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ESTÉTICA E SEMIÓTICA

APLICADA AO DESIGN
AULA 1

Prof. Humberto Costa


CONVERSA INICIAL

O mundo é linguagem e pensamos com linguagens. Aprender a


operacionalizar as linguagens nos conduzirá ao pensamento educado, claro e
lúcido acerca dos fenômenos no mundo. O pensamento educado é aquele capaz
de organizar, selecionando e combinando, o percurso das ideias, formalizando
raciocínios objetivos e eficientes que exponham significados adequados às
intenções de emissão e recepção de mensagens. Assim, é necessário que
lancemos um olhar não automatizado para as coisas, mas para isso precisamos
nos limpar dos preconceitos e automatismos que a sociedade lança
continuamente sobre nós. Ora, os meios de comunicação, especialmente os
meios de comunicação de massa, tentam incansavelmente nos dizer o que
pensar, falar, gostar, desejar, como nos comportar etc., e aqui está o nosso
grande desafio: pensar por nossa própria cabeça.
De início, vamos desfazer uma grande confusão, referente aos termos
língua e linguagem. A linguagem pode ser definida como qualquer meio
sistemático de comunicar ideias ou sentimentos por meio de sinais
convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc. Como exemplo, podemos citar a
dança, o cinema, as artes plásticas, o design etc. A linguagem é a base de toda
e qualquer forma de comunicação e é dividida em verbal e não verbal. As
linguagens verbais são compostas essencialmente por palavras. Já as
linguagens não verbais são aquelas em que fazemos o uso de outros meios que
não as palavras, como as placas de trânsito, as cores na sinalização etc. Há
também as linguagens híbridas (ou sincréticas), que utilizam elementos verbais
e não verbais, como as histórias em quadrinhos. Para facilitar, podemos dizer
que a linguagem é um sistema mais amplo e a língua, um recorte desse sistema.
Por exemplo, o desenho é uma linguagem e cada habilitação do desenho (por
exemplo, o desenho geométrico, artístico, charge etc.), com suas regras
particulares, a língua. A fotografia é a linguagem e a fotografia jornalística, a
língua.

CONTEXTUALIZANDO

A linguagem é nossa faculdade de representar e, portanto, o mais alto


grau de realidade está nas linguagens. O que não representamos não existe e

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representar refere-se à nossa capacidade de substituir uma coisa pela outra.
Aquilo que primariamente não passar pelos nossos órgãos dos sentidos, ou seja,
aquilo que não conseguimos ver, ouvir, cheirar, tocar, sentir e, por consequência,
não conseguimos construir, desconstruir, comutar, separar, encaixar... não
existe! Tais saberes existem no mundo externo, mas só se realizam como
linguagem e propriedade de comunicação quando nós tivermos aprendido e
apreendido os processos de representação (substituição).
Para nos auxiliar na compreensão do mundo, ampliando a nossa
capacidade de leitura e produção de mensagens, sejam elas verbais ou não
verbais, eis que podemos lançar mão de um poderoso instrumento: a semiótica.
Assim, temos por objetivo compreender: como as linguagens constituem a
realidade da representação; como operacionalizamos com as linguagens e qual
a importância do pensamento educado. Para atingirmos tal objetivo, veremos o
que é a semiótica, suas correntes e a questão dos fenômenos, e abordaremos a
relação entre semiótica e design.

TEMA 1 – O QUE É A SEMIÓTICA?

A semiótica não é uma ótica pela metade, brincadeiras à parte. Seu nome
vem da raiz grega semeion, que significa signo. Signo é alguma coisa que
representa algo a alguém em determinado contexto, tal como uma frase, um
desenho, um som etc. O homem, para conhecer e se conhecer, se faz signo e
só interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos. Eis o processo da
representação. A semiótica é, então, a ciência de todas as linguagens possíveis
e tem por objetivo se debruçar sobre os modos de constituição de todo e
qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido
(Santaella, 2003).
A semiótica nos fornece um percurso metodológico-analítico que intenta
dar conta das questões relativas às diferentes naturezas que as mensagens
podem ter: verbal, imagética, sonora, audiovisual etc. Sendo assim, é
indispensável que, para empreendermos uma análise afinada sobre um
determinado fenômeno, dialoguemos com teorias mais específicas dos
processos de signos que estão sendo examinados. Por exemplo, para
analisarmos um filme, temos de ter conhecimento sobre cinema. Para
analisarmos adequadamente uma fotografia, é importante que detenhamos

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conhecimento sobre fotografia. Ora, a semiótica por si só não é capaz de nos
ajudar a produzir uma análise mais aprofundada sobre determinada linguagem,
pois cada linguagem tem as suas especificidades.

Figura 1 – O signo rosa

Crédito: Jee_baraluka/Shutterstock.

Com base na Figura 1, a imagem de uma rosa vermelha significa que uma
fotografia foi tirada. Podemos inferir que a rosa vermelha está representando o
amor. As letras organizadas — R-O-S-A — estão no lugar do som da palavra
que está no lugar da rosa vermelha em questão. Se a imagem anterior fosse de
uma rosa branca, a leitura seria um pouco diferente.
Imaginemos uma situação comunicativa que está presente na Figura 2.
Alguém pergunta ao seu interlocutor o que poderia ser usado para tapar um
buraco e ele responde: “uma pedra!”.

Figura 2 – Proferindo a palavra pedra

Uma pedra!

Quando o interlocutor profere a palavra pedra, este signo (fala, palavra)


está representando a coisa pedra. Tal substituição impede, por exemplo, que o
interlocutor tenha que ir buscar e mostrar uma pedra para que a sua mensagem

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seja compreendida. Note que outros signos poderiam ser usados nessa
situação, como um desenho de uma pedra, uma fotografia de uma pedra, um
vídeo mostrando uma pedra, o som de pedras rolando etc.
O exemplo acima pode até parecer banal, mas foquemos na grandeza do
signo. Esse poder que o signo tem de substituir uma coisa torna a vida do homem
extremamente fácil e prática (ou não, dependendo do propósito).
A manifestação de realidade da linguagem está naquilo que chamamos
de repertório, que é o banco de dados onde armazenamos nosso conjunto de
saberes e realizações. Em outras palavras, o repertório guarda o conjunto das
linguagens que um indivíduo tem a capacidade de operacionalizar e ele constitui
nosso patrimônio de conhecimento e nossa identidade (Turim, 2007). Nosso
repertório é o que detemos como linguagem. A linguagem é o nosso saber e é
este saber que nos permite compreender a realidade do mundo. Com isso, fica
fácil de perceber que o poder de representação de um indivíduo é proporcional
ao seu repertório, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade.
Saber transformar o real em realidade depende da nossa capacidade de
linguagem. Saber significar, concretizar, transformar num ato, numa linguagem,
num som, numa música, num quadro, num desenho, numa palavra, num texto,
uma escolha diferenciada e produtiva (Turim, 2007). Só assim fugiremos da
reprodução automática e teremos um pensamento educado e claro, que traduz
o real em linguagem produtiva.
Nosso desafio é o de buscar estímulos para a nossa capacidade
associativa, visando descobrir e compreender as relações existentes. Nessa
busca, a experiência é importante. A vivência atenta a tudo o que está ocorrendo
ao redor, a observação dos detalhes visando o todo e a desconstrução do todo,
visando os detalhes (Turim, 2007).

TEMA 2 – AS CORRENTES SEMIÓTICAS

O estudo das linguagens e dos signos é muito antigo. Embora a semiótica


só tenha ficado conhecida como uma ciência dos signos, da significação e da
cultura no século XX, a preocupação com os problemas da linguagem já
começou no mundo grego (Santaella, 2003).
São várias as correntes da semiótica moderna. Para citar algumas, temos
a semiótica greimasiana, que estuda o discurso, tendo por base a ideia de que

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uma estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto (Matte; Lara,
2009); a semiótica saussureana, que se volta à compreensão das leis que regem
os signos pelo viés da linguística (Barros; Café, 2009); a semiótica da cultura (ou
semiótica russa), que busca compreender o lugar da cultura na natureza como
uma das formas de se apreender as ações transformadoras (até mesmo de
padrões) em processo (Machado, 2010). O interesse dessa corrente semiótica
recai sobre a linguagem, a literatura e outros fenômenos culturais, tais como os
mitos e a religião. A semiótica de Peirce se volta para as relações de sentido
presente nas linguagens verbais e não verbais, tendo como pano de fundo a
lógica.
O ponto em comum das diferentes correntes semióticas está centrado no
modo como o signo e a linguagem representam o objeto. O que diferencia cada
uma dessas correntes é a concepção e a delimitação de seu campo de estudo.
No entanto, independentemente do ponto de partida, o resultado será sempre
muito parecido. Para atingir os objetivos elencados, tomaremos por base a
semiótica desenvolvida por Peirce, uma vez que ela se mostra mais adequada
ao estudo dos fenômenos verbais e não verbais, tão presentes no universo do
design.
Charles Sanders Peirce foi um estudioso americano, nascido em 1839.
Seus interesses abrangiam a química, a matemática, a física, a astronomia. Seu
espírito de cientista o permitiu nos legar contribuições importantes em diferentes
áreas do saber humano, tais como a geodésia, a metrologia, a espectroscopia,
a biologia, a geologia, a zoologia, a linguística, a filologia, a história e a psicologia
(Santaella, 2003). Na base de toda a sua atuação e contribuição, estava a lógica.
Para Peirce, compreender a lógica das ciências era entender seus métodos de
raciocínio.
A semiótica peirceana é um dos membros da tríade das ciências
normativas. Tais ciências são assim chamadas porque buscam compreender os
fins, as normas e as ideais que guiam o sentimento, a conduta e o pensamento
humano (Santaella, 2003). São três as ciências normativas: estética, ética e
semiótica (ou lógica). Em rápidas palavras, podemos dizer que cabe à estética
descobrir o que deve ser o ideal supremo da vida humana; à ética cabe justificar
as razões pelas quais certo e errado são concepções éticas; já a semiótica ou
lógica é a ciência das leis necessárias do pensamento e das condições

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necessárias para se atingir a verdade (Santaella, 2003). A semiótica, por ocupar-
se do estudo acerca do raciocínio correto, nos fornece os meios para agirmos
razoavelmente, especialmente através do autocontrole crítico que o pensamento
lógico nos ajuda a desenvolver. A semiótica é uma disciplina com um caráter
geral e abstrato, e aqui reside a sua beleza, pois ela pode ser utilizada no
entendimento das mais diferentes linguagens. O mesmo não pode ser dito
acerca das ciências especiais ou especializadas, uma vez que elas têm um
objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas ferramentas
empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas, como a biologia, a
física, a economia, a antropologia, a química etc. (Santaella, 2003), embora
possamos ampliar o escopo dessas ciências especializadas quando usamos a
semiótica para aprofundar os estudos e pesquisas.
A semiótica peirceana tem três ramos:

1) a gramática especulativa, que cuida de estudar os mais variados tipos de


signos;
2) a lógica crítica, que estuda os tipos de inferências, raciocínios ou
argumentos: a abdução, a indução e a dedução;
3) retórica especulativa, que analisa os métodos a que cada um dos tipos de
raciocínio dá origem.

De acordo com os nossos propósitos, nos concentraremos no primeiro


ramo: a gramática especulativa.

TEMA 3 – A FENOMENOLOGIA E A SEMIÓTICA

Um fenômeno (do grego, phaneron) diz respeito a tudo aquilo que apareça
à percepção e à mente. Absolutamente tudo, desde algo simples, como um
cheiro ou um som, a algo mais complexo, como uma teoria, um conceito abstrato
etc.
Em seus estudos, Peirce concluiu que há três elementos formais e
universais e que estão presentes em todos os fenômenos que se apresentam à
percepção e à mente. São eles: primeiridade, secundidade e terceiridade.
A primeiridade diz respeito a tudo que estiver relacionado com o acaso,
com a possibilidade, com a qualidade, com o sentimento, com a originalidade,
com a liberdade. A secundidade está ligada às ideias de dependência, de ação

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e reação, conflito, surpresa. Já a terceiridade circunscreve a generalidade, a
continuidade, o crescimento, a inteligência (Santaella, 2001).

Figura 3 – Exemplificando primeiridade, secundidade e terceiridade

Crédito: Aldi anwar/Shutterstock.

Pense na cor presente na Figura 3. Não traga à mente a ideia da cor, nem
onde ela está. Atente somente para a qualidade da cor tal como ela se apresenta,
para o brilho (ou a falta dele), as variações tonais, a pura aparência da cor. Nisso,
estamos nos detendo nos aspectos de primeiridade. Essas sensações primeiras
não têm nome ainda, pois são apenas sensações primárias, qualidades que
estão presentes nos signos, mas que nos permitem constituir o significado em
conjunto com a segunda categoria. Perceber as diferenças entre as tonalidades
da cor vermelha, presente na Figura 3, nos leva a considerar as singularidades
que as diferenciam. Quando juntamos as qualidades identificadas, formamos as
singularidades e entramos no âmbito da secundidade (ação e reação). Se
pensarmos que a parede é vermelha, já estamos no âmbito da terceiridade. Eis
um exercício complexo, pois somos ensinados a interpretar imediatamente. Em
uma leitura semiótica, a interpretação é o último estágio. Veremos isso adiante.
Vimos anteriormente que signo é algo que representa alguma coisa a
alguém. Peirce apresentou várias definições para o termo signo e para facilitar
nosso entendimento, eis uma definição mais concisa: um signo é qualquer coisa,
de qualquer espécie (tal como uma palavra, um livro, um casal dançando, uma
música, uma pintura, um edifício etc.) que representa (substitui) uma outra coisa
(chamada de objeto do signo) e que produz um efeito interpretativo na mente do

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intérprete (esse efeito é chamado de interpretante do signo). O signo só pode
funcionar como signo se carregar esse poder de representar, de substituir um
outro signo diferente dele. Assim, o signo não é a coisa representada, uma vez
que ele só está em seu lugar.
Na semiótica peirceana, o signo é formado por três elementos:
fundamento (ou representâmen), objeto e interpretante. A Figura 4 nos ajuda a
entender tal definição.

Figura 4 – O signo segundo a semiótica de Peirce

Atentemos que quando falamos em signo, os três elementos estão


sempre presentes. O signo não pode funcionar sem o objeto e sem o
interpretante, pois aquilo que constitui o signo é a relação triádica entre os três
elementos. O elemento objeto não é sinônimo de coisa, muito embora aquilo que
chamamos de coisa possa ser o objeto do signo. Interpretante não é sinônimo
de intérprete (quem percebe o signo) nem de interpretação (o processo de leitura
do signo). Interpretante é o efeito que o signo produz no intérprete. O processo
de interpretação do signo é chamado de semiose.
Resumindo, qualquer som, palavra, gesto, gosto, cheiro ou pensamento,
por exemplo, tenta materializar uma realidade, sendo tal realidade considerada
enquanto objeto. O objeto seria essa tal realidade que é representada pelo signo.
Nós entendemos uma coisa (para a semiótica) como sendo algo desprovido de
sentido. Uma vez que conhecemos, lemos, interpretamos essa coisa, passamos
a tratá-la como objeto, e este será representado pelo signo.

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Para facilitar nosso entendimento, pensemos em como podemos traduzir
o conceito do objeto céu. A Figura 5 apresenta uma possibilidade.

Figura 5 – Algumas traduções do conceito do objeto céu

CÉU Céu!

A palavra céu O desenho do céu O som da palavra céu A cor do céu

Vamos a outro exercício. Vejamos o termômetro presente na Figura 6.

Figura 6 – Termômetro

Crédito: Dzmitry Sokalau 1/Shutterstock.

O termômetro presente na Figura 6 pode ser interpretado como sendo um


signo da temperatura ambiente. O processo de interpretarmos o termômetro
como signo da temperatura ambiente é a ação do signo, ou seja, a semiose.
Todavia, podemos olhar para o mesmo termômetro e interpretá-lo como sendo
resultado de um determinado período industrial ou, ainda, como signo da idade
da construção de onde ele está fixado. Imaginemos que o termômetro seja de
ouro e, então, ele poderia ser signo da situação financeira do dono desse
termômetro. Em todos esses exemplos, o que mudou foi o fundamento que
utilizamos em nossa leitura. Por exemplo, o fundamento que selecionamos para

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decidir sobre a idade da construção onde o termômetro está fixado não é o
mesmo fundamento que foi selecionado para interpretá-lo como sendo resultante
de um determinado período industrial. O Quadro 1 aclara esses conceitos.

Quadro 1 – Fundamento e objeto do signo

Fundamento do signo Objeto do signo

Termômetro como signo da


Temperatura ambiente.
temperatura ambiente.
Termômetro como signo de
O período industrial.
determinado período industrial.
Termômetro como signo da idade da
A idade da construção.
construção.
Termômetro como signo da situação A situação financeira dos donos da
financeira dos donos da construção. construção.

Eis um outro exemplo de signo:

Tomemos um grito, por exemplo. Devido a propriedades ou qualidades


que lhe são próprias (um grito não é um murmúrio), ele representa algo
que não é o próprio grito, isto é, indica que aquele que grita está,
naquele exato momento, em apuros ou sofre alguma dor ou regozija-
se na alegria (essas diferenças dependem da qualidade específica do
grito). Isso que é representado pelo signo, quer dizer, ao que ele se
refere, é chamado de seu objeto. Ora, dependendo do tipo de
referência do signo, se ele se refere ao apuro, ou ao sofrimento ou à
alegria de alguém, provocará em um receptor um certo efeito
interpretativo: correr para ajudar, ignorar, gritar junto etc. Esse efeito é
o interpretante. (Santaella, 2005, p. 8)

O signo tem uma materialidade e esta pode ser percebida por um ou mais
de nossos órgãos dos sentidos. Tal como coloca Santaella (2001), podemos ver
um signo (por exemplo, uma cor, um gesto etc.), ouvi-lo (por exemplo, uma
música, um ruído etc.) e/ou senti-lo pelo paladar, pelo tato, pelo olfato. Aquilo
que foi percebido está no lugar (está substituindo) de outra coisa. Eis a
particularidade do signo: tornar presente algo que não está ali para designar ou
significar outra coisa que está ausente.

Saiba mais

Para reforçar o que tratamos aqui, sugerimos assistir ao vídeo Semiótica


no design: o conceito de signo. Disponível em: <https://vimeo.com/113075830>.
Acesso em: 11 jun. 2020.

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TEMA 4 – SEMIÓTICA E DESIGN

A semiótica apresenta subsídios indispensáveis tanto para a análise,


quanto para a produção de signos no design. Na atualidade, o design perpassa
diferentes áreas do saber e do fazer humano. Hoje, temos uma gama variada de
habilitações e abordagens em que o design está inserido, como o design de
produto, o design visual, o design de moda, o service design (ou design de
serviços), o UX design, o webdesign, o design digital, o design de jogos (ou game
design), o design thinking, o experience design, o design de joias etc. Assim,
quando se fala em produto do design, é adequado que se entenda, na maioria
dos casos, que se fala em um resultado de um projeto de design, oriundo dessas
diferentes habilitações e/ou abordagens que foram citadas.
Um produto do design é resultante e é expressão de um cenário
econômico, político, social e cultural que abarca as dimensões histórica e
geográfica (Niemeyer, 2003). Ao se realizar no mundo, o resultado do design
sofre várias interferências, que são determinadas pelas circunstâncias do
sistema em ele está imerso. Tal resultado, ao interagir com o homem, sofre a
ação de diferentes filtros, tais como os filtros fisiológicos, filtros culturais e filtros
emocionais (Niemeyer, 2003). O modo como o resultado do design for sentido
pelo indivíduo decorre do julgamento de percepção que seja submetido. Frente
à sua estrutura mental, o homem responde a esse resultado do design. Esse
processo interativo é objeto de estudo de várias áreas do saber humano, tais
como a semiótica, a estética, a ética, a sociologia, o marketing, a economia, a
psicologia etc.
Disso, podemos dizer que a semiótica aclara o processo no qual se dá a
construção de um sistema de significação (Niemeyer, 2003). Com base nesse
quadro teórico, podemos identificar as diversas variáveis que intervêm nessa
dinâmica (como o propósito comunicacional, o canal, o nível de informação, o
nível de ruído) e, por esta via, um resultado do design passa a ser tratado como
portador de representações, participante de um processo de comunicação.
Quando se projeta uma vestimenta, ela pode ser lida como signo de
proteção do corpo. No entanto, dependendo do contexto, a mesma vestimenta
pode ser signo de ostentação, de união, de morte e sofrimento, de estado civil,
de trabalho, de condição social e assim por diante.

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Figura 7 – O iPhone da Apple

Crédito: Hand Robot/Shutterstock.

Na Figura 7, vemos um resultado do design de produto: um smartphone


da Apple. Tal resultado pode ser lido como signo de avanço tecnológico, de
poder aquisitivo, de status social, de sofisticação (ou da falta dela), e assim por
diante. No entanto, se esquecermos o produto e focarmos nos serviços que
estão nele embarcados (como, por exemplo, o iCloud), a leitura e os significados
são ampliados. Em dias atuais, muitos dos produtos passaram a ser um avatar
do serviço que ele representa. Por exemplo, se desconsiderarmos os serviços
que um smartphone representa, o produto em si teria pouca serventia.
No âmbito do service design, também vemos o mesmo acontecer.
Tomamos como exemplo um aplicativo de streaming de áudio ou de vídeo. Ele
pode ser signo de praticidade, de organização, de experiência de uso, de
diferenciador social (um indivíduo, em uma festa, que disponibiliza sua playlist
repleta de músicas dançantes e alegres, será interpretado como um “sujeito
descolado”). Aliás, muitos dos serviços que fazem sucesso entre o público são
fruto de um olhar refinado que conseguiu traduzir necessidades em
oportunidade. Nem mesmo os usuários imaginavam a possibilidade de tais
serviços. Podemos citar como exemplos Airbnb, Uber, Netflix, Spotify, aplicativos
de carona solidária, iFood, Trivago, PicPay etc.

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TEMA 5 – PARA QUE SERVE A SEMIÓTICA NO DESIGN?

Na atualidade, o design lida com os desafios e as possibilidades de


compreensão do ser humano e de seu ambiente circundante. Eis uma tarefa
árdua, especialmente quando consideramos a complexidade das idiossincrasias,
tanto no âmbito do material quanto do imaterial. No passado, o design estava
centrado em áreas especializadas, tais como design de produto e design gráfico.
Paulatinamente, adentrou em outras áreas, tais como o design de moda e o
webdesign. Na contemporaneidade, o design principiou a criar políticas e a se
envolver no desenvolvimento de estratégias e filosofias adequadas ao seu
universo e está sendo reconhecido como um direcionador de negócios e deve
estar à frente de uma criação (Verganti, 2009). Hoje, entendemos que, no
decurso de uma criação, é importante que o design esteja envolvido, como
mostra a Figura 8, desde o ponto mais global até o mais específico (Costa, 2020).

Figura 8 – Níveis de atuação do design

Fonte: Costa, 2020.

Um retrospecto mostra que os designers se centravam na criação. Na


sequência, passaram a pensar acerca daquilo que os usuários poderiam estar
querendo ou necessitando. Posteriormente, os designers passaram a fazer

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contato com as pessoas, seja para representá-las, seja para experimentá-las ou
um misto das duas alternativas. Atualmente, há uma nova forma de se projetar,
e ela insere as pessoas, de forma colaborativa, em todos os processos de design
(Costa, 2020). A Figura 9 ilustra o que foi dito.

Figura 9 – Níveis de atuação do design

Fonte: Costa, 2020.

O design ultrapassou a barreira da materialidade, a partir do momento em


que profissionais e estudiosos, usando métodos e técnicas já existentes,
adentraram na seara do imaterial. O intuito foi o de contribuir, visando dar voz e
expressão às diversas sensibilidades e subjetividades diferenciadas (tanto do
designer quanto do usuário). Para tanto, novos métodos foram criados e outros
foram alterados, com o propósito de destacar o papel da autoria individual ou
coletiva, expandir percepções e abarcar diversidades.
A World Design Organization (2015) parte do princípio de que a profissão
de designer é transdisciplinar e o designer utiliza a criatividade para resolver
problemas e criar soluções com a intenção de melhorar produtos, sistemas,
serviços, experiências ou negócios. Normalmente, o designer tem capacidade
para oferecer maneiras mais otimistas de olhar para o futuro; aborda e reformula
problemas contemporâneos, visando a melhores oportunidades. Portanto, o
designer deve comungar inovação, tecnologia, pesquisa, negócios e clientes
com vistas a agregar valor e vantagem competitiva à criação, nas esferas
econômica, social e ambiental (WDO, 2015).
Diante dessa complexidade, a semiótica apresenta-se como uma
ferramenta indispensável ao profissional que necessita comportar-se de forma
sensível às oscilações do momento. Ao instrumentalizar o designer a ler o mundo

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com olhos apurados, ao mesmo tempo que educa seu pensamento, tal
ferramenta permite que se produza com agilidade, visando adiantar-se às
constantes mudanças que acontecem no mundo da vida.
O designer dotado de um olhar semiótico apurado consegue
operacionalizar a dimensão cultural, aliando-a à sua competência técnica.
Ademais, cabe ao designer enriquecer a sua prática profissional e investigação
científica com os contributos advindos de outras áreas que tratam de questões
aplicáveis ao design. Sabendo operacionalizar as linguagens, tais tarefas ficam
mais fáceis.
Essa evolução do design, ampliação de seu papel e seu caráter
estratégico são pontos cada vez mais reforçados (Niemeyer, 2003). A semiótica
aplicada ao design contribui na resolução de questões decorrentes da
preocupação da comunicação dos resultados do design. Vimos que a semiótica
oferece as bases teóricas para os designers enfrentarem as questões
comunicacionais e de significação e tratar do processo de geração de sentido
referente a suas criações.

TROCANDO IDEIAS

Para reter o conhecimento adquirido nesta aula, propomos que você


identifique o objeto dos seguintes signos:

1) Um grito de dor;
2) Um e-mail dirigido a um amigo;
3) Um vídeo sobre design e semiótica.

A seguir, você deve comparar suas respostas com as respostas dos


colegas via fórum do ambiente virtual. Com base nessa atividade interativa, se
for necessário, reelabore suas respostas. Em caso de dúvida, questione os seus
colegas. Caso persista alguma dúvida, recorra ao tutor.

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NA PRÁTICA

Nesta atividade, você deve analisar cada um dos elementos abaixo e


identificar o signo e seu objeto.

Uma maçã:

Crédito: Bagyo Uplu/Shutterstock.

Signo Objeto

O coração presente na maçã:

Crédito: Robert90210/Shutterstock.

Signo Objeto

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O desenho que você está vendo nesta imagem:

Crédito: Crystal Eye Studio/Shutterstock.

Signo Objeto

FINALIZANDO

Nesta aula, apresentamos a semiótica e como ela contribui para ampliar


o universo do design, bem como o universo do profissional de design. Embora
haja várias correntes semióticas, a semiótica peirceana, por ter a lógica como
pano de fundo, se liga ao design na medida em que este lida com os aspectos
verbais e não verbais das linguagens e da comunicação. Somente quando
operacionalizamos com as linguagens, chegamos ao pensamento educado.
Este, por sua vez, é capaz de organizar o percurso das ideias e gerar raciocínios
objetivos e eficientes, que exponham significados adequados às intenções de
emissão e recepção de mensagens.
Neste momento, é importante reter o que é linguagem e como ela se
diferencia da língua, compreender a importância do pensamento educado, bem
como estar ciente da noção de signo. O designer, por lidar com uma gama
variada de signos, tem por desafio buscar estímulos para a sua capacidade
associativa, visando descobrir e compreender as relações existentes entre as

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linguagens. O designer dotado de um olhar semiótico apurado consegue
operacionalizar a dimensão cultural, aliando-a a sua competência técnica. Isso
permite que seu repertório seja ampliado, refletindo em todas as suas criações,
independentemente do âmbito a que elas se destinam. Paulatinamente, iremos
descortinar um horizonte rico que mudará para sempre a nossa maneira de ver
o mundo.

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REFERÊNCIAS

BARROS, C. M. de; CAFE, L. M. A. Estudos da semiótica na ciência da


informação: relatos de interdisciplinaridades. 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141399362012000300
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Disponível em:
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<https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/2119/1737>. Acesso em: 5
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NIEMEYER, L. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro:


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_____. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

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Disponível em: <https://wdo.org/about/definition/>. Acesso em: 24 set. 2019.

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