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CAPÍTULO 21
A SALA DE AULA NA PANDEMIA: QUESTÕES SOBRE O ENSINO REMOTO
'2,HGHSF
Darcilia Simões
Marcia da Gama Silva Felipe
RESUMO
Reflexões sobre o “novo normal” e seus impactos no processo de ensino e de aprendizagem. A
transferência da sala de aula para múltiplos lugares, com a mediação das tecnologias digitais:
professor e aluno através das telas de computadores, tabletes ou smartphones. As dificuldades
de ordem tecnológica e técnico-pedagógica: preparação de materiais com novas características.
Impacto social decorrente da necessidade de acesso à Internet: a) a inexistência de rede em
grande parte dos lugares; b) a dificuldade de aquisição de equipamento por parte dos alunos; c)
a dificuldade de manuseio dos recursos digitais pelos docentes; d) a ilusão de falta de controle
das faltas e da disciplina por parte do alunado; e) a instabilidade e a velocidade da rede mundial
de computadores e, por fim, f) questões relacionadas ao processo de avaliação. Subsidiaremos
nossa abordagem nas seguintes teorias: a relação dos signos e seus referentes (Peirce, 1990),
iconicidade (Simões, 2009-2019), Kress (2010) e Hallyday e Matthiessen (2004). Por meio
desse arcabouço teórico, buscamos refletir sobre o processo de leitura e suas bases semióticas;
a presença de signos icônicos nas interações (seja na relação face a face, seja nos materiais
utilizados); e nas particularidades da expressão humana analisadas na perspectiva sistêmico-
funcional. Essas três abordagens dialogam e subsidiam discussão do processo de aulas por meio
remoto.
PALAVRAS INICIAIS
Sempre ouvimos falar de uma pandemia ocorrida entre 1918 e 1919. A gripe espanhola,
oriunda de uma mutação do vírus Influenza (H1N1), que se espalhou das aves para os humanos.
Suspeita-se que tenha sido originária da China, do Reino Unido ou dos Estados Unidos. A gripe
espanhola atingiu todos os continentes e deixou um saldo de, no mínimo, 50 milhões de mortos,
segundo palavras do Dr. Lauro Arruda Câmara Filho, no artigo “Gripe Espanhola: A Mãe Das
Pandemias”.
Passados cem anos, somos surpreendidos com uma nova pandemia originária da China
e, desta vez, supostamente causadas por morcegos. Tão agressiva quanto a gripe espanhola, a
gripe causada pelo Coronavírus (SARS-CoV-2) assolou todo o mundo e, no Brasil, ultrapassou
os 600 mil mortos. Arrastando-se desde 2020 (quando foi notificada), estamos hoje na terceira
(ou quarta?) onda de mutações do terrível vírus causador de insuficiência respiratória grave que,
se não combatida a tempo, leva a óbito.
Como devemos chamar esses “novos” alunos de hoje? Alguns se referem a eles como
N- [para Net] -gen ou D- [para digital] -gen. Mas a designação mais útil que encontrei
para eles é Nativos digitais. Nossos alunos hoje são todos “falantes nativos” da
linguagem digital de computadores, videogames e Internet. Então, o que isso significa
para o resto de nós? Aqueles de nós que não nasceram no mundo digital, mas, em
algum momento posterior de nossas vidas, ficamos fascinados e adotamos muitos ou
a maioria dos aspectos da nova tecnologia são, e sempre serão comparados a eles,
Imigrantes Digitais. (2001, p. 1-2)
Essa posição de Prensky foi muito criticada por estabelecer a divisão entre nativos
digitais e imigrantes digitais. Mas se trata de uma importante demarcação para que se pudesse
distinguir as diferenças comportamentais e culturais entre gerações. Posteriormente, o autor
repensa essa divisão e propõe o conceito de sabedoria digital, que é independente da data de
nascimento, mas decorre das experiências obtidas com o uso de equipamentos digitais. Entre
os jovens, jogos de computador, e-mail, Internet, telefones celulares e as mensagens
instantâneas são partes integrantes de suas vidas. A partir dessa diferença que propomos uma
gradação escalar da categoria: nativos digitais vs. imigrantes digitais (cf. Prensky, 2001).
Nativos digitais e imigrantes digitais são termos que explicam as diferenças culturais
entre os que cresceram na era digital e os que não. Os primeiros, por causa de sua experiência,
têm diferentes atitudes em relação ao uso da tecnologia. Segundo Prensky (2001, p. 1-2):
Quando as aulas eram presenciais, mesmo nos locais mais arrinconados, era possível
haver uma salinha de aula e um professor para atender a meninada. Falando em primeira pessoa,
eu mesma tive a oportunidade de ministrar aulas em escola de fazenda (Maricá/RJ) ou mesmo
em pico de morro (Cambuci/RJ). Relembrando essa experiência, fico imaginando como seria
hoje o atendimento àquela clientela, sem internet, sem equipamentos...
Atualmente, mesmo morando em grandes cidades, não temos uma Internet satisfatória.
Seja por hipossuficiência econômica para o custeio de um bom plano de conexão, seja pelas
frequentes quedas de sistema associadas aos picos de tensão elétrica tornam a rede instável,
prejudicando o trabalho, pois muitas vezes interrompem a aula. Por outro lado, mesmo nessas
cidades mais desenvolvidas, há locais sem acesso à rede, e o problema das aulas em
videoconferência se tornam impossíveis.
Importante ressaltar que todo o trabalho docente deve ser alicerçado em fundamentos
teóricos, por meio dos quais organizamos nossos planejamentos de forma a facilitar os
processos de ensino e de aprendizagem.
A primeira teoria que chamamos à conversa é a relação dos signos e seus referentes
proposta por Charles Sanders Peirce quando da formulação de sua teoria semiótica. Trata-se da
Podemos chamar à cena, por exemplo, os ícones, para representar substantivos. Estes
podem ser entes ou seres existentes ou fictícios, como sapato, casa, oceano (existentes); ou
sereia, centauro, unicórnio (fictícios). Na representação de adjetivos, em geral se buscam os
existentes, pois estes servem de meios de comparação: belo, maravilhoso, grande, alto (sentido
positivo); monstruoso, horrendo, terrível (sentido negativo). Para representar verbos, dividimo-
los em (a) de movimento: andar, correr, saltar, comer, beber; (b) sem movimento: parar, dormir,
morrer, olhar; (c) relacionais: ser, estar, parecer permanecer etc.
A partir dos estudos da iconicidade pode-se chegar à transitividade, uma vez que essa
categoria decorre de a potencialidade de um signo dialogar com outro que o antecede ou sucede,
completando assim seu valor semântico-pragmático, social, cognitivo.
Por exemplo, numa frase como <Você é o sol de minha vida, por isso nunca estarei no
escuro>, a materialidade presente no signo <sol> dispensa qualquer explicação acerca de
<nunca estarei no escuro>. Observe-se que há uma transitividade negativa imanente entre
<sol> e <escuro> a partir da qual se deduz o significado do período. Importante destacar que,
na vertente funcionalista, a noção de transitividade é atribuída a outros componentes oracionais,
diferentemente da gramática tradicional que reduz a transitividade aos verbos.
In https://midia.gruposinos.com.br/_midias/jpg/2021/02/28/nh_gabriel_renner_01_03-19485436.jpg
Os objetos do cenário são todos hipoícones do tipo imagem, pois são análogos às coisas
que representam. As personagens são hipoícones do ponto de vista da representação das figuras
da história infantil, e são metáforas na representação de ações humanas.
Quanto ao texto verbal, temos que a mensagem do Grilo Falante é clara, pois,
primeiramente traz uma crítica irônica ao uso da máscara pelos humanos: é frequente
presenciarmos pessoas com a máscara cobrindo apenas a boca, e outras com a máscara no
queixo! Em seguida, a charge dialoga com a imagem do Pinóquio de modo objetivo. A
transitividade do verbo usar combinada com a da expressão <pra dentro da máscara>, que, por
sua vez, é icônico-indicial, pois o nariz é icônico da parte do corpo que deve ser coberta junto
com a boca; <pra dentro> é uma expressão adverbial indicial por apontar o local adequado ao
uso da máscara. Em síntese, o que se pretende com esse exemplo é demonstrar que é preciso
explicitar as formas como as pessoas empregam recursos visuais de sentido de modos
particulares para buscarem determinados efeitos na sua audiência (cf. KRESS, 2008, p. 174).
Nascimento, Bezerra e Heberle (2011, p. 530) asseveram que
por exemplo, a distribuição do texto em colunas, bem como o uso de linhas e marcas
gráficas são utilizados para evidenciar a distribuição da informação em blocos
temáticos e orientar a leitura. Já recursos tipográficos, como fonte, negrito ou uso de
cor, servem para salientar determinados elementos ou criar efeitos de sentido
particulares: por exemplo, fontes serifadas, como a Times New Roman, podem
remeter a contextos jornalísticos. Além disso, escolhas na cor da fonte podem
estabelecer afiliações com determinados grupos sociais (rosa, com o universo
feminino; variedade de cores, com diversidade ou orientações híbridas).
Destarte, nos textos multimodais (e quase cem por cento dos textos o são) tudo significa.
Voltando à charge do Pinóquio, percebe-se a presença de signos icônicos como: martelo,
serrote, torno etc. que representam o fazer (marceneiro-artesão) do autor do boneco falante. O
Grilo Falante, apesar de ser um animal pequeno, representa um ser adulto, por isso busca ensinar
algo ao “menino de madeira”, Pinóquio.
Voltando à charge do Pinóquio, pode-se dela extrair como contexto de situação o uso
da máscara como sendo obrigatório e tendo uma forma de uso pré-determinada. Quanto ao
contexto cultural, fica óbvia a situação da pandemia do Coronavírus, a partir da qual todos
devemos usar máscara, cobrindo a boca e o nariz, que são dutos de ingresso do Covid-19.
Devido ao atual predomínio dos textos digitais, a realidade vivenciada por nossos alunos
e por nós exige ações imediatas no sentido de compreender como texto verbal e imagens
realizam significados culturais (MOTTA-ROTH; NASCIMENTO, 2009, p. 320) uma vez que
dialogam, já que esses recursos semióticos não devem ser vistos como responsáveis por cumprir
Ao lado das TICs temos teorias semióticas e linguísticas que oferecem suporte para esse
trabalho multimodal emergente das aulas por meio remoto. Temos tido oportunidade de
ministrar aulas por intermédio do sistema Moodle, que oferece inúmeras ferramentas didático-
pedagógicas, de grande valia. Também temos operado com os sistemas Meet e Zoom, de mais
fácil manuseio que o Moodle, porém como menos recursos, ainda que os de que dispõem sejam
suficientes para a realização das aulas, incluindo a possibilidade de gravação.
O empirismo defende que toda a nossa estrutura cognitiva é formada com base na
experiência prática, de modo que, quanto mais vastas, intensas e ricas as nossas experiências,
mais amplo e profundo torna-se o nosso conhecimento. Aristóteles já defendia que o
conhecimento advém da experiência, contrariando as teses platônicas, que eram essencialmente
inatistas.
Assim como importamos um vírus tão letal, podemos exportar competência técnico-
pedagógica para nossa realização e para sucesso de nossos alunos.
REFERÊNCIAS
KRESS, G. Genres and the multimodal production of Scientificness. In: JEWITT, C.; KRESS,
G. Multimodal literacy. New York: Peter Lang, 2008. p. 173-186.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Multimodal discourse: the modes and media of
contemporary communication. London/UK: Hodder Arnold, 2001.