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O termo “Linguística” pode ser definido como a ciência que estuda os factos da linguagem.

Para
que possamos compreender o porquê de ela ser caracterizada como uma ciência, tomemos como
exemplo o caso da gramática normativa, uma vez que ela não descreve a língua como realmente se
evidencia, mas sim como deve ser materializada pelos falantes, constituída por um conjunto de
sinais (as palavras) e por um conjunto de regras, de modo a realizar a combinação desses.  

Assim, a título de reforçarmos ainda mais a ideia abordada, consideremos as palavras de André
Martinet, acerca do conceito de Linguística:

“A linguística é o estudo científico da linguagem humana. Diz-se que um estudo é científico quando
se baseia na observação dos factos e se abstém de propor qualquer escolha entre tais fatos, em
nome de certos princípios estéticos ou morais. ‘Científico’ opõe-se a ‘prescritivo’. No caso da
linguística, importa especialmente insistir no carácter científico e não prescritivo do estudo: como   o
objecto desta ciência constitui uma actividade humana, é grande a tentação de abandonar o
domínio da observação imparcial para recomendar determinado comportamento, de deixar de notar
o que realmente se diz para passar a recomendar o que deve dizer-se”.

MARTINET, André. Elementos de linguística geral. 8 ed. Lisboa: Martins Fontes, 1978.

O fundador desta ciência foi Ferdinand de Saussure, um linguista suíço cujas contribuições em
muito auxiliaram para o carácter autónomo adquirido por essa ciência de estudo. Assim, antes de
retratá-las, constatemos um pouco mais acerca de seus dados biográficos:

Ferdinand de Saussure nasceu em 26 de Novembro de 1857 em Genebra, Suíça. Por incentivo de


um amigo da família e filólogo, Adolphe Pictet, deu início aos seus estudos linguísticos. Estudou
Química e Física, mas continuou fazendo cursos de gramática grega e latina, quando se convenceu
de que sua carreira estava voltada mesmo para tais estudos, ingressou-se na Sociedade Linguística
de Paris. Em Leipzig estudou línguas europeias, e aos vinte e um anos publicou uma dissertação
sobre o sistema primitivo das vogais nas línguas indo-europeias, defendendo, posteriormente, sua
tese de doutorado sobre o uso do caso genitivo em sânscrito, na cidade de Berlim. Retornando a
Paris passou a ensinar sânscrito, gótico e alemão e filologia indo-europeia. Retornando a Genebra
continuou a leccionar novamente sânscrito e linguística histórica em geral.

Na Universidade de Genebra, entre os anos de 1907 e 1910, Saussure ministrou três cursos sobre
linguística, e em 1916, três anos após sua morte, Charles Bally e Albert Sechehaye, alunos dele,
compilaram todas as informações que tinham aprendido e editaram o chamado Curso de Linguística
Geral – livro no qual ele apresenta distintos conceitos que serviram de sustentáculo para o
desenvolvimento da linguística moderna.   

Entre tais conceitos, tornam-se passíveis de menção alguns deles, tais como as dicotomias:
Língua X Fala

Esse grande mestre suíço aponta que entre dois elementos há uma diferença que os demarca:
enquanto a língua é concebida como um conjunto de valores que se opõem uns aos outros e que
está inserida na mente humana como um produto social, razão pela qual é homogénea, a fala é
considerada como um ato individual, pertencendo a cada indivíduo que a utiliza. Sendo, portanto,
sujeita a factores externos.   

Significante X Significado

Para Saussure, o signo linguístico se compõe de duas faces básicas: a do significado – relativo ao
conceito, isto é, à imagem acústica, e a do significante – caracterizado pela realização material de
tal conceito, por meio dos fonemas e letras. Falando em signo, torna-se relevante dizer acerca do
carácter arbitrário que o nutre, pois, sob a visão saussuriana, nada existe no conceito que o leve a
ser denominado pela sequência de fonemas, como é o caso da palavra casa, por exemplo, e de
tantas outras. Factos esses que bem se comprova pelas diferenças existentes entre as línguas,
visto que um mesmo significado é representado por significantes distintos, como é ocaso da palavra
cachorro (em português); dog (inglês); perro (espanhol); chien (francês) e cane (italiano). 

Sintagma X Paradigma

Na visão de Saussure, o sintagma é a combinação de formas mínimas numa unidade linguística


superior, ou seja, a sequência de fonemas se desenvolve numa cadeia, em que um sucede ao
outro, e dois fonemas não podem ocupar o mesmo lugar nessa cadeia. Enquanto o paradigma para
ele se constitui de um conjunto de elementos similares, os quais se associam na memória,
formando conjuntos relacionados ao significado (campo semântico). Como o autor mesmo afirma, é
o banco de reservas da língua.  

Sincronia X Diacronia

Saussure, por meio dessa relação dicotómica retratou a existência de uma visão sincrónica – o
estudo descritivo da linguística em contraste à visão diacrónica - estudo da linguística histórica,
materializado pela mudança dos signos ao longo do tempo. Tal afirmação, dita em outras palavras,
trata-se de um estudo da linguagem a partir de um dado ponto do tempo (visão sincrónica),
levando-se em consideração as transformações decorridas mediante as sucessões históricas (visão
diacrónica), como é o caso da palavra vosmecê, você, ocê, cê, vc...

Mediante os postulados aqui expostos, cabe ainda ressaltar que a linguística não se afirma como
uma ciência isolada, haja vista que se relaciona com outras áreas do conhecimento humano, tendo
por base os conceitos dessas. Por essa razão, pode-se dizer que ela assim subdivide:
* Psicolinguística – trata-se da parte da linguística que compreende as relações entre linguagem e
pensamentos humanos.

* Linguística aplicada – revela-se como a parte dessa ciência que aplica os conceitos linguísticos
no aperfeiçoamento da comunicação humana, como é o caso do ensino das diferentes línguas.

* Sociolinguística – considerada a parte da linguística que trata das relações existentes entre fatos
linguísticos e fatos sociais.

A Lingüística e a Ciência da Informação como parâmetros de análise para o estudo


de atribuição de sentido na coerência da organização da coleção de Eduardo André
Matarazzo 
The Linguistic and Information Science as analysis parameters of the study of meaning attribution in
coherence of Eduardo André Matarazzo collection

por Mara Angélica Pedrochi e  João Batista Ernesto de Moraes

Resumo: Propõe-se um trabalho interdisciplinar entre o fenômeno do Colecionismo, a atribuição de


sentidos estudada pela Lingüística e a Ciência da Informação. Este estudo visa a estabelecer uma analogia
entre a busca que um colecionador realiza na ânsia por um novo objeto para sua coleção (o sentido), a
coerência que o mesmo dá a esta e entre o estudo que a Lingüística realiza sobre o signo, o significado e o
significante, assim como a coerência textual e a situacional idade. Como objeto de estudo, tem-se o Museu
Eduardo André Matarazzo, localizado na cidade de Bebedouro – SP, uma coleção particular de automóveis,
aviões, helicópteros, motos, tratores, e caminhões.
Palavras-chave: Colecionismo; Museu de armas e veículos Eduardo André Matarazzo; Relação de
sentido; Lingüística.
 

Abstract: An interdisciplinary study between a collectionism phenomenon, meaning’s atributtion permited


by Linguistic and Information Science is proposed. This study intends to establish an analogy between the
collector’s search for new objects, the meaning and the coherence the your collection, and the Linguistic’s
study realize about the sign, the meaning and the significant, as well the textual coherence and the
situationality utilized in the elaboration the texts. The object study is Museu de Armas e Veículos Eduardo
André Matarazzo, situate in the Bebedouro – SP city, succeed by the particular collection. 
Keywords:  Collectionism; Museu de armas e veículos Eduardo André Matarazzo; Meaning’s relation;
Linguistic.

O mito quer mostrar o poder criador da linguagem, que dá ao homem a capacidade de ordenar o mundo,
de categorizá-lo. Com os signos, o homem cria universos de sentido. As línguas não são nomenclaturas
que se aplicam a uma realidade pré-ordenada, mas são modos de interpretar o mundo. Por isso, estudar
a linguagem é a forma de entender a cultura, de compreender o homem em sua marcha sobre a Terra.
(Fiorin, 2002, p.73).
   
 Introdução

A Lingüística, ciência das línguas naturais, permite descobrir o universo e


compreendê-lo através dos signos verbais. “ no ato de falar, produz-se
significação, não só ao se enunciar os signos mínimos, ou seja, os morfemas,
mas também na produção de frases ou textos. Assim, as frases são signos, os
textos são signos, qualquer produção humana dotada de sentido é um signo.”
(Fiorin, 2002, p.60).

Através da leitura de Fiorin (2002) pode-se “enxergar” o universo de sentidos


que o homem pode criar ao categorizar as coisas do mundo.Uma possibilidade
de categorizar o mundo é através do colecionismo. O fenômeno do
colecionismo é interdisciplinar, pois resulta do estudo sobre as pessoas que
colecionam objetos e tem sido analisado pelas áreas da Psicologia, História,
Lingüística e outras, e há a proposta de introduzir a Ciência da Informação
nesta análise. Nos estudos sobre colecionismo consegue-se distinguir a
diferença entre colecionar e guardar, como se pode ver na citação a seguir:

O limite entre guardar e colecionar é tênue e difere apenas na forma


com que os itens são guardados e mantidos.  O colecionador é visto
como alguém que pode colaborar na preservação de objetos que fizeram
parte da história”. (Lima, 2002).

A Ciência da Informação trabalha com o registro e recuperação da memória


produzida por um país, uma comunidade ou por indivíduos.
O colecionismo registra o foco do colecionador sob a sociedade na qual vive.
Este foco pode ser cultural, familiar, histórico, estético ou simplesmente por
prazer. Este viés permite ao colecionador atribuir o sentido ou eixo de
coerência (atribuído por ele, colecionador) para a formação e desenvolvimento
de sua coleção.

Num estudo sobre coleções museográficas, bibliotecárias ou arquivísticas, o


eixo norteador da formação da coleção é de extrema relevância, tanto para o
entendimento dos registros históricos de nosso povo, quanto para a
contextualização das coleções em nossas instituições coletoras. 

Pretende-se estabelecer uma analogia entre a busca que um colecionador realiza


na ânsia por um novo objeto para sua coleção, o sentido e a coerência que o
mesmo dá a esta, e entre o estudo que a Lingüística realiza sobre o signo, o
significado e o significante, bem como a coerência textual e a situacionalidade
utilizadas na elaboração de textos.

Como objeto de estudo, tem-se o Museu Eduardo André Matarazzo, localizado


na cidade de Bebedouro,  São Paulo, pois o mesmo advém de uma coleção
particular de automóveis, aviões, helicópteros, motos, tratores, e caminhões. A
reflexão será feita sobre a coleção e o processo de busca pelo sentido da
formação da mesma, propondo-se a análise e a sugestão de uma organização
sob o foco dado pelo colecionador, tentando utilizar como eixo norteador o
sentido atribuído pelo mesmo, e por meio da organização da informação
encontrada na Ciência da Informação.

A Ciência da Informação é uma ciência altamente social e pós-moderna, com


características interdisciplinares, que tem crescido e alicerçado suas bases em
pesquisas de áreas afins, tais como: a Psicologia, Lingüística, Sociologia,
Economia, Informática, Matemática, Filosofia, Política e Telecomunicações,
dentre outras.

 
Este estudo propõe unir estudos da área da Lingüística, com enfoque
em Saussure, já que se afirma que:

 “embora Saussure defina as relações paradigmáticas e sintagmáticas


basicamente em termos linguísticos, elas podem ser determinadas em
outros sistemas de signos. Ou seja, a dicotomia paradigma versus
sintagma vale para outras semiologias além da Linguística.”
(Pietroforte, 2002, p.91).

A Linguística, Linguística Textual e o Colecionismo


A Linguística tem objecto e método científico próprios, desenvolvidos pelo
linguista suíço Ferdinand de Saussure, no princípio do século XX, e traz o
conceito de estrutura que futuramente se desenvolve na metodologia
estruturalista, amplamente difundida por volta da década de 40. O lingüista não
utiliza o termo estrutura, mas sim sistema.

Ainda segundo Saussure, a língua pode ser definida como um “ sistema cujos
termos são todos solidários e em que o valor de um não resulta senão da
presença simultânea dos outros.” (Saussure, 1971 apud Textos Seleccionados,
1985, p.VIII), ou seja, a língua é a relação entre o indivíduo e o meio social,
entendido como sistema de signos: língua (elementos abstractos) e fala
(concretização de elementos abstratos).

O autor conseguiu estabelecer quais eram as possibilidades de articulação, para


verificar certos princípios da língua, noção de descrição, ou seja, estabelecer o
limite de articulação dos signos. De acordo com Saussure, outras ciências
trabalham com objectos já estudados e analisados, porém na Linguística
alguém pronuncia:

 ... a palavra nu: um observador superficial será tentado a ver nela um


objecto linguístico concreto; um exame mais atento, porém, nos levará a
encontrar no caso, uma após outra, três ou quatro coisas perfeitamente
diferentes, conforme a maneira pela qual consideramos a palavra: como
som, como expressão duma idéia, como correspondente ao latim nudum
etc. Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos
que é o ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão
que uma dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior
ou superior às outras. (Saussure, 1971, p.15).

Sob este foco, o autor sugere que as interpretações de algo que se ouve pode ser
multiforme, porém se esta mesma palavra for contextualizada pouco de dúvida
haverá, pois dar-se-á sentido ao que se pretende transmitir. Quando se observa
uma colecção, pode-se interpretar os objectos de várias formas, porém quando
se analisam os objectos sob o foco do coleccionador, pode-se compreender qual
o sentido que ele deu para cada objecto componente da colecção. De acordo
com Fiorin, os signos nos permitem ver que a: “ realidade só tem existência para
os homens quando é nomeada. Só percebemos no mundo o que nossa língua
nomeia.” (Fiorin, 2002, p.55).

Seguindo a teoria de Saussure que diz “ o signo lingüístico não une um nome a
uma coisa, mas um conceito a uma imagem acústica” (Fiorin, 2002, p.58), pode-
se compreender que o signo é a impressão psíquica dos sons. Fiorin traz de
forma clara a relação de signo, significado e significante:

Saussure  diz que o signo lingüístico não une um nome a uma coisa, mas
um conceito a uma imagem acústica. O que o mestre genebrino quer
mostrar-nos é que o signo não é um conjunto de sons, cujo significado
são as coisas do mundo. O signo é a união de um conceito com uma
imagem acústica, que não é o som material, físico, mas a impressão
psíquica dos sons, perceptível quando pensamos numa palavra, mas não
a falamos. O signo é uma entidade de duas faces, uma reclama a outra,
à maneira do verso e do anverso de uma folha de papel. Percebem-se as
duas faces, mas elas são inseparáveis.

Ao conceito Saussure chama significado e à imagem acústica,


significante. Não existe significante sem significado; nem significado
sem significante, pois o significante sempre evoca um significado,
enquanto o significado não existe fora dos sons que o veiculam. A
imagem acústica /gatu/ não evoca um gato particular, mas a idéia geral
de gato, que tem um valor classificatório. Na criação desse conceito, a
língua não leva em conta diferentes raças, os tamanhos diversos, as
cores várias etc. Faz abstração das características particulares de cada
gato, para instaurar a categoria da /felinidade/. O significado não é a
realidade que ele designa, mas a sua representação. É o que quem
emprega os signo entende por ele. (Fiorin, 2002, p.58).

Deve-se assimilar então que um signo é a união de um conceito (significado)


com a imagem acústica (significante). Os dois fundem-se, apesar de percebê-
los de forma separada não são separáveis, um depende do outro. “Poder-se-ia
dizer que o significante é o veículo do significado, o que se entende quando se
usa o signo sendo esta sua parte inteligível.” (Fiorin, 2002, p.58).

Para Saussure a língua é um sistema de termos solidários, em que o valor de um


necessita da presença de outro. Ou seja, a língua é altamente rica, pois ela
possibilita representar da forma mais completa possível um objeto. Ao se
pensar na afirmação que “a realidade independe dos signos”, pode-se justificá-
la como falsa, pois um:

 sistema não pode funcionar, porque o objecto não designa tudo o que
uma língua pode expressar. Ele não exprime as propriedades de uma
coisa. Daí a impossibilidade de construir metáforas e metonímias.
Quando se usa a metonímia “as velas singram os mares”, velas têm o
sentido de navio, porque, na fala, usa-se a parte para denominar o todo.
Mostrar um objecto não exprime a pertença do objecto a uma
determinada classe. No léxico de uma língua, agrupamos nomes em
classes. Violeta, rosa, margarida pertencem à classe das flores. Mostrar
uma margarida não exprimiria a classe flor. Exibir um objecto não
exprime as categorias gramaticais, como a do singular ou do plural. A
língua não é um sistema de demonstração dos objectos, pois a
linguagem humana pode falar de objectos presentes ou ausentes da
situação de comunicação. Aliás, o objecto nem precisa existir, para que
falemos dele, pois a língua pode criar universos de coisas inexistentes.
(Fiorin, 2002, p.56).

Para o coleccionador, o objecto expressa muito mais que a língua, na verdade, é


carregado de sentimentos, recordações, palavras (não-expressas), mas
representadas. O coleccionador vê: “O objecto mitológico, de funcionalidade
minimal e de significação maximal, refere-se à ancestralidade, ou mesmo à
anterioridade absoluta da natureza. No plano vivido, tais postulações
contraditórias coexistem no interior do mesmo sistema como
complementares.” (Baudrillard, 2004, p.89).

Deve-se considerar que a actividade linguística é uma actividade simbólica, em


que as palavras nomeiam ou categorizam o mundo, e que os signos mantém
uma relação de interdependência uns com os outros, para que o sentido destes
conceitos seja pleno. Sob este aspecto da interdependência ou inter-relação
pode-se remeter à colecção. Um objecto se relaciona a outro, pelo eixo central,
ou norteador, da colação, sendo que esta relação é atribuída pelo coleccionador.
Peças idênticas tomam sentidos diferentes em colecções diferentes. O valor
atribuído a este signo é alterado de acordo com a tradução que se faz
dele. Fiorin elucida na linguística a importância desta tradução.

O valor de um signo é dado por outro signo. Além disso, um signo é sempre
interpretável por outro signo: no interior do mesmo sistema pelos sinónimos,
pelas paráfrases, pelas definições; em outro sistema, em outra língua, por
exemplo, pela tradução. A dificuldade de traduzir indica que não há
univocidade na relação entre os nomes e as coisas. (Fiorin, 2002, p.56).

O sentido pode ser entendido como algo até certo ponto individual, pois como
no sistema dos signos a univocidade de relação entre nomes e coisas, não é
característica principal, uma vez que a diversidade é cultural. No fenómeno
do coleccionismo se observa a mesma característica, pois um objecto idêntico,
tem valor e significado distintos em colecções distintas. 
Para Saussure:

cada elemento linguístico deve ser diferente dos outros elementos com
os quais contrai relação. Por isso, é preciso considerar o signo não mais
em sua composição, mas em seus contornos, dados por suas relações
com os outros signos. Por isso,  Saussure cria a noção de valor . Com
ela, dá-se uma definição negativa do signo: um signo é o que os outros
não são. O valor provém da situação recíproca das peças na língua,
pois importa menos o que existe de conceito e de matéria fónica num
signo do que o que há ao seu redor. A significação é, então uma
diferença entre um signo e outro signo, pois o que existe na língua são a
produção e a interpretação de diferenças.   Com o conceito de
valor, Saussure mostra que o que importa na língua são as diferenças
existentes entre conceitos e sons. (Fiorin, 2002, p.58-59).

Utilizando este conceito de Saussure que “um signo é o que os outros não são”,
ou seja, o valor está nos contornos das relações, nas diferenças existentes,
pode-se compará-la com o desenvolvimento das colecções. Para o
coleccionador, quando busca uma nova peça para compor a colecção, procura
por indícios não encontrados nas peças que possui. O valor das peças que estão
por vir trazem a diferença, porém nunca perdendo de vista a relação que elas
mantêm com as outras peças da colecção.

Para Hjelmslev (Textos), linguista dinamarquês, o signo

 "é a união de um plano de conteúdo a um plano de expressão.  Trata-se


de uma mudança de concepção... cada plano compreende dois níveis: a
forma e a substância. Assim, há uma forma do conteúdo e uma
substância do conteúdo; uma forma da expressão e uma substância da
expressão.” (Fiorin, 2002, p.59).

Para o autor, a forma

“ corresponde ao que Saussure chama valor, ou seja, é um conjunto de


diferenças. Para estabelecer uma definição formal de um som ou de um
sentido, é preciso estabelecer oposições entre eles por traços, pois os
sons e os sentidos não se opõem em bloco.” (Fiorin, 2002, p.59).
A substância da expressão seriam os sons e a substância do conteúdo seriam os
conceitos. Sons e conceitos são gerados pela forma e não existem antes dela.
Assim para Hjelmslev, o signo:

" une uma forma da expressão a uma forma de conteúdo. Essas duas
formas geram duas substâncias, uma da expressão e uma do conteúdo. A
forma da expressão são diferenças fônicas e suas regras combinatórias;
a forma do conteúdo são diferenças semânticas e suas regras
combinatórias; a substância da expressão são os sons; a substância do
conteúdo, os conceitos." (Fiorin, 2002, p.59).

Trazendo para o colecionismo e pensando na coleção de Eduardo Matarazzo,


pode-se imaginar que o objeto automóvel, por exemplo, Delahaye Dobh
Pharta, 1912, possui a forma de expressão e a forma de conteúdo, onde as
formas de expressão são os detalhes mínimos usados na sua fabricação, tais
como: motor 12 HP, 1.593 cc, quatro cilindros, magneto de alta tensão,
carroceria de madeira, bancos de couro, o acabamento interno todo trabalhado e
a formas de conteúdo são o status de se obter uma peça original com ótima
conservação e fidedignidade à fabricação.

Fig. 1

Delahaye Doubh Pharta. 1912


Fonte: http://www.carroantigo.com/portugues/conteudo/varie_evolucao3.htm

Outro aspecto de análise para Saussure é o de arbitrariedade do signo. Para o


autor:

 "o signo linguístico é arbitrário e, portanto, cultural. Arbitrário é o


contrário de motivado, o que significa que, quando ele afirma que o
signo linguístico é arbitrário, está querendo dizer que ele não é
motivado, ou seja, que não há nenhuma relação necessária entre o som
e o sentido, que não há nada no significante que lembre o significado,
que não há qualquer necessidade natural que determine a união de um
significante e de um significado. Isso é comprovado pela diversidade das
línguas." (Fiorin, 2002, p.60).

Se o signo linguístico é arbitrário, portanto cultural, podemos analisar a


diversidade de visão do coleccionador frente às faces do objecto coleccionado,
por exemplo, um tanque de guerra. Quando o coleccionador angaria um tanque
de guerra, tanto pode fazer sua leitura pela força / poder / imponência que o
tanque transmite numa guerra, como também pela leitura do desenvolvimento
mecânico, da máquina em si, desenvolvida pela mente humana. Se o signo
linguístico é cultural, as leituras feitas pelos coleccionadores também sofrem
influência dos aspectos culturais.

Fig 2

Tanque da coleção do Museu Eduardo André Matarazzo


Fonte: http://www.museueduardoamatarazzo.com.br/ 

Essas alterações de leituras e de significações conduzem ao estudo da


denotação e da conotação. Um signo denotado é:

 o signo cujo plano de expressão é um signo.” Por exemplo, quando


pensamos no termo “olho-de-gato” em termos denotativos entende-se o
termo como “globo colocado na parte anterior da cabeça e que serve de
órgão da visão para um animal felino etc. (Fiorin, 2002, p.65).

Para se criar um signo conotado “ é preciso que haja uma relação entre o
significado que se acrescenta e o significado já presente no signo denotado. 
Entre os dois significados, há então um traço comum.” (Fiorin, 2002, p.66). Em
sentido conotado, por exemplo, “olho-de-gato” passa a ser entendido como
“chapinha colocada em pequenos postes, instalados ao longo das estradas de
rodagem que reflete a luz dos faróis dos automóveis, para marcar os limites do
leito da estrada.” (Fiorin, 2002, p.66).

Estes aspectos de conotação e denotação podem ser aplicados na organização


das coleções. Quando uma coleção não recebe o registro da atribuição de
sentido/valor aí empenhados pelo próprio colecionador, ela perde seu eixo
norteador de sentido. No caso da coleção de Eduardo Matarazzo, pode-se
verificar que não havia nenhum registro sobre o eixo que permeava o
desenvolvimento desta coleção, ou seja, não há registros de como se deu a
aquisição de cada objeto e de como estes deveriam ser dispostos para visitação.
Eduardo Matarazzo faleceu recentemente e deixou esta coleção exposta num
museu que leva seu nome, ou seja, sua coleção recebeu sua própria designação.

Quando uma coleção “perde” seu “mentor” ela sofre interferências na sua


coerência, pois cada observador, ou leitor dos objetos pode fazer sua leitura
(arbitrariedade do signo) e conseqüentemente pode incorrer na conotação deste
signo. Neste caso, a conotação aqui pode ser entendida como uma variação de
interpretação.

Saussure traz uma dicotomia (divisão em partes iguais) formada por quatro


pares de conceitos que fazem parte da criação do objeto teórico da
Lingüística. “Uma dicotomia em Saussure diz respeito a um par de conceitos
que devem ser definidos um em relação ao outro, de modo que um só faz
sentido em relação ao outro.” (Pietroforte, 2002, p.78). Alguns destes pares
serão analisados, buscando-se estabelecer uma relação destas dicotomias com
o colecionismo.

O primeiro é Sincronia versus Diacronia, em que numa análise sobre a


formação das línguas, pode-se “ pelo trabalho comparativo, reconstruir o
percurso histórico dessas línguas, ou seja, é possível determinar como uma
língua muda através do tempo, transformando-se em outras
línguas.” (Pietroforte, 2002, p.78).

Pietroforte apresenta de forma sucinta o exemplo da reconstrução da língua


indo-européia:
 

A escrita apareceu tardiamente, de modo que muitas línguas não


deixaram registos em documentos escritos. O trabalho do linguista,
então, torna-se um trabalho de reconstrução de uma língua a partir dos
vestígios que ela deixa nas línguas que dela se originaram. Ou seja,
reconstrói-se a “mãe” a partir de suas “filhas” e das “filhas” de suas
filhas. Foi assim com o indo-europeu, uma língua que, sem deixar
registos históricos, foi reconstruída pelo método histórico-comparativo.
Os linguistas do século XIX buscavam, comparando as línguas,
organizá-las em grupos e reconstruir as línguas de que os grupos se
originavam. (Pietroforte, 2002, p.79).

Num processo semelhante a esse da língua, esse par de conceitos permite-nos


reconstruir o processo de atribuição de sentidos dado aos objectos, dentro do
fenómeno do coleccionismo, buscando o eixo norteador da colecção de
Eduardo Matarazzo. Através de entrevistas com pessoas que acompanharam
sua trajectória coleccionadora, por exemplo, pode-se montar uma biografia com
este perfil.

Ao estudo dessas mudanças ocorridas nas línguas Saussure chamou Linguística


Diacrónica. Diacronia vem do:  grego dia “através” e chrónos “tempo”, quer
dizer “através do tempo”, e sincronia, do grego syn “juntamente” e chrónos
“tempo”, significa “ao mesmo tempo”.

Fazendo uma distinção entre dois pontos de vista diferentes de olhar para o
mesmo fenómeno,  Saussure define um novo objecto de estudos para a
Linguística. Contrariamente ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista
sincrónico vê a língua como um sistema em que um elemento se define pelos
demais elementos. No estudo sincrónico, um determinado estado de uma língua
é isolado de suas mudanças através do tempo e passa a ser estudado como um
sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados não mais em
suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem, ao mesmo
tempo, uns com os outros.” (Pietroforte, 2002, p.79). 

Com a leitura da sincronia, analisamos as relações que os objectos passam a


receber quando inseridos na colecção. Cada qual tem seu valor, mas a partir do
momento em que se contextualizam na colecção passam a significar o todo e
não mais a parte. A diacronia passa a analisar os estados da língua como
sobreposição de sistemas. Vejamos:

Saussure, ao definir a língua como sistema e ao pensar a sincronia como


o estudo de um sistema num dado momento do tempo, abre caminho
para a redefinição também do conceito de diacronia, que vai ser
entendida como a sucessão de diferentes sistemas ao longo do tempo.
Imaginemos, por exemplo, que, em cada século, haja um estado de
língua. Faz-se um estudo sincrónico do português do século XIII, do
século XIV etc. A diacronia é, então, a sucessão dessas sincronias.
(Pietroforte, 2002, p.81).

Em termos de coleccionismo, na diacronia como sucessão das sincronias, tem-


se a cada novo objecto inserido na colecção uma releitura desta mesma
colecção, pois ela vai se tornando mais completa a cada nova peça aí inserida.
Outra das dicotomias saussurianas é língua e fala. Para Saussure o objecto de
estudo da Linguística é a língua e esta é definida como um sistema de
elementos. Ele define um sistema como um:

 Conjunto organizado em que um elemento se define pelos outros. Um


conjunto é uma totalidade de elementos quaisquer. Se eles estão
organizados, isso quer dizer que um elemento está em função dos outros,
de modo que a sua função se define em relação aos demais elementos.
(Pietroforte, 2002, p.82).

Esta fundamentação ocorre com Baudrillard, quando o autor fala das


colecções: 

Só uma organização mais ou menos complexa de objectos que se relacionem


uns com os outros constitui cada objecto em uma abstracção suficiente para
que possa ele ser recuperado pelo indivíduo na abstracção vivida que é o
sentimento de posse. Esta organização é a colecção. O meio habitual conserva
um estatuto ambíguo: nele o funcional desfaz-se continuamente no subjectivo,
a posse mistura-se ao uso, em um empreendimento sempre carente de total
integração. A colecção, ao contrário, pode nos servir de modelo, pois é nela
que triunfa este empreendimento apaixonado de posse, nela que a prosa
quotidiana dos objectos se torna poesia, discurso inconsciente e triunfal.
(Baudrillard, 2004, p.95).

Um sistema organizado cria a interdependência de função, ou seja, a relação


entre os elementos redefinindo suas funções. Transpondo este pensamento para
colecção de Eduardo Matarazzo (Museu de Armas e Veículos Eduardo André
Matarazzo), percebe-se que a colecção pode ser repensada e a cada novo
objecto que é inserido não há a perda da coerência da mesma, permanecendo o
eixo norteador de sentido. Como exemplo, pode-se analisar uma colecção de
miniaturas de automóveis, na qual um objecto não pertencente à mesma
classe/categoria seja inserido.

Fig. 3

Fonte: colecção particular

Num caso como este, há grande quebra de coerência, pois os elementos


componentes desse sistema não se inter-relacionam, as relações não podem ser
repensadas, pois há uma ruptura.

Saussure, ao definir o objecto de estudo da Linguística, traz essa concepção de


estrutura, de sistema, de conjunto organizado em que um elemento se define
pelos demais por relação, como se fosse uma rede de nós, em que um indivíduo
conversa com o outro para formar uma grande teia. Pode-se remeter
aos quipos como forma de escrita, utilizados no sistema de comunicação dos
incas.

O sistema linguístico pode ser entendido então como:


uma rede, em que cada nó está relacionado com os demais nós que
formam a rede, assim como os signos que formam um sistema linguístico
estão relacionados entre si. Concebendo a língua como um sistema de
signos,  Saussure (1969:23-24) define um novo objecto de estudos para
a Linguística. É desse modo que um ponto de vista determina um objecto
de estudos: quando se observa a língua do ponto de vista sistemático, o
que se reconhece nela é uma estrutura. Esse conjunto de relações que as
unidades linguísticas mantêm entre si constitui uma forma. Por
isso, Saussure diz que a língua é forma e não substância. Esse conjunto
de diferenças estabelece os conceitos e os sons na massa amorfa do
pensamento e no plano fónico indeterminado que o aparelho fonador
pode produzir. Para explicar melhor esse conceito,  Saussure usa uma
metáfora, a do jogo de xadrez. O que define o que é uma rainha, não é
seu formato nem o material de que a peça é feita, mas seu valor no jogo,
ou seja, sua oposição em relação às demais peças: os movimentos que
ela pode fazer e as outras não podem. Não importa o material de que a
peça é feita, nem seu formato. No limite, pode-se até jogar xadrez de
memória, sem as peças. O que tem relevância é o valor das peças. Na
língua, isso também ocorre. O que importa é o valor das unidades, ou
seja, sua diferença em relação às demais.” (Pietroforte, 2002, p.83-84).

No sistema linguístico os signos se relacionam com outros signos, formando


uma rede. Esse conjunto de relações constitui uma forma. Para um
coleccionador de carros o objecto tem forma e sentido. O carro X, fabricado em
tal país, foi de tal pessoa, e traz tais recordações – essa seria a forma carregada
de sentido, transpondo-se a noção de forma de Saussure.

O terceiro par de dicotomias seria Significante versus Significado.


Para Saussure o que tem valor é a relação de um signo com outros e não a
relação entre palavras e coisas. Para ele:

O mundo e suas coisas passam para um domínio que está fora dos
estudos linguísticos e a língua ganha uma especificidade própria. Um
significante e um significado (1969:81) formam um signo, que, por sua
vez, é definido dentro de um sistema (1969:23-24), ou seja, um signo
ganha valor na relação com outros signos. Esse conceito de signo traz a
significação para dentro da língua e de sua estrutura. O que significa
são os signos em suas relações uns com os outros e não a relação entre
as palavras e as coisas do mundo. (Pietroforte, 2002, p.85).
A relação entre signos é o marco de Saussure. Pode-se concluir parcialmente
que: um signo tem que se relacionar com outro para formar um texto. Um texto
para ter sentido tem que ser coerente, da mesma forma que um objecto se
relaciona com outro objecto para formar uma colecção. Em outras palavras,
para que uma colecção seja coerente é necessário o sentido do coleccionador.

Se os signos significam dentro de um sistema linguístico, esse sistema


compreende uma visão de mundo, ou seja, um princípio de classificação que,
projectando-se sobre as coisas do mundo, classifica-se de acordo com sua
estrutura interna. Um conceito, ou seja, um significado, é uma ideia que modela
um determinado modo de compreender as coisas. Esse conceito deve,
necessariamente, estar relacionado a um meio de expressá-lo.

É preciso, então relacionar o conceito a uma imagem acústica, ou seja, a um


significante. Essa maneira de ver o mundo varia de língua para língua, já que
cada uma delas é definida por um sistema próprio de signos.

Além do mais, se é pela linguagem que se vêem os factos humanos, se definem


esses fatos, eles podem ser modificados por meio dela. Isso não quer dizer que
se pode modificar o mundo físico por meio da linguagem, mas que cabe a essa
linguagem dar um sentido para as interpretações desse mundo. É esse mundo
de sentido, formado pela linguagem, que pode ser modificado por ela.

Desse modo, pode-se afirmar que é a partir de uma língua que se vêem as
coisas do mundo e não o contrário. " Assim, o signo não une uma palavra a
uma coisa, mas um significante a um significado." (Saussure, 1969:80
apud Pietroforte, 2002, p.86). 

A reconstrução do sentido da colecção pelo coleccionador permite que se


entenda a classificação dada aos objectos, tendo como leitura o contexto sócio-
histórico e cultural vivenciado pelo coleccionador, é a partir do sentido que o
coleccionador dá aos objectos da colecção, que se designa o valor da mesma.
Daí a união do significante ao significado – o objecto à colecção.

O quarto e último par de dicotomias é Paradigma versus Sintagma. Por


paradigma pode-se entender a relação de selecção, uma série de elementos
linguísticos, susceptíveis de figurar no mesmo ponto do enunciado, e significa
modelo, exemplo. Sintagma é a relação de combinação, que obedece a um
padrão definido pelo sistema, coisa posta em ordem. O paradigma não é
qualquer associação de signos pelo som e pelos sentidos, mas uma série de
elementos linguísticos susceptíveis de figurar no mesmo ponto do enunciado, se
o sentido for outro.” (Pietroforte, 2002, p.89).

As relações paradigmáticas na colecção são a exclusão ou selecção desse ou


daquele objecto, para aquisição e ampliação da mesma. As relações no
sintagma "não se combinam quaisquer elementos aleatoriamente. A
combinação no sintagma obedece a um padrão definido pelo sistema.”
(Pietroforte, 2002, p.89).A relação sintagmática de um objecto para outro existe
quanto à organização da colecção, no que se refere à disposição dos objectos e
à exposição ao público.

A diferença entre as relações sintagmáticas e as paradigmáticas não é a mesma


que existe entre língua e fala (Saussure, 1969: 26-28). Aquelas, por relacionar
no mínimo dois elementos linguísticos, são um tipo de relação em que os
elementos relacionados se encontram em presença um do outro, já as relações
paradigmáticas, porque dizem respeito à selecção entre elementos, são um tipo
de relação em que o elemento seleccionado exclui os demais elementos da
relação.

Assim, as relações paradigmáticas entre os elementos linguísticos ocorrem em


ausência, ao contrário das sintagmáticas, que ocorrem pela presença dos
elementos relacionados (Saussure, 1969:143 apud Pietroforte, 2002, p.89). 

As relações sintagmáticas e paradigmáticas podem ser usadas em outras


semiologias inclusive na organização de colecções e museus. Para o melhor
entendimento do que seja a colecção, mas sob o foco de como poderia se sentir
um objecto de colecção citamos um trecho de um artigo de Andrade (2005), no
qual o autor apresenta o diálogo entre dois objectos: Miguel e Daniel. O
diálogo relata os objectos “olhando” para os coleccionadores, ou seja, os
objectos metaforicamente conversando, tendo sentimentos:

Os objectos [...] ao serem singulares, mostram-se igualmente


permutáveis, e só assim se constituem em colecções. A Colecção é uma
coleccionação, ou seja, o processo social e cultural pelo qual diferentes
elementos (objectos, sujeitos individuais ou colectivos, etc.) encontram-
se relacionados entre si, através de determinadas regras. A
coleccionação consiste numa permutação infinita de classificações e de
desclassificações desses elementos. Em relação a ti, objecto de colecção,
os objectos teus amigos de colecção, precisamente pelo facto de
funcionarem como objectos ímpares, podem ser integrados numa ou
noutra colecção, de acordo com as regras, taxonómicas ou outras, que
as regem. Pelo que me dizes, tu não passas de um objecto objectivo, que
pensa que a objectividade, e mais nada, constitui a tua natureza. O
Miguel, pelo contrário, pensa-se um objecto bastante subjectivo, com
uma personalidade individualizada. No entanto, as coisas não são assim
tão lineares. Os objectos não só têm uma vida própria, mas apresentam
duas vidas, uma antes de entrarem numa colecção, e outra depois de
serem coleccionados. (Andrade, 2005, p.208).

O objecto tem uma vida própria, uma função específica para a qual foi criado,
mas apresentam duas vidas, ou mais vidas, pois quando é inserido numa
colecção toma o sentido que o coleccionador dá a mesma. Sob este enfoque de
relação do objecto com a colecção em que está inserido, pode-se retomar o
conceito de sistema linguístico de Saussure em que a relação do signo se dá
pela relação com outros signos.

Somando-se aos conceitos saussurianos, apresentam-se, na sequência, os


conceitos de coesão e coerência, com a intenção de aplicá-los como parâmetros
de análise nas leituras das colecções. Nesta análise, a coerência textual terá
maior enfoque, pois o que se pretende é estabelecer a reconstrução do sentido
da colecção de armas e veículos do Sr. Eduardo André Matarazzo.

De acordo com Marcuschi (1983 apud Koch, 2001, p.35) a coesão textual é


formada por aqueles factores que “dão conta de sequenciação superficial do
texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer,
entre os elementos linguísticos do texto, relações de sentido.” 
Numa análise comparativa, pode-se compreender como factores coesivos de
uma colecção os objectos componentes em si, ou seja, no caso da colecção do
sr. Eduardo, os carros, aviões, motos, etc.

Fig. 4
Museu de Armas e Veículos Eduardo André Matarazzo – Bebedouro/SP
Fonte: http://www.museueduardoamatarazzo.com.br/

Koch diz que a coesão é “sinalização textual”, que:

  tem a função básica de organizar o texto, fornecendo ao interlocutor


“apoios” para o processamento textual, através de “orientações” ou
indicações para cima, para baixo (no texto escrito), para a frente e para
trás, ou, ainda, estabelecendo uma ordenação entre segmentos textuais
ou partes do texto. (Koch, 2001, p.37).

A leitura de uma colecção pode ser feita de forma aleatória, o leitor / visitante
de uma colecção tem indícios da organização da colecção pelos próprios
objectos que a compõem, porém falta algo que dê sentido a esta. Falta algo que
preencha este sistema de objectos: a relação (do sistema de Saussure), o
sentido, a coerência (a “argamassa que liga o azulejo ao chão”).O que vem a
ser a coerência? Para a Linguística Textual:

A coerência [...] longe de construir mera qualidade ou propriedade do


texto, é resultado de uma construção feita pelos interlocutores, numa
situação de interacção dada pela actuação conjunta de uma série de
factores da ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interaccional.
(Koch e Travaglia, 1989 e 1990 apud Koch, 2001, p.41).

Ou seja, a coerência é algo construído com sentido, envolvendo-se motivos,


contextos, pensamentos, cultura e pessoas. Se, porém, é verdade que a
coerência não está no texto, é verdade também que ela deve ser construída a
partir dele, levando-se, pois, em conta os recursos coesivos presentes na
superfície textual, que funcionam como pistas ou chaves para orientar o
interlocutor na construção do sentido.

Para que se estabeleçam as relações adequadas entre tais elementos e o


conhecimento de mundo (enciclopédico), o conhecimento socioculturalmente
partilhado entre os interlocutores e as práticas sociais postas em acção no curso
da interacção, torna-se necessário, na grande maioria dos casos, proceder a um
cálculo, recorrendo-se a estratégias interpretativas, como as inferências, bem
como as estratégias de negociação do sentido. (Koch, 2001, p.41).

O sentido do texto é algo construído, formado com elementos coesivos e


conhecimentos de mundo, conhecimento socioculturais partilhados, língua
comum, há uma negociação para construir-se sentido. Numa colecção há a
formação e a construção deste sentido também. Um objecto não diz nada
sozinho, basta recordar Manuel falando com Daniel no texto
de Andrade (2005).

Quando o objecto se une a outros objectos, ele toma sentido, porque segue as
regras aí instituídas. O objecto segue o contexto, a direcção da colecção, dado
pelo coleccionador, formado pelos factores psicológicos, sociais, culturais,
financeiros e intelectuais do mesmo. Mais a frente esta abordagem de contexto
será focada em situacionalidade.

Voltando ao caso da colecção em estudo, mas usando uma representação muito


simples do que seria a colecção, pode-se entender sobre a coerência do
coleccionador. Se houvesse uma organização cronológica para a fabricação dos
carros e eles fossem expostos ao público da seguinte forma:

Fig. 5
Fonte: colecção particular

Supõe-se que estejam organizados da seguinte forma: o carro preto fabricado


em 29, Studebacker vermelho em 50, o guincho Ford em 53, o Cadillac azul
em 57 e o Fusca amarelo em 60. A análise que se tem apenas olhando para os
objectos seria de que os objectos seguem uma ordem de fabricação, mas essa
leitura só poderá ser feita se houver informações sobre a evolução de fabricação
dos automóveis. Para um leigo no assunto, a coerência poderia ser a seguinte:

Fig. 6

Fonte: colecção particular

Observa-se que há uma alteração na sequência dos carros: o carro preto


fabricado em 29 (permanece), o amarelo em 60 (sai da última posição e passa a
ocupar a segunda na disposição sequencial), o guincho em 53 (permanece), o
azul em 57 (permanece) e o vermelho em 50 (sai da segunda e passa a ocupar a
quinta posição). Há apenas uma inversão, mas que muda a sequência e a
coerência da colecção.
Para um leigo isto não faria muita diferença, pois os carros permanecem aí, da
mesma forma, nas mesmas cores, porém perdeu-se a coerência de sentido, pois
se a regra era a ordem cronológica de fabricação, o de 60 acaba aparecendo
antes do 53.

De acordo com a passagem já citada de Baudrillard, mesmo que os objectos


tenham suas individualizações, ele absorva o sentido da organização da
colecção.

 Só uma organização mais ou menos complexa de objectos que se


relacionem uns com os outros constitui cada objecto em uma abstracção
suficiente para que possa ele ser recuperado pelo indivíduo na
abstracção vivida que é o sentimento de posse. Esta organização é a
colecção. O meio habitual conserva um estatuto ambíguo: nele o
funcional desfaz-se continuamente no subjectivo, a posse mistura-se ao
uso, em um empreendimento sempre carente de total integração. A
colecção, ao contrário, pode nos servir de modelo, pois é nela que
triunfa este empreendimento apaixonado de posse, nela que a prosa
quotidiana dos objectos se torna poesia, discurso inconsciente e triunfal.
(Baudrillard, 2004, p.95).

O objecto, depois de inserido numa colecção, representa o sentido atribuído


pelo seu coleccionador, ou seja, ela representa a posse de seu coleccionador.
Voltando à análise de coerência, se uma colecção de automóveis relaciona estes
tipos de automóveis, naturalmente não aceita outro tipo de objecto. Pode-se
representar isto da seguinte forma:

Fig. 7
Fonte: colecção particular

Numa análise como esta há a quebra de coerência, pois objectos de diferentes


formas são misturados. Carros e animais não combinam, pois são categorias
diferentes numa colecção de automóveis. Há a quebra das regras, ou seja, do
sentido instituído pelo coleccionador, que seria a ordem cronológica de
fabricação de automóveis.

Como nos textos a coesão e coerência estão presentes, sempre juntas, as duas “
passam a constituir as duas faces de uma mesma moeda, ou então, para usar
de uma outra metáfora, o verso e o reverso desse complexo fenómeno que é o
texto.” (Koch, 2001, p.45).

Na colecção o mesmo acontece. A coesão, apresentada como sendo os objectos


em si, e a coerência, como sendo o sentido dado pelo coleccionador, não
funcionam separadamente, elas se apresentam como o verso e o reverso do
fenómeno, como verso e anverso de uma folha de papel. O fenómeno
do coleccionismo permite esta leitura.

Para Baudrillard, o processo sistemático de coerência da colecção actua:


sobre o conjunto da quotidianidade na estrutura trabalho-lazer, onde o
lazer não é de forma alguma superação nem mesmo uma saída para a
vida activa, mas onde uma mesma quotidianidade se desdobra para
poder, para além das contradições reais, estabelecer-se como sistema
coerente e definitivo. O processo é certamente menos visível ao nível dos
objectos isolados, mas dá-se que cada objecto-função é desta forma
susceptível de se desdobrar, de se opor assim formalmente a si mesmo
para melhor se integrar no conjunto. (Baudrillard, 2004, p.89).

Nesta visão, pode-se compreender a coesão como os objectos da colecção em si


e a coerência como a organização do sentido da colecção, ou seja, desde que
não haja a representação do sentido que direcciona a colecção, não será
possível a recuperação fidedigna do objecto na visão do coleccionador. O
objecto quando inserido na colecção absorve seu sentido, ele abre mão de sua
função particular para se integrar ao conjunto, como no diálogo de Daniel e
Miguel.

Na Linguística o elo entre a coesão, a coerência e o sentido do texto encontra-


se na situacionalidade. Para Baugrande e Dressler (1981 apud Koch; Travaglia,
2000, p.76) “a situacionalidade refere-se ao conjunto de factores que tornam
um texto relevante para dada situação de comunicação corrente ou passível de
ser reconstituída.”Koch e Travaglia (2001, p.69) classificam a situacionalidade
em duas direcções: A) da situação para o texto e B) do texto para a situação.

No caso A, “trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa


interfere na produção/recepção do texto e, portanto, no estabelecimento da
coerência.” (Koch; Travaglia, 2001, p.69). A situação entendia em dois
sentidos: estrito – contexto imediato da interacção; e amplo – contexto sócio-
político-cultural em que a interacção está inserida.

No caso B,  "o produtor recria o mundo de acordo com seus objectivos,


propósitos, interesses, convicções, crenças, etc. O mundo criado pelo texto não
é, portanto, uma cópia fiel do mundo real, mas o mundo tal como é visto pelo
produtor a partir de determinada perspectiva, de acordo com determinadas
intenções." (Koch; Travaglia, 2001, p.70).

A situacionalidade aplicada ao estudo do coleccionismo possibilita a seguinte


leitura. No caso  A  pode-se focar no sentido amplo, no qual o contexto sócio-
político-cultural em que o coleccionador vive, influencia directamente na
escolha do tipo de objecto que vai coleccionar. Neste estudo as categorias: tipo,
marca, modelo e ano de carros que estariam sendo escolhidos, são exemplos
claros da influência da situacionalidade permeando o contexto comunicativo.
No caso  B  a representação do mundo real é apresentada de acordo com os
objectivos, interesses e leituras que o coleccionador faz dos objectos que
compõem sua colecção.

O sentido da organização é dado pelo coleccionador. Pode-se verificar que


tanto o caso  A  quanto o  B  se inter-relacionam permitindo com que o
contexto em que o coleccionador cresce e tem sua formação, mais seus
interesses pessoais, marcam as características de sua colecção. A
situacionalidade ocorre nas duas direcções tanto da situação para a colecção,
quanto da colecção para a situação.

Considerações Finais
Como afirma Baudrillard “o objecto puro, privado de função ou abstraído de
seu uso, toma um estatuto estritamente subjectivo: torna-se objecto de
colecção.” (Baudrillard, 2004, p.94). A proposta de um mapeamento de
coleccionador pode ser a reconstrução de sentidos, pois:

O profundo poder dos objectos coleccionados não lhes vem, com efeito,
nem de sua singularidade nem de sua historicidade diversa, não é por
este meio que o tempo da colecção deixa de ser o tempo real, é pelo fato
de a própria organização da colecção substituir o tempo. ...
Inventariando o tempo em termos fixos com os quais pode jogar
reversivelmente, a colecção representa o perpetuo reinicio de um ciclo
dirigido onde o homem se entrega a cada instante e com absoluta
segurança – partindo não importa de que termo e seguro de a ele voltar
– ao jogo do nascimento e da morte. (Baudrillard, 2004, p.103).

Este estudo está em aberto, pois o coleccionador já faleceu e o sentido de sua


colecção tem se perdido com o tempo. Até o momento, resgatou-se que o
sentido atribuído pelo coleccionador para a busca seja tipológico - por marcas;
e cronológico para organização e disposição do público. Não há registos sobre
a organização e desenvolvimento da colecção, porém, a reconstrução tem se
dado através de entrevistas com pessoas que viveram próximas ao
coleccionador, bem como próximas à colecção.

Notas
quipos -A palavra significa “nó” na língua dos ancestrais dos peruanos e era
justamente assim que as informações mais importantes eram registadas: a partir
de nós com grossuras e cores diferentes, formando mensagens que eram
interpretadas pelos quipucamayocs, os especialistas da sociedade incaica nessa
espécie de escrita. 

Referências bibliográficas

ANDRADE, Pedro. Os objectos que coleccionavam sujeitos (estilo ou género


de escrita: diálogos sociológicos). Episteme, Porto Alegre, n. 20, suplemento
especial, p.206-210, jan./jun., 2005.

BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objectos. Tradução por Zulmira Ribeiro


Tavares. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. 230 p. (Debates, 70).

FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística: I. objectos teóricos. São


Paulo: Contexto, 2002. 226 p.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 13


ed. São Paulo: Contexto, 2001. 94 p. (Repensando a Língua Portuguesa).

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 7 ed.


São Paulo: Cortez, 2000. (Estudos de Linguagem, 4).

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 5 ed. São Paulo:
Contexto, 2001. 124 p. (Caminhos da linguística).

LIMA, Renata. A arte fascinante de coleccionar. Collector’s Magazine.


Disponível em: 
em <http:/ipcolecionismo.com.br/exibir_textos.php?noticia=198>. Acesso em:
23 fev. 2005.

PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objecto da Linguística. In:


FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística: I. objectos teóricos. São
Paulo: Contexto, 2002. 226 p.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Tradução por António


Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1971. 279
p.

Textos  de Ferdinand de Saussure, Roman Jakobson, Louis Trolle Hjelmslev,


Noam Chomsky. Tradução por Carlos Vogt et. al. 3 ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1985. (Os Pensadores).

Sobre o autor / About the Author:

Mara Angélica Pedrochi

mmpedrochi@ig.com.br

Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da


Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp.

João Batista Ernesto de Moraes

prof.joao@gmail.com

Professor Assistente-Doutor do Departamento de Ciência da Informação da


Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp – Marília. Docente do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Informação. Tutor do Grupo PET/MEC/SESu de
Biblioteconomia.

 História da Linguística
O objecto de estudo da Linguística não é novidade, nem recente. Desde a Antiguidade, já se estudavam
as línguas, a linguagem, no entanto “o termo [Linguística] foi empregado pela primeira vez em meados
do século XIX, para distinguir as novas directrizes para o estudo da linguagem, em contraposição ao
enfoque filológico mais tradicional.”1 A ciência linguística se tornou especialmente conhecida e ensinada
na década de 60.

De qualquer maneira, é de utilidade apresentar um panorama sobre os estudos linguísticos nas diversas
épocas. Como referência, será utilizado o Um Traçado da História da Linguística2, do qual é feita uma
espécie de resenha a seguir.

Dividiremos em 4 períodos: Antiguidade, Medievo, Modernidade e Contemporaneidade.

1. Antiguidade

 Tradição babilónico: os textos mais antigos datam de cerca de 4.000 anos atrás. Nos primeiros
séculos do segundo milénio a.C., no sul da Mesopotâmia, surgiu uma tradição gramatical –
nomes/substantivos em sumério (língua dos textos religiosos e sagrados) – que durou mais de 2.500
anos. O sumério foi sendo trocado no discurso do quotidiano por outra língua diferente (o acádio).
Continuou prestigioso e usado em contextos religiosos e legais; foi ensinado então como língua
estrangeira.
 Tradição hindu: ela tem origem no primeiro milénio a.C. e foi estimulada por mudanças no
sânscrito (língua sagrada dos textos religiosos). O ritual exigia a exacta realização verbal dos textos
religiosos; então a tradição gramatical mais conhecida é a de Pānini, cuja gramática cobria a fonética e a
morfologia.
 Linguística grega: como em outras áreas de esforço intelectual, os gregos fizeram investigação
filosófica sobre a linguagem: a origem da linguagem; sistemas de partes do discurso; relação entre
linguagem e pensamento; iconicidade e arbitrariedade das palavras-signos. No Crátilo de Platão,
Sócrates aparece defendendo a conexão natural; Aristóteles, por outro lado, favorecia a convenção em
vez da natureza. É de Dionísio Thrax, Technē Grammatikē, uma breve descrição do grego tratando de
fonética e fonologia (inclusive partes do discurso). Apolônio Díscolo, séculos depois, descreverá a
sintaxe grega.
 Tradição romana: continuou com o mesmo interesse da linguística grega. O interesse primário
era em morfologia, particularmente nas partes do discurso e as formas de nomes/substantivos e verbos.
A sintaxe foi largamente ignorada. Varrão produziu uma gramática do latim. As gramáticas tardias de
Donato e de Prisciano foram muito influentes na Idade Média.
 Tradições arábica e hebraica: a tradição gramatical grega teve forte influência sobre a tradição
arábica, que também se focava na morfologia e tinha descrições fonéticas precisas. Influenciou a
tradição hebraica. Ben Josef al Fayyum produziu a primeira gramática e o dicionário de hebraico. A
tradição gramatical hebraica atingiu seu pico com David Kimhi e em subsequência teve forte impacto na
linguística europeia.

2. Medievo

Na Idade Média, o latim era tido em grande estima como língua franca e como a primeira língua escrita.
Gradualmente cresceu nos estudiosos o interesse pelas línguas vernaculares. Gramáticas pedagógicas
do latim para nativos de outras línguas começaram a aparecer. Um abade na Bretanha, mais ou menos
no ano 1.000, escreveu uma gramática do latim para crianças falantes do anglo-saxão. Escreveram-se
também gramáticas descritivas dos vernáculos, que geralmente apresentavam as línguas aos moldes do
latim.

No séc. XII, apareceu a noção da natureza universal da gramática. Bacon sustentava que a gramática
fosse fundamentalmente a mesma em todas as línguas, com diferenças incidentais e superficiais. No
mesmo século ainda, houve O Primeiro Tratado Gramatical de um desconhecido autor da Islândia que
apresentava uma breve descrição fonológica do islandês e que se preocupava em corrigir desta língua
imperfeições do sistema de escrita baseado sobre o latim.

Pelo colonialismo europeu, tomou-se ciência de diversas línguas. Os estudiosos compilavam listas de
palavras e comparavam as línguas, o que viria a gerar o método comparativo.

Ao final do séc. XVI, surgiu a noção de que as línguas europeias formam uma família e que a partir das
línguas filhas se voltaria a uma única língua antiga. Andreas Jäger propôs isso em 1686 definindo a terra
natal desta língua antiga como as montanhas caucasianas, de onde as línguas se espalharam para a
Europa e Ásia. Por equívoco de história, é a William Jones dado o crédito da descoberta da relação das
línguas indo-europeias e a fundação da linguística comparativa. Outras famílias foram reconhecidas
depois. Rasmus Rask apontou a importância da evidência gramatical para o estabelecimento das
relações entre as línguas.

A linguística no período colonial tinha outras preocupações que não a comparação e classificação de
línguas. Escreveram-se gramáticas das línguas europeias e das línguas das colônias. Os missionários
tiveram um papel importante e suas gramáticas de línguas não europeias dominaram do séc. XVI ao
XVIII. O padre jesuíta José de Anchieta é uma figura de destaque: conhecia o português, o castelhano, o
latim, e aprendeu o tupi, compondo a primeira gramática deste. O latim era a base das gramáticas
missionárias, ainda que os melhores gramáticos missionários tivessem consciência dos problemas de
aplicar as classes e estruturas latinas às outras línguas.

3. Modernidade

A linguística moderna surgiu no final do séc. XIX e começo do séc. XX trocando o foco da mudança da
língua ao longo do tempo para aquele de um sistema estruturado e autónomo em determinado ponto no
tempo, formando, então, a base da linguística estruturalista no período pós-Primeira Guerra.

O linguista suíço Ferdinand de Saussure, conhecido como o pai da linguística moderna, é amplamente
reconhecido por essa mudança de foco. Ele mesmo escreveu pouco, mas seus alunos, por notas de
aulas, reconstruíram suas ideias, publicando-as postumamente em 1916 no Curso de Linguística Geral.
Saussure defendeu a conceituação e a arbitrariedade do signo linguístico, sendo de grande influência.

A Fonética e a Fonologia foram dominantes na linguística moderna inicial. O IPA (International Phonetic
Association) foi estabelecido em 1886 por um grupo de foneticistas europeus.

 A Escola de Praga

O interesse primário do Círculo Linguístico de Praga (capital da República Checa), estabelecido em


1926, era teoria fonológica. O professor russo em Viena, Nikolai Trubetzkoy (luz guia neste domínio), fez
importantes contribuições à noção de fonema. A colocação do fonema no centro da teoria linguística
como uma das unidades mais fundamentais foi bem sucedida pela escola de Praga. Estes linguistas
também contribuíram com a sintaxe. Jakobson talvez seja o representante mais famoso da escola de
Praga.

 Estruturalismo Britânico

Firth, que estabeleceu a chamada London School (Escola de Londres), trouxe perspectivas originais e
provocativas à linguística. Questionou a admissão de que o discurso pode ser dividido em segmentos de
som um após o outro. Firth estava profundamente preocupado com o significado, desenvolvendo uma
teoria contextual do significado, de onde o aforismo “o significado é o uso em contexto”. Ele não
desenvolveu completamente uma teoria de gramática; deixou uma estrutura sobre a qual se poderia
desenvolver uma teoria.

 Estruturalismo Dinamarquês

A escola de Copenhague era chefiada por Louis Hjelmslev, que desenvolveu uma teoria algébrica da
linguagem chamada Glossemática, que se focava nas relações entre unidades no sistema da língua. A
teoria antecipou a orientação algébrica dos linguistas americanos do pós-1940. Uma geração de
linguistas dinamarqueses foram influenciados por esta teoria no período de 1930-1960.

 Estruturalismo Americano
Franz Boas, Edward Sapir e Leonard Bloomfield foram os responsáveis pela vertente do estruturalismo
americano. A preocupação maior de Boas era reunir informações sobre as línguas e culturas dos
americanos nativos antes que desaparecessem, e os métodos que ele e seus alunos desenvolveram
para a descrição dessas línguas deram a base para o estruturalismo americano. Boas, com seu aluno
Sapir, defendia que as línguas deviam ser descritas em seus próprios termos, em vez de aos moldes das
línguas europeias.

A preocupação primária de Bloomfield era estabelecer a linguística como ciência. Sua abordagem,
focada na metodologia, era força dominante na linguística americana dos anos 30 até meados dos anos
50. Os métodos analíticos tentavam excluir o significado o tanto quanto fosse possível.

4. Contemporaneidade

Costuma-se dividir a vasta gama de enfoques linguísticos em dois tipos primários, formal e funcional,
conforme o foco seja respectivamente a forma ou a função, apesar de que esta divisão é mal arranjada,
porque as teorias não se encaixam perfeitamente nesta divisão.

 Linguística Formal

A principal corrente do estruturalismo neobloomfieldiano se tornou cada vez mais de orientação algébrica
desde o fim da Segunda Guerra, e se focava cada vez mais na sintaxe. Em 1957, isso sofreu um desafio
maior com a publicação de Noam Chomsky de Estruturas Sintácticas. Influenciado pelos recentes
desenvolvimentos da lógica matemática, ele rejeitava explicitamente os procedimentos de descoberta, a
posição sem teoria, o sustento da psicologia behaviorista e a orientação empírica da tradição
neobloomfieldiana.

O pensamento de Chomsky rapidamente se tornou dominante na América, na Europa e em todo lugar. A


gramática é considerada como um sistema formal explicitando os mecanismos – primeiro em termos de
regras, depois por outros meios – pelos quais as frases gramaticais de uma língua podem ser geradas,
daí a corrente ser chamada de gramática gerativa. A teoria generativa se desenvolveu rapidamente.

 Linguística Funcional

No final dos anos 50, houve novos desenvolvimentos em linguística na Europa. Eles, sob liderança de
André Martinet e Michael Halliday, decolaram em direções funcionalistas, salientando tanto o lado do
significado do signo de Saussure quanto a ideia de que a língua se desenvolve por causa dos seus usos.

Mais tarde, em oposição à linguística chomskiana, a partir do final dos anos 60, desenvolveu-se a
gramática funcional pelo linguista holandês Simon Dik. Rejeitando as noções principais da gramática
gerativa, ele exigia seriamente explicitação analítica e teorética.

Uma escola de pensamento sem líder reconhecido, a Gramática Funcional da Costa Oeste, surgiu nos
EUA, com seus praticantes localizados na costa oeste da América, pelo mesmo tempo. A ideia
proeminente desta corrente era a de que as categorias gramaticais são funcionais – serviam a algum
propósito, não eram arbitrárias. As linhas da gramática cognitiva (associada a Ronald Langacker) e da
gramática construtiva (Charles Fillmore e associados), em contraste com a Gramática Funcional da
Costa Oeste, interpretam o signo saussureano como peça central da gramática.

Ao final dos anos 50 na América, Joseph Greenberg começou a repensar questões de universais e
tipologia da linguagem. Ele procurava os universais empiricamente, investigando muitas línguas,
rejeitando o racionalismo de Chomsky e seu foco excessivo em uma única língua, o inglês. A corrente
greenbergiana é uma das menos funcionalistas das escolas funcionalistas.

Escopo da Linguística Moderna

A linguística contemporânea é um campo ricamente diversificado, de modo que nenhum estudioso


espera cobri-los todos. A gramática gerativa é aquela que tem maior força ao guiar suas orientações e
metas, ainda que outras teorias também tenham tido algum impacto.

Quase 7.000 línguas são faladas hoje. Um número de linguistas se ocupa com colher dados de línguas
pobremente documentadas. Linguistas missionários continuam com papel proeminente. Os avanços
tecnológicos desde o começo do séc. XX – incluindo gravadores de áudio e vídeo, e computadores – têm
facilitado imensamente a tarefa de documentação e descrição das línguas.

Os linguistas têm se aplicado a crescentes interesses além dos tradicionais como o aprendizado de
língua, o letramento e a tradução. Por exemplo, a linguística descritiva, a psicolinguística, a pragmática e
a análise de conversação, a sociolinguística, a linguística computacional.

Referências:

1. http://www.portuguesdobrasil.net/linguistica.htm, acesso em 30 abril 2012


2. http://mcgregor.continuumbooks.net/media/1/history_outline.pdf, acesso em 30 abril 2012

signo linguístico
Na conceção da linguística estruturalista, o signo linguístico é uma entidade psíquica indivisí
vel, composta por doiselementos: o significado ou conceito e o significante ou a forma linguí
stica na sua realização fonética ou gráfica. O signolinguístico é arbitrário porque não preten
de assemelhar-se ao seu referente. Diversas línguas atribuem diversos
significantes a um significado idêntico. As onomatopeias e as exclamações são consideradas 
o único vestígio do signo
motivado. Atualmente nenhuma escola linguística contesta o princípio da arbitrariedade. O s
istema linguístico organiza ossignos em relações paradigmáticas e sintagmáticas. Em compa
ração com outros signos, o signo linguístico épraticamente imutável. A sua eventual modific
ação resulta dos mecanismos da evolução da língua e não da volição deum utente.
Signo linguistico

Na linguística saussuriana, diz-se que a relação que une o significado ao significante é marcada
pela arbitrariedade. De forma geral, pode-se dizer que o signo linguístico é arbitrário porque é sempre
uma convenção reconhecida pelos falantes de uma língua. Por exemplo, a ideia de garrafa e o seu
significante [g a R a f a ] mostra que existe arbitrariedade na relação significado/significante, porque
em outras línguas o registo fonético é diferente para o mesmo significado (bottle, em inglês,
ou bouteille, em francês). Quer dizer, não existe uma relação natural entre a realidade fonética de um
signo linguístico e o seu significado.
Ainda na teoria saussuriana, consideram-se dois tipos de arbitrariedade: a absoluta e a relativa,
para dizer, respectivamente, a imotivação total do signo (tomado isoladamente) e a motivação
relativa, de que são exemplo os derivados (pereira remete-nos para a palavra original pêra, mas o seu
sufixo -eira lembra-nos outros signos semelhantes como bananeira ou macieira).
A arbitrariedade do signo linguístico tem sido objecto, neste século XX, de grande discussão.
Em “La linguistique en France” (Journal de psychologie normale et pathologique, 33, 25, 1937), E.
Pinchon chama a atenção para que a realidade fonética do signo não é diferente nem existe
independentemente do significado, pelo que conclui que tal relação é necessária e não arbitrária.
Em Problèmes de linguistique générale (1966), Emile Benveniste argumenta que o vínculo entre
significado e significante não é arbitrário mas necessário, porque as duas realidades do signo são
indissociáveis. Jacques Derrida pronunciou-se também criticamente em relação ao modelo
saussuriano: “A tese do arbitrário do signo (….) deveria proibir a distinção radical entre signo
linguístico e signo gráfico. Sem dúvida, esta tese refere-se somente, no interior de uma relação
pretensamente natural entre a voz e o sentido em geral, entre a ordem dos significantes fónicos e o
conteúdo dos significados (…), à Necessidade das relações entre significantes e significados
determinados. Somente estas últimas relações seriam regidas pelo arbitrário. No interior da relação
‘natural’ entre os significantes fónicos e seus significados em geral, a relação entre cada significante
determinado e cada significado determinado seria ‘arbitrária’. Ora, a partir do momento em que se
considera a totalidade dos signos determinados, falados e a fortiori escritos, como instituições
imotivadas, dever-se-ia excluir toda a relação de subordinação natural, toda a hierarquia natural entre
significantes ou ordem de significantes.” (Gramatologia, trad. de Miriam Schnaiderman e Renato J.
Ribeiro, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1973, pp.53-54).

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