Você está na página 1de 18

CONTRIBUIÇÃO DA SEMIÓTICA E DA MULTIMODALIDADE PARA O

ENSINO

Darcilia Simões (UERJ-Seleprot/UEG)

Se os Órgãos Perceptivos se alteram, os Objetos da


Percepção parecem alterar-se. Se os Órgãos Perceptivos
se fecham, seus Objetos também parecem fechar-se.
(William Blake, apud Plaza, 1987, p. 45).

Palavras iniciais
A contemporaneidade vem redesenhando o mundo a partir do surgimento de novas
linguagens e, por conseguinte, de novas ferramentas de trabalho. O advento da internet
disponibilizou ao homem uma gama de novidades que, diuturnamente, vem reorganizando
a vida humana, sobretudo no que concerne aos processos de captação da realidade e aos
mecanismos de informação e comunicação.

O atual contexto de inovações e mudanças sociais, exige do educador


posturas mais compromissadas com o processo de constituição do saber,
levando em consideração a realidade do alunado, bem como o contexto em
que a escola está situada. (FONTES; MIGUEL, 2020, p. 450)

Em relação às metodologias de ensino, é importante que os professores busquem


utilizar ferramentas que os discentes já conhecem, como por exemplo, a tecnologia que cada
vez ganha mais espaço, tornando-se imprescindível como recurso pedagógico.

Nesse contexto, a ciência semiótica vem ganhando relevância, pois é por meio dela
que se torna possível compreender como o mundo real e o ficcional são construídos. A
apropriação das coisas do mundo é um processo semiótico, uma vez que o que se pode
perceber e o que se pode imaginar é representado por meio de signos. Portanto, é
imprescindível conhecer e saber usar nossas “antenas captadoras” ou órgãos dos sentidos
(visão, olfato, tato, paladar e audição), para identificar e interpretar os objetos: internos,
externos, reais ou ficcionais.

Examinando-se o modelo da educação no Brasil, constata-se que a ciência semiótica


só passa a ser considerada a partir dos PCN-EF (1998), mesmo assim no âmbito da literatura.
Veja-se o excerto:

Do ponto de vista lingüístico, o texto literário também apresenta


características diferenciadas. Embora, em muitos casos, os aspectos
formais do texto se conformem aos padrões da escrita, sempre a
composição verbal e a seleção dos recursos lingüísticos obedecem à
sensibilidade e a preocupações estéticas. Nesse processo construtivo
original, o texto literário está livre para romper os limites fonológicos,
lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-
prima (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro plano
semiótico – na exploração da sonoridade e do ritmo, na criação e
recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta de estruturas
sintáticas singulares, na abertura intencional a múltiplas leituras pela
ambigüidade, pela indeterminação e pelo jogo de imagens e figuras. Tudo
pode tornar-se fonte virtual de sentidos, mesmo o espaço gráfico e signos
não-verbais, como em algumas manifestações. (Mantivemos a grafia
original)

Destarte, o interesse pela teoria semiótica começa a ser despertado, embora fique
restrito, inicialmente, à linguagem visual/pictorial — desenho, pintura, fotografia, design
etc. — por ser esta mais próxima da experiência dos estudantes. Essa perspectiva abriu o
diálogo entre Literatura e Arte e expandiu a observação para a linguagem musical; assim os
sons passam a ter relevância não apenas na Poética, mas também na Fonologia, na qual
passou-se a observar a relevância das combinações sonoras não só na expressividade dos
enunciados, nos sotaques, como também no cuidado com a produção de cacófatos, que são
realizações fônicas de resultante desagradável. Passemos então a algumas noções
elementares de Semiótica.

O que é semiótica?
Segundo Santaella, inicialmente pode-se dizer que

a semiótica é a ciência dos sistemas e dos processos sígnicos na cultura e


na natureza. Ela estuda as formas, os tipos, os sistemas de signos e os
efeitos do uso dos signos, sinais, indícios, sintomas ou símbolos. Os
processos em que os signos desenvolvem o seu potencial são processos de
significação, comunicação e interpretação.” (NÖTH; SANTAELLA, 2017,
p. 7)

A partir dessa definição, cumpre observar que o termo semiótica advém da palavra
semiose que, por sua vez, significa

(Etimologia) gr. sēmeiōsis,eōs no sentido de 'ação de marcar de um signo',


de sēmeîon,ou no sentido de 'sinal, distintivo'; termo utilizado em 1907 por
Charles Sanders Peirce (1839-1914), matemático e filósofo norte-
americano.

(Definição) substantivo feminino semio processo pelo qual algo faz as


vezes de signo; o processo de significação. (Houaiss, s.u.)

Em palavras simples, a semiótica pode ser considerada como a ciência que estuda
todas as formas de linguagem, ou seja, todo e qualquer fenômeno de produção de
significação e sentido, a qual se utiliza de signos para representar os objetos.
Avançando nas observações sobre o que é semiótica, visitamos os escritos de John
Deely 1 (1942-2017) que assevera que uma consciência tematicamente semiótica parece ter
emergido entre 1350 (morte de Guilherme de Ockham) e 1650 (morte de Descartes).
(DEELY, 1995, p. 59). Essas datas foram eleitas em função do papel dos cientistas pós-
latinos citados, uma vez que Deely considera como lastimável o estado da pesquisa na
história da filosofia no período contemporâneo 2. Após mais algumas considerações sobre
certa indigência no pensamento filosófico da época, destaca a figura de Charles Sanders
Peirce (1871: p. 14) como um teórico memorável no que concerne à construção do
pensamento semiótico.

Dando continuidade, agora em relação às especulações filosóficas que perpassam a


fundação das universidades, destacam-se a Universidade de Coimbra (Portugal) e as
Universidades de Salamanca e Alcalá (Espanha), no final do século XVI e início do século
XVII, “Nestas e noutras escolas afins, a discussão sobre signos e significação era
desenfreada — ‘um assunto de disputa diária nas escolas’, como um dos autores da época
afirma (Poinsot, 1632, p. 680ª38-38 — “quotidianis disputationibus agitare solent” 3). (cf.
DEELY, 1995, p. 65-66)

Não é nosso intuito discorrer sobre a história da Semiótica, mas cremos que alguns
dados históricos são relevantes; em especial no que tange ao destaque da figura de Peirce na
construção de uma lógica formal a que ele denominou semiótica.

Sobre Peirce:

Charles Sanders Peirce desempenha um papel único na história da filosofia


americana. Durante sua própria vida, ele não publicou nenhum livro sobre
filosofia e, exceto por um período relativamente curto, não ocupou
nenhuma cátedra de universidade para imprimir sua influência sobre os
alunos; no entanto, ele passou a ser reconhecido como o fundador de um
movimento distinto que este país produziu. (Peirce: CP 1 Introduction p
iii) 4

Passemos, então, à apresentação de dados que nos ajudam a compreender o


funcionamento das bases semióticas, a partir das quais, torna-se possível operar com signos
segundo uma relativa margem de segurança.

1
Influenciado por Charles Sanders Peirce, Thomas Sebeok, João de São Tomás, Jacques Maritain, Mortimer
Adler.
2
Edição original datada de 1982.
3
Tradução livre: Eles estão acostumados a conduzir discussões diárias.
4
Texto original: “Charles Sanders Peirce plays a unique rôle in the history of American philosophy. During
his own lifetime he published no book on philosophy, and except for a relatively short period he held no
university chair from which to impress his influence upon students; yet he has come to be recognized as the
founder of the one distinctive movement which this country has produced.”
A semiótica e a semiose
Nos estudos semióticos, é preciso observar (mesmo que superficialmente) o
funcionamento do cérebro humano na produção de signos e significações.

Segundo Peirce, um signo, ou representâmen, é algo que, sob certo aspecto ou de


algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente
dessa pessoa um signo equivalente ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo
assim criado Peirce denomina interpretante do primeiro signo.

Campos (2006, p. 5) compôs uma excelente imagem que exemplifica a teoria


peirceana do signo:

Imaginemos um velejador que, antes de pôr seu barco na água, pega um


punhado de areia e o deixa escorrer entre os dedos, observando para qual
lado os grãos escoam de modo a visualizar em que direção o vento sopra.
De um ponto de vista semiótico, o objeto é o vento soprando em certa
direção; o signo é a areia que flui na direção do vento; e o conhecimento
do velejador da estreita relação entre a areia e o vento, bem como da
informação de em qual direção sopra o vento, vêm a ser o interpretante.

Para objetivar o esquema teórico, vejamos o triângulo semiótico de Peirce:

Figura 1- Triângulo semiótico de Peirce. Fonte: A autora.


Convém esclarecer que o interpretante é o resultado de um conjunto de formações
culturais que orientam a construção do significado do signo. Por exemplo, se estivermos
tratando de um tema gramatical, precisamos situar o eixo de análise em uma dada teoria
(gerativismo, funcionalismo, estilística, gramática normativa etc.) para daí extraírem-se os
dados que subsidiarão a formação do interpretante. Para ilustrar: diante do termo
transitividade, é preciso explicitar a abordagem de análise, para então estabelecer o
interpretante desse signo, uma vez que funcionalismo e gramática normativa, por exemplo,
apresentam valores distintos para transitividade.
Quanto ao signo, é este o elemento que se apresenta à mente para representar uma
ideia.

Como já dissemos antes, o signo pode ser um existente ou uma produção fictícia. É
um existente quando o signo é um lápis, uma cadeira, uma pirâmide, um computador, uma
palavra etc. No entanto, também são signos o unicórnio, a sereia, o ciclope, a medusa,
Bentinho, Capitolina, Riobaldo etc. Estes são seres ficcionais, de criação mental humana,
que não têm existência concreta. Mas também são signos.

O terceiro componente do triângulo semiótico é o objeto.

Segundo o dicionário, objeto é: “1. coisa material que pode ser percebida pelos
sentidos; 2. coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou
uma ação” (HOUAISS, s.u.). Assim sendo, tudo o que nos envolve física ou mentalmente se
torna objeto.

Portanto, o objeto é a corporificação do signo, a partir da qual, projeta-se em nosso


cinema mental (CALVINO, 1990, 99) uma imagem que irá orientar a definição do
interpretante, consequentemente, a construção do significado. Assim se realiza o processo
semiótico.

Mais sobre o signo


Definimos signos como objetos, fenômenos ou ações materiais que, por natureza ou
por convenção, representam ou substituem outra coisa. É, portanto, algo que está em lugar
de outro. Ademais, sendo uma criação humana, ele recebe o rótulo de signo social.

Os objetos de estudo da semiótica são extremamente amplos, consistindo em


qualquer tipo de signo social, por exemplo, seja no âmbito das artes visuais, da música, do
cinema, da fotografia, dos gestos, da religião, da moda etc.

O que vem a ser um signo social? Diz-se signo social porque, através dele, o
indivíduo manifesta a sua identidade e pertença a um grupo por meio da comunicação. Em
outras palavras, o signo social é qualquer estímulo que provoque uma sensação, emoção ou
convenção, a partir das quais são gerados os índices, ícones e símbolos, respectivamente.

Segundo sua natureza, os signos podem ser:

• Internos ou naturais - produzidos pelo próprio organismo (logo, são


involuntários) como a dor, o movimento peristáltico, o refluxo, a respiração,
a pulsação etc.
• Externos ou artificiais - criados pelo homem (desenho, fotografia, gráficos,
tabelas etc.) e perceptíveis pelos órgãos dos sentidos, como um animal, um
vegetal, uma pessoa, um acidente etc.

Figura 2: Tipos de sinais. Fonte: A autora.


Sobre a produção dos signos, vejamos a seguinte ilustração:

Figura 3: O processo semiótico. Fonte: A autora.


Descrevendo essa ilustração, vê-se que a mente projeta a imagem do signo (que
representa um dado objeto) e processa a significação, com base nos dados que caracterizam
o dito signo, ou seja, sua contextualização indica o melhor interpretante para o signo.

Conhecemos determinados seres fictícios por intermédio de ícones, como as sereias,


os unicórnios, o Pégaso. São seres fictícios que se materializam por intermédio da ação
humana: desenhos, pinturas, filmes etc.
Figura 4: Signos fictícios. Fonte: A autora

Os signos e a iconicidade
Os signos estão sujeitos ao fenômeno da iconicidade.

Na perspectiva do próprio signo, iconicidade é o fenômeno que permite a produção


de uma imagem mental de dado objeto, com vista a representá-lo e favorecer sua
compreensão e interpretação.

Tudo pode ser signo, desde que gere um significado.

Figura 5: Signos e significados. Fonte: A autora.


A produção da significação vai depender das condições contextuais.
Figura 6: As expressões faciais comunicam. Fonte: A autora.
O homem cria sistemas de sinais para o intercâmbio de mensagens entre o homem e
o mundo. “Cada sistema de sinais constitui-se segundo a especialidade que lhe é
característica e que pode ser articulada com os órgãos emissores-receptores, isto é, com os
sentidos humanos” (PLAZA, 1987, p. 45).

A criação de sistemas (ou códigos) implica a produção de regras de interpretação —


considerando os sentidos humanos que atuarão na leitura —, as quais exigem domínios
intelectuais respectivos para a prática dessa atividade.

Ilustrando: o mesmo objeto “sangue” pode corresponder a signos distintos em virtude


de sua inserção num dado contexto.

Figura 7: Contextualização do sinal. Fonte: A autora.


A escola deve treinar a percepção e a interpretação de signos, para que seja possível
desenvolver competências e habilidades indispensáveis não só à produção de leitura com
compreensão, mas também à produção textual, que é a expressão de ponto de vista sobre
determinado tema.
Multimodalidade e iconicidade
No universo dos signos e na sua relação com os objetos, temos as denominações: a)
ícone (signo de primeiridade), b) índice (signo de secundidade) e símbolo (signo de
terceiridade). Primeiridade, secundidade e terceiridade são designações decorrentes do
processo de produção dos signos. Segundo Campos (2006, p. 6),

— A primeiridade se refere à primeira impressão que recebemos de algo,


sem nenhuma relação com outras coisas ou fatos.

— A secundidade está ao nível do sensível, do qualitativo.

— A terceiridade está relacionada à experiência, ao fato, à realidade.

Pode-deduzir que essa classificação decorre das circunstâncias de produção do signo.


Ou seja: a) primeiridade é uma impressão; b) secundidade é uma sensação e c) terceiridade
é uma reação.

No âmbito da impressão, o signo se constitui a partir de suas características primárias,


com as quais forma-se uma imagem mental do objeto em foco tendo como ponto de partida
algo como um espanto. Quanto à sensação, observa-se o efeito causado pelo signo. Por
exemplo, beber algo muito quente ou muito gelado deflagra reações orgânicas peculiares —
as sensações —, e a consciência interfere produzindo as expressões: isto está muito quente
ou muito frio. Já a terceiridade decorre da intervenção lógica sobre o signo, designando-o,
convencionando-lhe um rótulo. Por exemplo, a eleição de certos animais como símbolos de
clubes esportivos é produto da convenção criada pelo homem, a saber: Carcará (Salgueiro-
PE), Cobra (Santa Cruz-PE), Dragão (Atlético-GO), Gavião (Corintians-SP), Raposa
(Cruzeiro-MG), Urubu (Flamengo-RJ), Tigre (Criciúma-SC), Tubarão (Londrina-PR). Esses
são alguns dos animais evocados para simbolizar clubes.

É interessante salientar que essa criação é simbólica, porém, depois de seu uso
sucessivo e insistente, a ideia de convenção é apagada e tais animais passam a ser ícones dos
clubes, assim como as mascotes de copas do mundo, de olimpíadas etc.

Os ícones, repetimos, são signos de primeiridade, por isso reúnem traços dos objetos
que representam. Portanto, o ícone é uma imagem, por isso ele é altamente icônico, ou seja,
é dotado de alta iconicidade; enquanto o índice, em muitos casos, não favorece o
reconhecimento do objeto a que representa. Vamos ao exemplo.
Figura 8: Ícones e índices. Fonte: A autora.
Quanto ao símbolo, ele resulta de uma relação arbitrariamente construída, cujo
exemplo mais conhecido são as letras do alfabeto. Por isso, as palavras são símbolos e sua
condição de signo arbitrário se esvai a partir do uso continuado, que faz com que os usuários
desconheçam sua origem. Comparando com o ícone, que é imagem do objeto, tem-se que o
ícone evoca o objeto, mas uma palavra (signo linguístico) não tem esse poder evocativo até
que seja gravada na mente do usuário. Exemplificando com formas da língua grega:

a) Καρέκλα — cadeira; b) φιλία — amizade; c) καρδιά — coração

Observe-se que, sem a tradução que segue cada uma das formas, é-nos impossível
deduzir o significado dessas palavras. Isso porque o sistema de escrita é simbólico e varia
entre as línguas. Ilustrando, vemos a seguir dois alfabetos.

Figura 9: Alfabetos hebraico. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=3iVAEub4XiA e Alfabeto


latino. Fonte: a Autora.
Cremos que esses alfabetos são eficientes amostras da arbitrariedade do signo, uma
vez que tais figuras não evocam qualquer objeto. O mesmo ocorre com os símbolos
matemáticos a seguir. Só os estudiosos dessa ciência identificarão os valores indicados por
essas figuras simbólicas.
Figura 10: Símbolos matemáticos. Fonte: https://www.simbolosparacopiar.com/p/simbolos-
matematicos.html?m=1
Assim sendo, o fenômeno da iconicidade decorre da aplicação dos signos em dados
contextos. No caso dos signos icônicos, eles por si só podem evocar seu objeto, logo, têm
alta iconicidade. Quanto aos índices, a iconicidade será relativa, passando a depender da
contextualização do sinal. No caso dos gráficos e tabelas, por exemplo, sua qualidade
abstrata resulta em baixa iconicidade. Já os símbolos, estes sempre dependerão do contexto
em que se inserem para que se tornem icônicos.

Acelerando o passo, parte-se para a produção de textos de onde emerge a


multimodalidade.

Vale esclarecer que a iconicidade pode ser percebida em signos de qualquer natureza
(verbais, sonoros, musicais, pictográficos, esquemáticos etc.). Logo, nos textos complexos
ou multimodais, há maior chance de serem identificados signos icônicos.

Como definir multimodalidade? Trata-se da conjunção de diferentes modos de


expressão e comunicação presentes em um mesmo texto. É, portanto a característica de
textos complexos, pois são constituídos de signos de diversa natureza, principalmente, a
escrita, a imagem e as cores. Segundo Kress e van Leewen a multimodalidade apresenta três
modos semióticos na construção da mensagem. Os autores de Multimodal discourse (2001 5)
afirmam “A escrita, a imagem e a cor se prestam a diferentes tipos de trabalho semiótico;
cada um tem seus potenciais distintos de significado (...)” (Tradução livre) 6

Retomamos aqui parte do texto que usamos como epígrafe deste artigo “Se os Órgãos
Perceptivos se alteram, os Objetos da Percepção parecem alterar-se.” (William Blake, apud
Plaza, 1987, p. 45), para corroborar a relevância da construção multimodal, uma vez que os
órgãos perceptivos são acionados de modo peculiar, mediante a provocação dos objetos da
percepção. Uma pintura excita os órgãos da visão; um perfume estimula os órgãos da
olfação; uma superfície porosa provoca a ação dos órgãos do tato etc. Portanto, se reunirmos

5
Edição digital Kindle.
6
Texto original: “Writing and image and colour lenda themselves to doing differente kinds of semiotic work;
each has its distinct potentials for meaning (...)”
em um texto elementos de natureza variada, diversos e distintos órgãos perceptivos
precisarão atuar em conjunto para realizar uma interpretação satisfatória.

Um texto multimodal contém figuras, frases, dimensões, posições, às vezes cores, às


vezes melodia, às vezes movimento. Tudo isso exige modos específicos de interpretação. E
para esse trabalho, temos nossas “antenas captadoras” (órgãos dos sentidos) disponíveis.

O autor de Tradução intersemiótica ensina que “Cada sistema de sinais constitui-se


segundo a especialidade que lhe é característica e que pode ser articulada com os órgãos
emissores-receptores, isto é, com os sentidos humanos” (PLAZA, 1987, p. 45).

Figura 11: Órgãos dos sentidos. Fonte: Aléxia Islabão dos Santos e Christian Casanova Klima

O mundo contemporâneo está povoado de textos multimodais. A linguagem digital


proporciona a produção de textos desse tipo, uma vez que disponibiliza recursos que
facilitam a criação de formas, a inserção de cores, sons, imagens fixas ou em movimento etc.
Nesses textos, a iconicidade é relevante.

A iconicidade é um fenômeno de interpretação, sem original imanência sígnica (isto


é, não está inscrita nos signos).

Iconicidade é o fenômeno com que o signo representa plasticamente uma ideia,


portanto, tão mais alta será a iconicidade quanto comunicativo for o signo, ou seja, quanto
maior for sua relação imagética com o seu objeto. Para quem quiser aprofundar-se nas
questões relativas à iconicidade, recomendo a leitura de Para uma teoria da iconicidade
verbal (SIMÕES, 2019).

A multimodalidade demanda a educação do olhar, para que sejam percebidos os


traços relevantes presentes no objeto em observação. A captação da iconicidade ocorre
quando são reconhecidos os traços ou elementos principais, nucleares na mensagem. Quanto
à multimodalidade, essa atravessa todos os setores da atuação humana e abre espaço para
novos procedimentos de leitura, novos enfrentamentos sígnicos.

A multimodalidade se distribui por uma variedade de signos que se combinam e


criam uma realidade plural de comunicação, cujo enfrentamento demanda domínio de novas
competências e habilidades.

A Internet promove a formação de leitores multimodais, uma vez que cada site
visitado descortina um universo de signos múltiplos que vão das letras ao movimento.

Em uma rápida pesquisa sobre multimodalidade, encontramos:

Figura 12. Exemplos de textos multimodais. Fonte: Google.

Observe-se que esta charge desmonta as metáforas.

Figura 13: Exemplo de charge.


Fonte:https://sites.google.com/site/glossarioestudosdeletramento/home/multimodalidade
• “lavagem de dinheiro” (ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores
que sejam frutos de crimes, cf. [Houaiss, s.u.])

• “laranjas” (pessoas que fornecem o seu nome e seus dados pessoais,


prática de diversas formas de fraudes financeiras e comerciais, para que
criminosos fujam da fiscalização e soneguem impostos, cf. [Houaiss, s.u.]).

Vejamos outra charge.

Figura 14: Uma sessão de análise. Fonte: http://mesquita.blog.br/internet-e-liberdade-digital

Esta charge traduz vícios decorrentes do uso da internet.

• o psicanalista se orienta pelo Google (sistema digital mais popular de buscas);


• o cachimbo (o original seria charuto), evoca, por extensão, a figura de Freud (Pai da
Psicanálise);
• o notebook representa o mundo digital;
• o divã, móvel típico dos consultórios dos analistas e
• a cor verde da roupa do profissional é índice porque sugere a inépcia do sujeito. Veja-
se o que diz o dicionário: “verde - 5 fig. a que falta vivência, experiência” [Houaiss,
s.u.]

O texto multimodal, por conseguinte, sua compreensão e interpretação se aplicam a


qualquer disciplina.

A biologia é também facilitada pela presença das imagens.


Figura 15: As partes da planta. Fonte: Toda matéria (Google).

Também a aula de geometria pode ser beneficiada pela multimodalidade.

Figura 16: Figuras geométricas. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/309974386863797643/

É possível, portanto, lançar mão dos textos multimodais, para ilustrar e enriquecer as
aulas, aumentando assim a estimulação dos alunos.

À guisa de conclusão
Como a intenção deste artigo é a oferta de subsídios para a melhoria da qualidade das
aulas, buscamos usar uma linguagem mais simples na descrição de fenômenos complexos
como a iconicidade e a multimodalidade.

Assim como já sugerimos uma leitura sobre iconicidade, deixamos aqui também a
indicação de uma indispensável leitura sobre multimodalidade: KRESS, Gunther, e T. Van
LEEUWEN. Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication.
London/UK: Hodder Arnold, 2001. Essa obta tem versão digital para o leitor Kindle, o que
facilita a portabilidade e diminui o preço.
Nossas aulas, hoje, são imensos desafios, uma vez que os estudantes vivem no mundo
digital diuturnamente e perdem o interesse pelas aulas no modelo tradicional: exposição oral
e uso do quadro (hoje, branco). Operando com signos multimodais, os alunos se tornam cada
dia mais exigenets no que tange à preparação de aulas estimulantes. Assim sendo, somos
provocados a produzir aulas que incitem os cinco sentidos humanos, para que os estudantes
se vejam desafiados a participar e produzir material semelhante.

Quanto mais icônicos os objetos didáticos eleitos, mais eficiência trarão às práticas
didático-pedagógicas. Para tanto, não é preciso tornar-se produtor de materiais audiovisuais
(que exigem habilidades muito sofisiticadas), porque a Internet disponibiliza uma
imensidade de textos verbais, não verbais e multimodais.

Um fato relevante é que, desde sua origem, as aulas sempre foram multimodais,, pois
operavam com textos verbais escritos, que eram oralizados e, algumas vezes, tomados como
estímulo para a produção de outras formas de expressão. Assim sendo, a novidade da
multimodalidade é relativa. Cabe-nos, portanto, abater o “bicho-de-sete-cabeças” com que
alguns pintam os estudos semióticos, em particular a iconicidade, e em última instância a
multimodalidade, demonstrando que temos “antenas captadoras” de alta eficiência por meio
das quais podemos ler, compreender e interpretar signos em textos da maiss variada natureza.

Transcrevemos aqui dois excertos de outras nossas produções, por entendê-las como
bastante objetivas.

A discussão sobre metodologias facilitadoras do ensino de língua é uma


constante na preocupação de todo docente. Os sucessivos levantamentos
de dificuldades manifestadas pelos estudantes induzem-nos à busca de
novos métodos e técnicas que possam, além de estimular o interesse pelo
estudo dos conteúdos, fazer com que estes se mostrem mais transparentes
para absorção pelos alunos. (Simões e Oliveira – no prelo)

Portanto, o enfrentamento da multimodalidade e a captação da iconicidade


exigem novos treinamentos didático-pedagógicos, hoje denominados
como multiletramento, para que os estudantes se sintam encorajados a
praticar a leitura desses textos híbridos que se multiplicam nos livros,
revistas e, principalmente na internet. (Simões e Oliveira, 2021, p. 37)

Segundo Corrêa e Dias (2006, p. 245) “A incorporação das tecnologias digitais na


escola, entendidas como "veículos de linguagens", pode proporcionar processos de ensino-
aprendizagem interativos, interdependentes e plurais, de forma integrada com a realidade
dos sujeitos envolvidos.”

Transcrevo aqui uma definição de Ana Elisa Ribeiro, que muito nos auxiliará na
compreensão do novo panorama em que se encontra o processo pedagógico.
Tecnologia digital é um conjunto de tecnologias que permite,
principalmente, a transformação de qualquer linguagem ou dado em
números, isto é, em zeros e uns (0 e 1). Uma imagem, um som, um texto,
ou a convergência de todos eles, que aparecem para nós na forma final da
tela de um dispositivo digital na linguagem que conhecemos (imagem fixa
ou em movimento, som, texto verbal), são traduzidos em números, que são
lidos por dispositivos variados, que podemos chamar, genericamente, de
computadores. Assim, a estrutura que está dando suporte a esta linguagem
está no interior dos aparelhos e é resultado de programações que não
vemos. Nesse sentido, tablets e celulares são microcomputadores.
(RIBEIRO, 2014, p. 152)

Finalizando, recomendo aos leitores que visitem as obras que tratam do tema
multiletramento, pois este lhes será muito útil na compreensão da multimodalidade e da
iconicidade.

Referências
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa (PCN-EF).
CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Terceiro Milênio. São Paulo: Companhia das
Letras. 1990.
CAMPOS, Rodrigo P. Análise dos Signos da Interface Humana do Windows XP. Rio de
Janeiro. 2006.
CORRÊA, Hércules T.; DIAS, Daniela R. Multiletramentos e usos da informação e
comunicação digital com alunos de curso técnico. Trab. linguist. apl. 55 (02), Hércules
Tolêdo Corrêa; Daniela Rodrigues Dias May-Aug 2016. 241-261.
DEELY, John. Introdução à semiótica. História e doutrina.
ECO, Umberto. O leitor-modelo. In: ECO, Umberto Lector in fabula. São Paulo/SP:
Perspectiva, 1986. p. 35-49.
FONTES, Francisca D. S.; MIGUEL, Joelson R. M. Concepções do Multiletramento na
Contemporaneidade. Id Online - Revista multidisciplinar e de Psicologia, 2020. 450-461.
KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, T. Multimodal discourse: the modes and media of
contemporary communication.
NÖTH, Winfried; SANTAELLA, Lucia. Introdução à semiótica. Passo a passo para
compreender os signos e a significação.
PEIRCE, Charles S. Collected Papers. Vol. VIII, p. 9-38 [CP].
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. SP: Perspectiva: (Brasília): CNPq. 1987
RIBEIRO, Ana E. F. Tecnologias na educação: questões e desafios para a produção de
sentidos. Revista Práticas de Linguagem. Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF,
2014.
SIMÕES, Darcilia. Multimodalidade e inteligências múltiplas nas aulas de Língua
Portuguesa. Revista Polyphonía. v. 29 n. 2 (2018), Goiânia, 08 fevereiro 2018.
SIMÕES, Darcilia. Para uma teoria da iconicidade verbal. Campinas/SP: Pontes Editores.
2019.
SIMÕES, Darcilia; OLIVEIRA, Rosane. R. Design visual e sequências de quadrinhos: uma
parceria de linguagens. In: SILVEIRA, É. L.; SANTANA, W. K. F. D. (. ). Educação e
múltiplas linguagens: Olhares Transdisciplinares. São Carlos/SP: Pedro e João Editores,
2021. p. 31-41.
SIMÕES, Darcilia; OLIVEIRA, Rosane. R. Explorando a iconicidade e a multimodalidade
no estudo de línguas. In: POSLLI, Coordenação D. Coletânea do POSLLI/UEM. (no
prrelo). Goiás/GO. (no prelo): POSLLI/UEM.

Você também pode gostar