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Jose Henrique de Lacerda Furtado – Instituto Federal do Rio de Janeiro

Jordany Gomes da Silva – Universidade Federal de Pernambuco


Jucilene Oliveira de Sousa – Universidade Estadual de Campinas
Luana Lima Guimarães – Universidade Fede ral do Ceará
Luma Mirely de Souza Brandão – Universidade Tiradentes
Mateus Dias Antunes – Universidade de São Paulo
Milson dos Santos Barbosa – Universidade Tiradentes
Naiola Paiva de Miranda - Universidade Federal do Ceará
Rafael Leal da Silva – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Rita Rodrigues de Souza - Universidade Estadual Paulista
Rodrigo Lema Del Rio Martins - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Willian Douglas Guilherme - Universidade Federal do Tocantins

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CAPÍTULO 21
A SALA DE AULA NA PANDEMIA: QUESTÕES SOBRE O ENSINO REMOTO
'2,HGHSF
Darcilia Simões
Marcia da Gama Silva Felipe

RESUMO
Reflexões sobre o “novo normal” e seus impactos no processo de ensino e de aprendizagem. A
transferência da sala de aula para múltiplos lugares, com a mediação das tecnologias digitais:
professor e aluno através das telas de computadores, tabletes ou smartphones. As dificuldades
de ordem tecnológica e técnico-pedagógica: preparação de materiais com novas características.
Impacto social decorrente da necessidade de acesso à Internet: a) a inexistência de rede em
grande parte dos lugares; b) a dificuldade de aquisição de equipamento por parte dos alunos; c)
a dificuldade de manuseio dos recursos digitais pelos docentes; d) a ilusão de falta de controle
das faltas e da disciplina por parte do alunado; e) a instabilidade e a velocidade da rede mundial
de computadores e, por fim, f) questões relacionadas ao processo de avaliação. Subsidiaremos
nossa abordagem nas seguintes teorias: a relação dos signos e seus referentes (Peirce, 1990),
iconicidade (Simões, 2009-2019), Kress (2010) e Hallyday e Matthiessen (2004). Por meio
desse arcabouço teórico, buscamos refletir sobre o processo de leitura e suas bases semióticas;
a presença de signos icônicos nas interações (seja na relação face a face, seja nos materiais
utilizados); e nas particularidades da expressão humana analisadas na perspectiva sistêmico-
funcional. Essas três abordagens dialogam e subsidiam discussão do processo de aulas por meio
remoto.

PALAVRAS-CHAVE: ensino remoto; internet; leitura e compreensão; signos icônicos;


perspectiva sistêmico-funcional.

PALAVRAS INICIAIS

Sempre ouvimos falar de uma pandemia ocorrida entre 1918 e 1919. A gripe espanhola,
oriunda de uma mutação do vírus Influenza (H1N1), que se espalhou das aves para os humanos.
Suspeita-se que tenha sido originária da China, do Reino Unido ou dos Estados Unidos. A gripe
espanhola atingiu todos os continentes e deixou um saldo de, no mínimo, 50 milhões de mortos,
segundo palavras do Dr. Lauro Arruda Câmara Filho, no artigo “Gripe Espanhola: A Mãe Das
Pandemias”.

Passados cem anos, somos surpreendidos com uma nova pandemia originária da China
e, desta vez, supostamente causadas por morcegos. Tão agressiva quanto a gripe espanhola, a
gripe causada pelo Coronavírus (SARS-CoV-2) assolou todo o mundo e, no Brasil, ultrapassou
os 600 mil mortos. Arrastando-se desde 2020 (quando foi notificada), estamos hoje na terceira
(ou quarta?) onda de mutações do terrível vírus causador de insuficiência respiratória grave que,
se não combatida a tempo, leva a óbito.

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Por que esse preâmbulo com perfil de noticiário médico? Simplesmente pelo fato de que
a rotina mundial foi alterada com a intenção (ou tentativa) de controlar a difusão da doença,
promovendo, entre outras medidas, o isolamento das pessoas. Desse isolamento decorreu a
mudança drástica do modelo de ensino praticado: as escolas fecharam, e o ensino passou a ser
remoto, por meio digital. As salas de aula passaram a ser em qualquer lugar, desde que se tivesse
acesso às tecnologias digitais. Professor e aluno passam a comunicar-se através das telas de
computadores, tabletes ou smartphones.

O ensino remoto, seus problemas e soluções

As dificuldades de ordem tecnológica e técnico-pedagógica são muitas. Os docentes,


muitos considerados imigrantes digitais (Prensky, 2001).

Como devemos chamar esses “novos” alunos de hoje? Alguns se referem a eles como
N- [para Net] -gen ou D- [para digital] -gen. Mas a designação mais útil que encontrei
para eles é Nativos digitais. Nossos alunos hoje são todos “falantes nativos” da
linguagem digital de computadores, videogames e Internet. Então, o que isso significa
para o resto de nós? Aqueles de nós que não nasceram no mundo digital, mas, em
algum momento posterior de nossas vidas, ficamos fascinados e adotamos muitos ou
a maioria dos aspectos da nova tecnologia são, e sempre serão comparados a eles,
Imigrantes Digitais. (2001, p. 1-2)
Essa posição de Prensky foi muito criticada por estabelecer a divisão entre nativos
digitais e imigrantes digitais. Mas se trata de uma importante demarcação para que se pudesse
distinguir as diferenças comportamentais e culturais entre gerações. Posteriormente, o autor
repensa essa divisão e propõe o conceito de sabedoria digital, que é independente da data de
nascimento, mas decorre das experiências obtidas com o uso de equipamentos digitais. Entre
os jovens, jogos de computador, e-mail, Internet, telefones celulares e as mensagens
instantâneas são partes integrantes de suas vidas. A partir dessa diferença que propomos uma
gradação escalar da categoria: nativos digitais vs. imigrantes digitais (cf. Prensky, 2001).

Nativos digitais e imigrantes digitais são termos que explicam as diferenças culturais
entre os que cresceram na era digital e os que não. Os primeiros, por causa de sua experiência,
têm diferentes atitudes em relação ao uso da tecnologia. Segundo Prensky (2001, p. 1-2):

Nossos alunos hoje são todos “falantes nativos” da linguagem digital de


computadores, videogames e Internet.
Então, o que isso significa para o resto de nós? Aqueles de nós que não nasceram no
mundo digital, mas, em algum momento posterior de nossas vidas, ficamos fascinados
e adotamos muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia são, e sempre serão
comparados a eles, imigrantes digitais.
Essa afirmação dá suporte ao que entendemos como dificuldades vividas pelos
professores não apenas no que concerne à preparação de materiais com novas características,
mas principalmente ao manuseio dos equipamentos digitais. Percebe-se uma forte resistência

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de docentes mais velhos no que tange a operar com computadores – embora utilizem telefone
celular, esse uso fica restrito a fazer e receber chamadas –enquanto os nativos digitais (a geração
pós-digital) exploram todas as ferramentas disponíveis nos smartphones, fazendo destes sua
“própria casa”, pois ali vivem quase todo o dia, não se separam de tais aparelhos nem na hora
de tomar banho.

Uma vez vencida a barreira entre imigrantes digitais e tecnologias de informação e


comunicação (TIC), surge outro problema: a preparação de materiais apropriados a esse novo
modelo de ensino, em que professor e aluno não estão mais um diante do outro, senão pela
intermediação de uma telinha. A comunicação passa a ser diferente da que se fazia em sala de
aula presencial, e os livros didáticos deixam de ser principal material de apoio e dão lugar a
outros produtos: uns preparados pelo próprio docente, outros obtidos em buscas pela Internet.
Os blogs, os streamings, os vlogs, os podcasts, juntamente com cartuns, charges, histórias em
quadrinhos, tirinhas etc. passam a ser coadjuvantes bem mais presentes nas aulas do que nos
tempos presenciais.

Mas os problemas não acabam aí. É preciso considerar o impacto socioeconômico


decorrente da necessidade de acesso à Internet, desde a inexistência de rede em grande parte
dos lugares, passando pela qualidade do serviço atrelado ao custo, que impacta diretamente a
velocidade de conexão, até a instabilidade da rede mundial de computadores.

Quando as aulas eram presenciais, mesmo nos locais mais arrinconados, era possível
haver uma salinha de aula e um professor para atender a meninada. Falando em primeira pessoa,
eu mesma tive a oportunidade de ministrar aulas em escola de fazenda (Maricá/RJ) ou mesmo
em pico de morro (Cambuci/RJ). Relembrando essa experiência, fico imaginando como seria
hoje o atendimento àquela clientela, sem internet, sem equipamentos...

Atualmente, mesmo morando em grandes cidades, não temos uma Internet satisfatória.
Seja por hipossuficiência econômica para o custeio de um bom plano de conexão, seja pelas
frequentes quedas de sistema associadas aos picos de tensão elétrica tornam a rede instável,
prejudicando o trabalho, pois muitas vezes interrompem a aula. Por outro lado, mesmo nessas
cidades mais desenvolvidas, há locais sem acesso à rede, e o problema das aulas em
videoconferência se tornam impossíveis.

Voltemos à voz plural. Outro problema é a dificuldade de aquisição de equipamentos de


TIC por parte dos alunos. Muitos de nós afirmam que, em aulas presenciais, a maioria dos
alunos porta seu smartphone, a ponto de atrapalhar a aula. Todavia, essa característica é de cem

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por cento da turma? Esse comentário se aplicaria àquela clientela das escolas de fazenda ou de
picos de morro, por exemplo?

Docentes também se queixam da dificuldade de controle das faltas e da disciplina por


parte do alunado. Essas dificuldades podem se apresentar de forma distinta em salas de aula do
nível básico em relação às da graduação. De modo geral, plataformas como Moodle, Meet,
Zoom, entre outras, permitem a produção de listas de frequência. No entanto, a liberdade do
aluno em “entrar” ou “sair” da aula é amplificada, cabendo ao professor a decisão do registro
de presença. Mas esse “entra e sai” se traduz numa das dificuldades de controle de participação.
Quanto à disciplina, acreditamos que a própria circunstância exige do aluno a máxima atenção.
Os indisciplinados se bastam desligando a câmera para que o professor não observe suas ações.
O fato de ser a aula assemelhada a uma sessão de cinema (desculpem-nos o exagero!) faz com
que os alunos permaneçam na assistência e, os mais atentos, façam perguntas e tragam
exemplos. A despeito das especificidades de cada contexto, o que deve se destacar é a busca
pelo desenvolvimento de competências e habilidades que garantam a qualidade do ensino,
presencial ou remoto.

Outra questão a considerar, é o processo de avaliação. O docente terá de fazer opções,


pois as ferramentas já citadas, assim como o Google, oferecem opções de formulários que
resolvem a questão da avaliação, pois podem ser individuais ou não, têm a opção de apresentar
gabarito após a prova etc. No Moodle, por exemplo, é possível marcar tarefas com tempo
determinado. Desta forma, o docente no modelo digital tem muitas ferramentas a seu favor para
auxiliar no processo de avaliação.

Nesse cenário de possibilidades, torna-se imprescindível a adequação das atividades


propostas pelos docentes aos desafios semióticos dos textos próprios ao ambiente virtual. O
modelo remoto de ensino, muito mais que o presencial, demanda uma abordagem semiótica na
preparação do material didático. Razão pela qual trazemos ao texto as contribuições de
importantes teorias que se complementam no trabalho com o signo linguístico.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS COADJUVANTES

Importante ressaltar que todo o trabalho docente deve ser alicerçado em fundamentos
teóricos, por meio dos quais organizamos nossos planejamentos de forma a facilitar os
processos de ensino e de aprendizagem.

A primeira teoria que chamamos à conversa é a relação dos signos e seus referentes
proposta por Charles Sanders Peirce quando da formulação de sua teoria semiótica. Trata-se da

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segunda tricotomia, por meio da qual o signo mantém algum caráter em si mesmo ou alguma
relação com um interpretante (Peirce, 1990, p. 51). O interpretante consiste em dado ou
conjunto de dados culturais que permitem traduzir o signo (seu representâmen), mediante a
presença de um referente (objeto).

Podemos chamar à cena, por exemplo, os ícones, para representar substantivos. Estes
podem ser entes ou seres existentes ou fictícios, como sapato, casa, oceano (existentes); ou
sereia, centauro, unicórnio (fictícios). Na representação de adjetivos, em geral se buscam os
existentes, pois estes servem de meios de comparação: belo, maravilhoso, grande, alto (sentido
positivo); monstruoso, horrendo, terrível (sentido negativo). Para representar verbos, dividimo-
los em (a) de movimento: andar, correr, saltar, comer, beber; (b) sem movimento: parar, dormir,
morrer, olhar; (c) relacionais: ser, estar, parecer permanecer etc.

É bastante produtiva a associação da teoria dos signos com a teoria da transitividade


verbal proposta por Halliday e Matthiessen. A linguística sistêmico funcional (LSF) vem
subsidiando teórica e metodologicamente a análise de questões relacionadas às escolhas
lexicogramaticais, semânticas e contextuais. Segundo Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 9),
a concepção de transitividade, nos estudos gramaticais, refere-se ao “[...] ao grau de completude
sintático-semântica dos itens lexicais empregados na codificação linguística de eventos, de
acordo com diversas possibilidades de transferência de uma atividade de um agente para um
paciente”. Dialogando com a tricotomia dos signos (Peirce), temos que a completude semântica
pode ser realizada mediante a iconicidade do signo; em outras palavras, quanto maior a
representatividade do signo, do ponto de vista de sua materialidade, maior será o seu potencial
de completude semântica.

Para o funcionalismo, “A iconicidade é um princípio pelo qual se considera que existe


uma relação não-arbitrária entre forma e função, ou entre código e mensagem na linguagem
humana.” (NEVES, 2001, p. 103)

Na teoria da iconicidade verbal,

Trata-se de uma propriedade semiótica fundada na plasticidade — propriedade da


matéria de adquirir formas sensíveis por efeito de uma força exterior (SIMÕES, 2017,
p. 49). Tal atributo pode ser estendido ao plano abstrato, uma vez que a capacidade
cognitiva humana confere à faculdade da imaginação a condição de uma fábrica de
imagens de entes e seres reais ou fictícios. (SIMÕES, 2019, p. 91-92)
A iconicidade é, portanto, um valor semiótico que interessa tanto à teoria dos signos
quanto ao funcionalismo. Numa e noutra perspectivas, o elemento icônico é um marco de
orientação da leitura, pois demarca o campo semântico em que se inscrevem tanto os itens

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léxicos quanto as figuras.

A partir dos estudos da iconicidade pode-se chegar à transitividade, uma vez que essa
categoria decorre de a potencialidade de um signo dialogar com outro que o antecede ou sucede,
completando assim seu valor semântico-pragmático, social, cognitivo.

Por exemplo, numa frase como <Você é o sol de minha vida, por isso nunca estarei no
escuro>, a materialidade presente no signo <sol> dispensa qualquer explicação acerca de
<nunca estarei no escuro>. Observe-se que há uma transitividade negativa imanente entre
<sol> e <escuro> a partir da qual se deduz o significado do período. Importante destacar que,
na vertente funcionalista, a noção de transitividade é atribuída a outros componentes oracionais,
diferentemente da gramática tradicional que reduz a transitividade aos verbos.

Assim complementam as estudiosas:

[...] estudos que se filiam ao funcionalismo buscam identificar múltiplas


possibilidades de manifestação da transitividade em contextos variados de uso da
língua, averiguando motivações funcionais (semântico-pragmáticas, sociais,
cognitivas) subjacentes a cada situação. (FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2011, p.
10)
Considerando que o trabalho em aulas por meio digital lança mão de muitos recursos
visuais, preferencialmente multimodais, cumpre observar que a interpretação dos signos que
compõem esse texto multissígnico precisa considerar não apenas a tipologia sígnica (ícone,
índice e símbolo), mas especialmente o potencial de transitividade construído entre eles de
modo a compor uma mensagem efetivamente interpretável. Convém esclarecer que quando
falamos de ícones presentes nos textos, na verdade estamos nos referindo a hipoícones, ou
ícones de segunda geração. Isto porque a primeira geração dos ícones se dá no interior das
mentes. Assim sendo, levando em conta o tipo de primeiridade que se manifesta no hipoícone.
Peirce assim divide os hipoícones: a) imagens: os que participam das qualidades simples
(figurativas, análogas), diagramas (representam relações, mapas, tabelas etc.) e metáforas
(paralelismo com outras coisas).

Discutindo os tipos no exemplo a seguir.

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Figura 1 – Pinóquio e a máscara

In https://midia.gruposinos.com.br/_midias/jpg/2021/02/28/nh_gabriel_renner_01_03-19485436.jpg

Os objetos do cenário são todos hipoícones do tipo imagem, pois são análogos às coisas
que representam. As personagens são hipoícones do ponto de vista da representação das figuras
da história infantil, e são metáforas na representação de ações humanas.

Quanto ao texto verbal, temos que a mensagem do Grilo Falante é clara, pois,
primeiramente traz uma crítica irônica ao uso da máscara pelos humanos: é frequente
presenciarmos pessoas com a máscara cobrindo apenas a boca, e outras com a máscara no
queixo! Em seguida, a charge dialoga com a imagem do Pinóquio de modo objetivo. A
transitividade do verbo usar combinada com a da expressão <pra dentro da máscara>, que, por
sua vez, é icônico-indicial, pois o nariz é icônico da parte do corpo que deve ser coberta junto
com a boca; <pra dentro> é uma expressão adverbial indicial por apontar o local adequado ao
uso da máscara. Em síntese, o que se pretende com esse exemplo é demonstrar que é preciso
explicitar as formas como as pessoas empregam recursos visuais de sentido de modos
particulares para buscarem determinados efeitos na sua audiência (cf. KRESS, 2008, p. 174).
Nascimento, Bezerra e Heberle (2011, p. 530) asseveram que

por exemplo, a distribuição do texto em colunas, bem como o uso de linhas e marcas
gráficas são utilizados para evidenciar a distribuição da informação em blocos
temáticos e orientar a leitura. Já recursos tipográficos, como fonte, negrito ou uso de
cor, servem para salientar determinados elementos ou criar efeitos de sentido
particulares: por exemplo, fontes serifadas, como a Times New Roman, podem
remeter a contextos jornalísticos. Além disso, escolhas na cor da fonte podem
estabelecer afiliações com determinados grupos sociais (rosa, com o universo
feminino; variedade de cores, com diversidade ou orientações híbridas).
Destarte, nos textos multimodais (e quase cem por cento dos textos o são) tudo significa.
Voltando à charge do Pinóquio, percebe-se a presença de signos icônicos como: martelo,
serrote, torno etc. que representam o fazer (marceneiro-artesão) do autor do boneco falante. O
Grilo Falante, apesar de ser um animal pequeno, representa um ser adulto, por isso busca ensinar
algo ao “menino de madeira”, Pinóquio.

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A LSF utiliza a nomenclatura metafunções e os autores explicam o porquê dessa opção:
as metafunções surgem das condições contextuais em que os discursos acontecem,
considerando a situação de comunicação – é o contexto de situação. Hasan (1989) aponta três
variáveis: campo (o que acontece), relações (com quem acontece) e modo (como acontece).
Tudo isso se desenvolve e se define num contexto mais amplo (contexto de cultura) que abrange
crenças, valores e práticas de uma comunidade. Ambas as variáveis – a da situação e a da cultura
– influenciam as escolhas e os propósitos comunicativos dos usuários da linguagem, que “é
usada como instrumento de ação, materializado nas escolhas linguísticas que cada falante
precisa fazer, tendo de considerar sempre o conjunto de variáveis contextuais que condicionam
a comunicação” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 26).

Voltando à charge do Pinóquio, pode-se dela extrair como contexto de situação o uso
da máscara como sendo obrigatório e tendo uma forma de uso pré-determinada. Quanto ao
contexto cultural, fica óbvia a situação da pandemia do Coronavírus, a partir da qual todos
devemos usar máscara, cobrindo a boca e o nariz, que são dutos de ingresso do Covid-19.

Observando-se a iconicidade na charge em análise, temos: a) do ponto de vista


funcional, um comando, uma ordem a ser cumprida; b) do ponto de vista da teoria da
iconicidade verbal (SIMÕES, 2019), os itens léxicos <tem que / usar / nariz/ dentro/ máscara>
como itens icônicos-indiciais porque além de designar referentes, apontam para uma ordem em
que devem ser articulados quanto ao uso empírico. Vamos à teoria:

Entendemos que a compreensão de textos procede de uma negociação entre imagens


mentais construídas por um enunciador e reconstruídas por um coenunciador (leitor
ou intérprete). Tais imagens são traduzidas em signos verbais e não verbais
combinados na cadeia falada (quando o texto é oral) e na folha de papel (no caso do
texto escrito). Essa produção sígnica constrói uma entidade plástica (sonora ou visual)
cuja imagem pode ser identificada por interlocutores dotados de competências e
habilidades de enfrentamento do signo e de captura de suas funções e valores. Na
tríade ícone, índice e símbolo, funções e valores emergem de sua potencialidade
expressivo-sugestiva. (SIMÕES, 2019, p. 91)
Segundo essa perspectiva, ao apreciar a charge, é mister interpretar o diálogo que se
constrói entre os itens léxicos e os itens imagéticos. Figuras e palavras (ou expressões)
compõem o texto multimodal e devem ser lidas em conjunto para que se torne possível a
compreensão da mensagem.

Devido ao atual predomínio dos textos digitais, a realidade vivenciada por nossos alunos
e por nós exige ações imediatas no sentido de compreender como texto verbal e imagens
realizam significados culturais (MOTTA-ROTH; NASCIMENTO, 2009, p. 320) uma vez que
dialogam, já que esses recursos semióticos não devem ser vistos como responsáveis por cumprir

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funções isoladas, mas que, ao contrário, compartilham princípios comuns (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2001, p. 2).

PARA ARREMATAR O PENSAMENTO

Neste artigo, procuramos levantar problemas que vêm assombrando alunos e


professores nesse “novo normal”, em que as práticas didáticas e pedagógicas “foram expulsas”
das salas de aula e saíram a buscar novos espaços, uma vez que não podiam deixar de acontecer.
A formação intelectual dos sujeitos é indispensável para seu crescimento moral juntamente com
a educação trazida de casa, recebida de seus pais ou responsáveis.

Não há como substituir a educação formal. Profissionais habilitados nas diversas


disciplinas não podem transferir sua atuação para leigos. Por isso, instâncias educacionais
buscaram criar meios e modos que viessem a oportunizar a realização das aulas em outros
ambientes.

O concurso da internet e das ferramentas digitais nascidos das tecnologias de informação


e comunicação (as TICs) são hoje os coadjuvantes de professores e alunos na realização das
aulas e na execução de tarefas. Mesmo considerando as dificuldades enfrentadas pelos
imigrantes digitais (professores mais velhos ou avessos às tecnologias), ocorreram situações
inusitadas tais como a descoberta por esses docentes de que o mundo da tecnologia é também
produtivo e, de alguma forma, muito útil.

Ao lado das TICs temos teorias semióticas e linguísticas que oferecem suporte para esse
trabalho multimodal emergente das aulas por meio remoto. Temos tido oportunidade de
ministrar aulas por intermédio do sistema Moodle, que oferece inúmeras ferramentas didático-
pedagógicas, de grande valia. Também temos operado com os sistemas Meet e Zoom, de mais
fácil manuseio que o Moodle, porém como menos recursos, ainda que os de que dispõem sejam
suficientes para a realização das aulas, incluindo a possibilidade de gravação.

Na perspectiva teórica, temos buscado articular a teoria dos signos (PEIRCE), à


sistêmico funcional (HALLIDAY), à multimodalidade (KRESS, VAN LEEWEN) e a teoria da
iconicidade (SIMÕES), construindo assim um edifício teórico bastante amplo no que concerne
à leitura de textos seja no seu componente verbal seja no não verbal. Dessa forma, temos tentado
demonstrar como explorar, por exemplo, uma charge (como modelo de texto sincrético ou
multimodal), no sentido de deixar sugestão para a abordagem de materiais desse tipo nas
classes.

Aristóteles (a teoria do Empirismo) acreditava que a mente adquire conhecimento por

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meio das experiências vividas, admitindo, assim, dois tipos de experiências: a da sensação e a
da reflexão. As primeiras são sensoriais (diretas com objetos físicos presentes no ambiente, são
simples impressões do sentido), e registram, na mente, marcas das impressões experimentadas
e que embasarão futuras aprendizagens. As segundas advêm das impressões sensoriais que
formam um reservatório de impressões sensoriais, a partir das quais a mente vai refletir sobre
as coisas (existentes ou fictícias). Nessa linha de raciocínio, acreditamos que as relações
sistemáticas, orientadas, com os textos (de qualquer natureza) permitirão o desenvolvimento de
competências e habilidades de percepção e interpretação, as quais são a base de formação do
leitor.

O empirismo defende que toda a nossa estrutura cognitiva é formada com base na
experiência prática, de modo que, quanto mais vastas, intensas e ricas as nossas experiências,
mais amplo e profundo torna-se o nosso conhecimento. Aristóteles já defendia que o
conhecimento advém da experiência, contrariando as teses platônicas, que eram essencialmente
inatistas.

Em tempos de pandemia, no contexto “escolar”, há que se desenvolver o


multiletramento — competência da ler com compreensão textos construídos com tipos sígnicos
variados —, para poder enfrentar os textos multimodais emergentes do mundo digital,
sobretudo. Quanto ao contexto geral, ler o ambiente, o cenário que nos envolve, é fundamental,
é base de preservação da vida.

Finalizando, deixamos aqui uma mensagem de encorajamento aos colegas professores


no sentido de que as aulas não presenciais podem ser tão produtivas e dinâmicas quanto
qualquer outro tipo de aula. A coadjuvância dos computadores, tabletes ou smartphones veio
para somar. Não se intimidem diante das TICs. Assim como conseguimos migrar dos telefones
antigos, com fio e linha fixa, para os telefones portáteis, celulares, também conseguimos migrar
para o ensino remoto decorrente dos tempos pandêmicos.

Assim como importamos um vírus tão letal, podemos exportar competência técnico-
pedagógica para nossa realização e para sucesso de nossos alunos.

REFERÊNCIAS

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