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Comunicação, linguagem e

semiótica

Prof. Jeferson Ferro

Aula 5

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CONVERSA INICIAL

Olá, caro aluno!

Você não precisa conhecer a história que se conta aqui, mas você pode
entender isso a partir do que você já sabe. Isso pode ser mais difícil se você
nunca leu um livro ou uma história em quadrinhos, mas nunca é tarde para
começar!

Chegamos no momento da disciplina em que podemos ter como um


objeto de pesquisa o seguinte fato: Daenerys Targarien, a Khaleesi de Game
of Thrones (GoT), uma personagem feita de palavras (num livro) se
personifica em uma mulher (a atriz) que estrela uma ficção televisiva da HBO
(canal), que se tornou o audiovisual (mídia) mais pirateado (consumo) do
mundo pela Internet (rede).

Na videoaula disponível no material on-line o professor Jeferson irá


explicar a organização dessa aula!

CONTEXTUALIZANDO

Nesta rota iremos estudar a semiótica, e isso envolverá os seguintes


temas:

 A evolução da comunicação e o surgimento da Semiótica

 Como usar a semiótica nos estudos da comunicação

 Semiótica peirceana: ícone, índice e símbolo

 Semiótica da cultura: meios primários e secundários

 Semiótica discursiva: percurso gerativo do sentido

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O objetivo desta aula é possibilitar o início do desenvolvimento de uma
capacidade analítica sobre as imagens e os signos, de modo a despertar um
olhar crítico sobre as imagens que veiculamos.

Acesse a videoaula de contextualização no material on-line e Bons


estudos!

PESQUISE

A evolução da comunicação e o surgimento da Semiótica

De todos os meios que usamos para nos comunicar, a língua falada é


o mais antigo. Como você deve ter percebido ao longo desta disciplina, é
através do fenômeno da linguagem que transmitimos adiante as narrativas do
passado: via tradição oral, de geração em geração, os mitos, as ideias e o
início da própria história foram transmitidos pela linguagem.

A linguagem se manifesta por meio da língua (a fala), de imagens


(traços, desenhos, ilustrações) e também mediante gestos e sinais. O verbal
e o não-verbal.

Claro que só as palavras não eram o suficiente: para haver história,


era preciso a escrita. Por exemplo, antes da escrita, quando o mais sábio de
uma tribo morria, iam-se junto anos de conhecimento e saberes que
simplesmente se apagavam. A não ser que houvesse algum suporte a
aqueles saberes: as formas nas quais guardamos saberes complexos, além
do texto falado ou escrito, são as fábulas, as melodias, as estórias, os
desenhos (imagens, ilustrações, traços), os diagramas, as fórmulas
matemáticas etc.

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Do que é considerado bonito até o que representa um tabu, é através
de esquemas e modelos que adquirimos ideias e entendemos e organizamos
uma ordem moral e, ainda, conjugamos, destes todos, uma série de sistemas
de valores. Através desses sistemas de valores e ideias que vamos “medindo”
a nós mesmos, aos outros, e às coisas do mundo.

Nesse sentido, poderíamos dizer que as imagens, os textos e as


representações constroem nossos esquemas do mundo, juntos de uma
linguagem e uma língua que são repletas de tradições que herdamos,
apreendemos, ressignificamos e passamos adiante. Assim, língua e
linguagem são suportes, veículos ou meios que utilizamos para
comunicarmo-nos uns com os outros: desde uma canção a uma fórmula
científica, a linguagem está presente, transformando o que é pensamento em
algo concreto e material.

A lógica é mais ou menos assim: sem o pensamento, não haveriam as


pirâmides do Egito antigo. Primeiro elas foram imaginadas, pensadas,
sonhadas. Mas elas também não teriam sido edificadas sem o suporte do
conhecimento (sob a forma de textos e da língua).

O texto escrito é uma tecnologia: uma obra daquela magnitude


envolve uma série de cálculos e estudos, tudo foi deliberadamente obra de
uma racionalidade. É possível que o engenheiro ou os engenheiros do Egito
antigo fizessem cálculos sem escrevê-los num código e/ou em uma língua? O
Egito antigo foi uma das primeiras grandes civilizações letradas, e sua
presença permanece até hoje, milênios depois: as pirâmides são o exemplo
mais notório.

Por que estamos falando do Egito?

Bem, antes de começarmos, você já viu um hieróglifo? Segundo o


dicionário Houaiss, trata-se de uma “unidade ideográfica fundamental do
sistema de escrita do antigo Egito, que aparece nas inscrições sobre os
monumentos”.

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Tratava-se, pois, de um texto, mas sob a forma de uma ideia ou
desenho. É bem diferente de como escrevemos hoje em nossa língua
neolatina, que se apoia em um alfabeto fonético, no qual cada letra
representa um som. Letras em conjunto formam os sons das sílabas e é com
a junção de sons e fonemas em sílabas que formamos palavras, ideias ou
conceitos. São essas palavras e conceitos que terão um significado para
quem lê, ouve ou diz.

No Egito antigo o olho de Hórus era mais que a representação dos


olhos que representava:

A imagem nos mostra um desenho com frações: essa representação


de um olho humano e sobrancelha estilizados apresentam, ainda, um conjunto
de medidas. O exemplo significa, na sua completude – uma sofisticada
matemática que representava o todo de um conjunto chamado heqat – e cada
traço apontado tinha suas frações respectivas àquele todo. Se quiséssemos
representar meio heqat, precisaríamos desenhar aquele pedaço do olho onde
está escrito ½ – e não os números. Interessante não? Mas, sem as frações
legendando as partes correspondentes no desenho (agradeça ao Museu
Britânico de Londres – The British Museum e ao Museu do Louvre, de Paris),
nós entenderíamos que se trata de um desenho de um olho egípcio e nada
mais.

O desenho do olho de Hórus nos mostra um conjunto e um sistema


daquela antiga civilização que, dificilmente veríamos se não houvesse sido

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decodificado. Roman Jakobson explicou-nos que a língua é um código.
Portanto, comunicar-se envolve codificar e decodificar mensagens. Segundo
Ana Paula Machado Velho:

Para Jakobson, é o código que suporta todo o processo comunicativo;


sem um código não há comunicação efetiva [...] os enunciados só
podem ser apreendidos se “emitente e destinatário” dividem o domínio
do mesmo código (p. 255).

Na lógica do desenho egípcio, se o olho representasse mil gramas de


café, poder-se-ia encomendar um quarto de quilo de café (250 gramas),
representando-o com o desenho do ponto. E isso foi apenas a partir de um
ideograma/hieróglifo. Para isso deveríamos dominar aquele código.

Outra forma de codificação ou representação das medidas expressas


naquele desenho poderia ser sob a forma aritmética, representada em um
quadrado:

Um conjunto de hieróglifos que contenham toda essa quantidade de


informação em um desenho é algo aperfeiçoado ao ser codificado mediante
uma escrita, o suporte material da linguagem.

Ao representarmos pensamentos com palavras, estamos


materializando, via cordas vocais, sons que significam coisas e/ou ações:
estamos criando, ao mesmo tempo, um diálogo e uma tradução. Um diálogo
entre mente e corpo, e a tradução disso em um código sonoro que, portando
algum sentido. Cada sujeito que entenda a língua, escute ou leia isso irá criar

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uma imagem mental do que está sendo dito, outra tradução, estabelecida
durante a leitura ou escuta da palavra.

A palavra água pertence à língua, mas a expressão H 2O pertence a um


sistema linguístico em que as letras e números expressam elementos da
ciência da química.

Assim estamos começando a entender que a língua e a linguagem


são veículos, meios, suportes que utilizamos para explicar pensamentos e
ideias uns aos outros. Há ainda quem diga que comunicar seria um
deformar: transformamos um objeto ou ação em um verbo, uma palavra ou
conceito, e o outro (receptor/interlocutor), traduz isso de novo em sua mente.

O professor Décio Pignatari costumava comentar que toda a tradução


gera uma perda de significado: pelo mesmo motivo, Umberto Eco nos sugere
que sempre leiamos um autor na sua língua original. Parece exagero, mas
esse pensamento faz sentido se recordarmo-nos do sábio da tribo. Qualquer
outro que pudesse transmitir oralmente seus ensinamentos, iria fazê-lo a seu
modo.

Podemos pensar em cada língua como uma galáxia: carregaria consigo


uma visão de mundo, ou uma cosmovisão, pois uma galáxia é diferente da
outra. Por outro lado, nesse exemplo, as palavras seriam estrelas, planetas e
tudo mais que há em uma galáxia. Mas, assim como quem as hospeda, cada
astro é único. Se as estrelas desaparecessem, seria como se a galáxia se
apagasse, desaparecendo com ela uma cosmovisão.

Ao mesmo tempo, você já aprendeu até aqui que a escrita foi uma
tecnologia que permitiu fixar os conhecimentos (sem depender apenas da
oralidade). Assim que surgiu, a escrita ocupou-se de paredões de pedra, de
pedaços de couro ou fibra vegetal, de tabuletas em argila. Mas o texto escrito
em pedra mandou um recado ou um anúncio que dura uma eternidade: a
mensagem viajou no tempo e, milênios depois, podemos ler a antiguidade.
Desde então, fixamos nossos saberes em meios (o código e a pedra) que

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permitiram que imagens, ideias e conceitos viajassem no tempo. Em formatos
menores, como os papiros ou livros, o texto podia ainda viajar distâncias!

O texto escrito formalizava o mundo em verbo e, com isso, as


sociedades transformaram-se econômica e religiosamente. Por outro lado,
saber ler por ideogramas (ou representação pictográfica) hoje irá exigir que a
pessoa que fale mandarim, por exemplo, compreenda um mínimo entre 2.000
e 3.000 ideogramas (Kotaitai). Nós, brasileiros, usamos até 26 letras para
lermos o português. Percebeu a diferença? Nossa língua é como um software,
independentemente de ser Linux, Windows, Android ou iOS, todos os
dispositivos que os carregam fazem praticamente as mesmas coisas, que é
se comunicar uns com os outros.

Por outro lado, como falamos uma língua neolatina (derivada do Latim),
carregamos nesse “software” a seguinte lógica: tal coisa é tal coisa. Depois
adicionamos outro verbo a essa lógica, algo como é/está. Usamos o verbo
ser, no sentido de existir, que é singular. Assim nesta lógica: azul é azul e não
outra coisa. E é nessa lógica abstrata que configuramos o mundo e o
pensamento.

Sem a língua dizendo tal coisa é tal coisa, para nos referirmos a uma
pedra, precisaríamos mostrar a pedra. Sendo assim, a palavra “pedra”,
representa a pedra, ou, ainda, o signo “pedra”: portanto, um signo é uma
coisa que está no lugar de outra coisa, e é algo abstrato, racional, produto
de uma racionalidade.

Um signo pode ser uma palavra, um traço, um desenho, um símbolo e


até mesmo uma foto: formas diversas de representar a coisa pedra. Um signo
nada mais é que um sinal, um código que usamos para expressar algo que
não está ali: inclusive algo não-verbal, como um sentimento ou sensação.

A palavra semiótica vem do grego semeion – no sentido de “signo”,


“sintoma”. Na medicina antiga a semiótica era o repertório dos signos verbais

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e não verbais que indicassem uma patologia, uma doença. Mas, no campo
científico da comunicação, a semiótica ocupa-se da cultura e da linguagem.

Assim, a semiótica consiste no estudo dos signos. Foi no final do século


XIX e início do século XX que Charles Sanders Peirce (1839-1914) nos EUA
e Ferdinand de Saussure (1857-1913) na Europa começaram a produzir
uma ciência dos signos: o estudo dos signos e da linguagem.

 Os partidários de Peirce chamaram essa ciência de semiótica.

 Os adeptos de Saussure a chamaram de semiologia.

A corrente saussureana se notabilizou pela análise dos signos


linguísticos na vida social e seus sistemas, enquanto os peirceanos pensam
o signo sob a perspectiva da lógica e o signo na articulação do pensamento.
Ambas as correntes abriram sua análise também para outras formas de
representação, ou seja, imagens e sons.

Mas afinal, como funciona um signo? Como podemos nos referir a uma
coisa sem a termos por perto? Muitos pensadores se debruçaram sobre essa
questão e a maioria concluiu que um signo tem uma característica triádica, ou
seja, é dividido em três partes. É o chamado triângulo semiótico. Mas isso
deixamos para o nosso próximo tema.

Bem-vindos ao mundo dos signos: estamos todos nele, produzindo


cultura e, convidamos-lhe a interpretá-lo! Vamos à videoaula correspondente
a este tema? Você pode acessá-la pelo material on-line!

Pesquise a obra Evolução na Comunicação: do sílex ao silício, de


Giovanni Giovannini. Trata-se de uma obra que reúne vários pesquisadores
sobre a história da linguagem e da comunicação. Leia o capítulo 1, de Barbara
Giovannini: “Assim o homem inventou a comunicação”.

Agora acesse, em nossa biblioteca virtual, a obra: Comunicação e


Semiótica, de Alberto Puppi.

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http://ava.grupouninter.com.br/tead/hyperibook/IBPEX/798.html

Como usar a Semiótica nos estudos da Comunicação

Desde os anos 1960, a Publicidade tem flertado com a Semiótica das


imagens e das representações (que são os objetos de análise destes
estudos), principalmente pela influência dos estudos da linguagem por
Ferdinand Saussure e pelos textos de Roland Barthes (1915-1980).

Da escola europeia, Barthes procurava o estudo das significações que


podem ser atribuídas aos fatos da vida social concebidos como sistemas de
significação: imagens, gestos, sons melódicos, elementos protocolos
sistemas de parentesco, mitos etc. Ou seja, para a Comunicação, esses são
nossos objetos de estudo, e a Comunicação é um dos campos de pesquisa
da cultura e suas significações.

Para a Semiótica, interessam a publicidade, a moda, o design, tão


presentes no nosso dia, bem como o mercado midiático: o cinema, as revistas,
a música e o audiovisual, os espaços arquitetônicos das cidades e seus
museus, entre tantos outros.

Hoje é comum um tipo de pacote turístico em grandes cidades do


mundo no qual você pode fazer uma excursão para conhecer os cemitérios,
ou seja, aprender sobre a cidade e o lugar a partir de seus túmulos e os que
ali estão sepultados. Paris, Jerusalém, Buenos Aires e Roma são lugares
conhecidos por esse tipo de turismo, mas, trata-se de um fenômeno cultural
que gera receitas para o setor de Turismo e de preservação de monumentos,
lugares etc. em todo o mundo.

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É um fenômeno que pode ser estudado pela sociologia, pela economia,
pela arquitetura, pela história e, pela comunicação. E a nossa área poderia
explicar este tipo de turismo sob o ponto de vista da significação: porque é
cultura, é consumo, mas também é identificação, memória, gosto, afetividade
etc. São, ainda, lugares de despedida, de respeito e de tradição.

A semiologia pensa o signo e sua circulação nas sociedades, e o


signo é entendido dentro das raízes das ciências da linguagem e o
entendimento dos processos sociais (CODATO; LOPES, 2009, p. 206). Para
Fernand Saussure, linguagem é dividida em língua (langue) e discurso
(parole).

No esquema semiológico (europeu), há a dualidade


significante/significado. Outros autores têm utilizado as expressões
significante (a palavra pedra), significado (a imagem da pedra que se forma
em nossa mente) e referente (a coisa pedra).

O significante é o
aspecto sensível do
signo. Se estivermos O significado é a O referente é aquilo
falando, são os sons compreensão que ao qual estamos nos
que formam a palavra temos da mensagem. É referindo, trata-se de
pedra. Se estivermos a imagem que se forma um objeto. Se
escrevendo, é o em nossa mente dissermos a palavra
conjunto de sinais quando ouvimos uma pedra, o referente é a
gráficos que formam a frase. É um conceito. “coisa” pedra.
palavra pedra. É uma
imagem acústica.

Há situações em que um significante tem mais de um significado.


É o que acontece com as palavras que têm dupla interpretação (polissemia).

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Por exemplo, a palavra “bala” pode ser de revólver ou de comer. Manga
pode ser fruta ou pode ser manga de camisa.

A poesia é essencialmente polissêmica:

A semiologia se apresenta como a disciplina cujo método de trabalho


serve para formular hipóteses sobre os sentidos possíveis das
mensagens, das formas e das práticas significantes (CODATO; LOPES,
2009, p. 207).

Nesse entendimento, as práticas significantes terão sempre a


dualidade significante-significado. Compreendemos essa dualidade
acontecendo nas relações sócio-históricas, nas quais as narrativas emergem
da significação. Nesse sentido, os textos surgem de contextos: a denotação
e a conotação possibilitam a construção de significações.

Segundo Saussure, os signos são entendidos dentro de um contexto


social, ou seio da vida social. Complementando as acepções acima, temos,
ainda, que a semiologia estuda diversos objetos da cultura, como o teatro, a
literatura, o cinema, as artes sob a noção de sistemas de signos.

LOPES e CODATO também chamam a atenção para ao leitor: o texto


(ou a significação) constituem um processo no qual o leitor tem o papel de
criar novas formas de interpretação a partir de suas próprias experiências
(2009, p. 208).

Para entendermos a linguagem é preciso desconstruirmos a


linguagem, para daí extrair os discursos que dela emergem (exemplo: como
a mulher é representada em regimes patriarcais). Assim, entendem-se os
discursos como esquemas de paradigmas enunciativos.

O que seriam os paradigmas enunciativos? Os discursos (textos) que


emergem dos sistemas de significação dos fatos da vida social (Barthes):

A transmissão de mensagens, a circulação de informação, a produção


social da significação, processos que são realizados pelos sujeitos que
se comunicam e os enunciam [...] cabe ao leitor construir, desconstruir,

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interpretar, avaliar, apreciar ou rejeitar as significações (CODATO;
LOPES, p. 209).

Você já observou que apresentamos algumas palavras novas aqui?


Vamos fazer uma pausa para conhecê-las?

 Denotação
Tem vínculo direto de significação, ou seja, é o sentido literal de uma
palavra. Há uma relação significativa com o objeto. Se eu falo peixe, você
pensa em peixe e não uma cruz. Tem relação direta com o referente,
designando e assinalando o referente e não outra coisa.

 Conotação
Sugere implicação, associações de atributos implícitos em seu significado,
associações linguísticas de diversos tipos (linguísticas, fonéticas,
semânticas). Em outras palavras, conotação é uma significação associada (e
implícita) ao referente, um conjunto de alterações ou ampliações que uma
palavra agrega em seu sentido literal.

 Paradigma
É um modelo, padrão, esquema ou conjunto de formas vocabulares que
servem de modelo padrão. Pense nos verbos criar, agir e tecer no modo
verbal do futuro do pretérito, assim, você irá perceber o modelo/paradigma
deste modo verbal.

Para a semiologia, construímos nossas significações a partir dos


esquemas apresentados no quadro que você acabou de ler. Temos visto, até
aqui, que os estudos da semiologia se constituem de abordagens de cunho
estruturalista: entende a língua como uma instituição social, que emerge
ou estrutura todo um sistema. Para LOPES e CODATO, trata-se de:

Uma ferramenta para se compreender e ver a comunicação, permitindo


observar e descrever rigorosamente diversos fenômenos do sentido
[...] em suma, a análise interna dos discursos, a da dimensão
interdiscursiva e das construções simbólicas da interação social (2009,
p. 208)

Vamos compreender melhor o conteúdo deste tema? Acompanhe a


videoaula disponível no material on-line!

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Semiótica Peirceana: ícone, índice e símbolo

Peirce: tipologia dos signos baseada na relação entre


significante e referente

A abordagem de Peirce tem relevância aos estudos do campo da


publicidade porque o publicitário é alguém que trabalha basicamente com
narrativas, ou seja, cria, manuseia, brinca, traduz, bagunça e manipula os
signos. Outras áreas criativas fazem o mesmo, como os músicos, os poetas
e compositores, artistas, escultores, artistas digitais, entre tantos outros.

Trata-se de uma filosofia da lógica: como visto antes, trata-se de


entender como produzimos os signos. A semiótica ocupa-se da cultura, e a
definição desta para o ser humano. Os estudos de Peirce trabalham com o
modo de produção do signo, do raciocínio e seu vínculo com a realidade à
qual o signo se refere, bem como com o entendimento do interpretante, que
veremos adiante. Ainda, é o estudo do modo de produção do signo, tendo em
vista a relação entre a imagem acústica e os objetos, coisas e situações que
conhecemos.

Além da semiose, existe um mundo – real – que não pode ser


“alcançado”.

Por exemplo, a expressão “a ponta do iceberg” indica tanto um objeto


como uma ideia. Assim, existe um signo que significa que há muito mais
embaixo.

Note-se que nesta expressão, o que está debaixo do iceberg, não é


uma “coisa”: segundo Santaella, trata-se de algo imaginado, figurado, e não
pode ser apropriado com um objeto. Para ela um signo é, ao mesmo, tempo,
dependente e independente do nosso pensamento.

O signo está mais para inferência, implicação do que para equivalência.


O signo é o representamen. Ainda, um signo compõe-se de uma relação
triádica:

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Então a semiótica tem como fundamento o estudo dos signos como
fenômeno da mente. Mas, a que os signos se referem?

Temos visto que um signo pode se referir a qualquer coisa que nos
produza um pensamento: uma imagem, um gesto, um som, um lugar, uma
atitude – que representa outra coisa, chamada de objeto do signo: “que
produz um efeito interpretativo em mente real ou potencial, efeito este que é
chamado de interpretante do signo” (SANTAELLA, 2008, p. 8).

Para Peirce, a ideia de signo expressa uma relação que é triádica:

 O signo relaciona-se consigo mesmo (poder de significar).

 O signo se refere à alguma coisa, aponta, indica, representa e se


refere.

 O signo produz efeitos, tipos de intepretação que o signo pode


despertar nos usuários.

Um aspecto importante da semiótica é a necessidade do intérprete, a


mente que percebe e experimenta um conceito, chamada de interpretante.
Só temos signos quando existem pessoas para interpretá-los. Qual seria o
significado de uma árvore caindo em uma floresta deserta? Nenhum, pois não
há ninguém ali para interpretar esse fato.

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Lembre-se que a percepção é algo individual, subjetiva e que depende
de cada sujeito: algo como perceber a cor vermelha. A experiência envolve o
indivíduo e suas inúmeras interações no tecido social, que lhe permitem
adquirir saberes, conhecimentos experiências: como reconhecer a cor
vermelha como a cor do sangue. A convenção é algo que não pertence a um
indivíduo, mas a um coletivo. Trata-se, pois, de um saber em comum.

No trânsito, convencionou-se que o sinal vermelho indica que devemos


parar, extrapolando o estímulo fisiológico da percepção da cor vermelha,
atribuindo-lhe um significado e um simbolismo que representa uma ação.

Segundo nos explica Santaella, a definição peirceana do signo incluirá


três teorias: a da significação (signo em relação a si mesmo), a da
objetivação (se refere à alguma coisa) e da interpretação (produz um efeito
interpretante).

Essa perspectiva do signo como uma relação triádica colocou a


semiótica no campo da fenomenologia, como aponta SANTAELLA:

É desta que advém a possibilidade de se considerar os signos e


interpretações de primeira categoria (meros sentimentos e emoções),
de segunda categoria (percepções, ações e reações) e de terceira
categoria (discursos, pensamentos abstratos), que tornam muito
próximos o sentir, reagir, o experimentar e o pensar (op. cit., p. 11).

Mas, voltemos ao triângulo semiótico: iremos abordar agora a


propriedade da relação do signo e o que ele aponta – o objeto.

Quando o signo aponta, representa, referencia-se a um objeto, coisa,


situação ou sensação, ele irá adquirir os seguintes nomes:

 Se o signo sugere e evoca uma qualidade, será um ícone.

 Se o signo indica e aponta para algo que existe, será um índice.

 Se o signo representa uma lei, será um símbolo.

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Lembrando que, para Peirce, o signo sempre irá estabelecer uma
relação triádica, estaremos examinando as três possibilidades do signo em
relação ao objeto: qualidade, existência e lei.

Ícone:
Para ser um signo do tipo icônico, ou ícone, o signo precisa apresentar
semelhança com o objeto representado, ou ser igual ao objeto, como uma
cópia e, às vezes, é o próprio objeto.
Exemplo: quando você vê a cor verde, e pensa apenas verde. Um ícone
não gera um pensamento de causa-consequência (verde = floresta), por
exemplo. Um ícone é igual ao objeto, apenas isso. Verde é a cor verde.
Vermelho é vermelho, e nada mais.

Índice:
Para ser um signo do tipo indicial, índice ou index, o signo precisa
apresentar ou apontar para o objeto, não é o objeto ao qual faz referência,
mas está, sim, ligado ao objeto: a sombra de uma pessoa aponta para a
pessoa, não é a pessoa, mas está ligada a ela. O índice é um traço do objeto,
mas não o objeto.
O índice vai apresentar uma relação de causa-efeito. A lua cheia é
cheia porque há o sol iluminando-a, então a fase cheia da lua é um índice do
sol. Uma foto de uma pessoa aponta para a pessoa. Um termômetro indica a
temperatura. Uma bandeira tremulando aponta que há vento e sua direção.

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Onde há fumaça, há fogo: situações em que o signo, o índice, está ligado ao
objeto e faz referência ao objeto.

Símbolo:
Trata-se de um signo que tem força de lei, de regra ou de normas, pois
foi convencionado. Associa-se ao objeto de modo a lhe extrapolar o
significado (por exemplo: o semáforo vermelho sendo usado para representar
e explicar atitudes para evitar em um surto de gripe).
Tudo pode ser simbólico quando se tratam de palavras, pois a língua é
uma convenção que utilizamos para nos comunicarmos. Todas as línguas
possuem regras, leis, modos de dizer. Trata-se de uma abstração que só faz
sentido se ocorrer. Por que não se ultrapassa o semáforo vermelho no
trânsito? Bem, você já sabe. Então, como algo simbólico, a norma tem uma
natureza operativa: são abstrações que operam ações, ideias e conceitos.
A paz representada pela pomba, o determinado som do apito num jogo,
os desenhos do calçadão de Copacabana, um envelope na caixa de e-mail, o
símbolo do navegador da Internet, uma menina desenhando no ar a marca de
um banco: todas as coisas que adquirem um caráter de convenção são
simbólicas.

Lembre-se: os signos podem ter múltiplas acepções e são variáveis,


modificam-se constantemente e se transformam. Um signo é um signo que
gera outro signo, que pode gerar outro e outro e outro mais, e assim por
diante. Por outro lado, “nenhum signo pertence exclusivamente a um tipo
apenas: iconicidade, indexicalidade e simbolicidade são aspectos presentes
em todo e qualquer processo sígnico” (SANTAELLA, 2008, p. 42).

Vamos, agora, para mais uma videoaula! Acesse o material on-line!

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Semiótica da Cultura

Em voga desde os anos 1960, a semiótica da cultura é um campo


importante. Vimos até aqui que os estudos dos signos acontecem sob
influência de Peirce (norte-americano) e da Escola europeia (Saussurre,
Barthes, Greimas, Jakobson).

Mas, em virtude da diversificação dos estudos semióticos, estava em


ascensão, nos anos 1960, a Escola Russa, ou a Escola de Tártu-Moscou. A
partir dos estudos literários de Vladimir Propp e suas teorias sobre as fábulas
e o folclore, a Escola de Tártu-Moscou partiu para os estudos da cultura, a
partir da semiótica, sob a figura de Iuri Lotman – que começara estudando
autores russos (literatura) e acabou por se interessar “pela maneira como as
ideias filosóficas, os modos de ver o mundo e os valores sociais incidiam sobre
a estética da produção cultural” (VELHO, p. 251).

Para esses estudiosos, a cultura é entendida como memória não-


genética: um conjunto de informações que os grupos sociais acumulam e
transmitem por meio de diferentes manifestações do processo da vida, como
a religião, o direito (leis), formando um “continuum semiótico” sobre o qual se
estrutura o mecanismo das relaçoes cotidianas.

A autora ainda comenta que a Escola de Tártu-Moscou foi influenciada,


através de Iuri Lotman, pelas perspectivas da cibernética: a cultura é uma
inteligência coletiva, dentro de um sistema complexo de programas de
comportamento (VELHO, p. 250).

Para Lotman, a cultura pode ser entendida como um sistema de


relações que une diferentes linguagens (ou seja, estruturas semióticas) a
diferentes individualidades em um todo pensante. O conjunto desses fatores,
algo que constitui uma inteligência coletiva, é chamado por Lotman de
semiosfera.

Lotman afirma, ainda, a dinâmica da cultura como algo que se


transforma perpetuamente, assim como os signos propostos por Peirce.

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Segundo Lotman “a riqueza de conflitos internos assegura à Cultura como
raciocínio coletivo uma flexibilidade e um caráter dinâmico extraordinários”
(LOTMAN, 1996, p. 41).

Na semiótica da cultura de Lotman, a semiosfera irá se dividir em


sistemas modelizantes primários e secundários. “Um sistema modelizante é
“um código, linguagem com signos representandos toda uma esfera de um
objeto de conhecimento, descoberta ou regulação” (NÖTH, 2007, p. 88). Os
signos primários são signos criados pelos homens para serem signos:
palavras, desenhos, símbolos, sinais de trânsito. Signos secundários são
coisas que foram transformadas em signos. O arroz, por exemplo, é só um
alimento. Mas no casamento, quando é jogado sobre o casal, ele representa,
em muitas culturas, a fertilidade. O automóvel é apenas um meio de
transporte. Mas uma BMW é um símbolo de status, de que seu ocupante é
uma pessoa com alguma riqueza. Um pombo é apenas uma ave, mas nas
manifestações pacifistas ele se torna um símbolo da paz e da liberdade.

Assim, no sistema modelizante secundário teríamos os textos


mitológicos, religiosos, legais, ideológicos e literários (NÖTH, 2007 p. 88),
assim, secundariamente, o arroz, a BMW e o pombo cria uma linguagem de
segundo nível, além da linguagem natural.

A semiosfera vai envolver o mundo dos mitos da arte e religião, ao


mundo dos traços do desenho, da luz, de uma fala. Para Ana Paula Machado
Velho a semiosfera seria, então:

Um ambiente com elementos (códigos culturais) significantes,


disponíveis de serem acessados (combinados), que vai dar condições
às representações, sistemas de signos que vão dar suporte à
reprodução e manutenção da cultura (2009, p. 255).

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Semiosferas de Lotman no arranjo de seu universo da mente

Como os fenômenos
Esfera Fenômenos
são percebidos
Superestrutura
(muitas) semiosferas Cultura (metáforas, suplementar; segundo
secundárias mito, arte, religião) nível de sentido;
comunicação
Signos que representam
o mundo e têm um
(não-metafórico)
Semiofera primária snetido primário;
gestos, linguagens
existência da
comunicação
(não-semiótica) Vida, sintomas, mas não
Seres vivos
biosfera comunicação
Objetos “são como eles
(não-semiótica) esfera
Objetos são”, sem semiotização,
dos objetos
sem significado cultural
Fonte: NÖTH in Machado. Semiótica da cultura e semiosfera. 2007, p. 88

Na semiosfera primária temos o texto, a linguagem natural, onde a


língua modeliza a realidade. É é partir da linguagem que criamos o nosso
mundo (lembra-se das pirâmides?) e, portanto, a cultura, que constitui, por
sua vez, a semiosfera secundária, o campo do simbólico:

Os sistemas estão expostos a infinitos movimentos de organização que


têm como função processar as informações, as demandas que surgem
de fora, do ambiente e de outros sistemas. Essas informações que
entram no espaço semiótico de determinado indivíduo ou grupo são
armazenadas por ele e sofrem um processamento. A partir do
repertório disponível na realidade de cada um, os dados são
reelaborados, reconformando-se em signos, em textos que estejam em
sintonia com a sua experiência semiótica (VELHO, 2009, p. 254)

A cultura seria, então, um grande texto, composto de unidades


menores. O fenômeno da dança, por exemplo, é uma linguagem, um sistema

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semiótico cuja esfera primária é o código cinético (de movimentos, gestos).
Na dança existe, ainda,

[…] uma codificação da esfera da cultura que modeliza o sistema como


um texto. Assim, uma dança de um ritual específico não se confunde
com uma dança de uma performance num espetáculo de
entretenimento. Ambos são realizações de um sistema semiótico;
contudo, trata-se de textos culturais distintos (NAKAGAWA et al, in
MACHADO, 2007, p. 31).

Como estamos no país do carnaval, podemos pensar o campo de


cultura a partir da riqueza das misturas, mesclas e hibridismos da cultura
brasileira, sobretudo no Carnaval. O Carnaval é quando as fronteiras do
sagrado e do profrano se misturam: na Sapucaí, no Rio de Janeiro, a dança
acontece enquanto entretenimento (o desfile da escola de samba) e, ao
mesmo tempo, ritualizada (o famoso recuo da bateria).

É frequente as escolas de samba homenagearem os indígenas, o povo


brasileiro e as nações africanas. Mas, ao citar estas diferentes tradições, e em
nome do espetáculo, esses povos aparecem de maneira estereotipada. No
caso dos indígenas, a chamada de um vídeo do carnaval de 2015 pela Rede
Globo é inusitada: “na Sapucaí, os índios do Salgueiro deixam a realidade”.
Como se trata de um espetáculo, raramente acusa-se uma escola de samba
da ideia de uma apropriação cultural.

Por que os “índios do Salgueiro” deixam a realidade? Porque não são


índios? Porque a dança não é ritualizada, é uma homenagem? Outras
questões poderiam emergir, mas, por outro lado, não se tratam de indígenas,
são índios do Salgueiro e, mais além, são bailarinos dançando pela escola de
samba Acadêmicos do Salgueiro.

Ainda, trata-se da Comissão de frente da escola de samba, algo


ritualizado no Carnaval do Rio de Janeiro. As comissões de frente das escola
de samba, assim com as alas, recebem um nome, outra caraterística do ritual
do desfile de carnaval do Rio de Janeiro. O vídeo informa no seu lettering que
a comissão de frente do Salgueiro chamava-se “Delírio Ancestral”.

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A reportagem da Rede Globo, portanto, ‘brinca’ ou ‘joga’ com esta
informação em seu título: se trata-se de um delírio ancestral, aqueles não são
indígenas, são, antes, um delírio! Não representam as mais de 240 nações
indígenas do país, mas, sim, a escola Acadêmicos do Salgueiro. Isso em cinco
minutos de vídeo! Imagine, agora, analisar os enredos, as alas, as cores, as
fantasias e figurinos, a música e a plateia de um desfile?

Os estudiosos da semiótica da cultura resolveram se aventurar a


entender os contextos destes fenômenos todos em sua complexidade. Por
outro lado, os espectadores também estão ali entendendo, cada um à sua
maneira, a complexidade de um desfile de Carnaval enquanto fenômeno da
cultura e da semiosfera. Os carnavalescos também, ao adaptar, traduzir,
misturar e criar um desfile que tenha um pouco de história, de enredo, de
direção de arte, de estudo, de adequação às cores da escola, entre tantas
outras coisas.

Análogo ao fenômeno do carnaval, a semiótica da cultura estabelece


essas complexidades, buscando codificá-las e decodificá-las, bem como
entender como novas codificações emergem quando as fronteiras das
semiosferas (lá do quadro do Lotman) se chocam. Portanto, futuro publicitário:
“Pare, olhe, escute!”, como no comentário do personagem do filme “O diabo
veste Prada”.

No mesmo filme, há uma cena em que Andy, a personagem de Anne


Hathaway, diz que dois cintos azuis parecem iguais. A resposta de Miranda
(Meryl Streep) à moça (Anne Hathaway) no filme só faz sentido dentro do
contexto da semiosfera ou da semiótica da cultura: “Você acha que nada aqui
tem a ver com você?”.

O fato de Andy rir dos cintos porque, para ela, são basicamente o
mesmo tom de azul, deve-se ao fato de ela não conhecer aquela cultura,
aquele sistema de signos, algo que depois é prontamente explicado por
Miranda (assim, Andy passa a ser inclusa naquele sistema) em uma
linguagem que traduz um fenômeno complexo (a indústria da moda e as cores

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escolhidas) de maneira que Andy entenda alguma coisa do que Miranda está
falando.

Ao mesmo tempo, Miranda cita alguns estilistas famosos (Oscar de La


Renta, Yves Saint Laurent) que, mesmo que não você não os conheça, vão
embasar aquela resposta. Mas, naquela mesma cena, Miranda fala sobre o
suéter da moça, em que diz que foi comprado em uma liquidação de uma loja
popular, e isso é algo que a maioria dos espectadores irá se identificar de
imediato (comprar algo em uma liquidação em uma loja), trazendo para perto
do nosso contexto um desconforto análogo ao de Andy.

Em poucos minutos, conhecemos um fenômeno complexo (a moda)


por meio da cor de coisas banais como um cinto e um suéter comprado em
uma liquidação e nos empatizamos com a personagem que não sabia da
história daquele tom de azul!

Caso você tenha alguma dúvida, agora é o momento de saná-la:


assista à videoaula disponível no material on-line!

Semiótica discursiva: percurso gerativo do sentido

Você pode usar a semiótica para “ler” um edifício ou uma praça, para
interpretar o percurso de uma pessoa em um shopping, a experiência e o
ambiente de uma loja ou vitrine, a disposição de um produto em uma
prateleira, a embalagem e o anúncio, uma música etc.

Para tanto, é necessário conhecer: o sentido do que está sendo dito,


como, por quem, para quem, em que contexto etc. Essas perguntas têm sido
elaboradas desde a antiguidade e, quando dizemos isso, estamos falando dos
filósofos da Grécia antiga, entre tantos outros, como você tem visto nas
diversas aulas desta e de outras disciplinas.

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Em se tratando da filosofia da linguagem, a semiótica examinou o que
se chama de percurso gerativo de sentido, de Greimas e dos estudiosos de
suas teorias, dos quais deriva a semiótica discursiva. As abordagens são de
diversos autores, mas, se você quiser pesquisar sobre isso, eles são, na sua
maioria, da perspectiva estruturalista.

Já aprendemos que um sistema é uma estrutura: para os semioticistas


da tradição europeia, a língua é um sistema porque tem uma organização
interna e, por isso, chamada de estrutura. Esta perspectiva entende a
linguagem sob o ponto de vista de como ela funciona. Tem a ver, portanto,
com a semântica, ou o estudo do sentido. Daí residem duas abordagens:

A organização interna da língua é entendida por sincrônica: a língua é


um sistema de peças relacionados entre si: as palavras e as inter-relações
que se estabelecem entre o significante e o significado.

A língua evolui, se transforma, é dinâmica, é, portanto, diacrônica,


perspectiva que vê a língua como algo em mudança: convenções que estão
em transformação, pelo seu uso e desuso na língua e, pela ideia de oposição.

Por exemplo, a ideia de claro, para funcionar, é porque está em relação


a ideia de escuro: esta oposição, no âmbito dos conceitos claro e escuro, faz
com que entendamos um signo em seu valor relativo (é verdadeiro, é falso, é
positivo, é negativo). Assim, claro é associado ao dia, e escuro é associado à
noite.

Ou ainda, para a palavra “escuro”, o signo noite é positivo (V) e dia é


negativo (F). Já para a palavra “claro”, o signo noite é negativo (F) e dia é
positivo (V). Entretanto, alguns signos se transformam complemente com o
seu uso/desuso em um sistema. Quem pensou sobre isso antes de nós? Bem,
no caso da semiótica, foram Saussurre e Greimas.

O sujeito que articula uma fala e o sujeito que a recebe estabelecem,


nessa relação dentro deste sistema/estrutura, os aspectos dos sons da língua

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e o contexto em que estão sendo utilizados. Você se lembra do esquema de
Jakobson?

Na estrutura linguística (língua e discurso) há o sentido das palavras e


a interpretação das sentenças e dos enunciados. Leia a seguir:

João comprou uma cadeira.

João comprou uma Barcelona.

Bem, se considerarmos apenas o componente do sentido das palavras


do que João comprou, teremos cadeira e, Barcelona (entretanto, não se trata
da cidade). Agora, pesquise os termos “cadeira” e “Barcelona” na Internet. O
que João comprou? Um objeto de design popular cujas formas surgiram em
1929!

Na superfície desse enunciado, cadeira e Barcelona podem ter


sentidos diferentes, mas também dizem respeito a objetos que significam uma
cadeira, entretanto, uma cadeira é genérica (superfície) e a outra, tem uma
narrativa (design). Logo, não são as mesmas cadeiras.

A primeira etapa do percurso gerativo simples da língua (cadeira


significar cadeira), tem algo de concreto e é arbitrário. O segundo nível é a
estrutura da narrativa (acontecer no tempo).

Diferentes elementos no nível de superfície podem também


significar a mesma coisa. Fiorin, em Elementos da análise de discurso
(1999) vai explicar que o percurso gerativo de sentido envolve um método
para explicar o entendimento de um discurso. Os discursos podem ser:

 Concretos – constituídos por figuras, ou figurativos – o iceberg (a


palavra e a imagem)

 Abstratos – constituídos por temas (escalar o iceberg é superar os


obstáculos)

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Para construirmos discursos e entendermos, utilizamos do percurso
gerativo de sentido. Para Fiorin, existem três níveis de percurso: profundo
(fundamental), narrativo e discursivo (1999, p. 17):

Nível fundamental: já vimos que o nível fundamental diz respeito à


língua em si, significa compreender o que uma palavra significa, por exemplo,
através das operações da validade de uma palavra e de seu valor relativo
(positivo, negativo etc.).

Nível narrativo: no nível narrativo, opera-se no tempo. O enunciado


funciona no sentido de definir mudanças de estado (enunciados de estado),
que envolvem operações de disjunção ou conjunção.

Veja o exemplo:

 João é feliz. =   há uma conjunção entre o verbo “ser” e o sorriso,


eles “concordam”.

 João não é feliz. = ☹  há um disjunção (negação) entre o verbo “ser”


e o “sorriso”, eles “discordam”.

Há ainda o enunciado de fazer, em que existem transformações no


enunciado:

 João ficou feliz após comprar a Barcelona.

Nível discursivo: por último, temos o nível discursivo, em que os


textos podem ser figurativos, ou seja, representam o mundo: são textos que
produzem o que os autores vão chamar de “efeitos de realidade”.

No nível discursivo o percurso gerativo o texto pode ainda ser temático


(explica, classifica, ordena a realidade por relações/associações). Escalar o
iceberg pode significar, também, superar um obstáculo – uma conquista: há
uma relação de dependência entre uma coisa e outra. É preciso entender a
percepção de como estes temas se encadeiam, do nível mais simples ao mais
complexo. O texto temático tem função interpretativa, ou predicativa.

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Ainda, para funcionar nesta perspectiva, precisamos hierarquizar os
enunciados (estado e fazer) em uma sequência chamada de canônica.
Vários autores trataram do assunto e aqui elaboramos um resumo:

 Manipulação
Um sujeito age sobre o outro no sentido de fazê-lo querer ou fazer algo:
tentação, intimidação, sedução, provocação.

 Competência
Em toda a narrativa, o sujeito que realiza a narrativa possui um saber
ou pode fazer algo.

 Performance
Toda a enunciação é performática, pois ao falarmos ou dizermos algo
estamos produzindo consequências.

 Sanção
Constatação da performance.

Nem toda esta sequência aqui apresentada precisa acontecer nesta


ordem, pois, tal qual o signo, os textos narrativos podem misturar essas
categorias, ou uma prevalecer sobre a outra.

Vamos à videoaula deste tema? Acesse o material on-line.

TROCANDO IDEIAS

O que seria a dimensão interdiscursiva?

É a seara da poesia, caro estudante! Existem línguas dentro da língua,


dialetos, regionalismos, entre tantas outras coisas. Ouça a música Língua, de
autoria de Caetano Veloso (1984):

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https://www.youtube.com/watch?v=tX7cqBreLUY

Agora, aproveite para pesquisar possíveis interpretações para ela e


compartilhar essas interpretações com seus colegas no fórum!

NA PRÁTICA

Pesquise e assista ao comercial do perfume Flora, da Gucci, dirigido


por Chris Cunningham. Depois disso, reflita:

 Quem é o sujeito enunciador?

 Qual a narrativa: figurativa ou temática ou ambas? Em quê aspecto?

 Qual a função do áudio?

 E as cores?

 O que há de icônico, indicial e simbólico?

Algumas informações para lhe ajudar na interpretação:

 A música é uma versão de I feel love, de Donna Summer.

 As imagens do vestido da atriz, que fazem um efeito caleidoscópico


remetem ao teste de Rorschach.

SÍNTESE

Nossa quinta aula está chegando ao fim.

Até agora vimos que o fenômeno do signo está presente em todas as


culturas, sociedades e pessoas. Entretanto, as fronteiras do cultural implicam
ignorar as influências do ambiente e nossas heranças biológicas – instinto,

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por exemplo. Estamos chegando na era em que estamos tentando entender
não só a nossa linguagem, mas também a de outras espécies: uma abelha
tem um aparato sensorial bem distinto do Homo sapiens sapiens. Esses
aparatos recebem/emitem signos à sua maneira. A mesma coisa os cães e os
golfinhos.

Nesta ideia, subjaz o conceito de que todos os espécimes do mundo


construiriam seus próprios signos. Ainda, há algumas décadas que o campo
da cibernética e da informática têm estudado a semiótica, tendo em vista sua
aplicação em apps, sites, programas, entre outros.

Em virtude da multiplicação de nossas redes existenciais (família,


trabalho, escola, sociedade, redes sociais, gostos, Internet, transportes),
nossas interações aumentaram exponencialmente no século XXI. Sistemas
informáticos autômatos que “conversem” conosco, entendam comandos e, ao
mesmo tempo, gestos (telas touch) e metáforas (expressões, buscas, cultura)
são essenciais.

Caro estudante, chegar até aqui foi mais uma etapa dos seus estudos
de Comunicação, Linguagem e Semiótica. Depois de terminar este módulo, é
bastante provável que você estará enxergando o mundo de novas maneiras!

Vamos acessar o material on-line para recapitular o conteúdo desta


aula!

Referências

BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2008.

CODATO, H.; LOPES, F. M. E. Semiologia e semiótica como ferramentas


metodológicas. pp. 206-14. In: DUARTE, J.; BARROS, A. Métodos e
técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

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ECO, U. História da Beleza. Rio de Janeiro: Record, 2011.

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JAKOBSON, R. Linguística e Comunicação. 24. ed. São Paulo: Cultrix,


2007.

LOTMAN, I. M. La semiosfera I: semiótica de la cultura y del texto. Tradução


de Desiderio Navarro. Valência: Frónesis Cátedra, 1996.

MACHADO, I. (org.). Semiótica da cultura e Semiosfera. São Paulo:


Annablume/Fapesp, 2007.

NÖTH, W. Iuri Lotman: cultura e suas metáforas como semiosferas auto-


referenciais. p. 81-96. In: MACHADO, I. (org.). Semiótica da cultura e
Semiosfera. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2007.

NÖTH, W. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. 4. ed. São Paulo:


Annablume, 2009.

PUPPI, A. Comunicação e semiótica. Curitiba: Ibpex, 2009.

SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo:


Iluminuras, 2008.

SANTAELLA, L. O que é semiótica. 28. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2009.

SANTAELLA, L. Semiótica aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

VELHO, A. P. M. A semiótica da Cultura: apontamentos para uma


metodologia de análise da comunicação. Rev. Estud. Comunicação, Curitiba,
v. 10, n. 23, p. 249-257, set. /dez. 2009.

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