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Aula 3 Além deste autor, veremos as relações entre

língua e poder com base na perspectiva


discursiva de Michel Foucault. Tal filósofo foi
o responsável por deslocar as noções
estruturais do signo e trazer para a cena a
Cultura e Linguagem questão do sujeito, do poder e do discurso
O objetivo é mapear os principais conceitos
1
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4
53
desses pensadores para municiar os alunos
de perspectivas sólidas sobre os estudos da
linguagem, a fim de que se abram para a
discussão das relações entre sujeito, cultura
Prof. Cícero Villela e realidade

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Conversa Inicial Signo e Realidade

2 5
53 53

2 5

Cultura e representação Signo e realidade

Nesta aula, abordaremos a concepção de


Neste tema, vamos fazer um breve esboço
língua de Ferdinand de Saussure, pai da
histórico sobre as reflexões acerca da
linguística moderna, responsável por conferir
linguagem em diferentes momentos
estatuto científico para a linguística e
históricos para, com isso, situarmos o debate
3 6
53 53

pensador fundamental para o campo do


e as elaborações de Saussure
pensamento psicanalítico sobre a linguagem

3 6
No século I a.C., os estoicos elaboraram uma
teoria da linguagem
O avanço da modernidade fez com que
Podemos perceber que essas ideias se algumas concepções de língua avançassem. A
relacionam com as questões de noção do cogito cartesiano abre a
representação, já que a língua está sempre possibilidade de separação entre sujeito e
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atrelada ao mundo, isto é, “à coisa”, sendo 10 objeto, radicalizando a separação entre
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que as palavras e as expressões proferidas 53

mundo e língua, ou entre ideia e realidade


devem ser verificadas de sua realidade por
meio do apontamento da coisa no mundo

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Foi com a gramática de Port-Royal (1660)


que tal concepção tomou forma. Para o grupo
É o que podemos chamar de uma teoria de pensadores, há de um lado as ideias e, de
veritativa. A língua está ligada às condições outro, o mundo, a realidade a ser captada por
de verdade de suas expressões. Tais essas ideias. A linguagem é o elemento que
condições são atestadas empiricamente por media esse contato, interferindo na relação
entre pensamento e ser das coisas. Nesse
meio do olhar, do sentimento e da elaboração
8 11 caso, a linguagem é um elemento útil, mas
53
Só há significados porque há fatos 53
imperfeito, já que não consegue captar
significativos plenamente o significado das coisas, isto é,
não atinge a essência do mundo ao falar
sobre ele

8 11

Um avanço sobre este debate acontece com


Santo Agostinho (354-430 d.C.). Na obra O
Mestre, ele vai considerar que falar é
exteriorizar a vontade por meio da
articulação do som. A linguagem serve,
portanto, para ensinar ou para recordar, Saussure e o Signo Linguístico
serve para a “fala interior”, que é o
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pensamento aderido à memória 12
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A grande novidade em Agostinho é sua


concepção de que os signos são formas de
relação, e as palavras seriam sinais verbais
que remeteriam a outros sinais

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Saussure e o Signo Linguístico

Saussure é considerado por muitos o pai da (...) A língua, ao contrário, é um todo em si e


linguística moderna, a ciência que estuda a um princípio de classificação. Logo que lhe
língua. Seu projeto de pesquisa, publicado damos o primeiro lugar entre os fatos da
com base em notas de seus alunos no Curso linguagem, introduzimos uma ordem natural
13 de Linguística Geral, visava criar um campo 16 em um conjunto que não se presta a nenhuma
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autônomo de estudo sobre a língua e a outra classificação” (Saussure, 1975, p. 25)


linguagem deslocado das questões filosóficas
e gramaticais que o precederam

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“Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida


dos signos no seio da vida social; ela formaria A língua é um princípio de classificação em si
uma parte da psicologia social e, por que tem como referência o social, isto é, ela
conseguinte, da psicologia geral; nós a
chamaremos de semiologia (do grego semeion, está para além das vontades individuais e da
“signo”). Ela nos diria em que consistem os fala que se liga às realizações individuais do
signos, que leis os regem. Já que ela ainda não sistema da língua. Dessa forma, o foco do
existe, não se pode dizer o que ela será; mas ela
tem o direito à existência, seu lugar está estudo da linguística será a língua, pois essa
14 previamente determinado. A linguística é apenas 17 é passível de sistematização para além dos
uma parte dessa ciência geral; as leis que a
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usos individuais, já que esses apenas


semiologia descobrir serão aplicáveis à
linguística, e esta se encontrará assim ligada a reproduzem em ato o sistema linguístico ao
um campo bem definido no conjunto dos fatos qual pertencem
humanos” (Saussure, 1975, p. 33)

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“Mas o que é a língua? Para nós ela não se


confunde com a linguagem: ela é apenas uma O Signo Linguístico
parte determinada da linguagem, essencial, é
verdade. É ao mesmo tempo um produto social
da faculdade da linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo Conceito
social, para permitir o exercício dessa faculdade
(significado)
entre os indivíduos. Tomada em seu todo, a
linguagem é multiforme a heterogênea, situada
15 em vários campos; ao mesmo tempo física, 18 Imagem acústica
fisiológica e psíquica, pertence ao domínio (significante)
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individual e ao domínio social; não se deixa


classificar em nenhuma categoria dos fatos
humanos, porque não se sabe como depreender
a sua unidade (...)

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O signo, unidade fundamental para a
linguística, é composto por duas faces, ele
une “um conceito e uma imagem acústica”
(Saussure, 1975, p. 98). O conceito podemos
definir como a imagem mental que é A Língua como Sistema de Signos
produzida ao se falar um determinado som,
e a Noção de Valor
ou se escrever uma palavra. Ele é também
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designado como o significado 22
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A imagem-acústica nós podemos associar à


forma material com que o signo aparece, seja
ela por som ou escrita. Trata-se do que o
autor chama de significante

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A Língua como Sistema de Signos e a Noção


de Valor
O signo não aponta para uma relação externa Os signos não aparecem isolados na realidade, pois
à língua, pois essa é composta pela estão sempre articulados em palavras, frases,
articulação dos signos. A relação entre textos e sons. Por isso, é fundamental que
compreendamos como se constroem os sentidos
significado e significante é eminentemente
das coisas, já que, nessa concepção, elas estão
arbitrária, isto é, não há uma motivação
apartadas da noção de “coisa” ou “referente”
exterior que justifique que uma palavra se
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53 53

Em seu funcionamento, a língua é um sistema de


conecte a uma determinada ideia
puro valor, assim, dizer que elas são “valor”
significa que só se pode analisar uma língua por
meio da relação que os signos estabelecem entre si

20 23

“A ideia de valor, assim determinada, nos


mostra que é uma grande ilusão considerar
um termo simplesmente como a união de um
Dessa forma, Saussure abre o caminho para o certo som com um certo conceito. Defini-lo
estudo da língua por si só, separando os assim seria isolá-lo do sistema do qual faz
fenômenos passíveis de estudo sistemático – parte; seria acreditar que se pode começar
como a língua – dos usos cotidianos e pelos termos e construir o sistema fazendo a
comuns da fala soma destes, ao passo que, ao contrário, é do
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53 53

todo solidário que se deve partir, para obter,


por análise, os elementos que ele encerra”
(Saussure, 1975, p. 157)

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Além das relações em presença de um signo
Essa ideia de valor faz com que consideremos com os outros na cadeia falada, temos o
a língua como um sistema de diferenças. chamado eixo dos paradigmas, o qual é
Nela, não há uma identidade do signo consigo estabelecido por relações em ausência. São
mesmo, pois sua identidade é dada por meio possibilidades de substituição de um termo
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da cadeia em que ele se insere no sistema da 28
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por outro, em especial pelo caráter de
língua semelhança tanto do significado quanto do
significante

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Essas relações de seleção e combinação


Esse sistema de diferenças e articulações vai
estão na base de qualquer análise linguística.
ser descrito por Saussure por meio de dois
É por meio delas que conseguimos
eixos. O primeiro deles é chamado de eixo
estabelecer os valores e a forma como as
dos sintagmas, o qual se dá por meio das
ideias se encadeiam numa língua. Elas
relações que os elementos consecutivos de
também estão na base das noções de
26 29
53 53

um discurso estabelecem entre si


Metáfora e Metonímia

26 29

Essa cadeia sintagmática se dá devido ao


caráter linear do significante na cadeia da
fala ou da escrita. Não há a possibilidade de
dizermos duas palavras ao mesmo tempo e, Michel Foucault e a Análise de
na cadeia da frase, precisamos que as Discurso
palavras se articulem de determinada forma.
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53
Esse sistema linear de encadeamento em que 30
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palavras levam a outras produzindo frases


também pode ser chamado de eixo das
combinações

27 30
Michel Foucault e a Análise de Discurso

“O discurso tem a ver com a produção de


Antes de entrarmos em algumas definições, é sentido pela linguagem. Contudo [...], uma
preciso lembrar que Foucault não era um vez que todas as práticas sociais implicam
linguista, mas filósofo e historiador. Isso sentido, e sentidos definem e influenciam o
significa que sua concepção de língua que fazemos – nossa conduta –, todas as
enquanto discurso não estava preocupada práticas têm um aspecto discursivo” (Hall,
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com a questão puramente formal e sistêmica 2016, p. 80)


da estrutura

31 34

Ele rompeu com a separação entre aquilo que


Pelo contrário, ele estava interessado em diz e aquilo que se faz, considerando que o
analisar como as coisas são ditas e o que discurso é toda a materialização de sentido
possibilita que elas sejam ditas em nas práticas sociais em seu todo. Ele se
determinados momentos históricos, tomando materializa em instituições, como a prisão, a
o discurso enquanto uma prática que não escola e o Estado, que são entidades que
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apenas molda, mas que está atrelado à 35
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funcionam pelo domínio de certo saber sobre
história e às relações de poder que se a sociedade e os sujeitos que nela vivem,
materializam que, ao mesmo tempo, detêm poder sobre o
que tomam como objeto de discurso

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Esse deslocamento entre coisa e


representação coloca a noção de sentido
como algo mutável, ou seja, o que estabelece Ele deslocou a concepção de Saussure ao
determinado padrão de interpretação ou a colocar, para além da relação significado e
nomeação de um acontecimento no mundo se significante, a noção de sentido, a qual
dá por um processo de produção social do permite a produção e a circulação do
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53
sentido. A relação entre signo e referente se 36
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discurso, possibilitando a mudança na forma
torna menos clara, fazendo com que um como se percebe e se fala sobre o mundo
mesmo acontecimento possa ser nomeado de
maneiras diferentes

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Há dois conceitos que precisamos mobilizar
para lidar com esse tipo de análise. O
primeiro diz respeito ao campo da
Enunciação, e o segundo, às chamadas
Formações Discursivas Discurso e Poder
Os enunciados se ligam a um processo
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histórico que possibilita que os dizeres sobre 40
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determinados objetos ou o funcionamento de


determinadas práticas sejam de
determinadas formas e não de outras

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As Formações Discursivas são princípios de


Discurso e Poder
dispersão e aglutinação do discurso. São de
dispersão, pois diferentes discursos podem Quando falamos de discurso, portanto, estamos
aparecer em diferentes domínios ou registros, falando de poder, de formas de dominação que
assim, é possível ver discursos médicos em se articulam pelos sistemas de enunciação, pelas
revistas científicas ou de cotidiano e até mesmo falas e pelas relações sociais. O discurso,
em revistas em quadrinhos. Daí sua dispersão, pensado enquanto o sistema que possibilita que
pois ela não está atrelada a apenas um registro as coisas sejam ditas de determinada forma,
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produz regimes de verdade, que, por sua vez,
53
dos discursos 53

estão atrelados a determinados dispositivos de


Ela é um princípio de aglutinação, pois ela pode saber que falam sobre a sociedade e os
ser vista como um processo de repetição de indivíduos e, com isso, instituem dispositivos de
enunciados sobre determinadas objetos controle da sociedade

38 41

O poder dessa forma não se dá somente


como um processo de dominação de cima
Podemos dizer com isso que a formação
para baixo. Ele circula nas falas cotidianas,
discursiva é um princípio de produção dos
em nossas práticas mais comuns que
sentidos, é ela que possibilita que os dizeres
reproduzem essas estruturas, é a concepção
ocorram, ela está na origem do sentido, pois
da microfísica do poder. O poder é da ordem
recorta um processo de memória – pensada
das estratégias de dominação dos indivíduos,
aqui em sua dimensão coletiva e social – que
e o que determina as desigualdades de
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53 53

disponibiliza os dizeres que são reproduzidos


acesso ao poder é, além de sua forma de
pelos sujeitos
distribuição, o domínio que é exercido pelo
domínio dos conhecimentos

39 42
Controlar os discursos, suas forças e suas
O discurso, com isso, não é um pensamento
ameaças demanda todo um sistema de
revestido por signos que buscam representar
controle institucional que autoriza que
o mundo de determinada maneira. Ele é uma
determinados sujeitos possam falar. As
prática que cria a realidade, recorta os
instituições representam esse papel de
objetos, estabelece o que é verdadeiro,
controle do discurso, distribuindo as vozes
produz saber e, dessa forma, reveste-se de
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53 53

autorizadas, colocando uma forma de dizer a


poder e autoridade para dizer o verdadeiro
verdade como a única possível

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A relação entre discurso e saber/poder


estabelece o “regime de verdade” de Na Prática
determinadas épocas, fazendo com que
alguns tipos de discurso tenham mais poder e
reconhecimento para falar sobre o mundo
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44 47

O poder deve ser visto como relacional. Ele Vamos pensar os discursos sobre as mulheres na
não opera exclusivamente pela dominação ou música brasileira. Ouça a música Pra que mentir,
de Noel Rosa, e Dom de Iludir, de Caetano
pela imposição, mas por meio de todo um Veloso. Num primeiro momento, procure analisar
processo de “normalização”, isto é, as músicas por meio das perspectivas de
produzindo reconhecimento social – daí seu Saussure, buscando identificar como elas
representam as mulheres, quais as palavras
caráter contraditório –, ao mesmo tempo em estão associadas ao significante mulher. Uma vez
que busca produzir sujeitos dóceis, feito esse processo, retorne às músicas e busque
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medicalizados e que não representem de
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53 pensar em como esses dizeres sobre as mulheres
criam o “sujeito mulher”, ou seja, para além do
alguma forma uma ameaça ao discurso sobre que elas dizem, o que possibilita no contexto das
a “normalidade” da sociedade. Ele também duas músicas que a mulher seja dita daquela
gera dominação sobre esses corpos forma?

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Finalizando Referências

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53 53

49 52

ARAÚJO, I. L. Do Signo ao discurso: introdução à


Nesta aula, buscamos compreender a filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola,
linguística de Saussure e a Análise de 2004.
Discurso de Foucault. Vimos a importância de FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de
se analisar a forma como os enunciados são Janeiro: Forense Universitária, 2005.
produzidos na relação que os signos HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro:
estabelecem entre si. Além disso, estudamos Puc-Rio, 2016.
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o signo e a revolução que a concepção 53
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JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 23. ed.
saussuriana causou nos estudos da São Paulo: Cultrix, 2008.
linguagem ao excluir o referente das SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral.
considerações analíticas Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e
Isidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1975.

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O pensamento de Foucault desloca algumas


questões da linguística, trazendo para o
centro da questão a história e o sujeito
O discurso não é a fala, mas o sentido se
materializa em instituições, práticas e
enunciações. Além disso, está sempre
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atrelado ao processo de produção de saber 54
53

sobre o mundo, o que acarreta, ao mesmo


tempo, a produção de poder sobre esses
objetos

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