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Sobre os jogos de linguagem nas

Investigações Filosóficas de
Wittgenstein
Sobre os jogos de linguagem nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein

Nas Investigações Filosóficas, o filósofo Ludwig Wittgenstein opõe-se à ideia de


que a linguagem, ao contrário do que ele pensava no seu Tractatus Logico-
Philosophicus, tem uma única estrutura lógica subjacente, e defende que a linguagem é
uma série de diferentes atividades, tais como descrever, relatar, afirmar, negar, cantar,
mentir, pedir, saudar, maldizer, agradecer e muitas outras coisas. Wittgenstein chama
todas essas diferentes atividades de jogos de linguagem. Esta é uma ideia central das
suas Investigações, junto com as ideias de formas de vida e semelhança de família. No
presente texto busca-se apresentar sucintamente essa concepção do filósofo segundo a
qual a linguagem é uma coleção de jogos de linguagem.

Wittgenstein chega à ideia de jogos de linguagem por meio do exemplo de uma


linguagem usada por dois pedreiros constituída somente por nomes, que são usados
como ordens. Quando um deles grita “lajota”, o outro compreende o pedido, e em
seguida arremessa uma lajota. O que está sendo comunicado apenas com uma palavra
poderia ser expresso do seguinte modo: “jogue-me uma lajota”. A palavra “lajota”,
portanto, está transmitindo uma ideia completa. Porém, se alguém gritasse a mesma
palavra no meio de uma rua movimentada, quem a ouvisse não a compreenderia.

Nesse exemplo, fica claro que o que Wittgenstein está chamando atenção é a
importância do contexto em que ocorre um jogo de linguagem. No contexto da
construção, os dois pedreiros conseguem estabelecer entre eles certo nível de
comunicação, usando determinadas palavras, que ao serem usadas em outro contexto
podem deixar de significar, ou ao menos podem deixar de ter o mesmo significado. Isso
porque o jogo de linguagem estabelecido entre os dois pedreiros funda-se numa forma
de vida, ou seja, numa atividade prática que ambos estão compartilhando, e que é a
razão de ambos conseguirem se compreender. Para Wittgenstein, todo jogo de
linguagem, que contenha algum significado, é uma forma linguística que expressa uma
forma de vida, ou seja, uma vivência.

Outro exemplo que pode tornar mais clara a importância do contexto é quando
uma pessoa usa a palavra “fogo”. Dita simplesmente ao acaso pode não significar nada,
mas ao ser dita num determinado contexto, adquire certo significado, que varia de
acordo com o contexto. Se alguém fala a referida palavra num certo tom para outra
pessoa enquanto segura um cigarro, o jogo de linguagem em questão é um pedido, que
pode ser expresso do seguinte modo: “você tem fogo para acender o meu cigarro?”. Mas
se alguém grita a mesma palavra, desesperadamente, enquanto corre pelos corredores de
um prédio, o jogo de linguagem usado é um imperativo, que pode ser expresso da
seguinte forma: “saiam do prédio, pois este está pegando fogo!”. Dessa forma, a mesma
palavra pode ser utilizada em diferentes contextos com diferentes significados.

Esses exemplos ilustram a ideia de Wittgenstein de que o significado é o uso. As


palavras são comparadas pelo filósofo a ferramentas em uma caixa, em que seus usos
são tão diversos quanto os usos das diferentes ferramentas presentes na caixa. Falar uma
língua é parte de uma atividade e, sendo inúmeras as atividades em que a linguagem é
usada, enorme é a multiplicidade dos jogos de linguagem. Assim, a linguagem é um
instrumento com funções extremamente diversificadas, cujo significado está contido nos
seus diferentes usos. Mas para que tais usos sejam reconhecidos pela comunidade
linguística de um determinado falante, este deve seguir certas regras bem definidas,
como as regras de um jogo.

Por exemplo, quando uma pessoa aprende a jogar xadrez, esta aprende aos
poucos as regras do jogo, conforme joga suas primeiras partidas. Essas regras que foram
convencionadas estipulam quais movimentos são válidos ou não neste jogo. Se quero
movimentar uma peça, posso escolher movimentá-la de determinado modo, de acordo
com as regras deste jogo. Mas se passo para outro jogo, por exemplo, o jogo de damas,
já são outras as regras e os movimentos que são permitidos. Do mesmo modo, na
linguagem existem diferentes jogos de linguagem, e diferentes regras de uso, que são
expostas na própria cultura, tais como as regras gramaticais, que devem ser respeitadas
para que seja possível comunicar algo a outra pessoa. Sendo assim, analisar o
significado das palavras consiste em situá-las nos jogos em que são empregadas e
observar o uso que os falantes fazem delas num determinado contexto.

Mas certos jogos de linguagem, mesmo quando traduzidos para outra língua, não
são sempre compreendidos. Pois as formas de vida variam de acordo com os contextos
culturais. Um jogo de linguagem do nosso idioma, ao ser traduzido literalmente para
outro, pode não ser compreendido pelo falante desta língua, pois talvez ele não
compartilhe conosco a mesma forma de vida que está sendo expressa pelo jogo de
linguagem. No entanto, não se segue daí que não é possível haver tradução, ou que os
falantes de diferentes línguas estão fadados a ficar isolados em suas próprias culturas.
Basta que se traduza o jogo de linguagem de um idioma por uma expressão adequada a
uma forma de vida do outro idioma, de modo que ele possa compreender o que está
sendo comunicado. Ou seja, se um tradutor conhecer suficientemente a sua própria
língua e a língua para a qual ele quer traduzir, é possível fazer uma boa tradução. Além
disso, uma forma de vida presente em uma cultura pode ser absorvida por outra, de
modo que o jogo de linguagem que a expressa tenha significado em seu uso.

Isso pode ser explicado pelo fato de que a linguagem está em constante
transformação. Embora não haja uma súbita mudança de toda a linguagem de uma
geração para outra, existem partes dela que se modificam de forma rápida, ao passo que
outras se modificam lentamente. Pois as próprias formas de vida transformam-se com o
tempo, e com isso os jogos de linguagem também vão ganhando novos usos. Algumas
palavras em nosso idioma hoje têm usos que não tinham alguns anos atrás. E outros
jogos de linguagem são constantemente incorporados em nossa linguagem, para tentar
dar conta de novas formas de vida que vão sendo absorvidas em nossa cultura. Por
exemplo, os jogos de linguagem que expressam os diferentes usos das recentes
tecnologias que foram sendo adotadas pelas novas gerações. Com o passar do tempo,
certos jogos são modificados, outros são descartados, e outros ainda são criados.

Wittgenstein também chama atenção para o fato de que existem diferentes jogos,
mas que não existe entre eles uma característica comum a todos. Alguns jogos possuem
alguns traços em comum, mas estes desaparecem quando comparados com outros jogos,
e muitas semelhanças surgem e desaparecem, caso se percorra diferentes grupos de
jogos. Não existe um único traço que defina o que todos os jogos têm em comum. E
também não existe para os jogos de linguagem uma característica comum a todos. O
que existe, diz o filósofo, são semelhanças de família. Portanto, sendo a linguagem uma
coleção de jogos de linguagem, não existe uma única essência presente nela, mas
somente semelhanças. Do mesmo modo que uma caixa de ferramentas não possui uma
única função, assim também é a linguagem, pois o nosso mundo está organizado de tal
modo que existem inúmeras maneiras para utilizá-la.
Podemos concluir este texto dizendo que o conceito de jogo de linguagem
formulado por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas é uma tentativa de explicar
como o significado da palavra pode ser entendido como o seu uso em um determinado
contexto, e que o significado pode variar dependendo do contexto em que apalavra é
utilizada e do propósito desse uso. Em outras palavras, para o filósofo em suas
investigações o único meio de saber o que é a linguagem é observar os seus diferentes
usos.

Referências

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora Nova


cultural, 1999. Coleção Os pensadores.

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