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Obra Sem título (1984), de Zdzisław Beksiński, Sob a Edge da Teoria Semiótica

Peirciana

Rerison da Silva Teixeira

Jordânia Moreira dos Santos

Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – Rondon do Para

Resumo

O processo de semiose acontece à medida que algo representa um sentido, um significado.


A Semiótica de Peirce é a ciência que estuda esse processo, tomando como algo (signo) no
lugar de outro (objeto) ganha sentido para outrem (intérprete). Para Peirce a linguagem é
lógica, precisamos apresentar como esse processo acontece, especular, raciocinar para
extrair os sentidos expostos. O artista inserido no contexto peirceano expressa em sua arte,
suas emoções, opiniões, sentimentos, estado de espírito. Este artigo, com base na
semiótica de Peirce, faz uma análise da pintura não intitulada (Sem título), de Zdzisław
Beksiński.

Palavras-chave
Semiótica; Charles Peirce; Zdzisław Beksiński

Introdução

O objeto de estudo deste artigo se encontra na proposta de reflexão semiótica sobre a obra
Sem título (1984), de Zdzisław Beksiński (1929-2005). Tendo conhecimento de que a
pintura se constitui de signos, recorreu-se à teoria Semiótica, de Charles Sanders Peirce
(1839-1914), visto que essa investiga sobre signos, sistemas e processos de compreensão
dos signos. 

A escolha pela análise desta obra, em específico, o aconteceu mediante as indagações feitas
durante as aulas da disciplina de Teorias da Linguagem, na turma de 3º semestre do curso
de Jornalismo, sobre o que é signo, significante e significado, semiologia e fenomenologia,
além das especulações e interpretações construídas a partir da obra apocalíptica de
Beksiński, as quais o artigo busca analisar a partir da Tríade Peirciana. 

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Em um primeiro momento, foi feita uma discussão sobre as bases teóricas da semiótica
peirciana. A segunda parte deste escrito falou sobre o estilo gótico, barroco e apocalíptico
de Beksiński, o artista em questão e a obra a ser foco de análise, trazendo uma
contextualização histórico-social para a obra. A terceira parte do texto foi feita com base
nas duas primeiras, ao discutir e analisar os elementos presentes na obra escolhida. Por fim,
as considerações finais foram feitas a partir de todo processo de construção do artigo e dos
conteúdos estudados para a realização dele. 

A semiótica Pierceana

A semiótica é a ciência que estuda os signos, assim como que todos os elementos possuem
uma representação, tanto de sentido quanto de significado, para o homem, isso abrangendo
tanto a linguagem verbal quanto a não verbal. Tal ciência teve como precursor Ferdinand
Saussure (1857-1913), a partir de seu estudo direcionado à linguagem verbal, seguido de
Charles Sanders Peirce (1839-1914), o qual considerou o estudo com todo tipo de
linguagem, e por muitos tido o verdadeiro pai da semiótica.

Bem diferente da análise linguística, a semiótica traz importantes contribuições para que se
compreenda como linguagens são desempenhadas nas ações humanas. Por isso, não se deve
confundir língua com linguagem. Por linguagem, compreende-se todo sistema
comunicativo, que é plural, ou seja, que envolve diversas formas de produção de
significados e sentidos. Enquanto por língua, pode-se entender esta como a língua nativa,
materna ou pátria, usada no cotidiano para a comunicação verbal, seja ela escrita ou oral
(SANTAELLA, 1983).

A linha teoria da Semiótica Peirciana, fundada por Peirce, considera que tudo que existe é
signo, ou seja, tudo no mundo são entidades semióticas, desde os objetos até o próprio ser
humano. Desta forma, sendo o conceito de signo a base fundamental da semiótica, este
pode ser entendido como:

Um signo, ou representamen, é algo que representa para alguém, alguma


coisa em algum aspecto ou capacidade. É dirigido a alguém, ou seja, cria
na mente da pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais
desenvolvido. O signo que foi criado eu chamo de interpretante do
primeiro signo. O signo representa algo, o seu objeto. (Peirce, 1960, p.
228)

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Ou seja, um signo só pode representar um objeto de certa forma e em uma certa capacidade.
O objeto “só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir
uma outra coisa diferente dele. Ora o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do
objeto... ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade.”
(SANTAELLA, 1983).

Para que haja uma representação, faz-se necessário a existência de um intérprete. Será na
mente dele, de acordo com a Semiótica Peirciana, que um signo produz, na representação
de um objeto, algo que pode ser um novo signo ou um quase-signo. Este novo pode se
relacionar com o objeto através da mediação do signo anterior. Portanto, a mediação é a
característica central dos signos, visto que eles se apresentam entre o sujeito e o mundo,
seja na organização de atividades de produção material e simbólica, como na estruturação
do pensamento.

O processo de relação estabelecido entre intérprete e signo gera um novo signo para
traduzir o significado do primeiro. Isso se compreende como o interpretante do signo
anterior e é relacionado às teorias construídas anteriormente na mente de cada intérprete.
Como Santaella (1983) discute, o significado de um signo é outro signo — seja este uma
imagem mental ou concreta, uma ação ou mera reação gestual, uma palavra ou um mero
sentimento de alegria, raiva, uma ideia, ou o que quer que seja – porque esse que é criado
na mente pelo signo, é um outro, tradução do primeiro. Sendo assim, a semiose é resultado
de uma série de interpretantes sucessivos. Desta forma, não haveria um primeiro ou um
último signo em um processo de semiose ilimitada. (Pierce, 2005, apud Giordan, 2007).

Compreende-se, portanto, que o signo, seu objeto e o interpretante, criado na mente das
pessoas, são uma tríade, a partir da qual podem ser melhor entendidos os processos de
significação (GIORDAN, 2007). Denominada de Categorias de Pensamento, essa tríade
Peirciana, ao considerar a sua relação com o elemento por si próprio, os signos podem ser
percebidos em três categorias a partir da fenomenologia: o signo em si - primeiridade; o
signo em sua relação com seus objetos - secundidade; e o signo e a relação com seus
interpretantes - terceiridade.

Primeiridade, que se refere à capacidade contemplativa do ser humano, o signo em si


mesmo. Este se faz indivisível e intransferível. Também chamada de ícone, nesta categoria
entram os aspectos qualitativos, ou seja, a primeira concepção, ou percepção inicial, pré-
reflexiva, semelhante a um sentimento ou sensação, inconsciente. Primeiridade é a

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categoria que dá à experiência a sua qualidade distintiva, frescor, originalidade irrepetível e
liberdade, segundo Santaella (1983).

A secundidade (ou índice) é caracterizada como a capacidade de distinguir e discriminar


experiências, ela ocorre após uma percepção inicial (um primeiro contato). Ela se baseia
naquilo que já é conhecido para que a reação dos fatos concretos ocorra. Enquanto a
pirmeiridade é a categoria do Ser, a secundidade refere-se à existência, é a qualidade. Para
Santaella (1983), ela é aquilo que dá caráter factual à experiência, de luta ou confronto,
razão ou lei.

A terceiridade é a interpretação do mundo, que nos faz conhecer algo mais. Ela vai referir-
se ao objeto por meio da associação de ideias construídas por uma convenção, como
exemplo do sinal vermelho de trânsito, o qual estabeleceu-se por meio de convenção social
que significaria PARE. Essa última parte da tríade diz respeito à capacidade que se tem de
interpretar algo que existe (secundidade) e é (primeiridade). Santaella (1983) vem dizer que
a terceiridade é quem vai aproximar um “primeiro” e um “segundo” numa síntese
intelectual. Assim, a compreensão mais simples da terceiridade é de um signo ou
representação e o modo como e onde estamos postos no mundo interfere diretamente nisso.
É nesta tríade que se enraízam as bases fenomenológicas para a Semiótica Peirciana.

O estilo gótico, barroco e apocalíptico, Zdzisław Beksiński, Obra sem título

Zdzisław Beksiński nasceu em 24 de fevereiro de 1929 , em uma pequena cidade do sudeste


chamada Sanok, na Polônia. Não é preciso pensar muito sobre a data de seu nascimento
para trazer à mente a tragédia iminente; a segunda Guerra Mundial.

Em 1939, quando o pequeno Beksiński tinha dez anos, a Polônia foi invadida pela
Alemanha nazista, apesar de ter acabado de assinar um pacto de não agressão com a Rússia
soviética — a invasão que desencadearia o cão infernal da guerra.

durante a invasão alemã muitas pessoas morreram, mas depois, e certamente com a contra-
invasão da Rússia, muitas outras morreram. Os soldados poloneses se renderam em outubro
de 1939 , depois de terem perdido 65.000 soldados e vários milhares de civis.

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Durante sua longa carreira, Zdzisław Beksiński trabalhou em muitos campos da arte:
escultura, fotografia, artes gráficas, desenho e, por último, mas não menos importante,
pintura.

Beksiński produzia suas pinturas e desenhos em um estilo que ele chamava ora de
“Barroco”, ora de “Gótico”. O primeiro era dominado pela representação, com os exemplos
mais conhecidos advindos de seu período de “realismo fantástico”, em que ele pintava
imagens perturbadoras de ambientes surrealísticos e atemorizantes. O segundo estilo é mais
abstrato, sendo dominado pela forma e tipificado pelas últimas pinturas do artista.

“As visões que ele pinta requerem intimidade. E ele pinta o que está mais escondido – o que
não tem nada a ver com a realidade. Em toda a pintura mundial, não há mais pinturas
comoventes sobre o tema da passagem do que as obras de Zdzisław Beksiński. Sua arte
hipnotiza. (Izabella Bodnar)

Beksiński disse que pinta seus sonhos. Se meus sonhos fossem assim, eu teria medo de
adormecer. Olhando para suas pinturas no Museu Sanok, vi morte e escuridão nelas.
Algumas das obras até despertaram em mim algum medo metafísico, tocaram zonas
dolorosamente profundas da minha alma que eu não queria examinar.

Zdzisław Beksiński nasceu em 1929 em Sanok. Depois de se formar na Universidade de


Tecnologia de Cracóvia, ele morou em Cracóvia e depois em Rzeszów. Ele trabalhava na
construção. Em 1955, ele voltou para sua cidade natal e começou a trabalhar na Sanok Bus
Factory “Autosan” como artista. Em 1964, o crítico Janusz Bogucki organizou uma
exposição das obras de Beksiński em Varsóvia, que se revelou um grande sucesso. Apesar
das críticas da vanguarda, todas as pinturas expostas foram vendidas. No final dos anos
1970, depois que as autoridades da cidade decidiram demolir a casa Beksiński, o artista
mudou-se para Varsóvia. Após a trágica morte de Beksiński (ele foi assassinado em 2005),
de acordo com seu testamento, toda a obra do artista foi transferida para o Museu Histórico
de Sanok, onde você pode admirar a maior coleção de suas obras. Ao longo das décadas, a
história de Beksiński confundiu-se com a severidade de suas visões apocalípticas e de
pesadelo, levantando a questão de saber se a vida imita a arte ou vice-versa. Beksiński
discute um pouco sobre o real significado de suas obras:

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“Todas as opiniões de que supostamente pinto sonhos vêm de
jornalistas. Na minha vida, talvez eu tenha tentado pintar um
sonho, um fragmento de um sonho na minha juventude. Mas eu
nunca uso sonhos. Talvez eu tenha dito na ocasião que tudo o que
tenho em comum com os surrealistas é esse método onírico de
criatividade. Nunca me pergunto por que estou pintando um
pássaro pousado no ombro de alguém, pode acontecer
espontaneamente, como em um sonho. Minha criação é fácil de
lidar. Se couber, deixe-o lá. Isso não significa nada.

Em 1977, Beksiński deixou Sanok e mudou-se para Varsóvia. Antes de se mudar, ele queima várias
de suas pinturas no quintal de sua casa, sem deixar vestígios de fotografias. Ele considera que
algumas dessas obras são “muito pessoais”, enquanto outras são, segundo ele, estranhas.
Perfeccionista, é capaz de sacrificar vários dias de trabalho e abandonar uma pintura quase acabada
para pintar outra inteiramente diferente, se não a considerar satisfatória.

Sem título (1984)

Entende-se que, Beksiński, não só nessa obra do ano de (1984) tomou a decisão de não
nomea-la, por simples recusa do autor. Decisão essa tomada com o intuito de não inflenciar
na leitura subjetiva do leitor. Ele queria evitar qualquer interpretação metafórica de suas
pinturas. Como artista, Beksiński era fascinado pela morte, decadência e escuridão. Mas
essas não eram suas únicas fascinações. Ele também era conhecido por seu interesse pelo
erotismo, abstracionismo e misticismo oriental. Aarte de Beksiński reflete uma psique
angustiada, uma manifestação de desespero e medo palpável que desafia qualquer
raciocínio lógico. Na verdade, o artista polonês recusou-se a intitular qualquer uma de suas
pinturas, para que sua arte não fosse sobrecarregada por análises e interpretações e, em vez
disso, fosse experimentada apenas por sua estética assombrosa e misteriosa. Agora, se eu
perguntasse qual é a sua pintura favorita de Beksiński, tenho certeza que a resposta seria
unânime: Sem título.

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Obra Sem título de Beksiński - análise

A analisar da Obra sem título de Beksiński com base na tríade Pierciana, foi possível graças
aos elementos que compõem o quadro sendo possível assim a leitura subjetiva de tais
característica, sendo essa análise, apesar de subjetiva, não menos crítica.

Tem-se na primeiridade um quadro simétrico em que as figurinhas as duas figuras estao


juntas (se abraçando) de forma equilibrada em um fundo laranja e simples. Em uma tela de
tamanho 98,5 x 101 cm

No campo da secundidade e possível analisar a melanco das figuras tragas a luz por
Beksiński, figuras essas as quais a vida se esvai. Trazem sentimentos como desesperança, o
vazio a solidão em um cenário aparentemente apocalíptico. Ele constrói um desespero
quase palpável e totalmente sem esperança.

Por fin no campo da terceiridade e possível analisar através dos corpos dos protagonista, a
desnutrição que empalidece os mesmos a armonia e o encaixe dos dois corpos da a entender
que são figuras que se entendem, se conhecem e se protegem. No cenário de sonho de
Beksiński paira a ideia de fim, uma sensação de pesadelo interminável um sofrimento
intratável, inconsolável.

Considerações finais

A semiose proproe uma visão distinta. Nós como sociedade nos organizamos e
desorganizamos dependendo do grau de respeito que temos uns com os outros. A
pluralidade de perspectivas adiciona a expectativa do que será criado ou como as
expressões artísticas ganharam interpretação dependendo de quem é em que contexto esse
indivíduo está.

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Dessa maneira, a análise crítica da obra não se limita a intenção do artista ou sua opinião
sobre a pintura. Assim, pode-se analisar de forma demasiadamente subjetiva e menos
objetiviva. Entende-se que, a semiose age de forma diferente em cada indivíduos e que as
intenções do autor pode acabar por divergindo das ideias do leitor. Tais análise seja dessa
ou de outras pinturas de Beksiński, não se limitam a somente uma visão de mundo
independente de qual seja a intenção inicial do autor, cada indivíduo carrega consigo uma
distinta bagagem Cultural. Esses por sua vez, são derivadas do ambiente onde vive e de
suas linguagem seja de forma metaforica ou literal. Beksiński, pontua:

“ não quero que uma cruz seja interpretada como um símbolo de redenção na
compreensão cristã porque me concentro na atmosfera, na música, no humor. Eu
percebo muito musicalmente, cada imagem. Talvez outros vejam de forma
diferente, ou talvez a percepção que têm da música seja diferente da minha... Eu
definitivamente nego o termo ‘arte simbólica’; Eu não defino algo para alguém. Um
mar pintado não é para ser o inconsciente coletivo de Carl Jung... Não pinto com
um dicionário de Mircea Eliade na outra mão. Quando crio, aparecem
associações simples. Associações de vários objetos colidem entre si, criando
um conteúdo aparente. Mas o conteúdo não é pretendido por
mim.”( Zdzisław Beksiński,1998)

Referências bibliográficas

The surreal artist that shunned convention and went his own way
https://medium.com/@jahernandez_writes/zdzis%C5%82aw-beksi%C5%84ski-
7b1cae8ec65b

Zdzisław Beksiński – Sem título (1984)


https://artschaft.com/2018/10/30/zdzislaw-beksinski-untitled-1984/

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As pinturas amaldiçoadas de Zdzisław Beksiński https://culture.pl/en/article/the-cursed-
paintings-of-zdzislaw-beksinski

GOIS, J.; GIORDAN, M. Semiótica na Química: a teoria dos signos de Peirce para
compreender a representação. Química Nova na Escola, nº7, p.34-42, 2007.

How Zdzisław Beksiński shows us more than mere reality


https://medium.com/@exploringdarkwoods/how-zdzis%C5%82aw-beksi%C5%84ski-shows-us-
more-than-mere-reality-379ef596a560

HODGE. Breve história da arte moderna um guia  de  bolso  para  os  principais  movimentos,
obras,  temas  e  técnicas.  São Paulo:  Gustavo Gili, 2019.

NÖTH, Winfried.Panorama da semiótica. De Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995-


Coleção E.____. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996-Coleção E.

PEIRCE, C. S. Collected papers of Charles Sanders Peirce. Ed. C. Hartshorne & P. Weiss - vol(s). I-
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SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

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