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Maio 2009
Resumo:
Esse artigo pretende observar a contribuição da lingüística para um estudo
antropológico no que diz respeito à descrição da realidade observada. Para isso, propõe-
se um recorte sob o caráter crítico, que se espera do pesquisador, acerca da descrição
científica de seu objeto de estudo retirado do real. No entanto, cabe-me ressaltar o
recorte, a que se propõe essa discussão, no desenvolvimento da categoria “registro”
como o primeiro passo de uma reflexão surgida na pesquisa de iniciação científica
intitulada, “Interfaces e diálogos no processo de elaboração do registro dos produtos
multimídia”. Assim, essa visa a estabelecer o diálogo já proposto nesta entre a
“instrumentalização” teórica da ciência da linguagem e a antropologia na representação
lingüística da realidade estudada.
Palavras chave: Lingüística – Estudo antropológico – Caráter crítico-descritivo –
diálogo – registro
Abstract:
This article aims to observe the contribution of linguistics to an anthropological
study as regards the description of the observed reality. For this, it is proposed a cut in
the critical feature that is expected of the researcher, about the scientific description of
its object of study taken from the real. However, it is for me the highlight clipping, as
this discussion suggests, the development of the "record" as the first step of a reflection
has emerged in the research of scientific initiation entitled, "Interfaces and dialogues in
the process of preparing the record of multimedia products." Thus, it aims to establish
dialogue between the already proposed this "instrumentalization" of the theoretical
science of language and linguistic anthropology in the representation of reality studied.
1
Graduado em Português/literaturas (UFF), graduando em Português/alemão (UFF) e atualmente cursa a
especialização em leitura e produção de textos (UFF). Tem experiência na área de Letras, atuando
principalmente nos seguintes temas: alteridade, diálogo e contexto.
Endereço eletrônico: romulopsouza@gmail.com.
REVISTA LITTERIS No 2 ISSN: 1982-7429 www.revistaliteris.com.br
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recebe um nível de informação de fundo sob o olhar daquele que faz a etnografia. Esse,
por sua vez, convive com a cultura e registra o meio observado através de sua
construção própria ou, em outras palavras, a sua idiossincrasia.
A linguagem, então, está como recorte de uma realidade mais direta, ainda que o
processo lingüístico se faça através da abstração dos elementos culturais observados. O
lingüista não tem uma construção própria do que analisa. Afinal, essa faz parte da
sociedade a qual pertence e exerce uma outra função no estudo antropológico. É o que
diz Lévi-Strauss quanto à metodologia lingüística:
“Somos levados, realmente, a indagar se diversos aspectos da vida social
(aí compreendidas a arte e a religião) – cujos estudos já sabemos que podem se
valer de métodos e noções tomados da lingüística – não consistem em fenômenos
cuja natureza se assemelha à da linguagem.” (LÉVI-STRAUSS, 1996: 78)
E tal comparação entre os métodos é feita, de forma mais explícita, no trecho:
“Toda a demonstração, cujas articulações principais recordamos acima,
pôde ser bem conduzida sob uma condição: considerar as regras do casamento e
os sistemas de parentesco como uma espécie de linguagem, isto é, um conjunto
de operações destinadas a assegurar, entre os indivíduos e os grupos, um certo
tipo de comunicação.”
(LÉVI-STRAUSS, 1996: 77)
Dessa forma, os estudos de linguagem também exercem o seu auxílio ao registro
dos estudos antropológicos com o objetivo de precisar a cultura pesquisada de forma
estrita e menos indireta. Sob isso, ainda observamos o antropólogo dizer que:
“De todos os fenômenos sociais, somente a linguagem parece presentemente suscetível
de um estudo verdadeiramente científico, que explique a maneira pela qual ela se formou e
preveja certas modalidades de sua evolução ulterior.” (LÉVI-STRAUSS, 1996: 74)
Esses seriam uma forma de obedecer a um critério que ainda persistiu durante
muito tempo entre os cientistas. A antiga defesa da objetividade no campo científico,
porque uma descoberta, no ramo da ciência, estaria isenta de tendências pessoais.4 Idéia
encontrada em um livro de semiótica publicado na década de 80 no Brasil.5 Pois para o
autor:
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Aí está o que esse artigo entende por complexidade do aspecto de registro pela
linguagem: O ato de registrar não pode ser analisado como mera observação do meio
pesquisado. Por isso, faz-se necessário a análise crítica desse processo no diálogo entre
as disciplinas que apresentam, em um primeiro momento, diferenças no modo como
encaram, de forma científica, a realidade pesquisada.
Lévi-Strauss ressalta tal interdisciplinaridade quando diz que:
“Cabe ao lingüista dizer se as estruturas lingüísticas destas regiões podem ser,
mesmo aproximadamente, formuladas nos mesmos termos ou em termos equivalentes.
Se tal sucedesse, teria sido dado um grande passo para o conhecimento dos aspectos
fundamentais da vida social.” (LÉVI-STRAUSS, 1996: 82) 9
No entanto, devemos destacar o que ele chama de risco elaborado nesse tipo de
trabalho. Isso revela o fato de que registrar o campo pesquisado é uma ação muito
complexa e a etnografia não é pura técnica. Ou seja, em outras palavras, essa não se
atém ao registro formal pela linguagem, apesar desta assumir a função de instrumento
imprescindível.
Tal descrição densa perpassa todos os aspectos vividos pelo etnógrafo em
campo. O antropólogo consciente dessa teia difusa, em que está emaranhado, atua, de
forma crítica, diante do caráter descritivo do seu trabalho, enquanto o lingüista deve
perceber o diálogo, inerente aos estudos lingüísticos, com outras disciplinas, como a
Antropologia.
É o que observamos Goody, quando este diz que:
colocada nos parágrafos anteriores a respeito desse aspecto da linguagem sob o prisma
de quem vive de sua instrumentalização.
Já os lingüistas observam-na de forma semelhante, mas com o foco para a
ciência desta. A crítica, nesse caso, insere-se no lugar em que a mesma ocupa dentre as
outras ciências. Vide Jakobson: “Em relação à linguagem, todos os outros sistemas de
símbolos são acessórios ou derivados. O instrumento principal da informação
comunicativa é a linguagem.” (JAKOBSON, 2005: 18) 13
Descrever não é registrar apenas. O questionamento desse processo persiste no
momento em que os cientistas o encontram em suas pesquisas. Na lingüística, isso
ocorre na profusão de novos termos surgidos de uma análise teórica da realidade de uma
língua pesquisada. Crítica notória já feita pelo próprio Jakobson, quando esse diz: “Os
termos novos são, muitas vezes, a doença infantil de uma nova ciência ou de um ramo
novo de uma ciência.” (JAKOBSON, 1975: 19) 14
Aqui chegamos, finalmente, ao tema central desse artigo: A discussão do que
considero caráter crítico-descritivo dos ramos científicos abordados. Para isso,
observaremos o texto de Foote-Whyte e o seu conceito de observação de participante,
como uma revisão concisa dos problemas levantados nesse amplo diálogo, proposto até
aqui, entre a Antropologia e a Lingüística.
De certa forma, podemos considerá-lo a melhor exemplificação das questões
suscitadas até este parágrafo. A sua descrição rica nos auxilia a confrontar o que já
discutimos na observação científica registrada e, também, a sua postura crítica no
entendimento do conceito de participação em sua etnografia.
Ambas conjugam uma visão antropológica de sua vivência na cidade de
Corneville a um discurso leve para além do simplório registro da comunidade
observada. É o que vemos em um trecho, quando o antropólogo diz sobre o contato com
um habitante: “Algumas interpretações que fiz são mais dele do que minhas ainda que
agora seja impossível distinguí-las”. (FOOTE-WHYTE, 1975: 80)
Podemos entendê-lo, então, como um modo do próprio escritor lidar com a
crítica observada por Geertz ao comprometimento do antropólogo com o meio descrito.
As suas interpretações não são o resultado de uma visão idiossincrática e sim, de sua
co-participação na sociedade. Cooperação já discutida nesse artigo, quando analisamos
a relação entre o pesquisador e o objeto observado.
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Nota-se aqui a distinção entre o modo de falar exigido pela situação discursiva.
Esse recurso utilizado pelo próprio pesquisador é parte de uma consciência crítica da
metodologia empregada e uma forma de se inserir na comunidade que era observada.
Ao mesmo tempo, soube aliar o método antropológico ao conhecimento lingüístico
necessário à sua pesquisa.
A sua descrição tornou-se densa a partir do diálogo entre os saberes que possuía.
Esta não foi reproduzida, mas registrada como um documento importantíssimo para as
gerações vindouras. 16 Outro desafio proporcionado ao mundo científico que precisa
acompanhar a distinção entre a oralidade e a modalidade escrita. Afinal, ambas as
disciplinas descrevem aspectos sócio-culturais que existiam antes do mundo escrito.
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Tal incompatibilidade sempre irá existir, embora o desafio maior seja o de revê-
la com o caráter crítico de uma descrição, que não perca o elo necessário à realidade
observada. Daí o autor descrever a sua etnografia de Corneville com uma escrita
narrativa. Nela nos sentimos co-participantes de sua proposta e de seu registro daquela
realidade como forma de descrição aproximada de um real distante do leitor.
Essa distinção entre oralidade e escrita também é discutida por Goody, quando
esse fala sobre a introdução desta última na sociedade:
“O que a introdução da escrita ajuda a fazer, contudo, é tornar explícito o
implícito e, ao fazê-lo, a ampliar as possibilidades de acção social, por vezes
expondo contradições tácitas e conduzindo assim a novas resoluções (e
provavelmente a novas contradições), mas também criando tipos mais precisos
de transação e relação, mesmo entre parentes de confiança, que dão a estas
sociedades a força pra suportar circunstâncias mais complexas, mais
‘anônimas’.” (GOODY, 1986: 197)
Isto o faz optar por uma nova postura com a adoção da observação participante,
pois parecia a este uma atitude de maior interesse científico. Assim, a sua descrição
devia ultrapassar um caráter de registro particular e evitar um risco muito comum em
campos científicos, que se tornam herméticos pelo mal uso da linguagem. Foote-Whyte,
ao seu modo, proporciona um diálogo entre o método antropológico e o lingüístico,
quando se preocupa em descrever, de forma crítica, a realidade que observou. E essa é a
principal proposta a que se dirige esse artigo.
Notas
1. Pesquisa desenvolvida junto ao meu orientador, o professor doutor Roberto Kant de Lima, que
coordena o NUFEP (Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas), a partir da bolsa de iniciação científica
que me foi concedida.
2. LÉVI-STRAUSS, Claude. Capítulo III Linguagem e Sociedade. IN: Antropologia Estrutural. tradução
de Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires ; revisão etnológica de Julio Cesar Melatti. 5. ed. (p. 71 a 83.)
Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1996.
3. GEERTZ, Clifford. Capítulo 1 - Uma descrição densa: Por uma Teoria Interpretativa da cultura. IN: A
interpretação das culturas. (p. 13 a 41.) Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
4. Aqui o termo ciência é utilizado no sentido do saber compartilhado e respeitado entre os membros de
uma comunidade científica.
5. NEIVA JÚNIOR, Eduardo. Capítulo 1 - A marcha. IN: Táticas do signo: Semiótica & Ideologia. Rio
de Janeiro: achiamé, 1983.
7. JAKOBSON, Roman. A linguagem comum dos lingüistas e dos antropólogos. IN: Lingüística e
Comunicação. (p. 15 a 33.) São Paulo: Cultrix, 2005.
8. SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo II – Matéria e tarefa da lingüística; suas relações com as ciências
conexas. Curso de Lingüística Geral. [4ª edição] São Paulo: Cultrix, 1972.
9. LÉVI-STRAUSS, Claude. Capítulo III Linguagem e Sociedade. IN: Antropologia Estrutural. tradução
de Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires ; revisão etnológica de Julio Cesar Melatti. 5. ed. (p. 71 a 83.)
Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1996.
10. SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo II – Matéria e tarefa da lingüística; suas relações com as ciências
conexas. Curso de Lingüística Geral. [4ª edição] São Paulo: Cultrix, 1972.
11. GEERTZ, Clifford. Capítulo 1 - Uma descrição densa: Por uma Teoria Interpretativa da cultura. IN: A
interpretação das culturas. (p. 13 a 41.) Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
12. MORAIS, Vinícius de. IN: STEEN, Edla van. Viver & escrever: volume 3 – 2 ed. – Porto Alegre,
RS: L & PM, 2008. 200p.
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13. JAKOBSON, Roman. A linguagem comum dos lingüistas e dos antropólogos. IN: Lingüística e
Comunicação. (p. 15 a 33.) São Paulo: Cultrix, 2005.
14. Id.
15. SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo II – Matéria e tarefa da lingüística; suas relações com as ciências
conexas. Curso de Lingüística Geral. [4ª edição] São Paulo: Cultrix, 1972.
16. Uso a palavra densa sobre a denotação de consistente e de exaustiva, após a leitura do termo
“descrição densa” exposto por Geertz no texto já mencionado anteriormente.
17. CALVINO, Ítalo. Capítulo 10. A palavra escrita e a não escrita. IN: Usos e Abusos da História Oral.
Ferreira, Marieta de Moraes e Amado, Janaína. (org.) (p. 139 a 147.) Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2004.
BIBLIOGRAFIA:
CALVINO, Ítalo. Capítulo 10. A palavra escrita e a não escrita. IN: Usos e Abusos da
História Oral. Ferreira, Marieta de Moraes e Amado, Janaína. (org.) (p. 139 a 147.) Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.
GEERTZ, Clifford. Capítulo 1 - Uma descrição densa: Por uma Teoria Interpretativa da
cultura. IN: A interpretação das culturas. (p. 13 a 41.) Rio de Janeiro: Editora Guanabara,
1989.
MORAIS, Vinícius de. IN: STEEN, Edla van. Viver & escrever: volume 3 – 2 ed. – (p. 11
a 23.) Porto Alegre, RS: L & PM, 2008.
NEIVA JÚNIOR, Eduardo. Capítulo 1 - A marcha. IN: Táticas do signo: Semiótica &
Ideologia. Rio de Janeiro: achiamé, 1983.
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RILKE, Rainer Maria. Cartas a jovem poeta. Tradução de Paulo Rónai. Porto Alegre:
editora Globo, 1964.