Você está na página 1de 43

1.

Noção de Semântica1

Quando se fala em Semântica, a intuição linguística do falante


encaminha-se objectivamente para o estudo do significado, isto é, a ciência
que tem por objecto de estudo as significações, bem como todos os
problemas suscitados sobre o significado.
Interrogações como: “Tudo tem significado?” “Significado é imagem
acústica, ou imagem visual?” “Será que há uma ligação natural entre os
nomes e as coisas nomeadas, ou, se essa associação é mero resultado de
convenção?”, devem ser ponto de partida para quem se interesse no estudo
da Semântica; e, uma vez que se aborda este assunto a nível universitário,
essas questões devem ser básicas, de formas a garantir sustentabilidade
para as outras disciplinas linguísticas.
O homem sempre se preocupou com a origem das línguas e com a
relação entre as palavras e as coisas que elas significam.
Nesta abordagem, devem ser consideradas também as mudanças de
sentido, a escolha de novas expressões, o nascimento e morte das locuções.
As palavras são símbolos e valem pelo que significam. São ruídos
bucais, mas ruídos significantes. É a constante referência mental de uma
palavra ou locução a determinado significado que a eleva a elemento de
uma língua.
Por exemplo, não há alguma relação entre o semantema (ou lexema ou
morfema lexical – unidade léxica, que compõe o léxico) rato e um certo
mamífero roedor a não ser o uso que se faz desse semantema para se referir
a esse animal.
Cada língua “recorta” o mundo objectivo a seu modo, o que se pode
designar por “visão do mundo”, já que a percepção do mundo está
condicionada ao domínio que cada pessoa tem da sua língua. Por exemplo,
a existência da linguagem figurada, como a metáfora, uso de uma palavra
por outra, subjazendo à segunda a significação da primeira não está ao
alcance de todo falante e o domínio dessa qualidade da língua faz com que
o falante tenha maior propriedade e competência para descrever o mundo
que o rodeia.
Os elementos lexicais que fazem parte do acervo do falante de uma
língua podem ser simples (sol), compostos (girassol), complexos (dor do
cotovelo, briga de marido e mulher), textuais (orações, pragas, hinos); estes
últimos são pragmáticos, não entram nos dicionários da língua, a não ser
por comodidade. O conceito de gato não está contido em "à noite todos os

1
Apontamentos gentilmente partilhados pelo Professor José Tchindjendje Tchikwamanga.

1
gatos são pardos”. Logo, nem todo lexema é uma palavra, às vezes é um
conjunto, em geral idiomático: favas contadas, nabos em saco, etc. Nesse
caso, falamos em sentido figurado, oposto a sentido literal.

2. Origem e Interdisciplinariedade

Trabalhar com o significado é um grande desafio para a linguística.


Embora o termo Semântica seja novo, os problemas de significado já foram
amplamente estudados por vários outros campos, como: Filosofia, Lógica e
Psicologia.
Nos primeiros tempos, a Semântica foi subdividida em filosófica,
geral e linguística. O objectivo da Semântica filosófica era o de libertar o
pensamento do condicionamento social e criar sistemas de signos originais.
Questões que despertavam maior interesse em matemáticos e filósofos.
Pensadores como Hilbert; Russel, Cassirer; os grupos da Escola de Viena e
da Escola Bolonesa deram grande contributo para a Semântica filosófica,
outro nome que não deve ser esquecido é Carnap.
A Semântica geral, também chamada psico-sociologia do signo,
debruçava-se sobre os princípios gerais que norteiam a comunicação
humana. Os seus métodos (com técnicas psicoterápicas) foram aplicados
em algumas terapias de doenças nervosas e no ensino. Nesta área
despontaram nomes como Korzybski e Rapoport.
A Semântica linguística, conhecida também como teoria da
informação, direccionava para “a função e a natureza das ‘palavras’ no
processo da comunicação linguística, atendo-se ao sistema linguístico em si
mesmo” (Rector e Yunes, 1980: 11).
A Semântica linguística vai definir-se com o livro de Michel Bréal,
Século XIX, Essai de Semantique (1873), obra onde o termo semântica foi
utilizado pela primeira vez, a partir de então, os linguistas interessaram-se
definitivamente para o problema da significação, investindo no estudo do
signo.
Contudo, não se pode negar que tudo ou quase tudo que se estuda
hoje em Semântica seja herança da Filosofia da Linguagem através das
obras de Platão, Aristóteles, dos Estóicos (antiguidade), e de Agostinho,
Thomas de Effurt, Tomás de Aquino e outros da Idade Média.
A obra de Bréal está dividida em três partes: as leis intelectuais da
linguagem, como se fixou o sentido das palavras e como se formou a
Sintaxe.
Duarte (2000) expõe que o semanticista trata, em Essai de
Semantique, da lei de especialidade para se fazer compreender com o
menor grau possível de dificuldade e com o mínimo de esforço, trata

2
também da lei de repartição (trata do aspecto da sinonímia, ou quando uma
palavra deveria ser sinónima de outra e adquiriu significado diferente), e
trata ainda do fenómeno da irradiação (acção analógica lenta e gradual
sobre um certo número de lexemas ou morfemas), bem como outros
fenómenos: restrição, ampliação semântica, metáforas e o espessamento de
sentido.
Bréal estuda a Semântica sob uma óptica diacrónica ou evolutiva.
A partir de Saussure, com o “Curso de Linguística Geral”, instaura-se a
Semântica Estrutural, pois essa recebe um tratamento sincrónico. “Os
problemas de Semântica diacrónica que sugiram com a obra de Bréal foram
sendo relegados a segundo plano. Daí surgirem até os anos 60 os trabalhos
que se voltaram ora para uma Semântica Lexicológica ora para uma
Semântica Sintáctica.” (Castim,1983: 50)
Assim, foi a Linguística que introduziu o conceito de semântica. É ali
onde a Semântica começou com sendo o estudo do significado das palavras
da linguagem.
Torna-se importante salientar a relação que a esta disciplina estabelece
com outras três disciplinas linguísticas que intervêm numa expressão com
significado: a Sintaxe, a Lexicografia e a Pragmática.
A Semântica é o estudo do significado atribuível a expressões
sintacticamente bem formadas. A Sintaxe estuda as regras e os princípios
sobre como construir expressões interpretáveis semanticamente a partir de
expressões mais simples, mas em si mesma não permite atribuir
significados, embora a construção de uma frase tenha peso no significado
de uma palavra ou expressões.
A Semântica examina o modo em que os significados se atribuem às
palavras, as suas modificações através do tempo, já que as palavras são
povos que migram e enriquecem os seus significados, através do contacto
reprodutivo. O uso da palavra enriquece, preserva e faz evoluir os seus
possíveis significados, e os traços históricos desse uso fazem o legado de
uma cultura. Como na genética, há nesse uso um jogo invisível de luta
contínua pela sobrevivência e predominância de significados.
A Lexicografia é outra parte da Semântica que trata de descrever o
significado das palavras de um idioma num momento dado e costuma
exibir o seu resultado na elaboração de dicionários.
Por fim, a Pragmática refere-se a como as circunstâncias e o contexto
ajudam a decidir entre alternativas de uso ou interpretação; graças à
Pragmática a linguagem pode ser usada com fins humorísticos ou irónicos.
Ademais a Pragmática reduz a ambiguidade das expressões, seleccionando
só um conjunto adequado de interpretações num determinado contexto.

3
3. Correntes de Pensamento da Semântica

3.1. Semântica estrutural ou lexical

A semântica lexical, ramo da Linguística que estuda o significado


das palavras, faz uma abordagem desde a perspectiva semasiológica (parte
do significado para chegar à forma), ou desde uma perspectiva
onomasiológica (parte da forma – significante - para chegar ao estudo do
significado).
Uma língua é um sistema convencional para a comunicação verbal,
isto é, um sistema para transmitir mensagens convencionalmente
codificadas, que transmitam informação para que o contacto entre os
indivíduos seja, o máximo, perfeito.
A transmissão da informação requer algum tipo de codificação do
conteúdo semântico em forma de expressões linguísticas. A Sintaxe
codifica explicitamente algumas das relações sintácticas da situação ou
estado de factos descritos pela mensagem. Assim, os nomes representam as
entidades físicas que intervêm num estado de factos, enquanto o verbo
descreve estados de algumas destas entidades ou os processos que realizam
umas entidades sobre as outras. Os diferentes tipos de entidades materiais
podem ser classificados de acordo com o tipo de função que desempenham
em cada estado de factos em diferentes papéis temáticos. Assim, uma
descrição gramatical de uma língua deve conter certos princípios que
descrevam como se codificam os papéis temáticos das entidades que
intervêm numa oração. Por isso, a informação semântica é uma parte
integral da gramática.
No entanto, a semântica linguística não se esgota no estudo dos
papéis temáticos2 e a sua codificação. Por exemplo, a semântica lexical
trata da codificação dos significados, tanto na dimensão paradigmática, e
também dos significados obtidos mediante a derivação de diversos
procedimentos morfológicos.
Logo, é o estudo do que denotam as palavras de uma determinada
língua. As palavras podem ou devem denotar entidades físicas do mundo,
ou os conceitos. As unidades de significado na semântica lexical
denominam-se unidades léxicas. As línguas naturais têm a capacidade de
acrescentar novas unidades léxicas à medida que surgem mudanças
históricas e novas realidades nas comunidades de falantes que as usam.

2
Papel temático é um termo que designa o tipo de relação semântica que se encontra
associada aos argumentos de um predicador, ou seja, ao sujeito e aos complementos de um
verbo ou simplesmente aos complementos de um substantivo ou adjectivo.

4
A semântica lexical inclui teorias e propostas de classificação e
análises do significado das palavras, as diferenças e similaridades na
organização do léxico de diversos idiomas e a relação entre o significado
das palavras e o significado das orações e a Sintaxe.

3.1.1. Traços significativos mínimos

Falar sobre os traços significativos mínimos é o mesmo que fazer a


abordagem sobre Semas que são as unidades mínimas de significação,
equivalentes ao traço fonológico distintivo, cuja soma com os outros semas
permite formar o semema, unidade maior que o sema e onde o sema se
realiza. Por outras palavras, do mesmo modo que, em fonologia, os traços
de vozeado e não vozeado distinguem os fonemas [p] ≠ [b], [t] ≠ [d] e [k] ≠
[g], também em semântica os semas "macho"/ "fêmea" distinguem os
sememas <cavalo>/ <égua>, ou os semas "jovem"/ "adulto" distinguem os
sememas <pintainho>/ <galinha>.
Veja-se um exemplo de análise componencial para os sememas
<bicicleta> e <motorizada>, numa perspectiva a proposta de B. Pottier:

sememas bicicleta motorizada


Semas de duas rodas de duas rodas
até duas pessoas3 até duas pessoas
a esforço físico a motor

Os semas distinguem sememas dentro do mesmo campo lexical


(neste caso, <bicicleta> e <motorizada> pertencem ao campo lexical meio
de transporte).
B. Pottier distingue os semas constantes (que por sua vez se dividem
em específicos e genéricos), que possuem uma dimensão denotativa, dos
semas variáveis e actualizáveis (também designados por virtuemas), que
pertencem ao campo conotativo. Por exemplo, <cavalo> teria por semas
constantes e específicos "animal", "mamífero", etc., por semas constantes e
genéricos "animado não humano", "descontínuo" e por semas variáveis ou
conotativos "velocidade", "elegância", "personalidade", "nobreza".
A análise sémica coloca algumas questões. Primeiro, a análise dos
semas conotativos, na designação de B. Pottier, ou contextuais, na
expressão de A. J. Greimas, só pode ser feita em termos de análise do
discurso em que os lexemas se inserem, e não apenas ao nível da língua ou
3
Embora hoje, em Angola, já haja motorizadas com capacidade de transportar mais de duas pessoas. É o
caso das motorizadas com três rodas e calçarias.

5
do significado dicionarizado. Segundo, a descrição de um semema em
termos de semas não prevê toda a variedade de realizações possíveis de
uma entidade no mundo real, uma vez que existem por exemplo, cadeiras
com braços e até sem pés; daí que esta análise veio a ser reformulada em
função dos conceitos de imagem mental e de protótipo. Terceiro, ao
contrário da fonologia em que existe uma lista fechada de traços
fonológicos, não parece haver limites no inventário de semas, o que torna a
análise sémica dependente da tipologia encontrada por cada semanticista.
Contudo, apesar das dificuldades teóricas apresentadas e de outras
também existentes a análise sémica foi aplicada com sucesso ao ensino de
línguas, ao nível da aprendizagem do vocabulário, uma vez que permite
resolver problemas de tradução e de interpretação geral do léxico.

3.1.2. Os campos semânticos

O conjunto das significações assumidas por uma palavra e as


relações precisas que se podem estabelecer entre os termos convencionou-
se a chamar-se campo semântico. Há quem considere campos semânticos
como as "microestruturas" que constituem a estrutura semântica de uma
língua, "no interior das quais os termos constitutivos entretecem relações
precisas e formalizáveis".
O Dicionário de Termos Linguísticos (vol. II, de Maria Francisca
Xavier e Maria Helena Mateus) considera campo semântico" um conjunto
de lexemas ou outras unidades linguísticas que se encontram ligadas
semanticamente. O termo surge muitas vezes como sinónimo de campo
lexical, mas é necessário ter em consideração que este, ao contrário de
campo semântico, tem uma significação menos ampla, pois designa apenas
conjuntos de lexemas".
As associações possíveis entre palavras que se relacionam por
significado, símbolo, conotação ou mesmo um aspecto rítmico, contribuem
para a compreensão e leitura do texto.
Exemplos:
- campo semântico de navegar: navegar, marear, velejar, sulcar,
vogar, singrar, navegar (na Internet)
- campo semântico que traduz o sentido genesíaco: cio, procriar,
fermento, germinar, semente, semear, sexo, sémen, fecunda, seiva, parir
- campo semântico em torno do conceito de morte: dar o badagaio;
bater a bota; partir; ir de esta para melhor; falecer; apagar-se; etc.
Em linhas gerais, o campo lexical agrupa palavras referentes a uma
determinada área da realidade (por exemplo, as cores do arco-íris formam

6
um campo lexical) e o campo semântico organiza-se pelo sentido (valor
semântico) que a palavra (ou a expressão) pode adquirir conforme o
contexto em que acontece ou pelas relações precisas com um determinado
significado.
Podemos, de forma prática, quase dizer, que o campo lexical remete
para os significantes e o campo semântico para os significados.

3.1.3. As relações de sentido

Conforme postulado por Cruse (1986, p. 1), “as propriedades


semânticas de um item lexical reflectem-se nas relações que este mantém
com contextos reais e potencias”- entendendo-se aqui contexto, em sentido
estrito, como contexto linguístico. Desta sorte, segundo o autor, o sentido
das palavras é dado, em grande parte, pelas suas relações com os sentidos
de outras palavras, o que traz à tona um paradoxo enfrentado por aqueles
que defendem, assim como o próprio autor, a abordagem contextual (cf.
Cruse 1986: cap. 1): como falar em relações entre os sentidos dos itens
lexicais quando estes sentidos são, eles mesmos, caracterizados por tais
relações?
Assim, quando falamos em relações de sentido entre os itens lexicais
não defendemos o sentido como sendo um pacote conceptual imanente à
palavra, mas falamos nos sentidos caracterizados, exactamente, por tais
relações.
No entanto, se uma abordagem contextual mais flexível e menos
ambiciosa for adoptada, o mesmo paradoxo se mostra menos problemático.
A respeito disto diz-nos Cruse:
O paradoxo não se apresenta de forma tão aguçada se a versão mais
fraca da abordagem contextual for adotada, a qual revela meramente que
o sentido de um item lexical se revela através de suas relações contextuais,
sem comprometimento com aquilo que o sentido realmente seja. Cruse
(1986:84)
Segundo Cruse, as relações de sentido podem ser de dois tipos:
paradigmáticas ou sintagmáticas. O autor define tais relações da seguinte
forma:
As relações de sentido são de dois tipos fundamentais:
paradigmática e sintagmática [...]. Cada uma das duas relações de sentido
possui a sua significância distinta. As relações paradigmáticas, em grande
parte, reflectem a forma na qual a realidade experimentada, a qual se dá
de forma infinita e variada, é apreendida e controlada por meio da
categorização, subcategorização e gradação ao longo das dimensões
específicas de variação. Elas representam os sistemas de escolhas com os

7
quais o falante se depara quando codifica a sua mensagem. Os aspectos
sintagmáticos do significado lexical, por outro lado, servem à coesão do
discurso, adicionando informação necessária à mensagem, ao mesmo
tempo controlando a contribuição semântica de elementos individuais da
enunciação através da desambiguidade, por exemplo, ou pela sinalização
de estratégias alternativas –e.g. figuração- de interpretação. CRUSE
(1986: 86).
O trabalho de Cruse (1986) está direccionado, sobretudo para as
relações paradigmáticas – oposição, hiponímia, sinonímia, etc. – muito
embora dedique também um capítulo às relações sintagmáticas (cap. 2),
como por exemplo, restrições de colocação dos elementos frásicos.
As relações sintagmáticas e paradigmáticas podem ser utilizadas para
definir e caracterizar graus de inadequação. Segundo Cruse, quando uma
relação sintagmática que origina uma certa estranheza, pode, por meio da
substituição de itens lexicais presentes por itens ausentes
paradigmaticamente relacionados, amenizar, ou dar cabo de tal dissonância,
tal relação pode ser entendida como um caso de relação de inadequação a
qual, por sua vez, pode ser entendida como uma relação onde há uma
restrição de colocação por parte do termo selector. Ilustra tal asserção feita
por Cruse o seguinte exemplo:

A ‘aspidistra’ enfermeira bateu as botas.


Cruse (1986:107)

Segundo o autor, se substituirmos bater as botas pelo sinónimo


cognitivo morrer acabamos com a dissonância presente em tal frase, visto
que ‘aspidistra’ é uma planta. Isto equivale a dizer, segundo ele, que este é
um caso de restrição de colocação do termo selector ou regente (neste caso,
aspidistra).
Se por um lado, os efeitos contextuais, vistos como resultado da
incidência das adjacências linguísticas paradigmáticas e sintagmáticas
sobre o significado lexical, parecem exercer uma influência decisiva nas
relações de sentido, por outro é importante reconhecer ainda um outro
plano em que se pode falar em determinação contextual.
Trata-se, naturalmente, do contexto entendido como situação de
discurso. A rigor, numa abordagem radicalmente pragmática da
significação, a totalidade do sentido é dada na situação de discurso, não
havendo significado que seja imanente às palavras ou a um sistema fixo de
relações.
Uma abordagem radicalmente pragmática exclui a ideia de que os
itens lexicais possuem um significado, o qual mantém por si só relações
com os significados possuídos por outros itens lexicais. É coerente que
reconheçamos aqui então que, em certo sentido, as relações entre as

8
palavras que percebemos e somos capazes de descrever não constituem
padrões fixos e imutáveis, derivados da significação intrínseca dos itens
lexicais. Acreditamos que isso não diminui o valor de tais descrições como
instrumentos meta linguísticos – instrumentos sempre parciais, é verdade,
mas ainda assim potencialmente iluminadores. Contanto que não percamos
de vista a sua parcialidade, podemos utilizar tais instrumentos como
explicações legítimas sobre os usos das palavras nas línguas humanas.
O reconhecimento de que a situação do discurso altera
potencialmente a nossa percepção das relações lexicais está presente, de
resto, mesmo em abordagens menos radicalmente pragmáticas como as de
Cruse (1986), Lyons (1990), Saeed (2003), e Pietroforte e Lopes (2003),
para os quais a situação do discurso desempenha um papel fundamental nas
relações entre os sentidos dos itens lexicais em questão.
Assim, diz-nos Saeed a respeito disto: Os efeitos contextuais podem
também mover os sentidos de uma palavra para outra direcção, por meio
da criatividade e mudança semântica . Saeed (2003: 60)
Cruse, à semelhança de Saeed, admite também a importância da
situação do discurso nas relações de sentido, reconhecendo, na sua
abordagem contextual, que os contextos relevantes podem incluir contextos
situacionais extra linguísticos. (1986, p. 1).
Pietroforte e Lopes (2003) reconhecem, assim, a importância da
situação do discurso nas relações de sentido e declaram, ao definirem
termos sinónimos, o seguinte:
No discurso, o falante pode tornar sinónimas palavras ou
expressões que noutro contexto não o são.
Pietroforte e Lopes (2003: 126)

Em vista do que se discutiu anteriormente, torna-se importante dizer


que a abordagem das relações de sentido é, sobretudo do ponto de vista da
sua dimensão paradigmática, mas sem deixar de incluir observações acerca
do plano sintagmático, sobretudo no que tange às restrições de colocação.

a) Antonímia

Apesar de ser comummente designada por antonímia, o conceito de


oposição que ela subsume evidencia uma grande heterogeneidade de
definições e propostas tipológicas, no contexto das quais parece, todavia,
haver um traço consensual, que é a ideia de oposição de significado. Por
outro lado, parece ser também consensual o princípio de que “a eleição de

9
um antónimo dependerá sempre não só do contexto como da situação do
enunciado” (Olano, 2004:321)4.
A afirmação de que toda a palavra pronunciada faz recordar o seu
sentido oposto permite operar um processo de conexões de significado no
léxico mental do indivíduo, através da associação dos seus traços
distintivos. Além disso, cada lexema pode ser comparado a qualquer outro
num espaço multidimensional estruturado em termos de oposições. De
acordo com Lyons (1977: 219), esta oposição de significado entre lexemas
é designada por antonímia.
Este termo apareceu por volta do século XIX para descrever a
oposição de significado e, desde então, é visto, frequentemente, como o
oposto da sinonímia, embora isso não possa ser entendido de forma tão
simplista5. Genericamente, pode dizer-se que o conceito de antonímia
envolve um sentido de contrariedade semântica, de negação, de oposição
binária, de “graduação” e de “propriedade” (Olano, 2004:321). Para se
cumprir a relação de oposição são três os requisitos: uma dicotomia que
impõe a existência de dois termos, a inerência do par de opostos e, por
último, a expressão explícita da oposição contida naquele par (Vidal,
2007:72). Dado que esta dicotomização entre lexemas é o princípio que
governa o sistema das línguas, a abordagem da antonímia é fundamental na
estruturação lexical de uma língua, embora se manifeste de formas diversas
e com propriedades diferentes em função da perspectiva teórica adoptada.
Carmen Varo (2007:57e58) enumera alguns critérios lógicos
concebidos por Aristóteles para a caracterização da antonímia: a
reciprocidade, que implica a relatividade entre os opostos; a gradação, que
sugere a existência de um lexema intermédio entre os opostos; a presença
ou ausência de uma qualidade, que abrange apenas uma unidade lexical não
a tornando oposta; a afirmação versus a negação, que se relacionam com
aquilo que o lexema poderá ter de verdadeiro ou falso e, por último, a
implicação, que pretende mostrar que a existência de um oposto não
implica necessariamente a do outro. Em última instância, a eleição de um
antónimo depende do contexto.
Cruse (2004:162) considera que esta relação é a única a ter um
reconhecimento lexical directo na linguagem diária, existindo diferentes
manifestações da relação antonímica, tais como o domínio conceptual
dividido por antónimos, a focalização da atenção sobre coisas diferentes e a
categorização de dois membros da relação. Por isso, como também lembra
Ezquerra (2003:76), os antónimos encontram-se em determinados âmbitos
4
Optou-se por utilizar os termos antonímia e sinonímia na designação genérica deste trabalho por terem
um sentido mais lato e serem mais reconhecidos no âmbito da didáctica. Contudo, desejo aqui ressalvar
que serão também utilizados os termos opostos e equivalentes, no sentido de acentuar o traço sémico
que melhor os distingue.
5
No entanto, a antonímia como conceito e objecto de estudo é conhecida desde a Antiguidade Clássica
(Varo, 2007:11)

10
significativos para expressarem qualidades e valores, sentimentos e estados
de alma, quantidades e dimensões, movimentos, processos reversivos,
localização espacial, o realizável e o hipotético, relações cronológicas e
estados opostos entendidos como tal. Vilela (1994:194) reforça esta ideia
ao salientar que “[a] língua portuguesa é toda ela atravessada pela oposição
antonímica em diferentes coordenadas e tipos.”
Como já foi referido, a classificação dos opostos lexicais foi objecto
de várias propostas tipológicas. Este trabalho basear-se-á nos estudos
desenvolvidos pelos linguistas Lyons (1977) e Cruse (2004)6,
apresentando-se, de seguida, um esquema-síntese das respectivas propostas
tipológicas.

conjuntos seriados
não binários
conjuntos cíclicos

Lyons Contrastes antónimos ou opostos graduáveis


complementares ou não graduáveis
binários inversos
direccionais

antónimos ou opostos graduáveis


não lineares
complementares ou não graduáveis

Cruse Opostos
conversos ou inversos
lineares direccionais
privativos

Atendendo a estes esquemas, poder-se-á subdividir a antonímia em


dois tipos de contrastes: o binário e o não-binário7. O presente estudo
centra-se sobre o primeiro tipo de contraste, o binário. Assim sendo,
começar-se-á por enumerar os seus tipos: os antónimos, os
complementares, os inversos e os direccionais (Lyons, 1977:226).
No caso de Cruse (2004:162-168), a antonímia subdivide-se em dois
tipos de opostos: o linear e o não linear. Estes assemelham-se aos
contrastes binários de Lyons, como se pode verificar no esquema acima
apresentado. Assim sendo, os opostos não lineares dividem-se em

6
Outros teóricos serão aqui, também, referidos sempre que se impuser essa necessidade .
7
Este tipo de contraste defendido por Lyons implica uma relação entre os lexemas que envolve a
incompatibilidade. Essa relação de oposição pode acontecer entre conjuntos seriados e cíclicos. Nos
primeiros, cada membro do conjunto tem o seu lugar na série entre dois outros membros, um inicial e um
final. Os conjuntos seriados podem ter escalas quando se refere, por exemplo, a «muito bom», «bom»,
«suficiente» ou graus, às categorias militares ou até às notas escolares. Relativamente aos conjuntos
cíclicos, cada membro tem o seu lugar no ciclo entre dois outros membros em que há uma ordenação
sucessiva como, por exemplo, nas estações do ano, meses ou ainda dias da semana (Vilela, 1994:172).

11
antónimos e complementares. Os opostos lineares dividem-se em
conversos, direccionais e privativos.
De seguida, descreve-se e exemplifica-se cada um deles.

a.1. Antónimos ou opostos graduáveis

Os opostos graduáveis são, também, considerados os verdadeiros


antónimos, na medida em que representam os extremos de uma escala
graduável, em que a polaridade dos lexemas se encontra mais aberta à
existência de termos intermédios. Cruse (2004:164) e Lyons (1977:276)
defendem que os antónimos se podem distinguir em dois subgrupos: os
polares e os equipolentes, mas Cruse (2004:164) ainda enumera um terceiro
subgrupo, o dos sobrepostos.
Far-se-á uma referência global a cada subgrupo de antónimos.
“Os polares indicam propriedades que podem medir-se de maneira
objectiva” (Vidal, 2007:74). Tome-se como exemplo o par de opostos
«quente» e «frio». Se analisarmos logicamente estas palavras, verificamos
que há um ou mais graus entre os dois, por exemplo, «menos quente» e
«mais frio» ou ainda «mais quente» e «menos frio». Note-se que se faz
uma comparação entre dois objectos quanto a uma determinada
propriedade, variando o grau em relação ao qual essa propriedade é
considerada. Vejam-se os exemplos «o casaco é menos quente do que a
camisola» ou «o casaco é tão quente como a camisola». A diferença está na
intensidade de grau atribuída à palavra «quente». Um dos aspectos a
salientar neste subgrupo é a utilização dos graus comparativo e superlativo,
que indicam a propriedade física de cada termo de opostos. «Quente» e
«frio» podem ser incompatíveis, mas não contraditórios, como ilustra o
exemplo: «O casaco não é quente nem frio». Essa forma de comparação
entre os dois termos poderá ser imparcial, porque num determinado grau
pode pressupor uma aplicação diferente daquela que é realizada noutro.
Nesse sentido, são neutros relativamente à qualidade que apresentam
(Vidal, 2007:75).
O segundo subgrupo é o equipolente, que se caracteriza por uma
consignação entre os pares de lexemas, ou seja, um compromisso entre os
dois opostos. Como esclarece Vidal (2007:75), este tipo de antónimos
atribui sempre propriedades em grau positivo, como se houvesse na
realidade duas escalas diferentes. Nota-se em sensações como «doloroso» e
«aprazível», «doce» e «amargo» ou, ainda, em emoções como «alegre» e
«triste», «orgulhoso» e «envergonhado». Neste caso, nenhum dos dois
termos é imparcial, na medida em que se atribui a ambos a propriedade no
grau positivo que indicam. Por exemplo, na frase «a mousse está mais doce
do que o bolo», atribui-se a ambos a qualidade de serem doces, mas em
graus diferentes.

12
Por sua vez, o grupo de antónimos sobrepostos, proposto por Cruse
(2004:166), é caracterizado pelas propriedades de polaridade avaliativa e
inerência. Isto significa que um dos membros mostra uma graduação
imparcial enquanto a do outro é comprometida. Analise-se o caso do par
«bom» e «mau»: uma vez que dois objectos diferem no grau de “maldade”,
um deles será sempre pior do que o outro, como mostra o exemplo «O
tempo esteve mau o ano passado, mas este ano está pior.» Desta forma,
dois objectos maus não podem ser descritos como sendo um melhor do que
o outro, i.e. estão comprometidos, pois há uma sobreposição entre as duas
escalas graduadas. Em princípio, só os objectos que não são inerentemente
maus, ou seja, que são imparciais, podem ser usados com o lexema «bom»
ou «melhor».

a.2. Opostos complementares ou não-graduáveis

Além dos antónimos graduáveis, há os opostos complementares,


também chamados de não-graduáveis, usados como expressões
predicativas e que dividem os objectos de que são predicados em conjuntos
complementares. Segundo Vidal (2007:73), os opostos complementares são
“términos cuyos significados son mutuamente excluyentes (…) entre los
que no cabe término medio.” Por isso, a predicação de um dos pares
implica a negação do outro par, ou seja, dizer «x é fêmea» implica que «x
não é macho» ou, ainda, afirmar que «x não é fêmea» implica que «x é
macho» no caso de «macho» e «fêmea» serem considerados predicados de
«x» (Lyons, 1977:220). Os opostos complementares constituem uma forma
básica de oposição e mostram o contraste binário na sua forma mais pura.
Veja-se este exemplo: um ser pode estar vivo ou estar morto, mas não os
dois simultaneamente, pois são incompatíveis. Estas afirmações dariam
lugar a proposições tautológicas: «se isto é verdadeiro, então não é falso»
ou «se isto é falso, então não é verdadeiro». Em síntese, a
complementaridade é definida por Cruse (2004:164) através da seguinte
equação: “F (x) entails and is entailed by not F (y)”.

a.3. Opostos inversos ou conversos

Os opostos conversos ou inversos (Cruse, 2004:168; Lyons,


1977:226) envolvem reciprocidade na relação que é estabelecida entre os

13
pares de lexemas. Os pontos de vista são diferentes, mas a sua relação de
significação é a mesma. Atente-se o par «marido» e «mulher» na frase «X é
o marido de Y»: a sua proposição conversa é «X é a mulher de Y». As
relações conversas entre lexemas são muito vulgares em áreas vocabulares
ligadas ao parentesco («pai» e «mãe»), ao papel social («médico» e
«paciente») e ao espaço e tempo («à frente» e «atrás» ou até «antes» e
«depois») (Lyons, 1977:227). Com alguma frequência, o oposto converso é
considerado um subtipo dos opostos direccionais, embora muitas vezes
seja, como afirma Cruse (2004: 167) difícil identificar essa característica de
movimento ou deslocação. Vidal (2007:76) defende ainda que dois opostos
conversos ou inversos podem “describir la misma situación, es decir, que
puedan dar lugar a expresiones sinónimas, que satisfacen las pruebas de
equivalencia pertinentes”. Como ilustração deste conceito, veja-se o
exemplo seguinte: «o círculo está acima do quadrado» ou «o quadrado está
abaixo do círculo». Nestes exemplos, é descrita a mesma situação,
utilizando-se os opostos inversos com os argumentos adequadamente
transferidos.

a.4. Opostos direccionais

Considera-se, ainda, a oposição direccional como um outro tipo de


antonímia. Esta oposição centra-se no movimento feito numa de duas
direcções opostas que os pares de lexemas poderão expressar numa
determinada situação e tendo como ponto de partida um dado ponto 8. Estes
opostos indicam um movimento que conduz a uma mudança de estado em
direcções opostas, como «entrar» e «sair» ou «abrir» e «fechar». Vejam-se
os exemplos que evidenciam essa mudança de estado: “O João saiu”
implica “O João está fora” ou ainda “O Luís abriu a porta” implica “A
porta está aberta” (cf. Vidal, 2007:77).

8
Por outro lado, há a possibilidade de estabelecer uma oposição direccional entre «vir» e «ir», que difere
das anteriormente referidas, pois está ligada à deixis e ao ponto de localização dos sujeitos falantes. O
mesmo não acontece com os opostos «chegar» e «partir» como exemplifica Lyons (1977:228) “X chegou
a Paris a noite passada”, independentemente de estarmos em Paris na altura do acto de enunciação ou de
estarmos em Paris na altura em que o evento se deu.” O mesmo não poderia acontecer com «ir» e «vir»,
porque a seu emprego dependeria do local onde o falante se encontraria no acto da fala

14
a.5. Opostos privativos

No âmbito do objecto em análise, considera-se ainda uma outra


distinção realizada por Cruse ao nível da classificação dos tipos de
oposição existentes: a privativa, que permite estabelecer, de acordo com o
autor, o contraste entre um termo marcado e um termo não marcado.
O termo marcado tem um sentido mais específico do que o não
marcado que lhe corresponde semanticamente, visto que um tem presente
uma propriedade e o outro contém uma ausência da referida propriedade.
Cruse distingue três características neste tipo de opostos:
A primeira é a marca morfológica que um lexema pode ter e que no
seu oposto se encontra ausente, como nos seguintes exemplos: «útil» e
«inútil», «legível» e «ilegível» ou «armado» e «desarmado». Neste caso, os
prefixos de negação «des», «in» ou «i» identificam a oposição.
A segunda característica do oposto privativo é a marca
distribucional. Neste domínio, os termos não marcados são os mais
frequentemente usados em diversos contextos e, por conseguinte, mais
aceites, ocorrendo em exemplos como «pardal» e «pardaloca». O primeiro
é menos específico do que o segundo; porém, «pardaloca» demonstra
apenas que é fêmea – o que leva a aplicar o termo «pardal» em diferentes
contextos, mesmo para referir se é uma fêmea ou um macho, como se
constata nas combinações «pardal macho» e «pardal fêmea».
A terceira característica é a chamada marca semântica, que implica
neutralidade entre os termos opostos. Tomando como exemplos os lexemas
«leão» e «leoa», quando utilizados de forma diferente, a sua oposição pode
ficar neutralizada, como se vê nos exemplos seguintes: «O leão e a leoa
estão deitados» e «Avistamos um grupo de leões ao longe» Neste último
caso, o sexo do animal foi neutralizado, pois o grupo de leões pode incluir
fêmeas e machos (Cruse, 2004:168).

b) Sinonímia

Do mesmo modo que a relação lexical de antonímia se pode


considerar como um fenómeno linguístico e discursivo, também a
sinonímia é passível de ser caracterizada de acordo como um fenómeno da
mesma natureza, pois pode ser abordada a partir de dois planos: o da língua
e o da fala (Olano, 2004:287,289).
De facto, a relação que traduz a existência de significado equivalente
entre duas ou mais unidades lexicais é comummente designada por
sinonímia, e, sendo, como a antonímia, de nível paradigmático, pode, no
entanto, ter incidência no domínio sintagmático.

15
Trata-se de uma relação semântica que gerou e gera interesse entre
os seus investigadores e foi objecto de uma grande diversidade de
definições e tratamentos. A questão mais debatida terá sido talvez a que se
relaciona com a possibilidade ou não da existência de sinonímia absoluta.
De forma geral, pode dizer-se que os sinónimos se caracterizam pelo
facto de a sua similaridade semântica ser mais evidente que a sua diferença
(Cruse, 2004:154). Globalmente, apresentam três características –
identificação, igualdade e similaridade. De acordo com Vilela (1994:29),
“[o]s sinónimos estão sujeitos a restrições de natureza estilística, sintáctica,
preferências idiossincráticas, contextuais e textuais (…)”. Neste âmbito, o
conceito de relação de equivalência poderá ser absoluta ou relativa (Olano,
2004:282). Na prática, poder-se-á questionar se esta relação de identidade
entre significados acontece em qualquer contexto sem alterar o valor
verdadeiro da proposição em que aparece (Vidal, 2007:55). A tipologia
mais consensual entre os semanticistas para uma possível divisão da
sinonímia é estruturada em três grupos: a absoluta, a proposicional e a
parcial. Esta abordagem toma em consideração o contexto em que a relação
sinonímica pode ocorrer e enquadra-a numa gradação que se inicia com a
sinonímia absoluta e termina na não-sinonímia (Olano, 2004: 281).

b.1 Sinónimos absolutos

A primeira, a sinonímia absoluta, caracteriza-se pelo significado


idêntico entre as palavras em todos os contextos. Segundo Vidal, ocorre
quando los dos significados tienen el mismo contenido semántico y las dos
palabras pueden intercambiarse libremente en cualquier situación sin que
ello produzca ningún tipo de contraste (207:56).
Os sinónimos absolutos são, a aceitar-se a sua existência, muito
raros, uma vez que há a necessidade de encontrar o mesmo significado
conceptual e o mesmo significado estilístico no par de lexemas. Por tal
razão, este tipo de sinonímia cria alguma controvérsia entre os linguistas.
Como explicita Vidal (2007:56), poderá haver dúvidas quanto à noção da
sinonímia absoluta, sendo que se questiona as diferentes dimensões do
significado, a diferente combinatória de duas unidades e a não identidade
de todos os significados de duas palavras. Contudo, podem apontar-se
alguns exemplos de sinónimos absolutos, como «malária» e «paludismo»,
ou «prisão» e «cadeia» e «agudo» e «oxítono».

16
b.2. Sinónimos relativos

Por sua vez, autores como Cruse (2004:155), Vilela (1994:28) e


Olano (2004:281) analisam a existência de sinonímia proposicional ou
relativa em termos pragmáticos, ou seja, os lexemas podem ser substituídos
em qualquer expressão com propriedades verdadeiras sem as afectar. Daí
que os traços ‘envolvimento’ ou ‘implicação’ entre lexemas estejam na
base deste tipo de sinónimo. Assim, em certos contextos, os lexemas
«guitarra» e «viola» aparentam o mesmo significado, pelo que o facto de
serem instrumentos musicais ligeiramente diferentes não faz deles
sinónimos absolutos mas, sim, relativos. As diferenças que se apresentam
entre os sinónimos proposicionais são a vários níveis: de significado, de
estilo e de domínio de discurso. Tomando de novo o par «guitarra» e
«viola», há que salientar que, se o falante for um leigo em matéria de
instrumentos musicais, poderá não notar grande distinção entre o emprego
de cada uma destas unidades lexicais, assumindo-as como sinónimos
absolutos. Porém, se o falante for um músico profissional, diferenciará o
emprego de cada lexema, pois reconhece-lhe certas distinções, embora
saiba que o termo «viola» é mais generalizado e utilizado entre os leigos da
música. Os sinónimos proposicionais são também muito frequentes nas
áreas emotivas ou no calão, domínios onde é possível encontrar um grupo
de termos ou expressões, desde o mais refinado ao mais grosseiro, como,
por exemplo, «eles embriagam-se», «eles embebedam-se» e «eles
emborracham-se».

b.3. Sinónimos parciais

De certa forma, a noção de sinónimos parciais, retoma o princípio


defendido por Cruse (2001: 250) para os sinónimos relativos, pois
considera-se que podem ser substituídos numa determinada frase sem
alterar o seu valor de verdade.
No que respeita aos sinónimos parciais, devem distinguir-se dois
princípios, como defende Cruse (2004:156). O primeiro é constatar que os
falantes têm uma intuição natural para distinguir os pares de palavras que
são ou não sinónimos. O segundo é verificar que não se deverá afirmar
categoricamente que há uma escala de distância semântica e que os
sinónimos são palavras cujos significados são relativamente próximos, pois
não existe uma correlação simples entre aproximação semântica e grau de
sinonímia. Por vezes, o facto de uma palavra ser semanticamente próxima
não implica que se torne mais sinónima. Assim, a sinonímia parcial
caracteriza-se pela posição numa escala, pelas distinções aspectuais e pela

17
diferença do centro prototípico, ou seja, as palavras têm o mesmo
significado conceptual, mas o significado emotivo é diferente. Vejam-se os
exemplos: «grande» e «enorme», «nevoeiro» e «neblina» ou ainda «chefe»
e «patrão» e também «bonito» e «bem-parecido», comutáveis em alguns
contextos. A distinção deste tipo de sinonímia com o da sinonímia relativa
e até absoluta compreende-se mais claramente na sua relação com o
conceito de polissemia, na medida em que são sempre consideradas as
várias acepções que uma palavra pode ter na determinação dos seus
equivalentes semânticos9.
Vidal propõe solucionar este problema, deslocando a questão do
cumprimento obrigatório das duas propriedades geralmente consignadas
aos sinónimos absolutos – o mesmo significado descritivo e a comutação
possível em todos os contextos – para a consideração do significado
descritivo como o critério de base na identificação de um par sinónimo.
Neste sentido, defende que “dos términos que poseen el mismo
contenido descriptivo, aunque no puedan intercambiarse entre sí en todos
los contextos” (2007:58). Surge, assim, a noção de equivalência ligada a
outros tipos de sinonímia que ajudam à organização do léxico de uma
língua reproduzindo a intenção do falante relativamente à identidade de
significados. O importante é, também, entender a sinonímia como a
equivalência de significado em diferentes contextos independentemente de
os pares de sinónimos serem considerados absolutos ou relativos.

9
Correia afirma: “uma palavra considera-se polissémica quando apresenta vários significados, sendo
possível estabelecer uma relação entre esses vários significados” (2000:57).

18
3.2. Semântica Formal

3.2.1. Objecto de estudo

Como se sabe, existe a semântica que aborda de tudo um pouco:


semântica textual, semântica cognitiva, semântica lexical, semântica
argumentativa, semântica discursiva, etc. Todas estudam o significado,
cada uma à sua maneira.

Desta forma, já se percebe de que o estudo do significado pode ser


feito de vários ângulos: podemos investigar a relação entre as expressões
linguísticas e as representações mentais, entre as expressões linguísticas,
ideologia e cultura e entre as expressões linguísticas e o mundo. Podemos,
também, investigar a rede de relações que uma expressão estabelece com as
outras da língua. E assim por diante...

Talvez estas perspectivas não sejam totalmente incompatíveis, pois o


significado possui, realmente, vários ângulos. Qualquer teoria que ignore
os diferentes aspectos envolvidos no estudo do significado encontrará
limites no seu alcance. Esta limitação é inescapável quando recortamos o
nosso objecto de estudo.

Entretanto, não se pode negar que uma das características


importantes das expressões linguísticas é que elas são sobre alguma coisa.
Se alguém enuncia a sentença em (1), numa situação em que, realmente, se
verifica congestionamento relevante no contexto, diríamos que esse falante
disse a verdade, porque a sentença descreve, com fidelidade, a realidade
das estradas de Luanda. É esta referência a situações externas à língua que
sugere os significados estarem, de alguma forma, ligados ao mundo, a algo
que tomamos (ou construímos) como independente da língua. Sugere, pelo
menos, ser assim que nós interpretamos grande parte dos nossos
enunciados.

1. Há muito engarrafamento em Luanda.

A Semântica Formal considera uma propriedade central das línguas


humanas o ser sobre algo, i. e., o facto de que as línguas naturais são
utilizadas para falar sobre os objectos, os indivíduos, os factos, os eventos,
as propriedades, …, descritos como externos à própria língua.

Assim, a referencialidade é tomada como uma das suas propriedades


fundamentais. Por esta razão, na Semântica Formal, o significado é
entendido como uma relação entre a linguagem, por um lado, e, por outro,

19
aquilo sobre o qual a linguagem fala. Este mundo sobre o qual falamos
quando usamos a linguagem pode ser tomado como o mundo real, parte
dele, ou mesmo outros mundos ficcionais ou hipotéticos.

Conhecer o significado de uma sentença, dentro deste paradigma,


é conhecer as suas condições de verdade.

Voltemos a nossa sentença (1). Quando ouvimos alguém enunciá-la,


podemos não saber se ela é verdadeira ou falsa. Sabemos, entretanto, em
que situações ela seria verdadeira. Várias coisas poderiam variar: o
engarrafamento poderia ser parcial, total; a estrada poderia estar
esburacada, … . Mas teria de haver engarrafamento em Luanda!

Evidentemente, podemos não saber se há ou não engarrafamento,


mas, certamente, sabemos dizer em que situações a sentença (1) seria
verdadeira. Este conhecimento é semântico (e, portanto, gramatical), pela
sua natureza e faz parte do nosso conhecimento do significado de (1). Esta
definição apoia-se no facto de que, se alguém não conhece as condições
sob as quais uma sentença é verdadeira, não conhecemos o seu significado.

A Semântica Formal afirma que o significado de uma sentença é o


tipo de situação que ela descreve e que a descrição destas situações
possíveis é equivalente às condições de verdade da sentença.

No caso da sentença (1), a teoria diz que o seu significado é a


descrição de uma situação em que há engarrafamento em Luanda. À
primeira vista, esta explicação não parece muito esclarecedora. Ela só passa
a dar uma contribuição relevante para o estudo do significado quando se
propõe a investigar como chegamos ao significado de uma sentença a partir
do significado das suas partes.

Exemplificando novamente com a sentença (1): o que queremos


saber é como construímos as suas condições de verdade a partir do
significado de há, muito, engarrafamento, em Luanda.

Outra propriedade central das línguas naturais é a sua produtividade.


As línguas naturais permitem-nos produzir e compreender constantemente
significados novos. E isto ocorre não só pela sua flexibilidade na criação de
palavras novas, mas principalmente, pois elas nos permitem produzir e
compreender sentenças completamente novas. Isso é possível porque, a
partir do significado dos itens lexicais e da maneira como estes se
compõem, derivamos o significado das unidades complexas, ou seja, cada
parte de uma sentença contribui, de uma forma sistemática, para o seu

20
significado. Em outros termos, cada parte de uma sentença contribui para
as suas condições de verdade.

Vejamos alguns exemplos simples de como é possível analisar-se


composicionalmente o significado de uma sentença:

(i) A composição de um sujeito com o seu predicado: Quando


compomos um sujeito e um predicado, descrevemos um conjunto de
situações nas quais o indivíduo sobre o qual o sujeito fala pertence ao
conjunto das entidades sobre as quais o predicado fala.

A sentença (2), por exemplo, afirma que a cidade de Luanda pertence


ao conjunto das entidades grandes.

2. A cidade de Luanda é grande.

(ii) A denotação de sentenças coordenadas: Quando compomos duas


sentenças por coordenação, o resultado é uma situação que é a soma das
situações descritas por cada uma das sentenças individualmente.

A sentença (3) ilustra este facto, pois descreve uma situação em que
a cidade de Luanda é simultaneamente grande e cheia de lixo.

3. A cidade de Luanda é grande e a cidade de Luanda está cheia de


lixo.

É a introdução de uma estrutura sentencial que possibilita a


semântica avançar além do estudo do significado das palavras. Se tudo o
que soubéssemos fosse o significado individual das palavras que compõem
as sentenças (2) e (3), não seríamos capazes de diferenciar entre os seus
significados. Vemos, então, que o significado de uma sentença não é
determinado apenas pelo significado das suas palavras, mas também pela
sua estrutura gramatical. Em (4) e (5), as regras sintácticas do português
determinam qual é o sujeito e qual é o objecto na sentença. Esta estrutura
gramatical está relacionada com a estrutura argumental do verbo que, por
sua vez, determina, por exemplo, quem é o agente e quem é o paciente de
matou em (4) e (5).

4. João matou o bandido.


5. O bandido matou João.

A Semântica Formal pode ser descrita como um projecto que


procura responder às seguintes perguntas: O que "representam" ou
"denotam" as expressões linguísticas? Como calculamos o significado de

21
expressões complexas a partir dos significados das suas partes?

3.2.2. As noções de sentido e de referência

Uma vez que se assumiu que a linguagem fala sobre entidades,


estados, propriedades e eventos de alguma forma concebidos/construídos
como externos a ela, pode-se perguntar sobre o significado de uma
sentença como 67. Sob este prisma, o seu significado pode ser descrito
como em 68, onde se diz que duas expressões linguísticas – professor
titular da cadeira de Semântica e António Costa apontam para/referem-se
ao mesmo indivíduo no mundo real.

67. O professor titular da cadeira de Semântica é António Costa.

68. O indivíduo, que é titular da disciplina de Semântica, é o


indivíduo nomeado pela expressão António Costa.

A sentença 68 parece descrever bastante bem o significado da 67. No


entanto, se é verdade que 68 explicita o significado de 67, ter-se-ia de
aceitar 69 como sinónima de 67. Isto porque, tanto em 67 como em 69, está
a afirmar-se uma relação de igualdade entre um indivíduo e ele mesmo.
Esta relação está ilustrada em 70.

69. António Costa é António Costa.

70. [desenho/foto de um homem] = [desenho/foto de um homem]

No entanto, as sentenças 67 e 69 não dizem a mesma coisa. Gostar-


se-ia de afirmar que elas são sinónimas. A sentença 67 é informativa, algo
se aprende com ela, ao passo que a 69 diz o que é óbvio que um indivíduo é
igual a si mesmo. O que não está correcto na descrição do significado de
67?

O erro está em descrever o significado de uma expressão linguística,


levando em conta apenas a sua referência, i.e., o objecto a que ela aponta.
Está-se a deixar de lado a descoberta feita pelo filósofo Gottlob Frege, no
final do século XIX, de que a noção de significado de uma expressão
abarca dois conceitos fundamentais: o de sentido e o de referência. A
referência de uma expressão é a entidade (ou as entidades), o objecto ou o
indivíduo que ela aponta no mundo. Já o sentido de uma expressão é o
modo como se apresenta este objecto, o caminho pelo qual se lhe chega.

22
Assim, pode-se entender porque 67 é uma sentença informativa e 69
não a é: as expressões o professor da cadeira de Semântica e António
Costa possuem sentidos diferentes. Elas informam que o indivíduo António
Costa pode ser encontrado no mundo por caminhos diferentes – deve-se
aprender algo com essa sentença.

O facto de que o significado de uma sentença possui tanto um


sentido quanto uma referência explica porque nem sempre a substituição
das duas expressões com a mesma referência preserva a verdade de um
raciocínio. Em (a), temos um raciocínio válido. A substituição de seu irmão
em (a) por Gustavo é legitima porque (b) afirma que os dois nomes têm a
mesma referência. Os contextos em que permitem a substituição de termos
com a mesma referência são chamados contextos referenciais ou de
extensão.

71. a. Gustavo ama o seu irmão.


b. Amadeu é o irmão do Gustavo.
c. São ama Amadeu.

Já em 71, a mesma substituição não é legítima, apesar de sabermos


por (d) que Amadeu é a mesma pessoa que o homem na frente da São. Por
que, neste caso, não é legítimo substituir uma expressão por outra com a
mesma referência? Verbos como saber, acreditar, sonhar, imaginar, …
criam contextos linguísticos nos quais a substituição de uma expressão por
outra que possua a mesma referência não é legítima. Estes contextos são
chamados opacos ou intencionais. Nestes contextos, o relevante não é a
referência das expressões que compõem a oração subordinada, mas o seu
sentido. Neste caso, pode-se dizer que a São não sabe que o homem sentado
à frente dela é um modo de apresentação do seu irmão Gustavo.

72. a. Gustavo não sabe que o homem à frente dele é o seu irmão.
b. São sabe que Amadeu é seu irmão.
c. O homem à frente de Gustavo é o Amadeu.
d. Gustavo sabe e não sabe que o homem à frente dele é o
Amadeu.

3.2.3. Denotações

Algumas expressões nominais são usadas para representar,


directamente, um indivíduo do mundo, isto é, são usadas para referir. Este é
o caso dos nomes próprios (6), das descrições definidas (7) e dos pronomes
(8).

23
6. Jesus Cristo, Albina Assis, Lubango, rua Revolução de Outubro,
Camama, rio Kwanza

7. O maior rio do mundo, o jogador mais experiente da Selecção, o


maior poeta angolano, o autor de Maiombe, os moradores do Catambor, o
primeiro presidente da República.

8. Eu, vocês, ele, mim

O significado de sentenças com os sujeitos formados por expressões


referenciais, como (7)-(8), pode ser descrito como atribuidor de uma
propriedade ao indivíduo que o sujeito denota ou refere. Em (7), afirmamos
que o indivíduo denotado pela descrição definida o jogador mais
experiente da selecção possui a propriedade de ser inteligente. Usando uma
linguagem algébrica, podemos descrever o significado de (7), afirmando
que o indivíduo denotado por o jogador mais experiente da selecção
pertence ao conjunto dos indivíduos inteligentes. Podemos descrever o
significado de (8) do mesmo modo.

9. O jogador mais experiente da selecção é inteligente.


10. O último disco de Waldemar Bastos é eterno.

Por outro lado, não existe uma maneira trivial de atribuir uma
referência a expressões nominais como nada em (9) ou nenhum cantor
angolano em (10). Não é possível descrever o significado de (9) como a
afirmação de que ser eterno é uma propriedade que se atribui ao indivíduo
denotado por nada. Não podemos descrever o significado de (9) como
afirmando que o indivíduo denotado por nada pertence ao conjunto das
coisas eternas. Veja que não podemos dizer que nada denota o vazio, ou,
mais tecnicamente, o conjunto vazio. Se isto fosse verdade, em (9)
afirmaríamos que o conjunto vazio está contido no conjunto das coisas
eternas; mas isto não impede que outras coisas, além do conjunto vazio,
pertençam ao conjunto das coisas eternas. Teríamos o conjunto vazio,
porém poderíamos ter, também, o disco de Waldemar Bastos, o diamante
da coroa inglesa, etc.1 E não é isto que queremos dizer quando enunciamos
(9).

11. Nada é eterno.


12. Nenhum poeta angolano é inteligente.

O significado da sentença (9) é mais fielmente descrito como a dizer


que a propriedade de ser eterno não pode ser atribuída, verdadeiramente, a
nenhuma entidade. Noutros termos, afirmamos que o conjunto das coisas
eternas é vazio. Se se prestar atenção, ver-se-á que o sentido da atribuição

24
mudou de (7) para (9). Em (7), o predicado atribui uma propriedade ao
sujeito. Já em (9), é o sujeito que atribui uma propriedade ao predicado; já
o significado de (10) pode ser descrito como a descrever uma situação em
que não existe uma relação entre a propriedade de ser cantor e a de ser
eterno. Em termos de conjuntos, dizemos que nada há que pertença à
intersecção do conjunto dos indivíduos que são cantores com o conjunto
dos indivíduos eternos.

Vemos que a noção de referência/denotação deve ser estendida, pois


as palavras podem representar não só indivíduos do mundo, mas também
objectos mais complexos como propriedades e relações entre propriedades.

A noção de referência deve ser entendia de uma maneira mais ampla


do que o falar sobre indivíduos concretos no mundo real. Uma semântica
baseada nesta noção reconhece que, também, falamos de indivíduos que
habitam outros mundos imaginários

Mais ainda, reconhece que também usamos a língua para descrever


os nossos estados mentais.

A diferença entre (13) e (14) é que (13) uma é afirmação sobre o


mundo real e (14) e outra, afirmação sobre o mundo dos sonhos de Jorge.

13. O Governo Angolano aumentou o preço dos combustíveis.


14. Jorge sonhou que o Governo de Angola diminuiu o custo de
vida.

3.2.4. Relações de Sentido entre a Palavra e a Frase

Imagine que alguém profira a sentença (15). Mesmo que você não se
tenha dado em conta, uma série de outras informações silenciosas
acompanham-na (15), independentemente de se conhecer a Filomena.
Algumas delas estão expressas em (16)-(17).

15. Filomena continua a conduzir o seu primeiro carro.


16. Filomena conduzia o seu primeiro carro.
17. Existe algo que foi o primeiro carro da Filomena.
18.?? Filomena é amante de viaturas.
19.?? Filomena já teve mais de um carro.
20.??? Filomena é infeliz.

25
Uma sentença estabelece uma teia de sentidos com as outras. As
relações de sentido entre palavras, expressões e sentenças têm sido um
tema tradicional da semântica. Como as sentenças são compostas de
palavras e de sintagmas, certas propriedades e relações semânticas entre as
palavras e as expressões são preservadas no nível da sentença.

a) Acarretamento e Pressuposição

A hiponímia, só para lembrar, é uma relação de inclusão do sentido


entre palavras, ou seja, diz-se que uma palavra é hipónima da outra, quando
o sentido daquela se encontra incluído nesta. Veja os exemplos em 21.

A noção de hiponímia pode ser estendida para sentenças. Assim,


chegamos à noção de acarretamento. A situação descrita em (22) inclui a
situação descrita em 23.

Define-se, formalmente, a noção de acarretamento, fazendo-se o uso


do conceito de verdade. Uma sentença acarreta a outra se a verdade da
primeira garante a da segunda, e a falsidade da segunda garante a da
primeira.

21. a. Encarnado é hipónimo de cor


b. Gato é hipónimo de animal
c. Passador é hipónimo de electrodoméstico

22. Filomena continua a conduzir o seu primeiro carro.

23. Filomena conduzia o seu primeiro carro.

Podemos, agora, verificar formalmente que 22 acarreta 23. Veja que,


se a sentença Filomena continua a conduzir o seu primeiro carro for
verdadeira, então Filomena conduzia o seu primeiro carro será
necessariamente verdadeira (temos de interpretar ambas as sentenças num
mesmo mundo e a partir de um mesmo referencial temporal). ~

Veja também que, se Filomena conduz o seu primeiro carro for


falsa, então Filomena continua a conduzir o seu primeiro carro será
necessariamente falsa.

Acarretamento é uma relação de sentido fundamental entre sentenças


e determina alguns dos nossos padrões de consequência. Por exemplo, se a
e b forem verdadeiras, sabemos que c será verdadeira. Podemos dizer que a
e b juntas acarretam c porque a situação descrita por a e b juntas é

26
suficiente para descrever a situação em c. Por outras palavras, sempre que
as sentenças Kwanza é angolana e Kwanza é uma moeda forem
verdadeiras, Kwanza é uma moeda angolana, também será verdadeira.

24. a. Kwanza é angolana.


b. Kwanza é uma moeda.
c. Kwanza é uma moeda angolana.

Uma observação importante é que acarretamento é uma versão forte


daquilo a que chamamos de implicação ou consequência na linguagem
quotidiana. O acarretamento é um tipo de implicação, porém mais forte;
pois dizer, por exemplo, que x implica y é apenas sugerir que y é
verdadeira. Veja que do facto de que Filomena continua a conduzir o seu
primeiro carro, não se pode deduzir, com 100% de certeza, que ela seja
amante de viaturas. A verdade de 25 torna a verdade de 26 apenas
provável, mas não necessária. O mesmo acontece entre 27 e 28; 27 sugere
28, mas não acarreta 28, porque, se 27 for verdade, 28 não será
necessariamente verdade.

25. Filomena continua a conduzir o seu primeiro carro.


26. Filomena amante de viaturas.
27. Hoje, o céu está aberto.
28. Hoje, o sol está quente.

Uma noção próxima da relação de acarretamento é a de


pressuposição. Pressuposições também são um tipo de implicação. Uma
pressuposição é uma suposição que é pano de fundo de uma asserção. Ela
já é considerada parte do conhecimento partilhado pelos intervenientes do
discurso. Por exemplo, 29 pressupõe 30.

29. A Maria parou de fumar.


30. A Maria fumava.

Não se pode parar de fumar, se não se fumava. Um contexto


apropriado para se enunciar 29 é uma situação em que tanto o emissor
quanto o receptor sabem que Maria fumava. Assim, dizemos que parar é
uma expressão que introduz uma pressuposição.

Como se sabe se se está perante um caso de pressuposição ou um


caso de acarretamento? É possível testar esta diferença em contextos que
preservam pressuposições, mas não acarretamentos. As sentenças em 31
mantêm a pressuposição de que Maria fumava, pois todas elas só fazem
sentido se enunciadas num contexto em que o facto de que Maria fumava
faz parte da informação partilhada.

27
31. a. A Maria parou de fumar.
b. A Maria parou de fumar?
c. A Maria não parou de fumar.
d. Eu lamento que a Maria tenha parado de fumar.
e. Se a Maria parou de fumar, então a sua saúde deve ter
melhorado.

32. A Maria fumava.

As sentença a, c e d tanto pressupõem quanto acarretam 32, enquanto


b apenas pressupõe a.

A noção de acarretamento está definida em termos de preservação da


verdade e, como não podemos atribuir verdade ou falsidade a b, a noção de
acarretamento não se aplica. Como se pode ver, a pressuposição é
propriedade de uma família de sentenças sintacticamente relacionadas:
como a família exemplificada por a-d.

Uma forma de se testar se há pressuposição é testar se tanto a


asserção quanto à negação de uma sentença (que dá origem a toda uma
família de sentenças) possui o mesmo acarretamento.

Observe que se d é verdadeira, então a é necessariamente verdadeira


e que se a negação de d (Eu não lamento que Maria parou de fumar) é
verdadeira, então a continua verdadeira, ou seja, tanto Eu lamento que a
Maria tenha parado de fumar, quanto a sua negação acarretam A Maria
fumava. Este duplo acarretamento mostra que temos um caso de
pressuposição.

Como se pode ver, algumas implicações podem ser, ao mesmo


tempo, um acarretamento e uma pressuposição da sentença. 33a acarreta b,
porque, se a 33a for verdadeira, b necessariamente será. Observe que todos
os membros da família de 33ª, apresentados em 34, pressupõem (b).

33. a. Foi o João que desviou o dinheiro do BNA.


b. Alguém desviou dinheiro do BNA.
c. Foi o João que desviou dinheiro do BNA?
d. Não foi o João que desviou dinheiro do BNA.
e. João lamenta ter desviado dinheiro do BNA.
f. Se foi o João que desviou o dinheiro do BNA, então teve de
o planear muito bem.

28
Em alguns pares de sentenças, existe acarretamento, mas não
pressuposição. 34a, por exemplo, acarreta, mas não pressupõe 34b porque
os outros membros da família de 34a não acarretam b.

Veja que nenhuma das sentenças em 35 pressupõe que alguém tenha


desviado dinheiro do BNA. Noutros pares, existe pressuposição, mas não
acarretamento. 34b pressupõe, mas não acarreta 34a, pois não se pode dizer
que 34b seja verdadeira ou falsa.

34. a. João desviou dinheiro do BNA.


b. Alguém desviou dinheiro do BNA.

35. a. O João não desviou dinheiro do BNA.


b. O João Desviou dinheiro do BNA?

c. Se o João desviou o dinheiro, ele deve ter tido um bom


plano.
d. Eu lamento que o João desviou dinheiro do BNA.

A noção de acarretamento limita-se ao conteúdo de informação da


sentença. Ela não envolve o contexto. A noção de pressuposição, por outro
lado, vai além do conteúdo da informação da sentença, pois envolve as suas
condições de uso na relação com o discurso. A informação pressuposta é
condição de emprego da oração que a pressupõe.

A pressuposição então é também um mecanismo de actuação no


discurso. Assim, através do que escolhe apresentar como pressuposto, o
emissor direcciona a conversa. Para negar uma pressuposição, o emissor
tem de mudar de direcção da conversa. De certa forma, ele deve desafiar o
seu interlocutor.

Veja um exemplo em 36a-b.

36. a. O Pedro parou de bater na mulher.


b. Mas o Pedro nunca bateu na mulher!

b) Sinonímia e paráfrase

Outra relação de sentido entre as palavras, que pode ser estendida


para as sentenças, é a relação de sinonímia. A sinonímia é uma relação
entre duas expressões linguísticas que têm o mesmo sentido, como em 37.

29
37. a. careca é sinónimo de calvo
b. referência é sinónimo de denotação
c. matar é sinónimo de causar a morte

O estudo da sinonímia em Semântica Lexical demonstrou que,


dificilmente, se encontra uma sinonímia perfeita e que, mudando-se o
contexto, as expressões aparentemente sinónimas perdem a sua
equivalência.

A substituição de seca por enxuta em a preserva o sentido da


sentença. Já em b, a mesma substituição não é possível.

Em contextos metalinguísticos, i.e., em contextos em que usamos a


linguagem para falar sobre si mesma, a relação de sinonímia não se
preserva, como se pode ver se comparamos as sentenças em 39 às
sentenças em 40.

38. a. A roupa está seca.


b. A roupa está enxuta.

39. a. Jorge escreveu uma carta breve e seca.


b. Jorge escreveu uma carta breve e enxuta.

40. a. Todo o careca sonha descer uma ladeira, correndo com os


cabelos soltos ao vento.
b. Todo o calvo sonha descer uma ladeira correndo com os
cabelos soltos ao vento.

41. a. A sílaba tónica de calvo é a primeira.


b. A sílaba tónica de careca é a primeira.

Chamamos de paráfrase à relação de sinonímia entre sentenças. A


noção de acarretamento dá-nos uma maneira de definir, formalmente, o
conceito de paráfrase, pois, quando duas sentenças são sinónimas, uma
acarreta a outra e vice-versa.

Veja o exemplo em 42.

Podemos dizer que a acarreta b porque a verdade de João quebrou o


vaso acarreta a verdade de O vaso foi quebrado por João. E vice-versa: se
O vaso foi quebrado por João for verdadeira, então João quebrou o vaso
será necessariamente verdadeira.

30
Podemos concluir que as duas sentenças são sinónimas ou que a é
paráfrase de b e vice-versa. Em 44-45, temos outros exemplos de
paráfrases.

43 a. O João quebrou o vaso.


b. O vaso foi quebrado pelo João.

44 a. A Maria é tão inteligente quanto a Joana.


b. A Joana é tão inteligente quanto a Maria.

45 a. O João tem o livro de Pepetela.


b. O livro do Pepetela é do João.

A escolha entre duas sentenças estruturalmente sinónimas nunca é


completamente inocente. A escolha entre uma forma activa ou passiva,
como no exemplo 43, altera a organização da informação da sentença em
tema e rema, em informação nova e velha. As relações estabelecidas entre
as sentenças, portanto, não se esgotam nas suas relações lógicas.

É importante notar que acarretamento e sinonímia sentencial são


noções semânticas que não se esgotam apenas em relações de sentido entre
as palavras ou entre as estruturas sentenciais. Veja que, apesar de 46 e 47
possuírem a mesma estrutura sintáctica e serem formadas pelas mesmas
expressões (excepto o determinante), a acarreta b, mas a não acarreta b. É
claro que, se os atletas correram e nadaram, então eles correram. Mas,
surpreendentemente, não se pode deduzir do facto de que poucos atletas
correram e nadaram que poucos atletas correram. Imagine que uma
situação em que 100 atletas participaram de um concurso que incluía correr
e nadar; imagine também que 80 destes participaram apenas das corridas e
que apenas 20 dos 100 também nadaram. Nesta situação, a seria verdadeira
e b, falsa.

Concluímos, então, que a não acarreta b, pois a verdade de b não


decorre obrigatoriamente da verdade de a.

46. a. Os atletas correram e nadaram.


b. Os atletas correram.

47. a. Poucos atletas correram e nadaram.


b. Poucos atletas correram.

c) Contradição

31
A noção de contradição, por sua vez, está ligada às noções de
acarretamento e de sinonímia, isto é, acontece quando duas expressões têm
sentidos incompatíveis com a mesma situação.

As sentenças em 47 e 48 são contraditórias, dado que ambas não


podem ser simultaneamente verdadeiras, ou seja, duas sentenças são
contraditórias quando uma delas for verdadeira e a outra, falsa.

47. O João beijou a Maria, mas a Maria não foi beijada pelo João.

48. A Maria comeu mamão de manhã, mas não comeu nenhuma


fruta.

A relação lexical a que se chama de antonímia pode ou não envolver


contradição, já que apoiam em noções de “contrário” ou “oposto” e estas
relações não envolvem necessariamente uma contradição, aliás, os opostos
não graduáveis servem de exemplo. Veja que, apesar das sentenças 49-51
conterem itens lexicais considerados opostos, não envolvem uma relação
de contradição.

Em todos os casos, os pares de sentenças podem ser simultaneamente


verdadeiros ou falsos. Em 49, nascer/morrer não são processos
contraditórios, mas momentos extremos do processo de viver. Já em a e b,
a relação de oposição encontra-se nos resultados obtidos pelas duas acções.
Finalmente, a oposição entre a e b está entre os distintos papéis atribuídos
ao sujeito.

49. a. Carlos nasceu em Benguela.


b. Carlos morreu em Benguela.

50. a. Carlos abriu a porta.


b. Carlos fechou a porta.

51. a. Carlos deu um presente a Maria.


b. Carlos recebeu um presente de Maria.

Por outro lado, certas relações de antonímia são verdadeiramente


contraditórias. Veja que os pares de sentenças em 52 e 53 não podem ser
simultaneamente verdadeiros (ou simultaneamente falsos).

52. a. O cachorro de Lourdes é manso.


b. O cachorro de Lourdes é bravo.

53. a. Cipriano é alto para um jogador de basquete.

32
b. Cipriano é baixo para um jogador de basquete.

É importante notar que o facto de duas sentenças serem


contraditórias não impede o seu uso no discurso. Informações
contraditórias não resistem a um esforço motivado de interpretação. Nos
casos 54 e 55, é a própria existência da contradição que nos leva à busca de
um significado metafórico ou irónico para as sentenças.

54. O bígamo que não tinha nenhuma mulher.

55. Não sou eu que moro no mesmo bairro que a Joana. É a Joana
que mora no mesmo bairro que eu.

d) Ambiguidade

A palavra ambígua, da qual deriva ambiguidade, significa que se


pode tomar em mais de um sentido. Ocorre ambiguidade quando, por falta
de clareza, há uma duplicidade do sentido da frase. Assim, um enunciado
ambíguo é aquele que pode apresentar mais de um sentido.
A sentença em 56 é ambígua porque a palavra kuduro também a é,
podendo significar tanto um estilo de música ou de dança

Mas, existem outras causas de ambiguidade de sentença. Uma


sentença pode ser ambígua porque existem maneiras distintas em que se
podem combinar as suas palavras em constituintes, ou seja, quando ela
possui mais de uma estrutura sintáctica.

A sentença 57, por exemplo, pode ser usada para afirmar que tanto os
alunos como os professores que participaram do simpósio eram
inteligentes, como para afirmar que todos os alunos participaram do
simpósio, mas, entre os professores, apenas os inteligentes participaram. As
diferentes interpretações devem-se a diferentes combinações possíveis
entre o adjectivo inteligente e os substantivos alunos e professores. As duas
estruturas estão expressas em a e b.

56. O kuduro de ontem foi divertido.

57. a. Os alunos e os professores inteligentes participaram do


simpósio.

b. [ [Os alunos e os professores] inteligentes ] participaram do


simpósio.

33
c. [ [Os alunos] e [os professores inteligentes] ] participaram do
simpósio.

Existem também ambiguidades não lexicais puramente semânticas.


Em 58, a referência do pronome ele pode ser encontrada de duas maneiras:

i. Pela retomada anafórica de João;


ii. Pela busca de algum indivíduo de sexo masculino saliente no
contexto.

Este caso envolve a resolução da denotação de expressões deícticas


ou anafóricas. Já a sentença 58 envolve relações de escopo, relações nas
quais a interpretação de uma expressão depende da interpretação de outra.
Veja-se que 59 pode significar que um certo candidato jovem foi escolhido
por vários eleitores ou que cada um entre vários eleitores escolheu um
candidato jovem, mas não necessariamente o mesmo. Assim, a
interpretação da sentença 59 depende da relação de distribuição entre
vários eleitores e um candidato.

58. A vizinha de João gosta dele.

59.Vários eleitores escolheram um candidato jovem.

Portanto, a ambiguidade pode ocorrer por lapso ou pela falta de


morfema separador sintáctico para delimitar termos sintácticos; quando o
determinado admite mais de um determinante; quando um termo admite
mais de uma função sintáctica, quando há concordância com mais de um
determinado e quando o signo é tomado como significante ou como
significado, prejudicando assim a compreensão do texto.

e) Relações Anafóricas

Um pronome é sempre um termo, cuja denotação não é lexicalmente


fixa, mas varia segundo o valor que lhe é atribuído, seja por um contexto
extra-linguístico, seja em função do próprio contexto linguístico. Veja-se
que em a, o pronome ele pode buscar a sua referência, tanto num
antecedente linguístico – no caso Jorge – como no contexto extra-
linguístico.

Neste caso, ele será alguém de sexo masculino que esteja saliente em
determinado contexto. Já em b, o pronome reflexivo refere-se
obrigatoriamente a Jorge.

34
60. a. Jorge achou que o cargo era ideal para ele.
b. Jorge machucou-se ao sair.

A identificação da referência de um pronome é um tópico


interessante porque envolve vários aspectos da nossa competência
linguística. Envolve conhecimento lexical, sintáctico, semântico e
pragmático. Vai-se discutir aqui apenas o seu aspecto semântico.

Volte-se à sentença a. Diz-se que, numa das suas interpretações,


existe uma relação de correferência entre Jorge e ele e Jorge e se.
Surpreendentemente, não se deve dizer o mesmo de uma das relações entre
cada candidato e ele ou entre ninguém e se.

Veja que estas sentenças não possuem o mesmo significado que as


sentenças (a, b) nas quais substituímos os pronomes pelos seus respectivos
antecedentes.

61. a. Cada candidato achou que o cargo era ideal para ele.
b. Ninguém se machucou ao sair.

62 a. Cada candidato achou que o cargo era ideal para cada


candidato.
b. Ninguém machucou ninguém ao sair.

Expressões como cada candidato 61a, ninguém b ou vários eleitores


59, poucos atletas 47, nada e nenhum jogador angolano são quantificadas,
envolvem operações sobre quantidades e entidades. No caso dos exemplos,
envolvem quantidades de candidatos, pessoas, eleitores, atletas, coisas e
jogadores angolanos. As sentenças com as expressões quantificadas dizem
algo sobre o número de entidades envolvidas. Não falam sobre indivíduos
ou entidades determinadas. As relações anafóricas entre pronomes e
expressões quantificadas não podem ser classificadas como relações de
correferência.

35
3.3. A Semântica Cognitiva
3.3.1. Linguística Cognitiva e Semântica Cognitiva
Generalidades

A Semântica Cognitiva possui uma trajectória ligada ao surgimento


da Linguística Cognitiva. Esta, por sua vez, desenvolve-se, como resultado
de diferentes confrontos epistemológicos, em especial com a linguística de
Noam Chomsky.
No coração desse confronto encontram-se a posição e o papel da
semântica no sistema da gramática. Para Chomsky (desde a primeira
proposta em 1957 até a mais recente versão do Programa Minimalista), a
gramática é um sistema formal, cujo desenvolvimento é independente do
significado dos elementos das suas fórmulas. A semântica seria apenas um
elemento derivado a partir de um sistema de princípios e regras
gramaticais.
O movimento de oposição a essa tese chamado Semântica Gerativa
foi comandado por Paul Postal, George Lakoff, Háj Ross e James
McCawley, denominados, então, ironicamente, “Os Quatro Cavaleiros do
Apocalipse”, dando-se o primeiro passo para o reposicionamento da
semântica nesse sistema. Harris (1993), em The linguistics wars, afirma
que os referidos fundadores da Semântica Gerativa levaram a Sintaxe, cada
vez mais, para um nível mais profundo, até que as suas “estruturas
profundas se tornassem virtualmente indistinguíveis da representação

36
semântica”10. O conhecido artigo de Lakoff Toward Generative Semantics,
escrito em 1963 e publicado em 1976, tornou-se no marco desse
movimento underground. Nesse caminho de debates e disputas, a
semântica foi se tornando cada vez mais “fundacional” e mais central.
Uma das razões por que a Linguística Cognitiva muitas vezes se
iguala com estudos de Semântica Cognitiva está, sem dúvida, nesse
deslocamento contínuo em direcção ao significado e às funções
comunicativas.
Segundo Lakoff e Johnson (1999), a Linguística Cognitiva é uma
teoria linguística que faz uso das descobertas da chamada segunda geração
da ciência cognitiva, para “explicar tanto quanto possível a linguagem”11.
Entende-se a Linguística Cognitiva como uma ramificação da chamada
Ciência Cognitiva, que Lakoff e Johnson (1999) afirmam ser “a ciência da
mente e do cérebro”12.
A primeira geração da Ciência Cognitiva caracteriza-se como sendo
uma ciência da “mente desencorporalizada” ou “não-corpórea”. A segunda
geração é a da mente corporalizada. É a partir da caracterização dessa
segunda geração que se busca uma definição de Semântica Cognitiva.
De acordo com Lakoff e Johnson (1999), em meados da década de
70, surge uma visão que compete com aquela desenvolvida no período
anterior, centrada em duas teses básicas:
(i) há uma forte dependência de conceitos e razão sobre o corpo; e
(ii) que a conceptualização e a razão têm como eixo processos
imaginativos como metáfora, metonímia, protótipos, frames,
espaços mentais e categorias radiais.
Enumera, então, as seguintes características como sendo centrais
para essa segunda geração de pesquisas, norteados pelos princípios abaixo:
1. A estrutura conceptual origina-se da nossa experiência
sensório-motora e das estruturas neurais que lhes dão
origem, sendo a noção de “estrutura” caracterizada como
esquemas de imagens e esquemas motores.
2. As estruturas mentais são intrinsecamente significativas
devido à sua conexão com os nossos corpos e a nossa
experiência corpórea, o que contraria a ideia de
manipulação de símbolos não-semantizados.
3. Há um nível básico de conceitos que originam parte dos
nossos esquemas motores e as nossas capacidades para
percepção gestáltica e formação de imagens.
4. Os nossos cérebros são estruturados de forma a projectar a
activação de padrões das áreas sensório-motoras para níveis

10
Pág. 102
11
Pág. 496
12
Pág. 568

37
corticais mais altos, constituindo as chamadas metáforas
primárias. Tais projecções permitem-nos conceptualizar
conceitos abstractos com base nos padrões inferenciais
utilizados nos processos sensório-motores que estão
directamente ligados ao corpo.
5. A estrutura dos conceitos inclui protótipos de vários tipos:
casos típicos, casos ideais, estereótipos sociais, exemplares
salientes, pontos de referência cognitivos, entre outros,
sendo que cada tipo de protótipo utiliza uma forma distinta
de raciocínio.
6. A razão é corpórea à medida que as nossas formas
fundamentais de inferência se originam de formas sensório-
motoras e de outras formas de inferência baseadas na
experiência corpórea.
7. A razão é imaginativa à medida que as formas de inferência
são mapeadas de modos abstractos de inferência pela
metáfora.
8. Os sistemas conceptuais são pluralísticos, não monolíticos, de
tal sorte que os conceitos abstractos são definidos por
múltiplas metáforas conceptuais que são muitas vezes
inconsistentes entre si.

Para Talmy “a pesquisa em semântica cognitiva é pesquisa sobre


conteúdo conceptual e a sua organização na linguagem e,
consequentemente, sobre a natureza do conteúdo e organização conceptual
em geral”.
O autor entende que são os fenómenos mentais qualitativos, tal como
existem na consciência, o objecto central da Semântica Cognitiva.
Esta seria um ramo da fenomenologia do conteúdo conceptual e da
sua estrutura na linguagem. Nesse sentido, é através da introspecção que é
possível se ter acesso a tal conteúdo fenomenológico e à estrutura da
consciência. Entende que, como em qualquer sistema cognitivo, há
diferentes graus de acessibilidade à consciência, e o mesmo se dá com o
sistema semântico.
O mais importante aqui é a compreensão da introspecção como
método científico para os estudos em Semântica Cognitiva tal como propõe
Talmy. Segundo ele, devem-se incluir procedimentos tais como “a
manipulação controlada de material linguístico, cujos significados possam
ser acessados”. Mas acrescenta que “os achados resultantes a partir da
introspecção devem ser correlacionados como aqueles resultantes de outras
metodologias”, dentre as quais estão incluídos:
a) análise de relatos introspectivos de outros sujeitos;
b) análise de discurso e corpora;

38
c) análise diacrónica e translinguística;
d) avaliação do contexto e da estrutura cultural;
e) técnicas de observação e experimentais da psicolinguística;
f) estudos em neuropsicologia; e
g) exames instrumentais da neurociência.
Talmy adopta a posição de que a Linguística Cognitiva:
a) examina as propriedades formais da linguagem a partir da
perspectiva conceptual, a qual se preocupa com “os padrões nos
quais e os processos pelos quais o conteúdo conceptual está
organizado na linguagem”;
b) objectiva relacionar os seus achados com as estruturas cognitivas
de que se ocupa a abordagem psicológica, a qual inclui a análise
da memória semântica, a associatividade de conceitos, a estrutura
de categorias, a geração de inferências e o conhecimento
contextual.
Langacker, um dos mais proeminentes estudiosos no campo da
Linguística Cognitiva, considera-a como pertencente à tradição
funcionalista dos estudos sobre a linguagem, opondo-se, sob vários
ângulos, à tradição gerativista. Apesar das várias linhas metodológicas e
visões teóricas, as abordagens cognitivas e funcionalistas são
complementares, “facetas sinergeticamente relacionadas de um
empreendimento global comum”.
Para Langacker, “a linguagem serve à função semiológica de
permitir conceptualizações a serem simbolizadas por meio de sons e gestos,
assim como uma função interactiva multifacetada, envolvendo
comunicação, manipulação, expressividade e comunhão social”.
Para ele, é justamente a simbolização que permite à linguagem
exercer a sua função interactiva, ao mesmo tempo em que a interacção é
fundamentalmente dependente das mentes corporeificadas que a ela se
engajam. Além disso, a interacção, afirma, “não pode ser propriamente
entendida ou descrita sem uma caracterização detalhada das concepções
que essas mentes possuem, o que inclui as concepções sobre a própria
interacção e as concepções dos interlocutores”. O autor enumera alguns
factores que expressam a “atitude amplamente compartilhada entre
linguistas cognitivistas e funcionalistas”:
1. Ambientais: o ambiente fornece uma base experiencial
comum para o desenvolvimento da estrutura conceptual-
semântica;
2. Biológicos: o que estabelece para a linguagem deve ter
plausibilidade a partir de uma perspectiva biológica
(anatómica, fisiológica, perceptual, neurológica, genética);

39
3. Psicológicos: os estudos sobre a linguagem devem ser
compatíveis com o que sabe sobre estudos psicológicos,
devendo ser confrontados com evidências psicológicas;
4. Desenvolvimentais: a estrutura de um sistema linguístico é
produto da aquisição da linguagem;
5. Históricos: a gramaticalização constitui o estudo da gramática
em si, à medida que todos os aspectos de um sistema
gramatical estão em algum estágio de um processo de
gramaticalização em curso;
6. Socioculturais: a linguagem é um instrumento essencial e um
componente da cultura, cujos reflexos na estrutura linguística
são ubíquos e muito significativos.
O que fica razoavelmente evidente nessa exposição muito bem
orquestrada por Langacker é o papel da categorização em todo o
empreendimento da Linguística Cognitiva. E a categorização humana é o
coração do programa global da Semântica Cognitiva.

40
BIBLIOGRAFIA

Abbade, Celina Márcia de Souza. 2006. Filologia e o estudo do Léxico, Cadernos do X


Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Filologia e Ecdótica, série X, nº 9: 716-
721.

Basílio, Margarida. 2004. Formação e Classe de Palavras no Português do Brasil. São


Paulo: Contexto Editora.

Bizarro, Rosa. 2003. Autonomia de aprendizagem em Francês Língua Estrangeira –


Contributos para a educação do século XXI, Tese de doutoramento. Porto: FLUP.

Bizarro, Rosa & Braga, Fátima. 2004. Educação Intercultural, Competência


Pluricultural: novos desafios para a formação de professores de línguas estrangeiras. In:
Secção de Estudos Franceses (ed.). Estudos de Homenagem ao Professor Doutor
António Ferreira de Brito. Porto: FLUP, 57-69.

Brink, Antoinet. 2001. Conhecimento prévio e o Léxico: A teia construída no ensino de


uma língua estrangeira, Polifonia, nº 4: 61-74.

Comas, Daniel Cassany. 2005. Expresión escrita en L2/ELE. In: Moreno, Francisco
(ed.), Cuadernos de didáctica del Español /LE, Madrid: Arco Libros S.L., 37-60.

Conselho da Europa. 2001. Quadro Europeu comum de referência


para as línguas. Porto: ASA Editores.
Correia, Margarita. 2000. Homonímia e Polissemia – contributos para
a delimitação de conceitos, Revista Palavras, nº 19: 57-75.
Setembro de 2009 99
Correia, Margarita. 2003. O Léxico em movimento, ILTEC. Sítio:
www.ciberduvidas.com – consultado em 7 de Julho de 2009.
Correia, Margarita & Lemos, Lúcia San Payo de. 2005. Inovação
Lexical em Português. Lisboa: Colibri.
Cruse, D.A. 2001. The Lexicon. In: Aranoff, Mark & Rees, Janie (eds.).
The Handbook of Linguistics. U.K.: Blackwell Handbooks in
Linguistics, 238-264.
Cruse, D.A. 2004. Meaning in Language - An introduction to
semantics and pragmatics. U.K.: Oxford University Press.
Ezquerra, Manuel Alvar. 2003. La enseñanza del léxico y el uso del
diccionario. In: Moreno, Francisco (ed.). Cuadernos de didáctica del
Español/LE. Madrid: Arco Libros S.L., 7-117.
Figueiredo, Olívia. 2009. O Português abre as portas: A quem? E
como? Sítio: http://repositorio.up.pt/aberto/handle/10216/8388 Porto:
FLUP, 107-114.
Gardel, Paula Silveira. 2006. Interacção e as actividades pedagógicas
como mediadores na aprendizagem de vocabulário em aulas de
inglês como segunda língua, Tese de Mestrado, São Paulo: PUC-SP.
Gelabert, Maria J. 2005. Producción de materiales para la enseñanza
del español. In Moreno, Francisco (eds.), Cuadernos de didáctica del
Español/LE. Madrid: Arco Libros S.L., 53-66.

41
Gualda, Maria Victoria Romero. 2008. Léxico del español como
segunda lengua: aprendizaje y enseñanza, Manuales de formación de
profesores de español 2L. Madrid: Arco Libros S.L.
Setembro de 2009 100
Higueras, Marta. 2004. Claves prácticas para la enseñanza del léxico.
La Enseñanza de Léxico en español como segunda lengua/lengua
extranjera, Revista Carabela Segunda Etapa nº 56: 5-25.
Leiria, Isabel. 2001. Léxico – Aquisição e ensino do Português
Europeu língua não materna, Tese de Doutoramento, Lisboa: FLUL.
Lyons, John. 1977. Semântica I. Lisboa: Editorial Presença (Tradução
de Wanda Ramos).
Lewis, M. 1993. The Lexical Approach. The State of ELT and a Way
Forward. Hove: Language Teaching Publications.
Lewis, M. 1997a. Implementing the Lexical approach, pitting theory
into practice. Hove: Language Teaching Publications.
Medeiros, Luísa. 1997. A Língua Portuguesa, Obras de Fernando
Pessoa. Lisboa: Assírio e Alvim.
Molina, José Ramón Goméz. 2004. Las unidades léxicas en español.
La Enseñanza de Léxico en español como segunda lengua/lengua
extranjera Revista Carabela Segunda Etapa nº 56: 27-50.
Muñoz, Rosana Acquarone. 2004. La comprensión lectora. In: Lobato,
Jesús Sánchez & Gargallo, Isabel Santos (eds.). Vademécum para la
formación de profesores - enseñar español como segunda lengua
(L2), lengua extranjera (LE). Madrid: S.G.E.L., S.A, 943-964.
Nery, Luciana Fernandes. 2009. O Tratamento do Léxico nos Livros
didácticos de Língua Portuguesa. Sítio: www.webartigos.com –
consultado em 7 de Julho de 2009.
Setembro de 2009 101
Noguerol, Artur. 2008. El Tratamiento integrado de las Lenguas en el
Marco Europeo, Textos de Didáctica de la Lengua y la Literatura, nº
47: 10-19.
Olano, Concepción Otaola. 2004. Lexicografía y semántica léxica –
Teoría y aplicación a la lengua española, Madrid: Ediciones
Académicas S.A.
Pacheco, José Augusto & Lima, Jorge Ávila. 2006. Fazer
Investigação. Porto: Porto Editora.
Pérez, Maria Isabel Santamaría. 2006. La Enseñanza del Léxico en
Español como Segunda Lengua. Publicaciones de la Universidad de
Alicante, Campos de San Vicente, Alicante: Imprenta Kadmos.
Pessoa, Fernando (Bernardo Soares). 1995. O Livro do
Desassossego, 1ª parte. Mem Martins: Edições Europa - América.
Prendergast, Thomas. 1872. The Mastery of Languages or the Art of
speaking foreign tongues idiomatically. London: Longmans, Green
and Co.
Ribeiro, Emília. 1988. Aspectos de aquisição de uma segunda língua
– O caso particular dos emigrantes. In: Comissão Científica do
Departamento de Estudos Anglo-Americanos (ed.). Miscelânea de
estudos dedicados a Irene de Albuquerque. Lisboa: Oficinas gráficas
de Ramos, Afonso e Moita, Lda, FLUL, 121-133.
Saville-Troike, Muriel. 2006. Introducing Second Language
Acquisition. U.K.: Cambridge University Press.

42
Schneider, Luizane. 2007. O Léxico a partir de um olhar sociológico.
Revista Travessias nº 1:1-15.
Setembro de 2009 102
Stoller, Fredricka & Grabe, William. 1993. Implications for L2
Vocabulary Acquisition and Instruction from L1 Vocabulary Research.
In: Huckin, Haines & Coady (eds.). Second Language Reading and
Vocabulary Learning. E.U.A.: Ablex Publishing Corporation, 24-45.
Takac, Visnja Pavicic. 2008. Vocabulary Learning Strategies and
Foreign Language Acquisition, Second Language Acquisition 27. U.K.:
Cromwell Press.
Turazza, Jeni Silva. 2005. Léxico e Criatividade. São Paulo: Anna
Blume, PUC/SP.
Vallejo, Roser Morante. 2005. El desarollo del conocimiento léxico en
segundas lenguas. In: Moreno, Francisco (ed.). Cuadernos de
didáctica del Español/LE. Madrid: Arco Libros S.L., 37-87.
Varo, Carmen. 2007. La antonimia léxica. Madrid: Arco Libros S.L.
Vidal, Maria Victoria Escandell. 2007. Apuntes de semántica léxica.
Madrid: UNED.
Vilela, Mário. 1994. Estudos de lexicologia do Português. Coimbra:
Almedina.

43

Você também pode gostar