PROPÓSITO
A Semiótica é uma ciência ampla e diversificada, que oferece importantes ferramentas para o
estudo dos processos comunicativos. Seus métodos de análise ajudam a observar de forma
mais sistemática e crítica a produção de sentidos
e a construção dos significados e do
conhecimento humano. Trata-se de um arcabouço teórico ainda atual e de extrema relevância
para compreender como nos relacionamos por meio das múltiplas formas de linguagem
existentes
na cultura e na natureza.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
INTRODUÇÃO
Neste conteúdo, estudaremos a Semiótica, compreendendo as origens da ciência e
identificando suas principais características, a partir das contribuições do cientista americano
Charles Peirce. Discutiremos o sistema de tricotomias
proposto pelo autor, analisando suas
categoriais e compreendendo como diversos tipos de signo – palavras, sons e imagens, por
exemplo – são acionados e se relacionam na construção de significados.
A temática pode parecer ampla e complexa, mas quando nos aventurarmos nessas
discussões, refletiremos sobre nossa própria mente e a realidade que nos cerca, e nos
tornaremos aptos a pensar essas interações de maneira mais analítica
e aprofundada.
MÓDULO 1
(Lucia Santaella)
Foto: Autor desconhecido / New York Public Library / Wikimedia commons / Domínio público.
Charles Sanders Peirce (1839 – 1914).
Mas o que de fato tornou o pesquisador mundialmente conhecido foi a criação de uma teoria
ampla e diversificada, a Semiótica – termo que vem do grego semeîon (signo) e sema (sinal).
Semiótica
Trata-se de uma ciência que estuda os signos e a produção de significados (semiose) na
natureza e na cultura (NÖTH, 1995). A Semiótica tem como principal objetivo investigar todas
as linguagens existentes,
sejam elas:
Imagem: Shutterstock.com
VERBAIS
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MATEMÁTICAS
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BIOLÓGICAS
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ARTÍSTICAS
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COMUNICACIONAIS
A partir da sistematização dessa teoria, Peirce buscou realizar seu desejo de identificar uma
linguagem comum às diversas ciências. Até os dias atuais, os métodos por ele propostos são
amplamente utilizados em pesquisas de
distintos campos científicos.
FENOMENOLOGIA
É uma corrente filosófica que pensa a relação entre sujeito (sua consciência) e o objeto,
defendendo que o único conhecimento possível passa pela consciência, por como se percebe
um fenômeno.
A princípio, esses termos e suas definições conceituais podem parecer muito abstratos e
difíceis de compreender. Mas os processos analisados pela Semiótica fazem parte do nosso
dia a dia e dos nossos esforços para compreender
a realidade que nos cerca. São ainda mais
necessários em tempos de intenso compartilhamento de informações e diante do surgimento
de novas linguagens e formas de expressão.
EXEMPLO
Sempre que queremos comunicar algo a alguém, utilizamos sinais, códigos ou símbolos que se
apresentam para nos expressarmos, garantindo, assim, que o conteúdo transmitido seja de
fato compreendido por nosso
interlocutor. Palavras, sons, imagens, gestos e até mesmo ações
são exemplos de recursos aos quais podemos recorrer para atingir esse objetivo.
Mas, para que a mensagem seja efetivamente entendida pelos demais, é fundamental que os
outros percebam e conheçam os sinais que utilizamos e produzam suas próprias
representações mentais para processar os sentidos
possíveis. É por isso que precisamos falar
um mesmo idioma para conversar ou conhecer os mesmos símbolos religiosos para participar
de uma liturgia, por exemplo.
Apesar de a Semiótica ser uma ciência ainda jovem, a discussão sobre os signos e os
processos de significação é tão antiga quanto o pensamento filosófico. Desde a Antiguidade
Clássica, passando pela Idade Média e por pensadores
modernos, o estudo das diversas
formas de linguagem permeou muitos momentos da história do pensamento ocidental.
Entender os múltiplos processos de interação entre os seres humanos, a natureza ou as
máquinas têm sido uma
curiosidade constante ao longo da história.
Foto: Shutterstock.com
Esses impactos não foram sentidos apenas no cotidiano, mas despertaram também a
curiosidade de cientistas e intelectuais de diversas áreas, que perceberam a importância do
fenômeno em todo mundo. Nesse contexto, surgiram os
primeiros esforços intelectuais para
propor um estudo sistemático dos signos e seus significados.
SAIBA MAIS
Como já colocado, o campo da Semiótica não contempla apenas as expressões verbais, mas
também outras linguagens, de imagens e elementos da natureza a sinais matemáticos, e o
primeiro autor a utilizar o termo, também como proposta
de consolidação da disciplina foi o
cientista estadunidense Charles S. Peirce.
O teórico estipulou um modelo de análise baseado em três categorias universais, que explicam
o processo de compreensão da realidade por meio de signos:
PRIMEIRIDADE
Corresponde às impressões puras e imediatas da realidade, sentidas, mas ainda não
analisadas racionalmente.
SECUNDIDADE
É referente aos processos de reflexão, comparação e análise das sensações mais instintivas e
automáticas.
TERCEIRIDADE
Está associada ao processo de produção de significado a partir do pensamento (semiose),
sendo, portanto, a conexão entre as duas categorias anteriores.
Imagem: arquivo pessoal de Serguei Nekliúdov. In: VÓLKOVA AMÉRICO, Ekaterina. Iúri
Lótman e a semiótica da cultura. Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em Literatura
e Cultura Russa, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. USP, São Paulo, 2002, p. 55.
Yuri Lótman com a primeira edição do seu livro
O período histórico foi marcado por diversos estudos sobre a produção artística, como o
cinema e a literatura de vanguarda – vertente que ficou conhecida como Semiótica da Cultura.
Mas a produção oriunda da extinta União Soviética
só ganhou espaço internacional na década
de 1950, sobretudo, a partir das contribuições de teóricos como Yuri Lotman e Boris Uspênski e
dos estudos da Universidade de Tartu, na Estônia. Um dos maiores méritos dessa escola
da
Semiótica foi ampliar as delimitações do campo da pesquisa comunicacional, incluindo a
produção cultural como objeto de estudo.
No Brasil, os estudos semióticos se iniciam na década de 1960, sobretudo, a partir da
influência do professor e poeta concretista Décio Pignatari, que lecionava na Escola Superior
de Desenho Industrial no Rio de Janeiro. O
docente foi pioneiro na proposição de uma teoria
Semiótica peirceana voltada para o Design, a Arquitetura e a Comunicação. Na década
seguinte, passou a integrar o programa de pós-graduação da Universidade Católica de São
Paulo, que se tornaria um curso de Comunicação e Semiótica. Por fim, é importante destacar a
criação do Centro Internacional de Estudos Peirce (CIEP), na Universidade Católica de São
Paulo, em 1996. O espaço foi inaugurado
por Lucia Santaella, uma das pesquisadoras mais
influentes do campo da Semiótica no Brasil até os dias atuais.
Imagem: Décio Pignatari / Catálogo da exposição Arquivo Décio Pignatari: Um lance de dados /
Centro Cultural São Paulo.
Beba Coca-Cola, Décio Pignatari, 1957.
SEMIÓTICA AMERICANA
A Semiótica americana – que, como vimos, tem em Charles Peirce seu maior expoente –
busca estudar o aspecto relacional dos signos, adotando uma abordagem mais ampla sobre as
múltiplas linguagens. Trata-se, portanto, de uma
corrente mais interessada nos significados
produzidos, a partir das interações do que no estudo isolado dos signos, por si só.
PEIRCE PROPÔS O CONCEITO DE RELAÇÃO SÍGNICA,
QUE ENVOLVE O SIGNO PROPRIAMENTE DITO, O
OBJETO QUE ESTÁ SENDO REPRESENTADO POR ELE
E SEU INTERPRETANTE (A IMAGEM MENTAL À QUAL
O INTERLOCUTOR RECORRE PARA LHE ATRIBUIR
SENTIDO).
OU SEJA, QUANDO NOS DEPARAMOS COM
UM SIGNO E ACIONAMOS ALGUM REPERTÓRIO PARA
COMPREENDÊ-LO, PRODUZIMOS OUTROS SIGNOS
EM NOSSO PENSAMENTO PARA COMPLETAR O
PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO. DESSE MODO, O
SIGNIFICADO DAQUELE SIGNO
INICIAL SE CONCLUI
POR MEIO DE OUTRO SIGNO PRODUZIDO EM NOSSO
PENSAMENTO.
Outro aspecto original da vertente proposta pelo autor norte-americano é a noção triádica do
signo, um modelo dinâmico e contextualizado, cuja proposta é pensar a produção dos sentidos
para além de dicotomias simplistas de
análise. Além disso, nessa corrente de pensamento, os
signos não devem ser pensados a partir de uma perspectiva abstrata ou metafísica, mas
observados em seus usos práticos, no cotidiano.
E isso não é por acaso. Como mencionamos anteriormente, o cientista é considerado o pai do
pragmatismo, uma escola teórica norte-americana que partia do princípio de que o
conhecimento humano e o desenvolvimento das faculdades
mentais ocorrem a partir da
aprendizagem na experiência concreta, empírica. O termo vem do grego pragma, que significa
ação. Os teóricos ligados ao pragmatismo são céticos em relação à metafísica,
defendendo,
portanto, um método de análise pautado apenas nos sentidos. Em outras palavras, só atestam
o que pode ser comprovado por meio da experimentação sensível do mundo real.
Martino (2014) apresenta um exemplo bastante ilustrativo sobre o olhar pragmático acerca dos
signos: a arquitetura das igrejas católicas:
Discoteca e casa noturna Paradiso, cujo prédio era originalmente uma igreja construída no
século XIX, em Amsterdã, Holanda. Foto: Andreas Praefcke / Wikimedia commons / CC BY
3.0.
O pesquisador ressalta que na Europa há muitos prédios de antigas igrejas que atualmente são
utilizados com outras finalidades, sem qualquer relação com o universo místico. São centros
culturais ou salões de exposições,
por exemplo. Em suma, todos os sinais religiosos
permanecem nesses locais, mas não necessariamente serão considerados religiosos para
quem os ocupa agora. Essa simples constatação, nos leva à conclusão de que
“o signo pode
virtualmente ser qualquer coisa no momento que é usado como tal. As três partes dessa
relação – signo, significante e significado – não existem de maneira separada” (MARTINO,
2014, p.118).
RAMOS DA SEMIÓTICA
Desde sua origem como campo científico, a Semiótica é apresentada a partir de diferentes
vertentes. O mais correto seria falarmos em semióticas, no plural, para dar conta das diferentes
correntes que existem no âmbito dessa
ciência.
A vertente teórica proposta por Peirce, mais especificamente, propõe três ramos que abarcam
o campo da Semiótica: a gramática especulativa, a lógica crítica e a metodêutica ou retórica
especulativa.
GRAMÁTICA ESPECULATIVA
LÓGICA CRÍTICA
METODÊUTICA
GRAMÁTICA ESPECULATIVA
É o ramo de estudos que analisa os diversos tipos de signo, suas múltiplas formas de
representação e seus potenciais significados. De acordo com Santaella (2008), esse segmento
trabalha com conceitos abstratos, que permitem
que determinados comportamentos possam
ser considerados signos; e analisa os elementos determinantes para a compreensão dos
signos e suas propriedades, ou seja, o que um signo deve ter para que possa incorporar
qualquer
significado.
LÓGICA CRÍTICA
Ramo abordado com menos frequência nos estudos de Semiótica, analisa as condições por
meio das quais um signo dá origem a outro e, principalmente, busca compreender como um
pensamento gera outro pensamento. Ou seja, debruça-se
sobre a relação entre os tipos de
raciocínio que são analisados pela lógica crítica (SANTAELLA, 1996, 2008).
RESUMINDO
Nessa perspectiva, a gramática especulativa é o ramo da Semiótica que estuda a forma dos
signos, a lógica crítica é aquela que cuida dos sentidos da representação e, por fim, a
metodêutica analisa os métodos originados
pelos diversos tipos de raciocínio, observando os
outros ramos no contexto cultural no qual estão inseridos.
CATEGORIAS UNIVERSAIS DO
PENSAMENTO
Analisemos um exemplo, a partir de uma situação cotidiana. Imagine que você está em casa e
alguém toca a campainha. O que veríamos se pudéssemos observar o pensamento em câmera
lenta?
Imagem: Shutterstock.com
Foto: Shutterstock.com
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O que está em jogo nessa premissa é uma relação construída a partir de três partes
interligadas:
O SIGNO
A REPRESENTAÇÃO MENTAL
A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO
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PRIMEIRIDADE
Corresponde ao contato inicial com determinado signo, que pode ser uma palavra, um som,
uma imagem, um objeto. Trata-se da impressão imediata. Essa experiência está relacionada
à percepção
de um estímulo novo, original, espontâneo, que antecede qualquer distinção ou
análise mais aprofundada. Ocorre antes da plena tomada de consciência sobre sua própria
existência. É o que Santaella (1996)
chama de “estado-quase”, uma forma de percepção
rudimentar, imprecisa e indeterminada. Corresponde ao mundo dos sentidos, independente
da racionalidade. No caso do exemplo que apresentamos
anteriormente, a primeiridade
corresponde ao momento do toque da campainha, quando se ouve o som.
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SECUNDIDADE
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TERCEIRIDADE
Agora vamos ver se você compreendeu o processo de produção de sentido por meio dos
signos proposto Peirce.
A PRODUÇÃO DE
INTELIGIBILIDADE E O
SURGIMENTO DO PENSAMENTO
EM SIGNOS FAZEM PARTE DE
QUAL CATEGORIA?
Primeiridade
Secundidade
Terceiridade
SENSAÇÕES E IMPRESSÕES
ESTÃO EM QUAL CATEGORIA?
Primeiridade
Secundidade
Terceiridade
O ESFORÇO INTELECTUAL DE
PERCEPÇÃO INICIAL SE
ENQUADRA EM QUAL
CATEGORIA?
Primeiridade
Secundidade
Terceiridade
A segunda, corresponde à relação entre os signos e os objetos da realidade concreta por eles
representados.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
D) Estudo exclusivo dos signos e significados que fazem parte da cultura anglófona.
D) Tradução dos estímulos sensoriais para uma linguagem matemática e, portanto, objetiva.
GABARITO
1. A origem da Semiótica moderna como disciplina acadêmica data do século XX, a partir
de diversos estudos realizados nos Estados Unidos, na Europa Oriental e na extinta
União Soviética. Assinale a alternativa que corresponde a uma das especificidades da
Semiótica americana em comparação com as demais correntes de estudo dos signos,
que despontaram na mesma época.
Ao contrário dos estudos do campo da Semiologia, a Semiótica não trabalha com modelos
dicotômicos, partindo sempre de tríades de categorias para analisar os signos e as suas
relações com os objetos e os significados.
MÓDULO 2
A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE
Imagine um soldado em combate, observando seus adversários em uma trincheira à sua
frente. Vamos supor que, após o confronto, ele consiga avistar um borrão branco em meio aos
seus inimigos. A princípio, tudo o que pode enxergar
é uma mancha, não sendo possível
chegar a nenhuma conclusão precisa a respeito do que vê. Aproximando-se, o homem
consegue identificar que se trata de um pano sendo balançado de um lado para o outro. O
soldado estabelece,
portanto, uma relação entre o branco e o pano e compreende que se trata
de um objeto conhecido. Chegando ainda mais perto, o mistério se revela: alguém está
agitando uma bandeira branca. Nesse exato momento, ele tem a total
compreensão da
situação: um pedido de paz, uma declaração de redenção.
Esse exercício imaginativo ilustra a maneira como interpretamos a realidade e ajuda a
compreender os princípios básicos da Semiótica na perspectiva de Peirce:
Por fim, conseguimos interpretar aquela imagem e, por meio do repertório que temos,
compreendemos o seu significado naquele contexto.
A elaboração mental do significado desses signos, por meio de novos signos que acionamos
em nossa mente, com o repertório que possuímos.
O CHAMADO INTERPRETANTE
INTERPRETANTE
A imagem mental à qual o interlocutor recorre para atribuir sentido ao signo – e que também é,
ela mesma, um signo.
A seguir, discutiremos cada um desses elementos e as relações que estabelecem entre si, a
partir da perspectiva da Semiótica.
SIGNO
Comecemos por uma definição de dicionário. De acordo com o dicionário Michaelis, signo é um
“sinal indicativo de algo; indício, símbolo, vestígio”.
EM UMA DEFINIÇÃO SIMPLES E RESUMIDA, TRATA-
SE, PORTANTO, DE ALGO QUE ESTÁ NO LUGAR DE
OUTRA COISA (OBJETO), PARA REPRESENTÁ-LA
PARA ALGUÉM. TUDO O QUE REMETE OU FAZ
REFERÊNCIA A ALGO ALÉM DE SI MESMO PODE SER
CONSIDERADO UM
SIGNO.
O signo, também chamado de representamen, é qualquer coisa que faz referência a um objeto
concreto ou fenômeno da realidade. Substitui o objeto, representando-o, mas não é o objeto
em si. Também não dá conta de fazer
referência a todos os aspectos daquilo que substitui, mas
sim a um tipo de ideia sobre o elemento ou fenômeno referenciado (PEIRCE, 2000).
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É o caso de um sinal de trânsito, com suas diferentes cores, que indica regras a serem
seguidas. Em tese, não é necessário um texto explicativo ou um guarda de trânsito para que
motoristas e pedestres saibam quando
podem seguir em frente e quando devem parar e
aguardar.
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É também o caso de um crucifixo, objeto que ilustra e aciona a lembrança religiosa do sacrifício
de Cristo para os fiéis católicos.
Pensemos em nosso idioma, por exemplo. Cada palavra associada à língua portuguesa é um
signo, sendo formada por um conjunto de letras (no caso da linguagem escrita) ou fonemas (na
linguagem oral). São caracteres e sons que,
ao se unirem, passam a representar alguma coisa
e a comunicar determinada mensagem. Mas apenas quem sabe falar português vai entender o
que esses signos representam nas distintas situações.
EXEMPLO
Quando escrevemos a palavra árvore (um conjunto de seis letras e um acento), esperamos
que o leitor compreenda que estamos fazendo referência ao objeto concreto árvore, com
seu
tronco, folhas e galhos. Mas esse entendimento só acontecerá se houver conhecimento dos
códigos do idioma, historicamente convencionados.
Para quem fala inglês, por exemplo, o objeto árvore em si é simbolizado pela sequência de
caracteres tree. Ou seja, um signo só acionará a produção de sentidos na mente se
entendermos o sistema de códigos no qual este está inserido.
Nem árvore, nem tree são
uma árvore propriamente dita ou fazem referência a todas as suas características, mas são
signos que representam esse objeto por meio da linguagem.
SIGNIFICANTE
Corresponde ao elemento seu elemento material, tangível.
SIGNIFICADO
É a sua esfera abstrata e conceitual.
Desse modo, para dar conta de sua função mediadora e representativa, o signo precisa estar
materializado em um veículo sensível ou em uma forma expressiva.
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Quali-signo
Sin-signo
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Legi-signo
É uma impressão mediada por convenções, pactos sociais, ideias universalizadas, apreendidas
e compartilhadas coletivamente. É o caso, por exemplo, da ideia de que a cor azul está
associada aos meninos e a cor rosa
às meninas, uma relação de significação arbitrária, mas
convencionada histórica e culturalmente, atribuindo determinados valores a signos específicos.
No vídeo a seguir, a professora Júlia Silveira fala sobre signo, objeto e interpretante, trazendo
exemplos da primeira trocotomia peirceana. Vamos assistir!
OBJETO
A partir do que foi discutido até aqui, é possível perceber que existem duas dimensões a serem
analisadas no campo da Semiótica:
A realidade (palpável)
O pensamento humano
OBJETOS DINÂMICOS
São os objetos pertencentes à vida concreta, ou seja, tudo aquilo que existe na natureza e
sobre o qual podemos pensar ou falar.
OBJETOS IMEDIATOS
São os aspectos e as características que um signo seleciona desse objeto concreto para poder
representá-lo.
A relação entre signos e objetos, que correspondem à segunda tricotomia desse método, pode
ser classificada em três categorias distintas:
ÍCONES
ÍNDICES
Em inglês, index, são referências estabelecidas por meio de relações de causa e efeito. Se
vemos uma pegada na areia (que, nessa perspectiva, pode ser considerada um signo),
compreendemos que
alguém pisou naquela superfície em algum momento, mesmo que não
possamos ver quem andava por ali. É o que ocorre também quando avistamos nuvens pretas
no céu ou ouvimos o som de trovoadas e deduzimos que vai chover.
Peirce apresenta um exemplo que, para nós, virou até ditado popular: onde há fumaça, há
fogo. Ou seja, o signo fumaça é um índice de fogo, incêndio. Não por acaso, falamos em
indícios quando tratamos
de uma investigação ou pesquisa. A solução de um mistério ou de
problema intelectual ocorre a partir da observação e interpretação de signos.
SÍMBOLOS
Trata-se da forma mais distante e abstrata de relação entre um signo e um significado. Quando
lemos a palavra carro, logo mentalizamos a imagem de um veículo, mas essas cinco letras
não têm nenhuma
semelhança com o automóvel em si; são apenas uma combinação de
caracteres que, no idioma português, está associada ao objeto carro.
EXEMPLO
Agora, vamos refletir: os signos de gênero, ou a já citada convenção da sugestão da cor rosa
para o feminino e do azul para o masculino, são símbolos, ou seja, signos arbitrariamente
definidos como próprios
a determinados significados.
Mas e o signo de uma pessoa aparentemente vestida com um vestido e outra com calças
compridas para indicar que um banheiro é feminino ou masculino? Trata-se de um ícone ou de
símbolo? Mais uma vez, se considerarmos
que o vestido está, necessariamente, associado ao
feminino, e as calças, associadas ao masculino, talvez seja possível argumentar que se trata
de um ícone. Caso contrário, incorremos em um erro de lógica.
INTERPRETANTE
Ao nos depararmos com um signo e percebê-lo, acontece uma projeção, em nosso
pensamento, do objeto que está sendo representado. As referências que acionamos para
distinguir e compreender as coisas que se colocam diante de nós
são conhecidas como
interpretante (não confunda com intérprete, que é o sujeito desse processo!).
Na história hipotética da visita que chega à sua casa, o interpretante seria a percepção da
campainha tocando e a imagem mental de alguém à porta, que rapidamente aparece em nossa
mente e remete aos repertórios necessários
para compreender o que está acontecendo ao
nosso redor. A relação entre o signo e seu interpretante corresponde à terceira tricotomia de
Peirce.
RESUMINDO
Vamos recapitular! Um signo representa um objeto da realidade concreta e, por meio dessa
relação de referência, nossa mente cria um segundo signo para produzir o significado do
primeiro. Ou seja, o segundo signo produzido
nesse processo – que pode ser uma imagem
mental, uma ação, um gesto ou um sentimento – é o interpretante do primeiro.
É possível afirmar que os interpretantes são variáveis, pois são produzidos e acionados em
cada mente, de maneira particular e pessoal – mesmo que convoquem repertórios coletivos. O
interpretante depende também da natureza
e do potencial significativo do signo.
EXEMPLO
Interpretante imediato
Nível de análise abstrato, corresponde ao potencial significativo de um signo, ou seja, todo tipo
de interpretação que um signo pode ocasionar. As possibilidades de criações de referência do
interpretante
abstrato são inúmeras.
Interpretante dinâmico
É o efeito que um signo realmente produz no interpretante, ou seja, ocorre a partir de uma
análise sobre o fenômeno de fato.
INTERPRETANTE EMOCIONAL
INTERPRETANTE ENERGÉTICO
INTERPRETANTE LÓGICO
Como o nome sugere, é um primeiro efeito despertado pelos signos e está associado às
sensações e sentimentos. Está, portanto, ligado à categoria da primeiridade. Se retomarmos
os últimos exemplos analisados, o interpretante emocional poderia ser a emoção de quem
recebe a mensagem de um amigo, ou a raiva de um espectador, que assiste a um filme
baseado na história de um assassino em série.
Aciona uma reação na mente, que pode ser um movimento físico ou mental (como pegar um
objeto ou ter uma ideia). Trata-se, portanto, do contexto da secundidade. Ainda no
caso dos
nossos exemplos, poderia ser a movimentação de quem ouviu o celular tocar e decidiu
estender o braço para alcançar o aparelho e ler as mensagens que chegaram.
É “o pensamento ou entendimento geral produzido pelo signo” (SANTAELLA, 1995,
p.105). Ou seja, abarca o processo completo de significação, que demanda um esforço
mental para realizar inferências
e estabelecer relações de causa e consequência. É relativo à
terceiridade.
REMA
Corresponde a um enunciado que não pode ser averiguado e classificado como verdadeiro ou
falso. É o caso, por exemplo, de palavras soltas (sim, não, talvez) ou dos nomes. Trata-se,
portanto, de um signo compreensível
isoladamente, mas que se apresenta a nós fora de
qualquer contexto mais abrangente. É algo amplo e impreciso, e não pode ser julgado ou
avaliado de maneira mais aprofundada.
O rema “casa”, por exemplo, é um signo com diversas possibilidades de significação, visto que
pode ser associado a uma série de atributos e características: casa pequena, casa suja, casa
acolhedora etc. Mas, ao surgir
desse modo, sem complementos ou qualificações, não nos diz
muita coisa.
DICENTE
Também chamado de dicissigno, segundo Peirce (2000), é uma proposição que indica o objeto
representado denominado de seu sujeito, sem interferir no interpretante. Desse modo,
corresponde a hipóteses e suposições, a
ideias que podem ser valoradas, qualificadas ou
classificadas como verdadeiras ou falsas.
É o caso da frase “minha casa é amarela”, por exemplo. O dicente corresponde, portanto, às
particularizações interpretativas.
ARGUMENTO
Recorrendo ao seu papel de lógico, Peirce propôs, ainda, três classificações possíveis para os
argumentos, que variam de acordo com a estratégia de verificação da verdade e com a
proposição de afirmações conclusivas. São elas:
DEDUÇÃO
INDUÇÃO
ABDUÇÃO
Para explicar cada uma dessas vertentes, utilizaremos um exemplo do próprio Peirce (1972),
esquematizado no quadro a seguir:
ARGUMENTO
Dedução Indução Abdução
Regra: todos os
feijões deste Caso: estes feijões são Regra: todos os feijões deste
pacote são deste pacote. pacote são brancos
brancos.
Caso: estes
Resultado: estes feijões Resultado: estes feijões são
feijões são deste
são brancos. brancos.
pacote.
Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
REMA
DICENTE OU DICISSIGNO
ARGUMENTO
A RENOVAÇÃO DA SEMIÓTICA
Diante do que foi exposto, é possível perceber que a Semiótica não se restringe a um conjunto
de regras aplicáveis de maneira automática ou sem conexão com os usos práticos das
linguagens. Pelo contrário, trata-se de uma ciência
complexa, de um campo amplo e
multifacetado, que é acionado em diversas áreas do saber.
Se, no século passado, a chamada ciência dos signos já se revelava uma temática abrangente
e importante, imagine agora, diante das novas tecnologias e linguagens digitais às quais temos
acesso? Do sistema binário dos computadores,
passando pelo repositório infinito de assuntos
na internet, estamos diante de uma diversidade de informações sem precedentes. Isso sem
mencionar os novos hábitos de consumo de conteúdo, por meio da lógica do hipertexto,
ou
seja, os textos que agregam conteúdos e ligam palavras, imagens, sons e tudo o que pode ser
referenciado na internet.
Longe de se tornar uma ciência datada, a Semiótica continua sendo um importante conjunto de
ferramentas teóricas, úteis para a compreensão dos processos comunicativos. É um
instrumento relevante (e ainda atual!) de análise
da realidade que nos cerca – e cada vez mais
midiatizada e complexa.
No vídeo a seguir, a professora Júlia Silveira comenta sobre importância, utilidades e funções
do conhecimento da Semiótica. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutimos as origens do campo da Semiótica como disciplina acadêmica, analisando mais
especificamente a escola americana, capitaneada por Charles Peirce, no século XX.
Estudamos as principais categorias associadas à Teoria dos Signos, que se articulam por meio
de tricotomias. Também discutimos as definições de alguns conceitos fundamentais na teoria
peirceana, como signo,
objeto e interpretante, recorrendo a exemplos para auxiliar a
compreensão. Além disso, analisamos como os signos se relacionam entre si, com os
elementos e fenômenos que representam, e
com os significados produzidos por meio do
pensamento humano.
PODCAST
Agora com a palavra a professora Júlia Silveira, relembrando tópicos abordados em nosso
estudo. Vamos ouvir!
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
MARTINO, L.M.S. Teoria da Comunicação: ideais, conceitos e métodos. 5. ed. Petrópolis:
Vozes, 2014.
SANTAELLA, L. Teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.
EXPLORE+
CONTEUDISTA
Júlia Silveira
CURRÍCULO LATTES