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“Eu vejo o futuro  Darcilia Simões

repetir o passado
Eu vejo um museu 1. SELEPROT
de grandes 2. UERJ
novidades”
CAZUZA, 3. UEG
“O tempo não para”
4. Vamos para o Quadro
A MUDANÇA
REFLEXÃO INICIAL
 Expansão dos meios de
comunicação digital
Está em curso uma
revolução, uma revolução na  As formas de relação com as
nossa compreensão do que é
ser um ser humano. O que demais coisas do mundo
está em causa é nada mais
 Percepção. Captação.
nada menos do que a
natureza da mente humana. Interpretação.
(George Lakoff, 2012, ix.)
 Descoberta/Produção de
significados: a SEMIOSE
A SEMIÓTICA DO ENSINO E O
ENSINO DA SEMIÓTICA
 A semiótica do ensino e o ensino da semiótica são
duas áreas de pesquisa que se cruzam no domínio
mais vasto da semiótica e da educação. (...) A
semiótica da educação estuda interações
educacionais como processos de semiose. Pesquisas
nesse processo comunicativo pertence aos
fundamentos da pedagogia. Os resultados dessas
pesquisas são relevantes para a escolha de métodos
e meios de ensino. (NÖTH, 1995, p. 221)
CÓDIGOS E SINAIS

 Códigos são conjuntos de elementos — sinais e


signos — cuja combinação possibilita a estruturação
de mensagens.

 Sinais são elementos que excitam a atenção dos sujeitos.


Algo que pode ser percebido por qualquer órgão dos
sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar).

O homem da caverna utilizou o gesto, o desenho e os grunhidos


como material para transmitir suas mensagens aos demais
componentes do grupo.
O SIGNO

 Um signo é qualquer coisa que possa ser utilizada para representar


algo, ele possui um significado, um valor, e precisa fazer sentido
para alguém, com base em suas experiências.

 “Portanto, signo é algo que se apresenta à nossa mente, a partir da


captação por uma de nossas antenas sensoriais (órgãos dos
sentidos) e que é capaz de evocar ideias ou mesmo imagens que,
segundo Calvino (1989, p. 99), são projetadas em nosso cinema (ou
tela) mental, a partir do que construímos a significação, isso é a
semiose. (SIMÔES, 2023, p. 7 - manuscrito)
ICONES, ÍNDICES E SÍMBOLOS
 São três as categorias do signo em relação ao seu objeto (o que
representam).
 ÍCONES mantêm uma relação de semelhança (ou no mínimo
similaridade) com o seu objeto. Exemplo: imagem do sol
 ÍNDICES apresentam uma relação de contiguidade com seu objeto.
Exemplo: fumaça é sinal de fogo
 são signos convencionados, criados pelo homem. ExemSÍMBOLOSplo:
o cifrão para representar dinheiro.
EVOLUÇÃO DA
“ESCRITA”
 Com o advento das
civilizações, o homem se
ocupou da produção de
códigos sofisticados que
registrariam suas
descobertas, suas ordens
e organizações.

Caminhos seguidos pelo


homem para a construção de
seus códigos.
A escrita nasceu híbrida
 Em sua origem já se encontram formas diferentes
do que denominamos letras e diacríticos.

 inicialmente reuniam figuras (portanto, ícones e


índices), até chegarem à escrita alfabética que é
eminentemente simbólica.

 Os primeiros códigos já nasceram híbridos,


diferentemente do que o senso comum pensa a
respeito da história dos códigos de comunicação.
OS CÓDIGOS E A PREPARAÇÃO PARA A
LEITURA

 Os textos multimodais (ou híbridos) são construídos pela interação


entre códigos de natureza diversa.
 O material que circula na Internet contém textos verbais e não verbais
em diálogo.
 Os não verbais são visuais (cores, posições, dimensões, relações etc.),
sonoros (vozes, músicas, ruídos etc.), com movimento (vídeos em
geral).
 Os textos híbridos enriquecem a experiência de leitura.
 Os textos híbridos exigem habilidades e competências
específicas/especiais para a realização da leitura.
MONOMODALIDADE &
MULTIMODALIDADE

 Inicialmente considerava-se o texto verbal


monomodal. Ou seja, o escrito só contava com as
letras; o oral só contava com o som da voz.
 O avanço da Semiótica comprovou que o texto
verbal escrito conta com as letras, os diacríticos,
a pontuação, a paragrafação etc. ; o verbal oral
contém características como o tom, o timbre, a
entonação, as pausas etc.
 Monomodalidade é uma ilusão!
 As construções humanas são originalmente
multimodais.
PREPARAÇÃO DE LEITORES
 É indispensável educar nossa visão para captar
todas as informações contidas nos signos
atualizados nos textos.
 No texto verbal escrito:
 a mudança de parágrafo pode indicar o ingresso de uma
nova ideia-núcleo ou o desdobramento de uma ideia-
núcleo complexa;
 os diacríticos são índices da prosódia das palavras,
propõem o som aberto, fechado ou nasal
 a pontuação comanda as pausas, a entonação.
 Portanto, a capacitação para a leitura multimodal
se inicia no enfrentamento dos textos verbais.
ICONICIDADE

 As estruturas visual e verbal são usadas para expressar


significados extraídos de uma fonte cultural; não são simples
meios alternativos de representação da mesma coisa.
 Nas palavras de Sebeok,
O ícone e o índice encarnam relações sígnicas que estão no modo
natural - respectivamente de semelhança e de ligação existencial -
em oposição ao símbolo, que está no modo convencional, ou que
reflete uma relação que se caracteriza por "uma qualidade
imputada", para citar a precisão de expressão incomparável de
Peirce (1:588) (SEBEOK, 2001, p.104). [Tradução livre]
ICONICIDADE
 Dentre os fatores de iconicidade apontados por Sebeok (cf.
Bouissac et al. 1986), destacamos:
 a) a iconicidade desempenha um papel decisivo na
configuração da vida quotidiana em todas as culturas.
 Os sinais icônicos impregnam os códigos de comunicação
da humanidade, tanto verbais como não verbais;
 b) Os signos icônicos encontram-se ao longo de toda a série
filogenética (história evolutiva de uma espécie ou qualquer outro grupo
taxonômico Houaiss, s.u.)
 Em todas as modalidades circunscritas pelos órgãos dos
sentidos através dos quais os membros de uma dada
espécie são capazes de se informar sobre o seu ambiente.
ICONICIDADE
 Fenômeno semiótico
 Imagem mental de algo representado por um ícone de
segunda (hipoícone, ícone degenerado)
 Re(a)presentação de objeto pensado por um sinal
material sonoro (na fala), visual (por imagem) ou gráfico
(na escrita).
 Segundo a semiótica visual, a imagem é uma manifestação
autossuficiente, é um texto porque comunica uma mensagem”
(SIMÕES, 2009, p. 48).
 O texto como imagem (objeto visual) permite analisar-se o
projeto plástico do texto, independentemente do código
em que foi construído.
Primeira análise: texto verbal

EXEMPLIFICANDO AS ANÁLISES DOS


ELEMENTOS MULTIMODAIS

Primeira análise: texto verbal


A QUEM INTERESSAR POSSA
Abriu a janela no exato momento em que a garrafa com a
mensagem passava, levada pelo vento. Pegou-a pelo gargalo
e, sem tirar a rolha, examinou-a cuidadosamente. Não tinha
endereço, não tinha remetente.
Certamente, pensou, não era para ele. Então, com toda
delicadeza, devolveu-a ao vento. (COLASANTI, 1986, p. 33)
[Grifamos]
Primeira análise: texto verbal

Os elementos grifados constroem a iconicidade desse texto, na perspectiva da


seleção lexical. As palavras e expressões foram escolhidas e atualizadas no
texto estrategicamente.

A garrafa e a mensagem são duas estruturas substantivas marcadas com o


determinante artigo definido, essa opção promove o entendimento que se trata
de dados já conhecidos, já mencionados em algum lugar.

No entanto, o leitor só vai tomar conhecimento dessa garrafa e dessa mensagem
no “Conto em letras garrafais” (COLASANTI, 1986, p. 95), permitindo assim que
o leitor construa a imagem de alguém que efetivamente resgata uma garrafa que
por ele passava.
Primeira análise: texto verbal

A expressão pegou-a pelo gargalo pode sugerir outra imagem (exterior ao texto),
de alguém que segura um terceiro pelo pescoço (gargalo) e (sem tirar a rolha)
tenta adivinhar, pois o advérbio cuidadosamente é um ícone da forma como a
garrafa foi analisada pela personagem do conto.
 Reiteração do advérbio de negação NÃO constrói uma pista isotópica (de
subtema do texto) referente à não descoberta do que continha a garrafa, de
onde vinha e para quem se destinava.
 Mensagens em garrafa evocam a imagem do náufrago que tenta se comunicar
com alguém.
 Nesse texto, a garrafa foi trazida pelo vento.
 A iconicidade dessa expressão é muito forte, constrói uma ideia extravagante:
garrafa trazida pelo vento?
Primeira análise: texto verbal

Há outros dados relevantes a analisar, mas passemos a outro gênero textual.


Segunda análise: o cartum

Figura 4: Mafalda e sua preocupação com a política

Como a charge, o cartum é apresentado em um quadro apenas.


Nesse caso, a ilustração seria classificada como um cartum, que
um gênero jornalístico considerado opinativo ou analítico que
critica, satiriza e expõe situações por meio do grafismo e do
humor.
Nesse cartum, a personagem Mafalda sugere que cumpriu sua
tarefa de denunciar atitudes negativas para o mundo. Sua
posição, indicando saída, afastamento do objeto-alvo, o lápis
em sua mão, são elementos icônicos da atuação política da
personagem.
A ilustração vem complementada pelo texto pendurado por
Mafalda no mapa mundi.
A opção pelo preto e branco (cores) é uma representação
icônica da destruição do mundo pela perda de seu colorido.
Terceira análise: a tirinha

Figura 5: Mafalda e a política como um palavrão

As tirinhas são um gênero narrativo caracterizado pelas histórias curtas,


geralmente formadas por três ou quatro quadrinhos. Fazendo uso do humor, as
tirinhas contam pequena história; mas, geralmente, trazem à luz uma crítica social.
Figura 5: Mafalda e a política como um palavrão

Diferentemente da figura 4, essa tirinha se apresenta colorida, e seu fundo


amarelo já é uma sugestão de calor e iluminação, além de proporcionar
concentração e atenção, como é o caso da presente tirinha: Mafalda se
concentra na expectativa da resposta do coleguinha ao comando da
professora.
Figura 5: Mafalda e a política como um palavrão

O quadro-negro atrás da figura da professora é ícone de uma sala de aula.

O gestual da professora é ícone de sua posição de comando.

O balão de pensamento (ligado por bolinhas) representa a preocupação silenciosa de Mafalda sobre
a possível resposta do coleguinha.

O balão da resposta do menino traz a palavra política entre aspas, as quais podem significar a
indecisão do garoto ou a ênfase da resposta.

O quadro 4 contém o pensamento em voz alta de Mafalda, com sua constatação de que o colega
falou o “palavrão” que ela temia: política.

A cor verde da roupa da professora pode sugerir seu direito assegurado de comandar. O laço e a roupa
vermelha de Mafalda representam a força da personagem. A cor roxa na camisa e nas meias do menino
podem sugerir certa depressão e melancolia, uma vez que o garoto estava inseguro de sua resposta.
Figura 5: Mafalda e a política como um palavrão

A iconicidade da posição dos olhos das personagens e de algumas atitudes:

a) Quadro 1: olhar direto da professora e boca semiaberta representam comando;

b) b) Quadro 2: olhar oblíquo de Mafalda, sugerindo preocupação;

c) c) Quadro 3: olhar assustado do menino e boca bem aberta, indicando que disse algo e
que estava incerto de sua resposta; e

d) d) Quadro 4: olhos abertos e fixos de Mafalda, combinados com sua mão sob o queixo,
representam sua decepção ao constatar que a resposta do colega era, de fato, a que ela
supôs.
Quarta análise: a charge Temos a imagem personificada do
mundo acorrentado ao peso do
Figura 6: charge obscurantismo.
A charge, um estilo Tem-se assim a iconicidade da
estagnação, da ausência de uma
de ilustração, cujo
política desenvolvimentista.
objetivo é satirizar
alguém, alguma
situação ou
acontecimento atual.
Quarta análise: a charge As correntes indicam o mundo preso ao atraso.

Figura 6: charge A posição do mundo personificado sugere o esforço físico para


arrastar algo muito pesado.

O azul do mundo, nesse texto evoca a diminuição da circulação


sanguínea, a redução da temperatura corporal e a baixa da
pressão arterial, resultantes do esforço da personagem
humanizada da charge.

A cor cinza é reiterada na enorme pedra ,na corrente, nas


pernas e nos braços da personagem.

Por ser uma cor neutra, o cinza não tem nas suas
características a capacidade de estimular ou tranquilizar; e por
não ter uma carga emotiva, é frequentemente caracterizada
como uma cor enfadonha e sem movimento.
Quinta análise: o anúncio
Figura 6: anúncio publicitário

Uma inteligente estratégia de marketing: o cruzamento de nomes de grandes produções


cinematográficas com a divulgação de produtos hortigranjeiros.
A partir do nome do filme — E o vento levou — o designer criou um trocadilho, substituindo vento por
coentro, aproveitando as semelhanças fônicas marcadas pela sequência [ent] que aparece nas duas
palavras.
A paisagem de fundo do anúncio também evoca cena grandiosa da película, conforme cena recortada
do filme e posta ao lado da propaganda da Hortifruti.
Não se trata de uma cópia, mas de uma inspiração traduzida em uma nova imagem.
Quinta análise: o anúncio
Figura 6: anúncio publicitário

Inclusive, a mudança do destaque: no filme, o destaque é o casal apaixonado; na


peça publicitária, o destaque é o coentro.

O anúncio publicitário (ou simplesmente publicidade) é um gênero textual que


promove um produto ou uma ideia sendo veiculados pelos meios de comunicação de
massa: jornais, revistas, televisão, rádio e internet. Podemos encontrá-los também
em outdoors, panfletos, faixas ou cartazes na rua, no ônibus, no metrô, etc.
Palavras finais
 A história da comunicação humana é multimodal.

 O texto híbrido começou a acontecer na caverna com o concurso do desenho de


imagens nas paredes, associadas a gestos e grunhidos, na intenção de informar aos
demais elementos do grupo sobre as aventuras vividas fora da caverna. Logo, não
há por que espantar-se diante do boom dos textos multimodais na
contemporaneidade.

 Chamamos Peirce ao diálogo neste artigo, devido aos “fundamentos semióticos


operarem nas bases do funcionamento do cérebro humano, portanto sensações e
emoções são elementos constitutivos do raciocínio e atuam na construção das
aprendizagens.” (SIMÕES, 2021, p. 16)

 Encerramos essa proposta que se quer pedagógica, deixando um convite aos


nossos ouvintes e leitores para buscarem os estudos semióticos, especialmente os
estudos aplicados como o presente artigo, para que lhes seja possível desenvolver
um trabalho com análises ainda mais produtivas que as aqui apresentadas.
Referência
s
1. BERGEN, Benjamin K. Louder than words. New York: Basic Books, 2012.

2. COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

3. CUNHA, Maria Zilda. Na tessitura dos signos contemporâneos. São Paulo: Humanitas/ Paulinas, 2010.

4. FONTOURA, Antonio. Hieróglifos egípcios: Um curso de introdução à leitura e escrita do Antigo Egito. E-
Book Kindle, 2017.

5. HOUAISS, A. E. A. Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2001. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.

6. JOTA, Zélio dos Santos. Dicionário de Linguística. Rio de Janeiro/DF: Presença/INL-MEC, 1981.

7. KRESS, Gunther e T. Van LEEUWEN. Multimodal discourse: the modes and media of contemporary
communication. London/UK: Hodder Arnold, 2001.

8. KRESS, Gunther e Theo Van LEEUWEN. Reading Images: The Grammar of Visual Design. 2 nd. London:
Routledge, 2006.

9. NÖTH, W. Panorama da Semiótica no Século XX. De Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.
Referência
s
1. NÖTH, Winfried. Handbook of Semiotics. USA: First Paper back Edition, 1995.

2. PEIRCE, Charles S. The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Vols. I-VI ed. Charles Hartshorne and Paul
Weiss. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1958.

3. SANTAELLA, Lucia e Winfried NÖTH. Imagem. Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras., 2001.

4. SANTAELLA, Lucia. Percepção. Fenomenologia, ecologia, semiótica. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

5. SEBEOK, Thomas Albert. Signs. An introduction to Semiotics. 2. Toronto/Canada: University of Toronto Press,
(First edition 1994) 2001.

6. SIMÕES, Darcilia. “Apostila do Curso "Introdução à semiótica: teorias e aplicações na leitura e produção
textual".” Semiótica & Tecnologia. Volta Redonda: Centro Universitário Geraldo Di Biase, 2012.

7. SIMÕES, Darcilia. Estudos semióticos. Papéis avulsos. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2004.

8. SIMÕES, Darcilia. “Semiótica e multimodalidade: novas perspectivas para o ensino.” Santana, Wilder Kleber
Fernandes de e Éderson Luís Silveira (Orgs.). Educação, Linguagens e Ensino: saberes Interconstitutivos. Vol. 2.
São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. 14-25.

9. SIMÕES, Darcilia. Semiótica & Ensino - uma Proposta. Alfabetização pela imagem. Rio de Janeiro: Dialogarts,
2009.
darciliasimoes@gmail.com

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