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Aula 1

Muito além das palavras e sentidos: uma


breve introdução à semântica

Roza Maria Palomanes Ribeiro


Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

Meta da aula

Apresentar o conceito de semântica.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


1. definir a semântica e sua área de atuação, bem como o conceito de
significado e significante;
2. reconhecer que a língua coloca à disposição do falante recursos que
o permitem expressar-se de acordo com suas necessidades comuni-
cativas;
3. reconhecer que a interpretação de enunciados depende, sempre, dos
contextos linguístico e extralinguístico.

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Introdução à Semântica

Introdução

Sempre foi preocupação do homem entender a linguagem. Desde a


Grécia antiga, filósofos buscavam desvendar o seguinte mistério: as pala-
vras espelham a realidade? Existe uma relação natural entre as palavras e
os seres que elas nomeiam? Como a linguagem se organiza?
Estes questionamentos atravessaram os tempos, até que, no século
XX, a linguística se firma como ciência, apresentando um objeto de es-
tudo bem-definido, objetivo, e um método de investigação. Foi neste
século que o grande mestre genebrino Ferdinand de Saussure propôs a
língua como o objeto de estudo da Linguística, conceituando-a como um
SISTEMA DE SIGNOS.
A Linguística caminhou numa curva ascendente ao longo do sé-
culo XX, dividindo-se em áreas de interesse. Cagliari (1990, p.42), por
exemplo, apresenta a seguinte divisão da Linguística: “Podemos dividir
a Linguística em Fonética, Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica,
Análise do Discurso, Pragmática, Sociolinguística, Psicolinguística, etc.”.
Nosso objetivo geral com esta aula é apresentar o conceito de semântica,
sua abrangência e estudos desenvolvidos pela Linguística nessa área.

Conceituando semântica

A Semântica, área da Linguística que estuda o significado das lín- Semântica


guas naturais, subdivide-se em vários tipos, de acordo com as variadas Ciência empírica,
descritiva, que tem por
visões dos especialistas nessa área. Desta forma, há a semântica textual, objeto o estudo da relação
formal, lexical, discursiva, cognitiva, dentre outras, ligadas por um pon- dos signos com aquilo
que eles significam, numa
to comum: em todas elas o objeto de estudo é o significado. língua dada, i.e., estudo
das palavras no que
Deve-se ao filólogo francês Michel Bréal (1832-1915) o termo se- respeita seus significados.

mântica. Embora não houvesse um termo que denominasse o estudo


dos sentidos até então, isso não era impedimento para que estudos ante-
riores, desde a época de Aristóteles, fossem desenvolvidos.
De Bréal até nossos dias houve uma evolução no campo desses es-
tudos, pois primeiramente procurou-se estudar o sentido das palavras
numa perspectiva histórica e mecanicista, calcada nas mudanças lexi-
cais. No entanto, percebeu-se que, mais do que a palavra em si, o ho-
mem carrega uma carga cultural: interage com outros homens, per-
cebe o mundo a sua volta de maneira diferente e é capaz de significar o
mundo de forma diferenciada.

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Sendo o significado o objeto de estudo da semântica, passou a ser


alvo de várias teorias e definições.
A semântica interessa-se, portanto, pelo estudo das relações entre as
expressões linguísticas e os conceitos mentais associados a elas, sendo
importante ressaltar o grande impulso dado ao estudo da linguagem a
partir do século XX, em especial a partir da apresentação das ideias di-
cotômicas de Ferdinand de Saussure (1857-1913), linguista suíço, cujas
ideias estruturalistas influenciariam o desenvolvimento da teoria
linguística.
De início, a Linguística tinha como interesse maior de investigação
a filologia, marcante ao longo do século XIX. Neste século é que o in-
teresse pelas línguas vivas se estabelece mais efetivamente. Os estudos
comparativos ganham novo fôlego com a descoberta do sânscrito e de
suas semelhanças com outras línguas. Busca-se, através de estudos his-
tóricos, estabelecer diversas correspondências sistemáticas entre línguas
como latim, sânscrito, grego e as línguas modernas.
Com esta retomada histórica, procurou-se destacar a contribuição
do Curso de Linguística Geral aos posteriores estudos acerca da lingua-
gem, pois antes dele os estudos sobre os fenômenos linguísticos, mesmo
tendo sua importância, sempre tiveram motivações externas à própria
língua. Somente a partir de Ferdinand de Saussure é que a língua por
si mesma passa a ser objeto de estudo de linguistas e de estudiosos da
linguagem. A partir daí, nunca mais se parou de estudar semântica.
Após esta breve apresentação, que busca conceituar a semântica
e destacar todo o interesse que sempre motivou os pensadores a per-
correrem este caminho, faz-se necessário apresentar, antes de qual-
quer coisa, os conceitos de signo linguístico, significante e significado,
ideias dicotômicas trazidas por Saussure, que são fundamentais para
o estudo da semântica.

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Introdução à Semântica

O signo linguístico

Ferdinand de Saussure nasceu em Genebra, em 26 de novembro


de 1857. Filho de um eminente naturalista, foi introduzido pelo
filólogo e amigo da família Adolphe Pictet nos estudos linguísticos.
Saussure estudou Física e Química, mas continuou sendo intro-
duzido nos cursos de gramática grega e latina. Em 1874, começou
a estudar sozinho o sânscrito, usando a gramática de Franz Bopp.
Por fim, convenceu-se de que sua carreira estava nos estudos da
linguagem e ingressou na Sociedade Linguística de Paris (fundada
em 1866). Estudou línguas europeias na Universidade de Leipzig,
onde ingressou, em outubro de 1876. Após pouco menos de dois
anos, transfere-se por curto período à Universidade de Berlim. Aos
21 anos, publicou uma dissertação sobre o sistema primitivo das
vogais nas línguas indo-europeias (em francês: Mémoire sur le sys-
tème primitif des voyelles dans les langues indo-européennes — ano
1879), a qual foi muito bem aceita. Defendeu sua tese sobre o uso
do caso genitivo em sânscrito, em Berlim, e depois retornou a Pa-
ris, onde passou a ensinar sânscrito, gótico e alto alemão, e depois,
filologia indo-europeia. Retornou a Genebra, onde lecionou sâns-
crito e linguística histórica em geral.
Entre 1907 e 1910, Saussure ministrou três cursos sobre Linguís-
tica na Universidade de Genebra. Em 1916, três anos após sua
morte, dois de seus alunos, Charles Bally e Albert Sechehaye, com
a colaboração de A. Ridlinger, compilaram as anotações de alu-
nos que compareceram a estes cursos e editaram o Curso de Lin-
guística Geral, livro seminal da ciência linguística.

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Ferdinand de Saussure define o signo como a união do sentido e da


imagem acústica. Sentido, significado, conceito ou ideia são, na verdade,
a representação mental de um objeto ou da realidade social que viven-
ciamos. Para Saussure, o significado é uma espécie de “lado espiritual”
da palavra em oposição ao significante, que é a imagem acústica.
Mas o que entender por imagem acústica? Segundo Saussure, a ima-
gem acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a im-
pressão psíquica desse som” (CLG, p. 80). Portanto, não se deve con-
fundir imagem acústica com som material: deve-se identificá-la como a
impressão psíquica que o som material causa.
Com isso, temos que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de
duas faces” (p. 80), duas faces inseparáveis, sendo impossível conceber
uma sem a outra, como acontece com as duas faces de uma moeda ou
de uma folha de papel. Sem significante não há significado e sem signi-
ficado não existe significante.

Figura 1.1: Signo linguístico.

Quando um falante de português recebe a impressão psíquica que


lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante árvore, imediata-
mente há uma busca por uma ideia ou significado: planta que apresenta
um tronco e ramificações, que formam uma copa.
Significante, portanto, pode ser uma imagem, uma palavra falada,
uma palavra escrita, um gesto, um símbolo, enfim, grosso modo, é o que
provoca a busca por um conceito, uma ideia, um significado.

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Introdução à Semântica

Figura 1.2: Significante e significado.


Fonte: http://www.freeimages.com/

Busque, no link abaixo, associar significados aos significantes


apresentados:
http://rachacuca.com.br/quiz/3598/palavras-dificeis-da-lingua-
-portuguesa-i/

Atividade 1

Atende ao objetivo 1

1) Conceitue Semântica.

2) Defina signo linguístico.

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3) Defina os conceitos de “significante” e “significado”, com exemplos.

Resposta comentada
1) Semântica é área da Linguística que estuda o significado das línguas
naturais. De acordo com as variadas teorias linguísticas, subdivide-se
em vários tipos, a saber: semântica textual, formal, lexical, discursiva,
cognitiva, dentre outras, ligadas por um ponto comum: em todas elas o
objeto de estudo é o significado.
2) Signo é a unidade constituinte do sistema linguístico, formado por
duas partes que não se separaram: o significante e o significado.
3) O significante, também conhecido por imagem acústica, é a impres-
são psíquica que causa o som, quando se trata de língua falada, e a ima-
gem, quando língua escrita ou outros elementos gráficos e gestuais.
Quando usamos determinada palavra ou expressão, cria-se, na mente
do ouvinte, uma imagem mental que o permite estabelecer/ buscar um
sentido para aquela palavra ou expressão. Significado, também chama-
do de conceito, é o sentido que é buscado e atribuído ao significante.
Exemplo: Quando estamos dirigindo e nos deparamos com a seguinte
imagem , imediatamente em nosso cérebro inicia-se uma busca por
um conceito que possa ser atribuído a esta imagem. A imagem éo
significante e o significado ou conceito é “NÃO É PERMITIDO VIRAR
À ESQUERDA”.
A palavra “casa”, por sua vez, apresenta como significado a ideia de ha-
bitação, moradia, e o significante é expresso por meio da seguinte repre-
sentação fonética: /k/a/z/a.

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Introdução à Semântica

As propriedades semânticas dos signos

Como vimos, todos os signos significam, isto é, apresentam signifi-


cado. Pode-se afirmar que não há signos sem significado, uma vez que
o significado é o que representa o signo, para alguém. No entanto, es-
tabelecer o que seja significado é o problema que constitui o campo da
semântica.
Muitos filósofos, linguistas, enfim, interessados no estudo do signi-
ficado têm buscado chegar a uma definição do termo SIGNIFICADO.
Uma distinção básica tem guiado a investigação deste século, a distinção
entre significado e referência, feita inicialmente por Frege.

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848-1925) foi um matemá-


tico, lógico e filósofo alemão. Trabalhando na fronteira entre a
filosofia e a matemática, Frege foi o principal criador da lógica
matemática moderna, sendo considerado, ao lado de Aristóteles,
o maior lógico de todos os tempos. Segundo Frege, “nomes têm
tanto sentido quanto referência”. A referência de um nome é aqui-
lo que o nome denota, e o sentido é o modo de apresentação do
objeto denotado. Frege chegou a essa conclusão ao analisar sen-
tenças de identidade informativa, por exemplo, A=B, onde “A” e
“B” possuem uma mesma referência. Se não existisse um sentido
e os nomes apenas indicassem uma referência, não poderia haver
diferença nas sentenças do tipo: A=A e A=B, sendo que A=A é
trivial, uma mera consequência da lei de identidade, enquanto
A=B é informativa.

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O significado de um nome ou signo é apreendido por quem conhece


a língua ou o conjunto dos signos em que esse signo se encaixa. Em ge-
ral, um signo tem um significado e a esse significado corresponde uma
referência. O mesmo significado e a correspondente referência têm, em
diferentes línguas, diferentes expressões (significante).

Figura 1.3: Significado e referência.

Para Frege, o significado é objetivo, enquanto a representação é sub-


jetiva, por ser individual; a representação que uma pessoa tem de algo
é diferente das representações que outras pessoas têm do mesmo objeto.
Por isso, nem sempre há uma referência correspondente a um signifi-
cado. A representação de uma casa, por exemplo, varia de pessoa para
pessoa, o que pode ser percebido quando se pede a alguém para que
desenhe uma casa. No entanto, seu significado é comum.

Figura 1.4: Representações possíveis de casa.


Fonte: http://www.freeimages.com/

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Introdução à Semântica

Ilari (2013, p. 176) apresenta de forma mais clara a noção de referên-


cia de Frege. Segundo o autor, entende-se por referência

a operação linguística por meio da qual selecionamos, no mundo


que nos cerca, um ou mais objetos (isto é, pessoas, coisas, aconte-
cimentos) específicos, tomando-os como assunto de nossas falas.

Ao concebermos a linguagem como a expressão de entidades,


estados, propriedades e eventos construídos como algo externo a ela,
quando paramos para analisar o significado de um enunciado qualquer,
buscamos referências e veracidade.
Quando dizemos, por exemplo, “O orientador de Lourdes é João”,
estamos proferindo uma sentença informativa que precisa ser verificada
para que se estabeleça sua veracidade. Segundo Frege, a noção de sig-
nificado de uma expressão envolve sentido e referência. Referência diz
respeito ao ser que ela aponta no mundo, o que atribui valor de verdade
ao enunciado “O orientador de Lourdes é João”. O sentido, por sua vez,
é a forma como esse ser é apresentado. Assim, orientador de Lourdes e
João têm a mesma referência, mas pode ter sentidos diferentes, depen-
dendo, por exemplo, das pessoas envolvidas: orientador de Lourdes é
apenas uma das formas como João pode ser encontrado no mundo. João
pode ser o marido de Maria. João pode ser o pai de Lucas. João pode ser
o fiel de uma determinada igreja. Enfim...
Feita a distinção entre sentido e referência, mais fácil se torna com-
preender a noção de signo, como uma entidade psíquica de duas faces,
que pode ser representado pela figura:

Figura 1.5: Signo linguístico.

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Atividade 2

Atende ao objetivo 2

1. Quando pronunciamos Rio de Janeiro, imediatamente pensamos na


cidade brasileira, conhecida por suas belezas naturais, pelo carnaval e
pelas lindas mulheres. Rio de Janeiro é uma das expressões que nos per-
mite chegar a esse lugar no mundo. Pense em outra expressão linguísti-
ca para essa mesma referência.

2. Dois termos podem partilhar o seu referente, mas ter diferentes sen-
tidos. Por exemplo, Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI e Papa Emérito
se referem ao mesmo ser, no entanto, diferem no conceito, na ideia que
carregam. Leia o texto a seguir e identifique os termos que partilham o
mesmo referente apresentando, contudo, sentidos diferentes:

Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramatur-


go, jornalista, poeta, novelista, romancista e crítico nasceu no
dia 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro. O Bruxo do Cosme
Velho, como era conhecido graças à obra de Carlos Drummond
de Andrade “A um bruxo, com amor”, que faz referência à casa
nº 18 da rua Cosme Velho, é considerado o maior escritor negro
do mundo. O afilhado de Dona Maria José de Mendonça passou
a infância na casa da rica madrinha. Publica seu primeiro poema
“Ela” aos 16 anos no jornal Marmota Fluminense. O aprendiz de
tipógrafo passa a revisor do jornal Correio Mercantil e, depois,
redator do Diário do Rio de Janeiro. Sua obra máxima, Dom Cas-
murro, é publicada em 1899.

Resposta comentada
1. “Cidade Maravilhosa”.
2. Joaquim Maria Machado de Assis, Bruxo do Cosme Velho, O afilhado
de Dona Maria José de Mendonça e o aprendiz de tipógrafo são termos

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Introdução à Semântica

usados para se referirem ao escritor Machado de Assis. Ainda que te-


nham o mesmo referente, carregam consigo ideias diferentes. Por exem-
plo, quando se usa a alcunha de Bruxo do Cosme Velho, traz-se para
foco o local onde vivia, além de estabelecer uma intertextualidade com
a obra de Drummond. Quando se faz uso do termo “afilhado de Dona
Maria José de Mendonça” para se referir a Machado, é uma outra faceta
de sua vida que se coloca em evidência. Da mesma forma com o termo
“O aprendiz de tipógrafo”.

A semântica e suas divisões

Tal como as outras disciplinas linguísticas, a semântica pode ser te-


órica (se estuda o conceito de significado), histórica (quando analisa
o significado diacronicamente), descritiva (sempre que analisa o Diacronia,
significado sincronicamente) ou comparativa (quando se opta por Descrição de uma língua
ao longo de sua história,
relacionar significados). com as mudanças
que sofreu. Refere-se,
Como trata-se de um termo tão abrangente, torna-se impossível não portanto, à evolução da
língua. Do grego dia
referir os ramos em que a ela se divide. Assim, entendida a noção de (“através”) + chrónos
significado, passamos, agora, à apresentação das várias ramificações em (“tempo”) – através do
tempo. Segundo Saussure
que se divide a semântica. Segundo Müller e Viotti (2003), (CLG, 2002, p. 96), “é
diacrônico tudo que diz
respeito às evoluções”.

tem semântica de todo tipo. Tem semântica textual, semântica


cognitiva, semântica lexical. Tem semântica argumentativa, se- Sincronia,
mântica discursiva. Todas elas estudam o significado, cada uma Estudo das relações entre
termos coexistentes de
do seu jeito. Essa enorme variedade aponta para o fato de que o um estado de língua. Do
estudo do significado pode ser feito de vários pontos de vista. grego syn (“juntamente”)
+ chrónos (“tempo”) – ao
mesmo tempo. Segundo
Saussure (CLG, 2002, p.
Escolhemos apresentar, nesta aula, o campo de atuação das semânticas 96), “é sincrônico tudo
quanto se relacione com
formal, enunciativa, lexical e cognitiva. o aspecto estático da
nossa ciência”.

A semântica formal

A semântica formal considera como uma propriedade central das


línguas humanas o fato de que as línguas naturais são utilizadas para
estabelecermos uma referencialidade, isto é, falarmos sobre objetos, in-
divíduos, fatos, eventos, propriedades, etc., descritos como externos à

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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

própria língua. Assim, a referencialidade é tomada como uma das pro-


priedades fundamentais das línguas humanas.
Essa vertente afirma que o significado de uma sentença é o tipo de
situação que ela descreve e que a descrição destas situações possíveis é
equivalente às condições de verdade da sentença.
Sendo assim, dentro da semântica formal, o significado é entendido
como uma relação entre a linguagem e aquilo sobre o que fala a lingua-
gem. Conhecer o significado de um enunciado, dentro desse paradigma,
é, de certa forma, conhecer suas condições de verdade. Conhecer as con-
dições de verdade de uma sentença significa saber em que circunstâncias,
no mundo, aquela sentença pode ser considerada verdadeira ou falsa.
Observe o seguinte enunciado retirado de Müller & Viotti (2012, p.
138): “Tem um rato na cozinha.”
Segundo os autores citados, quando se ouve uma pessoa falando isso,
não se sabe, ao certo, se a sentença é verdadeira ou falsa. No entanto,
somos perfeitamente capazes de dizer em que situações a sentença dita
pode ser verdadeira. Esse conhecimento é semântico em sua natureza,
fazendo parte do nosso conhecimento do significado da sentença.
Müller & Viotti (2003, p.139), ao apresentarem a semântica formal,
afirmam que esta

se apoia no fato de que, se não conhecemos as condições nas


quais uma sentença é verdadeira, não conhecemos seu signifi-
cado. Elas afirmam que o significado de uma sentença é o tipo
de situação que ela descreve e que a descrição dessas situações
possíveis é equivalente às condições de verdade da sentença.

Assim, pode-se afirmar que a semântica formal é um ramo de pes-


quisa que procura responder o que “representam” as expressões linguís-
ticas e como calculamos o significado de expressões complexas, a partir
dos significados de suas partes.

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Introdução à Semântica

Leia mais sobre Semântica Formal no livro Muller, Ana; E. Ne-


grão; M.J. Foltran. (Org.). Semântica Formal. 1 ed. São Paulo:
Contexto, 2003.

A semântica argumentativa ou da enunciação

A semântica argumentativa ou da enunciação considera o enuncia-


do como fonte prioritária da informação a ser transmitida, e entende
que é a intencionalidade do falante que denota a significação contida na
mensagem.
Segundo Koch (2002), a função da Semântica da Enunciação é iden-
tificar enunciados que tenham por traço constitutivo a pretensão de
argumentar.
A semântica da enunciação se interessa, dentre outras noções, por
polifonia e pressuposição.
O conceito de polifonia nos estudos de linguagem foi introduzido
por Bakhtin, em Problemas da poética de Dostoiévski, quando o estu-
dioso postulou a existência de dois tipos de literaturas: a dogmática e a
polifônica. Nesta última, ele inclui a obra de Dostoiévski. Na literatura
polifônica, diz o autor, “a personagem apresenta-se a si mesma e é agen-
te do seu próprio discurso, estabelecendo um diálogo constante com o
autor da obra” (BAKHTIN, 1997, p. 64).

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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

A polifonia é, segundo Mikhail Bakhtin, a presença de outros textos


dentro de um texto, causada pela inserção do autor num contexto que
já inclui previamente textos anteriores que lhe inspiram ou influenciam.
Em outras palavras, a polifonia deixa entrever outras vozes.
O termo “voz”, para Bakhtin, refere-se à consciência do falante, que
marca presença nos enunciados, sendo, essa consciência, capaz de refle-
tir as percepções de mundo e atribuir juízo de valor.
A noção de polifonia visa a substituir a semântica que buscava ob-
servar, apenas, o resultado da combinação de elementos, por outra, em
que se leve em conta que o sentido, na verdade, é o resultado de diferen-
tes vozes que estão em confronto.
Ducrot (1988) traz o conceito de polifonia para a Linguística, a fim
de questionar a unicidade do sujeito falante, pretendendo provar que o
enunciado pode ser perpassado por mais de uma voz. Em outras pala-
vras, o que o autor defende é que o autor do enunciado não se expressa
nunca diretamente, mas põe em cena diferentes personagens linguís-
ticos. Assim, segundo Ducrot (1997, p. 18), sob a frase mais banal ou
corriqueira pode haver uma espécie de diálogo imaginário. Por exem-
plo, num enunciado despretensioso como “Carlos parou de estudar”, o
enunciador informa, ao mesmo tempo, que Carlos, antes estudava e que
agora não estuda mais. Numa espécie de diálogo imaginário, o enuncia-
dor se questiona se Carlos parou de estudar e se ele estudava antes. A
primeira informação é o que se chama de “posto” e a segunda de “pres-
suposto”. É possível pressupor que Carlos estudava antes, uma vez que
foi dito que ele parou de estudar.
Segundo Ducrot (1988), o sentido de um enunciado está associado,
entre outras coisas, à noção de polifonia, e é por essa razão que ele cria
a Teoria Polifônica da Enunciação. O autor propõe, com essa teoria, que
a origem da enunciação seja designada a um ou a vários sujeitos. De
acordo com ele, na língua existem vários recursos linguísticos e fenôme-
nos discursivos que permitem a estruturação de discursos polifônicos,
dentre os quais a pressuposição, a paráfrase e a negação. Ducrot (1988)
ainda propõe a existência de três funções diferentes para a enunciação:
locutor (L), sujeito empírico (SE) e enunciador (E):
• o locutor (L) é quem se apresenta como responsável pelo enunciado,
a quem são referidos o pronome eu e as marcas de primeira pessoa do
enunciado;
• o sujeito empírico (SE) é aquele que se apresenta como o produtor do
enunciado;
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Introdução à Semântica

• os enunciadores (E) são os variados pontos de vista apresentados pelo


locutor, em seu discurso, que assume determinadas posições em relação
a esses enunciadores. O estudioso identifica dois tipos de polifonia pre-
sentes nos enunciados: a polifonia de locutores e a de enunciadores. A
primeira ocorre quando é possível identificar locutores distintos em um
único enunciado, e a segunda, quando há mais de um enunciador (ou
ponto de vista) no enunciado de um determinado locutor.
A pressuposição envolve uma relação entre a verdade das sentenças.
Um enunciado pressuposto é algo que pode ser inferido a partir de um
conhecimento prévio do interlocutor. É condição para que novas infor-
mações possam ser compreendidas. Observe os seguintes enunciados:
a) Foi João que ganhou na Mega-Sena.
b) Alguém dessa rua ganhou na Mega-Sena.
Pelos enunciados dados como exemplo, se entende que já era conhe-
cimento anterior que algum morador da rua tinha ganhado na Mega-
-Sena (informação velha), a informação nova é que quem ganhou foi
João. Nesse caso, (a) pressupõe (b). E o fato de alguém dessa rua ter
ganhado na Mega-Sena pode ser inferido a partir de (a). Se (a) for ver-
dadeira, (b) também o será.
Assim, a pressuposição é uma inferência que se faz a partir de um
enunciado proferido, apresentando uma informação já conhecida.
Portanto, a pressuposição diz respeito às informações já conhecidas,
que não causam controvérsias. Veja:
c) Marta desistiu de viajar nas férias.
Este enunciado pressupõe outras informações que devem ser conhe-
cidas para que se estabeleça o sentido, por exemplo:
Marta é conhecida dos interlocutores.
Marta desempenha alguma função que lhe permite tirar férias.
Marta planejava viajar nas férias (se ela desistiu, é porque fazia pla-
nos de viajar).
Como se pode ver, há marcas de que certa informação não é nova.
A pressuposição, no caso apresentado, está ligada ao uso de certas ex-
pressões ou formas linguísticas que cumprem o papel de marcas de
pressuposição. Por exemplo, desistir ativa o pressuposto de que se havia
pensado nisso anteriormente.

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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

Os conceitos de pressuposição e polifonia serão melhor tratados em


aulas posteriores.

Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) foi um filósofo e pen-


sador russo, teórico da cultura europeia e das artes. Bakhtin foi
um verdadeiro pesquisador da linguagem humana. Seus escritos
em uma variedade de assuntos, inspiraram trabalhos de estudio-
sos em um número de diferentes tradições (o marxismo, a semi-
ótica, estruturalismo, a crítica religiosa) e em disciplinas diversas
como a crítica literária, história, filosofia, antropologia e psico-
logia. É criador de uma nova teoria sobre o romance europeu,
incluindo o conceito de polifonia em uma obra literária.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakhtin)
Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) – ocasionalmente
grafado como Dostoievsky – foi um escritor russo considerado
um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais
inovadores artistas de todos os tempos. É tido como o fundador
do existencialismo.
A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e
o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao
suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados
por isso de “romances de ideias”, pela retratação filosófica e atem-
poral dessas situações.
Seu último romance, Os irmãos Karamazov, foi considerado por
Sigmund Freud como o melhor romance já escrito. Perigoso, se-
gundo Stálin; até 1953, o currículo soviético para estudos univer-
sitários sobre o escritor o classificava como “expressão da ideolo-
gia reacionária burguesa individualista”. Segundo ele mesmo, seu
mal era uma doença chamada consciência. A obra de Dostoiévski
exerce uma grande influência no romance moderno, legando a
ele um estilo caótico, desordenado e que apresenta uma realidade
alucinada.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fi%C3%B3dor_Dostoi%C3%
A9vski)

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Introdução à Semântica

Oswald Ducrot, nascido em 1930, o linguista francês foi profes-


sor e ex-pesquisador do CNRS. Atualmente é professor – direc-
teur d’études – na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales
(EHESS), em Paris.
É o autor de uma série de obras, principalmente em enunciação
e desenvolveu uma teoria da argumentação na língua, com Jean-
-Claude Anscombre.
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oswald_Ducrot)

A semântica lexical

Para introduzir a semântica lexical, é preciso, antes de tudo, enten-


dermos os termos “léxico” e “campo lexical”. Entende-se por léxico,
grosso modo, o conjunto de palavras que pertencem a uma determina-
da língua. Pode ser visto como uma componente das línguas que tem
por função produzir, armazenar, processar e transmitir signos que os
falantes utilizam.
Campo lexical, por sua vez, é o conjunto de palavras ou expressões
que se referem ao mesmo domínio da realidade, estando dentro do léxi-
co de alguma língua. Por exemplo, se quisermos construir o campo le-
xical de vestuário, poderemos usar palavras como calças, camisa, meias,
sapatos, saia, vestido, etc. campo lexical de futebol incluiria palavras
como estádio, jogador, bola, juiz, pênalti etc.
A semântica lexical estuda o significado individualizado dos itens lexi-
cais e as relações semânticas que mantêm com outros itens lexicais. Pode-
-se dizer que é o estudo do que itens lexicais individuais significam, por
que eles querem dizer o que dizem e como podemos representar tudo isto.
A Semântica Lexical passou por vários estágios desde o século XIX
até os dias de hoje, em que pode ser entendida como a que trata do
significado cognitivo, isto é, o que envolve a relação entre a língua e os
construtos mentais, que de alguma maneira representam ou estão codi-
ficados no conhecimento semântico do falante.
Portanto, como propõem estudiosos, como Geeraerts (2010), não se
pode falar em uma teoria única ao se falar em semântica lexical. Há
várias “semânticas lexicais”, que apresentam como ponto comum o fato

25
Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

de considerarem como principal objeto a relação entre a língua e a sua


representação mental.

Leia a entrevista com Márcia Cançado sobre Semântica Lexical.


Acesse:
http://www.revel.inf.br/files/9413728ff9736a3e2c00b7f18bf7
db89.pdf
Leia a entrevista com Ray Jackedoff acessando:
http://www.revel.inf.br/files/167269794e695934b2e3446ac8479f2d.pdf

A semântica cognitiva

A palavra “cognição” é comumente utilizada para designar algo re-


lacionado à mente ou à percepção que o ser humano possui, decorren-
te de sua interação com o mundo. Conforme Castilho (2002), o termo
“cognição” abriga os sentidos da percepção, o pensamento, a memória e
a resolução de problemas. Grosseiramente, define-se a cognição como a
percepção do mundo.
A semântica cognitiva trata a comunicação como elemento resultan-
te entre a interação do sujeito e o seu contexto e conhecimento de mun-
do. Em outras palavras, procura descrever a funcionalidade da língua
no processo comunicativo, em paralelo a uma representação de mundo
em movimento, voltada para o dinamismo mental, no processo de cons-
trução do pensamento.
Ela se evidenciou no final da década de 1970 e início da década de
1980, instigada parcialmente pelo interesse no fenômeno de significação.
Uma vez que a semântica procura estudar o significado linguístico em
todos os âmbitos possíveis, o significado do vocábulo necessita de vários
outros critérios, para ser definitivamente dado.
Essa vertente da semântica surge como uma espécie de oposição às
ideias trazidas pelo Estruturalismo e o Gerativismo. O Gerativismo de
Noam Chomsky, colocando a Sintaxe como elemento realmente gera-
dor das construções da língua, tratava a “linguagem como um sistema
26
Introdução à Semântica

que se basta a si mesmo”, não considerando as sensações psíquicas dos


interlocutores, nem a leitura que cada um deles faz acerca de mundo.
Sendo assim, para a semântica cognitiva, é de extrema importância
levarem-se em conta os fatores extralinguísticos, na construção de sen-
tidos. Para a semântica cognitiva, a língua está relacionada ao processo
perceptivo do indivíduo; a linguagem contribui para nossa percepção e
conhecimento do mundo.
Neste campo, metáfora e metonímia não se restringem à estilística;
antes, são mecanismos cognitivos que fazem com que a linguagem se
torne repleta de “extensões semânticas”. Há metáforas que são comuns
no nosso dia a dia e que possibilitam o surgimento de expressões lin-
guísticas que denotam a forma como percebemos certas situações do
mundo. Por exemplo, é comum que o ser humano entenda a vida como
uma viagem, um percurso. A metáfora “a vida é uma viagem” surge a
partir da analogia que estabelecemos entre essas experiências pessoais
de vida e de viagem. Por extensão, somos viajantes, num percurso que
tem começo e fim. Assim, a partir desta metáfora, construímos expres-
sões que se valem de “nosso entendimento de vida como uma viagem
se vale de nosso conhecimento sobre viagens”, as quais “envolvem via-
jantes, caminhos percorridos, lugares onde as iniciamos, lugares onde
estivemos” (LAKOFF; TURNER, 1989, p. 60-61). Entender a metáfora
“a vida é uma viagem” é “ter em mente uma correspondência entre um
viajante e uma pessoa que está vivendo, a estrada percorrida e o ‘curso’
de uma vida, um ponto de partida e o nascimento e assim por diante”
(LAKOFF; TURNER, 1989, p. 60-61). Uma vez que nosso conhecimen-
to de viagens envolve sabermos que há opções sobre tipos de viagens,
o entendimento metafórico de vida, em termos de uma viagem, inclui
opções para um grande número de compreensões de vida.

Vivendo a vida numa louca viagem


Charlie Brown Jr.

[...]
Senão tá mal!
Pra quem nasceu na contramão
A corrida é desigual
Cabeça feita, realismo, cada dia é um degrau
Caminhei por mil lugares, vi milhares de pessoas
Mais de mil aprendizados, coisas ruins, coisas boas
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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

Já a metonímia é um recurso que se baseia em relações de contigui-


dade, atribuindo, assim, uma relação de “hierarquia” de significados na
elaboração das mensagens dos falantes. Por exemplo, no trecho:

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defendeu nes-


ta terça-feira sua lei de saúde, apesar dos problemas enfrentados
pelos usuários interessados no programa federal de seguros de
saúde. A Casa Branca não divulgou todos os detalhes da nova
campanha para promover o Obamacare. (http://www.estadao.
com.br, 3 de dezembro de 2013).

Há enunciados que ligam conceptualmente conceitos em torno do


domínio cognitivo do governo americano, como “presidente dos Esta-
dos Unidos” e “Casa Branca”. Para Lakoff & Johnson (2002, p. 93), a
metonímia “não é um mero recurso referencial. Ela também tem a
função de propiciar o entendimento”.
Nos estudos em semântica cognitiva, a metáfora e a metonímia tra-
balham no mesmo nível cognitivo, por isso não há superioridade de
uma em relação à outra.
O estudo da semântica em sua ramificação cognitiva é de grande
valia, uma vez que atenta ao aluno e ao professor sobre os diversos signi-
ficados possíveis de dadas estruturas linguísticas, considerando fatores
extratextuais como grandes colaboradores no processo de construção
do sentido. Dessa forma, o teor polissêmico da mensagem não se jus-
tifica apenas pela relação da palavra com ela mesma, mas sim pela re-
lação estreita que essa mesma palavra mantém com fatores psíquicos e
contextuais de seus emissores e receptores, bem como com a leitura de
mundo que cada um traz em mente.

Conclusão

Como foi visto nesta aula, sempre houve preocupação por parte do
ser humano em entender a linguagem. As palavras são espelho do mun-
do? Que faculdade é essa que permite somente ao homem expressar-se
ou entender o mundo por meio da linguagem falada?
Em meio a tais questionamentos, o homem tem buscado investigar
esse fenômeno. Surge, então, a ciência linguística, que se divide em áreas
de interesse; uma dessas áreas é a semântica.

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Introdução à Semântica

Propusemos para esta aula uma apresentação do conceito de semân-


tica — área da ciência linguística que tem por objeto de estudo o signi-
ficado das línguas naturais.
Esperamos que esta aula introdutória tenha servido como gatilho
motivador, aguçando sua curiosidade acerca desta disciplina que será
apresentada aos poucos, no decorrer de algumas aulas.

Atividade final

Atende ao objetivo 3

1) Sabendo que pressuposição pode ser entendida como um processo


que permite deduzir certos fatos não explicitados, a partir de outros que
são explícitos, analise os pares de sentenças e diga se a segunda sentença
do par pode ser pressuposta da primeira.
a) Marta tirou nota 10 na prova.
b) Alguém tirou nota 10 na prova.

2) Leia o fragmento do texto “Nós, escravocratas”, de autoria de Cristo-


vam Buarque, publicado no jornal O Globo, de 1/2/2010.

Há exatos cem anos, saía da vida para a história um dos maiores


brasileiros de todos os tempos: o pernambucano Joaquim Nabu-
co. Político que ousou pensar, intelectual que não se omitiu em
agir, pensador e ativista com causa, principal artífice da abolição

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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

do regime escravocrata no Brasil. Apesar da vitória conquistada,


Joaquim Nabuco reconhecia: “Acabar com a escravidão não bas-
ta. É preciso acabar com a obra da escravidão”, como lembrou
na semana passada Marcos Vinicios Vilaça, em solenidade na
Academia Brasileira de Letras.

No trecho destacado, Cristovam Buarque define Joaquim Nabuco de


quatro maneiras. Há definições que partem de determinadas pressupo-
sições. Cite uma delas.

3. Identifique as informações pressupostas nas frases a seguir:


a) “Avião desaparecido da Malaysia Airlines teria descido aos 5 mil pés
para evitar radares comerciais” (noticias.uol.com.br, 17/03/2014).
b) “Bala perdida faz mais uma vítima no Rio de Janeiro” (Veja,
02/01/2013).
c) “Rio de Janeiro sai do estado de epidemia de dengue, diz a prefeitura”
(O Globo.com, 28/05/2012).

Resposta comentada
1) Sabendo que um enunciado pressuposto é algo que pode ser infe-
rido a partir de um conhecimento prévio do interlocutor, analisando
os pares de sentenças do exercício 1 entendemos que o fato de alguém
ter tirado 10 na prova pode ser inferido a partir de a. Pelos enunciados
dados, entende-se que já era conhecimento anterior que alguém tinha
tirado 10 (informação velha). A informação nova é que quem tirou 10
foi Marta. Nesse caso, pode-se afirmar que a pressupõe b.
2) Uma pressuposição possível de se deduzir da leitura do fragmento
apresentado é a de que é comum, entre intelectuais, a resistência a ações.

30
Introdução à Semântica

Ao definir Joaquim Nabuco como um “político que ousou pensar”, co-


loca em destaque uma qualidade que não é comum, e ao defini-lo como
“intelectual que não se omitiu em agir”, o autor permite que se pressupo-
nha que é característica dos intelectuais resistirem à ação.
3) No enunciado (a), podem-se pressupor as seguintes ideias:
1) Que o avião ainda não apareceu até aquele momento.
2) Que o avião voava a mais de 5 mil pés de altitude.
3) Que os radares comerciais são incapazes de detectar um avião na
altitude informada.
Em (b), o uso do vocábulo mais leva à pressuposição de que há registro
de outras vítimas anteriores de bala perdida.
Em (c), é possível pressupor que:
1) O Rio de Janeiro passava por uma epidemia de dengue.
2) Houve controle da epidemia.

Resumo

A semântica, como foi visto no decorrer desta aula, é a área da Linguísti-


ca que estuda o significado das línguas naturais. Interessa-se pelo estudo
das relações entre as expressões linguísticas e os conceitos mentais asso-
ciados a elas. Vimos também que sentido, significado, conceito ou ideia
são, na verdade, a representação mental de um objeto ou da realidade
social que vivenciamos.
Saussure define o signo como a união do sentido e da imagem acústica.
Todos os signos significam, isto é, apresentam significado. Desta for-
ma, podemos afirmar que não há signos sem significado, uma vez que
o significado é o que representam. Estabelecer o que seja significado é o
problema que constitui o campo da semântica.
Tal como as outras disciplinas linguísticas, a semântica pode ser teórica
(se estuda o conceito de significado), histórica (quando analisa o signi-
ficado diacronicamente), descritiva (sempre que analisa o significado
sincronicamente) ou comparativa (quando se opta por relacionar
significados). A semântica formal considera como uma propriedade

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Aula 1 • Muito além das palavras e sentidos: uma breve introdução à semântica

central das línguas humanas o fato de que as línguas naturais são uti-
lizadas para estabelecermos uma referencialidade. A semântica argu-
mentativa ou da enunciação considera o enunciado fonte prioritária
da informação a ser transmitida e entende que é a intencionalidade do
falante que denota a significação contida na mensagem. A semântica le-
xical estuda o significado individualizado dos itens lexicais e as relações
semânticas que mantêm com outros itens lexicais. Pode-se dizer que é o
estudo do que itens lexicais individuais significam, porque eles querem
dizer o que dizem, e como podemos representar tudo isto.

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