mineiros, e seus

676
AHU cx.86 doc.14 f.1.
677
Segundo os camaristas de Vila Rica em 1766. AHU cx.89 doc.26 f.2. Quatro anos antes, os oficiais da
Câmara da Cidade de Mariana informavam as providências tomadas para a festividade do nascimento do
Príncipe Nosso Senhor, "para na prontidão da sua obediência acreditarem na sua lealdade, com que aquela
câmara e seus moradores souberam sempre aplaudir as régias determinações dos seus Felicíssimos Monarcas,
desempenhando no possível o título de leais". "Consulta da Capitania de Minas- Os oficiais da Câmara da
cidade de Mariana pedem a Sua Majestade lhes faça mercê mandar se lhe levem em conta as despesas e mais
propinas, que se fizeram pela ocasião do feliz Nascimento do Príncipe Nosso Senhor, e vai documento que se
acusa". In: RAPM, ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1910, p. 457.
habitantes, se tem mostrado a mais propícia aos reais interesses de Vossa Majestade"678.
Dois anos depois, os camaristas de Vila Rica voltaram a afirmar ao soberano, no qual
reconheciam ser "...Rei, e Pai de seus vassalos", que os habitantes das Minas eram, e seriam
sempre, "fiéis observadores das Suas Reais ordens"679.
Em 1781, o presidente da Câmara de Mariana recordava o tempo do Rei D. João V,
o qual "foi servido acreditar-nos" com "graciosíssimos títulos de bons, fiéis, e honrados
vassalos"680, com a menção servindo para reivindicar o mesmo tratamento, posto que "esta
Capitania ainda é tão útil, como leal, e fiel a Vossa Majestade"681. Pedia-se reconhecimento
às "sublimes qualidades"682 de um povo que por tantos anos pagou voluntariamente um
subsídio que excedia em "muito as forças do estado em País tão pouco estabelecido"683, à
uma gente que pagava os "dízimos anuais dos seus frutos e criações, como sempre o
fizeram, quais católicos, e fiéis vassalos de Vossa Majestade"684.
Os camaristas esforçaram-se em demonstrar que nenhuma responsabilidade cabia
àquele "povo tão considerável"685 pela queda do rendimento do quinto, empenhado em
dedicar seus esforços e posses em tirar da terra o que não existia mais na superfície.
Esforçaram-se, eles, em deixar claro para as autoridades metropolitanas que as medidas
administrativas colidiam com a fidelidade dos súditos do Rei. Faziam isso insistindo, tal
qual algumas autoridades, em que os únicos homens que naquela Capitania não mereciam
respeito eram "os extraviadores do ouro em pó" que "não são os mineiros"686, e quem ficava
com o ouro que penosamente era extraído das lavras687. Na verdade, sugeriam que melhor

678
AHU cx.108 doc.75 f.1. Os camaristas de Vila Nova da Rainha, em 1765, entendiam que eram estes "povos
os que com seu suor, e indústria mais frotificam [sic] , em beneficio dos reais interesses de Vossa Majestade;
bem comum do Reino". AHU cx.86 doc. 31 f.1.
679
AHU cx.104 doc.40 f.4.
680
"Quintos do ouro..."- Op.cit, p.75.
681
AHU cx.113 doc.67 f.5.
682
Conforme os camaristas de Sabará em 1777. AHU cx.111 doc.48 fls.1-2.
683
idem, f.3. Em 1767, os camaristas da Vila Nova da Rainha também consideravam "fiéis os vassalos da
Capitania". AHU cx.91 doc.43 f.1.
684
AHU cx.98 doc.50 f.1.
685
AHU cx.103 doc.91 f.5.
686
AHU cx.131 doc.77 f.2.
687
idem, f.3. "Os que sepultando-se em vida com evidente, e manifesto perigo, desentranham da terra os
haveres, que logo das mãos lhes desaparecem para ir facilitar a outros, deixando de ordinário aos autores da
fortuna alheia, a perda da própria vida, as enfermidades despesas, e ultimamente a pobreza em que acabam".
seria se os comerciantes fossem controlados e punidos preservando-se os demais habitantes,
"digno objeto da Real Intenção dos N. Augustíssimos Monarcas"688.
O elogio dos mineiros, em geral extensivo aos agricultores, acarretava na
desqualificação dos comerciantes que, além de responsáveis pela imagem negativa dos
povos das Minas no seu todo, ainda atreviam-se a disputar postos administrativos,
representando, portanto, uma ameaça à elite local . Para essa, os comerciantes não reuniam,
ao contrário da nobreza da terra, os requisitos necessários que os tornassem aptos a servirem
à Coroa, nos termos de uma representação da Câmara da Vila do Bom Sucesso argüindo, em
1775 (antes, portanto, da mudança de rumos trazida pela Instrução a Barbacena), que "as
pessoas mais nobres, e distintas, [eram as] que costumam andar na governança desta
República"689.
No discurso das Câmaras, a grandeza das Minas era exaltada, elogio que repercutia
sobre as características morais de seus habitantes. Em 1763, quando a lembrança de um
tempo de abundância do ouro era coisa presente, era possível acreditar, como queriam os de
Vila Rica, que "quase todos os tesouros que desta América se extraem, dela [Capitania] se
saem"690. No entanto, com o passar dos anos, a decadência invalidou argumentos deste tipo,
ainda que a retórica otimista continuasse a mesclar-se com as queixas. O conhecimento da
realidade permitia aos camaristas insistirem em que a terra era próspera, e eram grandes as
possibilidades de restaurarem-se os saudosos tempos de fartura pois, ao contrário do que as
autoridades insistiam em negar, as Minas tinham clima saudável, solo favorável a diversas
culturas, rios que podiam ser navegáveis, e uma natureza exuberante. O problema estava em
que uma terra tão rica não podia ser administrada como se nada tivesse a oferecer.
A valorização da natureza das Minas, e de seus compatriotas, está presente na
produção literária local691. Em 1781, Alvarenga Peixoto escreveu o canto genetlíaco,

688
idem, f.2.
689
AHU cx.108 doc.77 f.1.
690
AHU cx.81 doc.15 f.1.
691
Os naturais das Minas, que no final do século escreveram suas memórias, continuaram a enaltecer a
natureza das Minas, para então lamentar-se de sua decadência, criticando assim timidamente a política
metropolitana. "O País de Minas Gerais (...) da qual podemos dizer que a natureza liberalmente confiara os
tesouros da abundância; não tanto por haver ali criado o ouro, o diamante, a crisólita e outras pedras
preciosas, como pela fertilidade do terreno, que larga e profusamente produz, além dos gêneros da primeira
necessidade todos os mais, que podem fazer considerável o objeto do nosso comércio, como são as canas do
açúcar, o café, a baunilha, o cacau, a coxonilha, o tabaco e o algodão (...) caminha apressadamente para a
sua última ruína; uma vez que a extração do ouro (único objeto da industria daqueles povos), tem chegado a
tal ponto de dificuldade, que excede as forças dos mineiros". OTTONI, José Elói- Op.cit, p.3.
"poema que era uma apologia entusiástica das riquezas, dos homens e das promessas da terra
mineira"692, ambiente propício, segundo o autor, de uma futura " grande civilização"693.
A trajetória de Cláudio Manoel da Costa é significativa para mostrar como a
intensificação da crise e da insatisfação com o Estado português levou a elite local a lutar
pelo reconhecimento dos méritos dos homens da Capitania. Quando o poeta retornou à sua
pátria em 1753 após ter se formado em leis na Universidade de Coimbra, a rusticidade e a
falta de civilidade das Minas levaram-no a sentir-se "na própria terra peregrino"694, pois o
contato com a realidade européia revelou-lhe com nitidez as características da Capitania que,
se antes eram conhecidas, só mediante a comparação ganhavam pleno significado, do que
resultou a percepção do antagonismo entre os ambientes de sua formação e de sua criação.
Apesar de este confronto ter-se traduzido, nitidamente, em pessimismo e desconforto,
Cláudio não renunciou aos laços afetivos que o uniam à sua pátria, ainda que isso se desse
permeado de uma certa melancolia695. No entanto, com o passar do tempo, seu olhar sobre as
Minas foi se modificando. A paisagem não deixava de lhe parecer áspera, os homens
continuavam a serem reconhecidos como incultos e ambiciosos, mas o poeta passou a
considerar a possibilidade de reformar as Minas, civilizando-a, introduzindo nela a reforma
do gosto em pleno curso no Reino696. Assim, em suas poesias encomiásticas, ao lado de
louvores aos governadores, Cláudio mostrava a situação decadente das Minas e recorria aos
homenageados auxílio para as reformas, como o fez em 1768 quando a Academia reuniu-se

692
MAXWELL, Kenneth- "História da Inconfidência Mineira: dimensões internacionais" In: IX AMI. Ouro
Preto, Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1993, pp.24-25.
693
Idem, ibidem.
694
AMARAL, Sérgio Alcides Pereira do- ESTES PENHASCOS-Cláudio Manoel da Costa e a paisagem
das Minas. Dissertação apresentada ao Departamento de História da PUC- Rio de Janeiro como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação do Prof. Dr. Ilmar Rohloff de
Matos, Rio de Janeiro, 1996, p.177.
695
Idem, p.111. No seu poema Vila Rica de 1773, Cláudio considerava que narrar a história da fundação da
Capital das Minas era uma tarefa que estava acima de suas aptidões, no entanto não se escusou dela, por amor à
pátria, conforme escrevia: "desculpa o amor da Pátria, que me obrigou a tomar este empenho, conhecendo
tanto as desigualdades das minhas forças" COSTA, Cláudio Manoel- "Vila Rica". In: A poesia dos
Inconfidentes- Op.cit, p.358 (Fundamento Histórico).
696
No Parnáso obsequioso de 1768, Cláudio "mostra que as Minas são dignas de uma Arcádia (...) A terra é
naturalmente feia, as famílias/troncos são incultas, os penhascos são horrendos e os tapuias são queimados
(acrescente-se ainda que os rios são turvos) mas essa natureza bárbara pode ser polida, cultivada, com cultura,
num processo de civilização" (grifos do autor). AMARAL, Sérgio- Op.cit, p.17. Segundo Ruedas de la Serna,
Gonzaga também acreditava "na linhagem do saber, no refinamento pela cultura e pela educação. Aspirava,
sem dúvida, viver em uma sociedade ordenada pelos preceitos do direito e repudiava a 'crassa ignorância' e
sobretudo, o comportamento dos homens 'bárbaros', sem instrução e sem escrúpulos morais". RUEDAS DE
LA SERNA, Jorge Antonio- Arcádia: tradição e mudança. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo,
1995, p. 165.
para louvar a posse do Conde de Valadares, evento em meio ao qual, Cláudio Manoel
recitou a ode “Na imagem de uma nau soçobrada se pinta o decadente estado das minas, e
se auspicia felicíssimo reparo”697.
No caso específico de Cláudio não era a decadência aurífera que o incomodava, até
porque, quando retornou às Minas, o ouro ainda não dava sinais evidentes de esgotamento.
O poeta preocupava-se particularmente com a moral e os costumes daquela Capitania
incivilizada. No entanto, o fato de apostar na possibilidade de reformar a índole dos
habitantes revela que ele os valorizava, atribuindo a sua incivilidade a uma política que
dificultava o progresso material e civilizatório das Minas. Que a crítica, e consequentemente
a descrença na justeza da ordem política deveu-se ao fato de ter sido destituído do cargo de
Secretário do Governo é hipótese a não ser afastada. O mais provável é que, sentindo na pele
os preconceitos que informavam a conduta das autoridades metropolitanas, tomou para si a
tarefa de demonstrar que seus compatriotas tinham méritos e história próprios.
*
Do que foi dito anteriormente, fica claro que, ainda que divergindo entre si quanto
aos critérios e juízos de valor envolvidos, autoridades e as elites da Capitania tinham em
comum o reconhecimento da inegável singularidade dos povos das Minas Gerais em meio a
todos os outros que, também singulares à sua maneira, atribuíam-se a condição de
portugueses.
O problema não estava, portanto, na singularidade, mas sim nos juízos contrastantes
de valor envolvidos, exemplares expressões de divergências de interesses muito palpáveis.
Não era por outros motivos que as autoridades revelavam-se sistematicamente críticas
quanto à índole dos povos das Minas, tida por inconciliável com a imagem ideal do que
tinham por súdito fiel, argumento ao qual recorriam justificando a severidade diante de
recusas à devida submissão às diretrizes ditadas pela Corte. Os habitantes, por sua vez,
recorriam à exposição de suas particularidades, para evidenciar que era a fidelidade a
motivação a reger suas condutas, ainda que as autoridades, ignorantes da realidade da
Capitania, insistiam em dizer o contrário.

697
AMARAL, Sérgio- Op.cit., p.19. Segundo Cândido, "a homenagem se tornava pretexto, tanto mais seguro
quanto o poeta se escudava no homenageado e mesclava lisonja e reivindicação". CÂNDIDO, Antônio-
Formação da literatura brasileira. Volume 1, Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1981, p.106.
Nota-se que as divergências, ainda que envolvendo agentes políticos portadores de
evidentes diferenças, não rompiam com o caráter universal da identidade política
portuguesa. Pelo contrário, as divergências em curso revelavam o empenho dos envolvidos
em afirmarem-se, cada qual à sua maneira, mais fiéis e submissos à Coroa que seus
antagonistas. Tratava-se, pois, de um processo pautado pelas normas do Antigo Regime na
América, e que funcionou, em meio às tensões e sobressaltos que lhe eram próprios, até o
momento em que a crise geral do sistema se fizesse sentir. Percebe-se com clareza que
"somente quando o Estado apresenta sintomas de crise, revelando-se não mais como
instrumento de preservação da boa ordem, mas também como instrumento de ameaça a esta,
na medida em que sua ação é percebida como portadora de ameaça da alteração das
condições da dominação, posto que pode interferir negativamente, na perspectiva das elites,
na definição da relação de forças entre estas e os outros segmentos da sociedade, é que estas
elites (ou parcela destas) tendem, cada qual à sua maneira, a politizar a identidade coletiva
regional, percebida como expressão de uma comunidade imaginada a referir uma forma
alternativa de organização do Estado, mais eficiente que a anterior na condição de
instrumento de reiteração de sua dominação”698. Esta transformação, ocorrida lentamente no
período imediatamente anterior, ganha surpreendente nitidez na documentação relativa aos
anos de 1788-89.
De fato, nestes anos que ganhou escala a apropriação, pela elite local, do discurso
oficial, no sentido de que deixou de sentir-se desconfortável diante da acusação de
recusarem à devida submissão ao Trono, a identidade particularista passa a expressar
também oposição à universal portuguesa, ponto de chegada, devido à crise, de processos
anteriores já referidos. De fato, o empenho em conhecer a realidade das Minas, constante
nos anos anteriores, tem tudo a ver com isso, tanto porque deu contorno espacial mais nítido
às suas especificidades, quanto porque os erros da Corte fizeram crescer a auto-estima
coletiva e o desejo de tomar em suas mãos a direção da coisa pública, condição para a
reversão da decadência que a todos afligia. Mas é de notar, que foram as autoridades
portuguesas que abriram os caminhos, e forneceram os elementos para que essa viragem se
desse. Insatisfeitos, diante de uma situação para cujos problemas Lisboa demonstrava não
ter solução eficiente, os habitantes alimentaram a convicção de que poderiam se auto-

698
JANCSÓ, István- “Identidades políticas coletivas...”- Op. cit., p.9.
administrar e, desta forma, instituir um governo mais eficaz.. Acreditavam que a Capitania
poderia ser uma comunidade economicamente autônoma porque a natureza dotou-a do que
era necessário para subsistir sozinha. Também tinham por possível instaurar uma
comunidade politicamente soberana, aptos que eram para governarem a si próprios, filhos
das Minas, não mais portugueses.
Os critérios ordenadores da politização da identidade particularista advinham da
necessidade de conferir vínculos de união entre os partícipes da sua comunidade,
assumidamente diferente do todo, fosse em abrangência mundial ou americana. Sua unidade
pressupunha a adesão a um projeto de futuro, essencialmente anti-colonialista, radicada em
insatisfações localmente enraizadas, o que resultava na circunscrição do universo de adesões
ao levante aos habitantes das Minas.
Cabe perguntar, entretanto, sobre os vínculos coletivos partilhados pelos homens
das Minas, e que não eram comuns aos demais súditos portugueses da América. No seu caso
a especificidade não advinha do fato de falarem uma língua, de terem uma religião ou de
participarem de uma sociedade etnicamente diferentes das demais. Tais critérios não os
tornavam diferentes dos demais vassalos da América. Parafraseando Hobsbawn699, estas
características não eram definidoras de sua comunidade assim como não era o fato de terem
duas pernas. A expressão da politização da sua identidade não poderia nutrir-se, portanto,
dos atributos acima elucidados. E nem poderia referir-se a eventual ancestralidade particular
pois, se a naturalidade distinguia paulistas, filhos das Minas, baianos, o fato de que, diante
do projeto sedicioso em elaboração tornou-se evidente que nem todos que simpatizavam
com o levante eram naturais da Capitania. Desta forma, a politização da identidade
particularista não poderia envolver naturalidade, deslocando-se, para outra esfera.
Expressando um sentimento político novo, traduzia a adesão dos que, na Capitania,
desejavam instituir uma comunidade política regida por um pacto de tipo novo naquele
território. É a adesão ao projeto sedicioso que politiza, portanto, a identidade particularista,
fato reconhecido, inclusive, pela acusação.
*

699
"onde não existem outras línguas no mesmo espaço, o idioma próprio de cada um não é tanto um critério de
grupo como algo que todos possuem, igual as pernas". HOSBAWM- Eric- Nações e nacionalismo...- Op.cit,
p.280.
Tudo isto estava em conformidade com as novas idéias que, ao transferirem a
soberania do rei para a nação, para o corpo de cidadãos, propunham que os pactos políticos
não eram dados naturais, antes refletindo uma opção coletiva.
Desde o final do século passado, quando Ernesto Renan, em conferência que se
tornou clássica, definiu uma nação como sendo "um plebiscito de todos os dias”700, os
estudiosos têm atribuído papel fundamental à subjetividade na formação das nações
modernas que surgiram no final do século XVIII, e se configuraram plenamente no
seguinte701. No entanto, se a vontade coletiva de instituir uma nação, e de pertencer a ela é
condição necessária para que ela possa vir a existir, é certo que essa vontade coletiva retira
sua substância de elementos de identificação pré-existentes. Se a idéia de nação emerge da
consciência partilhada de destino comum a um povo, os vínculos entre os que nela se
reconhecem só podem se consolidar a partir de elementos de identificação prévios que lhes
permita pensarem-se em oposição a outras comunidades, percebidas a partir de critérios
similares.702
No caso da sedição que teve por cenário as Minas, a percepção das singularidades
de seu povo contribuiu para conferir sentido de viabilidade ao projeto de independência.
Neste sentido, a identidade particularista agora politizada, passou a expressar diferenças e
semelhanças nesse nível, pelo que se tornava, em potência, fator de coesão daquela
sociedade para a qual, naquele momento alguns homens reivindicavam total independência
política. É certo que o projeto de futuro formulado por uns poucos era extensivo a todos que
viessem a compartilhar do desejo de verem-se livres da sujeição de Portugal, motivo pelo
qual, identidades coloniais de distintas abrangências emergiram de seus discursos, todas,
porém, expressando oposição ao status quo, e traduzindo expectativas de liberdade. Mas,
nota-se que a identidade americana, se por um lado contemplava anseios anti-colonialistas,

700
RENAN, Ernesto- Que es una nación? Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p.38.
701
Hobsbawm, por sua vez, salienta: “trataremos como nação qualquer corpo de pessoas suficientemente
grande cujos membros consideram-se como membros de uma nação". HOBSBAWM, Eric J.-Nações e
nacionalismo...- Op.cit, p.18. Segundo Hans Kohn, "basar la nacionalidade en factores objetivos com el de la
raza, supone el retorno al estado primitivo de la tribu. La fuerza de una idea, no la voz de la sangre, es lo que ha
constituído y modelado las modernas nacionalidades”. KOHN, Hans- Historia del nacionalismo. México,
Fondo de Cultura económica, 1994, p.27. Ver ainda: ANDERSON, Benedict- Nação e consciência nacional-
Op.cit; RECALDE, José Ramón- La construcción de las naciones. Madrid, Siglo XXI editores, 1982. SMITH,
Anthony- Op.cit.
702
MAGNOLI, Demétrio- O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil ( 1808-
1912). São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista/ Editora Moderna, 1997, p.15.
não era a mais apropriada para a identificação dos que pertenceriam à nova comunidade
política projetada, pois os das Minas tinham-se por diferentes em relação aos demais súditos
do Rei de Portugal na América.
Neste sentido, a identidade particularista, que identifica em 85% dos casos os
envolvidos no ensaio de sedição, nos Autos de Devassa, expressava em si passado, presente
e futuro, revelando ser condição necessária da proposição do projeto de futuro no qual se
empenharam. Através de novas leis, instituições e de um aparato simbólico, os sediciosos
pretendiam garantir, no provir, a coesão política de sua sociedade, tendo plena consciência
de que isso não se daria de modo aleatório, mas balizado pela anterioridade de vínculos
partilhados. Esse conjunto de desejos comuns que emergiam da consciência coletiva e que
devia ser valorizado conferia sustentabilidade às mudanças. E se a nova comunidade era
projetada a partir dos vínculos ancestrais que lhes eram atribuídos, a visão que os sediciosos
tinham de seu passado pode ajudar a esclarecer os critérios ordenadores desta identidade
particularista em processo de politização.
*
Já se viu no primeiro capítulo como a Ilustração buscou, na História, a explicação
das nações, a partir da crença em que a diversidade humana começara a se evidenciar a
partir do momento em que os homens reuniram-se em sociedade, com o que o passado
escondia o núcleo identificador das diferenças. De resto, foi em meio a esse contexto
intelectual que a história passou a ser analisada criticamente, a partir do pressuposto de que
nem todos os fatos pretéritos eram dignos de serem valorizados, principalmente quando
neles residia a origem de males do presente. A historiografia das Luzes afirmava que, se era
preciso aprender com os erros de seus antepassados, mas ainda o era fazer jus a seus acertos,
cabendo acentuar as qualidades positivas de cada nação para, com isso, transformá-las em
alavancas do seu progresso. "A legitimidade conferida pelo passado distante funcionou
como argumentação nacionalista um pouco em todos os lugares", conforme Demétrio
Magnoli703.

703
idem, p.17. Cada nação elegeu um período de sua história como sendo mais significativo. Na França, por
exemplo, os historiadores deram maior atenção à Idade Clássica, enquanto que na Inglaterra e na Alemanha a
Idade Média ganhou maior destaque, pois era vista como uma época gloriosa que estava mais próxima da
realidade que viviam. SMITH, Anthony- Op.cit, pp.89-90.
No entanto, esta atitude estava longe de ser passiva e imparcial. Na obra do Abade
Raynal temos um exemplo significativo de como as interpretações do passado podem variar
a depender dos projetos políticos que sustentavam seus observadores. Raynal constrói dois
discursos hipotéticos pronunciados por ingleses que, por terem diferentes expectativas em
relação ao presente, não partilhavam das mesmas idéias em relação à independência dos
Estados Unidos. O primeiro desses discursos, favorável à independência, lembrava que os
americanos nada mais fizeram do que reviver os ideais de liberdade dos seus antepassados,
particularmente de Penn e de Locke. O segundo, considerando a ancestralidade comum a
ingleses e americanos, interpretava o desejo de independência como uma traição a este
passado que antes os unira704.
Neste sentido, convém entender que também os homens das Minas, a depender de
suas circunstâncias e do período em que viveram, apropriaram-se de sua história de distintas
maneiras. Enquanto era inquestionada sua adesão ao Estado português, relembrar o passado
era uma forma de comprovar a natural inclinação dos povos das Minas à fidelidade,
ancestral traço comum a todos os portugueses705, com o passado emergindo como uma
referência idealizada, carregada de saudosismo, além de prova de que os habitantes das
Minas não haviam alterado sua índole, mas que foi o contexto político e econômico que
mudou para muito pior.
Já foi dito como os camaristas, nas suas representações a Lisboa, recorriam ao
passado em reforço aos seus pleitos visando mudanças no sistema fiscal. O histórico da
cobrança do quinto é constantemente relembrado porque a instabilidade que a caracterizou
dava força à proposta de modificá-la novamente. Nesses casos, o passado era enaltecido mas
quando prejudicava a exposição dos argumentos era objeto de crítica, caso do empenho em
prol de mudanças do Regimento de 1750, que, ainda que legítimo, deveria ser corrigido.
No que se refere à história dos povos das Minas para enaltecê-los, existiam reais
dificuldades. A história da Capitania era recente, repleta de movimentos contestatórios, aos
quais as autoridades recorriam sempre que precisaram acentuar a natureza rebelde de seus

704
RAYNAL, Guillaume-Thomas François (Abade Raynal)- Op.cit, pp.86-91.
705
Assim como a trajetória coletiva determinava a índole de um povo, também os indivíduos procuravam
mostrar suas qualidades particulares fazendo referenciais a seus ancestrais. Vemos, por exemplo, os candidatos
ao cargo de secretário do governo em Minas Gerais sustentarem seus préstimos a partir de suas trajetórias
individuais. O bom desempenho em cargos anteriores, assim como o de seus familiares, poderia conferir a eles
qualidades dignas de virem a ocupar tal cargo. AHU cx.114 doc.50 fls. 1-5.
habitantes. Como buscar no passado momentos que pudessem destacar a fidelidade dos
povos das Minas?
Esta foi a difícil tarefa que Cláudio Manoel da Costa tomou a si, e não por acaso.
Veja-se que já na década de 50 havia provado sua habilidade em investigar o passado das
Minas para a Academia que o encarregara de estabelecer "a divisão da História", tarefa que
ele se prontificou a executar "segundo a averiguação que fizer e da algumas lembranças ou
documentos que nestas Minas se guardarem"706. Mas foi mesmo com o poema Vila Rica,
concluído em 1773, que Cláudio proporcionou uma releitura da história das Minas Gerais,
buscando na origem da Capitania os fundamentos da grandeza de seus povos707. Com esta
obra, Cláudio plantou um marco que serviu de referência a todos que o seguiram na tarefa de
se debruçar sobre a história da Capitania708.
O fato de tratar-se, no caso da obra, de um poema, impõe cuidado na análise desta
formatação das origens daquela comunidade muito peculiar. Isso se deve ao fato de que,
para os árcades, como o próprio Cláudio se denominava, ou para os poetas do Setecentos,
seguir as normas poéticas há muito firmadas era uma obrigatoriedade, pelo que o
historiográfico do discurso é presa das imposições retóricas que o subordinava, ainda que o
Vila Rica não fosse um poema laudatório, ou destinado a cantar as musas, o seu tema sendo
a fundação de Vila Rica, a Capital das Minas. Embora, fiel aos usos do tempo, tenha
dedicado a obra ao 2º Conde de Bobadela Cláudio tentou ser fiel aos documentos para,
conforme afirma, “não alterar a verdade em benefício de alguma paixão”709. Mas o poeta
não abandonou as convenções poéticas, ainda que estas dificultassem a exposição clara de

706
Neste documento, não está claro qual seria a Academia que requisitou os trabalhos de Cláudio Manoel da
Costa, na medida em que o poeta não nos fornece nenhuma informação. APM-CI cx.01 doc.03. Frei Raimundo
Penaforte também se dedicou ao estudo da História das Minas. AVC cx.13 doc. 53
707
Para Antônio Cândido, o "Fundamento histórico", que precede o poema, "é não apenas a primeira história de
Minas, mas, como também o poema, uma das sementes do paulistismo, isto é, da prosápia bandeirante".
CÂNDIDO, Antônio- "Os poetas da Inconfidência". In: IX AMI. Ouro Preto, Ministério da Cultura/ Instituto
Brasileiro de Patrimônio Cultural, 1993, p.134.
708
Segundo Resende, Cláudio iniciou, com o Vila Rica, uma "memorialística histórica". Joaquim José da Rocha
e Vasconcelos apropriam-se da narrativa histórica de Cláudio Manoel da Costa selecionando alguns trechos,
modificando alguns pontos, sem no entanto comprometerem a versão original. Teixeira Coelho, por sua vez,
embora reproduzisse a visão das autoridades que atribuíam aos paulistas características rebeldes, não deixa de
tomar o poema Vila Rica como referência, ainda que para questionar a versão de Cláudio. RESENDE, Maria
Efigênia Lage de-"Estudo crítico". In: ROCHA, José Joaquim- Op.cit., pp.59-64. Também os oficiais da
Câmara da Vila de Pitangui em 1789 demonstraram a mesma simpatia pelos paulistas ao descreverem as
primeiras décadas da história das Minas, simpatia que, como veremos, apareceu pela primeira vez na obra do
poeta. AHU cx.131 doc.77.
709
COSTA, Cláudio Manoel- "Vila Rica". In: A poesia dos Inconfidentes. Op.cit., p.360.
informações relevantes para a compreensão da história que se dispôs a contar. Assim, o
poeta e o historiador deram-se as mãos, e Cláudio anexou às notas que acompanham o
poema, ou no Prólogo e Fundamento Histórico que o antecedem, tudo que julgava
importante informar aos seus leitores.
O tema escolhido pelo poeta certamente obedeceu a um desejo comum à elite da
qual era membro: o de estabelecer a origem da comunidade das Minas, das tradições por ela
partilhadas, sendo o ato fundador identificado e aceito por todos, na imposição de que
recorrer à ancestralidade daria conta de explicar quem eram ou, como se possuir uma
história que lhes era própria desse maior solidez à comunidade que tinham por sua. Não foi
por outra razão que o poeta escolheu muitas lendas e mitos que eram conservados "por
tradição entre os nacionais"710, não obstante alertar seus leitores quanto ao fato de "toda
esta ficção não serve[servir] mais que de ornamento"711.
A narrativa de Cláudio Manoel da Costa, além de estabelecer as bases de um
passado próprio às Minas, buscou demonstrar que aquela comunidade nasceu sob o signo da
fidelidade. Pela sua pena os paulistas foram reconhecidos como heróis, que ajudaram a
instaurar o poder régio nas Minas, debitando, inclusive, a entrada do governador
Albuquerque e sua comitiva na Capitania, ao empenho em reforçar a causa dos paulistas e
apaziguar os ânimos dos filhos de Portugal, expulsando das Minas os que se apropriaram de
terras a que não tinham direito, contradizendo versões correntes pouco favoráveis aos
paulistas, particularmente a de Rocha Pita. "Os escritores das coisas da América", escreveu
o poeta a seu respeito, “não tiveram tanto à mão as concludentes provas de que eu me sirvo;
não se familiarizaram tanto com os mesmos que intervieram em algumas das ações e casos
acontecidos no País; e ultimamente não nasceram nele, nem o comunicaram por tantos
anos como eu"712.
De resto, tinha o fato de ser natural da Capitania como vantagem para quem
desejava ser fiel à realidade da "mais importante Capitania dos domínios de Portugal", as

710
A utilização de histórias ficcionais, principalmente quando tomadas por verídicas, não é um recurso que um
historiador possa fazer uso sem grandes ressalvas, mas quando se trata de corresponder aos anseios de um povo
na afirmação de suas tradições, conforme Hobsbawm já mostrou, não há grande importância se estas são
inventadas, embora, geralmente, não sejam vistas como tais. HOSBAWM, Eric & RANGER, Terence- A
invenção das tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. Ver também: HOBSBAWN, Eric- Sobre História.
São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p.17.
711
COSTA, Cláudio Manoel- "Vila Rica". In: A poesia dos Inconfidentes- Op.cit, p.1083 (Notas).
712
Idem, p.359 (Prólogo).
Minas Gerais, "dignas de alguma lembrança na posteridade". Segundo Amaral, a opção
pela narrativa épica para contar a história, já conferia dignidade às Minas, já que este
gênero, segundo as regras da retórica clássica, era usado para o tratamento de temas
elevados713.
Contrariando a visão de "um grande número de geógrafos antigos e modernos",
que reputavam "os naturais da Cidade de São Paulo (...) por uns homens sem sujeição ao
seu Soberano, faltos do conhecimento e do respeito que devem às suas leis", para o poeta
eles eram "os que nesta América têm dado ao Mundo as maiores provas de obediência,
fidelidade e zelo pelo seu Rei, pela sua Pátria e pelo seu Reino"714. Os reinóis sim, eram os
"infames vassalos, conjurados" entre os quais, segundo a fala do personagem Albuquerque,
"o nome do Rei se vê malquisto"715. Tal percepção, sustentava Cláudio, não era fruto do seu
amor à terra, mas resultante de pesquisas em documentos que não lhe deixavam faltar à
verdade716.
É esta oposição, entre os naturais de São Paulo/Minas e os reinóis, o pano de fundo
da obra, sendo muito provável que a escolha da Guerra dos Emboabas como tema se
justifique pela intenção prévia de compor alguns versos para acentuar esta polaridade,
ressaltando que as diferenças eram de tal monta que, o fato de serem todos súditos do Rei de
Portugal era a única semelhança entre eles717. Albuquerque, o Herói do poema, dirigindo-se
à sua comitiva, atenta para o fato de que os europeus, que iriam enfrentar, deviam ser vistos
como seus semelhantes, pois:
"Acaso um mesmo Rei nos não protege?
Uma só Lei a todos nos não rege?
Do tronco português não é que herdamos
O sangue de que as veias animamos?

713
AMARAL, Sérgio- Op.cit, p.175.
714
Idem, p.360. (Fundamento Histórico).
715
Idem, ibidem.
716
Ao comentar a obra do Padre Manuel da Fonseca que "escreve esta guerra dos paulistas, ainda que com
alguma desafeição a eles", Cláudio mostrava que era possível "convencer-se o contrário de suas proposições,
com o termo que [se] lavrou na Câmara de São Paulo, em 22 de agosto de 1709, pelo qual se obrigaram os
paulistas a marchar com seu exército somente ao fim de segurar o Real Quinto nas Minas, e se submeterem à
paz e obediência os vassalos de Portugal, que nelas se achavam postos em rebeldia". Idem, p.1085 (Notas).
717
"Vassalos sois de um Rei, que não vos deve
O cetro, ou a coroa; a origem teve
Já dos vossos Senhores; por herança
O Reino Augusto em suas mãos descansa". idem, p.439.
Não faz comuns um Vassalo as glórias
Do seu Rei? Do seu Reino?..."718
(...)
"Do Europeu, do paulista faço apreço" já que
(...) "Não faz a pátria o Herói..."719
A própria utilização do termo europeu para designar os filhos de Portugal que
lutavam contra os paulistas, revela a dificuldade em recorrer à expressão portugueses, na
medida em que os paulistas também o eram. Por outro lado, se todos eram portugueses, era
o modo pelo qual pautavam sua relação com o Trono, que os distinguia. Através da unidade
percebia-se a distinção.
A naturalidade ainda não era, para Cláudio, um atributo importante dos vassalos.
Nas Minas, com seus sertões intransponíveis, repletos de feras e bravos gentios, a barbárie
dos paulistas era muito mais útil ao monarca que a polidez e a cultura dos metropolitanos. O
que dignificava os homens não era a cor do seu sangue ou o local de seu nascimento, eram
as suas ações, e a utilidade deles em servir à Coroa. É nítida a influência da filosofia
iluminista nas palavras de Cláudio720, que a incorporando a seus versos pode dignificar os
paulistas, cuja rudeza, outrora desprestigiada, permitiu-lhes vencer obstáculos consideráveis,
tornando-os úteis à grandeza do Império português721.
Os paulistas não eram nestes tempos os filhos das Minas, mas estes se compraziam,
como reconhece Cláudio, em tê-los como seus ancestrais722, pelo que importa dar a primazia

718
Idem, pp.417-418.
719
Idem, p.418.
720
Assim como os iluministas, que Cláudio conhecia, chega inclusive a citar Voltaire, o poeta propagava um
novo ideal de nobreza: a de espírito. Os esforços de Albuquerque, o Herói do poema, "tão generosamente
sofridos" não lhe inibiam a prosseguir em sua jornada pois "sem trabalhos, a glória não se alcança" e eram
esses que lhe davam "um caráter de grandeza do espírito". Idem, p.379 e 381.(respectivamente)
721
A rusticidade fora valorizada também por alguns iluministas, em especial Rousseau, que considerava o
homem selvagem superior ao civilizado, já tão marcado pelos vícios da sociedade. Cláudio ia nesta mesma
linha: "Tanto dos brutos aprendera o homem!", escrevera. Idem, p.381. Há de se lembrar também que o
Arcadismo, em oposição ao Barroco, propagava a naturalidade, fosse ela da escrita ou do estilo de vida de seus
sócios, que se auto-denominavam pastores. Cláudio pode contar assim com um novo arsenal ideológico para
romper com antigos preconceitos e dar aos paulistas a glória que lhes havia sido roubada.
722
"Muitos historiadores mineiros oscilam entre o privilegiamento do componente reinól (baiano) e o do
paulista na formação inicial da população mineiradora. Salomão e Sylvio de Vasconcellos adotam a primeira
posição, enquanto Diogo de Vasconcellos ressalta na suas Histórias o papel dos paulistas, seguindo a tradição
de Cláudio Manoel da Costa". SOUZA, Laura, de Melo e- Desclassificados do ouro...- Op.cit, p.24 nota 21.
Sobre a genealogia dos habitantes das Minas e a historiografia ver: OLIVEIRA, Almir de- "A Sociedade
mineira no século XVIII"- Op.cit, p.41.
a eles no descobrimento das Minas723, mérito ressaltado pela ajuda que lhes deu o "Gênio da
Pátria", entidade sobrenatural que guiava seus passos e os protegia, e o Itamonte que
assegurava a Albuquerque estar ocultando seus tesouros ao "corpo dos europeus", pois
"Permite o Céu que sejas o primeiro,
A quem eu patenteie por inteiro
Todo o segredo das riquezas minhas"724.
Assim, são a natureza das Minas e sua “alma” que determinaram quem integraria
aquela comunidade que estava sendo engendrada naquele território recém descoberto, e que
já revelava-se, na origem, singular. Cláudio, não tinha, portanto, como separar a
caracterização dos habitantes da descrição da natureza de sua pátria. Vencer suas "espessas
matas e duros troncos", "aves noturnas e famintas feras"725, engrandecia o mérito dos
paulistas, da mesma forma que a descrição do território contribuía para que o poeta
estabelecesse o contorno físico de seu legado:
"...os montes
E as serras, que em distintos horizontes
Murando vão pelos remotos lados
Mares e lagos, com que ao Sul marcados
Seus limites estão"726
Vila Rica de Cláudio Manoel da Costa não é um texto revolucionário mas
certamente contribuiu para a percepção da singularidade das Minas, cujos filhos tinham bons
motivos para sentirem-se orgulhosos pois tinham ancestrais que honraram sua condição
portuguesa. Repete-se, aqui, o mesmo esforço ao qual se dedicaram os oficiais das Câmaras.
Através da reconstituição do passado dos povos das Minas, e da delimitação e caracterização
do território que tinham por seu, Cláudio iluminava as características distintivas que eles
portavam. A identidade particularista ainda não é politizada; pelo contrário, ela se
harmoniza magnificamente com a portuguesa mas, revestida de conteúdos sumamente
respeitáveis em nada inferiores aos atribuídos aos do Reino, colidia com a hierarquização

723
"Discorrendo por entre a grande extensão destas quatro Comarcas”, diz o poeta, “apenas se achará rio,
córrego ou serra que não devesse aos paulistas o descobrimento das suas faisqueiras...” COSTA, Cláudio
Manoel- "Vila Rica"- Op.cit, p.366. (Fundamento Histórico).
724
Idem, p.429.
725
Idem, p.382.
726
Idem, p.407.
implícita nas relações Reino/metrópole- Minas/colônia, o que envolvia potencial de negação
do status quo que, para os contemporâneos à feitura da obra, era impossível discernir.
*
Dada a importância do passado para a atribuição da identidade das comunidades,
cabe rastrear o modo pelo qual os sediciosos recorriam a ele, posto que queriam restaurá-lo.
Ao atribuírem à sua comunidade um caráter tradicional, anunciando ser-lhes possível
sentirem-se diferentes dos demais vassalos do Rei de Portugal, fossem reinóis ou
americanos, não pelo fato de terem etnia, religião ou língua próprias, é provável que tenham
recorrido à trajetória partilhada coletivamente na afirmação de sua coesão grupal.
Já foi dito anteriormente que em seus projetos o destino político da comunidade
estava vinculado a elementos do passado, com a instalação de uma nova ordem política não
implicaria na destruição da ordem social. Pelo contrário, a vigência dos interesses que os
levara à sedição dependia da preservação desta. Como explicava Tiradentes, queriam
restaurar as Minas e não levantá-las. Se eram revolucionários, eram também conservadores.
Num período de instabilidade os homens seguraram-se em referências sólidas,
transformando, desta forma, elementos de permanência em fatores de mudanças. O passado
pesava enormemente sobre as alternativas de futuro, o que significava muito em se tratando
de uma comunidade que sempre teve que conviver com o acaso e a imprevisibilidade do
sucesso, próprios da atividade aurífera.
No entanto, se é possível notar a presença de valores tradicionais nos projetos
sediciosos através dos Autos de Devassa as referências ao passado envolvem sobretudo
episódios cujos protagonistas, se eram americanos, não era filhos das Minas. Luis Vieira
dizia que "um príncipe europeu não podia ter nada com a América que era um país livre e
que o Rei de Portugal nada gastou nestas conquistas; que os nacionais já a tinham tirado
dos holandeses, fazendo a guerra a sua custa, sem El-Rei contribuir com dinheiro algum
para ela, que os franceses tomaram o Rio de Janeiro; e que os habitantes da cidade a
tornaram a comprar com seu dinheiro"727. Ao relembrar essa história, Vieira não pretendia
apenas enfatizar diferenças, mas sim, e principalmente, comprovar historicamente a
capacidade dos colonos de sobreviverem e se defenderem sozinhos em momentos de

727
ADIM- Op.cit, Volume I, p.102. Estas palavras do Cônego tiveram enorme repercussão entre os
envolvidos no Inquérito, sendo reproduzidas, por diferentes pronunciantes, pelo menos 7 vezes nos Autos de
Devassa. Ver ADIM- Volume 1, p.158; Volume 4, p.96; Volume 5, pp. 244-5 e p. 263; Volume 7, p.51 e p.
248.
adversidade, o que, por fim, coloca em questão o pacto político vigente. O próprio Ministro
Melo e Castro, anos antes, em 1775, em carta escrita ao governador Noronha, reconhecia a
existência de motivo para tanto, temendo que os brasileiros- termo empregado por ele-
tomando consciência de suas forças, se "voltassem contra as violências do além-mar, e os
portugueses eram os primeiros a confessar que havia infelizmente razão para isso"728.
Não há como ignorar que estes homens que revelavam amor pela terra que os viu
nascer, ou que os acolhera, recorressem a eventos notáveis de uma história comum a todos
americanos, na busca da justificativa dos propósitos sediciosos pois, fazendo-o pareciam
admitir que a história da Capitania não lhes fornecia argumentos de peso para tanto. Neste
sentido, revelavam-se menos leitores Vila Rica de Cláudio Manoel da Costa, e mais
próximos de outros poetas naturais das Minas, Santa Rita Durão e Basílio da Gama729,
ambos versejando sobre temas que nada tinham a ver com sua terra natal. Na verdade, a
identidade particularista não politizava o passado. Enquanto presente ela, ainda que
carregada de negatividade decorrente da subordinação colonial, expressava uma maneira
própria de ser-se português: era ser português desviante, era ser português sedicioso, mas
ainda português. A ruptura proposta pelos conspiradores poderia, traduzindo-se em prática
revolucionária, alterar essa situação. Mas isso, naquele contexto, foi atalhado pela repressão
da Coroa.
*
A sedição, prática política voltada para o futuro, para ser entendida, envolve a
concepção que os nela envolvidos tinham da espacialidade das Minas Gerais, à qual
corresponderia a território do novo Estado, condição da delimitação da abrangência espacial
da nova comunidade política projetada.
Já foi dito como vários dentre os sediciosos adquiriram conhecimento da extensão
territorial de sua pátria: integravam as comitivas governamentais nos seus giros pela
Capitania, eram requisitados para averiguar a produtividade de lavras recentemente
descobertas ou, ainda, eram encarregados da confecção de mapas, caso de Cláudio Manoel

728
SILVA, Norberto- História da Conjuração Mineira. Op.cit, p.29.
729
Contemporâneos de Cláudio, Basílio da Gama e Santa Rita Durão viveram grande parte de suas vidas na
Europa, local, como já foi dito, propício à visão da América como um todo. O poema mais conhecido de Gama,
é o Uraguai, no qual narra a conquista das Missões do Sul. De Durão destaca-se, por sua vez, o poema
Caramuru, que conta em versos o descobrimento da Bahia, no século XVI, por Diogo Alvares de Correia.
Nota-se assim que, embora fossem naturais das Minas, não se dedicaram a escrever sobre sua história.
CÂNDIDO, Antônio- Formação da literatura brasileira. Op.cit.
da Costa e Joaquim José da Rocha. As autoridades, embora cientes da necessária
confidencialidade deste conjunto de saberes estratégicos, não tinham como controlar a
difusão desse conhecimento. Um dos mapas por Rocha passou pelas mãos de Tiradentes,
que o usava como material de propaganda. O alferes, mostrando-o publicamente, dizia aos
seus ouvintes "Ora aqui tem todo este povo açoitado por um só homem, e nós a chorarmos
como negros, ai, ai e de três em três anos, vem um e leva um milhão, e os criados levam
outro tanto; e como hão de passar os pobres filhos da América?"730
Nossa análise do conhecimento que os sediciosos tinham das Minas considerou a
análise dos mapas produzidos até então, documentação confrontada com as memórias, nas
quais a natureza da Capitania, seu território, clima e produções eram descritos, e suas
fronteiras demarcadas731. Cabe registrar, desde já, que a exatidão ao alcance dos habitantes
era necessariamente inferior àquela dos registros oficiais, devido à superioridade dos meios
à disposição das autoridades732. Os registros cartográficos produzidos por Rocha, a mando
da Metrópole, são os mais precisos dentre o material compulsado, razão para darmos maior
destaque a eles, sem prejuízo das referências aos demais, de autoria desconhecida.
Apesar dos avanços da cartografia, que na segunda metade do século XVIII tornou-
se ferramenta crescentemente aperfeiçoada pelo poder metropolitano, os mapas revelam que
os limites da Capitania eram motivos de divergência. No que se refere aos limites com a
Capitania de São Paulo, foram os conflitos de jurisdição entre os governos respectivos que
dificultaram a delimitação das fronteiras, disputas que tiveram início em 1710, quando as
Capitanias foram separadas, e estenderam-se por todo o período colonial. Em 1714, os
camaristas da Vila de São João Del Rei mandaram colocar um marco de pedra no ponto
mais alto da Serra da Mantiqueira, estabelecendo assim os limites entre as duas Capitanias, o
que foi confirmado por ordem régia de 1722. Diante das reclamações do governador de São
Paulo, Caldeira Pimental, em 1731 foi expedida uma nova ordem remanejando as fronteiras,
mas nada disto inibiu os paulistas a lutarem pela posse de terras que haviam sido
730
ADIM- Op.cit, Volume 4, p.97.
731
Foram pesquisados os mapas produzidos nas Minas até 1792 nos seguintes arquivos: Mapoteca do
Ministério das Relações Exteriores, Fundação Biblioteca Nacional- Setor de documentos cartográficos,
Arquivo Histórico do Exército- Divisão de História, todos no Rio de Janeiro, além daqueles existentes no
Arquivo Público Mineiro em Belo Horizonte.
732
"É interessante observar, antes de tudo, na história colonial a paixão com que os governadores contendiam
acirrando até mesmo a luta material, por amor de fronteiras, não obstante o país ser unido na mesma soberania;
sua divisão ser puramente administrativa; e não haver nele conflitos de raças ou individuações políticas".
"Questões de limites". In: RAPM, Ano XVI, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1911, p.108.
oficialmente estabelecidas como pertencentes às Minas. Em 1740-3, logo após terem sido
descobertas lavras na Campanha do Rio Verde, os homens da Capitania vizinha invocaram
seus direitos de posse até o Rio Grande, alegando que seus antigos compatriotas foram os
primeiros a chegar àquelas paragens. A justificativa foi entendida como descabida pelos
oficiais da Câmara de São João Del Rei, já que, caso fosse acatada, abriria enorme
precedente para que os paulistas reivindicassem a posse de grande parte do território das
Minas. Em 1743, estes camaristas queixavam-se de Bartolomeu Correa Bueno que, "dizem
que com ordem de Ilmo. e Exmo. Governador de S. Paulo se havia introduzido a usurpar-
lhes as suas jurisdições" no arraial de Santo Antonio da Campanha do Rio Verde733. Em
1748, por ordem régia, o governador das Minas, Gomes Freire de Andrade, foi encarregado
de estabelecer novos marcos "pelo Sapucaí ou pelo Rio Grande, ou por onde melhor
entendesse"734.
No período da crise aurífera, os conflitos intensificam-se para receio dos habitantes
das Minas, que temiam que a perda de territórios acarretasse na diminuição de contribuintes,
dificultando ainda mais o pagamento do quinto real. O governador Luis Diogo, o primeiro a
enfrentar a decadência, ciente das insatisfações que poderiam emergir de uma demarcação
prejudicial às Minas735, dispôs-se a percorrer aquelas terras a fim de estabelecer novas
fronteiras, as quais foram aprovadas em Lisboa em 1765. No entanto, a aprovação régia não
chegou ao conhecimento das autoridades das respectivas Capitanias, razão para que esta
demarcação jamais tenha sido posta em prática736. A linha fronteiriça demarcada por Gomes
Freire continuou a vigorar inclusive nos anos seguintes, com as disputas pela jurisdição
daquela área tendo seguimento. Segundo Teixeira Coelho, durante os governos do Conde de

733
"Auto da posse do Arraial de Santo Antonio da Campanha do Rio Verde" In: RAPM. Ano I, fascículo 3º,
julho-setembro de 1896, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp. 457-458.
734
"Questão de limites"- Op.cit, p.112. Segundo o governador de São Paulo, em carta de 1765 que dirigiu ao
governo de Lisboa, "esta liberdade que e lhe deu [a Gomes Freire] de poder fazer a divisão por onde melhor
lhe parecesse, foi a origem das grandes contendas, que os habitantes em S.João d'El-Rei, ou Rio das Mortes,
suscitaram dos de São Paulo porque, não tendo o dito Governador afeto aos paulistas, como é notório", fez
com que estes perdessem grande território. Apud Idem, p.118.
735
O autor deste importante documento de 1910, intitulado "Questões de limites", que assina apenas como
Diogo, considera que o rei estava mais inclinado a aumentar o território das Minas em prejuízo dos paulistas.
Segundo ele, estes podiam vir lavrar as terras nas Minas "mas como contribuintes das cem arrobas, ou sujeitos
também à derrama. O que não podia ser era que, introduzindo a jurisdição de S. Paulo, e retirando o nosso
âmbito o território que queriam, escapassem aos encargos fiscais, e abrissem por ali campo largo ao
descaminho do ouro" idem, p.123.
736
Em 1773, os governadores das respectivas Capitanias ainda discutiam a legitimidade da linha divisória
proposta por Luis Diogo Lobo da Silva. AHU cx.109 doc.5.
Valadares, de Antonio Furtado de Mendonça e de Antonio de Noronha, "continuaram os
governadores de São Paulo a pôr em prática a mesma pretensão injusta por meios violentos
e desusados entre os vassalos de um mesmo monarca"737. Até 1778, as contendas não
haviam sido decididas, o que em muito dificultava a punição de "delinqüentes que se retiram
aqueles sertões pela confusão dos distritos e a facilidade de se cometerem, por aquela
parte, extravios"738.
Rocha, no seu mapa de 1778, baseou-se também na linha demarcatória proposta por
Gomes Freire de Andrade, pela qual a Serra da Mantiqueira servia de principal referência na
delimitação dos limites739. Ela era suficientemente avultada para que outro acidente
geográfico viesse a substituí-la como fronteira entre Minas e São Paulo, embora os paulistas
se sentissem descontentes com esta solução. Em todos os mapas encontrados, e nas
memórias de Teixeira Coelho de 1780 e de Vasconcelos de 1807, a Serra da Mantiqueira é o
principal, senão o único marco que estabelece os limites entre estas Capitanias740.
As divisas com a Capitania do Rio de Janeiro, da qual Minas Gerais se separou em
1720, também podiam ser facilmente reconhecidas pela presença de acidentes geográficos
de grande vulto: Serra da Mantiqueira (pela parte oeste), o Rio Preto e o Paraíba, todos
registrados no mapa de Rocha de 1778. Nos demais registros cartográficos não se percebe,
no entanto, a mesma exatidão, pois o Rio Paraíba é o único limite a ser referido, havendo
uma razão para isto. A parte da Serra da Mantiqueira, que podia servir de divisa,
compreendia uma pequena extensão e o Rio Preto, um prolongamento para o lado do
ocidente do Rio Paraíba, tinha uma largura e um comprimento reduzidos se comparado a
este que de fato dividia Minas Gerais e o Rio de Janeiro na sua maior parte. Rocha nas suas
memórias, faz menção ainda ao Rio Paraibuna que "recebendo em si vários ribeiros e rios

737
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.86.
738
idem, ibidem.
739
Ver anexo 1. Na introdução das memórias de Joaquim José da Rocha, Resende afirma que este mapa foi
confeccionado em 1778. No entanto, em sua legenda vemos que é datado de 1788. Como os seus demais
mapas das Comarcas da Capitania são do ano de 1778, acreditamos que esta é a data correta deste mapa que
privilegiamos em nossa análise.
740
VASCONCELOS, Diogo de- Op.cit, p.51. Coelho, José J. Teixeira- Op.cit, p.86. Apenas no Mapa
Topográfico e Hidrográfico da Capitania de Minas Gerais, e na Carta Geográfica de Minas Gerais , ambos
datados como sendo do século XVIII, o Rio Pardo serve também de divisa entre as Capitanias. No entanto,
como é possível observar no mapa de Rocha, a Capitania estendia-se mais ao sul. "Mapa Topográfico e
Hidrográfico da Capitania de Minas Gerais" (Arc 23-4-2A) e na "Carta Geográfica de Minas Gerais" (Arc 4-
6-38A)-Setor de documentos cartográficos da Biblioteca Nacional.
caudalosos, se une ao Paraíba e vai desaguar para o oriente no Mar Atlântico Brasílio"741.
Vasconcelos, na sua descrição de 1807, que ao que parece toma a obra de Rocha como
referência, mencionou também o Rio Paraibuna, "que se mistura ao Paraíba até entrar no
oceano"742. No entanto, no mapa confeccionado pelo cartógrafo, notamos que o Rio
Paraibuna está acima algumas léguas do Rio Preto, apontado como limite. Ao que parece
Rocha entrou em contradição na medida em que nas suas memórias atribuiu uma extensão
mais reduzida à Capitania na sua parte sul, comparativamente com aquela por ele registrada
em seus mapas. De qualquer forma, as divergências eram pouco significativas e as fronteiras
das Minas com a Capitania do Rio de Janeiro eram razoavelmente bem conhecidas. A aldeia
dos gentios, que em 1767 era registrada como estando um pouco acima do Rio Paraiba743,
não consta do mapa de Rocha de 1778, no qual percebemos a preocupação em indicar a
localização exata das aldeias indígenas, sendo provável que durante os dez anos decorridos
os índios que ali viviam tenham sido exterminados.
Essa mesma exatidão encontra-se em relação às fronteiras com as Capitanias da
Bahia e de Pernambuco, áreas menos habitadas, mas nem por isto desconhecidas. Em todos
os mapas, incluindo o de Rocha, bem como na obra de Vasconcelos, o Rio Caruranha servia
de divisa entre Minas e Pernambuco, que naquela época eram limítrofes744. Ao que parece
não havia discordância quanto a isto.
Nas áreas fronteiriças com a Bahia, havia uma situação peculiar. As dúvidas dos
respectivos governos quanto às jurisdições administrativa e eclesiástica da região deram
lugar a que os moradores do sertão de São Francisco se rebelassem contra a imposição da
capitação em 1736, alegando que não pertenciam às Minas745. O governador da Capitania,
ao implantar finalmente a máquina fiscal na região, conteve a rebelião, mas os conflitos com
o governo da Bahia voltavam à tona sempre que alguma lavra era descoberta. No caso de

741
ROCHA, Joaquim José da- Op.cit, p. 77.
742
VASCONCELOS, Diogo de- Op.cit, p.51.
743
"Carta Geográfica da Capitania de Minas Gerais e partes confinantes"- Setor de documentos cartográficos
da Biblioteca Nacional ( 17-5-12) ano de 1767.
744
Coelho, por sua vez, nem sequer faz menção a esta área.
745
"Uma das mais importantes narrativas dos moradores do sertão, em que pedem um perdão geral a todos os
que têm bens sequestrados e estão implicados nos motins, principia alegando que a aplicação do quinto 'era
dentro das Minas'". FIGUEIREDO, Luciano- Revoltas, fiscalidade...- Op.cit, p.169. "As resistências
encontradas pelas autoridades portuguesas no sertão podem ser traduzidas como a reafirmação da identidade
de seus moradores contra uma imposição que julgavam injusta. Desenvolve-se ali com especial vigor um
senso de reconhecimento que os diferenciava dos moradores das Minas Gerais, área onde habitava aqueles
dedicados à mineração". idem, p.168.
Minas Novas, por exemplo, a disputa terminou em 1760 quando o território foi anexado às
Minas, dada "a grande distância em que os ditos descobertos ficavam da Cidade da Bahia",
segundo informa Teixeira Coelho746. No entanto, a falta de consonância entre a jurisdição
administrativa e eclesiástica nestas partes era responsável, ainda em 1786, pelos conflitos
entre as duas Capitanias no que se refere à cobrança dos dízimos, e consequentemente pela
indefinição dos limites 747.
Rocha, em suas memórias, bem como Vasconcelos, anos depois, consideravam o
Rio Verde, que desembocava no São Francisco, como linha divisória entre as Minas Gerais
e a Bahia. No entanto, este marco é insuficiente para traçar toda esta fronteira, como
podemos ver em seu mapa, sempre mais preciso que suas palavras. O Rio Verde, e o
Barrinho que lhe dá continuidade, corriam apenas no lado ocidental desta fronteira,
inexistindo para o leste outro acidente geográfico que pudesse servir de marco. Nem por isso
os limites deixaram de ser demarcados; se a natureza não os fornecia, fazia-se uso da
imaginação. Rocha, assim como os outros cartógrafos, traçou uma linha hipotética ao
prolongar o Rio Verde a partir do ponto onde este terminava, até chegar supostamente ao
Oceano Atlântico. Assim, apesar dos conflitos de jurisdição, as fronteiras entre as duas
Capitanias estavam relativamente definidas, com as autoridades tendo clara noção da
extensão de seus poderes.
No que se refere aos limites com estas quatro Capitanias- Bahia, Pernambuco, São
Paulo e Rio de Janeiro- as divergências eram poucas, não sendo errôneo dizer que os
homens das Minas sabiam qual era a extensão de sua pátria, no tocante ao sul e ao norte. No
entanto, o mesmo não acontecia quanto às fronteiras com Goiás e Espírito Santo. Os
extremos ocidentais e orientais das Minas ainda eram pouco conhecidos e mal demarcados.
A Capitania de Goiás foi desmembrada da de São Paulo por alvará régio de 1744.
Só em 1748 o então governador desta Capitania, D. Marcos de Noronha, traçou a área de
jurisdição de seu governo. D. João V não se deu por satisfeito, e ordenou a Noronha que
desse novo parecer "por onde poderia determinar-se mais cômoda e naturalmente a divisão
da capitania"748. No que se refere ao governo das Minas, os trabalhos demarcatórios para

746
COELHO, José J. Teixeira- Op.cit, p.88.
747
AHU cx.124 doc.44.
748
"Questões de limites entre os Estados de Minas e Goiás" In: RAPM. Ano IX, Belo Horizonte, Imprensa
Nacional de Minas Gerais, 1904, p.796.
estas partes iniciaram-se somente com o governador Gomes Freire de Andrade. Depois de
conjurar o perigo representado pelo quilombola Ambrosio, Andrade fixou os limites em
comum acordo com o capitão general de Goiás, D. Luiz de Mascarenhas: "do norte ao sul
pela guarda dos Arrependidos, rio S. Marcos e Desemboque até tocar a Capitania de
S.Paulo"749. Seu esforço não foi suficiente para conter as controvérsias e distúrbios que
continuaram a suceder. Em 1764, o governador Luis Diogo da Silva foi pessoalmente
examinar a área, deixando a cargo de Pamplona fiscalizá-la750. O mestre de campo,
conforme já se viu, não se cansava de se queixar desta tarefa árdua. Em 1766, foi preciso
enviar uma "bandeira de gente armada" para conter novas desordens causadas pela
demarcação dos limites, quando foi destruído o quilombo de Samambaia. Assim se deu
também nos governos seguintes "os quais mantiveram por atos o domínio e posse nos
terrenos compreendidos entre o Rio de S. Marcos e a serra dos Pilões"751.
No entanto, nos mapas produzidos nenhum destes acidentes geográficos, no qual se
basearam os governadores, serviam de balizas. Nos mapas de Rocha, o rio S. Marcos nem
sequer aparece. Em 1777 o cartógrafo estabelecia a divisa ao sul entre as duas capitanias
como sendo a Serra da Canastra e ao norte a Serra dos Couros752. Na carta mais recente, de
1778, a Serra da Tabatinga vinha substituir a dos Couros que deixava de ser registrada.
Também os limites ao sul foram alterados, na verdade ampliados, pois ao estabelecer a Serra
da Parida como fronteira em detrimento da Canastra prolongava mais a oeste a extensão da
Capitania das Minas. Assim, enquanto o sul e o norte desta fronteira eram conhecidos, as
áreas que medeiam estes extremos da divisa com Goiás apareciam em todos os registros
cartográficos como uma incógnita. No mapa de 1767, de autor desconhecido, acima da Serra
da Canastra há uma grande extensão de terras denominada "sertões incultos"753, e no Mapa

749
idem, p.817.
750
Sobre as dificuldades na demarcação dos limites com Goiás ver: SG, cx.11 doc.15, SG cx.11 doc.30, SG
cx.11 doc.34.
751
"Questão de limites entre os Estados de Minas e Goiás."- Op.cit, p.816. Sobre os limites com a Capitania de
Goiás ver ainda: "Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha Maria I acerca de limites de Minas Gerais com
Goiás". In: RAPM. Ano II, fascículo 2º, abril/junho de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
pp. 372-390.
752
"Mapa da Capitania de Minas Gerais que consta de quatro comarcas, uma cidade episcopal, oito vilas, e
sessenta e seis paróquias, capelas, fazendas, registros, guardas de soldados: Aldeias de gentios manso e bravo:
caminhos, serras, matos e rios com suas comarcas e Capitanias que a guarnecem na sua parte do Norte, Sul e
Ocidente. José Joaquim da Rocha o fez no ano de 1777". Mapoteca do Ministério das Relações Exteriores
[777.1A-1777 R (81)].
753
"Carta Geográfica da Capitania de Minas Gerais e partes confinantes"- Op.cit.
topográfico e hidrográfico da Capitania acima da Serra do Parida estendia-se uma terra
chamada "campo grande"754. A presença de gentios bravos, quilombolas e vadios755
dificultava as andanças por esta região que nos mapas aparecia sem contornos, como uma
nuvem esfumaçada, onde se podem ver alguns rios e serras de insignificante volume e
altura, que não serviam de balizas.
Em 1800, um auto de demarcação foi lavrado identificando o rio S. Marcos, que
não parece nos mapas, como limite entre Minas e Goiás756. No entanto, esta fronteira
continuou a ser desconhecida pois Vasconcelos, sete anos depois, escrevia que "quanto às
raias da parte de Goiás ao ocidente, ponto é em que ainda os governadores respectivos não
estão de acordo. As mais naturais ao parecer são as serras da Parida, Cristais e Tabatinga,
e sertões incultos, habitados apenas por caiapó, gentio bravo que faz grande estragos nos
viajantes que seguem por aqueles sítios"757.
Também a demarcação da fronteira com o Espírito Santo era uma tarefa penosa,
devido à existência de um número elevado de aldeias indígenas que salpicavam aquele
território. Enquanto Coelho eximia-se de dar qualquer informação sobre esta área, Rocha,
em sua memória, esclarecia que "não há mais divisa conhecida do que a Ilha da esperança;
situada no grande Rio Doce em 356º de longitude, ao oriente das Minas, e não se sabe de
mais divisa por serem sertões pouco penetrados e povoados de gentios de várias nações"758.
Segundo o cartógrafo, alguns destes gentios, "procuram a amizade dos povoadores de
Minas, os quais se lhes tem unido algumas vezes, por pequenas escoltas, enviadas pelos
Excelentíssimos Generais (...) para que juntos destruíssem aquelas bárbaras nações que
lhe[s] tem sido impossível e apenas chegaram a estabelecer uma pequena povoação no
lugar do Cuieté"759. De fato, como pode-se observar em seu mapa de 1778, nenhum acidente

754
"Mapa topográfico e hidrográfico da Capitania Gerais"- Op.cit.
755
Em 1798 os oficiais da Câmara da Vila de São Bento do Tamanduá expunham ao governador das Minas a
ação de "vários homens facinorosos que temendo serem punidos por esta capitania [Minas] dos seus enormes
delitos, ainda passaram a cometer outros, matando, e roubando a muitos Povoadores, (...) e desta forma ficou
aqueles sediciosos o Campo livre para conseguirem os seus premeditados projetos quais foram os de anexarem
como anexarão a Capitania de Goiás, aquele grande território". "Diversos documentos- 1798: Informação da
Câmara de S. Bento do Tamanduá sobre divisas entre esta e a Capitania de Goiás". In: RAPM, Ano XI, Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1906, p.429.
756
Sobre as contendas entre os governadores de Minas e de Goiás no que se refere à legalidade deste auto ver:
"Questões de Limites entre os Estados de Minas e Goiás"- Op.cit.
757
VASCONCELOS, Diogo- Op.cit, p.51.
758
ROCHA, Joaquim José da- Op.cit, p.77.
759
idem, pp.77-78.
geográfico servia de marco na delimitação desta fronteira, pois os rios de maior porte, como
o Grande e o Doce, corriam em sentido horizontal. A parte ao norte do rio Grande era
registrada no Mapa Topográfico e Hidrográfico como um "grande sertão inculto".
Ao que parece somente em 1800, quando "veio dar execução à Real abertura da
navegação do rio Doce", os governadores das respectivas Capitanias tentaram pela primeira
vez demarcar a área e, embora se vangloriassem de terem rompido "a dificuldade que se
dizia invencível", vemos que em muito pouco avançaram760. O único limite então
estabelecido foi a Serra próxima ao rio Guandú, a qual cerca de 20 anos antes já era
registrada pelo cartógrafo Rocha, que afirmava o total desconhecimento quanto às fronteiras
com o Espírito Santo. De fato, a presença desta Serra não contribuiu à demarcação destes
limites, já que se localiza no extremo sul desta fronteira, ficando a parte restante isenta de
qualquer linha demarcatória. Vasconcelos, que escreve em 1807, após este auto de
demarcação, continuava a repetir as palavras de Rocha, que descrevia aquela área como um
sertão intransponível.
*
Na segunda metade do século XVIII dois fatores deram enorme impulso ao
conhecimento da dimensão espacial da Capitania das Minas Gerais: o pragmatismo ilustrado
e a decadência da produção aurífera. É certo que o iluminismo só pode ser sentido nas
medidas administrativas tomadas pelas autoridades no intuito de percorrer e registrar em
mapas o território da Capitania. O desenvolvimento das técnicas mineralógicas, a
diversificação da produção e a intensificação do comércio defendidos pelas autoridades de
cunho ilustrado, demorariam muito tempo para serem introduzidos nas Minas. No entanto, a
busca de novas lavras, a regulamentação da cobrança das entradas e o combate ao extravio,
mesmo sendo medidas conservadoras, tornaram da mesma forma imprescindível saber qual
era a extensão das Minas Gerais.
Por outro lado, embora as Minas foram paulatinamente sendo percorridas e melhor
conhecidas, suas fronteiras ainda eram imprecisas761. A existência de rios e serras facilitava
a demarcação deste território, mas os que se lançaram a esta tarefa encontraram obstáculos

760
"Demarcação de limites entre Espírito Santo e Minas Gerais-1800". ES-CX-3, AHU, Lisboa, Portugal.
Agradeço ao Prof. Dr. István Jancsó por me fornecer uma cópia deste documento.
761
Assim, ao contrário do que afirma Latif, para quem nos vinte e cinco primeiros anos da história das Minas
já havia sido desbravado todo seu território, em 1789 grandes áreas ainda estavam para ser descobertas.
LATIF, Miran de Barros- Op.cit, p.97.
de diversas ordens. Quando não eram os governantes das Capitanias adjacentes a
discordarem dos marcos naturais estabelecidos, a presença de índios e quilombolas impedia
que estes fossem delimitados. Nas áreas confinantes com Goiás e Espírito Santo, uma
grande dúvida pairava acima de todos, dúvida que se estenderia ainda por longos anos762.
Desta forma, para as autoridades, a Capitania das Minas Gerais compreendia a área até onde
o Estado português conseguira estender as suas teias; até onde o poder e o fisco reduziram
os habitantes à civilidade e os tornara vassalos portugueses.
Para os habitantes da Capitania das Minas Gerais, que usufruíam dos
conhecimentos de seus compatriotas, recrutados para auxiliar as autoridades nestas missões
demarcatórias, a noção que tinham de sua pátria não era diferente. Desta forma, é possível
imaginar que a espacialidade pensada para se configurar o novo Estado, se
preferencialmente referida ao território da Capitania, correspondia ao espaço anteriormente
controlado pelo Estado português, o qual seria substituído caso o novo viesse a se instaurar.
Os partícipes desta nova comunidade, que não eram identificados por portarem
características raciais, étnicas, lingüísticas, nem mesmo por terem um passado comum,
seriam todos aqueles que anteriormente se sujeitavam ao governo metropolitano em esfera
local. Assim, no projeto dos sediciosos, a soberania portuguesa era negada mas as estruturas
administrativas mantinham-se as mesmas. A proposta do estabelecimento de parlamentos,
por exemplo, pouco se diferencia da estrutura das Câmaras dos Senados763. Da mesma
forma, a autonomia reivindicada para as Minas reproduzia a estrutura típica da política
colonial, que via na América uma unidade apenas espacial. A presença de um Vice-Rei na
capital da América portuguesa em nada alterava o isolamento das Capitanias no seu contato
direto com o Reino764. É certo que as autoridades preservando a Metrópole como ponto
inicial-terminal das rotas de peregrinação política, fosse de natureza política, cultural,
jurídica, fiscal ou de qualquer outra natureza, acreditavam estar solidificando os laços de
762
Os documentos utilizados para traçar um histórico destas fronteiras revelam que, ao menos na primeira
metade do século XX, os limites de Minas com Goiás e com Espírito Santo ainda eram motivos de
divergências. "Questões de limites entre os Estados de Minas e Goiás"- Op.cit; "Questões de limites"- Op.cit.
763
"A novidade da inconfidência, porém, se esvai num ponto: na república sonhada para a virada do século, as
instituições políticas mestras seriam os denominados 'parlamentos', capitaneados por um 'parlamento' principal,
que não parecem ser senão as próprias câmaras das vilas, instituições já existentes sob a dominação colonial".
VILLALTA, Luiz- 1789-1808...- Op.cit, p.54. "...os 'vários parlamentos', nesse caso, seriam tão-somente os
sucedâneos das Câmaras Municipais". Furtado, João- Op.cit, p.210.
764
"...as diferentes capitanias, que são hoje os Estados, sempre foram mais ou menos independentes entre si,
subordinando-se cada qual diretamente à Lisboa". PRADO JÚNIOR, Caio- História econômica do Brasil-
Op.cit, p.64.
dependência que suas conquistas mantinham com Portugal765. Mas, por outro lado, esta
fragmentação política da América contribuiu para acentuar as particularidades da Capitania
das Minas Gerais, assim como as demais partes do território americano.
Neste sentido, a predominância da identidade particularista no discurso dos
sediciosos explica-se também por esta concepção do todo e das suas partes. Ser das Minas
em contexto de sedição traduzia essencialmente um sentimento político novo, e se a
identidade particularista então politizada estava essencialmente referida a um provir
idealizado, também é verdade que perpetuava vínculos de identificação solidificados
anteriormente, embora isso não aflorasse claramente à consciência.
No entanto, se politicamente as relações entre as Capitanias eram tênues, no que
concerne aos laços comerciais, seus vínculos tinham maior dinamismo766. A posição física
das Minas determinou desde seus primórdios a manutenção de contatos freqüentes com as
Capitanias de São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, principalmente com esta última após a
abertura do Caminho Novo. Barbacena, em julho de 1789, observava "a grande relação,
comércio e comunicação" que havia entre Minas Gerais e Rio de Janeiro767. Não admira,
portanto, que os conjurados, ainda que provavelmente fabulando, se referissem à
colaboração de negociantes do Rio de Janeiro, ou que acreditassem que futuramente as
Capitanias vizinhas poderiam, unidas, pertencerem a um mesmo Estado independente de
Portugal, posto que eram todos americanos.
Tiradentes, a se dar crédito aos Autos de Devassa, era o mais entusiasmado com
esta possibilidade, com o que revelou percepção mais apurada que os demais quanto à
necessidade de alianças, sem o que o sucesso dos projetos estaria comprometido. O alferes,
embora comungasse da esperança de que as Minas poderiam subsistir sozinhas, era o único
que realmente acreditou que a manutenção de relações econômicas- que se desdobrariam
políticas- com outras partes da América seria alternativa viável. Os demais, ainda a dar-se
765
A Câmara da Vila Real do Sabará solicitava ao Rei em 1768 o estabelecimento naquela Vila de uma casa de
aula com mestre para ensinar teoria e prática de cirurgia e anatomia. O Procurador da Coroa lembrava que isto
era uma "questão política", sendo totalmente contrário, porque "um dos mais fortes vínculos, que sustentava a
dependência das nossas colônias, era a necessidade de vir estudar no Reino". "Sobre a representação que
fazem a Sua Majestade os Oficiais da Câmara de Vila Real do Sabará, em que pedem ao dito Senhor seja
servido conceder-lhes a faculdade para poderem estabelecer naquela Vila uma casa de aula com mestre para
ensinar teórica e praticamente Cirurgia e Anatomia". In: RAPM, Ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de
Minas Gerais, 1910, pp.466-468.
766
Sobre a interação das Minas com as demais Capitanias no que se refere às trocas comerciais ver:
ZEMELLA, Mafalda P. - Op.cit.
767
ADIM- Op.cit, Volume 8, p.205.
crédito aos Autos, alimentavam a ilusão que conferia às Minas potencial de auto-suficiência.
Filhos das Minas, americanos, essas identidades alternativas traziam em si a expressão de
um presente cujo passado carecia de nitidez e a antevisão de futuros entre os quais eram
chamados a escolher. É essa concomitância de múltiplas temporalidades que explica o fato
de, em seus discursos, emergirem identidades coloniais de distintas abrangências, todas
referidas, naquele momento de crise, a convicção que os tornava sediciosos, isto é, o desejo
de rompimento com a Coroa portuguesa.
A trajetória das Minas, a história das percepções e reações dos seus filhos quanto à
política metropolitana, o reconhecimento de suas especifidades ou mesmo dos seus projetos
de futuro podem ajudar a entender porque a identidade particularista foi predominante no
contexto de sedição, ainda que isso envolva aparentes paradoxos. As Minas, uma
comunidade politicamente isolada, mantinham relações econômicas de grande abrangência.
Os filhos das Minas Gerais eram reconhecidos por seus traços peculiares, mas também
poderiam ser identificados por outros comuns também aos demais americanos. Eles tinham
um passado próprio, mas aquele de outras partes da América também lhes dizia respeito.
Desejavam um Estado soberano nas Minas, mas este poderia estender-se além de seus
limites. E tudo isso se dava em meio a uma crise que, vista pelos nela envolvidos nas Minas
era traduzida por decadência, mas que, na verdade, já anunciava o esgotamento tendencial
de um sistema mundial- o do Antigo Regime. E não é de surpreender que as referências que
informavam esses homens, entre elas as referências identitárias, expressassem antes suas
muitas perplexidades e dúvidas, do que suas certezas, certamente menos numerosas e
consistentes, até porque sua prática restringia-se ao universo de seu grupo restrito, mesmo
que isso viesse referido ao corpo social cujo futuro projetavam, mas cujos sentimentos
políticos estavam longe de expressar.
Dessa forma, a coexistência de múltiplas identidades coletivas e, mais do que isso,
a coexistência de múltiplos significados atribuídos para essas identidades coletivas, já por
seus portadores, já por quem as atribuía a outrem, reflete a generalização de sentimentos de
provisoriedade que impunha aos envolvidos urgência na sua superação. A forma pela qual
isso se deu, entretanto, é uma outra história que ultrapassa a periodização deste estudo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA

1. Fontes primárias:

1.1 Manuscritas

A.P.M.- A. H. U. - Arquivo Público Mineiro- Arquivo Histórico Ultramarino:

( os títulos dos documentos desta sessão estão conformes ao Inventário coordenado


por Boschi.
BOSCHI, Caio C.- Inventário dos manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais
existenetes no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa). Belo Horizonte, Fundação João
Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1988, 3 volumes

Cx 53 doc 54- "Parecer ( cópia) de Gomes Freire de Andrade, governador de Minas


Gerais, sobre a delimitação da Capitania de São Paulo" ( Vila Rica, 27 de maio de 1749)
Cx 54 doc 83- "Representação da Câmara de São Paulo, ao secretário de Estado da
Marinha e Ultramar, dando conta de terem recebido as instruções relativas a divisão da
Capitania de São Paulo com a do Rio das Mortes e do mal-estar causado nos moradores"
( São Paulo, 29 de novembro de 1749)
Cx.70 doc.41- “Carta de Domingos Pinheiro, provedor da Fazenda de Minas,
informando o Secretário de Estado, Antônio Amaro de Sousa Coutinho, sobre a remessa da
relação na qual discrimina o número de homens de negócios, mineiros e roceiros que vivem
na capitania de Minas Gerais” (Vila Rica, 25 de julho de 1756)
Cx 74 doc 34- "Carta de Cláudio Manuel da Costa para fr. Inácio de Sá e Nazaré,
agradecendo o diploma do 'caráter de sócio entre os senhores acadêmicos da Academia
Brasílica' " ( Vila Rica, 3 de novembro de 1759)
Cx 81 doc 9- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica pedindo a D. José I,
que estipule o que as comarcas deviam gastar nas festas de aplausos de nascimento e
casamento da Família Real" (Vila Rica 15 de março de 1763)
Cx 81 doc 14- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica sobre o
desequilíbrio social dos povos das cabeças das comarcas- nomeadamente alguns viviam
uma vida muito confortável; ao contrário, alguns passavam na miséria- solicitando atenção
real ao caso" ( Vila Rica, 15 de março de 1763)
Cx 81 doc 15- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, dando conta do
corpo administrativo das Comarcas de Minas Gerais, comparando a grandeza da capitania
das Minas com a do Rio de Janeiro e da Bahia, solicitando um governador para esta
Capitania" (Vila Rica , 15 de março de 1763)
Cx 81 doc 16- " Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica sobre as excessivas
despesas feitas pelos advogados da referida Câmara na preservação da ordem, solicitando
uma solução rápida desta situação" ( Vila Rica 15 de março de 1763)
Cx 81 doc 24- "Carta de Antonio Joaquim de Vasconcelos, enviando a relação dos
(exorbitantes) ordenados pagos aos oficiais de Minas Gerais ( Vila Rica, 17 de março
de1763)
Cx 84 doc 51- "Requerimento de Manuel Pereira da Silva, morador de Mariana,
solicitando a licença do visitar o Reino" ( 15 de dezembro de 1765)
Cx 84 doc 53- "Requerimento de Manuel Bras Ferreira, natural de Coimbra e assistente
na America, Capitania das Minas Gerais, solicitando a licença para visitar o Reino com a
sua mulher" ( 1 de dezembro de 1765)
Cx 84 doc 56- “Requerimento de Manoel de Jesus Pereira, assistente na Câmara de São
João Del Rei, solicitando licença de passar ao Reino” ( 20 de dezembro, anterior a 1764)
Cx 84 doc 67- "Extrato das Cartas do Governador e Capitam General das Minas Geraes,
e do Intendente dos Diamantes" (1764)
Cx 84 doc 68- "Extrato das Cartas que se recebera de Luis Diogo Lobo da Silva,
governador das Minas Gerais, no presente ano de 1764" (1764)
Cx 84 doc 69- "Extrato das Cartas do Governador e Capitam General das Minas Geraes,
do Ouvidor e do Provedor da Fazenda Real de Villa Rica" (1764)
Cx 85 doc 4- "Requerimento de Domingos Ferreira da Veiga e de outros, arrematantes
do contrato das Estradas das Minas de 1759 a 1761, pedindo para mandar soltar da prisão o
caixa José Álvares Maciel, para tratar das cobranças do contrato, a fim de efetuar o
pagamento a Real Fazenda" ( 5 de janeiro de 1765)
Cx 85 doc 5- "Requerimento de Manuel Dias da Silva Basto, pedindo que se mande
juntar a suplica a resolução da consulta sobre o requerimento que fez o capitão-mor José
Alvares Maciel, onde pede a restituição de Novos Direitos por nomeação de serventuário" (
21 de janeiro de 1765)
Cx 85 doc 36- " Carta de D. Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para o
Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, informando que lhe apresentara os
vários assuntos enviados a Francisco Xavier de Mendonça Furtado e a digressão de 379
léguas que praticou as milícias. Informa ainda sobre a derrama, diamantes e quinto do
ouro" ( Vila Rica 8 de março de 1765)
Cx 85 doc 47- "Requerimento de Lopo Barroso Pereira, natural da cidade do Porto,
casado nas Minas do Ouro Preto, pedindo licença para passar ao Reino com sua mulher e
filhos e família" ( 16 de abril de 1765)
Cx 86 doc 7- "Carta de D. Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre o descaminho do ouro e diamantes, entre
outros assuntos" ( Vila Rica 28 de agosto de 1765)
Cx 86 doc 14- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica pedindo para se
moderar a lei de 1750, dezembro, 3, no que concerne ao pagamento por inteiro da quantia
de 100 arrobas de ouro por via de derrama" ( Via Rica, 31 de agosto de 1765)
Cx 86 doc 18- ""Carta de D. Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, informando que enviara a dimensão real da
Comarca do Rio das Mortes e parte da de Vila Rica. Participa também a sua pretensão em
alargar a vistoria a toda a Capitania" ( Vila Rica, 2 de Setembro de 1765)
Cx 86 doc 31 "Representação da Câmara de Vila Nova da Rainha, dando várias
sugestões para o bom funcionamento do corpo político e de finanças naquela Capitania"
(Vila Nova da Rainha, 7 de julho de 1765)
Cx 87 doc 77- "Requerimento do alferes Luis de Sousa Pinto, pedindo mercê do Hábito
da Ordem de Cristo e um dos ofícios numa das Reaes Casas de Fundição, por ter feito
entrar na Real Casa de Fundição do Sabará, num ano, mais de 10 arrobas de ouro" ( 1766)
Cx 88 doc 7- "Requerimento de Pedro Dias Pais leme, guarda-mor geral de Minas,
solicitando a D. José I a mercê de autorizar a nomeação de seu segundo filho, o bacharel
Roque Luís de Macedo Leme, no referido cargo" ( 16 de junho de 1766)
Cx 88 doc 8- “Carta de José Gomes de Araújo, provedor da Capitania das Minas, para
D.José I, remetendo os autos de residência que tirou ao bacharel Tomás José da Silva
Vieira, ouvidor da Comarca do Rio das Mortes” ( São João, 16 de junho de 1766)
Cx 88 doc 43- "Carta de Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, informando sobre a recepção de uma carta e um
bando do governador de São Paulo, D. Luis António de Sousa, relativos a circulação de
cópias de uma carta de revolta contra o governador das Minas, escritas pelas câmaras da
mesma Capitania" ( Vila Rica, 15 de setembro de 1766)
Cx 89 doc 8- " Carta de Luis Diogo Lobo da Silva, para Francisco Xavier de Mendonça
Furtado sobre as determinações da carta régia de 1766, julho, 22, relacionadas com as
queixas contra os fascinorosos e vadios que vivem nos sertões da Capitania das Minas"
(Vila Rica 8 de outubro de 1766)
Cx 89 doc 26- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica pedindo para serem
aliviados do subsídio voluntário, visto ter terminado os 10 anos de contribuição" (Vila Rica
22 de outubro de 1766)
Cx 89 doc 28- " Representação dos oficiais da Câmara da cidade de Mariana, expondo o
desassossego em que vivem os moradores do continente do Xopotó, nos distritos da capela
de São Caetano, Brejaúbas Grandes e Pequenos, ribeirão da Espera e sítio chamado do
Melo, não obstante a divisão feita entre os dois termos da Vila de São José e o desta
cidade" (Cidade de Mariana 25 de outubro de 1766)
CX 89 doc 32- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, sobre a
importância para os reais interesses da conservação intacta das fábricas, lavouras e
moradores daquelas minas, donde não podem sair corpos militares em socorro das
fronteiras" ( Vila Rica 27 de outubro de 1766)
Cx 89 doc 42- "Carta de Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para o
Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, remetendo um mapa do rendimento
dos quintos, do trimestre de agosto a outubro de 1766, e uma relação de receita e despesa
da Intendência de Vila Rica" (Vila Rica 6 de dezembro de 1766)
Cx 90 doc 9 "Carta de Luis Diogo Lobo da Silva, gov.er das Minas, para Francisco
Xavier de Mendonça, sobre a oposição na continuação do subsídio voluntário" (Vila Rica 5
de fevereiro de 1767)
Cx 90 doc 63- "Carta de Luis Diogo Lobo da Silva, governador das Minas, para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado acusando a recepção da Instrução Secretíssima e
informando ter ficado no conhecimento do seu conteúdo para lhe dar execução" (Vila Rica
30 de junho de 1767)
Cx 91 doc 43- "Representação dos oficiais da Câmara pedindo para se abolir a cobrança
do subsídio voluntário" (Vila Nova da Rainha, 2 de agosto de 1767)
Cx 91 doc 66- "Representação dos oficiais da Câmara do Sabará pedindo licença para
estabelecer naquela Vila uma casa de Aulas" (Sabará 11 de novembro de 1767)
Cx 92 doc 56- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila de S. José, pedindo a
existência da fábrica de sabão preto e não os estancos das reais sabonarias" ( Vila de São
José 23 de abril de 1768)
Cx 93 doc 20- "Carta do Conde de Valadares, D. Luis de Meneses, governador das
Minas, para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre vários assuntos, entre eles, a
digressão que efetuou naquela terra e boa conduta do provedor da Fazenda Real" ( Vila
Rica 31 de agosto de 1768)
Cx 93 doc 25- "Carta do Conde de Valadares, D. Luis de Meneses, governador das
Minas, para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, enviando auto de perguntas feitas ao
Padre Cristovão César Constantin, expulso da Companhia de Jesus"( Vila Rica, 3 de
setembro de 1768)
Cx 93 doc 27- "Carta do desembargador Francisco José Brandão, para D.José I, dando
conta da sua deslocação para Vila Rica a fim de inteirar dos procedimentos de Luis Diogo
Lobo da Silva, durante o tempo que exerceu o cargo de governador das Minas". ( Vila Rica
9 de novembro de 1768)
Cx 94 doc 17- "Carta de D. José de Meneses, Conde de Valadares e governador de
Minas Gerais, para o Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, dando conta das
medidas que tomara contra os índios devido ao desassossego que causavam às fazendas"
( Vila Rica 5 de fevereiro de 1769)
Cx 94 doc 22- "Carta de João Caetano Soares Barreto, provedor da Fazenda Real, para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, entre vários assuntos, sobre a boa relação do povo
com o governador, da pobreza da capitania das Minas, e remete certidão com as parcelas
que tem entrado no cofre da Provedoria" ( Vila Rica 22 de fevereiro de 1769)
Cx 94 doc 49- "Requerimento de Manuel Álvares Correia, natural do Reino, residente
no Arraial de Nossa Senhora da Piedade de Paraopeba, filial do Curral Del-Rei, pedindo
licença para abrir uma fábrica de ferro" ( 17 de março de 1769)
Cx 95 doc 62- "Requerimento de Antonio Pereira Henriques, bacharel e mestre de
Artes, morador na Vila de Sabará, pedindo provisão para poder advogar na dita Vila e sua
Comarca" ( Sabará 12 de julho de A769)
Cx 95 doc 71- “Carta do Conde de Valadares, D.José de Meneses, governador das
Minas, para o Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, informando, entre
outros assuntos, da arrematação dos contratos, da despesa com o hospital militar e dum
caso ocorrido na Comarca da Cidade de Mariana (delito de inconfidência)” ( Vila Rica, 02
de agosto de 17969)
Cx 97 doc 1- "Carta de D. José Luis de Meneses, para Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, secretário do Estado da Marinha e Ultramar, informando as instruções que dera as
Camaras e as milícias a fim de festejarem o nascimento da Infanta D. Maria" ( Vila Rica 1º
de Janeiro de 1770)
Cx 97 doc 2- "Carta de D. José Luis de Meneses, Conde de Valadares e governador de
Minas Gerais para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Secretário de Estado da
Marinha e do Ultramar , dando conta entre, outros assuntos, do estado de abandono em que
se achavam muitas sesmarias e das medidas que tomara para ativar a agricultura" (Vila
Rica 10 de janeiro de 1770)
Cx 97 doc 8- "Carta de D. José Luis de Meneses, Conde de Valadares, e governador de
Minas Gerais, para o Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Mello, dando seu
parecer sobre as providências que se deviam tomar com vista a atenuar a quebra na
cobrança dos quintos reais" (Vila Rica 24 de janeiro de 1770)
Cx 98 doc 50- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de S. José, a D. José I,
solicitando providências para se evitarem as execuções dos moradores efetuadas pelos
cobradores dos dízimos" ( Vila de São José 6 de outubro de 1770)
Cx 99 doc 12- "Carta de D. José Luís de Menezes, Conde de Valadares e governador
de Minas Gerais, para o Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, dando conta
das diligências que tem efetuado com vista ao aumento da produção do quinto" (Vila Rica
13 de novembro de 1770)
Cx 100 doc 14- "Carta de D. José Luís de Menezes, Conde de Valadares e governador
de Minas Gerais, para D. José I, dando o seu parecer sobre uma petição dos oficiais da
Câmara de Vila Rica, que solicitavam privilégios idênticos ao dos seus pares da Câmara da
cidade do Porto" ( Vila Rica, 26 de janeiro de 1771)
Cx 100 doc 26- "Requerimento de José Joaquim da Rocha, cabo de esquadra de
Dragões da Guarnição de Minas, pedindo permissão para deslocar-se ao Reino" ( 18 de
março, anterior a 1771)
Cx 102 doc 56- "Carta de D. José Luís de Menezes, Conde de Valadares e governador
de Minas Gerais, para Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e
Ultramar, dando conta dos constantes insultos e furtos praticados pelos vadios, e propondo
a aplicação de medidas mais rígidas com vista a pôr-se cobro a tal situação" ( Vila Rica 9
de junho de 1772)
Cx 102 doc 60- "Carta de D. José Luís de Menezes, Conde de Valadares e governador
de Minas Gerais, para Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e
Ultramar, solicitando informações sobre os tipos de delitos que deviam ser julgados pela
Junta de Vila Rica" (Vila Rica, 11 de junho de 1772)
Cx 103 doc 91- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila do Príncipe, a D. José,
solicitando providências no sentido de aliviar as populações do modo como eram
executadas na cobrança dos quintos" (Vila do Príncipe, 5 de dezembro de 1772)
Cx 104 doc 40- " Representação dos oficiais da Câmara da Vila Rica, informando D.
José I, acerca do tumulto ocorrido entre a população devido a multa de que foram vítimas, a
título de derrama, e solicitando providências no sentido de se evitar a sua ruína" ( Vila
Rica, 6 de março de 1773)
Cx 105 doc 34- "Requerimento de Baltasar João Mayrinck, pedindo a concessão do
Hábito de Cristo, com respectiva tença, pelo ouro que fez fundir o seu tio, pe. João carvalho
da Rosa, na Casa de Fundição de Vila Rica" ( 11 de agosto de anterior a 1774)
Cx 105 doc 37- "Carta ( cópia) de José Dias Rosa Maciel, procurador da fazenda de
Vila Rica, para D. Maria I, remetendo o termo elaborado pela Junta de Administração e
Arrecadação da Real Fazenda, a respeito dos motivos por que se suspendera a derrama para
a cobrança da cota das cem arrobas de ouro, que os habitantes de Minas se haviam obrigado
a fornecer anualmente a Fazenda Real" ( Vila Rica, 18 de agosto de 1773)
Cx 105 doc 38- "Carta ( cópia) da Junta da Fazenda para o Marquês de Pombal,
Sebastião José de Carvalho e Melo, dando o seu parecer sobre as reflexões do Procurador
da Fazenda e sobre os prejuízos que podia causar ao Real Erário a continuação da
derrama" ( Vila Rica, 19 de agosto de 1773)
Cx 106 doc 23- "Extracto das cartas de 20,12.1773, recebidas do governador e capitão-
geral das Minas Gerais, pelos últimos navios que chegaram do Rio de Janeiro no mês de
maio de 1774" ( maio, anterior a 1774)
Cx 107 doc 11- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
informando a D.José I sobre as extorsões de que são vítimas as populações por parte dos
contratadores que exploram as passagens dos rios e solicitando providências contra tal"
( Vila de São João Del Rei,30 de julho de 1774)
Cx 107 doc 12- “Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
informando a D.José I acerca da difícil situação econômica em que vivem as populações e
solicitando providências no sentido de evitar tal situação" ( Vila de São João Del Rei,30 de
julho de 1774)
Cx 107 doc 13- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
pedindo a D. José I que isente as populações da referida localidade do pagamento do
subsídio literário" ( Vila de São João Del Rei, 30 de julho de 1774)
Cx 107 doc 14- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
expondo o estado de ruína dos moradores de Minas, em conseqüência da ambição e
desordem que havia no sistema da extração do ouro" (Vila de São João Del Rei, 30 de julho
de 1774)
Cx 107 doc 15- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
dirigida a D. José I, pedindo que sejam aumentados os privilégios concedidos aos mineiros
da Capitania de Minas" (Vila de São João Del Rei, 30 de julho de 1774)
Cx 107 doc 17- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
dirigida a D. José I, informando sobre os motivos porque a capitania de Minas se acha em
decadência, e solicitando providências no sentido de alterar tal situação" (Vila de São João
Del Rei, 30 de julho de 1774)
Cx 107 doc 26- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
pedindo providências a D.José I contra o excessivo peso das cobranças observadas pelos
párocos" (Vila de São João Del Rei, 30 de julho de 1774)
Cx 107 doc 30- "Carta de Antonio Carlos Furtado de Mendonça, governador das Minas
sobre carta de João Caetano Soares Barreto, provedor da fazenda de Minas, informando
D.José I sobre as irregularidades cometidas pelo Conde de Valadares" ( Vila Rica, 1º de
agosto de 1774)
Cx 107 doc 33- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila do Príncipe, pedindo
providências contra as extorsões praticadas pelo pároco, contra os habitantes de Minas" (
Vila do Príncipe, 2 de agosto de 1774)
Cx 107 doc 40- "Requerimento de Manuel Fernandes Silva, morador na Comarca do
Rio das Mortes, pedindo provisão para se queixar judicialmente da Câmara da Vila de São
João Del Rei" ( 22 de agosto, anterior a 1774)
Cx 108 doc 18- "Carta de D. Antonio de Noronha, governador das Minas, informando o
Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, sobre a sua chegada no Rio de
janeiro, assim como sobre o encontro que teve com o Marquês de lavradio, Luis de
Vasconcelos e Souza, vice-rei do Estado do Brasil" ( Rio de janeiro, 10 de abril de 1775)
Cx 108 doc 75- "Representação dos oficiais da Câmara da cidade de Mariana,
informando D. José I entre outros assuntos sobre as violências praticadas pelos gentios,
assim como a difícil situação econômica que atravessa a Capitania de Minas" ( Mariana, 16
de dezembro de 1775)
Cx 108 doc 77- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de Nossa Senhora do
Bom Sucesso, pedindo providências a D. José I, no sentido de aliviar as populações face as
dificuldades que se debatem" ( 30 de dezembro de 1775)
Cx 108 doc 83- "Memorial expondo o modo como se tem extraviado o real quinto"
( posterior a 1775)
Cx 109 doc 5- "Carta de António de Noronha, governador de Minas, informando
Martinho de Melo e Castro sobre o conflito territorial que opõe a Capitania de Minas e a de
São Paulo" ( Vila Rica, 13 de janeiro de 1776)
Cx 110 doc 37- "Carta ( cópia ) do Marquês de Lavradio, Luis de Vasconcelos e Sousa
vice-rei do Brasil, informando o governador de Minas, D. Antonio de Noronha, acerca das
distinções conferidas aos soldados que mais se evidenciaram contra os castelhanos no sul
do Brasil" ( Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1776)
Cx 110 doc 59- "Mapa dos habitantes da capitania de Minas Gerais" ( por volta de
1776)
Cx 111 doc 38- "Carta de António de Noronha, governador de Minas, remetendo
Martinho de Melo e Castro, uma relação dos privilegiados existentes na referida Capitania"
( Vila Rica 25 de junho de 1777)
Cx 111 doc 48- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila Real do Sabará,
solicitando providências contra a imposição de que tem sido vítimas ao se pretender que
assinem, por mais dez anos, o subsídio voluntário" ( Vila Real do Sabará, 4 de agosto de
1777)
Cx 113 doc 30- "Carta régia de D.José I, para o Conde de Valadares, D.José Luis de
Meneses, governador de Minas Gerais, dando instruções com vista a melhorar a
administração da Fazenda Real de Minas" ( Lisboa, 7 de setembro de 1778)
Cx 113 doc 32- "Consulta do Conselho Ultramarino sobre a representação que fizeram
os oficiais da Câmara de Vila Nova da Rainha no sentido de se verem aliviadas do peso do
subsídio literário" (Lisboa, 12 de setembro de 1778)
Cx 113 doc 67- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São João Del Rei,
dando conta das dificuldades com que se debate a Capitania de Minas Gerais e solicitando
isenção do pagamento da derrama do ouro" ( São João Del Rei, 21 de novembro de 1778)
Cx 113 doc 73-"Carta de António de Noronha, governador de Minas, dando conta do
interesse das Câmaras da referida Capitania em se verem aliviadas do pagamento do
subsídio voluntário destinado a reedificação da cidade de Lisboa" ( Vila Rica 8 de
dezembro de 1778)
Cx 114 doc 13- "Representação dos oficiais da Câmara de Araçuaí, dirigida a D.Maria
I, solicitando permissão para que as populações da referida localidade possam minerar e
extrair ouro no rio Jequitinhonha" ( Minas Novas de Araçuaí, 6 de fevereiro de 1779)
Cx 114 doc 17- "Requerimento dos moradores de Minas, solicitando providências no
sentido de se verem suavizados dos impostos que recaem sobre os mesmos, a fim de
poderem cultivar as suas terras" ( 25 de fevereiro, anterior a 1779)
Cx 114 doc 50- "Consulta do Conselho Ultramarino sobre a nomeação de pessoas para
a Secretaria do governo de Minas Gerais" (Lisboa, 26 de maio de 1779)
Cx 115 doc. 55- "Carta de António de Noronha, governador de Minas, a Martinho de
Melo e Castro, informando acerca das providências que tem tomado no sentido de
intensificar a exploração de ouro, entre outros assuntos" ( Vila Rica, 18 de outubro de
1779)
Cx 115 doc 69- "Lista dos opositores ao cargo de secretario do governo de Minas"
( 1779)
Cx 115 doc 71- "Plano para o melhoramento da arrecadação do direito do quinto" ( por
volta de 1779)
Cx 116 doc 25- "Consulta do Conselho Ultramarino sobre a representação e plano em
que o bacharel Francisco Barbosa de Miranda Saldanha expôs os grandes prejuízos havidos
na Fazenda, causados pela aplicação do sistema das cem arrobas de ouro pertencentes aos
reais quintos" ( Lisboa, 5 de maio de 1780)
Cx 117 doc 4- "Requerimento do bacharel Francisco Barbosa de Miranda Saldanha,
morador em Vila Rica, pedindo para ser provido no cargo de secretário de Moçambique" (
16 de fevereiro, anterior a 1781)
Cx 118 doc 8- "Carta de Manuel Joaquim Pedroso, ouvidor de Vila Rica, para Martinho
de Melo e Castro, informando do decadente estado da administração da Real Fazenda da
Capitania de Minas Gerais" (Vila Rica 2 de fevereiro de 1782)
Cx 118 doc 14- "Decreto de D.Maria I, nomeando o bacharel José Caetano César
Manitti para ouvidor do Sabará e Tomás António Gonzaga para ouvidor da Vila Rica" ( 27
de fevereiro de 1782)
Cx 118 doc 44- "Carta de Inácio Vieira Barros e Faxardo, para D. Maria I, sugerindo
novos descobertos importantes no sertão situado entre a cidade de São Paulo e a Vila de
São Sebastião" (Vila de Pitangui, 15 de junho de 1782)
Cx 118 doc 45- "Carta de Inácio Vieira Barros e Faxardo, para D. Maria I, sobre a
situação dos descobertos na América: o alvoroço dos povos, a ambição dos ministros, a
exploração dos pobres, entre outros assuntos" (Vila de Pitangui, 15 de junho de 1782)
Cx 118 doc 50- "Carta de D. Rodrigo José de Menezes, governador de Minas,
informando Martinho de Melo e Castro, entre outros assuntos, sobre a desordem que
campeia nos serviços diamantinos" (Vila Rica, 24 de junho de 1782)
Cx 119 doc 31- "Carta de D. Rodrigo José de Menezes, governador de Minas Gerais,
para Martinho de Melo e Castro, sobre o estabelecimento na dita Capitania do direito
costumário, oposto a disposição da lei" ( Vila Rica 8 de maio de 1783)
Cx 119 doc 47- " Representação dos oficiais da Vila Nova da Rainha, sobre vários
assuntos, entre eles: divisão deste termo com o da Vila do Príncipe e cidade de Mariana,
vexame dos mineiros, prejuízo que causam os oficiais da Justiça, necessidade de mestres d
escolas e de gramática" ( Vila Nova da Rainha, 2 de julho de 1783)
Cx 120 doc 15- "Carta de D. Rodrigo José de Menezes, governador de Minas Gerais,
para Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, remetendo-
lhe um mapa da Capitania de Minas" ( Vila Rica, 29 de setembro de 1783)
Cx 121 doc 34- "Carta de Tomas Antonio Gonzaga, ouvidor da Comarca de Vila Rica,
informando a D. Maria I sobre o contencioso que trava contra Luis da Cunha Menezes,
governador de Minas, devido a intromissão deste na esfera da área de sua competência"
( Vila Rica, 8 de abril de 1784)
Cx 121 doc 35- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador de Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, remetendo-lhe
uma exposição dirigida a D. Maria I, na qual se justifica de algumas acusações da sua má
administração da Fazenda Real de Goiás" ( Vila Rica, 19 de abril de 1784)
Cx 122 doc 1- "Carta de José António de Meireles Freire, intendente da Real Extracção
dos Diamantes, para Martinho de Melo e Castro, secretário do Estado da Marinha e
Ultramar, queixando-se das intromissões do governador nas áreas de sua competência"
( Tejuco, 5 de julho de 1784)
Cx 122 doc 50- "Carta de Antônio José Godinho Caldeira, intendente da Comarca do
Sabará, para Martinho de Melo e Castro, secretário do Estado da Marinha e Ultramar,
remetendo uma pormenorizada exposição sobre os rendimentos da Coroa e apresentando
sugestões" ( Sabará, 9 de dezembro de 1784)
Cx 123 doc 62- "Requerimento de Luís Brandão de Menezes Castelo Branco, capitão e
índio cropo, e Leonardo Francisco, índio croata, e demais índios, solicitando a D.Maria-I a
mercê de elevar a Vila a sua aldeia, na freguesia do Mártir São Manuel dos sertões dos rios
Pomba e do Peixe dos índios cropos e croatas" ( 6 de julho, anterior a 1785)
Cx 123 doc 87- "Requerimento de José Alves Lima, capitão e morador nos arredores da
Vila de São José, solicitando a D.Maria-I a mercê de o autorizar a montar um engenho para
o fabrico de açúcar, melaço e aguardante" ( 16 de agosto, anterior a 1785)
Cx 123 doc 88- "Carta de João Pereira Caldas, para Martinho de Melo e Castro,
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta do bom anil que se fabricava em
Minas Gerais, os preços, e informando, também, das iniciativas do naturalista Alexandre
Rodrigues Teixeira" (Barcelos, 19 de agosto de 1785)
Cx 124 doc 17- “Requerimento de Roberto Mascarenhas, alferes da Cavalaria de Minas
Gerais, solicitando a D.Maria I a mercê de lhe conceder certas facilidades que lhe permitam
fazer prova de sua ascendência, a fim de poder receber o Hábito de Cristo que lhe fora
concedido” ( 16 de fevereiro, anterior a 1786)
Cx 124 doc 19- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, informando ter
remetido três caixas com tigres de espécies diferentes, destinados ao Real Museu, conforme
as ordens de D.Maria-I" ( Vila Rica, 26 de fevereiro de 1786)
Cx 124 doc 29- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta das
diligências que efetuara no sentido de evitar o extravio e o contrabando do ouro em pó e
diamantes" (Vila Rica, 10 de abril de 1789)
Cx 124 doc 44- "Carta do Marques de Angeja, Pedro José de Noronha, para o secretário
de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, dando conta da grande
controvérsia surgida a propósito da cobrança dos dízimos das Minas Novas de Araçuaí,
pelos contratadores da Bahia e pelos de Minas Gerais" (Junqueira, 13 de junho de 1786)
Cx 124 doc 52- “Requerimento de José Joaquim da Rocha, solicitando a D.Maria I a
mercê de lhe conferir o Hábito de Cristo, pelos serviços prestados a Coroa” ( 28 de junho,
anterior a 1786)
Cx 125 doc 9- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, informando estar a
cumprir a ordem régia referente ao envio para o Rio de Janeiro de réus de crimes graves, e
solicitando o envio urgente de jurisdição relativa a Minas Gerais" ( Vila Rica, 27 de julho
de 1786)
Cx 125 doc 14- "Carta de José Honório de Valadares e Aboim, para Martinho de Melo e
Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, agradecendo-lhe os seus favores e
dando conta das incompatibilidades que tinha com o governador, Luis da Cunha Menezes,
por este confiar mais nos seus familiares e até nos mulatos" ( Vila Rica, 6 de agosto de
1786)
Cx 125 doc 36- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta das
diligências que mandara efetuar com vista a descoberta do local donde se havia retirado
umas pedras encarnadas de grande qualidade" (Vila Rica 6 de setembro de 1786)
Cx 125 doc 44- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, informando que
no Rio de Janeiro se aprontavam instrumentos de mineração para serem enviados para a
localidade do Descoberto do Cantagalo e solicitando a repartição das terras" ( Vila Rica, 19
de setembro de 1786)
Cx 125 doc 54- "Requerimento dos sócios do coronel João de Sousa Lisboa no contrato
das Estradas de Minas Gerais, solicitando a D. Maria I a restituição de parte da quantia
dispendida com a arrematação do referido contrato, relativo ao triênio de 1762 a 1764, em
virtude dos prejuízos que tiveram com a guerra que então deflagrara" ( 17 de outubro,
posterior a 1786)
Cx 126 doc 19-"Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta das
medidas que adotara com vista a evitar o contrabando do ouro nas localidades de Tejuco e
da serra de santo Antonio do Itacambiruçu" ( Vila Rica, 17 de fevereiro de 1767)
Cx 126 doc 25- "Requerimento de José Aires Gomes, coronel do Regimento de
Cavalaria Auxiliar do Quartel do distrito da Igreja Nova e caminho Novo, no Rio das
Mortes, solicitando a D.Maria-I a mercê de o confirmar no exercício do referido cargo" ( 13
de março, anterior a 1787)
Cx 126 doc 48- Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, informando ter
remetido para o Reino três caixotes contendo amostras recolhidas pelo naturalista Joaquim
Veloso de Miranda" ( Vila Rica, 7 de julho de 1787)
Cx 128 doc 2- "Memória que fez Luís Antonio Furtado de Mendonça, Visconde de
Barbacena e governador nomeado para Minas Gerais, sobre as dúvidas que tinha a respeito
de vários aspectos da administração da referida Capitania" (Lisboa, 4 de janeiro de 1788)
Cx 128 doc 11- "Decreto de D.Maria-I, declarando o predicamento com que o bacharel
Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira, intendente do Ouro de Vila Rica, devia
continuar a servir o referido cargo, que era o de primeiro banco, com a faculdade de poder
vestir a Beca Honorária" ( Ajuda, 14 de janeiro de 1788)
Cx.128 doc 23- “Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta de ter
remetido quatro caixas contendo amostras de produtos minerais recolhidas pelo naturalista
Joaquim Veloso de Miranda” (Vila Rica, 17 de fevereiro de 1788)
Cx 128 doc 34- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta da
forma como estava a aplicar a determinação régia sobre a proibição de se fabricarem todas
as qualidades de 'Tessumes' (sic) que não fossem grosseiros para uso do vestuário dos
escravos" ( Vila Rica, 22 de março de 1788)
Cx 128 doc 35- "Carta de Luís da Cunha Menezes, governador das Minas Gerais, para
Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar, dando conta das
diligências que efetuara para por cobro ao descaminho de diamantes bem como do
contrabando dos gêneros de luxo" ( Vila Rica, 22 de março de 1788)
Cx 128 doc 60- "Carta de Luís Beltrão Gouveia de Almeida, fiscal da Extracção dos
Diamantes, para Martinho de Melo e Castro, secretário de Estado da Marinha e Ultramar,
remetendo duas caixas com amostras mineralógicas" ( Tejuco, 28 de junho de 1788)
Cx 129 doc 3- "Carta de José de Vasconcelos Parada e Sousa, Sargento-mor e
comandante dos destacamentos das terras diamantinas do Serro Frio, para D. Maria I,
dando uma circunstanciada informação dos descaminhos e atropelos que se cometiam nas
referidas terras e das perseguições de que era vítima por tentar por cobro a tal situação"
(Tejuco, 13 de julho de 1788)
Cx 131 doc 41- "Carta (cópia) do Visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais,
para o juiz e oficiais da Câmara da cidade de Mariana, dando conta de sua decisão de
suspender o lançamento da derrama, e solicitando o parecer da referida Câmara sobre o
assunto" ( Vila Rica, 23 de março de 1789)
Cx 131 doc 42- "Carta (cópia) do Visconde de Barbacena, governador das Minas, para
Luis de Vasconcelos e Sousa a relatar vários acontecimentos relativos a Inconfidência
Mineira" ( 25 de março de 1789)
Cx 131 doc 72- " Representação dos oficiais da Câmara de Vila de São João Del Rei,
para o Visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, congratulando-se com a
suspensão do lançamento da 3º derrama e informando sobre o estado de decadência dos
povos das Minas, bem como dos extravios do ouro que explicaram tal decadência" (São
João, 13 de junho de 1789)
Cx 131 doc 73- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila do Príncipe, ao
Visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, dando conta do estado de decadência
da mineração do ouro em conseqüência do estabelecimento das Casas de Fundição, o que
explicava a incapacidade dos habitantes de cumprirem o pagamento dos quintos para a cota
das cem arrobas anuais" ( Vila do Príncipe, 16 de junho de 1789)
Cx 131 doc 74- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila de São José, acerca da
diminuição da cota de cem arrobas nos quintos reais e outros assuntos relativos aos
requerimentos dos mineiros" ( Vila de São José, 16 de junho de 1789)
Cx 131 doc 77- "Representação dos oficiais da Câmara da Vila do Pitangui, para o
Visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, dando o seu parecer sobre os
métodos a adoptar com vista a cobrança da derrama, entre os quais a introdução da moeda
provincial" ( Vila do Pitangui, 20 de junho de 1789)
Cx 132 doc 3- " Representação dos oficiais da Câmara de Vila Real do Sabará, para o
Visconde de Barbacena e governador de Minas Gerais, fazendo uma circunstanciada
reflexão sobre os motivos por que os habitantes de Minas não se encontravam capacitados a
contribuir para a derrama das cem arrobas de ouro anuais" ( Sabará, 4 de julho de 1789)
Cx 132 doc 4- " Representação dos oficiais da Câmara de Vila Real do Sabará, sobre a
má situação passada pelos povos, solicitando a mercê régia na solução desta situação"
( Vila Real do Sabará, 4 de julho de 1789)
Cx 132 doc 45- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, ao Visconde de
Barbacena, governador de Minas Gerais, congratulando-se pela suspensão da derrama e
tecendo considerações sobre a cota das cem arrobas com que deviam contribuir para os
rendimentos reais da Capitania" ( Vila Rica, 10 de outubro de 1789)
Cx 134 doc 12- "Carta do Visconde de Barbacena, Luís António Furtado de Mendonça,
governador das Minas, informando das medidas tomadas para a segurança da Capitania das
Minas e dos reais quintos" (Vila Rica, 11 de fevereiro de 1790)
Cx 134 doc 32- "Requerimento de António Pires da Silva Pontes, doutor astrônomo em
serviços nas diferentes partes do Brasil- Rio Negro, Rio Branco, Capitanias do Mato
Grosso e outras- ao Conselho Ultramarino, pedindo certidão dos seus serviços, e o posto de
tenente do Regimento de Cavalaria de Minas Gerais" (29 de março de A790)
Cx 134 doc 56- "Carta do Visconde de Barbacena, governador das Minas Gerais,
enviando quatro caixas de produtos minerais e vegetais, e junto duas relações" ( Vila Rica
12 de junho de 1790)
Cx 134 doc 57- "Carta do Visconde de Barbacena, governador das Minas Gerais, dando
conta do mau estado e da desordem no Rio de Janeiro e nas Minas Gerais" ( Vila Rica, 12
de junho de 1790)
Cx 135 doc 8- "Carta régia (minuta) para Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho,
chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro, ordenando que os cavaleiros das ordens
militares incursos no crime de Inconfidência fossem sentenciados apenas por cavaleiros das
ditas ordens" (Queluz, 17 de setembro de 1790)
Cx 135 doc 25- "Provisão (cópia) régia para o desembargador Sebastião Xavier de
Vasconcelos Coutinho, da Relação do Rio de Janeiro, sobre a maneira como devia proceder
para com os seus eclesiásticos envolvidos na conspiração" ( Queluz, 15 de setembro de
1790)
Cx 136 doc 81- "Representação dos oficiais da Câmara de Vila de São José, sobre a
decadência e diminuição do rendimento da Vila, solicitando a real atenção para o referido
caso" ( Vila de São José, 31 de dezembro de 1791)
Cx 139 doc 3- "Plano de aumento do Real Quinto da Mineração do Ouro e Diamantes e
de outros objectos interessantes, pertencentes a Capitania de Minas Gerais, feito por
Antonio Francisco Guimarães" ( Lisboa, 15 de janeiro de 1794)
Cx 145 doc 12- "Carta do governador Bernardo José de Lorena, a D.Rodrigo de Sousa
Coutinho, secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos, dando cumprimento a ordem
régia a respeito de enviar José Teixeira, que se acha doente e que podia ser substituído por
José Vieira Couto, para visitar as salinas do rio de São Francisco, enviando também
amostra do resultado do que se alcançou" ( Vila Rica, 14 de julho de 1798)
Cx 145 doc 22- “Cópia de um memorial apresentado por Manuel da Câmara Bitancourt
ao Ministério do Reino. Refere-se a administração das minas” ( 13 de agosto, posterior a
1798)
Cx 145 doc 26- “Carta do governador Bernardo José de Lorena, governador das Minas,
a D.Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos,
informando das providências tomadas a respeito do estabelecimento dos correios, em
execução, como foi ordenado pelo alvará de 20 de janeiro, 1798” ( Vila Rica, 22 de agosto
de 1798)
Cx 145 doc 46-"Carta do governador Bernardo José de Lorena, a D.Rodrigo de Sousa
Coutinho, secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos, dando conta da experiência de
José Vieira Couto, enviando as salinas a fim de poder principiar os seus exames
mineralógicos e metalúrgicos no Serro do Frio, os quais foram razoáveis, entre outros
detalhes" ( Vila Rica, 20 de setembro de 1798)
Cx 145 doc 26- "Carta de Bernardo José de Lorena, governador das Minas Gerais, a D.
Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos, informando
das providências tomadas a respeito dos estabelecimentos dos correios, com execução,
como foi ordenado pelo alvará de 20 de janeiro, 1798" (Vila Rica, 22 de agosto de 1798)
Cx 148 doc 36- "Ofício do governador de Minas, Bernardo José de Lorena para o
secretário de Estado da Marinha e Ultramar, D.Rodrigo de Sousa Coutinho, o qual dá conta
do estabelecimento de um jardim botânico nas terras do tenente coronel José Pereira
Marques" ( Vila Rica, 10 de maio de 1799)
Cx 149 doc 29- "Carta de Bernardo José de Lorena, governador das Minas, para D.
Rodrigo de Sousa Coutinho, acusando a recepção de exemplares das 'Reflexões' de Roberto
Godói, delegado da Carolina meridional e a sua distribuição pela Capitania" (Vila Rica, 30
de julho de 1799)
Cx 149 doc 72- "Carta de Alexandre Rodrigues Ferreira, para João Filipe da Fonseca,
enviando uma carta para D. Rodrigo de Sousa Coutinho, remetida com amostras de metais
por José Vieira Couto. Participa que fica em seu poder a 'Memória sobre a capitania' e
descrição dos metais que acompanharam as ditas amostras" ( Jardim Botânico, 24 de
setembro de 1799)

APM- SG Arquivo Público Mineiro- Secretaria de Governo:

Cx 07 doc 9 (20 de julho de 1772)


Cx 07 doc 15 (23 de setembro de 1772)
Cx 07 doc 21 (4 de dezembro de 1805)
Cx 08 doc 10 ( junho de 1775)
Cx 08 doc 21 ( 31 de outubro de 1775)
Cx 09 doc 2 (2 de fevereiro de 1777)
Cx 09 doc 4 ( 8 de fevereiro de 1777)
Cx 09 doc 19 ( recebida em 7 de março de 1778)
Cx 09 doc 27 ( 15 de dezembro de 1768)
Cx 10 doc 8 (10 de abril de 1780)
Cx 11 doc 1 ( 18 de janeiro de 1781)
Cx 11 doc 4 ( 19 de fevereiro de 1781)
Cx 11 doc 15 (14 de julho de 1781)
Cx 11 doc 30 (24 de julho de 1781)
Cx 11 doc 34 ( 4 de agosto de 1781)
Cx 12 doc 19 ( 21 de julho de 1782)
Cx 12 doc 20 (22 de julho de 1782)
Cx 12 doc 21 ( 26 de julho de 1782)
Cx 12 doc 25 (22 de agosto de 1782)
Cx 12 doc 31 (22 de julho de 1782)
Cx 12 doc 40 (18 de agosto de 1782)
Cx 12 doc 58 ( 16 de dezembro de 1782)
Cx 12 doc 61 (22 de dezembro de 1782)
Cx 13 doc 15 ( 3 de março de 1783)
Cx 13 doc 26 ( 22 de abril de 1783)
Cx 14 doc 05 (4 de fevereiro de 1784)
Cx 15 doc 12 (11? de fevereiro de 1785)
Cx 15 doc 63 (24 de dezembro de 1785)
Cx 16 doc 34 ( 19 de setembro de 1786)
APM- CMOP Arquivo Público Mineiro- Câmara Municipal de Ouro Preto:

Cx 49 doc 25 (10 de junho de 1775)


Cx 49 doc 47 (3 de julho de 1775)
Cx 50 doc 35 (1776)
Cx 50 doc 44 (1776)
Cx 50 doc 45 ( 20 de dezembro? de 1776)
Cx 50 doc 48 (1776)
Cx 60 doc 19 ( 22 de março de 1786)

APM-CI Arquivo Público Mineiro- Coleção Inconfidentes:

Cx 01, doc 03 ( 3 de novembro de 1756)

1.2 Impressas:

Autos da Devassa da Inconfidência Mineira (ADIM), Rio de Janeiro, Biblioteca


Nacional, 1936-38, 10 volumes.

“Auto da posse do Arraial de Santo Antonio da Campanha do Rio Verde”. In: Revista do
Arquivo Público Mineiro. Ano I, fascículo 3º, julho/set. de 1896, Ouro Preto,
Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp457-458.

“Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha Maria 1º acerca de limites de Minas Gerais com
Goiás” In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano II, fascículo 2º, abril/ junho
de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp. 372-390.

"Carta da Câmara para o Ilustríssimo e Excelentíssimo Sr. Martinho de Mello e Castro, do


Conselho de S.Majestade, Ministro e Secretario de Estado dos negócios da Marinha
e Ultramar"( 2 de julho de 1792). In: Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano I,
fascículo3, jul a set de 1896, pp.403-404.

“Carta de Sr. Marquês de Pombal sobre as prisões que se fizeram em Lisboa nos
contrabandistas de Diamantes e Ouro em pó”. In: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Minas Gerais. Volume X, Belo Horizonte, 1963, p.421.

“Carta do Sr. Martinho de Melo e Castro com a Relação que Sua Majestade manda formar
dos habitantes desta Capitania”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais. Volume X, Belo Horizonte, 1963, p.421-423.

“Causas determinantes da diminuição da contribuição das cem arrobas de ouro


apresentadas pela Câmara de Mariana”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro,
ano V, fascículo 1º, jan/março de 1901, Belo Horizonte Imprensa Oficial de Minas
Gerais. p.143-151.
COELHO, José João Teixeira- Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais.
Introdução por Francisco Iglésias, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro
de Estudos Históricos e Culturais, 1994.

“Comissão chefiada ao alferes Joaquim José da Silva Xavier pelo Governador Luiz da
Cunha Menezes”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano II, fascículo 2º,
abril/junho de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.347-350.

“Considerações sobre as duas classes mais importantes de povoadores da Capitania de


Minas Gerais, como são as de mineiros e agricultores, e a maneira de as animar”. In:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Volume 25, Rio de
Janeiro, 1862, pp.421-429.

“Consulta da Capitania de Minas Gerais- das cópias extraídas do Arquivo do conselho


Ultramarino” ( Documentos diversos). In: Revista do Arquivo Público Mineiro.
Ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1910, pp.453-482.

COUTO, José Vieira- Memória sobre a capitania de Minas Gerais; seu território, clima
e produções metálicas. Estudo crítico, transcrição e pesquisa histórica de Júnia
Ferreira Furtado. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos e Culturais, 1994.

"Demarcação de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais"-1800. ES-CX-3, Arquivo


Histórico Ultramarino, Lisboa, Portugal.

“Descoberta do ouro” (1798). In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano X, Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.690-692.

Discurso histórico e político sobre a Sublevação que nas Minas houve no ano de 1720.
Estudo crítico, estabelecimento do texto e notas Laura de Mello e Souza. Belo
Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994.

“Diversos Documentos – 1798: Informação da Câmara de S.Bento do Tamanduá sobre


divisas entre esta e a Capitania de Goiás. In: Revista do Arquivo Público
Mineiro. Ano XI, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.429-430.

"Exposição do Governador D.Rodrigo de Meneses sobre o estado de decadência da


capitania de Minas-Gerais e meios de remedia-lo". In: Revista do Arquivo Público
mineiro, ano II, fascículo 2, abril/junho de 1897, pp.311-327.

“Governo de Minas Gerais”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano I, fascículo 1º,
janeiro/março de 1896, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.3-7.

“Idéias de independência no Brasil em fins do século passado”. In: Revista do Arquivo


Público Mineiro. Ano XIV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
1909, pp.315-322.
"Impostos na Capitania Mineira- Clamores e súplicas das Câmaras em nome do povo". In:
Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano II, fascículo 2º, abril/junho de 1897,
Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.287-309.

"Instrução para o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General nomeado para a


Capitania de Minas Gerais, por Martinho de Mello e Castro, Secretário da Marinha
e Domínios Ultramarinos". In: Autos de Devassa da Inconfidência Mineira.
Volume 8, pp.41-105.

“Instrução e Norma que deu o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde de Bobadela a


seu irmão o precaríssimo Senhor José Antonio Freire de Andrada para o governo de
Minas, a quem veio suceder pela anuência de seu irmão, quando passou ao sul”
(1752). In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano IV, Ouro Preto, Imprensa
Oficial de Minas Gerais, 1899, pp.727-735.

"Instruções de Martinho de Mello e Castro a Luiz de Vasconcellos e Sousa, acerca do


governo do Brasil". In: Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro,
volume 25, ano 1862, pp.479-483"

“A Justiça na Capitania de Minas Gerais”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano
III, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1899, pp.3-23.

LEME, Antonio Pires da Silva Pontes- "Memória sobre a utilidade publica em se extrair o
ouro das minas e os motivos dos poucos interesses que fazem os particulares, que
mineram igualmente no Brasil". In: Revista do Arquivo Público Mineiro,
Ano I, fascículo 3, julho a setembro de 1896, pp.416-426.

"Memória do êxito que teve a Conjuração mineira e dos fatos relativos a ela. Acontecidos
nesta cidade do Rio de Janeiro desde o dia 17 até 26 de abril de 1792". In: Anuário
do Museu da Inconfidência mineira. Ouro Preto, Volume 2, 1953

"Memória mineralógica do terreno mineiro da Comarca de Sabará oferecida ao


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor José Bonifácio de Andrada, e Silva, Ministro
e Secretário d'Estado dos negócios do Reino, e da Guerra, digo Estrangeiros, por
um seu colega (José de Sá Bittencourt Camara). In: Revista do Arquivo Público
Mineiro, Ano II, fascículo 4º, out/dez de 1897, pp.599-609.

“1772-Representação do povo de S.João d´El-Rei contra o exagero da quota arbitrada para


a derrama”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano V, fascículo 1,
jan/março de1900, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais.

“1791- Ponderações da Junta da Fazenda sobre os meios de ressarcir o prejuízo da Real


Fazenda com a arrecadação do quinto do ouro”. In: Revista do Arquivo Público
Mineiro, ano VI, fascículo 1, jan/março de1901, Belo Horizonte, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, pp.154-166.
OTTONI, Jozé Eloi- Memória sobre a Capitania das Minas Gerais. Biblioteca Nacional.
I-28,28,13

A poesia dos inconfidentes. Poesia completa de Cláudio Manoel da Costa, Tómas


Antonio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Organização Domício Proença Filho;
artigos, ensaios e notas de Melânia Silva de Aguilar....[et. al.], Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar, 1996.

“Questões de limites”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XVI, Belo
Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1911, pp.107-123.

“Questões de limites entre os Estados de Minas e Goiás”. In: Revista do Arquivo


Público Mineiro, ano IX, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
1904, pp.795-826.

“Quintos do Ouro”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano III, fascículo 1º,
jan/março de 1898, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.65-77.

RAYNAL, Guillaume-Thomas François (Abade Raynal)- A Revolução da América.


Prefácio de Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Oswaldo Mutreal Filho,
Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1993. (1ºedição de 1772)

“Registro da Carta de Excelentíssimo Senhor General sobre a suspensão da derrama”. In:


Revista do Arquivo Público Mineiro, ano VII, Belo Horizonte, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, 1902, pp.979-980.

“Registro da carta escrita pelo Excelentíssimo Senhor Vice-Rei do Estado ao Doutor


Ouvidor Geral”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XI, Belo Horizonte,
Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1906, pp.683-4.

“Reprodução fac-similar do Alvará de 5 de janeiro de 1785 proibindo as manufaturas do


Brasil”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XL, Belo Horizonte,
Secretaria de Estado da Cultura/ Arquivo Público Mineiro, 1995, p.155-159.

ROCHA, José Joaquim da- Geografia histórica da Capitania de Minas Gerais.


Descrição geográfica, topográfica, histórica e política da Capitania de Minas
Gerais. memória Histórica da Capitania de Minas Gerais. Estudo crítico por
Maria Efigênia Lage de Resende; transcrição e colação de textos por Maria
Efigênia Lage de Resende e Rita de Cássia Marques. Belo Horizonte, Fundação
João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1995.

ROUSSEAU, Jean Jacques- Discurso sobre a origem e a desigualdade entre os homens.


Comentários Jean- François Braunstein, Brasília/São Paulo, Editora da
Universidade de Brasília/ Editora Ática, 1989. ( 1º edição 1755)
SANTOS, José Felício dos- Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro
Frio. 4º edição. Belo Horizonte/ São Paulo, Editora Itatiaia/ Editora da
Universidade de São Paulo, 1976.

Sem título. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Volume X,
ano 1963, pp. 423-424. (comunicado do Governador D. Antônio de Noronha aos
quatro ouvidores desta Capitania).

"Sobre a conta que deu Luis Diogo Lobo da Silva, governador e capitão general das Minas
de se compor o giro que deu na mostra que principiou em Vila Rica, Cidade de
Mariana e concluiu de toda a comarca do Rio das Mortes de trezentas e sessenta
léguas, e das providências que deu para se evitarem os descaminhos do ouro" In:
Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial
de Minas Gerais, 1910, pp.463-465

“Sobre a derrama lançada em 1772”. In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano II,
fascículo 2º, abril/junho de 1897, Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
pp.367-370.

“Sobre a representação que fazem a Sua Majestade os Oficiais da Câmara de Vila Real do
Sabará, em que pedem ao dito Senhor seja servido conceder-lhes a faculdade
para poderem estabelecer naquela Vila uma casa de Aula com Mestre para
ensinar teórica e praticamente Cirurgia e Anatomia”. In: Revista do Arquivo
Público Mineiro, ano XV, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
1910, pp.466-468.

“Sobre memórias municipais a cargo de um dos vereadores”. In: Revista do Arquivo


Público Mineiro, ano VII, Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais,
1902, pp.437.

“Súplicas dos mineiros de S.João D’El-Rei, referentes às execuções por dívidas”. In:
Revista do Arquivo Público Mineiro, ano II, fascículo 2º, abril/junho de 1897,
Ouro Preto, Imprensa Oficial de Minas Gerais, pp.370-372.

"Últimos momentos dos inconfidentes de 1789 pelo frade que assistiu de confissão". In:
Anuário da Inconfidência mineira. Ouro Preto, Volume 2, 1953.

VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de- Breve descrição geográfica, física e


política da Capitania de Minas Gerais. Estudo crítico por Carla Maria Junho
Anastasia; transcrição e pesquisa histórica por Carla Maria Junho Anastasia e
Marcelo Cândido da Silva. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais, 1994.

IDEM-"Fala que na Câmara de Vila Rica recitou um dos vereadores, no dia 22 de maio
de 1792". In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano I, fascículo 3, jul a set.
de 1896, pp. 405-411.
"Violências de um governador". In: Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano I,
fascículo 1, jan/março de 1901, pp. 185-188.

2. Livros e artigos:

AGUIAR, Melânia da Silva de- “A trajetória poética de Cláudio Manoel da Costa”. In: A
poesia dos inconfidentes. Poesia completa de Cláudio Manoel da Costa, Tómas
Antonio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Organização Domício Proença Filho;
artigos, ensaios e notas de Melânia Silva de Aguilar....[et. al.], Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar, 1996, pp. 27-39.

ALEGRIA, Maria Fernanda & Garcia, João Carlos “Aspectos da evolução da Cartografia
portuguesa ( séculos XV e XIX). In: Dias, Maria Helena (coord)- Os Mapas em
Portugal- da tradição aos novos rumos da cartografia. Lisboa, Edições Cosmos,
1995, pp.29-85.

ALMEIDA, Carla Maria C.- "Minas Gerais de 1750 a 1850: bases da economia e tentativa
de periodização". In: LPH: Revista de História. nº5, Departamento de História da
Universidade Federal de Ouro Preto, 1995, pp.88-111

AMARAL, Sérgio Alcides Pereira de- ESTES PENHASCOS- Cláudio Manoel da Costa
e a paisagem das Minas (1753-1777). Dissertação de mestrado apresentada ao
Departamento de História da PUC-RJ, sob orientação do Prof. Dr. Ilmar Rohloff de
Matos, Rio de Janeiro, 1996. (mimeo)

AMED, Fernando José & Negreiros, Plínio José Labriola de Campos- História dos
tributos no Brasil. ( colaboradores Helder kanamaru, Moacir Longo). São Paulo,
Edições SINAFREP, 2000.

ANASTÁCIA, Carla Maria Junho- Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na
primeira metade do século XVIII. Trabalho apresentado para o Concurso de
Professor Titular na área de História do Brasil. Departamento de História,
FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, 1995 (mimeo).

IDEM- "Vassalos rebeldes: motins em Minas Gerais no século XVIII". In: Vária História,
Belo Horizonte, nº13, junho de 1994, pp.26-43.

IDEM- "Potentados e bandidos: os motins do São Francisco". In: Revista do


Departamento de História, FAFICH-UFMG, Belo Horizonte, n°9, junho de 1989,
pp.74-85

ANDERSON, Benedict- Nação e Consciência nacional. São Paulo, Editora Ática, 1989.

ANDRADE, Antônio Alberto Banha- "O Marquês de Pombal e o ensino no Brasil". In:
Pombal Revisitado. Comunicações ao Colóquio Internacional organizado pela
Comissão das comemorações do 2° centenário da Morte de Pombal. Coordenação
de Maria Helena Carvalho dos Santos. Lisboa, Editorial Estampa, Volume 1,
pp.255-241.

ARRUDA, Maria Arminda do nascimento- Mitologia da mineiridade- o imaginário na


vida política e cultural do Brasil. Tese de doutorado apresentada ao Departamento
de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de São
Paulo, sob orientação do prof. Azis Simão, São Paulo, 1986 (mimeo)

ÁVILA, Cristina & Gomes, Maria do Carmo (coord)- "Cartografia e Inconfidência:


considerações sobre a obra de José Joaquim da Rocha". In: Análise & Conjuntura.
Volume 4, nºs 2 e 3, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, maio/dez de 1989,
pp.373-392.

ÁVILA, Afonso- "Inconfidência: projeto de nação possível". In: Análise & Conjuntura.
Volume 4, nº2 e 3, maio/dez de 1989, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro,
pp.61-80.

BICALHO, Maria Fernanda-“As Câmaras municipais no Império português; o exemplo do


Rio de Janeiro”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Humanitas
Publicações, Volume 18, nº36, pp.261-280.

BOSCHI, Caio Cesar- Os leigos e o poder ( irmandades leigas e política colonizadora


em Minas Gerias). São Paulo, Editora Ática, 1986

IDEM- "A Universidade de Coimbra e a formação intelectual das elites mineiras coloniais".
In: Achegas à História de Minas Gerais. Porto, Universidade Portocalense
Infante D. Henrique, 1994, p. 11-37.

IDEM- "Apontamentos para o estudo da economia, da sociedade e do trabalho nas Minas


Colonial". In: Análise & Conjuntura. Volume 4, nºs 2 e 3, Belo Horizonte,
Fundação João Pinheiro, maio/dez de 1989, pp.50-59

IDEM- "O clero e a inconfidência mineira". In: IX Anuário do Museu da Inconfidência.


Ouro Preto, Ministério da cultura, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 1993,
pp.111-120.

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