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DE JACQUELINE AUTHIER-REVUZ1
O presente trabalho tem como temática uma leitura da obra de Jacqueline Authier-Revuz,
sob a lente da pesquisadora Beth Brait – em que os conceitos de alteridade, dialogismo e
heterogeneidade são desvendados. O objeto de estudo é o caminho percorrido pela autora francesa,
os teóricos que fundamentam as posições que defendem em relação ao discurso relatado e a
presença constitutiva da alteridade, como núcleo da concepção de linguagem, de sujeito e de
sentido.
O objetivo é observar os conceitos do “outro” que contribuíram para a constituição de
heterogeneidade nos trabalhos de Jacqueline Authier-Revuz – que vê o outro como constitutivo do
sujeito e da linguagem.
Dois caminhos são percorridos: o caminho de Bakthin, de constituição da linguagem – em
que o dialogismo e a polifonia estão calcados no conceito do “outro” discursivo, ideológico e
interacional. Seja qual for o lugar assumido para olhar o pensamento bakhtiniano, a idéia do
diálogo, enquanto estrutura enunciativa, e enquanto forma dialógica constitutiva da existência das
atividades de linguagem atravessam o campo de visão e desdobram as possibilidades, incluindo a
história e a memória na cena de produção de sentidos e de seus efeitos. De Lacan vem a concepção
em que o inconsciente e a linguagem autorizam o conceito do outro. Dois autores cujo “olhar”
encaminha-se para a presença do outro, incorporando-o e constituindo a linguagem.
Os trabalhos de Authier-Revuz têm como centro a descrição e a tipologia da modalização no
campo do heterogêneo da enunciação, em que na língua há o encontro de fala, discurso e sujeito.
Esse encontro – fala, discurso e sujeito – é lugar de clivagens teóricas, e diz respeito ao conceito de
língua e à concepção de sujeito e de sua relação com a linguagem e com o sentido.
A metodologia do estudo consiste em acompanhar a teoria de Jacqueline Authier-Revuz,
buscando entre as explicitações que faz, quais as idéias de Bakhtin e de Lacan vão fazer parte dos
estudos em relação ao conceito do outro, constitutivo ou relatado, no discurso. Como primeira
constatação, dois aspectos fundamentais são colocados para a configuração do conceito de
heterogeneidade:
1) a autora se coloca como lingüista. Trata-se de precaver-se contra a tendência em que a língua é
preterida a favor da análise ideológica e outros ambíguos “exteriores lingüísticos”. Seus trabalhos,
portanto, ficam no nível do lingüístico, na materialidade que ela chama de “fio do discurso”
entendendo-se como enunciado – ato de enunciação. Aí, sujeito, linguagem e discurso são
analisados; com rigor e método.
2) diz respeito às teorias a que ela recorre, os “exteriores teóricos”: o dialogismo de Bakhtin, e a
psicanálise – a leitura que Lacan faz de Freud. Apesar de essas teorias serem diferentes, partirem de
autores cuja reunião em estudo deve ser cuidadosamente esclarecida, elas têm em comum, neste
caso, o fato de oferecerem para a concepção de sujeito, de linguagem, de sentido a idéia da não
homogeneidade, do não-um, da alteridade constitutiva, da heterogeneidade constitutiva e da relação
não separável um-outro. Ambos, partindo de posturas diferentes, defendem a heterogeneidade.
A questão proposta é a seguinte: qual é o Bakhtin, e qual é o Lacan aos quais se reporta e em
que momento eles são mobilizados para construir as teorias de Authier-Revuz?
1
Pesquisa desenvolvida sob a orientação do Professor Dr. João Antônio Santana Neto.
2
Doutoranda em Letras pela Universidade Federal da Bahia, membro integrante do Núcleo da Análise do Discurso –
NEAD/UCSal. nilzacarolina@hotmail.com.
Essas duas correntes podem parecer contraditórias porque trabalham a concepção de sujeito,
de linguagem e de sentido a partir de diferentes posturas, diante do que se compreende por “outro”.
Mas há dois pontos de contato fundamentais: 1° concebem o “outro” como inalienável, por
diferentes caminhos da constituição das identidades, dos sujeitos e das formas de manifestá-los e
constituí-los pela linguagem; 2° pela rígida oposição dos rumos dados à questão pela psicologia da
época.
Em Bakhtin, a noção de “outro” está ligada ao conceito de linguagem que ele traça ancorado
no dialogismo. Na obra Marxismo e filosofia da linguagem, no capítulo que trata das relações entre
infra-estrutura e superestrutura, ele aponta o que se chama de alteridade constitutiva do signo:
Por certo, todos os índices sociais de valor dos temas ideológicos chegam
igualmente à consciência individual que, como sabemos é toda a ideologia. Aí eles
se tornam, de certa forma, índices individuais de valor, na medida em que a
consciência individual os absorve como sendo seus, mas sua fonte não se encontra
na consciência individual. O índice de valor por natureza interindividual
(BKHTIN, 1995, p. 45).
REFERÊNCIAS
BAKHTIN Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem (Volochinov) São Paulo: Hucitec, 1995.
DOSTOIÉSVSKI, Fiodor. O Sósia. Trad. Vivaldo Coaracy. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
LACAN, Jacques. O Seminário 1. Versão Brasileira Betty Milan. Rio: Zahar, 1979. 336 p.
BRAÏT, Beth. Alteridade, dialogismo, heterogeneidade: nem sempre o outro é o mesmo. In:
Estudos Enunciativos no Brasil. Campinas SP: Pontes, 2001.
ROUDINESCO, E. & PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998.