Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ENSINO
Palavras iniciais
A contemporaneidade vem redesenhando o mundo a partir do surgimento de novas
linguagens e, por conseguinte, de novas ferramentas de trabalho. O advento da internet
disponibilizou ao homem uma gama de novidades que, diuturnamente, vem reorganizando
a vida humana, sobretudo no que concerne aos processos de captação da realidade e aos
mecanismos de informação e comunicação.
Nesse contexto, a ciência semiótica vem ganhando relevância, pois é por meio dela
que se torna possível compreender como o mundo real e o ficcional são construídos. A
apropriação das coisas do mundo é um processo semiótico, uma vez que o que se pode
perceber e o que se pode imaginar é representado por meio de signos. Portanto, é
imprescindível conhecer e saber usar nossas “antenas captadoras” ou órgãos dos sentidos
(visão, olfato, tato, paladar e audição), para identificar e interpretar os objetos: internos,
externos, reais ou ficcionais.
Destarte, o interesse pela teoria semiótica começa a ser despertado, embora fique
restrito, inicialmente, à linguagem visual/pictorial — desenho, pintura, fotografia, design
etc. — por ser esta mais próxima da experiência dos estudantes. Essa perspectiva abriu o
diálogo entre Literatura e Arte e expandiu a observação para a linguagem musical; assim os
sons passam a ter relevância não apenas na Poética, mas também na Fonologia, na qual
passou-se a observar a relevância das combinações sonoras não só na expressividade dos
enunciados, nos sotaques, como também no cuidado com a produção de cacófatos, que são
realizações fônicas de resultante desagradável. Passemos então a algumas noções
elementares de Semiótica.
O que é semiótica?
Segundo Santaella, inicialmente pode-se dizer que
A partir dessa definição, cumpre observar que o termo semiótica advém da palavra
semiose que, por sua vez, significa
Em palavras simples, a semiótica pode ser considerada como a ciência que estuda
todas as formas de linguagem, ou seja, todo e qualquer fenômeno de produção de
significação e sentido, a qual se utiliza de signos para representar os objetos.
Avançando nas observações sobre o que é semiótica, visitamos os escritos de John
Deely 1 (1942-2017) que assevera que uma consciência tematicamente semiótica parece ter
emergido entre 1350 (morte de Guilherme de Ockham) e 1650 (morte de Descartes).
(DEELY, 1995, p. 59). Essas datas foram eleitas em função do papel dos cientistas pós-
latinos citados, uma vez que Deely considera como lastimável o estado da pesquisa na
história da filosofia no período contemporâneo 2. Após mais algumas considerações sobre
certa indigência no pensamento filosófico da época, destaca a figura de Charles Sanders
Peirce (1871: p. 14) como um teórico memorável no que concerne à construção do
pensamento semiótico.
Não é nosso intuito discorrer sobre a história da Semiótica, mas cremos que alguns
dados históricos são relevantes; em especial no que tange ao destaque da figura de Peirce na
construção de uma lógica formal a que ele denominou semiótica.
Sobre Peirce:
1
Influenciado por Charles Sanders Peirce, Thomas Sebeok, João de São Tomás, Jacques Maritain, Mortimer
Adler.
2
Edição original datada de 1982.
3
Tradução livre: Eles estão acostumados a conduzir discussões diárias.
4
Texto original: “Charles Sanders Peirce plays a unique rôle in the history of American philosophy. During
his own lifetime he published no book on philosophy, and except for a relatively short period he held no
university chair from which to impress his influence upon students; yet he has come to be recognized as the
founder of the one distinctive movement which this country has produced.”
A semiótica e a semiose
Nos estudos semióticos, é preciso observar (mesmo que superficialmente) o
funcionamento do cérebro humano na produção de signos e significações.
Como já dissemos antes, o signo pode ser um existente ou uma produção fictícia. É
um existente quando o signo é um lápis, uma cadeira, uma pirâmide, um computador, uma
palavra etc. No entanto, também são signos o unicórnio, a sereia, o ciclope, a medusa,
Bentinho, Capitolina, Riobaldo etc. Estes são seres ficcionais, de criação mental humana,
que não têm existência concreta. Mas também são signos.
Segundo o dicionário, objeto é: “1. coisa material que pode ser percebida pelos
sentidos; 2. coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou
uma ação” (HOUAISS, s.u.). Assim sendo, tudo o que nos envolve física ou mentalmente se
torna objeto.
O que vem a ser um signo social? Diz-se signo social porque, através dele, o
indivíduo manifesta a sua identidade e pertença a um grupo por meio da comunicação. Em
outras palavras, o signo social é qualquer estímulo que provoque uma sensação, emoção ou
convenção, a partir das quais são gerados os índices, ícones e símbolos, respectivamente.
Os signos e a iconicidade
Os signos estão sujeitos ao fenômeno da iconicidade.
É interessante salientar que essa criação é simbólica, porém, depois de seu uso
sucessivo e insistente, a ideia de convenção é apagada e tais animais passam a ser ícones dos
clubes, assim como as mascotes de copas do mundo, de olimpíadas etc.
Os ícones, repetimos, são signos de primeiridade, por isso reúnem traços dos objetos
que representam. Portanto, o ícone é uma imagem, por isso ele é altamente icônico, ou seja,
é dotado de alta iconicidade; enquanto o índice, em muitos casos, não favorece o
reconhecimento do objeto a que representa. Vamos ao exemplo.
Figura 8: Ícones e índices. Fonte: A autora.
Quanto ao símbolo, ele resulta de uma relação arbitrariamente construída, cujo
exemplo mais conhecido são as letras do alfabeto. Por isso, as palavras são símbolos e sua
condição de signo arbitrário se esvai a partir do uso continuado, que faz com que os usuários
desconheçam sua origem. Comparando com o ícone, que é imagem do objeto, tem-se que o
ícone evoca o objeto, mas uma palavra (signo linguístico) não tem esse poder evocativo até
que seja gravada na mente do usuário. Exemplificando com formas da língua grega:
Observe-se que, sem a tradução que segue cada uma das formas, é-nos impossível
deduzir o significado dessas palavras. Isso porque o sistema de escrita é simbólico e varia
entre as línguas. Ilustrando, vemos a seguir dois alfabetos.
Vale esclarecer que a iconicidade pode ser percebida em signos de qualquer natureza
(verbais, sonoros, musicais, pictográficos, esquemáticos etc.). Logo, nos textos complexos
ou multimodais, há maior chance de serem identificados signos icônicos.
Retomamos aqui parte do texto que usamos como epígrafe deste artigo “Se os Órgãos
Perceptivos se alteram, os Objetos da Percepção parecem alterar-se.” (William Blake, apud
Plaza, 1987, p. 45), para corroborar a relevância da construção multimodal, uma vez que os
órgãos perceptivos são acionados de modo peculiar, mediante a provocação dos objetos da
percepção. Uma pintura excita os órgãos da visão; um perfume estimula os órgãos da
olfação; uma superfície porosa provoca a ação dos órgãos do tato etc. Portanto, se reunirmos
5
Edição digital Kindle.
6
Texto original: “Writing and image and colour lenda themselves to doing differente kinds of semiotic work;
each has its distinct potentials for meaning (...)”
em um texto elementos de natureza variada, diversos e distintos órgãos perceptivos
precisarão atuar em conjunto para realizar uma interpretação satisfatória.
Figura 11: Órgãos dos sentidos. Fonte: Aléxia Islabão dos Santos e Christian Casanova Klima
A Internet promove a formação de leitores multimodais, uma vez que cada site
visitado descortina um universo de signos múltiplos que vão das letras ao movimento.
É possível, portanto, lançar mão dos textos multimodais, para ilustrar e enriquecer as
aulas, aumentando assim a estimulação dos alunos.
À guisa de conclusão
Como a intenção deste artigo é a oferta de subsídios para a melhoria da qualidade das
aulas, buscamos usar uma linguagem mais simples na descrição de fenômenos complexos
como a iconicidade e a multimodalidade.
Assim como já sugerimos uma leitura sobre iconicidade, deixamos aqui também a
indicação de uma indispensável leitura sobre multimodalidade: KRESS, Gunther, e T. Van
LEEUWEN. Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication.
London/UK: Hodder Arnold, 2001. Essa obta tem versão digital para o leitor Kindle, o que
facilita a portabilidade e diminui o preço.
Nossas aulas, hoje, são imensos desafios, uma vez que os estudantes vivem no mundo
digital diuturnamente e perdem o interesse pelas aulas no modelo tradicional: exposição oral
e uso do quadro (hoje, branco). Operando com signos multimodais, os alunos se tornam cada
dia mais exigenets no que tange à preparação de aulas estimulantes. Assim sendo, somos
provocados a produzir aulas que incitem os cinco sentidos humanos, para que os estudantes
se vejam desafiados a participar e produzir material semelhante.
Quanto mais icônicos os objetos didáticos eleitos, mais eficiência trarão às práticas
didático-pedagógicas. Para tanto, não é preciso tornar-se produtor de materiais audiovisuais
(que exigem habilidades muito sofisiticadas), porque a Internet disponibiliza uma
imensidade de textos verbais, não verbais e multimodais.
Um fato relevante é que, desde sua origem, as aulas sempre foram multimodais,, pois
operavam com textos verbais escritos, que eram oralizados e, algumas vezes, tomados como
estímulo para a produção de outras formas de expressão. Assim sendo, a novidade da
multimodalidade é relativa. Cabe-nos, portanto, abater o “bicho-de-sete-cabeças” com que
alguns pintam os estudos semióticos, em particular a iconicidade, e em última instância a
multimodalidade, demonstrando que temos “antenas captadoras” de alta eficiência por meio
das quais podemos ler, compreender e interpretar signos em textos da maiss variada natureza.
Transcrevemos aqui dois excertos de outras nossas produções, por entendê-las como
bastante objetivas.
Transcrevo aqui uma definição de Ana Elisa Ribeiro, que muito nos auxiliará na
compreensão do novo panorama em que se encontra o processo pedagógico.
Tecnologia digital é um conjunto de tecnologias que permite,
principalmente, a transformação de qualquer linguagem ou dado em
números, isto é, em zeros e uns (0 e 1). Uma imagem, um som, um texto,
ou a convergência de todos eles, que aparecem para nós na forma final da
tela de um dispositivo digital na linguagem que conhecemos (imagem fixa
ou em movimento, som, texto verbal), são traduzidos em números, que são
lidos por dispositivos variados, que podemos chamar, genericamente, de
computadores. Assim, a estrutura que está dando suporte a esta linguagem
está no interior dos aparelhos e é resultado de programações que não
vemos. Nesse sentido, tablets e celulares são microcomputadores.
(RIBEIRO, 2014, p. 152)
Finalizando, recomendo aos leitores que visitem as obras que tratam do tema
multiletramento, pois este lhes será muito útil na compreensão da multimodalidade e da
iconicidade.
Referências
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa (PCN-EF).
CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Terceiro Milênio. São Paulo: Companhia das
Letras. 1990.
CAMPOS, Rodrigo P. Análise dos Signos da Interface Humana do Windows XP. Rio de
Janeiro. 2006.
CORRÊA, Hércules T.; DIAS, Daniela R. Multiletramentos e usos da informação e
comunicação digital com alunos de curso técnico. Trab. linguist. apl. 55 (02), Hércules
Tolêdo Corrêa; Daniela Rodrigues Dias May-Aug 2016. 241-261.
DEELY, John. Introdução à semiótica. História e doutrina.
ECO, Umberto. O leitor-modelo. In: ECO, Umberto Lector in fabula. São Paulo/SP:
Perspectiva, 1986. p. 35-49.
FONTES, Francisca D. S.; MIGUEL, Joelson R. M. Concepções do Multiletramento na
Contemporaneidade. Id Online - Revista multidisciplinar e de Psicologia, 2020. 450-461.
KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, T. Multimodal discourse: the modes and media of
contemporary communication.
NÖTH, Winfried; SANTAELLA, Lucia. Introdução à semiótica. Passo a passo para
compreender os signos e a significação.
PEIRCE, Charles S. Collected Papers. Vol. VIII, p. 9-38 [CP].
PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. SP: Perspectiva: (Brasília): CNPq. 1987
RIBEIRO, Ana E. F. Tecnologias na educação: questões e desafios para a produção de
sentidos. Revista Práticas de Linguagem. Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF,
2014.
SIMÕES, Darcilia. Multimodalidade e inteligências múltiplas nas aulas de Língua
Portuguesa. Revista Polyphonía. v. 29 n. 2 (2018), Goiânia, 08 fevereiro 2018.
SIMÕES, Darcilia. Para uma teoria da iconicidade verbal. Campinas/SP: Pontes Editores.
2019.
SIMÕES, Darcilia; OLIVEIRA, Rosane. R. Design visual e sequências de quadrinhos: uma
parceria de linguagens. In: SILVEIRA, É. L.; SANTANA, W. K. F. D. (. ). Educação e
múltiplas linguagens: Olhares Transdisciplinares. São Carlos/SP: Pedro e João Editores,
2021. p. 31-41.
SIMÕES, Darcilia; OLIVEIRA, Rosane. R. Explorando a iconicidade e a multimodalidade
no estudo de línguas. In: POSLLI, Coordenação D. Coletânea do POSLLI/UEM. (no
prrelo). Goiás/GO. (no prelo): POSLLI/UEM.