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Psicologia e

estigmatização do
sujeito deficiente
Coelho, Orlando / Costa, Luciene / Rezende, Hugo /
SST Vizacre, Ana Paula / Siqueira, Eliane / Wellichan, Daniel-
le da Silva Pinheiro / Basso, Claudia / Cordeiro, Carolina
Thomaz
Psicologia e estigmatização do sujeito deficiente / Orlan-
do Coelho / Luciene Costa / Hugo Rezende / Ana Paula
Vizacre / Eliane de Siqueira / Danielle da Silva Pinheiro
Wellichan / Claudia Basso / Carolina Thomaz Cordeiro
Ano: 2021
nº de p.: 13

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Psicologia e
estigmatização do sujeito
deficiente

Apresentação
Caro estudante, aqui aprenderemos como, recentemente, tem persistido uma
queixa em relação ao exagero com o qual a Psicologia está sendo utilizada como
possibilidade de resolver todos os problemas da escola, quando a Pedagogia deve
ser a ciência de referência da educação. Buscaremos entender esse processo de
psicologização da educação e seus efeitos na aprendizagem do aluno.

A Psicologia aprofunda a compreensão sobre o processo de desenvolvimento e de


ensino-aprendizagem e na proposição de alternativas para intervir nas questões
individuais e coletivas, pautando-se na realidade social para o desenvolvimento das
capacidades dos indivíduos, para que estes possam intervir em seu contexto social,
político e cultural.

Bons estudos!

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1 Psicologia escolar e o processo
de democratização da escola no
Brasil: pluralidade, identidade e
diferenciação dos sujeitos
A Psicologia contribui com a consolidação da figura do indivíduo e suas
capacidades, como a inteligência e a razão. A Pedagogia se dedica à educação
formal, intencional, é a “teoria e prática da Educação” (LIBÂNEO, 2006, p. 66 apud
CARNEIRO, 2009, p. 3). Desta forma, necessita do aporte de conhecimentos de
outras áreas. Uma delas é a Psicologia, principalmente, a partir do século XIX devido
aos seus avanços nos estudos relacionados ao comportamento humano.

A psicologia no cotidiano

Fonte: Plataforma Deduca (2021).

#PraCegover: a imagem mostra um homem segurando uma


prancheta, tomando notas e atendendo outra pessoa, a qual
está olhando para ele.

No século XX, essa relação se modifica com o desenvolvimento da Psicologia


experimental e como a educação sendo vista como uma forma de adaptação ao
meio social. A Pedagogia passa a se subordinar totalmente à Psicologia.

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Dessa forma, a relação entre psicologia e educação foi, no século XX,
desenvolvida atendendo o curso do ideário liberal que se assentava no
Brasil. Enquanto a psicologia se despregava da filosofia e se aliava à
medicina, seguindo uma lógica cada vez mais positivista-mecanicista a fim
de ganhar o status de a pedagogia se transformava em lócus de estudos
psicológicos na percepção de que eles legitimariam as formulações
pedagógicas. Sob um olhar histórico, este movimento resultou no
comprometimento implícito da Psicologia e da Pedagogia com um ideal
de sujeito e de sociedade, ou ainda, um ideal de normalidade. Ser normal
é ser maduro, apto, produtivo, superior, adaptado, civilizado. E a busca
e a manutenção da normalidade acenam com a irresistível promessa
de felicidade interior e social – eis um grande refinamento ideológico
burguês na modernidade. Assim, uma preocupação constante nos
estudos psicológicos e pedagógicos foi diagnosticar o imaturo, inapto,
improdutivo, inferior, desadaptado, primitivo, anormal, para se não os
tratar, ao menos evitar que eles prejudicassem os demais. (CARNEIRO,
2009, p. 5)

Dentro do contexto escolar, Ferraro (2004 apud BRAGA; MORAIS, 2007) indica a
existência de dois tipos de exclusão: a exclusão da escola, quando o acesso do
aluno é impedido ou dificultado por alguma razão; e a exclusão na escola, quando
ocorre a reprovação. O fracasso escolar traz uma situação de culpabilização
do aluno, justificando a não aprendizagem por uma deficiência ou transtorno,
diminuindo a expectativa de sua aprendizagem. Em uma sociedade tão competitiva
e individualista, a deficiência é tida como algo indesejado, fora do padrão biológico,
social, político, econômico e até religioso:

[...] uma análise ampla do contexto escolar e das múltiplas determinações


que acarretam a queixa, tratadas na Educação Especial ou numa educação
que se pretenda inclusiva e valorize o sucesso escolar, deve vislumbrar
as possibilidades dos seus alunos, a fim de que suas intelectualidades
saiam do plano da invisibilidade, da negatividade, movimentando assim
impossibilidades cristalizadas ao redor de naturalizações preconcebidas
de desenvolvimento humano. (ROSSATO; LEONARDO, 2012, p. 22)

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Psicologização:

O efeito da psicologização é criar determinada expectativa de aprendizagem


para todos os alunos e de padronizar um ideal de aluno. Todo o desvio dessa
expectativa e desse padrão é considerado anormalidade, incapacidade e
inaptidão, devendo ser diagnosticada e tratada.

Saiba mais
Para mais informações, acesse o link para ler o artigo “Psicologia
Escolar: cenários atuais” em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/
v9n3/v9n3a07.pdf

2 Bases do Ministério da Educação


A gestão democrática no Brasil inicia na década de 1980, momento da
redemocratização do país após os 21 anos de ditadura militar, possível devido à
grande mobilização popular e às dificuldades do regime autoritário de se reproduzir
na crise econômica:

Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na


educação brasileira, com destaque para a aprovação e promulgação
da Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla
de educação e sua inscrição como direito social inalienável, bem como
a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação
constitucional de recursos para a educação. No âmbito das políticas
educacionais, destacaram-se, sobremaneira, as modificações de ordem
jurídico-institucional. (Dourado, 2007, p. 926 apud OLIVEIRA et al., 2012,
p. 84)

A Constituição Federal (CF) de 1988, marco da redemocratização do país, levou


à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996,
reforçando o princípio da gestão democrática já assegurado pela CF em seu artigo
14:

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Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades
e conforme os seguintes princípios:

I - Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto


pedagógico da escola;

II - Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares


ou Equivalentes. (BRASIL, 1996, p. 7 apud OLIVEIRA et al., 2012, p. 84)

Libâneo (2004 apud OLIVEIRA et al., 2012) indica alguns critérios a serem
alcançados por uma escola verdadeiramente democrática: autonomia; participação
da comunidade nas decisões; avaliação integrada das ações; relações da
comunidade em prol de objetivos comuns; instituir um conselho escolar ativo.

Segundo o MEC (2004), o Conselho tem quatro funções principais,


quais sejam: as de ordem deliberativa dos aspectos pedagógicos,
administrativos/ou financeiros; as de ordem consultiva, no sentido de
apresentar sugestões à direção, principalmente quando solicitado para
resolver questões de cunho mais complexo; as de ordem fiscalizadora, a
fim de acompanhar as ações pedagógicas, financeiras e administrativas,
bem como aprovar o plano de orçamento realizado pela direção; e, por
fim, de ordem mobilizadora, no que tange à promoção da participação
dos segmentos envolvidos. (OLIVEIRA et al., 2012, p. 85).

Saiba mais
Para mais informações, acesse o link para ler o artigo “Psicologia
Escolar e Educacional: história, compromissos e perspectivas” em:

h t t p s : / / w w w . s c i e l o . b r / j / p e e / a /
kgkH3QxCXKNNvxpbgPwL8Sj/?lang=pt

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3 O psicólogo em contextos
escolares: a atuação multidisciplinar e
contribuições escolares na educação
inclusiva
O desafio da Psicologia é preparar um profissional para atuar em um contexto
educacional de crise, em escolas que refletem inúmeros conflitos sociais cujos
desdobramentos acabam compondo o cenário escolar e atingindo alunos,
professores e gestores.

Para se colocar a dimensão psicológica no interior das práticas educativas,


é necessário articular questões de ordem dos sujeitos e das instituições
entrelaçando o individual com o coletivo. É preciso conviver com a
sociedade e com a complexidade da organização institucional em um
mundo em constante transformação, que pressupõe uma consciência
crítica que leve a uma leitura mais lúcida da desordem organizadora, a
fim de ajudar as instituições educacionais a criar modalidades possíveis e
viáveis para a solução de problemas. (MENDES, 2010, p. 66)

Segundo Coll, Marchesi e Palácios a Psicologia da Educação:

[...] estuda os processos educativos com uma tripla finalidade: contribuir


com a elaboração de uma teoria explicativa destes processos, elaborar
modelos e programas de intervenção, destinados a atuar sobre eles com
uma finalidade determinada e dar lugar a uma práxis educativa coerente
com as propostas teóricas formuladas. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS,
2004, p. 15)

Teorias da Psicologia escolar:

essas teorias, a partir das concepções de Piaget e Vygotsky, apresentam


algumas estratégias pedagógicas para auxiliar o desenvolvimento dos
indivíduos.

Para Piaget existe uma diferença qualitativa entre a lógica infantil e a lógica do
adulto, pois a cognição humana se torna mais complexa conforme a idade avança.
Para compreender esse processo, Piaget cria algumas categorias de análise, sendo
a equilibração a principal delas. Ele afirma que todo organismo precisa viver em

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equilíbrio com o meio ambiente ou não sobrevive. Quando esse ambiente gera novas
situações que são desafiadoras e conflitantes para o indivíduo, este apresenta
desequilíbrios que fazem avançar seu desenvolvimento.

Diante de um conflito, de uma nova atividade ou de um novo habito, ele se


desequilibra. Para que volte a se equilibrar, ele fará uso de alguns mecanismos
naturais fundamentais que Piaget denominou de mecanismos próprios do indivíduo.
Um dos mecanismos que o indivíduo irá utilizar, portanto, será a assimilação,
que se manifestará quando o seu organismo, sem se alterar, começar a buscar
um significado para as novas atividades ou de novos hábitos, a partir de suas
experiências anteriores.

Conflito

Fonte: Plataforma Deduca (2021).

#PraCegoVer: na imagem vemos uma mulher e um homem


olhando um para o outro, se encarando em um conflito.

Um segundo mecanismo natural do indivíduo é o da acomodação, quando seu


organismo tentará restabelecer o equilíbrio com o seu meio (a escola), culminando
na sua transformação (transformação do próprio organismo). É quando o indivíduo
se depara com o novo mas não entende o seu significado, não estabelecendo
equilíbrio. O buscar entre suas vivências anteriores, situação parecida para agir sobre
o novo objeto, não conseguiu estabelecer comparações válidas.

Partindo da concepção de Piaget sobre o desenvolvimento humano, o fato de a


criança não aprender uma atividade ou habito novo se deve ao fato de que ele
precisaria desenvolver estruturas cognitivas anteriores, aprendido na experiência
com os objetos e por transmissão de outros. Para que o estudante construa um novo

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instrumento lógico, é necessário que ele já tenha desenvolvido instrumentos lógicos
preliminares.

Vygotsky, com sua perspectiva sociointeracionista e com olhar do psiquismo


humano, observou que é partir das estruturas orgânicas elementares, determinadas
pela maturação que se formam novas e cada vez mais complexas funções mentais,
dependendo da natureza das experiências sociais da criança. Nesta perspectiva,
o processo de desenvolvimento segue duas linhas diferentes em sua origem:
um processo elementar, de base biológica, e um processo superior de origem
sociocultural (LUCCI, 2006). As funções psicológicas elementares da criança são
caracterizadas pelas ações involuntárias (ou reflexas); pelas reações imediatas (ou
automáticas) e sofrem controle do ambiente externo.

Vygotsky conceitua que as funções psíquicas são de origem sociocultural, pois


resultaram da interação do indivíduo com seu contexto cultural e social (LUCCI,
2006). Para Vygotsky, a criança inicia sua aprendizagem muito antes de frequentar
o ensino formal, contudo, a aprendizagem escolar introduz elementos novos no seu
desenvolvimento. Ele considera a existência de dois níveis de desenvolvimento:
um que corresponde a tudo aquilo que a criança pode realizar sozinha e outro
que se refere a tudo aquilo que a criança poderá realizar com a ajuda de outra
pessoa que sabe mais. Esta última, é o que Vygotsky considera indispensável para
compreendermos o nível de desenvolvimento mental da criança.

Tais processos serão interiorizados por ela e se tornarão parte do seu primeiro
nível de desenvolvimento, convertendo-se em aprendizagem e abrindo espaço
para novas possibilidades de aprendizagem. A partir da premissa Vygotsky Ana de
que a criança se desenvolve fundamentalmente na mediação com as pessoas por
meio da linguagem, a escola deve rever a sua concepção de educação escolar e
perceber a necessidade de preparar o ambiente para o aluno com ritmo diferente de
aprendizagem.

Para compreender a importância da atuação do psicólogo no contexto da educação


inclusiva, é importante que a família, os professores e a comunidade escolar
conheçam a Psicologia da criança, para assim, poder ajudá-la. Compreendendo
o seu comportamento, podem prever e, em alguns casos ajudar a criança
na modificação desses comportamentos com o intuito de melhorar a sua
aprendizagem. Para Barros (2008, p. 10):

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Educar uma criança, ensiná-la, evitando perturbações em seu
comportamento, exige do adulto, além de amor e dedicação, o
conhecimento das características infantis em cada fase do
desenvolvimento: seus interesses, necessidades, motivações e
possibilidades. Para ensinar, uma atividade a uma criança, precisa-
se saber como a criança é, se está madura para aquela atividade,
como poderá ser motivada, quais os melhores meios de ensiná-la é de
tornar duradoura a aprendizagem.

Há, na criança, a motivação no modo de pensar, no seu relacionamento com


a família, com os amigos. Todos esses aspectos sofrem uma evolução. O
adulto observa essas mudanças da criança e tem que ir se adaptando as
novas características desse ser. Assim, os problemas podem aparecer em seu
comportamento e, não podem ser ignorados pelos adultos, precisam ser analisados,
estudados e compreendidos para serem resolvidos. Para isso, a família e os
professores têm como apoio a Psicologia para:

[...] ajudar a criança a desenvolver-se, normalmente, tornando-se um adulto


feliz, capaz de agir com autonomia e independência. Desejam compreender
o desenvolvimento da criança, prever suas novas características para não
serem surpreendidos por ela, atenuar-lhe os conflitos e reduzir-lhe as
frustações. A educação torna-se assim uma tarefa agradável, tanto para
o educador como para a criança. (BARROS, 2008, p. 10)

Uma escola inclusiva é democrática, onde psicólogo considera diferentes formas


de avaliação para compreender a queixa escolar dentro do processo de ensino-
aprendizagem e se apropria das relações que permeiam o contexto escolar para
compreender o motivo do encaminhamento do aluno para o seu atendimento. Trata-
se de uma ação política do psicólogo, na qual precisará “compreender as demandas
por justiça e direitos e forjar suas ações no sentido de contribuir criticamente e
situar-se também como ator comprometido com essas demandas” (DAZZANI, 2010,
p. 372).

Saiba mais
Para mais informações, acesse o link para ver o vídeo
“Contribuições da atuação do psicólogo escolar na educação
inclusiva: concepções” em https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/
File/vertentes/v.%2019%20n.%202/Izabella_Mendes.pdf

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Fechamento
O grande desafio da Psicologia é preparar o profissional escolar e vinculá-lo a
escola, para que contribua criticamente analisando, compreendendo, intervindo
e diagnosticando possíveis limitações apresentadas pelos estudantes e os
dobramentos que compõe o cenário escolar e atinge alunos, professores e gestores.

Com base nas teorias observadas em Piaget e Vygotsky sobre o desenvolvimento


humano, de formas diferenciadas, as teorias comprometem-se em conhecer o
desenvolvimento humano. Juntamente com o trabalho de observação atenta do
professor, o psicólogo escolar observa diferentes pontos de vista construtivistas
para viabilizar que todos os estudantes aprendam, independente das limitações que
apresentam.

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Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, jan. 2008. [Documento elaborado
pelo Grupo de Trabalho nomeado pela portaria n. 555/2007, prorrogada pela portaria
n. 948/2007, entregue ao ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 3
dez. 2017.

BARROS, C. S. G. Pontos de psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática, 2008.

COLL,C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. e cols. Desenvolvimento psicológico e


educação: psicologia evolutiva. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. v.1.

DAZZANI, Maria Virgínia Machado. A psicologia escolar e a educação inclusiva:


Uma leitura crítica. vol. 30, n.2, p. 362-375, 2010.

PIAGET, Jean. A Construção do Real na Criança. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zahar, 1970.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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