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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

PSI5137 Psicologia Educacional: desenvolvimento e aprendizagem – 2020/2


Profª Apoliana R. Groff

ESTUDANTE: Luiza Lese Pereira (13200315)

Atividade Avaliativa II – Unidade II – Estudo de Caso

O documentário “Que letra é essa?” apresenta Patrick, um menino de 9 anos que


vive em Santa Maria-RS e frequentou a primeira série do ensino fundamental três vezes,
no período de 2002 a 2004, sem saber ler nem escrever. Além do menino, colegas,
professoras e familiares são entrevistados acerca do comportamento e do desempenho
de Patrick tanto na escola quanto em casa.
As diferentes situações vivenciadas pela criança e os diversos discursos sobre as
possíveis causas de suas reprovações levam a muitos questionamentos a respeito de
temas como fracasso escolar, relação família-escola-estudante, ensino e aprendizagem e
comportamento e medicalização da infância.
O discurso da escola responsabiliza a família pelo fracasso do menino devido,
entre outras, a má alimentação, a falta de estímulo e a precariedade na moradia. Às
vezes, até a criança é culpada devido ao seu “mau comportamento”. A fala de uma
professora chama a atenção: para ela, a culpa era de alguma doença causada por vermes.
Já a família de Patrick afirma que as professoras são as responsáveis pela sua
dificuldade de aprendizagem, pois em casa ele recebe todos os recursos necessários para
ir à escola e, no entanto, há falta de vontade, por parte delas, em ensinar, além de uma
preferência por alguns estudantes e exclusão de outros. Alegam, também, que a escola
“não dá tema para os alunos fazerem” e que reprimiu as tentativas do pai de ensiná-lo
em casa.
No meio de tantos apontamentos, é possível encontrar um único “culpado” para
o fracasso escolar? Até que ponto essa busca é relevante? Não seria mais proveitoso e
benéfico família e escola unirem esforços, somarem ideias e estratégias em prol de
Patrick?
Historicamente, a classe dominante reproduz uma visão pejorativa de pobres e
não-brancos. A escola, enquanto instituição nos moldes que conhecemos, surge a partir
do século XVII, com o desenvolvimento do capitalismo. Ou seja, a escola é uma criação
europeia, cujo produto é a educação que, por sua vez, passa a ser ofertada por
especialistas na transmissão do saber. Diversos autores consideram que a Escola é um
aparelho ideológico do Estado, servindo para propagar a ideologia dominante
(burguesa), sendo complementada e reforçada pela família e pelos meios de
comunicação, principalmente. Ao se isentar da responsabilidade do fracasso escolar,

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culpabilizando Patrick e sua família, a escola reproduz o mito da inferioridade e
marginalidade das classes populares, fortalecendo essa ideologia (COIMBRA, 1986).
Ainda, a relação escola-família ocorre, principalmente, através de “reuniões”
para que a família seja informada das reclamações ou “problemas mentais” da criança.
Segundo Patto (1992), quando se trata de um estudante repetente, a visão das
professoras tende a ser preconceituosa, apoiada em uma ideologia de “meritocracia”, de
que “vencem o mais aptos”, muitas vezes respaldadas em laudos psicológicos com
procedimentos diagnósticos duvidosos, resultando em rótulos que se fixam na criança e
dificultam uma visão crítica geral do contexto. Esse discurso, pelo local social em que é
produzido, tem grande poder de convencimento tanto sobre a família quanto sobre a
criança (PATTO, 1992).
O discurso burguês preconceituoso também adentrou a psicologia, que muitas
vezes reforça esses estereótipos e culpabiliza tanto a criança quanto sua família. De um
lado, o ambiente familiar é deficiente, carente de estímulos, de interações, de
afetividade. De outro, a família é “desorganizada”, “desinteressada”, “violenta”
(PATTO, 1992).
A Psicologia tradicional tem contribuído com a pedagogia da exclusão,
afirmando-se na “[...] ideia de que a responsabilidade pelo fracasso escolar e social
encontra-se no indivíduo, em sua família ou em sua raça” (ASBAHR & LOPES, 2006,
p. 4). Com as contribuições de Vygotsky, baseados na teoria histórico-cultural, a
Psicologia começa a ver o fracasso como um problema histórico e social, resultado das
relações concretas e complexas entre os próprios indivíduos e entre os indivíduos e o
ambiente. Dessa forma, os fenômenos devem ser entendidos levando em consideração a
história e as características culturais da sociedade no tempo analisado. Ou seja, o
contexto social ganha maior relevância (ASBAHR & LOPES, 2006).
Vygotsky enfatiza a importância das interações sociais no desenvolvimento do
indivíduo. Ao tratar da criança enquanto sujeito, afirma que é a partir dessas interações
com as pessoas de seu convívio que esta é inserida na cultura. Logo, a relação da
criança com o mundo ocorre através da mediação - um elemento intermediário, que
pode ser tanto outros membros ou com elementos do meio. Esta mediação tem um papel
fundamental na aprendizagem e no desenvolvimento psicológico do indivíduo. Dessa
forma, docentes, enquanto sujeitos mediadores, têm uma função essencial na construção
da relação escola-estudante. A qualidade de seu trabalho em sala de aula, a sua prática
pedagógica influenciam na construção do conhecimento e na relação do sujeito
(estudante) com o objeto (conteúdo, atividade) a ser conhecido e explorado. Uma
relação assertiva traz resultados positivos (LEITE & TAGLIAFERRO, 2005).
Porém, mais do que apenas discutir e problematizar o documentário proposto,
acredito ser relevante pensarmos sobre o Patrick de hoje. Como ele está? Qual sua
situação atual? Será que superou suas dificuldades ou descobriu novas habilidades?
Terminou o ensino básico? O que pensa ele do mundo? E quantos Patricks ainda
existem atualmente?

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REFERÊNCIAS
ASBAHR, Flávia da Silva Ferreira; LOPES, Juliana Silva. A culpa é sua. Psicologia
USP, v. 17, n. 1, p. 53-73, 2006.

COIMBRA, Cecília Maria B. As funções da instituição escolar: análise e reflexões.


Psicologia: ciência e profissão, v. 9, n. 3, p. 14-16, 1989.

LEITE, Sérgio Antônio da Silva; TAGLIAFERRO, Ariane Roberta. A afetividade na


sala de aula: um professor inesquecível. Psicologia Escolar e Educacional, v. 9, n. 2, p.
247-260, 2005.

PATTO, Maria Helena Souza. A família pobre e a escola pública: anotações sobre um
desencontro. Psicologia USP, v. 3, n. 1-2, p. 107-121, 1992.

QUE letra é essa? A história de Patrick. Direção: Pedro Rocha. Produção: GEEMPA
(Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação). Documentário:
25’, 2004. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NtyL4NEEIEE>.
Acesso em: 08 de abril de 2021.

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