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Os primeiros colonizadores de Carrancas e a fortuna que quase comprou a

Capitania de São Paulo

Por Fabrício F. Campos – 03 de junho de 2018

O movimento que avançou além do Tietê e do Paraíba, ou como usualmente diziam os bandeirantes no final
do século XVII, para os sertões além do Taubaté, era o mesmo que deu origem aos núcleos urbanos das
cidades paulistas de Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Jequeri. Ele perdurou na direção Centro-Oeste do
sertão desconhecido durante todo aquele período. Os homens desbravavam matos, tanto à procura de ouro,
diamantes e pedras preciosas, como abrindo picadas, fundando povoados, aproximando de outros
existentes e surgidos no Alto São Francisco. Aqueles que se estabeleciam à margem direita do rio eram
chamados de baianos e os da esquerda de pernambucanos, mesmo sendo portugueses ou ascendentes de
paulistas. O resultado dessa movimentação foi o surgimento do famoso Caminho dos Currais. O território
dos matos gerais, depois das minas gerais.

Para introduzir o tema sobre a conquista do sertão das Gerais, vamos caminhar pela rota traçada por quem
escreveu parte da história do país, ou seja, os bandeirantes, pedindo licença para transcrever o editorial do
livro “Cartografia da conquista do território das Minas” de Antônio Gilberto da Costa e a Maria da Graça
Menezes Mourão, coautora desta introdução.

Os bandeirantes eram descendentes dos jesuítas, sendo os primeiros do povoado fundado às voltas do
Colégio de São Paulo e, por isso, denominados de paulistas, nome usado pela primeira vez pelo Conde de
Assumar em viagem às Minas. Analisando as condições de vida existentes nesse arraial durante os séculos
dezesseis e dezessete, pode-se afirmar que os seus moradores não podiam contar com as possibilidades de
enriquecimento oferecidas pelo empreendimento colonial, na forma como se efetivou no Nordeste com a
cana de açúcar. Era preciso procurar outra forma de ganho ou, pelo menos, de mera sobrevivência. E por
isso, acabaram sendo os protagonistas da empresa que se denominou bandeira. Para o professor José Lima
Junior, foram os jesuítas os iniciadores do empreendimento, com as expedições denominadas entradas de
resgate ou tropas de resgate, cujo fim era libertar os índios prisioneiros de outra tribo. Tem crédito essa
afirmativa, pois o nome bandeira, nitidamente espanhol, se explica pela nacionalidade dos primeiros
missionários inaciados. Mas, o autor também nos lembra que a ordenança de D. Sebastião, rei de Portugal
em 1563, era uma Bandeira em forma de milícia rural, uma instituição militar portuguesa muito antiga, do
tempo da Idade Média. Nessa mesma linha de esclarecimentos se encontra a conceituação de Calógeras:

[...] a Bandeira já não era somente o aparelho econômico de aliciamento brutal e cruel de trabalhadores baratos. [Era] também, a
expedição guerreira que conquistaria terras, alongando as fronteiras além da linha de Tordesilhas no Brasil, tratado esse que delimitou
as possessões entre Espanha e Portugal. A Bandeira organizou-se como terços militares e pelo movimento das massas populares, os
escravos, os índios e negros, [e essa organização] espalhou-se pelo sertão constituindo feitorias e gerando povoados.

Explicações à parte, o Bandeirismo se tornou tão profissionalizante que o aprender fazer fazendo foi
exercitado ao pé da letra. Adolescentes de doze anos eram levados para o aprendizado in loco no sertão. A
bandeira se deslocava carregando consigo objetos de uso pessoal, animais domésticos, alimentos e
sementes. Certo tempo depois, na época das chuvas, os bandeirantes se detinham e cortavam faxinas e
amassavam o barro para os ranchos de pau a pique.

A rancharia desalinhada apontava entre os matagais mal roçados. As sementes iam para o seio da terra virgem, os cães e as aves
reproduziam-se à solta, bem como outros animais úteis. Aprenderam com os índios o uso do aipim, da mandioca. Sem a farinha de
mandioca, alimento fácil de transportar e conservar, seriam enormes as dificuldades alimentares dos bandeirantes, como também de
soldados e marinheiros no Brasil Colônia. A farinha transformou-se na primeira ração de reserva das tropas. Tão logo chegava a estação
própria da colheita e, feitos os armazenamentos nos lombos dos índios, a Bandeira reiniciava a marcha, deixando para trás um arraial,
em que permaneciam alguns bandeirantes que não queriam ou não podiam seguir adiante. Eram as feitorias na linguagem militar.

Eram caminhadas de meses a fio, passando por roças que surgiam para se desenvolver como arraiais, ou
desaparecerem se o ouro rareava. Os homens se embrenhavam à procura do seu remédio, isto é, da solução
para as suas preocupações básicas, dentre elas, um lugar para chamar de seu e poder criar a família longe
da ameaça constante da Inquisição. Preavam índios reféns de guerra de nações que administravam,
transformando-os em escravos para o trabalho na lavoura e para o comércio e, consequentemente, para
encontrar riquezas minerais. A eles eram dados vários nomes, como gentio da terra, carijós, tapanhunos,
entre outros.

Bandeirantes de Taubaté em direção a Garganta do Embaú com destino ao sertão das Gerais
Criada como empresa para solucionar a situação de pobreza dos paulistas, a bandeira se tornou rapidamente
em um...

...fenômeno social, [cujo] grupo social se deslocou de São Paulo em várias direções, [...] principalmente rumo a oeste, conduzido por
um chefe organizado militarmente e com governo próprio, em função econômica e de povoamento, [resultando] a atual silhueta
geográfica do Brasil.

Para diminuir o imprevisto da entrada, os mestres de campo se antecipavam a tropa da bandeira, como fez
Matias Cardoso que era conhecido como um conhecedor do sertão Centro-Oeste, nas terras sanfranciscanas.
Ele partiu de São Paulo em 1672, antes da saída do grupo comandado por Fernão Dias Pais, a fim de plantar
roça de milho, feijão e mandioca e criar animais, à espera do grosso do contingente, garantindo sua
subsistência na Passagem do Paraopeba, hoje Belo Vale.

Carta da Costa e Sertão do Brasil (cópia de 1724), extraído do mapa original de antes de 1700 do Padre Jacobo Cocleo (1625-1710)

A partir da análise da função de Matias Cardoso, se pode inferir que a manutenção de um arraial através dos
mercadores ou através das passagens de viandantes na Minas Colonial, em parte, sempre foi devida aos
caminhos que a ela levavam, já que é por meio deles que se desenvolveram os fluxos migratórios, as trocas
de mercadorias, entre outros fatores materiais e imateriais, condições tão necessárias para o surgimento,
crescimento ou decadência de um núcleo urbano nos sertões do Brasil.

Introduzida a essência do bandeirantismo, emprestada do editorial do livro “Cartografia da conquista do


território das Minas”, partimos daqui para trilhar os caminhos que levaram a colonização de Carrancas e seu
entorno.

Pedro Taques de Almeida PAIS LEME (1714-1777), militar, genealogista, intelectual e historiador brasileiro,
casado que foi em primeiras núpcias com Maria Eufrásia de Castro Lomba e em segunda com Ana Felizarda
Xavier e Silva, revela o simples exame do nome à preocupação nobiliárquica e genealógica do historiador,
cujo orgulho de casta tanto traz. Dentre suas obras, destacam-se a Nobiliarquia Paulistana Histórica e
Genealógica (em três volumes) e a História da Capitania de São Vicente, referências obrigatórias em seus
respectivos temas. Nasceu em São Paulo, em fins de junho de 1714, sendo o sexto filho do capitão
Bartolomeu Pais de Abreu e Leonor de Siqueira Pais, foi sobrinho-neto de Fernão Dias Pais e quarto neto de
Brás Cubas, sendo Bartolomeu Pais primo afastado da mulher.
Seu nobre pai, o Capitão Bartolomeu Pais de Abreu, escolheu seu nome em homenagem à ascendência
materna, ilustre, antiga e opulenta na capitania vicentina, do então tio Pedro Taques de Almeida,
personagem da república da cidade de São Paulo, a quem por vezes haviam os Senhores Reis escrito de
punho próprio.

Pedro Taques de Almeida (1631-1724), casado com Ângela de Siqueira (1648-1730), ocupou em São Paulo
todos cargos da república. Pelos serviços prestados à coroa, e por custas próprias de sua fazenda, foi feito
fidalgo da casa real por Dom Pedro, Rei de Portugal, com o mesmo foro e moradia de cavaleiro fidalgo que
tinha seu bisavô Antônio Rodrigues de Almeida. Assim declara o historiador e sobrinho Pedro Taques de
Almeida Paes Leme sobre o parente:

Foi capitão da fortaleza da Vera Cruz, de Itapema, na praça de Santos com 40$ de soldo por ano, e passou a provedor e contador da
fazenda real da capitania de S. Paulo, juiz da alfândega, e vedor da gente da guerra da mesma praça com 80$ de ordenado.

Foi capitão-mor governador da capitania de S. Vicente e S. Paulo por patente régia com 80$ de soldo nos anos de 1684 a 1687. Teve
jurisdição para prover postos militares.

Foi alcaide-mor, administrador geral das aldeias do real padroado por mercê da infanta de Portugal D. Catharina, rainha da Grã-
Bretanha, por carta datada de 1704.

Foi provedor e contador da Fazenda Real, além de juiz da alfândega e vetor da gente de guerra da praça de Santos.
Recebeu do Rei Dom Pedro II uma carta assinada pelo próprio punho, agradecendo os serviços prestados.

Família de sertanistas ilustres, de senhores de latifúndios e ricas lavras auríferas, onde brilhavam numerosos e eruditos eclesiásticos,
oficiais empregados no real serviço, nela não havia sombra de suspeita de “mecanismo”.

Estando já muito velho e impossibilitado de visitar a cavalo as aldeias do real padroado, foi autorizado pelo rei a nomear quem o
substituísse. Não quis, entretanto, tomar a responsabilidade dessa nomeação para um cargo que demandava atividade e tino; porém,
sugeriu as reformas que lhe pareceram necessárias para boa ordem e desenvolvimento das ditas aldeias, tais como a de criação de
lugares para missionários, um capitão-mor, um sargento-mor e alguns capitães, ficando todas debaixo da jurisdição dos ministros da
justiça. Isto ouvido pelo rei, foi aprovado e mandou que se pusesse em execução essa nova forma de administração.

Foi fundador de um jazigo para si e seus herdeiros na capela da ordem 3ª do Carmo de S. Paulo, em todo o pavimento da casa da via
sacra, que à sua custa fez construir, colocando nela, em altar de talha, um santo crucifixo, com o título de Senhor Bom Jesus da Boa
Morte. Neste altar, durante sua vida, fazia celebrar missa todas as sextas feiras, e no dia 3 de maio missa cantada com música.

Fundou, também, na igreja de S. Bento um altar de talha dourada em que colocou a imagem de N. Senhora da Conceição, cuja festa
era celebrada com toda a pompa todos os anos a 8 de dezembro. Faleceu em 1724 e foi sepultado no seu jazigo do Carmo, em cuja
campa foram abertas as armas dos Taques, Proenças, Laras e Moraes em 4 quartéis dentro de um escudo, na forma que lhe foram
iluminados no brasão que tirou em Lisboa.

Pedro Taques de Almeida e Ângela de Siqueira tiveram os seguintes filhos:

 José de Góes e Moraes (1671-1763)


 Apollonia de Araújo
 Branca de Almeida
 Maria de Araújo
 Leonor de Siqueira Paes
 Teresa de Araújo
 Catarina de Siqueira Taques
 Ângela de Siqueira
 João de Góis de Araújo (Pedro Taques não cita João de Góis de Araújo entre os filhos, mas informa,
contudo, que ele teve vários filhos que, por terem falecido solteiros, não foram mencionados).

José de Góes e Moraes foi sargento-mor, capitão de Infantaria, tesoureiro, enfim, ocupou diversas funções
da república, sendo por duas vezes juiz ordinário. Passou a capitão-mor governador da capitania de São
Vicente e São Paulo.
A presença de José de Góes e Moraes no sertão das Gerais foi registrada pela primeira vez no distrito do Rio
das Velhas, quando o Governador e Capitão General do Rio de Janeiro, São Vicente e São Paulo e de outras
capitanias do Sul, Artur de Sá e Meneses, promoveu José de Góes e Moraes para o cargo de Tesoureiro dos
Quintos e Fazenda Real, em 28 de junho de 1702. Este primeiro registro evidencia a sua partida de Taubaté
com destino ao Rio das Velhas, passando pelo Caminho Velho, e por consequência, em Carrancas.

Em 1703, no dia 30 de abril, o capitão-mor das Minas (do Rio das Velhas) e provedor da Fazenda Real, D.
Pedro de Mateus de Alarcão, emitiu certidão atestando que quando necessitou juntar gados da Fazenda Real
que andava pelos campos, e que deveriam estar naquelas Minas, onde estavam mais seguros, José de Góes
e Moraes se ofereceu para acompanhar e ajudar o Tesoureiro da Fazenda Real, acompanhado de treze
escravos e vinte cavalos, gastando trinta dias sem que a Fazenda Real fizesse despesa alguma. Pelos
préstimos de José de Góes e Moraes, o Tesoureiro da Fazenda Real emitiu certidão registrando que o mesmo
era merecedor de toda honra e mercê.

O Governador e Capitão General do Estado do Brasil, D. Rodrigo da Costa, emitiu carta patente em 27 de
junho de 1703, na cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, nomeando José de Góes e Moraes a
sargento-mor da Capitania de São Vicente e das Capitanias do Sul, posto vago pelo falecimento de Manoel
Lopes de Medeiros.

O sargento-mor José de Góes e Moraes foi agraciado com certificado de honras em 16 de agosto de 1703,
quando o ouvidor-geral da vila de São Paulo e capitanias do Sul, Antônio Luis Paleja, emitiu certidão e
confirmou a presença do sargento-mor nas Minas dos Cataguases (Catanguazes).

Em 1703, no dia 27 de agosto, o capitão-mor governador da capitania de São Vicente e São Paulo, Tomás da
Costa Barbosa, atestou que José de Góes e Moraes teria sido eleito Capitão da Infantaria. Informou ainda
que o mesmo capitão era de nobre família, filho do capitão-mor Pedro Taques de Almeida, e teria feito
consideráveis serviços penetrando no sertão para descoberta de novas minas.

Outro importante personagem da administração da coroa, próximo da família do capitão-mor Pedro Taques
de Almeida, o ouvidor e capitão-mor da Capitania de São Vicente e São Paulo, D. Simão de Toledo Pisa, que
por sua vez, foi progenitor do Capitão-mor João de Toledo Piza e Castelhanos, atestou em 27 de agosto de
1703, como os antecessores, o bom procedimento e méritos dos serviços prestados pelo José de Góes e
Moraes.

Em 1703, no dia 31 de agosto, o escrivão José Alvares de Sousa reúne um conjunto de informações solicitadas
pelo Reino sobre o capitão-mor José de Góes e Moraes.

O Capitão Manoel Borba Gato, Tenente General do descobrimento do Serro - Sabarubuçu, emitiu certidão
em 5 de setembro de 1703, atestando que a expedição de José de Góes e Moraes havia alcançado a Serra
do Sabarubuçu. Nesta oportunidade, quando ambos chegaram no rio Grande, mais especificamente na
localidade da futura Capela de Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco, depararam com águas
caudalosas, local de muitas mortes motivadas por destemidas travessias. José de Góes e Moraes concluiu
que havia a urgente necessidade de se ter uma estrutura para realizar a travessia do rio, o que tratou de
fazer em primeira vez com a sua gente, construindo canoas e balsas, sendo ao longo dos anos muito útil para
o transporte do ouro. Tal feito foi reconhecido pelo Capitão Manoel Borba Gato, informando que o mesmo
era merecedor de toda honra e pagamento.

Outras autoridades, como o mestre de campo do Terço dos Auxiliares da Capitania de São Vicente e São
Paulo, Domingos da Silva Bueno, em 5 de setembro de 1703, e o capitão-mor das Minas (do Rio das Velhas)
e provedor da Fazenda Real, D. Pedro de Mateus de Alarcão, em 6 de setembro de 1703, todos das Minas do
Rio das Velhas, emitiram certidão de mesmo teor para o acontecimento anterior.
José de Góes e Moraes também foi atestado como Tesoureiro da Fazenda Real naquelas Minas, pelo
desembargador superintendente e administrador geral das Minas do Sul, Dr. José Vaz Pinto, em 07 de
setembro de 1703.

Em 25 de agosto de 1705, os oficiais da Câmara da Vila de São Paulo, formalizaram os merecimentos de José
de Góes e Moraes, informando ser digno de toda honra e mercê. No mesmo documento, fizeram referências
a outro filho do capitão-mor Pedro Taques de Almeida, João de Gois de Araújo, encarregado pelo Governador
e Capitão General da Bahia, D. João de Lancastre, de abrir uma Picada da Bahia para Minas dos Cataguases,
informando ainda, que considera seu irmão, José de Góes e Moraes, digno de toda a mercê.

Os registros acima da Real Fazenda descrevem o itinerário e funções exercidas pelo capitão-mor José de
Góes e Moraes, relatando ainda que a sua atuação na mineração se deu a partir de 1703. A relação do
capitão-mor com a mineração também foi apontada por Silva Leme, que afirma que ele “esteve nas minas
onde adquiriu em lavras minerais grandes cabedais, de tal sorte que voltando a S. Paulo não teve quem o
igualasse no tratamento”.

O primeiro título de sesmaria que o capitão-mor José de Góes e Moraes teria requerido foi na localidade do
segundo rio mais importante das Minas dos Cataguases, depois do rio São Francisco, nos primórdios da
mineração. Nas margens do rio Grande, foi requerida em 1703 e aprovada em 1705, pelo governador do Rio
de Janeiro, D. Álvaro da Silveira e Albuquerque (1660-1716), a sesmaria nomeada de “Porto do Rio Grande”.
A concessão da sesmaria fazia parte da política da Coroa de estimular currais nas pastagens entre o rio
Grande e a Serra da Mantiqueira, para abastecimento de gado nas áreas de mineração, até então
dependentes do abastecimento vindo do Rio São Francisco e da Bahia.

Diz a primeira carta de sesmaria da localidade de Carrancas:

“...diz o Capitão Joseph de Goes de Moraes morador na Vila de São Paulo que ele suplicante estava de assento nas Minas Gerais dos
Catagas com princípio de criação de gado vacum...queria fazer fazenda e morada nas ditas Minas para o que lhe era necessario para a
largueza de seus currais e mantimentos que eu lhe desse três léguas (“18.000 metros”) de terras de sertão com uma légua (“6.000
metros”) de testada, a qual começaria do Porto do Rio Grande meia légua rio acima e outra meia légua da costa geral para baixo ficando
o dito Porto Geral em meio e do sertão légua e meia correndo para as Carrancas e outra légua e meia cometendo para o Rio das
Mortes,... ficando o rio Grande em meio... e sera obrigado o suplicante a fazer um curral de gados de dois ate três anos para que haja
abundância deles em cumprimento das ordens de Sua Majestade de 14/03/1702 e 07/05/1703...será registrada nos livros da secretaria
do Governo. João da Silva Guimarães a fez no Estado de São Sebastião do Rio de Janeiro aos 02/03/1705..”

A descrição acima evidencia que o capitão-mor José de Góes e Moraes fixou residência na localidade próxima
de Carrancas antes de 1705 e teria sido um dos primeiros colonizadores da localidade, agraciado que foi com
13.068 hectares de terra. O capitão-mor teria sido o responsável pelo primeiro arcabouço de travessia do rio
Grande, com a construção de canoas e balsas que foram utilizadas por longos anos. Suas terras possuíam as
seguintes dimensões e localização:
Sesmaria do capitão-mor José de Góes e Moraes

A presença do capitão-mor na localidade de Carrancas, nos idos de 1703, teria sido cuidadosamente
planejada, especialmente pelo fato da região ser de terras férteis, inexplorada e estar próxima de rios
carregados de ouro, como o rio Grande, rio das Pitangueiras, rio Aiuruoca, rio Capivari, rio das Mortes
Pequeno, rio Pirapetinga, rio dos Peixes, rio das Mortes, rio Elvas, rio Carandaí, entre outros rios, ribeirões e
córregos que se podia catar o ouro nas suas margens, especialmente quando fortes chuvas reviravam o leito
das águas, o que viabilizou e culminou na fortuna do capitão-mor. Tal afirmação pode ser confirmada através
dos mapas do período colonial que registram inúmeras lavras na localidade, inclusive na sesmaria do “Porto
do Rio Grande”.

Mapa das minas do ouro de S. Paulo de 1714, segundo documento cartográfico mais antigo a registrar Minas Gerais
Segundo o Itinerário Geográfico, publicado em Sevilha por Francisco Tavares de Brito, o roteiro das antigas
trilhas do ouro passava por (1) Pinheirinho – OBS: entre o primeiro e o segundo ficava a importante
estalagem do Rio Verde de muitas roças e vendas de coisas comestíveis e regalos de doces; (2) Pouzos Altos;
(3) Boa Vista; (4) Caxambu; (5) Pedro Paulo; (6) Engay; (7) Carrancas – Francisco Álvares Barbosa, (8) Sitio do
Correa – Serafino Correa, (9) Rio Grande – José de Góes e Moraes, depois Manuel Garcia Velho, (10) Vila de
São João e (11) Vila Rica.

Quanto à conformação da hidrografia da região, os cartógrafos da época a comparava com a Gênesis – rios
do paraíso – cujos principais se bifurcavam em braços que protegiam as riquezas minerais em ouro,
diamantes, pedras preciosas. Tais comparações foram feitas pelo místico Pedro de Rates Henequim (do
holandês Hennekin), migrou em 1702, foi minerador, escrivão da Superintendência, clérigo e outras vezes,
frade. Regressou do Brasil, por volta de 1722, com o seu capital e disse na Inquisição que a sua fazenda
sequestrada era de 160.000 cruzados (64:000$000 réis ou R$ 8.241.280,00, aproximadamente). Em sua
intensa vida no Brasil, registrou: “Minas era o Paraíso Terreal em que Adão foi criado”. Manoel Francisco dos
Santos Soledade, natural de Aracati-CE, nascido a 10 de janeiro de 1700, encaminhou requerimento a Real
Fazenda solicitando os contratos de Aguardente e de Tabaco em Minas Gerais. Em sua vivência nos sertões
das Gerais, preparou um manuscrito secreto denominado Roteiro ilustrado de Terras Minerais do Brasil,
onde escreveu:

[...] as serras monstruosas que em parte se dificultam ao trato com muita dificuldade se rodeiam [...]; os rios caudalosos se apartam da
costa Sul do Brasil onde se acharam em círculo inteiro as mais novas e grandes minas até o Rio da Prata; um verdadeiro “saco do ouro
do Sul”. [...] os rios caudalosos que apartam da costa do sul ao entrar no de São Francisco, esta margem do das Velhas até esta lapa
[ponto central dessas terras, a Lapa de Bom Jesus na Bahia] são: o Gyticahy [primitivo nome do rio Grande] o Pacahy, o Tucambira e de
arranchamentos abaixo é o Paramirim, [o Rio Pará] e outro Verde [na divisa de Minas com Bahia no XVIII, bem perto de Pitangui],
ambos minerais. Nos campos e matos, entre o arco do Rio das Velhas é o Paraypeba que com vertentes das Minas do Pitangui se
formam o de São Francisco. [...] Campos e matos com serranias entre o Rio São Francisco ao SE, Pitangui a SO, Cuiabá a NO, Paracatu
a NE. Neste Paracatu de Santo Antônio se acharam em círculo inteiro as mais novas e grandiosas minas até o Rio da Prata. [...] As Minas
Gerais entre Paraypeba e Pitangui, até o Ribeiram [do Carmo] e Rio das Mortes seguem pelo Caminho do Rio de Janeiro por Paraybuna.

Mapa do Caminho Velho com a conformação da hidrografia das localidades de exploração do Ouro
Embora herdeiro dos haveres do então Pedro Taques de Almeida (1631-1724), foi nas minas dos Cataguases,
onde residiu por alguns anos, que o capitão-mor José de Góes e Moraes amealhou o grosso de sua riqueza.
Seu intento na mineração o desviou inclusive de assumir a função de Capitão da Infantaria de São Vicente e
São Paulo, período em que esteve internado no sertão. O capitão-mor foi um dos muitos que fizeram fortuna
nas minas, lavrando ouro, dedicando-se ao comércio com aqueles que extraiam o cobiçado mineral e,
oportunamente, arrecadando com a travessia do caudaloso rio Grande.

Antonil descreve no livro “Cultura e opulência do Brasil, por suas drogas e minas”, publicado em 1711, as
notícias curiosas do modo de fazer o açúcar, plantar e beneficiar o tabaco, tirar ouro das minas, e descobrir
as da Prata. Suas observações, registradas pelos jesuítas nas expedições pelo sertão das Gerais, indicavam
as primeiras descobertas do metal desejado:

Podemos observar que na virada do século XVII, as primeiras minas foram descobertas e oficializadas nas
proximidades de Ouro Preto, mas não obstante, Antonil também registra aquela que teria sido a motivação
para o capitão-mor José de Góes e Moraes requerer a sesmaria do “Porto do Rio Grande”:

Neste último registro, Antonil descreve o “Roteiro do caminho da Villa de São Paulo para Minas Geraes, &
para o Rio das Velhas”, passando pela propriedade do capitão-mor José de Góes e Moraes, na sesmaria do
“Porto do Rio Grande”. Em seu relato, Antonil descreve a travessia do caudaloso rio Grande, utilizando as
balsas construídas pelo capitão-mor, as roças (com moradia, porém simples) e, por fim, a quantidade elevada
de ouro retirada dos rios, ribeirões e córregos, tudo nas proximidades do Rio das Mortes e da sesmaria do
“Porto do Rio Grande”:
Ascendido de seu objetivo que era de fazer fortuna, mas não limitado às inúmeras possibilidades de
exploração do cobiçado mineral na região, o capitão-mor José de Góes e Moraes decide retornar para São
Paulo no final de 1708. Certamente, o que impulsionou seu regresso teria sido a guerra dos Emboabas, que
aconteceu próximo da sua sesmaria, entre 1708 e 1709, e tinha os paulistas como alvo dos confrontos. A
sesmaria “Porto do Rio Grande” foi transferida para o sertanista Manuel Garcia Velho (1675-~1735), que
teria sido um dos primeiros paulistas a desbravar a região do rio Trepuhy, nas proximidades de Ouro Preto.

Manuel Garcia Velho, juntamente com o Coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, partiu de
Taubaté para a região do rio das Velhas, em 1696, com largo suprimento, armas e índios capturados em
outras partes do sertão do Caetê e do rio Doce. Nesta ocasião, utilizando o caminho velho, superou o
caudaloso rio Grande, local que seria mais tarde explorado pelo mesmo. Seu intento era encontrar veios de
ouro ou apresar mais índios. Ao atingir as minas na região do rio Trepuhy, a legião comandada por Salvador
Fernandes, encontrou a expedição do paulista Bartholomeu Bueno, cunhado de Antônio Rodrigues Azão,
que desde o ano de 1694, vinha percorrendo o rio das Velhas em busca de ouro, mas até então só encontrara
12 oitavas do metal. Seu companheiro, Miguel de Almeida, propôs a troca do ouro por uma clavina fornecida
por Salvador Fernandes. Foi então que o sertanista Manuel Garcia Velho, ambicionando de ser o primeiro
dono do ouro extraído daquelas minas, ofereceu a Salvador Fernandes, em troca das tais 12 oitavas de ouro,
duas mulheres índias, mãe e filha que passaram a viver com o Coronel. (Fonte: notícias compiladas pelo
Coronel Bento Fernandes Furtado de Mendonça e resumida por M. J. P. da Silva Pontes – Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro).

Quando retornou para Vila de Taubaté, no final do século XVII, o sertanista Manuel Garcia Velho apresentou
as 12 oitavas de ouro (43,0236g = 51$628 mil réis) para Carlos Pedroso da Silveira, que por sua vez, se
empenhou em obtê-las, o que foi prontamente atendido. Pedroso as encaminhou para o Rio de Janeiro e
apresentou a conquista para o Governador Antônio Paes de Sandi, que providenciou de imediato a sua
condecoração como o descobridor do mineral, além de concedê-lo a patente de capitão-mor da Vila de
Taubaté e Provedor dos Quintos, facilitando ainda as ordens e condições para estabelecer a primeira Casa
de Fundição de Taubaté.

O Coronel Salvador Fernandes Furtado de Mendonça escolheu a região de Guarapiranga (atual Piranga) para
se estabelecer, quando requereu título de sesmaria na localidade chamada de Sítio do Morro Grande, na
ponta de Brumado, sendo aprovada em 26 de março de 1711:
O sertanista Manuel Garcia Velho casou com Apolônia Cardoso de Jesus (Apolônia Maria), por volta de 1705,
na Vila de Taubaté. Seguiram para sesmaria do “Porto do Rio Grande” que comprara do capitão-mor José de
Góes e Moraes, em 1708. O sertanista requereu o registro da sesmaria, tendo a aprovação confirmada em
24 de julho de 1713, pelo procurador do Conde da Ilha do Príncipe, o sargento-mor Domingos Martins
Guerra.

Manuel Garcia Velho explorou a região por longos sete anos, quando resolveu mudar para o Mato Grosso,
onde veio a receber patente de guarda-mor das minas de São João e de Santo Antônio, em 1719. Com a
mudança do casal, a sesmaria do “Porto do Rio Grande” foi vendida para João de Toledo Piza e Castelhanos,
em 1715. Este, por sua vez, requereu o registro da sesmaria e teve a aprovação confirmada pelo segundo
Marquês de Cascais e sétimo Conde de Monsanto, D. Luís Alves de Ataíde Castro Noronha e Sousa, donatário
que era da Capitania de Santo Amaro e Santana, em 10 de maio de 1718 (códice SC. 12 - pag. 8 - APM), com
os seguintes dizeres: “...comprou ao capitão Manuel Garcia Velho que assistira nelas 4 anos, diferente dos 3
anos no rio Grande e rio das Mortes, para as Carrancas”.

João de Toledo Piza e Castelhanos, filho do capitão-mor D. Simão de Toledo Pisa, ligado a família do capitão-
mor José de Góes e Moraes, teria explorado inicialmente a região de Virginia, na virada do século XVII,
quando recebeu em 05 de agosto de 1710 título de sesmaria com os seguintes dizeres: “...morador em
Taubaté, ora nas minas, no pé da Mantiqueira, para além da banda de lá da paragem chamada Caatheica,
pelo caminho para as minas do ribeirão do Caeté, no município de Virgínia”. O nome Caatheica está ligado
aos primeiros colonizadores (portugueses e paulistas) em referência a vegetação local, como também, se
pode imaginar, que foram os próprios índios que viviam nos arredores das matas virgens que a batizaram.

O primeiro registro da presença de Castelhanos na localidade de Carrancas teria sido na cobrança dos
Quintos Reais, realizada por Antônio do Amaral da Fonseca, em 1717, sendo apontado seis escravos e uma
Venda:

Castelhanos foi responsável pela construção da primeira ponte de madeira sobre o rio Grande, em 1718, nas
proximidades da Capela do Saco. Também foi o primeiro residente do sertão a celebrar um contrato com a
administração da coroa, que tinha por objetivo cobrar pela passagem de pessoas, animais e mercadoria que
atravessavam o rio Grande (contrato de 1718-1721 – valor de 2.100$000 réis).

Castelhanos atendeu à solicitação da Real Fazenda e construiu o Quartel do rio Grande, segunda estrutura
militar da Real Fazenda no sertão das Gerais. O Quartel foi edificado para abrigar o destacamento de
soldados da coroa que patrulhavam a região para combater os descaminhos do ouro. A construção da casa
e estábulo, do outro lado do rio Grande, foi finalizada em 25 de fevereiro de 1729, ao custo de 180 oitavas
de ouro, que foi reembolsada pela Fazenda Real.

Frequentemente, Castelhanos encaminhava requerimento para ser ressarcido das despesas feitas com
mantimentos (milho e farinha) para os soldados e cavalos que residiam no Quartel do rio Grande. A tropa
era composta de diversos cavalos e ocupavam 147 alqueires de suas terras.
Assinatura de João de Toledo Piza e Castelhanos

Com o adventum de novas minas em Campanha do Rio Verde, Castelhanos resolve mudar com a família, em
1738, levando consigo os genros e netos. Na oportunidade, vende as terras do Rio Grande para João Pereira
de Carvalho, primeiro marido de Ana Maria do Nascimento, filha de Diogo Garcia e Julia Maria da Caridade.
A continuidade da história de Castelhanos e de sua família, em Campanha do Rio Verde, será brevemente
compartilhada e está relacionada com outra importante conquista e símbolo incontestável do Mineiros no
século XVIII e XIX.

João Pereira de Carvalho faleceu em 24 de julho de 1752, sendo sepultado na capela da Venerável Ordem
Terceira da Vila de São João del-Rei. O mesmo teria sido responsável pela construção da Capela de Nossa
Senhora da Conceição do Porto do Saco, iniciada nos idos de 1745. Esta constatação está apoiada nos
registros eclesiásticos que evidenciam a primeira de muitas celebrações que teriam ocorrido na Capela do
Porto do Rio Grande, a partir de 1750: “Matriz de Nossa Senhora do Pilar SJDR e capelas filiadas, cap. N. Sra
da Conceição do Porto do Rio Grande, aos 21 de dezembro de 1750, Mateus, filho de Diogo Garcia e Julia
Maria da Caridade, foi batizado. Foram padrinhos Dr. José Sobral Souza e D. Josefa casado com capitão-mor
Matias Gonçalves Moinhos”.

Capela de Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco


O Alferes Manoel Pereira do Amaral, terceiro testamenteiro de João Pereira de Carvalho, celebrou núpcias
com a viúva Ana Maria do Nascimento. O mesmo Alferes, apresentou ao juiz da Comarca do Rio das Mortes
a sesmaria para medição, em 28 de junho de 1759 (IPHAN – São João dEl-Rei Sesmaria cx12 sesmeiro –
Alferes Manoel Pereira do Amaral – sitio do Saco do Rio Grande – códice SC 125, pag. 29).

O Alferes Manoel Pereira do Amaral teria construído a segunda ponte de madeira sobre rio Grande, em 1760,
mais acima da primeira e em decorrência desta estar muito danificada. Cobrava “...por cada pessoa paga
quatro vitens (0$004) e por cada cavallo meia pataca (0$080)”. A ponte passou a ser de domínio da Real
Fazenda, por não ter sido construída pela Coroa, sendo arrendada inúmeras vezes em leilões de passagem
sobre o rio Grande. O que coube a Manoel Pereira do Amaral foi solicitar e receber a isenção de custos para
travessia do caudaloso rio Grande, utilizando a Ponte que o mesmo haverá construído.
O Colonizador do povoado de Carrancas

Carracas teve o seu desenvolvimento lento e progressivo, mas facilitado pelo transito e pela presença do
metal precioso na região. A localidade foi assim batizada pelos bandeirantes, devido à conformação das
rochas localizada na Serra das Bicas, que lembra a forma de uma “cara feia”.

Carranca localizada na Serra das Bicas

“A originalidade das carrancas é incomparavelmente superior à das demais realizações artísticas de nosso
povo”, afirma o professor Paulo Pardal no livro “Carrancas do São Francisco”, o que seria perfeitamente
aplicado às Carrancas do Caminho Velho, uma das principais vertentes da chamada Estrada Real.
"O Gigante Egoísta" conta a história de um gigante dono de um belo jardim. As crianças das redondezas
sempre brincavam com as flores, árvores e pássaros da localidade, mas o gigante decidiu isolar o jardim para
ficar em paz. Durante muito tempo, somente a Neve, o Vento Norte e o Granizo podiam brincar no jardim.
Triste e solitário, o gigante se sensibiliza com o surgimento de um menino misterioso, que começa a cuidar
das flores e das árvores, fazendo-o perceber que o caminho para sua própria felicidade se encontrava na
generosidade e nos bons momentos divididos com os outros. Baseado no conto de Oscar Wilde publicado
originalmente em 1888.
Sua origem etimológica é incerta, mas a expressão car·ran·ca possui os seguintes significados na maioria dos
dicionários da língua portuguesa:

 Cara disforme de pedra ou metal que serve de adorno


 [Figurado] Rosto sombrio, carregado
 Cara de mau humor
 Máscara
 Coleira de cachorro, armada de picos
 [Náutica] Figura de proa nas embarcações
 Palavras relacionadas: visagem, carrancudo, micterismo, catrâmbias, sobrecenho, carrancada,
mascarão.
 Gênero: substantivo feminino
“Mapa de Toda a Extenção da Campanha da Princeza” (1799) com a Carranca representada conforme a imagem do satélite

O caminho da “Carranca” torna-se uma referência e passa a ser utilizando por todos aqueles que desejavam
seguir para o sertão da Gerais. Pedro Miguel de Almeida Portugal (1688-1756), 3° Conde de Assumar, 1°
Marquês de Castelo Novo e 1° Marquês de Alorna, foi indicado pela Coroa de Portugal como 3° Governador
e Capitão-mor da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, visando manter a ordem entre os mineiros da
região e garantir as rendas da Coroa. Chegou ao Brasil em 1717, desembarcando no Rio de Janeiro, onde
permaneceu por alguns dias, seguindo viagem por mar até Santos e depois por terra até São Paulo, onde
tomou posse da Capitania em 4 de setembro, na Igreja do Carmo. No final do mês, iniciou a viagem para
Minas Gerais, retratando em diário as localidades e seus colonizadores.
Sua passagem por Carrancas foi registrada, sem mencionar o nome de quem o recepcionou: “...No dia 9 de
novembro de 1717, partiu sua Exa. para uma parage chamada das Carrancas, adonde tambem foi hospedado
com magnificencia e aqui chegou o Tenente General Felis de Azevedo a receber sua Exa. No dia 10, partiu-
se pela manha e antes de chegar ao rio Grande encontrou tambem sua Exa. com o Brigadeiro Antônio
Francisco da Silva, que tinha vindo das minas gerais para recebe-lo e prosseguindo a marcha ao rio Grande
que o passou com canoas, para hospedar-se da outra parte em casa de um paulista chamado João de Toledo,
que o regalou com toda a magnificência; aqui sentiu sua Exa. a sentir uma dor de dentes, mas não que o
mortificasse muito. No dia 11 partiu acompanhado do patrão do Brigadeiro para uma roça, cujo dono é um
fulano de Amaral, aqui dormiu nesta noite com bastante mortificação, porque a sua dor dos dentes foi em
aumento. No dia 12, achou-se sua Exa. sem melhoria alguma, porem como ficava perto da Vila de São João
del-Rei, determinou partir (Fonte: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de
Janeiro, n.3, pp. 295-316, 1939).
O registro acima traz uma luz, assim como Antonil o fez, sobre os primeiros colonizadores da localidade,
sendo evidenciado que Carrancas tinha dado o primeiro passo no sentido do seu povoamento. O Conde
registrou o nome do capitão João de Toledo na localidade do Rio Grande, destacando a sua disponibilidade
na travessia do rio, utilizando balsas, bem como pela hospedagem oferecida do outro lado do rio Grande.
Este acontecimento despertou em Toledo Piza, ou foi orientado, sobre a construção de uma ponte de
madeira, o que ocorreu em 1718, nas proximidades da Capela do Saco.
A próxima paragem que o Conde de Assumar fez foi na localidade chamada de Santo Antônio, mais
especificamente na propriedade de Antônio do Amaral da Fonseca, casado com Izabel Vieira de Oliveira. O
Amaral já estava instalado no sertão das Gerais antes de 1715, quando foi recenseado na finta feita para
pagar o quinto do ouro daquele ano: “Tem 18 escravos e uma fazenda desempenhada com engenho de
melados e fábrica de aguas ardentes” (Coleção Casa de Contos PP 1012). Seria então um dos maiores
fazendeiros instalados na localidade do Rio das Mortes Pequeno, que se dedicou a mineração, além da
fazenda e “engenho de melados e aguardentes”. Foi nomeado pelo Conde de Assumar, em 1717, como
Cobrador dos Quintos Reais da Provedoria, responsável pelo recolhimento de quinhentos e oitenta e oito
oitavas e meya de ouro (882$750 mil réis), abrangendo da localidade do Rio das Mortes até o Baependi,
sempre atuando com sua guarda de soldados. Suas ordens eram severas e claras “...e quando haja algum
dos Moradores que se refuze satisfazer o que deve, lhe forâ apprehensão em bens que bastem... e havendo
algum morador que nestes termos afaste, ou oculte os bens, o prenderá a ele o trará seguro na forma
sobrada a esta Villa”. Em um de seus atos mais marcantes, em 1728, influente que era, foi encaminhar pedido
ao Conselho Ultramarino defendendo o direito de todos poderem minerar no Morro da Vila de São João da
mesma forma como se tinha concedido aos moradores de Mariana. Antônio do Amaral da Fonseca era sogro
de José de Araújo Martins, proprietário da Fazenda Sesmaria (Paragem Franco de Araújo) em São Vicente de
Minas. José de Araújo foi casado com a Joana Maria da Fonseca, sendo o casal assistido pelo Amaral com
riqueza, influência e terras nos primeiros movimentos de posse e edificação da sede da Fazenda Sesmaria,
em 1720.
Em São João del-Rei, o Conde de Assumar ficou de cama por causa da mortificação, mas depois de remediar,
restabeleceu e ficou livre da moléstia. A comitiva registrou no diário de viagem que São João dEl-Rei não era
um local agradável. Segundo registros, a Vila, que podia ser a mais bem plantada da Capitania, era das piores.
Depois de permanecer na localidade por alguns dias, o Conde de Assumar partiu para Lagoa Dourada,
Camapuã, Congonhas, Tripuy e, finalmente, chegou à Vila de Ribeirão do Carmo, sem contratempos.

São João dEl-Rei no início do Século XVIII com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário

O Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana registrou, em 1776, “De Genere e Testamento” alguns
dos primeiros moradores da freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas, ora em suas fazendas,
ora no povoado. Este documento serviu de base para trilhar os caminhos do colonizador que edificou a
primeira Capela da localidade.
Francisco Álvares Correa (~1585-~1678), natural da Vila Real e de nobilíssima ascendência, foi provedor da
Real Fazenda da capitania de São Vicente. Quando passou pela Bahia foi hospedado pelo governador geral
do estado no seu palácio. Casou com Guiomar de Alvarenga (1617-~1677), natural do Rio de Janeiro, sendo
moradores em Mogi das Cruzes e Taubaté. Francisco e Guiomar foram pais dez filhos, além de Baltazar
Correa, que Francisco teve com Margarida Gonçalves:

 Baltazar Correa
 Maria Moreira
 Andreza de Castilho
 José de Castilho Moreira
 Francisco Alvares Correa
 Manoel Rodrigues Moreira
 João Correa Moreira
 Ana Moreira de Castilho
 Serafino Correa (1657)
 Antônia de Castilho
 Diogo Pires Moreira

Capitão Antônio Raposo Barreto, filho de Diogo Barbosa do Rego e Branca Raposo, casou com Maria de Brito
Leme, filha do Capitão Braz Esteves Leme e Margarida Bicudo de Brito. Antônio Raposo e Maria de Brito
foram pais oito filhos:

 Margarida Bicuda
 Branca Raposo (~1657)
 Antônio Raposo Barreto
 Diogo Barbosa do Rego
 Maria Raposo de Brito
 Maximiano Barbosa
 Baltazar de Rego da Silva
 João Raposo de Brito

Serafino Correa, natural de Mogi das Cruzes, casou em Taubaté com Branca Raposo, natural de
Guaratinguetá. Serafino Correa assumiu a função de juiz ordinário e de órfãos em Taubaté, em 1692 e 1706.
Nascido os filhos em terras Taubateense, resolveu mudar com parte da família, entre 1694 e 1703, para o
sertão das Gerais, incitados e encorajados pelas notícias auspiciosas que chegavam da região, fixando
residência na localidade conhecida como “Carranca”, onde doutrinaram os futuros colonizadores da
localidade.

O Padre Pedro Francisco de Carvalho, residente em Taubaté, registrou em 1772 que “...os avós maternos do
reverendo Padre Inácio Franco Torres foram de morada desta freguesia para as Carrancas há muito mais de
setenta anos” (Fonte: Genere AEAM – 1766, documento arquivado na Cúria de Mariana identificado nas
pesquisas de José Geraldo Begname – Projeto Compartilhar). Esta informação, originada no pedido de
confirmação de consanguinidade feita pelo Padre Inácio Franco Torres, tem uma ascendência para a qual é
indicada, ou seja, seriam os bisavôs do reverendo Padre Inácio que foram de morada para Carrancas, levando
com eles, pelo menos dois filhos, entre 1694 e 1703.

O Sítio de Serafino Correa e Branca Raposo foi apontado na cobrança dos Quintos Reais, como “Rossa da
banda de lâ das Carrancas”, conforme declarado, em 1717, por Antônio do Amaral da Fonseca, sogro de José
de Araújo Martins da Fazenda Sesmaria – Paragem Franco de Araújo, sendo o mesmo cobrador dos Quintos
Reais da Provedoria:
O Sítio possuía dimensões e estrutura simples, face ao número de escravos, e estava fixado em uma
passagem de bandeirantes, por possuir uma venda, que certamente servia de sustento para família. A
descrição “Rossa da banda de lâ” indica que o Sítio estava, para quem vem de São João del-Rei, “do lado de
lá” do rio Grande, sendo a sua localização de acordo com o mapa:

Sítio do Correa de Serafino Correa


Serafino Correa, redigiu seu testamento em Taubaté, em 18 de março de 1717, sendo aberto o inventário
em 12 abril do mesmo ano. Declarou que seus herdeiros eram naturais de Taubaté e todos descendentes do
casamento com Branca Raposo:

 Francisco Álvares Barbosa (~1680-1722)


 Manoel Moreira de Brito, casado com Margarida Antunes Portes (ou Cardosa), e moradores do Sítio
Correa (Manoel faleceu em 07 de março de 1722, no caminho para Minas)
 Antônio Raposo Barreto, casado com Juliana de Oliveira, irmã da Margarida, e moradores do Sítio da
Caveira
 Serafino Correa da Silva, casado
 Salvador Correa Bocarro (1694), casado com Ana Ferreira de Toledo, filha de João de Toledo Piza e
Castelhanos
 José Moreira de Castilho (1697), casado com Maria Nunes Bicuda de Guaratinguetá
 Miguel Pires Barreto, casado com Joana Pedrosa de Toledo, filha de João de Toledo Piza e Castelhanos
 Maria Alvares da Porciúncula, casada com João Rodrigues do Prado de Taubaté
 Andreza de Castilho, casada com Mateus Martins de Brito de Taubaté
 Margarida Bicuda (ou da Conceição), casada com João Leme do Prado de Lorena

Manoel Moreira de Brito, nascido por volta de 1682, irmão de Francisco Álvares Barbosa, filho de Serafino
Correa, comprou o Sítio do Correa pelo valor de 3$500 cruzados (1$400 réis R$ 180,28 aproximadamente),
vindo a morar com a família na propriedade.
Diante das evidencias, comprovadas através dos registros cartoriais, eclesiásticos e da Real Fazenda, fica
abrigada a tese de que as famílias “Alvares Correa” e “Raposo Barreto” foram os primeiros posseiros da
localidade de Carrancas, sendo o seu patriarca, Serafino Correa, o primevo personagem desta colonização.
Francisco Álvares Barbosa (~1680-1722), filho de Serafino Correa, casou com Isabel Fragosa (~1680-1748),
por volta de 1694. Imbuídos do futuro promissor, que Serafino Correa havia despertado na família,
resolveram seguir para o sertão das Gerais, onde formaram o Sítio das Carrancas e tiveram seus filhos:

 Maria Alves Barbosa da Porciúncula, casada por duas vezes


 Rosária Maria de Jesus, casada com Matheus Leme Barbosa, em 1725
 Francisco Alvares Barbosa, solteiro
 João Alvares Barbosa, solteiro
 Maria da Encarnação, solteira
 Josefa Barbosa da Silva, casada com João de Almeida da Fonseca, em 1733

A edificação da primeira capela de Carrancas teria configurado o início da sua colonização, provavelmente a
partir de 1703, quando recebeu a denominação de Nossa Senhora da Conceição do Rio Grande, nome
alterado mais tarde para Nossa Senhora da Conceição das Carrancas, após a construção da Matriz na
localidade. Os reverendos Frei Gabriel e Frei Manoel da Cruz, celebravam os batizados e casamentos na
localidade.

O Sítio das Carrancas de Francisco Álvares Barbosa também foi contabilizado na cobrança dos Quintos Reais,
conforme declarado, em 1717, por Antônio do Amaral da Fonseca. O Sítio possuia dimensões e estruturas
maiores e estava localizado em uma passagem de bandeirantes, por possuir uma venda, que servia de
sustento da família.
Os demais posseiros que foram contabilizados, residentes nas redondezas em 1717, são: Pedro Gonçalves
(morador do outro lado do rio Grande, vizinho de Castelhanos), Pedro da Motta (idem), Sebastião de Freitas
(idem) e, finalmente, José Rodrigues da Fonseca (morador e fundador do Sítio Traituba, em 1710).

Maria Alves Barbosa da Porciúncula, nascida por volta de 1709, teria sido uma das primeiras residentes da
localidade a ser batizada na Capela de Nossa Senhora da Conceição do Rio Grande. Ela casou com o Coronel
Ignácio Franco Torres, em 1734, sendo este o segundo casamento do coronel, que casou pela primeira vez,
na década de 1720, com Maria da Fonseca Madureira, falecida em 1733. Maria Alves e o coronel Ignácio
foram pais do Padre Inácio Franco Torres, nascido em 1736.

Carrancas teria sido um dos primeiros povoados do sertão das Gerais, sendo a sua fundação iniciada com a
formação do Sítio das Carrancas, de Francisco Álvares Barbosa. Suas terras confrontavam com a sesmaria de
Antônio Raposo Tavares, que mais tarde foram compradas e incorporadas ao Sítio das Carrancas, passando
a ter as seguintes dimensões e localização:

Conformação
da Carranca

Sítio das Carrancas expandido com a compra da sesmaria do Sítio da Caveira de Antônio Raposo Tavares
Antônio Raposo Tavares (~1670-~1730) era filho de Sebastião Pinheiro da Fonseca Raposo (ou Pinheiro
Raposo) e Potência Leite do Prado. Sua sesmaria foi requerida em 1718 e aprovada em 1724, na localidade
chamada de Sítio da Caveira, próximo da conformação da Carranca na Serra das Bicas.
Antônio Raposo Tavares, avô materno de Sebastião Pinheiro da Fonseca, seria o lendário bandeirante e
sertanista português. Natural de Beja - Portugal, migrou de Portugal na armada de Dom Diogo Flores de
Baldez para São Vicente, sendo armado cavaleiro por Dom Francisco de Souza, governador geral do Brasil,
por decreto de El-Rei Dom Fillipe, em 1601, em prêmio de relevantes serviços prestados à coroa.
Antônio Raposo Tavares (o bisneto), filho de Sebastião Pinheiro da Fonseca, partiu com seu pai e primo,
Antônio de Almeida Lara, e vários outros homens livres e escravos, para uma expedição na serra da Tromba
em Rio de Contas - sertão da Bahia, em 1713, onde descobriu ouro. Partiram das minas do rio das Contas
para o Maranhão, Piauí e Ceará, quando retornaram para Vila de Taubaté em 1716. Antônio Raposo Tavares
escolheu a região de Pitangui para viver, onde recebeu patente de Coronel de Infantaria da Ordenança de
Pitangui, em 1717.
Algumas evidencias emprestam a proposição da fundação de Carrancas na mesma localidade do Sítio das
Carrancas.
A primeira seria o inventário do Coronel Ignácio Franco Torres, que teria sido inventariado pela sua esposa
em 8 de abril de 1737, no Sítio das Carrancas, em casas de morada da viúva Dona Maria Barbosa da
Porciúncula. Este documento primoroso é a fonte histórica mais importante do início da colonização do
povoado de Carrancas e está arquivado no Museu Regional de São João del-Rei, mais especificamente, no
IPHAN, e possui volumosas 1.500 páginas.
Declarou a inventariante que o seu marido morrera sem Testamento e que tiveram somente o filho Inácio
Franco Torres. A mesma inventariante descreve assim a localidade: “o sítio em que mora chamado as
Carrancas, com outro sítio mais pequeno chamado o Capivari, com sua roça que tem de plantas um alqueire
de milho; e a das Carrancas com suas casas de vivenda de sobrado, com seu engenho de moer cana e ou de
farinha e outras duas moradas de casas térreas, casa de passageiros, tudo coberto de telhas com sua tenda
e senzalas cobertas de capim e tudo o mais pertencente a dita casa de vivenda, com roças que tem de planta
de milho oito alqueires, um canavial pequeno a colher e outro pequeno de cana planta e três pipas de
guardar aguardente e um carro de serventia da mesma fazenda”.

Representação do Sítio das Carrancas


A descrição acima evidencia que o Sítio das Carracas, herdado pela Maria Alves Barbosa da Porciúncula,
servia de paragem com “casa de passageiros”, da qual certamente hospedou o Conde de Assumar. Outra
descrição importante no documento seria a distribuição geográfica, próximo de água corrente para atender
ao plantio, moinhos, engenhos, serviços de vivenda, e tudo mais, abastecidos pelo ribeirão das Carrancas –
mesmo nome do Sítio, ribeirão que era efluente do rio Capivari, que por sua vez, passava no segundo sítio
chamado de Capivari, atendendo plenamente a propriedade. O povoado tinha um fluxo intenso de
viandantes, o que convergiu mais tarde em uma importante encruzilhada que recebia, também, o fluxo
daqueles que vinham da Capela do Divino Espírito Santo, fundada em 1760, e o fluxo daqueles que se
deslocavam para o arraial de Santa Ana das Lavras do Funil.

Sítio das Carrancas e Sítio Capivari

Maria Alves Barbosa da Porciúncula casou pela segunda vez, em 1737, com Francisco de Ávila Fagundes e
foram pais dos filhos:

 Francisca Maria de Jesus casou em 1757 com Capitão Antônio Leite Coimbra
 Genoveva da Trindade, casada com Antônio Ribeiro da Silva
 Maria de Nazaré (deserdada por casar revelia de seu pai com Germano José da Silva Freire)
 Manoel de Ávila Fagundes casou em 1771 com Mariana Joaquina da Silva
 José de Lima Barbosa, como José Alves de Proença habilitou-se as ordens sacerdotais, em 1776
 Alexandre Luís Barbosa casou em 1772 com Ana Senhorinha Gonçalves
 João de Lima Fagundes casou em 1769 com Ana Rosa Felícia
 Francisco de Ávila Fagundes, casado por duas vezes
Os inventários, testamentos e títulos de sesmaria são fontes importantes de informações que ajudam
esclarecer os acontecimentos do período da colonização luso-brasileira. Estes documentos declaram, por
exemplo, as confrontações de suas propriedades, sendo confirmando em alguns que a localização do Sítio
das Carracas, de Francisco Álvares Barbosa, seria a mesma do povoado, que por sua vez, confrontava com as
propriedades de Martinho da Silva (morador do Sítio Tamanduá, idos de 1718), Manoel Carneiro (morador
do Sítio Curralinho, idos de 1730), Antônio Leite Coimbra (morador do Sítio da Fortaleza, em 1740), Bento
Francisco Simões (morador do Sítio Boa Vista, em 1750), e do outro lado, Antônio de Brito Peixoto (morador
no Sítio das Carrancas ou das Bicas, 1725).
O requerimento da sesmaria de Antônio Leite Coimbra, morador do Sítio da Fortaleza, encaminhado em
1746, descreve em seu conteúdo algumas informações esclarecedoras. A primeira seria que suas terras
foram compradas de seu sogro Francisco de Ávila Fagundes, que por sua vez, as arrematou em leilão (foram
dois sítios arrematados pelo Francisco de Ávila Fagundes em 18 de julho de 1724, sendo o segundo sítio
confrontante com o Sítio Bom Retiro de João Alves Campos e com o Sítio do Matto Dentro de Matheus Leme
Barbosa), por confisco que fez o Contratador dos Dízimos da Provedoria. Chama a atenção, sobretudo, a
desenvoltura da declaração de que Antônio Leite Coimbra possuía uma lavra com mais de quarenta escravos
e famílias atuando no garimpo do Sítio da Fortaleza, servindo a lavra de sua sustentação. Antônio Leite
Coimbra ainda nos presenteia com a confirmação da concessão de sesmaria para Francisco Álvares Barbosa,
do Sítio das Carracas. Este documento, portanto, seria a Magna Charta Libertatum emitida pela Real
Fazenda, ou pelo seu representante, que legaliza pela primeira vez as terras do povoado de Carrancas.

Requerimento de Sesmaria de Antônio Leite Coimbra

Conforme declarado pela esposa, Francisco de Ávila Fagundes veio a falecer em 1759, “...declarou a
Inventariante que o dito seu marido falecera aos vinte e um do mês de junho deste presente ano de mil
setecentos e cinquenta e nove, com Testamento”. Este inventario registra algo muito peculiar e,
possivelmente, de entendimento conclusivo. Declara o inventariado que “...meu corpo será sepultado na
minha Capela de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas e amortalhada em o Hábito de Nossa Senhora
do Monte do Carmo”. A palavra grifada configura um claro direcionamento de posse, que ao meu ver, não
deixa dúvidas sobre os caminhos percorridos até então para a fundação do povoado de Carrancas. A
expressão “minha” contextualiza que a herança de Maria Alves Barbosa da Porciúncula está localizada em
uma paragem com “casa de passageiros”, com “outras duas moradas de casas térreas”, com “suas casas de
vivenda de sobrado“, cercada de benfeitorias que indicam estrutura de povoado, como por exemplo, uma
capela, que virou Igreja, que por sentimento dos moradores do Sítio das Carrancas a chamam de “minha”.
Tais afirmações podem despertar dúvidas e comparações que visão certificar as semelhanças e diferenças,
especialmente com outras propriedades, como por exemplo, a Fazenda da Rocinha (1725), que dado o ano
de sua edificação e localização, na passagem do Caminho Velho, poderia ser comparada com as descrições
do Sítio das Carrancas. Para dirimir tal possibilidade, temos duas evidencias, sendo a primeira que Branca de
Toledo, casada com Francisco Xavier da Silva, seriam os responsáveis pela sua edificação, conforme vários
registros de batismo e casamento, onde assim é declarado. A segunda, seria a descrição da propriedade, que
não se parece em nada com a localidade do Sítio das Carracas: “benfeitorias na Fazenda da Rocinha,
compreendendo uma casa sobradada, cozinha, casa de tropa, casa de tenda de ferreiro, casa de carros,
senzalas, tudo isto coberto de telhas, e mais casas de capim, terreiro, quintal com arvoredos, moinho e
monjolo - 3:000$000 réis”.
Branca de Toledo e Francisco Xavier da Silva, também foram proprietários Fazenda do Engenho de Serra
(1730), sendo esta última localizada do outro lado do rio Grande. As propriedades foram vendidas para o
Tenente Coronel Joaquim Inácio de Carvalho, casado com Cândida Umbelina de São José, filha de Pedro
Custódio Guimarães e Teresa Maria (Pereira) de Jesus, neta paterna do Capitão Manoel Pereira do Amaral e
Ana Maria do Nascimento, neta materna de Domingos da Costa Guimarães e Rita de Souza do Nascimento.

Fazenda da Rocinha

Por fim, o registro definitivo, tal qual o “reconhecimento de firma” em cartório de notas, foi a cerimônia de
batismo de Estanislau Alves Teixeira, realizada em 1746: “Igreja Nossa Senhora da Conceição (Carrancas,
Minas Gerais) aos 01 de novembro de 1746, batizou Stanislao, filho de Manoel Alves Taveira, nascido na
freguesia de São Romão de Nogueira, termo da vila da Barca, comarca de Vianna, Arcebispado de Braga, e
de Josefa Lemes, nascida na freguesia de N. Sra. da Conceição da cidade de São Paulo, foram Padrinhos:
Stanislao Teixeira, casado, morador no sitio do Ribeirão das Caveiras, e D. Maria Alves da Porciúncula
Barbosa, mulher de Francisco de Ávila Fagundes, morador na vila contigua a Matriz, todos desta freguesia”.
Portanto, o Sítio das Carrancas em um passado recente, virou Povoado, que virou Vila.
Idem ao anterior: “Igreja Nossa Senhora da Conceição (Carrancas, Minas Gerais) aos 16 de maio de 1736,
Inácio, filho do Capitão-Mor Inácio Franco Torres e D. Maria da Porciúncula Barbosa, deste sitio, padrinhos:
Pedro de Almeida Oliveira, casado, morador na vila de São João dEl-Rei e D. Josefa de Moraes, mulher de
Matias Gonçalves Moinhos, moradora na Lagoa Verde, freguesia de São João del-Rei”. Logo, a Igreja Nossa
Senhora da Conceição era do Sítio das Carrancas, local de moradia do Padre Inácio Franco Torres.
Idem ao anterior: “Igreja Nossa Senhora da Conceição (Carrancas, Minas Gerais) aos 17 de janeiro de 1735,
Bernardo Teixeira da Silva, viúvo, filho natural de Pedro Teixeira da Cunha e Domingas Cubas de Siqueira da
cidade de São Paulo; casou com Sebastiana de Oliveira da Fonseca, filha natural de Nataria de Oliveira,
nascida da vila de Jacareí. Testemunhas: Capitão-Mor Inácio Franco Torres, deste sitio e Mateus Leme
Barbosa, das Carrancas de Baixo”. Logo, a Igreja Nossa Senhora da Conceição estava localizada no Sítio das
Carrancas, local de moradia do Capitão-Mor Inácio Franco Torres.
Os documentos cartoriais e eclesiásticos do século XVIII, sugerem uma linha divisória virtual no povoado, ou
seja, a “Carranca” que deu origem ao nome da localidade separa as roças como Fazenda de “Fulano” da
“Caveira de Cá” ou da “Caveira de Lá”, também existem registros da “Caveira de Baixo”, sendo esta última
denominação para representar as propriedades instaladas no belíssimo e fértil vale das Bicas. Também
existem, conforme mencionado anteriormente, a “Carranca de Cá” e a “Carranca de Lá” que representam as
propriedades separadas pelo rio Grande.

Carranca visualizada pelos Bandeirantes no século XVII na Serra das Bicas

Sobre o início da construção da Matriz de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas, o mesmo Francisco de
Ávila Fagundes, registrou em seu inventario, outro detalhe peculiar sobre a sua esposa Dna. Maria Alves
Barbosa da Porciúncula “...natural e batizada na Capela de Nossa Senhora da Conceição do Rio Grande, que
neste tempo era Matriz desta Freguesia”. O tempo que se refere seria a data de batismo do filho João, que
ocorreu “...aos quatorze dias do mês de setembro do ano de mil setecentos e quarenta e oito”. Portanto, em
1748, a construção da Matriz estava finalizada, sendo seu início por volta de 1720, com conclusão nos idos
de 1730, conforme descrevem vários documentos eclesiásticos de batismo e casamento da época, que
indicam o local como Igreja, e não mais como Capela. Outra evidência do tempo de construção da Matriz,
em torno de dez anos, seria a requisição enviada para a Cúria do Rio de Janeiro, em 1728, solicitando a
nomeação do Padre da localidade, identificada como “Capela de Inácio Franco, no Sítio das Carrancas”,
requerimento que foi atendido com a nomeação do Padre Antônio Mendes, em 1737. Outros Padres
celebraram batizados e casamentos durante a década de 1720, conforme descrevem os documentos
eclesiásticos da época, sendo a nomeação do Padre João Moreira a inauguração da Matriz, em 1730.
Francisco Álvares Barbosa liderou a iniciativa de construção da Matriz no Sítio das Carrancas, em substituição
a Capela, até o seu falecimento, em 1722. A continuidade das obras de edificação ficou a cargo dos parentes,
vizinhos e contemporâneos que foram os primeiros povoadores de Carrancas, até meados da década de
1730, como João de Toledo Piza e Castelhanos (Sítio do Rio Grande), Manoel Moreira de Brito (Sítio do
Correa), Antônio Raposo Barreto (Sítio da Caveira), Miguel Pires Barreto (mudou com Castelhanos de
Carrancas para Campanha), Salvador Correa Bocarro (idem), José da Costa e Moraes (Fazenda das
Bananeiras), Antônio Barreto de Lima (Sitio das Caveiras), Francisco Xavier da Silva (Fazenda Rocinha), João
Alves Campos (Sítio Bom Retiro), Francisco de Ávila Fagundes (genro - residente antes de casar no Sítio
Capivari), Martinho da Silva (Sítio Tamanduá e Sitio do Tejuco), Manoel Alves Taveira (Sítio do Cajurú ou
Caveira), Matheus Leme Barbosa (Sítio Matto Dentro, também chamado de Carrancas de Baixo), Manoel
Alves Valle (Fazenda do Rio Grande - Ponte “Manoel Alves”), João Garcia Duarte (Fazenda Garcias), João
Pereira de Carvalho (Fazenda das Painas), Diogo Garcia (Fazenda do Rio Grande), Antônio Fernandes de Paiva
(Fazenda das Caveiras das Carrancas), Antônio de Brito Peixoto (Fazenda das Bicas), Manoel Coelho da Costa
(Sitio do Cadundó), Antônio de Souza Lopes (Sítio da Sepotiva), José Dias da Silva Boeno (Sítio das Carrancas
de Baixo), João Alvares da Silva (Sítio das Carrancas de Baixo), Tenente Coronel José Rodrigues da Fonseca
(Fazenda Traituba), José de Araújo Martins (Fazenda Sesmaria), Capitão Pedro Motta (roça das Carrancas da
Banda de Cá), Pedro Gonçalves, Sebastião de Freitas Andrade, Manoel de Moraes e Silva, Fortunato Borges,
Claudio F de Camargo Furquim, entre outros conhecidos, vizinhos, amigos e familiares. Sua companheira,
Izabel Fragosa, seguira viúva até que veio a falecer, em 1748. Sua filha, Maria Alves Barbosa da Porciúncula,
faleceu em 02 de janeiro de 1789, sendo vendido o que restou da Fazenda das Carrancas, e bens que
compunham aquela fábrica de engenho de cana, escravatura, e outros, para o Alferes Manoel Francisco da
Costa Neves e Luiz Antônio Neves.
Para alguns trata-se de um templo religioso, para outros de uma contemplação histórica, mas para muitos,
trata-se de um feito extraordinário que até então era desconhecida a sua origem e motivação. Pensar que
nos tempos atuais este feito seria comum de se constituir, imagine então fazê-lo no início do século
setecentista, sendo liderada por duas gerações de famílias, as “Alves Barbosa” e “Fragosa”, que dedicaram
esforço, dinheiro e fé, de proporções indescritíveis e admirável, tendo como consequência a possibilidade
de compartilhar tal Grandeza, como todas aquelas que cercam Carrancas, com as futuras e privilegiadas
gerações de visitantes e residentes locais.
Certamente, a fé destas famílias, influenciou mais tarde, o filho do Coronel Ignácio Franco Torres, o então
Padre Inácio Franco Torres, a dedicar-se ao estado Sacerdotal. A doutrina que sua família pregou foi
propagada por outras localidades, após a ordenação do Padre, que teria sido responsável pela construção
da capela na localidade do Ingaí, filial de Carrancas, em 1775, quando por provisão de 31 de maio, solicita
licença para “celebrar patrimônio” de acordo com o Sacramento.
Construída por escravos, a Matriz de Carrancas foi erguida com pedras e sofreu reformas de expansão ao
longo do tempo, com destaque para as Torres, que possuem diferenças em relação à dimensão e arremate,
sendo uma mais larga que a outra, e quanto aos arremates, uma é mais alongada e a outra mais compacta.
Existem duas versões para as diferenças: a primeira defende que uma das torres foi alterada no século 18 e
a segunda conta que a torre da direta foi destruída por um raio no século 19. Particularmente acredito que
as torres foram inseridas após a conclusão da edificação (pequenos detalhes sugerem tal afirmação,
inerentes ao possível acontecimento da descarga elétrica).

Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas

Este patrimônio histórico de Minas Gerais tem no seu altar-mor e teto pinturas realizadas por Joaquim José
da Natividade (1775-1840), discípulo de João Nepomuceno. Natividade executou a decoração interna da
Matriz cem anos após o início das obras de edificação, representando a cena de Nossa Senhora ladeada pelos
quatro evangelistas. O pintor do forro, altar, púlpito, talhas e outras peças em estilo rococós ainda é pouco
conhecido dos mineiros, embora esteja no nível dos artistas Manuel da Costa Ataíde, João Nepomuceno
Correia e Castro e Manuel Vítor de Jesus.

Joaquim José da Natividade nasceu em Sabará, por volta de 1775, trabalhou na comarca do Rio das Mortes,
que tinha São João dEl-Rei como sede. Foi aprendiz de João Nepomuceno em 1790, na cidade de Congonhas,
sendo o mestre responsável pelas pinturas do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos. Na mesma
época, segundo o pesquisador Olinto Rodrigues dos Santos Filho, do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), que estudou vida e obra do pintor, Natividade atuou na capela da Fazenda Boa
Esperança, em Belo Vale.

Natividade ficou em São João dEl-Rei no período de 1804 a 1810, quando partiu para a região Campos das
Vertentes, onde deixou sua marca eternizada nas Igrejas e Capelas de cidades como Carrancas, São Miguel
do Cajuru, Lavras, São Tomé das Letras, São Vicente de Minas, Conceição da Barra de Minas, Liberdade, entre
outras. Natividade faleceu com 65 anos de idade na cidade de Baependi, em 1840, onde foi enterrado.

Mariana Vitória do Nascimento, casada com Alferes José Joaquim de Andrade, moradores na Fazenda das
Pitangueiras (1740) declara em seu testamento, em 1810, o seguinte desejo: “...Dará de esmolas para as
obras desta Capela do Divino Espírito Santo com mil réis. Dará para as obras de Nossa Senhora de Carrancas
cem mil rés. Dará para as obras de Nossa Senhora do Monte do Carmo da Vila de São João cem mil réis”. Este
desejo está, provavelmente, relacionado com as obras de decoração e pintura, ou quem sabe, para
instalação das duas Torres.
Pintura e decoração realizadas por Joaquim José da Natividade (1775-1840)

Durante a construção da Matriz de Nossa Senhora da Conceição das Carrancas, uma decisão do El-Rei D. João
V poderia ter alterado, para sempre, o destino da nossa região. Motivado especialmente pela da Guerra dos
Emboabas (1707-1709), que demonstrara a fragilidade do controle de Coroa sobre a região das recém-
descobertas minas de ouro, El-Rei separa a Capitania de São Paulo, criando a Capitania das Minas Gerais. A
divisão territorial se deu no rio Sapucaí, no rio Grande, e deste, subindo a Serra da Canastra até o rio
Paranaíba. Esta decisão, que perdurou por alguns anos, indicava que tudo abaixo do rio Grande pertenceria
a Capitania de São Paulo. O Bispado e seus seguidores, residentes locais, discordaram com vigor,
reivindicando que a separação se desse a partir do Rio Paraíba.
Perduraram debates e discórdias por longos anos, até que o governador da capitania de Minas Gerais, Luís
Diogo Lobo da Silva, em 24 de setembro de 1764, anexa a margem esquerda do Rio Sapucaí, estendendo os
limites de Minas Gerais até a divisa atual com São Paulo, separada pelo Rio Paraíba.
Enfim, Carrancas seguiu seu destino, oferendo aos viandantes de suas trilhas reais a possibilidade de
estabelecer pouso e fixar raízes. Foram muitas sesmarias, não somente de bandeirantes, mas também de
militares, de tabuleiros e faisqueiras, de tropeiros, de familiares, de muitos que ouviram falar do “Gigante
Egoísta", sendo todos valentes colonizadores que construíram seus engenhos, abriram “lojes” (lojas),
aumentando suas divisas, transformando-se em ricos comerciantes e fazendeiros locais.
O comércio tornou-se uma forma indireta de conseguir ouro, pois, vendendo comestíveis, aguardente e
garapa, tecidos, roupas, calçados e ferramentas, se juntavam grandes porções de ouro, sem o trabalho rude
de extraí-lo dos tabuleiros. As terras prosperavam de uma agricultura produtora de milho, feijão, mamona,
com muita extração e processamento de madeira. Havia também produção de toucinho, farinha de milho e
mandioca. Óleo de mamona e polvilho, também eram produzidos, além de outros alimentos que eram
levados pelas tropas das fazendas, nos idos de 1760, até as Vilas de São João e São José.
Histórias que há de se pensar – parafraseando Claude Lévi-Strauss (1908-2009), antropólogo, sociólogo e
humanista francês, um dos grandes pensadores do século XX – é a análise de alguns aspectos influenciadores
e circunstanciantes da passagem de uma vila colonial mineira ao status de cidade, no Império. Ou seja, como
se encaminhara a passagem do rural para o urbano, a velha questão da modernidade alicerçada na oposição
mau selvagem versus bom civilizado. Para compreender essa corrida civilizatória no Novo Mundo, em que o
Velho Mundo é ancião pela sua maturidade e lentidão e, o Novo, decrépito pela sua obsoletitude e
velocidade, é necessário questionar as aparências para o qual foi escrito e realizado. Pois, compreender
consiste em reduzir um tipo de realidade a outro; que a realidade verdadeira nunca é a mais patente [la plus
manifeste]; e que a natureza do verdadeiro já transparece no zelo que este emprega em se ocultar [dérober].
Há que se diga assim o próprio “Gigante Egoísta”.
Diante do exposto, resta-nos concluir citando o Centurião, quando ele escreve que a cidade é, em parte, a
expressão da sociedade a qual ela pertence e reflexa de seus valores culturais:

Concepções de poder, hierarquias sociais, profissões e economia, o modo de vida de um povo, as noções do sagrado e profano, as
relações, enfim, todas as heterogêneas manifestações de uma determinada sociedade e suas especificidades encontram sua expressão
no traçado das ruas, na arquitetura das edificações e na disposição destas, na distribuição rural e em outros aspectos de sua
configuração que se chama História.
O Colonizador de Carrancas que queria comprar a Capitania de São Paulo

Com o retorno para São Paulo, o Capitão-mor José de Góes e Moraes pede dispensa de consanguinidade de
3º grau misto de 2º para se casar com sua sobrinha Ana Ribeira de Almeida (1673-1763), em 26 de fevereiro
de 1710, sendo o casal natural e moradores na vila de São Paulo.

Ana declarou possuir o dote de 20.000 cruzados (8:000$000 réis ou R$ 1.030.160,00 aproximadamente) em
prata lavrada, ouro de seu uso, etc. José de Góes informou que era possuidor de 80.000 cruzados
(32:000$000 réis ou R$ 4.120.640,00 aproximadamente) em escravos, minas, dinheiro que tinha em
Portugal.

José de Góes e Moraes e Anna de Ribeira Leite tiveram os filhos:

 Ângela Maria de Ribeira Góes e Moraes


 Leonor Teresa de Ribeira Góes e Moraes
 Maria de Lara Leite
 João Raposo da Fonseca e Moraes
 Escolástica Jacinta Ribeiro de Góes e Moraes

São Paulo, em 1730

Quando retornou para São Paulo, o capitão-mor José de Góes e Moraes, filho do capitão-mor e Governador
Pedro Taques de Almeida, cavaleiro fidalgo da casa real, apresentou a curiosa e inusitada estratégia de
comprar a Capitania de Santo Amaro, com dimensões estimadas de 50 léguas, equivalente a 217.800
hectares de terras, doadas por El-Rei a Pero Lopes de Sousa, que por sua vez, tinha como atual donatário seu
descendente D. Luís Alves de Ataíde Castro Noronha e Sousa, o Marquês de Cascaes.

A capitania de São Vicente, de limites imprecisos para o interior, compreendia, como é sabido, cem léguas
contadas sobre o litoral, divididas em dois quinhões: o primeiro, abrangendo terras desde a barra de São
Vicente, para o sul, até 12 léguas além de Cananéia, ou aproximadamente, até uma das barras de Paranaguá;
o segundo, em sentido oposto, desde o rio Juqueriquerê (Curupacê) até 13 léguas ao norte de Cabo Frio,
delimitado posteriormente pela barra de Macaé, compreendendo Angra dos Reis, a baía da Guanabara e
Cabo Frio. Martim Afonso de Sousa abriu mão de parte dessa área para o Rei de Portugal, por ocasião da
expulsão dos franceses, razão pela qual passou a ser a segunda capitania da Coroa na região onde se fundou
a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Do Juqueriquerê para o sul, até a barra de São Vicente,
encravada entre os dois lotes de Martim Afonso, a Capitania de Santo Amaro, doada por El-Rei a Pero Lopes
de Sousa, irmão de Martim Afonso. Seguia de Paranaguá até as imediações de Laguna, as terras de Santana,
apanágio também de Pero Lopes.

Capitania de Santo Amaro, pertencente ao Marquês de Cascaes

Como toda vila ou cidade daquela época, a Capitania representava a jurisdição administrativa e política
portuguesa no Conselho Ultramarino, bem como um controle de território que compreendia os lugares e as
vilas sob a sua área de influência, além de um vasto sertão a ser explorado.

O Marquês de Cascaes descobriu que a sua autoridade como donatário, também estava limitada, quando
tentou elevar a localidade de São Paulo à cabeça de sua Capitania, em 1681. Esta autoridade passava pelos
direitos e decisão da Coroa em escolher ou manter as sedes de governo dos territórios.

A cabeça representa a Capital, onde emana o poder a partir do centro para as periferias, de forma mais ou
menos homogênea. Por esta razão, podemos entender a ação do Marquês de Cascaes, na tentativa frustrada
de mudar a Capital de sua donataria da vila de São Vicente para São Paulo. A vila de Piratininga não seria
uma sede do poder, que devia conviver com o equilíbrio das precedências dos poderes eclesiásticos, locais
e régios, mas representaria a dignidade de seus direitos senhoriais ameaçados pela decisão da câmara
vicentina, garantindo a justa conservação e decoro de seus direitos de legítimo donatário, seriamente
contestados naquela ocasião.
Províncias de São Vicente e Santos, em 1624, pertencente ao Marquês de Cascaes

O capitão-mor José de Góes e Moraes acordou com o Marquês de Cascaes a compra da Capitania de Santo
Amaro pelo valor de 40.000 cruzados (16:000$000 réis ou R$ 2.060.320,00), acrescidos de 4.000 cruzados
(1:600$000 réis ou R$ 206.032,00) de luvas.
Com a formalização do interesse pela compra, o Marquês de Cascaes submeteu ao Conselho Ultramarino,
em 04 de março de 1709, uma requisição de licença para renunciar a Capitania de Santos e São Vicente, de
que era donatário, em prol do capitão-mor José de Góes e Moraes.

Os conselheiros recomendaram e o El-Rei D. João V resolveu, em 04 de abril de 1709, que o dito Marquês
recebesse da Fazenda Real, esse dinheiro, e ficassem as ditas 50 léguas de terras incorporadas à Coroa e ao
patrimônio real.

Portanto, as duas Capitanias sulinas de Pero Lopes de Sousa, Santo Amaro e Santana, vizinhas à de Martim
Afonso, foram resgatadas pelo El-Rei D. João V do último donatário, o segundo Marquês de Cascais e sétimo
Conde de Monsanto, D. Luís Alves de Ataíde Castro Noronha e Sousa, por 40.000 cruzados (16:000$000 réis
ou R$ 2.060.320,00), em 22 de outubro de 1709, tendo sido lavrada a respectiva escritura em 19 de setembro
de 1711.

“Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem que fazendo-me presente pelo meu Conselho Ultramarino o requerimento que por
ele havia feito o Marquês de Cascais D. Luís Álvares de Castro e Sousa, do meu conselho de Estado, em que me pedia licença para
vender a José de Góes de Moraes as cinqüenta léguas de costa que possuía no Estado do Brasil, quarenta delas que começam doze
léguas ao sul de Cananéia e acabam na terra de Santa Ana, que está em altura de vinte e oito graus e um terço, e as dez léguas que
restam principiam no rio Curupacé e acabam no de S. Vicente, pelas quais cinqüenta léguas de costa lhe dava o dito José de Góís de
Morais quarenta mil cruzados pagos logo em um só pagamento, para se porem na junta do comércio a razão de juro, e todas as vezes
que se oferecesse ocasião se empregasse em bens de raiz, além de quatro mil cruzados que mais lhe dava de luvas; e sendo ouvido
neste requerimento o Conde do Monsanto, filho do dito Marquês de Cascais, como seu imediato sucessor, e o meu procurador da
Coroa a quem se deu vista: tendo a tudo consideração, e sem embargo do dito marquês declarar que os rendimentos das ditas
cinqüenta léguas de terra não correspondiam ao referido preço, que José de Góis de Morais lhe dava por respeitar a honra que da dita
compra lhe resultava de ser donatário de uma capitania, cujo honorífico não era de valor para a Coroa por ter nas ditas terras o supremo
e alto domínio, e lhe darem os capitães-mores que nomeava 320$ rs. somente de renda por cada triênio. Hei por bem e mando ao meu
Conselho Ultramarino faça escritura de compra para a Coroa Real pelo dito preço de quarenta mil cruzados das ditas cinqüenta léguas
de costa ao dito Marquês de Cascais, com tudo o que nelas tem e lhe pertence por suas doações, para que fiquem livremente
incorporados outra vez na Coroa e patrimônio real, a qual ficará livre de toda e qualquer obrigação tanto que entregar ao dito marquês
o preço dos ditos quarenta mil cruzados, sem que por modo algum fique obrigada a minha Coroa, no caso que os ditos quarenta mil
cruzados, depois de entregues, se perderem, ou os bens que com eles se comprarem, para o que lhe serão logo entregues para se
porem na junta do comércio à razão de juro de cinco por cento, e para o dito marquês haver os juros, e estes prontos para toda a
ocasião que se oferecer de se empregarem em bens de raiz: e para este efeito hei outrossim por bem que as ditas cinqüenta léguas de
costa se possam dividir e apartar das trinta léguas de costa que o dito Marquês de Cascais tem pela mesma doação no rio da Sereia em
redondo da ilha de Itamaracá, e acabam na baía da Traição, que está em altura de seis graus, sem embargo da cláusula da minha
doação, que diz que as oitenta léguas de terra que foram dadas em capitania a Pedro Lopes de Sousa, primeiro donatário delas, se não
poderão repartir, escambar, nem de outro modo alhear, e que andariam sempre juntas, sem embargo da ordenação do livro 2º, tít. 35,
§§ 1º e 3º, e todos os mais parágrafos da lei mental, e de quaisquer outras leis e ordenações que proíbam a divisão, partilha, escambo,
ou alheações de bens da Coroa, que tudo hei por derrogado, para que as ditas cinquenta léguas de costa que mando comprar ao dito
marquês fiquem divididas e apartadas das outras trinta léguas da ilha de Itamaracá, ficando-lhe estas com a capitania delas, jurisdições,
rendas e direitos que nelas tem, na forma que pela sua doação lhe são concedidas e lhe pertencem; e as cinqüenta léguas fiquem
divididas da dita capitania, e incorporadas por esta compra na Coroa e patrimônio real, como se nunca dela houveram saído; e os
quarenta mil cruzados que pela dita compra se dão ao dito marquês, e os bens em que se empregarem, fiquem sendo bens de morgado
patrimonial, para suceder neles a pessoa que suceder no Morgado da Capitania de Itamaracá, sem que em nenhum tempo nem por
nenhum caso possam tornar para a Coroa, nem se hajam de regular nunca pela lei mental; para o que a hei por derrogada na ordenação
livro 2º, tít. 35, o todos os capítulos e parágrafos dela, para que em nenhum tempo os bens em que os ditos quarenta mil cruzados se
empregarem se reputem por bens da Coroa, e quero que esta compra seja sempre firme, sem que em tempo algum pela minha parte
e dos reis meus sucessores se possa desfazer, nem vir contra ela, nem alegar que nela houve nulidade, lesão ou engano algum, para
cujo efeito a confirmo e aprovo por este, e hei por supridos quaisquer defeitos que nela pudesse haver e considerar-se de meu modo
próprio, certa ciência poder real e absoluto; e promessa de minha fé real, para nunca vir contra ela em tempo algum; e da mesma
maneira hei por bem que em nenhum tempo se possa alegar pela minha parte, nem pela dos reis meus sucessores, que na dita compra
houve lesão ou engano, contra a declaração que o dito marquês me fez de ser excessivo o preço a respeito do útil e proveitoso da dita
capitania, pelo pouco que de presente lhe rendia, porque sem embargo de assim o reconhecer, renuncio todo o remédio da lesão que
pelas leis e direitos possa competir para desfazer esta venda, a hei por feita, e doação ao dito marquês e seus sucessores de toda a
maioria do preço que exceder ao justo valor das ditas terras, e como rei e príncipe supremo declaro e determino serem os ditos
quarenta mil cruzados o justo preço das ditas cinqüenta léguas de terra, que mando se compre para a minha Coroa e patrimônio real,
e para maior firmeza desta compra renuncio toda e qualquer restituição, que contra o dito contrato ou contra as cláusulas dele me
podem competir, para que em nenhum tempo se possa implorar por minha parte, o que tudo hei por bem de minha certa ciência,
modo próprio e poder real e absoluto, sem embargo da Ordem, livro 2º, tít. 35, § 23, que trata de se poderem desfazer os câmbios e
escâmbios dos bens da Coroa pela lesão e engano, e da Ordem, livro 4º, tít. 13, que trata do remédio da lesão e engano nas compras e
vendas e mais contratos, e do § 9º da Ordem, do tít. 13, que proíbe renunciar o remédio da lesão, e fazer doação da melhoria do valor
ou preço da causa, e todas as mais leis e ordenações, capítulos de cortes, glosas, e opiniões de doutores que sejam contra a firmeza
deste contrato e validade das cláusulas dele, que tudo hei por derrogado de meu poder absoluto, ainda que seja necessário fazer de
tudo expressa e individual menção, sem embargo da Ordem, do livro 22, tít. 44, pelo que mando aos meus procuradores da Coroa e
Fazenda que hoje são e ao diante forem, e mais ministros a que tocar que em nenhum tempo venham, nem possam vir contra este
contrato e compra, nem intentar desfazê-lo, e quando o façam não serão ouvidos em juízo em coisa alguma, e lhes seja denegada toda
a audiência e por este meu alvará hei inibido todos os julgadores e tribunais para que não possam conhecer de coisa alguma que se
alegue contra ele ou contra a dita compra, nem demanda que contra ela se mova, e lhes hei por tirada para o dito caso toda a jurisdição
ou poder de conhecer e julgar, tudo do meu modo próprio, certa ciência e poder real e absoluto, sem embargo de quaisquer
ordenações, leis ou opiniões de doutores em contrário, que tudo hei por derrogado como se de todo se fizera expressa menção, não
obstante a dita Ordenação livro 2º, tít. 44, e este meu alvará se incorporará na escritura que se há de fazer de compra; e do conteúdo
dela se porão verbas na carta de doação passada ao dito Marquês de Cascais das oitenta léguas de terra, e em seus registros para que
em todo o tempo conste da referida compra, e se cumprirá inteiramente como nele se contêm sem dúvida alguma, e valerá como carta
sem embargo da Orden., do liv. 2º, tít. 40, em contrário e não deve novos direitos por ser para a compra que se faz por parte da minha
Coroa, e eu assim o haver por bem sem embargo do regimento e ordens em contrário. Dionísio Cardoso Pereira o fez. Lisboa, 22 de
outubro de 1709. O Secretário André Lopes de Lavre o fez escrever. – Rei Miguel Carlos.”

Revertiam, assim, para a Coroa, as 50 léguas doadas a Pero Lopes de Sousa, cuja posse motivou grande
discórdia entre os seus descendentes e os de Martim Afonso, seu irmão. Os herdeiros dos donatários dessas
capitanias meridionais, a partir de D. Álvaro Pires de Castro (sexto Conde de Monsanto e primeiro Marquês
de Cascais) e de D. Mariana de Sousa da Guerra, Condessa de Vimieiro, ambos descendentes de Martim
Afonso de Sousa, confundiam, senão na totalidade, ao menos em parte, os quinhões doados por D. João III
aos seus ancestrais.

A vila de São Paulo passou a legitimar as suas pretensões com relação às recém-descobertas minas de ouro,
que teria como resultado, o início do conflito dos emboabas. Estas descobertas e conflitos tiveram como
resultado a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, por carta régia de 9 de novembro de 1709,
com a nomeação de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho para o cargo de governador. Naquela
época, a capitania recém-criada tinha as vilas de Cananéia, Iguape, Itanhaém, Laguna, Mariana, Paranaguá,
São Paulo, e por fim, São Vicente. Esta nova unidade administrativa tinha como função a melhor gestão das
minas descobertas, a resolução dos conflitos por sua posse, a fundação de povoações para que as pessoas
“vivam reguladas, em a subordinação da Justiça”, além obviamente, de conter os descaminhos do ouro e
garantir a arrecadação do quinto.
O primeiro governador da nova Capitania, Antônio de Albuquerque, pacificador do conflito, estabeleceu as
primeiras vilas do sertão dos Cataguases, a Vila Rica e a Vila de Nossa Senhora de Sabará. Posteriormente,
esta região foi dividia em três Comarcas, a Vila Rica (com sede em Vila Rica), a Rio das Velhas (com sede em
Sabará), e a Rio das Mortes (com sede em São João del-Rei).

Como fruto e resultado das expedições dos bandeirantes, a nova capitania passou a contar com um vasto
território para o sul, que abrangia os sertões de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e para oeste os territórios
de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. O limite do território oeste era delimitado pelo Tratado de
Tordesilhas.

Capitania de São Paulo e Minas do Ouro criada em 1709

Como consequência da Revolta de Vila Rica, ocorrida em 1720, além do adiamento da instalação da Casa de
Fundição, materializou-se a autonomia administrativa das Minas, uma vez que, em 12 de setembro desse
ano, D. João V desmembrou-a, instituindo a capitania de Minas Gerais e a capitania de São Paulo. Na
capitania de Minas Gerais foi criada mais uma Comarca chamada de Serro do Frio, com sede em Vila do
Príncipe.

A antiga São Vicente, ou o que ela se tornara depois de tantas disputas, anexações e desmembramentos,
havia se tornado a principal capitania para a coroa, por isso a necessidade que ela fosse retirada de sua
condição senhorial, ou seja, de D. Álvaro Pires de Castro (Marquês de Cascaes). Compreendendo “muitas
vilas de tão grande jurisdição” não cabia mais que ela fosse uma propriedade particular, passando a ser
patrimônio real.

No processo de arregimentação dos paulistas, ao mesmo tempo em que são afastados dos negócios das
minas, a vila de São Paulo é elevada à categoria de cidade em 1711, juntamente com a compra da capitania,
uma compensação por ter se tornado uma cabeça sem governo. Seguramente, na avaliação de parecer do
Conselho Ultramarino em 12 de fevereiro de 1711, era uma forma de satisfazer e contentar os paulistas que
desejavam essa honraria bem como a criação de um bispado, o que dependeria da avaliação do número de
famílias que pudesse fazer frente às côngruas dos Bispos.
A elevação à categoria de cidade atende a um pedido da câmara de São Paulo, enquanto a criação do bispado
se efetivaria apenas em 1745. Essa distinção representa o reconhecimento da coroa à nova dimensão de São
Paulo “na geografia da América portuguesa”, o reconhecimento de sua capitalidade que vinha sendo
exercida de fato, ainda que não totalmente reconhecida de direito.

Malogrado do seu intento de compra da capitania que viria a se tornar rapidamente na mais importante da
Coroa Portuguesa, o capitão-mor José de Góes e Moraes passou a investir seus vultuosos recursos financeiros
em férteis fazendas de gado vacum e manadas de éguas nos Campos Gerais, chamados de “Cotitiba”. Foi
proprietário das Fazendas São João, São Carlos e São Bento, sendo nomeado a guarda-mor das minas de
Paranapanema, por patente passada em 1718, o 1.º das ditas minas.

O capitão-mor José de Góes e Moraes, recebeu ao menos cinco cartas de sesmaria – coletivamente em 1704
e 1713 (n. 30, com dois primos, João Pedroso Barros e João Gonçalves Siqueira) e individualmente em 1725
(n. 51), 1734 (n. 95) e 1736 (n. 72) – e foi o maior sesmeiro do planalto curitibano. Ele participou ainda das
petições de seus cunhados (n. 38 e n. 37), na condição de “suplicante adjunto” em 1725. Estes cunhados,
junto de outro concunhado, já tinham ganhado outra sesmaria em 1713 (n. 29):

 Em 19 de março de 1704, o Capitão Antônio Pinto Guedes recebeu sesmaria, juntamente com seu
sogro Pedro Taques de Almeida (que a recebeu por si, e por seus filhos e genros), no caminho que vai
para a vila de Curitiba (registrada no RGCMSP aos 07 de setembro de 1719 – vol. IV, fls. 387);
 Em 18 de junho de 1706, o Capitão Antônio Pinto Guedes recebeu sesmaria no Ingaí (entre Baependi
e Carrancas), juntamente com José de Góes e Moraes e José Pompeu de Proença;
 Em 14 de outubro de 1713, o Capitão Antônio Pinto Guedes recebeu sesmaria, juntamente com o
Capitão Bartolomeu Paes de Abreu e o Capitão Martinho de Oliveira, nos campos que se acham
devolutos no sertão de Curitiba, distantes daquela vila a 40 léguas;
 Em 20 de setembro de 1717, o Capitão Antônio Pinto Guedes recebeu sesmaria na paragem chamada
Paranapanema, nome do Rio que fica no caminho da Villa de Coritiba e serventia dos moradores de
Sorocaba e mais Villas (APM – Seção Colonial – Códice 12 Registro de Provisões, Patentes e Sesmarias,
fls. 2v);
 Em 1725, o Capitão Antônio Pinto Guedes recebeu sesmaria entre os rios Iapó e Pitangui (Curitiba),
juntamente com José de Góes e Moraes e Bartolomeu Paes de Abreu (registrada no Livro 1, fls. 71v,
Livro 1, fls. 73, Livro 2, fls. 16v, Livro 2, fls. 17v – parece que a mesma sesmaria registrada várias vezes:
“campos denominados de São João”, “fazenda São João”, “paragem chamada São João”).

A característica mais marcante deste grupo, todavia, não seria pelo conteúdo das cartas, mas pelas
trajetórias de vidas dos sesmeiros e suas redes familiares. Todos estão, diretamente, ou por meio de
parentes, ligados às zonas mineradoras que começavam a se desenvolver nas primeiras décadas do século
XVIII. A ligação mais evidente é o padrão das sesmarias requeridas fora do planalto curitibano, sempre
associadas a áreas de prospecção e exploração mineral.

Alguns de seus descendentes, nascidos na Cidade de São Paulo, foram para as Minas na segunda metade do
século XVIII. Na Freguesia de Campanha do Rio Verde foram registrados batismos de netos e bisnetos, ligado
mais tarde a família Toledo Piza e Castelhanos.

Inácio da Silva, natural da cidade de São Paulo, filho do capitão-mor José de Góes e Moraes e de Cordula da Silva Buena, casou com
Isabel Maria da Conceição natural da Campanha, filha de Miguel Cubas de Moraes e de Maria Bicuda de Brito.

O capitão-mor José de Góes e Moraes direcionou sua atenção para o cenário político. Por carta régia de 14
de março de 1711, tornou-se capitão-mor da Capitania de São Paulo. No dia 4 de janeiro de 1715, foi eleito
juiz ordinário da cidade de São Paulo, prestando juramento na Casa da Câmara. No exercício da sua função,
tratou de vários problemas, como da reforma geral da ponte sobre o rio Tietê, na estrada da Conceição,
realizada a cargo dos moradores.

Em 1717, era um dos principais arrematadores de subsídios, atuando inclusive nos três principais líquidos da
Câmara, o vinho, a aguardente e o azeite. Por esta época, a renda anual da cidade de São Paulo girava em
torno de quinhentos mil réis (R$ 64.385,00), dos quais trezentos (R$ 38.631,00), aproximadamente,
corresponderiam aos subsídios. Em concessão da arrematação dos subsídios por três anos, o capitão-mor
José de Góes e Moraes propôs construir a Casa do Conselho e a Cadeia pública, assim sendo, as edificou e
inaugurou.

Convertendo a renda da cidade de São Paulo no período, que era de 1.042 cruzados (416$800 réis ou R$
53.671,34) por mês, temos que a proposta de compra da capitania por 44.000 cruzados (17:600$000 réis ou
R$ 2.266.352,00 aproximadamente) corresponderia a 3,5 anos de arrecadação.

Enquanto a prospera cidadezinha de São Paulo prosseguia nas suas modestas ocupações e no seu parco de
viver, sucediam-se os descobrimentos auríferos fora do território paulistano, como das minas de
Paranapanema, que abrangia a formação dos municípios de Capão Bonito, Guapiara e Ribeirão Grande. Na
ocasião, o governador da capitania era D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, o qual, nesse ano de 1718,
atribuiu a José de Góes e Moraes o cargo de guarda-mor das ditas minas. Ao detentor deste cargo,
estabelecido pelo Regimento das Minas de 1702, cabia a repartição das terras auríferas. O cargo concedia
prestígio, pois afora o salário que lhe era devido, havia a perspectiva de maiores oportunidades para a
aquisição de terras preciosas em minério de ouro.

Retomou ao cargo de juiz ordinário, em 1736, por eleição estabelecida “ao primeiro dia do mês de dezembro
de mil setecentos e trinta e seis annos nesta cidade de sam paulo em as cazas do senado da camara". Embora
Pedro Taques afirme ter sido duas vezes eleito juiz ordinário, foi localizada a terceira ocasião escolhido para
tal cargo, em 1741.

Muitos anos depois, já velho e cansado, o bravo paulista ainda uma vez seria distinguido com a nomeação
para uma função pública: no final de 1759 procedeu-se a “eleição para fiscal da Real Casa da Fundição desta
cidade e saiu eleito por maioria de votos o capitão-mor José de Góes e Moraes em quem concorrem os
requisitos necessários para entrar a servir o seu trimestre que há de principiar a 14 de fevereiro de 1760 e
há de findar a 14 de maio do mesmo ano".

Aos 89 anos de idade, não mais teria condições de servir à sua terra natal. Por estar velho e doente, desistiu
do cargo, vindo a falecer aos 92 anos “acabando a vida em 1763, a 20 de agôsto, com testamento no qual
com humildade pediu que sem pompa funeral fôsse sepultado na capela da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo, onde, irmão professo, tinha jazigo próprio, em que descansam suas cinzas".

Na história de uma São Paulo setecentista, a figura de José de Góes e Moraes predomina curiosa como a do
indivíduo ousado, que fez fortuna na localidade de Carrancas, não hesitando em atirar-se a tipos de negócio,
em geral, só empreendidos pelos poderes públicos. Foi uma figura digna de seu tempo, de um tempo em
que o arrojo, a valentia, certa dose de aventureirismo eram condições básicas para se sobreviver em terra
que, apesar de sua fertilidade, vegetava na pobreza, forçando os filhos a irem buscar no sertão, inserto e de
muitos conflitos, os meios de riqueza e comércio de que necessitavam.

José de Góes e Moraes foi um desses bravos paulistas que participaram do movimento minerador,
internando-se no sertão sombrio que exigia a rijeza e tenacidade só concedida aos homens fortes. Dedicou
ao rendoso comércio de gado para alimentar os que extraíam o precioso metal, mas não se fixaria na região
mineira como tantos outros paulistas o fizeram. Voltaria fielmente para o lugar onde nascera, com o grande
cabedal que estrategicamente faria, quando escolheu com assertividade e sabedoria o “Paraíso Terreal em
que Adão foi criado”, sendo por consequência, e segundo os cronistas, um dos homens mais ricos de seu
tempo, assim registrado por Pedro Taques de Almeida PAIS LEME (1714-1777).

Seria a opulência de José de Góes e Moraes realmente notável? Com certeza, para os padrões da época.
Algumas poucas fortunas individuais contrastariam com a pobreza da Capitania para que os contemporâneos
as exaltassem, e talvez, até as superestimassem. Não obstante, mas necessário de se registrar, foi a riqueza
de seu vizinho em Carrancas, Diogo Garcia, casado com Julia Maria da Caridade, proprietários da Fazenda do
Rio Grande (1720) e de tantas outras, casal que deu origem, dentre outros, aos Garcias, Carvalhos, Villelas,
Reis e Figueiredos, detentores de um latifúndio superior a 15.200 hectares, teria declarado em 1762 os
seguintes dizeres em testamento: “...Declaro que os bens que eu possuo são uma Escritura em que se acham
declarados todos os bens do casal pela qual fiz venda deles a minha mulher Julia Maria da Caridade pela
quantia de cinquenta e três mil cruzados (“21:200$000 réis ou R$ 2.729.924,00”) cuja escritura se acha na
nota do Tabelião da dita Vila de São João...”, acrescido de dezoito mil cruzados (7:200$000 réis ou R$
927.144,00) de dotes para os filhos, totalizaria em 28:400$000 contos de réis (R$ 3.657.068,00 reais).

Fundação e ruinas da Fazenda do Rio Grande – Madre de Deus de Minas

Outro vizinho de grande cabedal seria José de Araújo Martins, proprietário da Fazenda Sesmaria (1720).
Imigrante da freguesia de São Tiago de Sabariz, arcebispado de Braga, conquistou perto de 16.000 hectares
de terra, além de outra propriedade próxima da sesmaria do capitão-mor José de Góes e Moraes, conhecida
como Fazenda do Ribeirão (1760). Portanto, a região das Carrancas produziu bravos e destemidos
afortunados que participaram diretamente da colonização de Minas Gerais.

Fazenda Sesmaria com a serra do Abanador de Carrancas no horizonte


José de Góes e Moraes contabilizou 80.000 mil cruzados (32:000$000 réis ou R$ 4.120.640,00), em sítios e
escravos, além de “algum dinheiro” em Lisboa, que correspondia a 60.000 mil cruzados (24:000$000 réis ou
R$ 3.090.480,00), segundo o Pe. Lourenço de Toledo Taques (Inventários e Testamentos, vol. 27, p. 173).
Tratava-se de uma fortuna considerável, pois o famoso Padre Pompeu teria em 1713, quando do seu
falecimento, sessenta mil cruzados (24:000$000 réis ou R$ 3.090.480,00), o que o deixa em acentuada
inferioridade em relação a José de Góes e Moraes (Cahn Herbert).

O curso da história teria sido alterado se José de Góes e Moraes tivesse consumado a compra da Capitania
de São Paulo? Temerário responder. O que não é temerário afirmar, seria que a sua maior riqueza foi ter
sido um dos primeiros colonizadores da gigante Carranca, cidade que deu origem a muitos descendentes do
vizinho arraial de São Vicente Ferrer, especialmente na pessoa de Antônio de Brito Peixoto (1696-1758),
casado com Maria de Moraes Ribeiro do Valle (1711-1794), fundadores do Sítio das Carrancas, também
conhecido como Fazenda das Bicas, em 1725. Seus descendentes diretos e indiretos, foram fundadores ou
proprietários por aquisição, de várias fazendas históricas na região, como Fazenda das Pitangueiras (1740),
Fazenda Joaquim de Araújo (1795), Sítio Pitangueiras da capela do Divino Espírito Santo (1755), Fazenda
Porto do Antimônio (1790), Fazenda Pinheiros (1830), Fazenda Monjolinho (1820), Fazenda do Baú (1795),
Fazenda Nova (1795), Fazenda Bela Vista (1850), Fazenda do Engenho de Serra (1780), entre outras.
Bibliografia

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Genealogia da Família Villas Bôas.

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Doutor Caetano da Costa Matoso sendo Ouvidor – Geral das de Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro
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Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – São João del-Rei.

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