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Jean-Charles J. Zozzoli 1
Introdução
Propomo-nos, a seguir, a partir da leitura de um poema jocoso e dos textos que, na
diagramação de página, lhe são coligados, refletir sobre o processo dialético de determinação
causal do signo pelo ser e do ser pelas imagens que referem seu meio ambiente. Mais
precisamente, debruçamo-nos sobre a fabricação de instrumentos marcantes para o
reconhecimento de códigos culturais, num processo de comunicação complexo, onde
intervêm questões ligadas à dinâmica identidária e ao empenho antagônico do corpo e das
imagens sociais.
Numa exploração cultural das raízes nordestinas, desvela-se a essência dos detalhes que
revelam esses códigos culturais. Descrições vivas e oníricas formam imagens penetrantes e
provocadoras neste fim de milênio, na arena da cultura contemporânea, onde a mulher-esposa
não é mais considerada do lar, mas tornou se independente, questionadora, libertando-se de
sua submissão ao homem, muitas vezes ressentida não mais como obrigação, mas até como
escravidão.
Além de uma análise relacional homem-mulher, os assuntos temáticos em foco
concernem ao Cordel, ao machismo, à vida cotidiana e à preocupação de integração do Poeta
na comunidade literária.
Levando-se em conta as considerações apresentadas por Dietmar Kamper num ciclo de
palestras sobre Corpo e Imagem, nas universidades paulistas, em 1999, e as considerações de
Pierre Lantz sobre o simbolismo, ultrapassa-se a análise sociológica da linguagem, feita num
primeiro tempo apoiado em Bakhtin, ao resgatar, num segundo momento, o caráter
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então um elemento abstrato, igual a si mesmo que é absorvido pelo tema, e “despedaçado”
por suas contradições vivas para, enfim, retornar, sob forma de uma nova significação, com
uma estabilidade e uma identidade igualmente provisórias.
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aparentemente sem apresentação biográfica – e muitos dos que ouvem ali só podem tomar
conhecimento deles dessa maneira.
A colocação desse trecho já se encontra justificada se a considerarmos do ponto de
vista da “tomada de consciência” e da “ elaboração ideológica” apresentadas por Bakhtin.
Com efeito, esse trecho revela uma atividade mental do nós (consciência de participar do
grupo dos escritores) e, além disso, uma atividade mental do para si (atividade mental do tipo
individualista; consciência do próprio valor). Não se trata, nesse caso, de uma atividade
mental do eu, pois essa passagem autobiográfica não é isenta de algum grau de consciência.
O Autor não fornece esses dados gratuitamente, e, como acabamos de ver, ele o faz com uma
certa consciência de classe e do seu próprio valor, com uma certa orientação social.
É interessante, neste nível de reflexão, examinar as considerações de Vogt: de cada
texto seria, então, possível, a partir de enunciados que o integram, reconstituir a figura do
leitor que o Autor se representa, e no mesmo movimento, mas em sentido inverso, a
representação que o Autor se faz de si mesmo.
Robert Ezra Park, citado por Vogt, afirma: “todo homem está, sempre e em todo lugar,
mais ou menos conscientemente, representando um papel... É nesses papéis que nos
conhecemos”. Ele acrescenta: “essa máscara é nosso mais verdadeiro eu, aquilo que
gostaríamos de ser”. Podemos então, à luz dessas afirmações, defender a hipótese de que o
Autor, investido do seu papel de escritor, procura nesse trecho introdutório esses receptores
particulares que são os críticos literários e os estudiosos da literatura alagoana, dando-lhes
uma importância muito mais relevante do que ao comum e habitual consumidor de literatura
de cordel. Entretanto, esses últimos são muito mais importante quantitativamente, e em termo
de legitimação de seu estilo, a ponto de o Autor variar de registro de língua, demonstrando
um certo domínio nos dois registros adotados e revelando um horizonte social que se estende
sobre pelo menos os dois grupos sociais referidos. Aliás, como veremos mais tarde, não
podemos nem afirmar que o Autor se dirige ao público comum, pois não temos informação
precisa sobre as características (econômicas) de distribuição do livro(ou folheto) que contém
o poema e sobre as características extralingüísticas de distribuição do próprio poema fora
desse livro.
Na mesma linha, não sabemos tampouco (pelo menos a vista dos documentos de que
dispomos) se a segunda parte constitui os primeiros versos ou alguns dos primeiros versos do
Poeta aos quinze anos, ou até versos compostos depois. Da mesma maneira, não sabemos
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qual foi, dos dois referidos registros de língua, o registro com o qual o Autor se familiarizou
em primeiro lugar na sua vida. Portanto, não sabemos se o poema é um exercício de estilo do
Poeta ou se ele é a própria objetivação autêntica (por ser o destinador do mesmo grupo sócio-
cultural do destinatário no momento de sua redação). Na eventualidade de ser a segunda
alternativa exata, não sabemos se, na apresentação de que dispomos, o poema foi reescrito
ou gramaticalmente modificado (depois dessa primeira objetivação exterior autêntica). De
qualquer forma, através do exame de um outro poema do mesmo livro , podemos duvidar da
autenticidade do Autor como membro desse grupo sócio-cultural: ou porque ele nunca
pertenceu realmente a esse grupo (condições extralingüísticas diferentes), ou porque ele,
através da aquisição de uma outra sub“cultura” – anterior, paralela ou ulteriormente (no caso
de modificações) a A si pão fosse muié - não pertence mais totalmente a esse grupo, como
pode mostrar a diferença de grafia entre cassação, no título do segundo poema (verbo
“cassar”) e caçando, no sexto verso (verbo “ caçar”) ou, mais simplesmente, o perfeito
domínio do registro do “bem-falar” da elite sócio-cultural e o da grafia das palavras na
gramaticalidade do cordel, que parece exagerada. Como bem exprime Merleau-Ponty:
podemos falar várias línguas, mas uma delas permanece sempre aquela na qual vivemos. Para
assimilar completamente uma língua, seria necessário assumir o mundo que ela exprime, e
não se pertence nunca a dois mundos ao mesmo tempo. Estendemos aqui essas considerações
aos registros de língua.
Por outro lado, se confrontarmos esse trecho introdutório com a terceira parte,
verificaremos que ele não só fornece dados quanto a momentos da formação sociológica,
artística, e da evolução do Autor no que concerne ao poema, mas também quanto ao livro em
geral, deixando pensar na forte possibilidade que poderia o mesmo trecho ser ulterior ao
referido poema, o que corroboraria nossas precedentes colocações. Pode também esse trecho
até ter sido escrito por outra pessoa.
A partir desse primeiro trecho, não podemos concluir com certeza, no caso do poema,
que o emissor não compartilha(ava) a ideologia do cotidiano dos destinatários usuais desse
tipo de literatura (ouvintes nas feiras..., e não a comunidade literária); mas, apoiando-nos no
pensamento de Ducrot para quem “descrever um enunciado seria antes de qualquer outra
coisa descrever aonde ele conduz” , podemos afirmar que quem fala nesse primeiro trecho é
o indivíduo consciente de participar da comunidade literária alagoana (conteúdo interior) e
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que ele fala para essa mesma comunidade, pois “a palavra é o território comum do locutor e
do interlocutor”.
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o poema e a idade do poeta quando de sua redação, bem como saber a que classe social ele
pertence(pertenceu) para melhor situá-lo em relação com a(s) referida(s) ideologia(s) do
cotidiano (informação que não conseguimos obter). O interlocutor imediato, virtual (alvo
aparente) seria no caso do poema o consumidor de cordel, como demonstra lingüísticamente
a orientação social escolhida pelo Poeta. Com efeito, a orientação social que corresponde ao
enunciado do Poeta nessa parte determinou a escolha da forma e do conteúdo da objetivação
exterior de seu conteúdo interior. Bakhtin esclarece que a “psicologia do corpo social se
manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da ‘enunciação’ sob a forma de
diferentes modos de discurso, sejam eles interiores ou exteriores” . Podemos constatar que a
forma de discurso escolhida é característica do poema de cordel:
Constatamos a presença de rimas pobres obtidas muitas vezes pela pronúncia de um
falar regional, rimas que não existiriam no “bem-falar” da elite sócio-cultural: fié – ponta-pé;
café – muié.
Algumas palavras parecem ter sido colocadas no texto apenas com a finalidade de
rimar, como é o caso da palavra grandez(a), no segundo verso da última estrofe, e talvez da
palavra coração, no quinto verso da quinta estrofe.
A grafia é calcada numa pronúncia utilizada nesse tipo de registro. Comporta pois
características do código oral usado. Entre muitas, citaremos:
- ausência do r final das palavras: no infinitivo dos verbos (oiá, cazá, comprá); nos
substantivos (muié, prazê);
- transformação do l medial em r: quarquer, carçado;
- desaparecimento do s final dos substantivos: as muié; nói zôme;
- ausência de concordância do verbo com o sujeito da oração: Dô tudo quanto elas qué;
si aquêles pão di grandez/ fôce muié di verdade.
Os versos de sete sílabas métricas, que parecem ser comuns a esse tipo de produção
literária, dão ao poema o ritmo particular da poesia popular do campo.
Com base em folhetos e livros vendidos em feira e em observações de “nativos” que
leram o poema, podemos levantar a hipótese de que há uma concentração demasiadamente
grande de casos que marcam o tipo de registro (e é provável que isto seja proposital).
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escrever dessa maneira e se essa grafia, que respeita as normas do falar popular do interior de
Alagoas, não é uma sofisticação que só poderia ser denotada por uma comunidade semiótica
capaz de estabelecer diferenças entre as duas grafias, e, dessa maneira, dar um valor correto e
adequado ao signo empregado pelo Poeta (o que corroboraria a hipótese da orientação social
do poema também – ou exclusivamente – para a comunidade literária). Sublinharemos a
discrepância entre as duas formas do verbo ser no imperfeito do subjuntivo: fosse, no título;
foce (fossem) no terceiro verso da última estrofe, bem como lembraremos as grafias corretas
de cassar e caçar (evocadas supra). Nas palavras de Bakhtin, a respeito do consenso entre
indivíduos socialmente organizados: “as formas do signo são condicionadas pela organização
social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece”.
Prosseguindo no nosso estudo da ideologia do cotidiano, vamos examinar os índices
de valor das palavras utilizadas no poema. À luz dos princípios aqui trabalhados, em todos os
casos, a situação social determina que modelo, que metáfora, que forma de enunciação
servirá para exprimir a coisa a partir de direções inflexivas da experiência. Podemos mostrar
que a experiência do contexto regional (i.e. vivência nesse contexto) é determinante no que
diz respeito à objetivação exterior do Poeta no nível dos instrumentos de produção e de sua
utilização: grafia seguindo a pronúncia do interior do Nordeste, estilo de cordel, regionalismo
(ver o termo mode). Do mesmo modo, mas no nível dos índices de valor do signo em função
dos grupos sociais, ainda o contexto social, bem como a Educação, num sentido largo,
organizaram a atividade mental do Poeta. Podemos listar traços da ideologia do cotidiano,
característicos do modo geral de vida que conhecemos, que fazem parte da experiência do
todo brasileiro do Nordeste que vive segundo os costumes ocidentais: pão (tipo de comida);
mesa (móvel de casa); balcão (móvel de loja); roupas, calçados (vestuário); cruzeiro (unidade
monetária de uma época num país: dinheiro); compra de mercadorias (relação comercial);
casar (no caso, viver em concubinagem, ou até casar realmente); comer com café (hábito
regional); existência de prostitutas. Fidelidade/infidelidade da mulher (valores sociais) etc.
Podemos também citar as seguintes expressões de uso popular e rural: inté, que nem. É
necessário salientar que o emissor é um homem, e que, portanto, foi educado e viveu (está
vivendo) como um homem, com todas as prerrogativas, direitos e mordomias que isso
implica no Nordeste do Brasil, principalmente no interior. Podemos observar também traços
da ideologia do cotidiano peculiares às relações entre os sexos na sociedade rural nordestina:
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machismo e mulher-objeto, bem como traços comuns ao modo de produção no qual vivemos:
individualismo, propriedade privada e roubo.
Caracterizando a mulher como objeto, destacaremos os seguintes palavras e
sentenças:
- Muié (sem artigo) 1º verso – 1ª estrofe coiza Id. muié é qui nem brôa / Dôce 5º e 6º
versos – 1ª estrofe as muié eu comprace 5º verso – 4ª estrofe Mi cruzêro di muié 6º verso – 5ª
estrofe e a comparação entre pão e mulher, principalmente no título e na última estrofe.
A respeito das prostitutas (muié atôa), elas são mulheres-objeto por excelência, que se
pode olhar, comprar, usar e descartar, apesar de desprezá-las (Quinté).
Salientaremos, no que concerne à expressão do machismo, através de suas principais
características, a seguir:
Expressões de virilidade:
Quinté as muié atôa / Mi dá prazê eu oiá 2º e 3º versos da 1ª estrofe Eu digo a carquê
pessôa / Qui muié é... / Dôce bom de mastigá 4º, 5º e 6º versos da 1ª estrofe Gosto munto das
muié1° verso da 2ª estrofe
Possessividade / Poder:
- intendência “Dô tudo.../ Rôpa carçado i carinho” 2º e 3º versos da 2ª estrofe
“fidelidade “obrigatória” “Mais si ela num fô fié...” 4º verso da 2ª estrofe “- direito de bater”
Ganha tombém ponta-pé / I mãozada
nu fucinho”
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É útil ressaltar que, no poema, o Autor revela uma atividade mental do nós: Prá nói
zôme, e também do para si: eu iscondia a metade. É claro que os homens constituem uma
parte de muito relevante importância no auditório societário, mas não só os homens, as
mulheres também. Presentes no texto, elas o são também na vida cotidiana, transmitindo a
seus filhos – a Educação no Nordeste é quase que essencialmente matriarcal – essa ideologia
do cotidiano que também as condicionou, por introjeção.
Salientaremos mais uma vez o fato de que as palavras empregadas pelo Autor estão
convertidas em signo ideológico marcado pela realidade do contexto social no qual ele está
vivendo. No machismo nordestino, que está presente no poema, a mulher é colocada
diretamente e sem rodeios no plano de objeto que se desfruta, que se pode vender, enfim, de
que se pode dispor de todas as maneiras. Constatamos que a mulher é relegada não só ao
nível do animal (fucinho), mas também ao de coisa (pão), o que, na hierarquia social, é bem
pior. Numa outra realidade histórico-concreta, pressupomos que o valor do signo seria
diferente por ter um tema diferente. No machismo francês do campo, por exemplo, parece-
nos que haveria uma certa dose de complacência com um ser julgado “inferior”. A mulher,
nesse caso, corresponderia à mistificação da mulher-criança, irresponsável, incapaz de se
conduzir por si própria em situação que não pertença ao trivial doméstico. A libertação
feminina, muito mais urbana, principalmente no que diz respeito aos usos e costumes, tende a
ser vista como o afastamento “indomável” de uma linha de conduta “segura e respeitável”.
Esclarece Bakhtin: os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte,
da educação e da religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua
vez sobre esta, em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a essa
ideologia.
A realidade que deu lugar ao poema não pertence só a um grupo sócio-cultural, mas
também á totalidade da comunidade rural considerada e pode até ser estendida a outros
grupos sociais. Ela pretende salvaguardar o consenso social, pelo menos entre homens e
mulheres. “O ser refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” .
Com efeito, recebemos através do poema imagens da mulher e do homem que são próprias da
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classe dominante (no caso, os homens) que tende a conferir à mulher um caráter estático –
acima das diferenças sociais – de mulher-objeto, submissa à vontade do homem, a fim de
tentar abafar seus sentimentos e movimentos de emancipação. E isso não é próprio do meio
rural, de classe sócio-culturais menos “intelectualizadas”, das décadas já passadas. Encontra-
se presente em nosso dia a dia midiático atual, em várias produções culturais e publicitárias
que, paralela e até conjuntamente à imagem de mulher liberada, veículam ou a imagem
assexuada de mãe-dona de casa meritória, ou a imagem lucrativa de mulher-objeto que cultua
seu corpo, não só para sua própria satisfação, mas principalmente pela retribuição psíquica e
material que receberá ao notar as reações de contentamento do sexo oposto. O homem se
afirma como um ser livre, que domina a mulher, tanto para aprisionar uma outra consciência,
que reflete a sua, como para que a mulher produza para ele filhos seus (temor secular da
ilegitimidade). É sensato estabelecer um paralelo entre a herança para os filhos legítimos no
sistema de propriedade privada e a posse da mulher pelo homem que parece ser conseqüente.
O casamento se apresenta incontestavelmente, tal como é encarado no contexto social
referente ao poema, como uma forma de propriedade privada exclusiva. A poligamia, sem ter
sua contrapartida, a poliandria, é apenas um índice de dominação masculina, não de liberdade
sexual (como mostra o poema: mulher = pão = objeto avulso).
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fonológico dos “sons escritos”, acrescenta à figuratividade lexical das palavras uma
figuratividade plástica.
Lançando mão de uma metafora formulada por Kamper, é possível perceber que
agora se “vive” também no mapa do mundo e não no mundo. O corpo é transformado em
imagem. Assim nessa passagem da tridimensionalidade à bidimensionalidade,
metamorfoseam-se o corpo do cordel em imagem do cordel e a realidade do nordeste em
virtualidade literária. Nem sonho, nem realidade. Utopia ? Não, um novo elemento real,
numa nova realidade, que deixa sonhador - por bem ou por mal - qualquer adolescente de
quinze anos (destinador ou destinatário) e outros leitores, numa comutação com a vida e,
dentro dela, com a histórica masculinidade social judeu-cristã.
Sobre fenômenos desse tipo, Kamper pergunta se é ficção real ou realidade ficcional,
e argumenta que o retorno do corpo acontece não corporalmente, mas nas imagens. Adverte –
ao se referir ao psicanalista sloveno Slavoy Zizek - que temos de aprender que a imagem
permanece embuste, simulacro, ilusão e auto-ilusão. “Toda imagem ilude”.
No poema, é pouca a exploração da sensibilidade do corpo. O olhar não repousa sobre
o corpo feminino, apenas o referencia. A estereotipada doçura feminina é evocada em seu
nível mais primário, o da oralidade (experiência gustativa real e imaginária) A de um sabor
ligado ao saber, o da comida; “comida” portanto mental e sexual, evidenciada na ligação
entre as primeira e segunda estrofes. A “força” masculina manifesta-se na desfeita com a
honra perdida, vingada com violência, e no desejo carnal (segunda e terceira estrofes). Em
suma presencia-se um silencio do corpo. As formas de receber sensações limitam-se às
associações:
- visão=olho=olhar- gosto=boca=mastigar - sabor- tato=mãozada=violência, força-
audição=ausência do ouvir na relação homem–mulher, (não na relação Poeta-leitor)- ausência
do olfato
Retomando a própria imagem que nos fornece Kamper apoiado em Virilio, até na
literatura de cordel, notamos o caminhar para uma sociedade que nega o corpo como negou a
alma, apesar de o corpo aparecer como a última âncora concreta no oceano da abstração.
Talvez por isso, nesse poema, a sensibilidade do poeta insensibiliza o corpo da mulher,
relegando-a à condição de pão. Assim a concretitude revela-se maior, pois o pão, alimento
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Conclusão
Ao considerar essas últimas asserções, verifica-se que as impressões singulares do
indivíduo acontecem no que ele tem de mais profundo. É nelas que o simbolismo coletivo
(que explicitamos com o método bakhtiniano) encontra seu sentido, pois (excedendo os
limites dessa abordagem) necessita da intensidade relativa das emoções individuais para
penetrar no sujeito e surtir de seu corpo, possibilitando diversos estilos e seus efeitos. Assim,
é pela convergência das forças individuais de simbolismos singulares que se instaura o
simbolismo social. É na capacidade de deslocamento do corpo individual para o corpo
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Referências
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VOGT, Carlos. Linguagem, Pragmática e Ideologia. São Paulo: Hucitec, Funcamp, 1980.
ANEXOS
Sanexa
Anexo II
Nasci em Atalaia, Estado de Alagoas e me criei em Viçosa
do mesmo Estado. Talvez pelo fato de residir perto de violeiros
repentistas já aos 15 anos de idade fazia meus primeiros versos.
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Anexo III
AH SE PÃO FOSSE MULHER
Mulher é coisa tão boa
Que até as mulheres à-toa
Me dão prazer de eu olhar
Eu digo a qualquer pessoa
Que mulher é que nem broa
Doce bom de mastigar.
Ah se eu nunca me acabasse
E as mulheres eu achasse
Toda hora todo dia
Ou mesmo um tempo chegasse
Que as mulheres eu comprasse
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