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1.

A SEMIOLOGIA E SEU MODELO LINGUÍSTICO

I A MATRIZ DA SEMIOLOGIA

A teria linguística, cujo objeto de análise é a linguagem – que não deve ser entendida como
simples sistema de sinalização, mas como matriz do comportamento e pensamento humanos – tem
por objetivo a formulação de um modelo de descrição desse instrumento através do qual o homem
enforma seus atos, vontades, sentimentos, emoções e projetos.

[...]

De fato, a teoria linguística não poderia comportar-se desse modo expandindo enquanto se
apresentava como gramática, tal como propuseram os gregos. Desprovida de uma visão científica,
como observa Saussure, e desinteressada da língua em si mesma, essa “gramática” propunha-se
apenas a ditar as regras pelas quais era possível distinguir uma perspectiva e um campo de ação
bastante limitados.

[...]

O procedimento filológico dominou, por amplo período, a prática da teoria linguística, mas embora os
estudos por ele orientados levassem a uma análise dos costumes e das instituições sociais, seu objetivo
(...)

Uma quarta corrente da teoria linguística pode ser localizada no último quarto do século XIX,
tendo no grupo alemão dos Neogramáticos um de seus pilares. Esta escola contrariando a anterior,
não aceitava a ideia de que a língua é um a entidade fechada, ressaltando que ela só existe nos sujeitos
falantes. Recusava com isso a noção de que a língua tem uma vida e que ela realiza alguma coisa,
insistindo em adotar uma perspectiva histórica – a única capaz de aplicar a língua como produto
coletivo dos vários grupos falantes.

[...]

(...) a linguística assumirá o caráter geral que lhe permitirá sair do círculo relativamente estreito do
estudo das línguas naturais (português, espanhol etc.) e aplicar-se aos mais diferentes domínios da
comunicação, quer dizer, da atividade humana. (...)

[...]

Saussure – cuja teoria enquadra-se nos limites traçados pelo positivismo – visualizava uma disciplina
que estudaria os signos no meio da vida social, com isso validando desde logo o transporte dessa teoria
para outros campos. Essa ciência, da qual dizia ser parte da psicologia social, foi por ele chamada de
Semiologia, ou (como quer R. Barthes) ciência geral de todos os sistemas de signos através dos quais
estabelece-se a comunicação entre os homens.

Tendo por objeto todos os sistemas de signos, a semiologia também se ocuparia do estudo das
linguagens e com isso seria o gênero de que a linguística é a espécie. Espécie privilegiada esta, para
muitos, na medida em que forneceria um modelo aplicável aos demais setores cobertos pela
semiologia. Esta condição da linguística relativamente à semiologia levou inclusive a duvidar-se da
existência de sistemas de signos de uma certa amplitude (os mais ricos, por exemplo, que o código de
trânsito) que não recaíssem no domínio da linguagem. (...)

[...]
(...) Não entrando por ora nessa discussão e no debate sobre o modelo linguístico, deve-se reconhecer
que é possível extrair, deste modelo, certos conceitos gerais cuja utilização na descrição e
compreensão de outros sistemas de signos (como os visuais ou sonoros) (...)

[...]

1. Língua/fala; esquema/usos; código/mensagem

Na teoria da linguagem de Saussure surge a oportunidade e a necessidade de distinguir-se


entre o social e o individual e entre o essencial e o acessório ou acidental. O social e o essencial recaem
no domínio da língua, cabendo à fala o recorte que do que é individual e acidental. Em outras palavras
a língua (no dizer de R. Barthes: a linguagem menos a fala) apresenta-se ao indivíduo como um sistema
preexistente, uma instituição social que acumulou historicamente uma série de valores e sobre a qual,
em princípio, o indivíduo não tem nenhuma ascendência enquanto indivíduo.

A fala, inversamente, é um ato individual de utilização da língua, um modo de combinar os


elementos da língua no ato de comunicação. Se a língua é um sistema (conjunto de elementos com
relação determinada entre si) a fala é um processo (sequência de atos) que atualiza, que dá existência
concreta a essa língua, tornando a comunicação um fenômeno e não mais uma simples potencialidade.

Língua e fala mantêm uma relação dialética entre si de tal modo que se pode afirmar não existir
língua sem fala ou fala sem língua. (...)

[...]

O conceito de uso permite que o par língua/fala possa ser expresso numa outra terminologia:
esquema/uso (...)

(...) mais adequados a uma semiologia dos sistemas não-linguísticos, uma vez que contornam
a questão do caráter cocal da linguagem tal como esta se revelou para Saussure, caráter este manifesto
no termo fala. Substituindo-o por uso, evita-se aquela especificidade, mantendo-se intato o aspecto
de manipulação e atualização de um conjunto de elementos previamente estabelecidos. Essa mesma
oposição pode ainda ser expressa em termos de código/mensagem, sendo o código o esquema que
permite a elaboração da mensagem e o ponto de referência a partir do qual é possível determinar o
significado desta mensagem.

[...]

(...) língua seria o conjunto de todos os termos constantes de um dicionário ideal mais as
normas de combinação possível entre eles. A fala seria uma mensagem qualquer formada a partir
desse conjunto.

[...]

Pode-se mencionar ainda uma espécie de subdivisão da fala, que comportaria o léxico e o
idioleto. Por léxico se entenderia a fala de determinado grupo (por ex.: o jargão dos médicos ou dos
marginais) e por idioleto, a fala específica de um único indivíduo (ex.: a linguagem criada por James
Joyce para Finnegans Wake).

[...]

Na história da pintura, por exemplo, pode-se apresentar o “estilo” renascentista como sendo
a língua, o modo ou maneira de um grupo de pintores com um caso de léxico (ex.: a escola romana) e
uma tela singular, de um determinado autor, como um caso de idioleto.
2. Signo, símbolo e sema

Uma mensagem qualquer é composta pelo falante/emissor a partir de uma seleção promovida
num repertório de signos. Pode-se dizer que signo é tudo aquilo que representa outra coisa, ou melhor,
na descrição de Charles S. Peirce, é algo que está no lugar de outra coisa. Compreende-se que sem o
signo a comunicação seria praticamente inviável pois pressuporia a manipulação, a todo instante, dos
próprios objetos sobre os quais incidiria o discurso. Em seu caráter de substituto do objeto visado, o
signo propõe-se assim como uma medida de economia comunicativa.

(...) o signo pode ser analisado em duas partes que o compõe: o conceito e a imagem acústica.
As palavras faladas de uma língua apresentam-se como imagens acústicas que trazem á tona, quando
manifestadas, um determinado conteúdo ou conceito. As designações “imagem acústica” e “conceito”
foram substituídas, ainda na própria teoria saussuriana, por outras que tornam mais evidente a
oposição que as separa e que permitem uma aplicação mais adequada quando o signo não é
vocalizado. No lugar daquelas propôs-se, respectivamente, significante e significado.

Entende-se por significante a parte material do signo (o som que o conforma, ou os traços
pretos sobre o papel branco formando uma palavra, ou os traços do desenho que representa, por
exemplo, um cão) e por significado o conceito veiculado por essa parte material, seu conteúdo a
imagem mental por ela fornecida. Deve-se observar que não há signo sem significante e significado,
do mesmo modo como uma moeda não pode deixar de ter cara e coroa.

Na teoria linguística, o signo é considerado como unidade mínima de primeira articulação.

[...]

Toda língua, rigorosamente entendida (como as línguas naturais), deve ter essa dupla
articulação. As línguas não-naturais, no entanto (como as propostas pelo código cinematográfico ou
pelo código da pintura), não apresentam obrigatoriamente essas duas articulações fixas. No caso
destas, por não mais existir parentesco próximo com o modelo da língua verbal, Luís Prieto propôs
chamar de figuras aos fonemas, e simplesmente de signos os monemas. Assim, nos códigos visuais os
signos seriam as menores unidades com significado próprio e as figuras, unidades mínimas desprovidas
de significado e com valor apenas referencial.

[...]

A designação signo deve ser entendida como signo linguístico, especificamente. Este é arbitrário – isto
é, não há uma relação necessária entre ele e o objeto representado – e difere do símbolo que, segundo
Saussure, nunca é completamente arbitrário. Saussure dá o exemplo do símbolo da justiça (uma
balança) que não poderia ser substituída por outro (uma luva, uma caneta etc.).

[...]

(...) chama de sema um signo particular de um sistema não-linguístico cujo significado não corresponde
exatamente a um signo (uma palavra) mas a um enunciado ou sintagma, isto é, a uma sucessão de
signos. O sinal de estacionamento proibido (um círculo com a letra E barrada em vermelho) teria por
significado “É proibido estacionar neste lado da rua”. No entanto, sendo eventualmente analisável
numa sequência de signos, o sema não se apresenta como unidade de uma eventual terceira
articulação, o que implicaria dizer que o sema pode ser analisado em signos assim como estes em
figuras: é que certos semas podem ser decompostos diretamente sem passar pelo nível do signo, ou
podem ser analisados em signos sem admitir uma análise em figuras. (...)

3. Significado e valor
A significação de um signo não deve ser confundida com o significado desse mesmo signo. O
significado é o conceito ou imagem mental que vem na esteira de um significante, e significação é a
efetiva união entre um certo significado e um certo significante. Se se preferir, pode-se dizer que a
questão do significado está no domínio da língua, e a da significação, no da fala. Em outras palavras, a
significação de um signo é uma questão individual, localizada no tempo e no espaço, enquanto o
significado depende apenas do sistema e, sob este aspecto, está antes e acima do ato individual.

[...]

A significação tampouco pode ser confundida com o valor do signo (...) pode-se dizer que o
valor de um signo pode ser determinado por aquilo que está à volta do signo, em seu entorno. Pode
se dizer também que o valor depende da situação recíproca dos elementos da língua. Usando uma
imagem de Saussure, uma mensagem pode ser composta por diversos signos os quais têm um valor
em relação aos outros.

Essa situação de instabilidade do sentido levou Saussure a falar em termos de “massas


flutuantes de sentido” (...) os significados, no limite, são entidades a servir apenas como pontos de
referência extremos que podem submergir a qualquer momento sob o peso da significação.

4. Denotação e conotação

A questão da significação conduz de imediato a uma abordagem dos fenômenos de denotação


e conotação do signo. De um signo denotativo pode-se dizer que ele veicula o primeiro significado
derivado do relacionamento entre um signo e seu objeto. Já o signo conotativo põe em evidência
significados segundos que vêm agregar-se ao primeiro naquela mesma relação signo/objeto.

[...]

(...) a conotação ligada à significação e ao valor pode-se dizer que esse fenômeno não está
situado ao nível do signo isolado, mas, sim, ao nível do discurso em sua totalidade no qual se insere o
signo em questão. A conotação pode ser entendida também como um outro modo de conceber o
mesmo objeto trazendo para o receptor do signo uma concepção subsidiária do objeto.

[...~]

Na análise semiológica a relação paradigma/sintagma pode ser verificada numa infinidade de


casos – mesmo porque a existência desses dois eixos é tão necessária à existência de uma linguagem
quanto é obrigatória a coexistência de uma linguagem quanto é obrigatória a coexistência do
significante e significado para a constituição do signo.

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