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O USO DE GÍRIAS EM UM JOGO VIRTUAL

Geazi Savogim Batista


batista.geazi@unifesp.br

As gírias de grupo são fenômenos com características criptológicas, as quais podem se


tornar gírias comuns caso percam o fator secreto de seu significado. Como os grupos sociais não
são restritos à realidade física, mas também se estendem à realidade virtual, é natural que novas
gírias sejam elaboradas por seus respectivos grupos nessas novas condições de comunicação. Em
virtude disto, depreende-se que estas gírias talvez possuam influências advindas de termos
utilizados no manuseio de aparelhos com acesso à internet — termos estes que certamente são
originados do inglês.
Desta forma, este artigo tem por meta analisar tanto o surgimento quanto o uso das
gírias provindas do jogo on-line cooperativo League of Legends. Para isso, os critérios de análise
utilizados são os de Preti (2004), pois, para este autor (p. 87) “o fenômeno gírio, (...) seus processos
morfológicos de deformação e criação lexical só pode ser analisado em profundidade, dentro da (...)
perspectiva (...) da gíria de grupo”. Portanto, a perspectiva adotada assume o olhar da própria
comunidade de jogadores sobre a qual se pretende estudar os vocábulos, de modo que suas gírias
não estejam deslocadas de seu contexto. Para isso, as fontes de análise mencionadas neste artigo
foram escritas por membros desta grande comunidade de jogadores, a qual (segundo o site
“Millenium Br”) atingiu, em agosto de 2022, a marca de mais de 124 milhões de contas ativas em
todo o Brasil.
Contudo, como não há dados a respeito da faixa etária deste grupo social, a afirmação
de que esta comunidade é formada majoritariamente por jovens tende a ser uma suposição. Pois,
para Dino Preti (2004, p. 88) “seria um erro pensarmos que, hoje, a gíria continua sendo apenas a
linguagem dos jovens”. O linguista ainda relaciona a expansão da gíria de jovens para outras faixas
etárias a um fator de identificação cultural por parte da população em geral — além, é claro, de
transformações sociais e políticas.
Como dito anteriormente, a gíria, para Dino Preti (2004, p. 89, grifos do autor), “é um
signo de grupo e possui uma forma criptológica, cujo domínio pertence apenas a um grupo restrito
de falantes”. Os falantes de determinadas gírias as utilizam com o intuito de estabelecer uma
comunicação em que os demais falantes não os entendam. Para Preti (2004), o sentimento que
provoca a manutenção de um vocábulo gírio é o de um orgulho, o qual é provocado a partir do
momento em que o falante se sente parte de um grupo e utiliza suas gírias. Dessa forma, ainda que
um vocábulo específico perca seu caráter criptológico e passe a ser conhecido por uma parte maior
da população, o grupo social pode renovar constantemente os seus signos — de modo que possam
se comunicar novamente sem serem entendidos pelos demais falantes. Preti associa essa constante
renovação à efemeridade desses vocabulários gírios.
Para o autor, a gíria ainda “tornou-se um recurso simples de aproximar os
interlocutores” (p. 95). Como League of Legends é um jogo cooperativo, sendo que uma de suas
modalidades é de dois times de cinco jogadores cada, tal contexto exige que haja não apenas uma
proximidade entre os interlocutores, como também uma afinidade. Porquanto, para Dino Preti, o
alívio que a gíria provoca no contexto dos falantes permite até que uma exposição se converta em
um diálogo. Sendo assim, devido à sensação de alívio e à proximidade criada pelo linguajar gírio,
ocorre também um rompimento de qualquer possível formalidade durante estas comunicações em
jogo.
Através de um estudo de casos, o que se pretende verificar neste artigo são as
características das gírias de um grupo social específico — neste caso, o grupo dos jogadores de
League of Legends. Os sites utilizados para o estudo desses casos foram o fórum da Riot Games
(empresa desenvolvedora); o site “Liga dos Games”, o qual enumera oitenta e três gírias
comumente usadas entre os jogadores e, por fim, uma notícia do site “Millenium Br”, a qual divulga
as novidades de uma atualização do jogo (vide anexo). No entanto, por questões práticas, não serão
analisadas todas as oitenta e três gírias listadas pelo site da “Liga dos Games”.
A primeira peculiaridade que se observa não só no fórum on-line, mas também em
todos os outros sites de análise, é o uso de palavras em inglês, ainda que o texto esteja
majoritariamente escrito em português. Tais palavras, por exemplo, são “hit”, “farm” e
“Ultimate”, sendo que esta última ainda conta com uma abreviação (“Ult”). Nas gírias listadas
pelo site “Liga dos Games” também aparecem “Lane”, “Wave”, “Fog”, “Ward”, “Gank”, “TF”
(abreviação de “Team Fight”), “Ace” e “Bait”. O artigo do fórum prossegue constatando uma
observação acerca de uma variação gíria de um dos termos em inglês: “sim, é comum usarmos os
termos em inglês com terminações verbais em português”. Esta comunidade parece estar ciente de
que ela se utiliza de neologismos em sua comunicação. No entanto, não é só neste ou em outros
jogos que o uso de palavras em inglês pode se fazer recorrente. Afinal, o próprio acesso e
navegação na rede permitem que palavras como “internet”, “on-line” e “off-line” sejam utilizadas
recorrentemente não só por estes jogadores, mas por qualquer sujeito com acesso à rede. Sendo
assim, o anglicismo não se faz presente apenas na formulação de gírias na comunidade de jogadores
de League of Legends, mas também pode ser encontrado não só em outros jogos on-line, como
também em quaisquer redes sociais.
Dito isto, é importante ressaltar que, neste jogo em específico, grande parte dos
neologismos pode ser encarada como verbos de primeira conjugação (a dos verbos terminados em
“ar”). No artigo do fórum, esta terminação é usada na palavra “farmar” — que significa “coletar”.
Além disto, na lista de oitenta e três gírias, verifica-se os verbos “baitar” (atrair), “wardar”
(fornecer visão) e um exemplo de como seria a conjugação de um verbo em inglês com terminação
em português: “Pusha mid! (Avança na trilha do meio)”. A tradução, neste último caso, é dada pelo
próprio site, e permite que se possa ver como a comunicação gíria, neste jogo, é mais sintética do
que a tradução fiel dos termos em inglês para o português. Desta forma, no contexto comunicativo e
na modalidade de uma partida cinco contra cinco do jogo, a rapidez e a clareza com que as
informações são passadas podem determinar qual time será o vencedor. Esta explicação também
serve para o motivo de estes verbos assumirem morfologia de primeira conjugação. Provavelmente
com o fim de evitar a criação de um verbo irregular (com mudança de radical), tais jogadores optam
por conjugarem desta forma.
Ademais, ao contrário do ponto de vista “purista” criticado por Preti (2004), uma
importante afirmação pode ser feita a respeito desta criação de palavras: ela não revela uma
incompetência linguística por parte dos jogadores deste jogo, mas sim a criatividade deste grupo
social para se comunicar com agilidade e eficiência entre si. Como é o caso de um verbo que
aparece no particípio, mais adiante na lista de gírias: “gankado” (emboscado). A comunidade
linguística de League of Legends teve, neste exemplo, competência linguística suficiente para
conjugar um verbo — de certa forma, recém-criado — de maneira que fizesse sentido para os
demais jogadores brasileiros falantes de português. Outros exemplos são os de duas construções de
locuções verbais, em: “Vamo levar Wipe agora” e “Face Check”. Um fator interessante é que, na
primeira frase, a grafia do verbo “ir” na primeira pessoa do plural: ao invés de “vamos”, o verbo
encontra-se escrito sem o último “s”, o que revela uma tentativa de se aproximar da oralidade
cotidiana de cada jogador. As locuções verbais propriamente ditas estão em “levar Wipe” (ter o
time inteiro morto) e “Face Check” (checar com o rosto). O jogador-falante talvez não tenha
consciência destas construções, e provavelmente não saiba explicá-las para uma pessoa fora do
contexto desta comunidade de uma maneira tão sintética quanto o original anglicista.
Logo na manchete da reportagem de três de outubro de 2022 do site “Millenium Br” é
possível notar o vocábulo “ping”, o qual, neste contexto, tem o sentido de “aviso” — e não o
sentido da sigla em inglês para “Packet Internet Groper” (Medidor de pacote de internet), também
presente no jogo. Mais à frente, na reportagem, a palavra “feedback” aparece, porém não como
uma gíria própria de League of Legends, mas sim como um termo que foi utilizado pela própria
autora do texto (intitulada como Bia) no lugar de expressões como “dar retorno”. Tal preferência
pelo vocábulo em inglês ressalta um ponto citado anteriormente nesta análise, o de que o
anglicismo não está presente somente no âmbito dos jogos on-line, podendo se estender até o meio
jornalístico geral como um todo.
A preferência pelo idioma inglês aparece mais duas vezes na reportagem: uma quando a
autora escreve “players” ao invés de simplesmente “jogadores”; a outra, quando a repórter não
traduz um dos itens para português (“Spear of Shojin”, ou “Lança de Shojin”). Novamente, este uso
não se apresenta necessariamente como um caso de gíria, mas apenas como pura e simples
preferência por outro idioma. Ainda assim, como dito anteriormente, é bem comum que, em meios
digitais, haja certa preferência por palavras em inglês — como é o caso de “e-mail” e do termo
“spam”, para os quais não há uma palavra ou expressão exata em português que transmita o mesmo
sentido e efeito que o original transmite.
Por fim, após esta análise, é possível depreender que a influência de uma língua anglo-
saxã na comunidade de jogadores de League of Legends não constitui um caso de incompetência
linguística. Além do mais, os membros deste grupo social se utilizam de processos morfológicos
criativos com um propósito comunicativo bem definido: uma rápida troca de mensagens fáceis de
serem compreendidas pelos demais membros. O “motivo de orgulho”, mencionado por Preti (2004),
neste caso se deve possivelmente ao fato de que estes “jogadores-falantes” podem utilizar estes
vocábulos gírios e termos em inglês não só durante uma partida do jogo, como também em
quaisquer outros meios e contextos — por exemplo, o jornalístico — sem que estes signos percam o
seu significado criptológico.
Outro fato observado é o de que não há marcas de regionalismo nacionais nestas gírias.
Tal apontamento dialoga com a afirmação de Preti (2004, p. 88) a respeito da linguagem falada nos
grandes centros urbanos do Brasil. Para o professor, um motivo para esta mitigação de
características regionalistas se deve à assimilação que as demais cidades brasileiras fizeram de um
linguajar divulgado pela mídia. Se no mundo físico a mídia foi capaz de — se não eliminar —
diminuir as diferenças regionais em todo o território nacional, o mesmo processo pode ser
observado através desta análise. Neste processo, as mídias digitais (e, por conseguinte, também a
internet) foram responsáveis por tornar homogêneo o vocabulário gírio da comunidade de jogadores
de League of Legends.

Referências

GÍRIAS do lol. Liga dos Games. Disponível em: <https://www.ligadosgames.com/girias-do-lol/>.


Acesso em: 06 jan. 2023.
LEAGUE of Legends tem quantos jogadores ativos regularmente em 2022?. Millenium Br.
Disponível em: <https://br.millenium.gg/noticias/11574.html>. Acesso em: 09 jan. 2023.
O que e como jogar. Riot Games. Disponível em:
<https://forums.comunidades.riotgames.com/t5/LOL-Novos-Jogadores/LEAGUE-OF-LEGENDS-
O-QUE-%C3%89-E-COMO-JOGAR/td-p/567850>. Acesso em: 06 jan. 2023.
PRETI, Dino. A gíria como um elemento da interação verbal na linguagem urbana. In: Estudos de
língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p. 87-98.
TUDO sobre a Pré-Temporada 13 do LoL: Mascotes da selva, novos pings, itens retornando e mais.
Millenium Br. Disponível em: <https://br.millenium.gg/noticias/12088.html>. Acesso em: 06 jan.
2023.

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