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Análise semiótica da propaganda Preconceito Linguístico no Dia a Dia, da

Natura Musical

Alana Alves Marques1


Aline Jesus de Almeida2
Helânia Thomazine Porto 3

Resumo: Por compreender o preconceito linguístico como uma temática que agrega conhecimentos sobre o
conceito de língua e seus contextos sociais, o referente artigo tem o propósito de analisar, sob a luz dos estudos
semióticos de Lúcia Santaella (1983), os signos verbais e não-verbais, utilizando os parâmetros de ícone
(primeiridade), índice (secundidade) e sentido (terceiridade), presentes na propaganda Preconceito linguístico no
dia a dia, da Natura musical, disponivel no endereço eletronico do YouTube: <https://youtu.be/QlhsiMWT-eQ>.
O tema escolhido para discussão e análise neste estudo, se justifica por apresentar uma provocação interessante a
ser trabalhada com alunos da Educação Básica, pois ao apresentador, nominado como Emicida, afirmar
implicitamente que esse fenômeno ocorre apenas com indivíduos pretos e periféricos, ignora os enfrentamentos
dos falantes das outras variantes existentes no Brasil, conforme aponta Marcos Bagno (1999). Em suma, trata-se
de uma pesquisa dedutiva, de cunho qualitativo.

Palavras-chave: Semiótica. Preconceito Linguístico. Signos. Propaganda.

1 Introdução

Este artigo tem como tema central o estudo da semiótica dentro da propaganda
Preconceito linguístico no dia a dia, da Natura musical, disponível no endereço eletrônico do
YouTube: <https://youtu.be/QlhsiMWT-eQ>, a fim de analisar a luz de uma pesquisa
dedutiva, de cunho qualitativo, os signos verbais e não-verbais presentes na propaganda, em
que o cantor Emicida representa o preconceito linguístico, em especial no lugar de fala da
periferia. Assim, por meio da ciência dos signos e de todas as linguagens, os estudos da
semiótica englobam todas as formas do homem se comunicar, nela está incluída a linguagem
verbal e não-verbal, ou seja: oral, escrita, corporal, etc. Tal análise ocorre porque a estadia dos
seres humanos na terra é coberta de signos, desse modo, dentro da propaganda não ocorre
diferente, pois o processo da semiose é ativado através de signos e os indícios ativam no
cérebro uma gama de significação influenciando a transferência de vários outros signos,

1Graduanda do IV semestre do curso de Licenciatura em Letras, Língua Portuguesa e Literaturas pela


Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Departamento de Educação Campus X.
2 Graduanda do VI semestre do curso de Licenciatura em Letras, Língua Portuguesa e Literaturas pela
Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Departamento de Educação Campus X.
3 Professora Doutora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Departamento de Educação – Campus X.
portanto, um signo leva a outros signos de forma infinitamente. E um dos lugares que essa
manipulação de signo ocorre com frequência é na propaganda.
Em virtude disso, Lúcia Santaella explica a teoria do filósofo Charles S. Pierce, que
classificou o signo como uma tríade: I) Signo: que é algo que ativa o pensamento, tudo que
faz lembrar de algo, ou melhor, é uma coisa que lembra outra coisa; II) Interpretante: que é a
imagem mental que cada um tem sobre o signo e III) Objeto: que é a coisa propriamente dita.
Assim, por meio dessa tríade, tem-se como objetivo geral analisar na propaganda Preconceito
linguístico no dia a dia, o ícone (primeiridade), índice (secundidade) e sentido (terceiridade)
presentes nos signos verbais e não-verbais. E como específico, responder ao questionamento:
como a semiótica pode facilitar o ensino sobre o preconceito linguístico a alunos da Educação
Básica?
Esse tema se faz relevante por apresentar uma provocação interessante a ser trabalhada
em sala de aula, pois ao apresentador, nominado como Emicida, afirmar implicitamente que
esse fenômeno ocorre apenas com indivíduos pretos e periféricos, ignora as outras variantes
linguísticas existentes no Brasil e os enfrentamentos de seus respectivos falantes. Além disso,
quando se afirma tais ideias (de maneira verbal e não-verbal), que expõe que o preto
periférico não segue a norma padrão por escolha própria, dá vazão a uma dualidade
interpretativa: ao passo que valoriza a adaptação linguística de acordo com as necessidades
desses indivíduos, em seu dia a dia; nos desperta uma reflexão sobre uma tentativa de
naturalização da desigualdade social experimentada por essa comunidade.

2 Âncora teórica

Para falar sobre a semiótica, utilizou-se Lúcia Santaella, com sua obra O que é
semiótica (1983), em que a autora expõe em linhas gerais o que é a semiótica, oferecendo
uma compreensão sobre linguagem, língua e a diferença entre linguagem verbal e não-verbal.
Por fim, adentramos nos estudos peirceanos para abordar o preconceito linguístico através dos
estudos de Marcos Bagno, com a obra Preconceito linguístico, o que é, como se faz (1999),
que trata o preconceito linguístico como um assunto polêmico e presente na sociedade. Nele,
o autor vai nos apresentar o preconceito linguístico e especificamente no capítulo um vai nos
mostrar os mitos linguísticos que sustentam esse preconceito.

3 O que é semiótica?
A semiótica, segundo Lúcia Santaella, é a ciência dos signos, sendo a ciência geral de
todas as linguagens, em que se estuda os signos. Sobre isso Santaella (1983) diz:

O nosso está-no-mundo como indivíduos sociais que somos, é medido por uma rede
intricada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através de
leitura e/ou produção de forma, volume, massas, interação de forças, movimentos;
que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direção de linha, traços e
cores...Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens,
gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons, músicas, gestos,
expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir é do apalpar. Somos uma espécie
animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos
constituem como seres simbólicos, isto é, seres de linguagem. (SANTAELLA, 1983,
p.10)

Então a nossa representação no mundo se dá pela linguagem, todo e qualquer ato é


expresso por meio da linguagem, não temos como nos desvencilhar dela. Ela se comunica por
qualquer tipo de transmissão, está intrincada em cada forma social de comunicação e de
significação que inclui a linguagem verbal articulada, mas absorve também, inclusive a
linguagem não-verbal. Desse modo, a diferença entre linguagem verbal é que a comunicação
é baseada apenas na fala e escrita e a linguagem não-verbal, a comunicação é baseada em
todas as formas de transmissão, ou seja, expressão, cheiro, cores, etc. E a semiótica é
responsável por estudar/investigar os signos de todas linguagens possíveis, seja ela verbal ou
não-verbal, ela abrange até o que chamamos de vida, pois sem a linguagem seria impossível
ocorrer a manutenção da vida.
Ao adentrar nesse estudo Santaella recorre aos estudos do filósofo Pierce, em que a
semiótica não significa somente uma ciência, mas uma filosofia científica da linguagem.
Desse modo, a autora explica a estruturação do sistema a qual Pierce encaixou a semiótica, e
ressalta a importância da compreensão dos símbolos e de suas categorias, que são divididos
em primeiridade, secundidade e terceiridade. Além dessa compreensão, Pierce, discute uma
tríade de: signos que é tudo que existe e significa alguma coisa; Interpretante: é o significado
daquela imagem / a leitura do signo; Ícone: o signo que tem alguma semelhança com objeto
representado faz lembrar de algo, como por exemplo: “a relação do vermelho com o sangue”.

4 Preconceito linguístico

O preconceito linguístico é criado devido aos fatores: do tempo histórico, da falta de


escolaridade, do ambiente regional, da idade, etc. Isso ocorre por existir uma necessidade de
mutação da língua entre seus falantes. E com isso, para Bagno (1999), os diferentes falares
são considerados como uma variação, não como um erro. Assim, é a falta de compreensão
sobre esse fenômeno resulta no que conhecemos como preconceito linguístico.
Bagno (1999), acredita que a mudança da língua é como um rio que corre, se renova e
não estaciona. E uma outra parte, é a gramática normativa que metaforicamente seria a poça
desse rio, que o estagna. Desse modo, o preconceito linguístico é voltado para a mutação da
língua. Em vez de existir a compreensão sobre essa mudança, Bagno diz que:

[...] Muito pelo contrário, o que vemos é esse preconceito ser alimentado diariamente
em programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e
manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem falar, é claro,
nos instrumentos tradicionais de ensino da língua: a gramática normativa e os livros
didáticos. (BAGNO, 1999, p. 10)

Esse preconceito acaba acarretando toda camada social, mas no ambiente escolar ele
acaba tendo mais força, devido a escola ser um lugar em que a norma padrão é imposta, mas
que também é coberto de pluralidades de lugares de fala, tanto regional/espaços, faixa etária,
tempo histórico, etc.

5 O que é propaganda?

Antes de adentrarmos no que se entende por propaganda, é necessário que se


compreenda como a comunicação e seus veículos comunicativos (empresas individuais, como
um canal televisivo ou uma canal no YouTube, etc) atuam nos contextos das mídias digitais,
pois é através deles que as propagandas virtuais são divulgadas. Podemos dizer que a
comunicação tem como objetivo divulgar ideias, promover recepção de informações e até
mesmo interação entre os seus usuários. A exemplo disso, está o YouTube, que é uma
plataforma virtual voltada para a publicação e consumo de vídeos audiovisuais. Nela, os
produtores de vídeos divulgam suas ideias de maneira democrática e difundida, o que
significa que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, ao dispor do uso de internet e
algum aparelho digital (Smartphone, notebook, computador, etc), pode acessar e consumir
suas ideias, se assim pesquisar. Por outro lado, mesmo se o usuário não realizar uma busca
por determinado tema/conteúdo, poderá involuntariamente consumi-lo também, pois a
referida plataforma além de usar um sistema de algoritmos que mapeiam os seus gostos e
preferências, permite que seus criadores paguem para que seus vídeos sejam vistos por o seu
público-alvo.
Neste ponto, ao criarem propagandas em formato audiovisual no YouTube, como o
objeto deste estudo, utilizam de todos os recursos disponíveis para alcançar e convencer o seu
público-alvo de suas ideias (verdadeiras ou não), pois as propagandas se baseiam em “ações
de atividades ideológicas que tendem a influenciar o homem, com objetivo político, cívico ou
religioso. É o ato de propagar idéias, princípios e ideologias sem o fator comercial” Gonçalez
(2009, p. 9). Diante disso, é de se refletir sobre a intencionalidade e a ideologia presente em
nosso objeto de análise, produzido pela Natura Musical, pois apesar de ter sido considerada
uma das empresas mais sustentáveis do mundo, em 2020, pela revista Corporate Knights e ter
elaborado o projeto Amplifica, que dá voz a artistas brasileiros, ela defende uma visão
oportunista sobre o que é o preconceito linguístico, pois oculta outras realidades linguísticas e
sociais brasileiras, uma vez que é sabido que o não-dito também possui significações nas
relações linguístico-sociais.

6 análise semiótica da propaganda Preconceito Linguístico no Dia a Dia, da Natura


Musical

A temática preconceito linguístico presente na propaganda Preconceito linguístico no


dia a dia, da Natura Musical, foi analisada em uma perspectiva dedutiva, de caráter
qualitativo e obteve como aspectos a serem discutidos: o ícone (primeiridade) em que se
delimita o perfil dos não-falantes da norma padrão de acordo com o visual; o índice
(secundidade) em que se fala sobre a representação do contexto social dessa temática, do dito
e do não-dito; sentido (terceiridade) em que se revela o significado da temática para a referida
propaganda.

Ícones

É perceptível, de acordo com as representações dos ícones presentes na propaganda,


sejam eles os objetos decorativos que compõem as cenas ou até mesmo o apresentador, que o
perfil dos “não falantes da norma padrão” no Brasil, delimitado pela Natura Musical é da
comunidade preta periférica, pois em momento algum houve demonstrações de outros perfis
de sujeitos.

Índices
Na referida propaganda a ser analisada, a Natura Musical aborda a questão do
preconceito linguístico de forma excludente e pretensiosa, pois ignora a diversidade racial,
social e linguística brasileira, dando enfoque apenas a variação linguística por fator social
experimentada pela comunidade preta periférica, enquanto temos, em todo território
brasileiro, diferentes perfis de sujeitos que não seguem a norma padrão, que usam diversas
formas de comunicar, que variam, de acordo com Bagno (1999), com a classe social, faixa
etária, grupos sociais, regionalidade, etc. Embora tenha esse equívoco, a propaganda
apresenta uma visão coerente acerca da diversidade linguística, no Brasil, quando afirma que
a língua se adapta às necessidades de seus falantes e eles como sujeitos comunicantes,
possuem a autonomia de moldarem o seu idioma de acordo com o que desejam.
Essa afirmação se faz interessante na medida em que refletimos sobre ela levando em
consideração o nosso contexto social, pois foi criado no imaginário popular a ideia de que o
conhecimento de uma pessoa pode ser medido de acordo com as regras gramaticais que
obedece em suas falas (verbais e não-verbais). Além de ser considerado um mito, esse fato
escancara o preconceito linguístico experienciado por diversos brasileiros.

Sentidos

Os fatos abordados nas seções anteriores direcionam a uma reflexão sobre a


intencionalidade dessa propaganda, pois como vimos, toda propaganda é composta por
ideologias e possui o objetivo de convencer o seu consumidor de alguma ideia. O que parece,
de acordo com o que foi exposto na propaganda, que há uma divisão dual do povo brasileiro:
deve-se ser branco, descendente europeu, falante da norma padrão; ou preto, periférico,
afrodescendente, não falante da norma padrão. Essa assertiva, aponta um desconhecimento
proposital sobre o processo de formação do povo brasileiro, pois evidencia apenas dois perfis
e realidades de povos, com o objetivo de chamar a atenção para o público-alvo dessa
propaganda: a comunidade preta periférica. Isso se reafirma até mesmo na escolha do
apresentador ser o cantor Emicida, que é conhecido nacionalmente por cantar músicas do
gênero musical Hip Hop, em que em suas composições há denúncias sociais e narrações do
cotidiano das periferias brasileiras.

7 Considerações finais
Partindo do fato de que a propaganda possui como tema principal o preconceito
linguístico, é possível perceber que o discurso de Emicida é voltado sobre o preconceito
ocorridos em lugares periféricos, e a semiótica pode ser aplicada no ensino de Língua
Portuguesa na Educação Básica por meio da sociolinguística, analisando os discursos por trás
da variação e percebendo que dentro de certos discursos existe uma gama de preconceito,
além de observar elementos que interferem na variação linguística. Esse assunto sobre
semiótica e variação linguística são linhas que têm como o estudo a linguagem e a língua,
desse modo, pode ser discutido/pesquisado sobre várias perspectivas.

Referências

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico, o que é, como se faz. São Paulo: edições Loyola,
1999.

GONCALEZ, Marcio Carbaca. Publicidade e propaganda. Lesde, 2008.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

MARCONDES, Dal. A Natura é uma das empresas mais sustentáveis do mundo. Envolverde,
2020. Disponível em: <https://envolverde.com.br/natura-e-uma-das-empresas-mais-
sustentaveis-do-mundo/>

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