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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


Introdução ao Uso de Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação
MEN5911 2020/2 - Profª Andrea Lapa
.
RESENHA DO ARTIGO “CULTURA DIGITAL, EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E O LUGAR DA
ESCOLARIZAÇÃO”

BUCKINGHAM, David. Cultura digital, educação midiática e o lugar da escolarização.


Educação & Realidade, v. 35, n. 3, p. 37-58, 2010.

Resenha por Luiza Lese Pereira

David Buckingham, uma das principais referências mundiais nos estudos das
relações entre crianças e jovens com as mídias eletrônicas e em educação midiática, é
professor emérito da Loughborough University, Inglaterra, professor visitante no King’s
College London e fundador do Centro para o Estudo de Crianças, Jovens e Mídia (Centre
for the Study of Children, Youth and Media) da London University.¹

O artigo de Buckingham (2010) aqui discutido foi originalmente publicado em 2007


como um capítulo do livro Grenzenlose Cyberwelt?², sendo posteriormente traduzido e
publicado na revista acadêmica Educação & Realidade. Em seu trabalho, ele busca
discutir a respeito de alguns desafios das culturas digitais emergentes que adentram as
escolas através dos jovens e o(s) possível(s) futuro(s) da educação. A obra divide-se em
seis partes.

O autor inicia a obra resgatando de suas memórias o momento em que chegaram


os primeiros microcomputadores em escolas britânicas, nos anos de 1970, sendo seu
primeiro contato com estas máquinas no final da década, enquanto trabalhava na escola
secundária North London. Alguns anos depois, envolveu-se num projeto de pesquisa
denominado telesoftware, onde constatou uma situação antagônica: de um lado, a maioria
do corpo docente não demonstrou interesse na tecnologia em desenvolvimento; por outro,
estudantes de sua turma de Estudos de Mídia encontravam-se animadas com a novidade.
O sentimento acerca da nova tecnologia dividia opiniões. À época, era o momento em que
crianças e jovens tinham os primeiros contatos com esta. Porém, diferente do que alguns
pensavam e/ou defendiam, as tecnologias não subsituíram a instituição escolar. Além
disso, as crianças e jovens do século XXI têm seu primeiro contato com as tecnologias
digitais fora do contexto escolar.

Na primeira seção, ‘Por que Nada de Revolução Tecnológica?’, o autor reflete, a


partir do trabalho de Larry Cuban (1986), sobre as visões da utopia tecnológica, cujos
defensores exaltam o potencial tecnológico e revolucionário da tecnologia emergente, e
de como elas tendem a não se realizar. Em relação ao uso destas tecnologias na prática
docente, ele aborda outro estudo de Cuban (2001), no qual mostra que há uma certa
resistência por parte da maioria dos(as) professores(as) em usá-las. Outros estudos têm
demonstrado resultados semelhantes: docentes céticos e investimento em tecnologias
incerto. Por fim, argumenta que o debate acerca das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) na educação encontra-se muito polarizado entre aqueles que as
defendem e aqueles que as contestam.

Na seção seguinte, o autor aponta para o que denomina de Infâncias digitais ー a


realidade contemporânea de crescer rodeado por tecnologias. As tecnologias digitais
tiveram impactos ambíguos e significativos nas concepções de infância, principalmente
em relação às suas experiências midiáticas. No entanto, Buckingham (2010) alerta para
os perigos da noção da geração digital, argumentando sobre os riscos de cair num
determinismo tecnológico, ou seja, na ideia “de que a tecnologia traga mudanças sociais
ou psicológicas, a despeito de como e por quem é usada” (BUCKINGHAM, 2010), ou de
generalizar os jovens, ignorando suas diferenças e singularidades. Soma-se a isso a
questão do uso dessa nova mídia. Com base em diversos estudos da área, do começo
dos anos 2000, o autor argumenta que a maioria das pessoas, especialmente jovens, têm
uma relação utilitarista com as tecnologias. Ou seja, preocupam-se mais em como
utilizá-las do que na tecnologia em si. Destaca-se, também, o fato de que a maioria dos
jovens experiencia as tecnologias no contexto que chama de cultura tecnopopular. Este
termo refere-se ao leque de atividades realizadas por crianças e jovens fora do ambiente
escolar. Já nas escolas, o uso da Internet por eles é mínima ou inexistente.

Mas é importante salientar que o autor se baseia em dados de um período


anterior a 2010. De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019³ – feita com
crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos e seus pais e/ou responsáveis –, 82% destes
vivem em domicílios com acesso à internet, sendo a principal atividade realizada assistir a
vídeos, programas, filmes ou séries (83%), seguido por pesquisar na Internet para fazer
trabalhos escolares (76%). Nos últimos anos, cada vez mais o celular tornou-se a forma
principal para acessar à Internet. Além disso, apenas 32% dos(as) estudantes acessam a
Internet nas escolas. Estes dados vão de encontro com o alerta do autor sobre o divisor
digital: um abismo que há entre a cultura da escola e a cultura das crianças.

A seguir, em ‘Criar conexões?’, ele traz para o debate o uso de jogos de


computador na educação, resultando no que o autor denomina de edutenimento, uma
mistura híbrida de educação e entretenimento que baseia-se em materiais semelhantes a
games. Ele cita diversas tentativas desenvolvidas no começo do século, porém os
materiais não foram atraentes aos jovens. Dessa forma, não basta enfeitar os materiais
pedagógicos, alegrar as práticas pedagógicas; é preciso ir além, pensando de forma
crítica e completa.

Após, o autor trata ‘Quanto ao letramento digital’, termo que está em alta desde
seu surgimento, nos anos 1980, mas que, atualmente, segue sendo definido de uma
forma essencialmente funcional. Além disso, a maioria dos debates acerca do tema
centram-se na questão da informação. Concomitantemente, têm sido desenvolvidas
noções mais críticas deste letramento. Em um trabalho anterior, o autor aponta para
quatro elementos conceituais essenciais no que denomina letramento midiático:
representação, língua, produção e audiência (Buckingham, 2003).

Já em ‘Escrevendo a Mídia Digital', o autor discute sobre o papel da escrita nas


mídias. Inicialmente, ele relata experiências de docentes de diferentes áreas que
utilizaram programas de multimídia para auxiliar na aprendizagem de estudantes. Porém,
apesar de interessantes, as práticas nem sempre refletem em uma educação midiática.
Dessa forma, ele critica a prática de adicionar o letramento midiático ou digital nos
currículos escolares, sem antes fazer uma reflexão ampla e comprometida com o contexto
moderno atual acerca do conceito de letramento, tendo em vista que são múltiplos.

Por fim, conclui reafirmando que as TICs não conseguiram substituir a escola,
pois mais do que um ambiente institucionalizado de ensino, age também como um espaço
para socialização e até como agência de cuidado. Esse é um aspecto que ficou
demasiadamente explícito devido ao isolamento social que vivemos. A pandemia também
escancarou as desigualdades de acesso à tecnologia. Dessa forma, é urgente que a
escola atue de modo a ampliar o acesso à estas. Não basta fornecer as tecnologias, é
preciso discutir e repensar sobre aprendizagem, comunicação e cultura.
Referências

¹ https://davidbuckingham.net/about/

² BUCKINGHAM, David. Digital culture, Media education and the Place of Schooling. In:
Grenzenlose Cyberwelt?. VS Verlag für Sozialwissenschaften, 2007. p. 177-197.

³ COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o Uso da


Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil. TIC Kids Online Brasil 2019.
Principais Resultados. São Paulo: CGI.br, 2020. Disponível em:
https://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2019_coletiva_imprensa.pdf.
Acesso em: 20 de março de 2021.

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